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Capítulo 1 A Bahia no Atlântico Negro "O mar: um abrigo que lá está ... " 3 Desde a colonização do Novo Mundo e a dispersão de africanos · ·cravizados, a África tem sido a principal fonte de inspiração para as ·hamadas culturas negras que se criam e se recriam por toda a diáspora. A /'rica da qual se fala aqui não é o imenso continente africano, que abriga dezenas de diferentes países e centenas de diferentes povos. É uma África que pode até ser muitas Áfricas, mas que permanece una.4 África que é tribal, vinculada ao passado e aos ancestrais, mas que seria sobretudo fiel 11os seus descendentes, quer estes habitem ou não em suas terras, pois o que importa é que a África, possuindo a totalidade indivisível de um signo, resida no campo fértil e criativo dos imaginários afrodescendentes. Este capítulo procura mostrar a centralidade da África para o processo d criação de identidades negras na diáspora. Analisando a importância da África enquanto um signo nas narrativas e representações de negritude, descrevo, em primeiro lugar a busca da África pela diáspora, isto é, a crença cm uma África mítica e idealizada por parte de comunidades negras diaspóricas, e como essa idéia tem permeado a criação e recriação de culturas n gras em diferentes tempos e espaços. Em seguida, será demonstrado como •s e processo tem ocorrido na Bahia, mais especificamente na cidade de Salvador, onde se encontra a cultura negra mais visível do Brasil. Veremos que a busca da África na Bahia tem tornado Salvador ainda mais "africanizada", ampliando assim sua "aura de negritude" e tomando a Bahia l , Da canção "Jeito Faceiro", de Jaupery e Pierre Onassis, Olodum. 4. Uma das apostilas elaboradas pelo Ilê Aiyê afirma que a África está dividida em quatro regiões geográficas (Oeste, Leste, Central e Austral), ainda assim, haveria uma única Identidade que as atravessaria: "Essas regiões representam duas grandes áreas culturais ( .. . ) sem perder a força de uma identidade cultural, para além de barreiras, de limites impostos pelos colonizadores europeus" (Jlê Aiyê, África: Ventre Fértil do Mundo , 2000:02) . 28 Reinvenções da África na Bahia extremamente atraente tanto para militantes negros de outros Estados do Brasil como para turistas afro-americanos que visitam a Bahia, em número cada vez maior, em busca da africanidade que esta teria a oferecer. Seguindo a perspectiva adotada neste livro, defende-se aqui a idéia de que as culturas negras, muito mais do que resultantes de uma herança africana original, têm se construído a partir de dinâmicos processos ocorridos no interior do Atlântico Negro. 5 Nesse sentido, além de tratar das influências da diáspora negra para a criação de uma "cultura negra afro-baiana", irei analisar também como a diáspora tem buscado a Bahia, avaliando o lugar que esta ocupa dentro da rede mundial que conecta os imaginários de negritude e africanidade, expandindo a multicentralidade do Atlântico Negro. 1.1 A diáspora em busca da África A África sempre teve extrema importância para os negros desterri- torializados e reterritorializados no continente americano. Inicialmente, a saudade, a nostalgia e a depressão, muitas vezes chamada de banzo, refletiam o desejo de retorno à terra natal, ao lugar de origem de onde se fora retirado à força, mas que não tinha ainda, para os escravizados, o nome de África. Foi só a partir do século 19 que se começou a pensar que os africanos e seus descendentes na diáspora compartilhariam de uma identidade específica. Os movimentos sociais negros marcaram presença na história das Américas, permeando todo o século XX com fortes manifestações dos descendentes de africanos. Na primeira década de 1900, o Pau-Africanismo começou a se organizar, primeiramente na Europa e depois em várias partes da América, reivindicando a unificação do continente africano e a aliança concreta e progressista com uma diáspora unida. Desde então, a África tem existido como urna "comunidade imaginada" (Anderson, 1989) para os negros na diáspora. Poderíamos chamá-la também -e talvez mais apropriadamente - de "comunidade imaginária", já que, diferentemente de um estado-nação, e exceto em casos muito específicos como Serra Leoa e a Libéria, a África não tem sido freqüentemente habitada pelos negros da diáspora.6 Nas décadas de 1910 e 1920, o pensamento do intelectual jamaicano Marcus Garvey influenciou negros na Jamaica, nos EUA e na África, originando um movimento transnacional em torno das suas idéias, criando 5. Paul Gilroy, The Black Atlantic, Modernity and Double Consciousness, 1993. 6. Sobre o retomo de negros da diãspora para a África, é imprescindível citar também os chamados "escravos retornados", dentre os quais os agudãs, brasileiros que se instalaram no Benin. Sobre o tema, ver: Cunha, 1985 e Guran, 1999. Patrlcia de Santana Pinho 29 um movimento negro de dimensão mundial. Garvey criou impacto, mundialmente, ao pensar o negro como um ser universal. Os negros, embora presentes em diversas partes do mundo, teriam todos a mesma filiação: seriam filhos da Mama África e, portanto, irmãos entre si. Dentre seus objetivos, arvey queria que a África se transformasse numa nação negra com poder mundial, um lugar para onde os negros pudessem retornar (Barret, 1988). Na década de 1930, o movimento da Negritude ganhava adeptos na Europa, África e Américas. Dentre suas diversas reivindicações, a Negritude pregava o resgate dos valores da civilização africana, recuperando a memória africana para trazer orgulho aos negros na Europa e Américas. A Negritude urgiu primeiramente na literatura, como uma forma de recusa à dominação da cultura européia e como tentativa de retorno àquilo que seria primordial da "raça negra", representado pelas tradições e valores africanos (Nascimento, 1981). Da literatura, a Negritude se espalha para outras áreas da cultura, adquirindo ainda novos significados e influenciando as manifestações negras que se seguem por todo o século XX. Os anos 60 inauguram um novo elo entre culturas negras diaspóricas e a Mama África. A sou/ music norte-americana servia de trilha sonora para o Movimento dos Direitos Civis, e os discursos dos líderes negros Martin Luther King e Malcom X clamavam pelo processo de conscientização de negros em várias partes do mundo.7 A publicação do best-seller Roots de Alex Haley, na década de 70, funcionou como um dos grandes propulsores do movimento de busca da África por parte dos negros norte-americanos que visavam reconstruir seu passado étnico. Ainda antes disso, nos anos 50, o livro de Richard Wright, Black Power, já havia inspirado os negros americanos a olharem de novo, e de modo novo, para a África. Os súnbolos que remetessem à África tornaram-se presentes por todo os EUA. Mapas africanos foram desenhados em roupas e adornos, e estilos de cabelos africanos viraram moda. A estética, assim como a música, tomou-se parte importante das demonstrações públicas de identidade e de orgulho. Para Stuart Hall, as diásporas forçadas - cujo maior exemplo é a diáspora negra - produzem imagens que propõem uma coerência imaginária à experiência da dispersão e fragmentação. O triângulo da diáspora negra está centrado na África como mãe de várias civilizações diferentes. "África é o nome do termo ausente, a grande aporia, que jaz no centro de nossa identidade 7. Confirmando a influência negra internacional sobre os movimentos brasileiros, um membro do !lê Aiyê afirmou: "O flê Aiyêfoifundado e se baseou muito nos negros norte-americanos, os Black Power, Ma/com X, Martin Luther King, Mandela e muitos outros africanos que lutaram pela libertação do seu país. Então essas pessoas, nós fazemos questão de que sejam lembradas, porque é uma força, é uma maneira de mostrar que os negros lutam em todo o mundo para libertar o se11povo. " Osvalrísio, diretor do Ilê Aiyê, em entrevista à TV Cultura. 30 Reinvenções da África na Bahia cultural e dá-lhe um sentido que ela, até recentemente, não tinha" (Hall, 1996, 69). As conexões esquecidas são mais wna vez restabelecidas, de forma nova e criativa, produzindo identidades baseadas no mi.to de uma africanidade unificadora e formulando as imagens e discursos diaspóricos. Evidentemente, o uso do termo "mi.to" não é aqui feito para diminuir a força ou questionar a veracidade da crença em uma unidade africana na diáspora, a qual estou chamando de Mito da Mama África. Ao contrário, utilizo o termo mi.to exatamente por este conter as dimensões mais sutis e ao mesmo tempo poderosas das estórias sagradas que construímos para explicar e interpretar o mundo. Carregando valores, mensagens e ideais, os mi.tos são centrais para as narrativas e representações produzidas por povos em contextos diaspóricos. A linguagem da diáspora é criada por povos que sentem, vivem e inventam uma conexão com um lar primordial. Este sentido de conexão se modifica através de processos de esquecimento, assimilação e opressão. Para Safran8 (1991 ), as diásporas são "comunidades minoritárias expatriadas" que são dispersas a partir de um centro original para pelo menos duas periferias; mantêm uma memória, visão ou mi.to sobre seu lar original; acreditam que não são totalmente aceitas no país para o qual foram levadas; enxergam o seu lar ancestral como wn local de possível retomo; acreditam que estão comprometidas na manutenção e recuperação de sua terra original; acreditam que sua consciência e sua solidariedade são prioritariamente definidas através da relação continuada com a terra-mãe original. "Diáspora" é uma palavra de origem grega que significa dispersão. Durante muito tempo, o termo foi usado sobretudo para designar o processo de dispersão dos judeus, bem como os próprios grupos de judeus localizados fora da sua terra de origem. No final do século 19, a expressão "diáspora" foi utilizada para se referir aos africanos espalhados mundo afora por conta da escravidão. Atribui-se ao intelectual caribenho Edward Blyden a primeira menção a wna "diáspora africana". Em 1880, Blyden teria afirmado que haveria muita semelhança entre a dispersão dos judeus e a dos africanos, com a diferença de que os judeus circularam pelo mundo como pessoas livres e economicamente independentes, enquanto os africanos foram levados como "coisas'', representando o maior exemplo existente de diáspora forçada. A expressão diáspora africana, ou negra, só se popularizou, contudo, em meados da década de 1960, inicialmente nos Estados Unidos e no Caribe e, em seguida, cm toda a "diáspora", tendo sido amplamente divulgada por intelectuais e movimentos políticos negros.9 8. William Safran, "Diasporas in Modern Society: Mytbs of Homeland and Return", 1991 , citado em Clifford, 1994 . 9. ll11cyclopedia of African American Culture and History (1996:762). Palricia de Santana Pinho 31 As comunidades que se autodefinem diaspóricas mantêm uma memória ou mito sobre sua terra de origem e, por isso, estão comprometidas com a restauração simbólica da mesma, alimentando o imaginário que se constrói em tomo da "terra-mãe". O conceito de diáspora pressupõe então longas distâncias e uma separação parecida com o exílio e o tabu do retorno, conectando as múltiplas comunidades de uma população que foi espalhada geograficamente . É interessante perceber, no entanto, como mostra Clifford ( 1994), que muitos grupos minoritários que antes não se identificavam desta forma estão agora rei vindicando origens e afiliações diaspóricas. As conexões transnacionais elaboradas pelo discurso diaspórico criam, para alguns grupos desprivilegiados, uma sensação de expansão sobre os limites da nação na qual são minorias. Dessa forma, a diáspora contribui para fortalecer conceitos como "double consciousness", de W.E.B. Du Bois (1999), porque seu discurso reflete o sentimento de pertencer a uma rede transnacional, que inclui a terra- mãe não como algo que ficou para trás, mas como um local de conexão com a modernidade. O conceito de "double consciousness", ou consciência dupla, desenvolvido por W.E.B. Du Bois em seu livro The Souls of Black Folk (1903), expressa a cultura híbrida do negro norte-americano, isto é, a tensão permanente de ser ao mesmo tempo negro e norte-americano. A sinalização do múltiplo e do diverso das gentes negras é considerada um dos traços da modernidade de Du Bois, onde ele demonstra as interconexões entre África, América e Europa que deram origem ao negro moderno. Descrevendo os "modos africanos de autoconstrução", 1º o cientista político Achille Mbembe (2000) afirma que pensadores africanos e afrodescendentes adotaram elementos do modelo judeu de reflexão e construção da própria história, a exemplo do sofrimento, da contingência e da finitude, que têm sido então considerados pontos de partida para a criação de imagens sobre a história e a identidade africanas divulgadas no senso comum. Através da repetição constante, um conjunto de dogmas e sonhos teria sido imposto ao discurso moderno elaborado sobre a África pelos insiders, gerando duas correntes principais de pensamento: uma instrumentalista, que, afirmando-se como radical e progressiva, busca manipular e determinar o discurso que seria autenticamente africano, e a outra, reducionista, que enfatiza a diferença e a condição nativa para promover a idéia de uma identidade africana única fundada sobre o pertencirnento a uma mesma "raça negra". Para Mbembe, ambas as correntes se baseiam em mi.tos e perpetuam noções fantasiosas sobre a África. No Brasil, a idealização de uma África mítica e o estabelecimento de vínculos com outros pontos da diáspora estão muito presentes nas 10. "African Modes of Self-Writing". 32 Reinvenções da África na Bahia manifestações e movimentos negros. A busca da África para recriar tradições negras brasileiras pode ser percebida em várias esferas da nossa vida cultural. Na música, a África mítica está presente nas composições do samba, da MPB, e também dos blocos afro e afoxés. A estética afro-brasileira tem ganhado cada vez mais novos elementos, através de roupas, adereços, penteados, estampas. Recentemente, têm aparecido no mercado os "brinquedos étnicos", com bonecas negras vestidas como "africanas". Na esfera da religião, também ocorre um movimento de reafricanização que recria as relações simbólicas entre o Brasil e a África. Na Bahia, este movimento é liderado por Mãe Stella de Oxóssi, do Ilê Axé Opô Afonjá, que defende o rompimento com o catolicismo e a dissociação entre os orixás e os santos católicos, como parte da estratégia de reafricanizar e purificar o candomblé.11 Buscar a África para reencontrar as "raízes perdidas" tem sido algo de fundamental importância para os movimentos negros brasileiros. A vinculação do presente brasileiro ao passado africano não é uma simples reconstrução de uma história vivida pelos descendentes dos escravos no Brasil. A busca da África se constitui num mito de africanidade, na medida em que o discurso sobre o passado opera reconstruções e legitima a formação de uma narrativa útil à formação da identidade étnica. Neste sentido, as tradições são (re)inventadas tentando estabelecer uma continuidade com um passado histórico apropriado. 12 Como afirma Eric Hobsbawm, adaptam- se as tradições quando é "necessário conservar velhos costumes em condições novas ou usar velhos moldes para novos fins" (Hobsbawm, 1984: 12). Evidentemente, não pretendo aqui negar a existência das continuidades históricas com a África, nem tampouco a presença dos africanismos remanescentes no Brasil. A intenção é analisar as representações sobre a Mama África e os elementos que a esta se relacionam, como as noçõesde africanidade, negritude, autenticidade e originalidade a fim de compreender seus sentidos políticos. 11. Matory (1997 e 1999) mostra que, desde o final do século XIX, líderes do candomblé começaram a fazer contatos com a África, iniciando uma apologia da religião e do povo iorubás, cuja grandeza passou a ser celebrada intencionalmente. Esta idéia da sofisticação do iorubá reverberou pelo mundo afro-latino e aparentemente tornou-se a bandeira para aqueles que reivindicam a pureza africana nas culturas negras no Novo Mundo . 12. As tradições inventadas freqüentemente reafirmam a existência das essências, como é possível verificar na apostil a elaborada pelo Ilê Aiyê : "A lguns valores são essenciais à vida do po vo africano: a família é o núcleo essencial; conhecer e respeitar os antepassados é um dever sagrado para a fa mília africana; cada sociedade tem suas crenças, seus costumes, suas tradições; a solidariedade é um traço essencial das comunidades tradicionais africanas, uns ajudam os outros em todos os momentos da vida; ( .. .)"(África: Ventre Fértil do Mundo, 2000:04). Patricia de Santana Pinho 33 No interior de uma grande heterogeneidade cultural, movimentos negros do Brasil e de vários países da América, do Caribe e da Europa têm reivindicado a sua singularidade com base numa unidade cultural localizada externamente: a filiação à Mãe-África. Embora o Pan-Africanismo tenha representado a primeira tentativa explícita de interseção do continente africano com as comunidades negras da diáspora, tendo impulsionado muitos outros movimentos neste sentido, atualmente se reconhece que a criação de uma suposta "identidade africana" teve início bem antes disso, como veremos ao longo deste capítulo. 1.2 A Bahia em busca da África Dentre os muitos lugares da diáspora negra marcados por forte presença cultural africana, a Bahia tem se destacado por possuir um imenso legado de africanismos. O antropólogo Melville Herskovits, nas décadas de 1940 e 1950, encantando-se com o manancial de "reminiscências" e "retenções culturais" africanas na Bahia, classificou-a em alta posição na sua "escala de africanismos" . O candomblé, os ritmos musicais, a capoeira, e a culinária do dendê são os principais exemplos de expressões culturais de origem africana reelaborados em solo baiano e que têm servido para caracterizar a Bahia como "negra" e "africana" . Recentemente, além do estoque de africanismos que comprovam a continuidade histórica com a Terra-Mãe, a aura de negritude da Bahia tem resultado também da busca e afirmação dos laços com a África, através de tLm movimento iniciado nos anos 1970, quando eram veiculadas as notícias das lutas pró-independência das então colônias africanas, e quando ainda ecoavam as mensagens da sou/ music norte-americana. Foi nesse contexto que os movimentos negros no Brasil começaram a buscar o fortalecimento de seus vínculos com a África, ainda que isso tenha se dado mais no plano do imaginário e da produção cultural do que na esfera da política internacional u da diplomacia. Os elementos culturais afro-brasileiros foram então ressignificados com o intuito de reafirmar a ligação com a África-Mãe. Na Bahia, os !Jlocos afro, surgidos nos anos 1970, no bojo do processo de formação de uma cultura negra internacional contemporânea, têm sido, desde então, os principais condutores desta conexão. Através das letras de uas canções, da criação de vestuários e penteados "afro", e da elaboração de uma rica narrativa identitária, os blocos afro recriam e perpetuam o mito da Mama África, a terra-mãe dos negros na diáspora, onde residiriam o " fundamento" e a "originalidade" . A escolha do tema do Carnaval de 2001 por parte do bloco afro Ilê Aiyê confirma a crença em uma África-fonte-de-todo-conhecimento, através de 34 Reinvenções da África na Bahia seu título: África: Ventre Fértil do Mundo. Na apostila produzida pelo bloco para informar e orientar os compositores sobre o tema do ano, lê-se: "A África nasce no Egito e na inter-relação entre África do Norte e África do Sul, os grandes Reinos do T ASETI, na NUBIA e KENET no Egito, o que significa CIDADE NEGRA ou COMUNIDADE NEGRA, se encontram e abrem caminhos de civilizações para o mundo inteiro. São as pirâmides do Egito; são os templos do Zirnbábue; ( ... )a arte de reunir as palavras, que cria contos, cantos, lendas, histórias e provérbios; a tradição oral que se organiza e cria legitimidade, enquanto a voz e a tradição dos ancestrais. Tudo isso é a África produzindo e jorrando vida, conhecimento, espiritualidade, ritmo, música, de seu Ventre Fértil para o mundo inteiro".13 Os blocos afro criam uma África mítica que funciona como referencial para a construção da narrativa de uma identidade étnica, resultando na criação de uma África específica e especificante dos africanismos, das tradições ditas africanas e da invenção daquilo que se considera "afro". É certo que as criações dos blocos afro não se limitam às quadras onde ensaiam, ou ao número dos seus membros. Ao se apoderarem simbolicamente da "Mama África" e recriar seus significados, os blocos afro criam "tradições" e produzem novos conceitos de ser e se sentir negro, conferindo orgulho e um sentido de "autenticidade" para quem assim se define. A história da dor e do sofrimento vividos nos navios negreiros ou nas plantações de cana-de-açúcar oferece pouca coisa que vale a pena ser lembrada, principalmente se comparada à grandeza das civilizações africanas anteriores à modernidade. "Os negros são incitados, ou a esquecerem a experiência da escravidão, que é uma aberração da estória de grandeza contada na história africana, ou a recolocarem-na no centro do nosso pensamento, através de uma noção mística ou impiedosamente positiva da África, que é indiferente à variação intra-racial, e que se congelou no ponto em que os negros foram embarcados nos navios que os carregariam para as mágoas e os horrores da middle passage" (Gilroy, 1987:189). !4 13. África: Ventre Fértil do Mundo, apostila elaborada pelo llê Aiyê, 2000: 01. Grifos do texto original. 14. O conceito rniddle passage tem sido traduzido como "passagem do meio". Trata- se de uma expressão de uso consagrado na historiografia de língua inglesa, sendo utilizada para designar o trecho mais longo e de maior sofrimento da travessia do Patricia de Santana Pinho 35 Seguindo este mesmo movimento, os blocos afro têm procurado esquecer os horrores da escravidão, preferindo invocar a grandeza do Egito e da Etiópia e a tradicionalidade contida na África tribal, como pode ser conferido respectivamente nos dois trechos das canções do Olodum e do Ilê Aiyê, a seguir: "( ... )Pelourinho uma pequena comunidade que porém Olodum unirá em laços de confraternidade Despertai-vos para a cultura egípcia no Brasil Em vez de cabelos trançados veremos turbantes de Tutankhamon E as cabeças enchem-se de liberdade O povo negro pede igualdade deixando de lado as separações Cadê Tutankhamon, ê Gizé, Akhaenaton, Gizé, Tutankhamon, ê Gizé, Akhaenaton ê Eu/alei Faraó, ê Faraó ... "15 "OllêAiyê Traz como tema este ano Congo Brazzawille Mais um país africano No século quinze As potências do Velho Mundo Voltaram seus olhos para o continente Buscou conhecimentos mais profundos(..)" 16 O mito da Mama África na Bahia inclui, portanto, o grande avanço das civilizações antigas e o fundamento dos povos "primitivos". Além disso, a noção de África perpetuada na Bahia encerra em si a própria diáspora africana, projetando países como a Jamaica, Cuba e os Estados Unidos como ramificações da Mãe África. Exemplo disso é o bloco afro Muzenza, que se nfricaniza pela rota da Jamaica, não importando o fator tisico desta não se Atlântico realizada pelos navios negreiros. A middle passagerefere-se também à transformação, metaforicamente representada pelo momento vivido no navio negreiro, das identidades daqueles indjvíduos oriundos de diversas etnias específicas para uma nova forma de identificação como africanos genéricos ou "negros". 1 S. Da canção "Faraó Divindade do Egito", de Lazinho, compositor do Olodurn. 16. Da canção "Civilização do Congo", de Ademário, compositor do Ilê Aiyê. ' 36 Reinvenções da África na Bahia situar na África, pois é como se fosse wn braço estendido da velha mãe a abrigar seus filhos negros. O Muzenza foi criado em 1981, a partir de uma dissidência do Olodum. Vários temas "africanos" são emblemáticos para o bloco, mas nenhwn é tão importante quanto Bob Marley e o rastafarianismo.17 Por isso, o Muzenza é muitas vezes chamado de "Muzenza do Reggae" e atrai wn tipo especial de folião que forma wna ala exclusiva durante o Carnaval: os rastas, que desfilam carregando wna imensa bandeira da Etiópia sobre os dreads.18 O Olodwn, bloco afro mais conhecido nacional e internacionalmente, também se apropria dos temas do reggae e do rastafarianismo, contudo, numa perspectiva diferente do Muzenza: em vez de exaltar Bob Marley e a Jamaica, vai direto à origem dos mitos, celebrando Hailê Selassiê e a Etiópia (Cunha, 1991). O Olodumfoifundadoem 1979porex-membros doilêAiyê. Este, por sua vez, é considerado o primeiro bloco afro de Salvador, tendo sidofundadonoanode 1974.19 Como todo bloco afro, o Ilê Aiyê se caracteriza essencialmente pela indumentária e pela música. As roupas são feitas pelo próprio bloco, a partir de pesquisa bibliográfica sobre wn povo ou país da África Negra, conforme o tema escolhido para o Carnaval daquele ano (Risério, 1981). Gostaria de comentar brevemente a respeito da música produzida pelos blocos afro da Bahia e de como esta música tem feito suas próprias incursões pela diáspora negra, ainda que estas viagens tenham ocorrido no plano da poesia e da imaginação. Enveredarei por essa seara muito mais enfocando as canções criadas pelos poetas e compositores dos blocos do que os ritmos musicais propriamente ditos, como o afoxé, o ijexá, o samba-reggae, o samba- afro, e tantas outras batidas que se apresentam como sendo ou velhas e tradicionais ou novas e atuais, mas que são todas indubitavelmente modernas. Muito já foi dito sobre os ritmos afro ou negros produzidos na Bahia, mas acredito que há muito mais por dizer, principalmente se considerarmos a tendência, ainda presente nas análises sobre cultura negra, de buscar o que haveria de "originalmente africano" na música negra produzida em Salvador ou em outros lugares do mundo. Essa tendência se deve principalmente à noção - a meu ver equivocada - de que seria a preservação desta "origem comum" que serviria para conectar os descendentes de africanos espalhados pelos mais diversos pontos da diáspora. 17. Sobre o rastafarianismo, ver Pinho, 1995. 18 . Tal como o !lê Aiyê, o Muzenza se localiza no bairro da Liberdade, mas diferentemente do primeiro, que só aceita indivíduos de cor e fenótipo negros, o Muzcaza aceita mestiços e brancos entre os seus componentes . 1 Q. O ll ê Aiyê está localizado no bairro da Liberdade, onde se concentra o maior contingente negro da população de Salvador. Patricia de Santana Pinho 37 E é exatamente sobre a diáspora, ou sobre como se imagina a diáspora, que eu gostaria de me ater aqui, analisando o discurso contido nas letras das canções dos blocos afro, a fim de entender como a diáspora africana é neste contexto imaginada, concebida e representada. Embora a denominação "diáspora" inevitavelmente remeta a um universo amplo, irrestrito e caracterizado por infinitas possibilidades de comunicação e troca, esta mesma palavra, assim como ocorre com os significantes de wn modo geral, pode adquirir significados bastante distintos e até mesmo contrários à concepção explicitada no esquema do Atlântico Negro de Gilroy ( 1993). Muitas vezes, como indica Risério (1981), o "passado africano" resgatado pelos blocos é encontrado nos livros e enciclopédias. As letras das músicas e as indwnentárias usadas pelos blocos são criadas a partir de pesquisas onde a bibliografia acadêmica é wna das principais fontes de informações sobre as tradições inventadas. A africanidade ostentada pelos membros dos blocos inspira-se no desejo de afirmação de wna nova negritude afro-referenciada. O conhecimento buscado na enciclopédia é refletido nas letras das canções, que muitas vezes se assemelham a verbetes, que destacam elementos da geografia e da história de países africanos, descrevendo a localização de rios, montanhas, desertos, florestas, e oferecendo até mesmo dados estatísticos sobre a população, como as etnias, atividades econômicas e as religiões predominantes. Aprendemos assim que "Congo região tem muitos pântanos e rios, dos quais se destacam o Rio Congo, o Motaba e o Ubamgui, tendo os Montes Leketi como ponto culminante, essencialmente da agricultura vivem os seus habitantes."2º Durante os carnavais dos fins dos anos 70 e de toda a década de 80, a história e a geografia de países como o Egito, a Etiópia, Madagascar, Senegal, Congo, foram entoadas pelas ruas de Salvador, levando a população local a saber de cor as lendas sobre Osíris, Tutankhamamon e os faraós do Egito; ou repetindo as estrofes que informavam que "Senegal faz fronteira com Mauritânia e Mali";21 que, em Madagascar, "alienado pelos seus poderes, o rei Radama foi considerado wn verdadeiro meiji, que levava seu reino a bailar", ou que "bantos, indonésios e árabes se integraram à cultura malgaxe";22 e que Osei Tutu foi rei do império Ashanti de Gana, com suas riquezas do ouro e do cacau; e que "Ranelique Segundo venceu a batalha, expulsando os italianos de Axum".23 A ênfase dada à natureza (rios, desertos, etc.), bem como aos feitos heróicos dos povos negros, que além de expulsarem seus colonizadores, 20. Da canção "Civilização do Congo", de Ademário, Ilê Aiyê. 2 l. Da canção "Canto para o Senegal", Banda Reflexus. 22. Da canção "Madagascar Olodum", de Rey Zulu, Olodum. 23. Das canções "Negrice Cristal", de César Maravilha, Ilê Aiyê, e "Denúncia", de Tita Lopes, Olodum. 38 Reinvenções da África na Bahia inventaram a metalurgia e os fundamentos da matemática, revela a crença predominante em uma África-fonte-de-todo-saber. Transformando verbetes de enciclopédia em poesia, as canções dos blocos afro exaltam sobretudo a grandeza dos povos africanos, e a origem e, portanto, filiação dos negros baianos à Mama África. A "origem nagô" é a preferida dos poetas que escrevem as letras destas canções, transformando o adjetivo iorubá num distintivo que serve para rotular a negritude ao mesmo tempo em que produz uma imaginada "baianidade nagô".24 Como afirmam em seus discursos, os blocos afro de Salvador concebem a diáspora como um panorama da mitologia da raça negra. Suas canções invocam portanto a grandeza das Grandes Civilizações Africanas, como o Egito e a Etiópia, e a originalidade e a sabedoria fundamentais que estariam contidas na África tribal. O "fundamento" e a base da africanidade tribal são cantadas nas letras que exaltam o Congo, o Daomé, Gana, Togo, Benin, ao mesmo tempo em que se bebe da fonte contemporânea do discurso afrocentrista norte-americano para exaltar a nobreza das "Grandes Civilizações Africanas'', a exemplo do Olodum que cantava: "Despertai-vos para a cultura egípcia no Brasil, em vez de cabelos trançados, veremos turbantes de Tutankhamon". 25 Inserido numa perspectiva de fortalecimento do ideal da negritude, o discurso das canções dos blocos celebra também a beleza negra, que é associada sobretudo aos elementos do corpo: a cor, os traços e os cabelos. Cantam-se os temas das "deusas do ébano", o "perfil azeviche que a negritude criou", as"tranças cheias de originalidade"; enfatizando-se que "o negro se farta do canto da sua beleza", ou que a negritude "constitui um universo de beleza, explorado pela raça negra". 26 A consciência da própria negritude geralmente está associada à necessidade de "preservar as tradições africanas" e então as canções dos blocos descrevem os arquétipos dos orixás e narram as lendas do candomblé, sempre destacando que os deuses viajaram da África para a Bahia, numa rota pré-estabelecida e uni-direcionada. Assim, canta-se que o "Pelourinho é uma pequena comunidade que porém o Olodum unirá em laços de confraternidade" e que "Salvador se mostrou mais alerta com o Afro Olodum a cantar'', reforçando assim o papel dos blocos afro enquanto "semeadores de negritude e africanidade".27 24. Da canção "Baianidade Nagô", de Evany Ed Stalo, Banda Mel. 25 . Da canção "Faraó Divindade do Egito", de Luciano Gomes dos Santos, Olodum. 26. Trechos das canções do llê Aiyê : "Deusa do Ébano", de Geraldo Lima, "Negrume uo Noite", de Paulinho do Reco, e "Canto da Cor", de Moisés e Simão. canções "Faraó Divindade do Egito'', de Luciano Gomes dos Santos, e "Salvador N1 o Incri ", de Bobôco e Beto Jamaica, Olodum. Patricia de Santana Pinho 39 Foi no final dos anos 80 que a música afro-baiana estourou nas rádios de todo o país, só que muito mais pelas interpretações de cantoras brancas e de bandas de trios elétricos - que então passaram a investir nesse filão - do que pelas vozes dos cantores e compositores dos blocos afro, que já produziam esse tipo de música havia mais de quinze anos. Naquele momento, jovens da classe média baiana repetiam em coro: "Eu sou negão, meu coração 6 a Liberdade", e mesmo morando no Itaigara ou no Caminho das Árvores diziam: "Sou do Curuzu, Ilê, essa é a minha verdade".28 O sucesso da música afro, ainda que cantada por intérpretes que tinham pouca ou nenhuma conexão com os blocos, consolidou a fama de Salvador como "Meca da negritude brasileira", e então muitos afoxés e blocos afro começaram a ser criados em São Paulo, no Rio e em outros estados do Nordeste, enviando seus líderes para "fazerem estágio" nos blocos afro "originais", em especial no Ilê Aiyê, que é considerado unanimemente como o "guardião das tradições africanas na Bahia". Naquele mesmo período, no final dos anos 80, os blocos afro começaram a criar canções que exaltavam a grandeza de outros países reconhecidamente marcados por forte cultura negra, porém localizados fora da África. Revelava- se então que, além da África, outro manancial simbólico possível seria a rede composta por países de grande população negra, em especial aqueles localizados no Caribe, que passaram a ser definidos como "latinamente negros", unindo "latinamente um povo negro a cantar, latinamente um povo em comum pensar". 29 Foi então que Cuba e a Jamaica começaram a ser cantadas, principalmente pelos blocos Olodum, Malê de Balê e Muzenza, enquanto que o Ilê Aiyê, optando por uma postura mais tradicionalista, preferiu guardar fidelidade aos países localizados internamente à Mama África. O Olodurn assume então uma postura de vanguarda, apontando as conexões da diáspora de forma mais dinâmica, mostrando, por exemplo, que "Hailê Salassiê - Rastafari- ê - surgiu na Etiópia, virou filosofia que a Jamaica acolhia". 10 Ao lado do Malê de Balê, o Olodum encanta-se com Cuba e com as semelhanças que uniriam os povos baiano e cubano; e, em consonância com o Muzenza, celebra a Jamaica e o rastafarianismo, celebrando o poder da luta dos "guerrilheiros de Jah". A noção de África difundida nas canções dos blocos afro na Bahia inclui assim a própria diáspora africana, representada por países como Cuba, a Jamaica e os Estados Unidos. 28 . Trechos da canção "Eu sou negão'', de Gerônimo. 29. Trechos da canção "Um Povo Comum Pensar", de Suka, Olodum. 30. Da canção "Denúncia'', de Tita Lopes, Olodum. Reinvenções da África na Bahia Vemos que, apesar destes países localizados fora da África começarem n ser celebrados nas canções dos blocos, e mesmo considerando que os lcnnos "diáspora negra" e "diáspora africana" passaram a ser muito citados n discursos dos blocos de um modo geral, isso foi feito através de uma p 1 pectiva que destacava o que haveria de mais "africano" naqueles países, elegendo-os por serem considerados sítios detentores de africanidade. Dessa maneira, a "diáspora" é entendida a partir de uma concepção que continua privilegiando a África como centro aglutinador dos negros no mundo, seja b a forma das particularidades étnicas (as africanidades), ou seja sob o formato mesmo de "nação africana", a unir os negros do mundo. No caso dos blocos afro-baianos, é certo que eles surgiram num período marcado mundialmente por esse desejo de resgatar a Mama África, portanto a base de seus discursos identitários enfatiza a necessidade de preservação das tradições, o que evidentemente tem levado a um intenso processo de criação e invenção daquilo que se imagina como sendo africano. A busca e as conseqüentes invenções das tradições na cultura afro-baiana contemporânea criaram novas demandas por informações e símbolos da África, contribuindo para fortàlecer generalizações sobre a "natureza" do povo africano/negro e para fixar pedaços essencializados de uma suposta - e única - "cultura africana". Mesmo quando a metáfora do mar é utilizada nas canções dos blocos, as referências são muito mais sobre a costa (da Bahia, do Marfim) ou sobre os golfos e baías (de Todos os Santos, de Luanda), do que sobre o oceano e as águas que unem os continentes. Nessa concepção de diáspora, prioriza- se muito mais a terra - talvez por esta representar a solidez de urna cultura que se quer homogênea - do que o mar, que com sua movimentação constante e incessante, está sempre a transformar e misturar. Percebe-se que, além da África, a rede de símbolos composta por países de grande população negra, especialmente os EUA e os países caribenhos, constitui um manancial simbólico fundamental para os blocos afro. As músicas-temas, inspiradas por países africanos, incluíram, em suas versões posteriores, outros países de maioria negra abrangidos pela diáspora. A reelaboração dos dados históricos apresentou resultados surpreendentes, exemplificados na aproximação proposta entre Bahia e Jamaica (Muzenza), ahia e Cuba (Malê de Balê) e Bahia e Egito (Olodum). O estudo do passado a fri cano tomou rumos ecléticos, dando lugar a reelaborações de conteúdos ele acordo com a tônica necessária à personalização do bloco afro que a empregava(Risério, 1981). Os movimentos culturais negros no Brasil têm mesclado raízes com internacionalismo, em um contexto no qual as expressões negras norte- nmeri canas têm servido como referenciais importantes (Vianna, 1988). Em S 1l vndor, o soul e o funk tiveram um desenvolvimento único, talvez a 1 .ilrlcla de Santana Pinho 41 rnncretização do sonho dos ideólogos do movimento negro: "conscientizar" 11 massa negra. 31 Antônio Risério mostra como o bailefank foi o território pura a revitalização do afoxé baiano e para o nascimento do primeiro bloco 1 f'ro. Um dos fundadores do Ilê Aiyê, Jorge Watusi, declarou a Risério: "No Ri de Janeiro, a coisa teve um impacto mais comercial, aparentemente ilienado, porque eles não tinham uma relação tão intensa com a raiz cultural negra. Aqui, na Bahia, foi muito diferente. A consciência veio como moda, é ·!aro. Tinha aquele som, aquelas roupas, etc. Depois, com o tempo, a gente vi u que esse lance todo da moda não era lá tão importante. Foi aí que pintou o Ilê Aiyê. Eu acho que foi com o Ilê Aiyê que pintou a passagem, que a gente passou de uma coisa pra outra. Por que com o Ilê, veio a coisa de se manifestar no carnaval já com uma orientação mais real, afro-brasileira" (R.isério, 1981:31). Paul Gilroy (1993)mostra que a música negra tem andado lado a lado om as lutas negras, tendo um poder de comunicar informação, organizar a onsciência e expressar a subjetividade individual e coletiva. A cultura hip hop, por exemplo, surgiu entre negros pobres nos Estados Unidos e a partir daí se criou um movimento jovem de dimensão global, alcançando diversos pa íses mundo afora, inclusive o Brasil. Os componentes musicais do hip hop são uma forma híbrida criada através das relações sociais do South Bronx, para onde a cultura jamaicana do Sound System foi transplantada durante os anos 70, criando novas raízes. Em conjunção com inovações tecnológicas específicas, esta cultura caribenha reterritorializada nos Estados Unidos iniciou um processo que transformou a identidade negra norte- americana, além de influenciar decisivamente na indústria da música popular. O estilo, a retórica e a autoridade moral do Movimento dos Direitos Civis e do Black Power tiveram destinos parecidos. Ambos foram destacados de suas origens étnicas e históricas para serem exportados e adaptados a lugares diferentes com necessidades parecidas. É interessante perceber que a apropriação destas formas, estilos e histórias de luta foi possível mesmo a uma grande distância fisica e social. A sua adaptação foi facilitada por um pano de fundo comum de experiências urbanas e pelo efeito de formas similares, porém não idênticas, de segregação racial, bem como por uma memória da escravidão, um legado de africanismos e wn estoque de experiência 31. Herm ano Vianna ex.plica que a adoção de sí mbolos trans nacionais também aconteceu nos bailes funks cariocas, nos quais "os dançarinos que acompanhavam a Soul Grand Prix ( ... ) criaram um estil o de se ves t ir que mesclava as vári as informações visuais que estavam recebendo, incluindo as ca pas de discos. Fo i o período dos cabelos afro , dos sapatos conhecidos como pisantes (sol as altas e multicoloridas), das calças de boca estreita, das danças a James Brown, tudo vinculado à expressão Black is BeautifuI'' (Vianna, 1988:27). ' 42 Reinvenções da África na Bahia religiosa. Deslocados de suas condições originais de existência, os elementos dessa cultura afro-americana alimentaram uma nova metafísica de negritude, elaborada em espaços públicos através de uma cultura expressiva dominada pela música. A linguagem política da cidadania, da justiça racial e da igualdade tomou-se uma das narrativas presentes na transferência de formas políticas e culturais através do Atlântico Negro (Gilroy, 1993). No interior deste sistema internacional de trocas de símbolos, idéias e imagens, há vários centros emanadores de "negritude", além da própria África e dos hegemônicos Estados Unidos. Ainda restrita a um pequeno raio de alcance, mas destituída de qualquer grau de timidez, a Bahia tem despontado como um pólo produtor de símbolos negros, que aos poucos começa a ganhar espaço e afirmar sua posição nas rotas do Atlântico Negro. 1.3 A diáspora em busca da Bahia Após esta nossa rápida viagem pelas rotas do Atlântico Negro, aportando em lugares da diáspora onde a África tem sido constantemente ressignificada para servir como referência para a construção de identidades negras não apenas locais, mas também transnacionais, visitaremos a Bahia para vermos como esta, enquanto lócus produtor de "símbolos étnicos negros", se insere no importante sistema de trocas simbólicas. A posição da Bahia como um dos centros do Atlântico Negro teve inicio ainda durante o período colonial, quando o tráfico de escravos inseriu definitivamente o Brasil nas redes do con:ércio transatlântico. Análises recentes têm mostrado que a formação do Brasil se deu muito mais em função da sua relação com a África do que com Portugal. Luís Felipe de Alencastro (2000), por exemplo, demonstra que a Bahia e o Rio de Janeiro estavam mais conectados a Luanda e Benguela do que a outras cidades brasileiras do período. Os portos baianos negociavam com navios estrangeiros muito antes da abertura oficial dos portos brasileiros. No final do século 18, negociantes brasileiros já dominavam o tráfico de escravos, que passou então a ser organizado a partir da Bahia, e não mais a partir de Lisboa. Além de beneficiar- se de sua posição geográfica, o que permitiu uma grande autonomia em relação a Portugal, a Bahia era o único estado do Brasil a produzir tabaco, que era então uma das principais moedas utilizadas no comércio de escravos. O nome "Bahia" tem sido utilizado tanto por brasileiros quanto por estrangeiros para se referir à cidade de Salvador da Bahia de Todos os Santos, a capital do estado da Bahia. Devendo seu nome à baía em tomo da qual se 1 caliza o Recôncavo, bem como à data de todos os santos, quando foi dcs oberta e batizada pelos portugueses em primeiro de novembro de 150 l , l idade que aí cresceu tornou-se conhecida como Bahia. Tanto para aqueles l '.1lrlcla de Santana Pinho 43 que vivem no interior do estado, quanto para aqueles que vivem no exterior d país, Salvador tornou-se internacionalmente conhecida como "Bahia", ugundo Pierre Verger (1999a) "como se outras baías não existissem". na eando-me nesta designação previamente estabelecida, tomo a liberdade d também utilizar neste livro o nome "Bahia" para me referir a Salvador e às ·idades também negras do Recôncavo. A majoritária população negra da Bahia contribuiu para que viajantes e exploradores que visitaram a cidade durante os séculos 18 e 19 a descrevessem como uma cidade negra, apelidando-a de "nova Guiné" e "Negrolândia" (Verger, 1999a). Mais tarde, a Bahia recebeu ainda os títulos de "Roma Negra" e "Meca da Negritude", designações que apontam para sua condição central na rede de circulação de povos e símbolos negros. "Roma Negra" e "Meca da Negritude" são termos que enfatizam claramente caráter da Bahia como uma cidade-mundial, primeiro porque destaca sua centralidade no Atlântico Negro -que, como vimos, é um sistema que permite a existência de muitos centros em sua configuração diaspórica - e, em segundo lugar, porque caracteriza a Bahia como um ponto de convergência, contato e peregrinação. Acredito que a Bahia pode ser considerada uma "cidade mundial" por haver ocupado na época colonial um espaço urbano de central importância no mundo. As cidades mundiais definem-se como centros de poder cultural e político na constituição do sistema de mundo moderno. Possuem diversos significados e uma grande variedade de papéis, mas são, acima de tudo, zonas de contato, onde variados grupos se encontram e vivenciam trocas e conflitos. Diferentemente das "cidades globais" (Sassen, 1991 ), conceito que enfatiza os papéis econômicos das megalópoles, as cidades mundiais caracterizam-se por sua capacidade de interferir na hierarquia global da concentração de poder e produção do conhecimento, o que Aníbal Quijano (2000) chama de "colonialidade do poder". Além disso, enquanto o termo "cidade global" geralmente é usado para definir os centros econômicos do estágio atual da globalização, marcado pelo aumento do capital financeiro desde a década de 1970, as "cidades mundiais" têm ido centrais para o mundo moderno desde o começo da história do capitalismo. Ao longo do século 19, muitos negros baianos emancipados passaram a participar do comércio com a África. Dentre as mui ta mercadorias trazidas do golfo do Benin para a Bahia, destacavam-se produtos usados no candomblé . Penas vermelhas, tinturas e tecidos eram algumas das mercadorias cobiçadas por praticantes do candomblé na Bahia, junto com a troca de recados pessoais e segredos religiosos que conectava pessoas dos dois lados do Atlântico. O intercâmbio transatlântico feito inicialmente por comerciantes ganhou novos mediadores com a entrada, neste cenário, de pesquisadores, dentre os quais Pierre Verger tornou-se omais conhecido. 44 Reinvenções da África na Bahia Transportando presentes, mensagens, objetos e segredos e servindo como um intermediário entre a Bahia e a África Ocidental, Verger agradou os praticantes mais puristas do candomblé, ansiosos em se reconectar com a fonte original africana, ao mesmo tempo em que desagradou os pesquisadores igualmente puristas, que acreditavam que o legado de "sobrevivências africanas" no Novo Mundo deveria ser cuidadosamente preservado de modo a ser, através de suas pesquisas, descoberto e mapeado. Melville Herskovits, por exemplo, havia ficado bastante incomodado com as perambulações de Verger e por este ficar carregando tradições de um lado ao outro do Atlântico, bagunçando assim os pedaços de seu gigantesco quebra-cabeça: seu laboratório de retenções e sobrevivências culturais. No momento presente, mães e pais de santo fazem, eles mesmos, suas próprias viagens "de volta" à África em busca das tradições perdidas. Por outro lado, religiosos do continente africano, especialmente de cultos bantu, também viajam para a Bahia para encontrar tradições que se perderam na África mas que foram preservadas nos candomblés baianos. 32 Segundo Vivaldo da Costa Lima, o termo "Roma Negra" seria resultado da expressão "Roma Africana", cunhada por Mãe Aninha, fundadora do terreiro Ilê Axé Apô Afonjá. A famosa ialorixá havia declarado à antropóloga Ruth Landes nos anos 1940 que a Bahia era a Roma Africana, não apenas por seu grande número de terreiros de candomblé, mas principalmente pela sua centralidade no culto transatlântico dos orixás. A metáfora, inspirada pela fé católica da ialorixá, expressava que, se Roma seria o centro do catolicismo, Salvador seria o centro do candomblé, portanto uma Roma africana. O termo teria sido traduzido para a lingua inglesa por Ruth Landes em Cidade das Mulheres, como Negro Rome e depois re-traduzida para o português como "Roma Negra".33 O título de "Meca da Negritude" também deve muito à religião dos orixás e não, como poderia parecer, à grande presença de escravos muçulmanos. Trata-se de um termo mais recente e que tem sido promovido principalmente por militantes negros e produtores culturais de outros estados do Brasil que consideram a Bahia a principal fonte de cultura africana do país. Pais e mães de santo de São Paulo e do Rio de Janeiro freqüentemente vinculam a ancestralidade de seus terreiros, bem como a sua "feitura" religiosa, 32. Membros da ACBANTU (Associação Cultural de Preservação do Patrimônio Bantu), ONG baiana que tem por objetivo principal contribuir para o resgate das tradições de origem bantu e manter intercâmbio com entidades congêneres no âmbito nacional e internacional, comentaram sobre a vinda de Angolanos para a Oahi a, em busca de tradições bantu que foram "perdidas" na África porém prc ·ervadas na Bahia. 33 . orrcio da Bahia, 1 O de março de 2004 (Andréia Santana). Patricia de Santana Pinho 45 u terreiros e ialorixás baianos. O mesmo acontece com grande número de academias de capoeira cujos mestres associam o seu aprendizado aos velhos capoeiristas baianos como forma de conferir legitimidade ao seu jogo. Da mesma maneira, os fundadores dos primeiros blocos afro têm emprestado seus conhecimentos de cultura afro-baiana através de serviços de consultoria a grupos culturais negros situados em outros estados do Brasil. A aura de negritude da Bahia, apesar de originada em tempos coloniais, tem sido constante e intensamente reelaborada. A década de 1970 inaugurou o processo de reafricanização nas esferas do carnaval, da música, dança e da estética, estabelecendo a Bahia como a Meca da Negritude, reatualizando assim seu significado enquanto centro cultural no Atlântico Negro.34 O termo "Atlântico Negro" é utilizado por Paul Gilroy ( 1993) para explicar as estruturas transnacionais que se desenvolvem e se articulam em um sistema de comunicações globais, constituído por fluxos que transportam imagens, idéias e símbolos negros por todo o Atlântico. O autor utiliza a metáfora da imagem de navios se movendo entre a Europa, a América, a África e o Caribe. O navio - um sistema vivo, micro-cultural e micro-político em movimento - é uma imagem especialmente importante, por razões históricas e teóricas. O navio representa ainda as trocas ocorridas dentro dos sistemas circulatórios que abrangem os países do Atlântico Negro, cuja origem coincide com o período da escravidão, quando mulheres e homens negros de diferentes etnias passaram a ser identificados genericamente como "africanos". Gilroy defende que o processo que criou o negro produziu suas próprias e específicas contradições. Desta maneira, a música negra, as artes negras e o pensamento negro radical, seja ele político ou religioso, seriam expressões da vertente contracultural critica do Atlântico Negro, a partir do qual se teria gerado uma contra-interpretação da modernidade. Esta vertente tem suas genealogias e pode ser mapeada historicamente, reconstruindo laços e pontos de articulação. Um dos principais aspectos desta contracultura é a fusão de ética com estética, estimulando um contra-discurso que se posiciona para , lém do pressupostb ocidental da dualidade entre arte e política. A música e as práticas culturais e sociais de origem africana na diáspora são portadoras, ao mesmo tempo, da utopia de um mundo melhor e de uma crítica profunda ao capitalismo e ao ocidente. O que se verifica de diversas formas, em diversos pontos do Atlântico Negro seria, então, uma ioterpretação baseada na separação entre política e cultura, forjada no pensamento europeu, porém distante da realidade da diáspora. O Caribe, a África, a América Latina e a América do Norte contribuíram para que se 4. A construção de uma imagem negra da Bahia também contou com a participação de pesquisadores e escritores, como veremos mais detidamente ao capítulo 5. 46 Reinvenções da África na Bahia pudesse formar uma identidade racial negra transnacional. O contexto urbano no qual suas expressões culturais foram criadas propiciaram o apelo estilístico em que se baseiam as identificações étnicas locais. A criação e as trocas transnacionais dos símbolos étnicos negros representam peças fundamentais para a constituição das narrativas e discursos de negritude com os quais os grupos negros expressam suas lutas e experiências. Mais do que meros desdobramentos dos africanismos existentes, as culturas negras na diáspora formam-se, sobretudo, a partir da movimentação dos símbolos negros que viajam pelo Atlântico, recebendo novos significados onde aportam. Exemplo disso teria sido a entrada da música negra no domínio público no final do século 19, quando se iniciavam os entretenimentos de massa na Europa. Mas há ainda uma infinidade de exemplos de como as culturas negras de lugares distintos se comunicam, se conectam e se influenciam reciprocamente (Gilroy, 1993). Para visualizar a Bahia no Atlântico Negro, é necessário considerá-la tanto como receptora quanto como emissora dos objetos, símbolos e idéias que circulam por estas rotas. Os blocos afro oferecem um bom exemplo dessa "via de duas mãos'', já que surgiram no bojo do processo de formação de uma cultura negra internacional contemporânea, buscando as nações africanas como referência histórico-simbólica. Os blocos afro, assim como vários grupos produtores de cultura negra, utilizam símbolos importados da arena internacional de maneiras diferentes, atualizando seus significados e modificando suas mensagens. Neste sentido, os subúrbios do Rio de Janeiro estão ligados aos guetos negros norte-americanos através do soul e do fank. Da mesma maneira, o reggae une a Jamaica a Salvador, só para citar alguns dos muitos exemplos de absorção de elementos culturais transnacionais em diferentes contextos locais. O reggae, assimcomo os demais elementos transnacionais selecionados localmente, funciona como um decodificador de identidade de jovens negros e mestiços, sintonizando- os com o fluxo global desta contracultura da diáspora. Como em outros contextos, processos de produção contra-discursiva realizam discursos estruturados de elaboração de experiência da alteridade, a partir da ressignificação de elementos da cultura popular transnacional. Um exemplo significativo da chegada de símbolos transnacionais aos "portos" da cultura afro-baiana pode ser encontrado na página do Olodum na Internet. Há um destaque para as "Personalidades" celebradas pelo grupo, acompanhadas de um breve histórico de cada uma delas, onde se exalta o que seria sua contribuição para a cultura negra local. Dentre estas, aparecem Zumbi dos Palmares; Gilberto Gil; Antônio Agostinho Neto, o presidente das Forças de Libertação de Angola (FAPLAS); Marcus Garvey, intelectual jamaicano, criador do UNIA; Samora Machel, presidente de Moçambique, morto em 1986; e o cantor de reggae Alpha Blondy. Segundo o que está Patricia de Santana Pinho 47 escrito no site: "Alpha Blondy tem muito em comum com o Olodum: a luta política por um mundo melhor, a dureza da música militante, o apego à modernidade africanista, a valorização da história e da identidade negra( ... )." Além disso, dentre os vários objetivos do grupo, destaca-se a sua intenção em "promover o intercâmbio cultural entre o Olodum, pessoas e identidades da cultura negra no Brasil e no mundo; ( ... ) difundir internacionalmente a cultura de rua de Salvador( .. . ) e dos afro-brasileiros, conectando a cultura local às novas tendências da arte e da cultura no mundo".35 O circuito no qual estão presentes os símbolos transnacionais valorizados pelos blocos se insere na rede mais ampla do ímaginário simbólico. Embora sua produção cultural esteja situada nas rotas diaspóricas do Atlântico Negro, os blocos afro criam objetos e símbolos que ao mesmo tempo reforçam sua conexão com a Mama África, reatualizando assim as expressões culturais africanas na diáspora. ' É precisamente o que parece ter sido preservado da África na Bahia que tem atraído um número cada vez maior de turistas negros dos Estados Unidos. Desde a década de 1970, os afro-americanos têm viajado à Bahia para encontrar "africanidade". O que começou como uma viagem informal de um grupo de amigos se transformou ao longo das últimas décadas em um mercado estruturado e organizado que inclui agências de turismo do Brasil e dos EUA. Eu chamo este fenômeno de "turismo de raízes" porque é desenvolvido por pessoas que viajam para encontrar suas "raízes africanas", estejam estas localizadas no continente africano em países da diáspora com significativas populações negras. Os turistas de raízes afro-americanos buscam conhecer culturas negras diaspóricas e estabelecer uma conexão com povos afrodescendentes de outras partes da diáspora. Embora a busca simbólica - e, muitas vezes, física - pela África e, conseqüentemente, por africanidade, da parte de descendentes de africanos na diáspora tenha começado no século 19, a exemplo do Pau-Africanismo, foi só a partir da década de 1970 que o turismo afro-americano na África passou a existir de modo organizado. Ainda no final dos anos 70 e início dos unos 80, o turismo afro-americano expandiu-se de modo a incluir países localizados na diáspora. Salvador e as cidades do Recôncavo, reconhecidas por sua forte herança negra, têm sido locais de visitação cada vez mais freqüente por parte de militantes negros de outros estados do Brasil e de turistas afro-americanos cm suas viagens de "retomo às raízes" . Muitos negros norte-americanos visitam a Bahia a fim de conhecer de perto o que eles afirmam ser suas 35. O Olodum tem divulgado a música afro-baiana mundo afora, faze ndo shows no Central Park, em Nova York, e em vários países europeus. Cantores mundialmente conhecidos como Paul Simon e Michael Jackson vieram ao Brasi l para gravar com o Olodum. 48 Reinvenções da África na Bahia "tradições perdidas". É comum encontrá-los, com suas roupas africanizadas, tranças e turbantes, nos ensaios dos blocos afro, nos terreiros de candomblé e nos locais onde as expressões culturais afro-baianas acontecem. Esses turistas negros vêm à Bahia com a intenção de reencontrar suas "raízes africanas", que não estariam apenas na África, mas em todos os lugares da diáspora onde a África tem sido recriada. A autora afro-americana Rachel J. Christmas, ao descrever uma destas visitas, descreve o "pulso africano" que a Bahia oferece para os afro-americanos: "Nós sentimos o pulso africano na batida do samba, conhecido como semba em Angola; o engolimos com a comida condimentada, feita com castanhas, leite de coco, gengibre e quiabo, também usados na cozinha africana; o testemunhamos nas cerimônias de Candomblé, enraizado na religião dos iorubás da Nigéria; o ouvimos no musical sotaque iorubano do português falado no estado da Bahia.( .. . ) Hoje, os baianos estão muito mais conscientes de suas origens do que estão os afro-americanos" (Christmas, 1992:253/4). 36 Sobre os blocos afro, a autora os definiu como sendo formados por pessoas que estariam vinculadas a ela própria por um passado comum, e que saberiam a importância de resgatar este passado africano: "Suas mãos voavam para cima e para baixo sobre os tambores enfileirados; os membros de um dos blocos afro da cidade colocavam muitos quadris em movimento.( ... ) Preparando-se para as festividades anuais, os membros estudam bantu, iorubá ou outra cultura africana a ser incorporada em sua música, suas canções e danças" (Christmas, 1992:25617).37 36. A idéia de que os negros na Bahia ou no Brasil teriam mais consciência (awareness) sobre a sua origem africana está bastante presente no imaginário do militante negro norte-americano, como pode ser percebido no depoimento do rapper Ml , da banda norte -americana Dead Prez: "Quando eu penso no Brasil, penso em gente preta falando português, entendeu? Eu penso em africanos, penso na África( .. . ) Eu sinto que eles estão mais próximos ou mais conectados à África. Eu vejo um passo ganho na força do povo preto. Na espiritualidade do povo de lá eu vejo um passo ganho na resistência contra a dominação colonial, no entendimento da importância da África, vejo uma estratégia a menos de lavagem cerebral que tem sido aplicada aqui ( ... )", Revista Rap Internacional, Ano 1, no 3, 2001. 37. Este artigo de R. J. Christmas é parte de uma cole tânea organizada por David Hellwig (1 992), onde há vários outros artigos que se referem à importância da troca de experiên cias entre os negros brasileiros e os afro-americanos . Dentre estes, destacam-se os textos de R. L. Jackson, Niani D. Brown, Gloria Calomee. Patricia de Santana Pinho 49 Através de sua produção cultural, os blocos afro exercem um papel fu ndamental nas novas formas tomadas pelo movimento negro contemporâneo, contribuindo para moldar a imagem da cidade da qual fazem parte e servindo como referência importante para outras organizações negras do Brasil e de outras partes do mundo. A estética, os ritmos musicais e diversos outros elementos que compõem as narrativas dos blocos afro certamente foram influenciados por discursos e símbolos que atravessaram o Atlântico Negro, mas é fundamental perceber que, assim como recebem influências, os blocos afro também recriam, ressignificam e produzem elementos novos que participam do cenário negro contemporâneo e internacional. Os blocos estão criando novos objetos de negritude que têm o gosto do passado, da tradição, da africanidade, correspondendo imediatamente ao que é buscado pelos turistas afro-americanos. Embora o mais velho dos blocos afro tenha apenas 30 anos de existência, sua sede tem adquirido a mesmareputação de tradicionalidade dos centenários terreiros de candomblé, funcionando como "local sagrado da peregrinação" dos visitantes afro-americanos, assim como tem acontecido com os restaurantes de comida afro-baiana e as academias de capoeira. Nesta busca, valoriza-se sempre aquele que é tido como o representante "mais tradicional" de cada um dos subconjuntos da africanidade baiana: o Ilê Axé Opô Afonjá, dentre os terreiros de candomblé;38 a capoeira angola, em contraposição à regional, que seria mais "misturada"; e o Ilê Aiyê, como o bloco afro que seria mais "fiel às suas tradições africanas". Exatamente por se tratar de uma troca simbólica transnacional, não podemos ignorar que a Bahia não apenas importa elementos da cultura negra universal para incorporá-los e atribuir a eles novos significados. A cultura negra de Salvador está inserida no contexto da cultura negra mundial também como criadora e exportadora de símbolos étnicos negros. Nesse contexto, a cidade de Salvador tem se tomado um referencial de africanidade para negros de outros países da diáspora africana. Se, por um lado, a Bahia busca objetos negros modernos no mercado internacional, por outro lado, especializa-se cm vendertradição.39 8. Embora existam terreiros de candomblé mais antigos que o Opô Afonjá na Bahia, a exemplo do terreiro da Casa Branca, os turistas afro-americanos referem-se mais ao terreiro de Mãe Stella de Oxóssi . Acredito que isso se deva à compatibilidade existente entre os discursos afrocentrados dos afro-americanos e o de Mãe Stella, que rompe com o sincretismo e projeta na África a fon te do conhecimento fundamental. 39. Na definição de Sansone (2000b), a Bahia vende produtos tradic ionais, como o candomblé, as imagens de orixás, a capoeira, comidas tradicionais africanas, instrumentos de percussão, etc.; produtos quase tradicionais como a world music, a pintura popular, as escolas de capoeira, os novos terreiros de candomblé e as companhias de danças populares que viajam pelo Ocidente; e os novos produtos 50 Reinvenções da África na Bahia Observando de perto o "turismo de raízes" desenvolvido no Brasil, constata-se que os "roots tourists" vêm com o interesse de conhecer sobretudo a Bahia, em detrimento de outros estados do País. O Rio de Janeiro, por exemplo, é considerado por estes turistas como um local onde a "cultura africana" já teria sido "desvirtuada de suas origens", enquanto que na Bahia seria possível ainda encontrar "reminiscências africanas" e uma "cultura africana mais preservada". Acredita-se, portanto, que a Bahia produza símbolos negros carimbados com o selo da "autenticidade africana''.40 Relatos científicos e o senso comum têm sempre associado o Rio de Janeiro a uma cultura afro-brasileira "miscigenada" e Salvador a uma cultura afro-brasileira "pura". Alguns elementos selecionados a partir de expressões culturais negras do Rio de Janeiro, como o samba, o carnaval e a umbanda, são utilizados para representar brasil idade. Muitas vezes, os negros cariocas buscam na Bahia a fonte da "pureza negra". "Por sua vez, nas representações da cultura afro-baiana feitas tanto externamente como por um grupo seleto de integrantes seus que operam como representantes e porta-vozes da comunidade negra, o que é considerado engenhoso e bonito é a capacidade de se à África ostensivamente e, mais geralmente, de ser leal às tradições" (Sansone, 2000a:3). Esses porta-vozes tentam (e conseguem) fazer da Bahia a "Roma Negra" das Américas. Pode-se considerar a presença cada vez mais constante dos "turistas de raízes" como uma das mais importantes redes de circulação dos objetos negros, já que eles conferem status de modernidade e etnicidade a expressões da cultura afro-baiana. Algumas expressões tomam-se mais étnicas do que nunca em função do carimbo batido por estes turistas sequiosos por encontrar suas raízes. Eles trazem formas de vestir, de falar e de pensar, que seduzem boa parte dos negros brasileiros, e muitos fazem estas viagens com o intuito de trocar sua "modernidade" - representada principalmente pelas conquistas obtidas pelos movimentos pelos direitos civis - pela "tradição" africana da Bahia - encontrada nas expressões culturais afro-baianas - como foi explicitado por vários deles.41 tradicionais relacionados principalmente ao carnaval baiano, que seriam as vestimentas, os instrumentos musicais, os souvenirs, etc. Os produtos mais valorizados são vendidos nas boutiques do Olodum, llê Aiyê e Ara Ketu, no Pelourinho. 40 . Informações colhidas em entrevistas com turistas afro-americanos em Cachoeira - BA, em agosto de 2000. 41. A noção de que a experiência negra dos Estados Unidos seria mais 'moderna' que a brasileira encontra respaldo também em algumas formulações teóricas norte- americanas. Sheila Walker (2002) defende que os afro-americanos intercambiem sua negritude (blackness) - representada por uma identidade racial politizada e moderna - pela africanidade (Africanity) dos negros brasileiros, ou seja sua capacidade de retenção cultural. l 'í! tricia de Santana Pinho 51 Os turistas afro-americanos vêm à Bahia geralmente depois de já terem f"ito várias viagens ao continente africano e, às vezes, a outros países da diáspora negra, como Haiti, Cuba e a Jamaica. Nesse sentido, é possível desenhar um "mapa de africanidade", onde cada lugar visitado da diáspora p ssui diferentes significados: o Egito seria "o lugar do orgulho negro", a •rande prova de que teria havido uma civilização mais importante do que a grega (ou greco-romana) e, portanto, seria o ponto de partida para revidar o urocentrismo predominante na história com o afrocentrismo baseado nas riquezas e grandes descobertas do Nilo. O Oeste Africano seria o "lugar de origem" e é denominado por estes viajantes muito mais dessa forma •cneralizada - "West Africa" - do que pelos nomes dos países localizados nessa região (Benin, Togo, Gana, Nigéria, etc.), pelo motivo de que os afro- 11nericanos não sabem exatamente de quem são descendentes, sabendo npenas que seus antepassados vieram de "algum lugar do Oeste Africano''. l 'ortanto, toda essa área é tida como o "lugar de origem", de onde os ancestrais l artiram forçadamente para encarar os horrores da "passagem do meio". Nestes países, os turistas de raízes visitam as prisões e os porões onde os nfricanos escravizados eram confinados em condições desumanas até o momento da travessia do Atlântico. A Bahia tem um significado específico dentro das rotas percorridas por estes turistas. Assim como Cuba e o Haiti, 11 Bahia é um "lugar de encontrar as tradições africanas", que eles entendem · mo sendo tradições que teriam sido "preservadas" entre os negros brasileiros e "perdidas" entre os negros norte-americanos. Embora os diversos países visitados pelos turistas afro-americanos devam ser compreendidos como partes complementares do mesmo "mapa te africanidade", há, no entanto, uma distinção fundamental entre o turismo d • raízes desenvolvido na África e aquele que se realiza no lado de cá do tlântico. Trata-se de uma diferença que envolve dor e alegria. A experiência de visitar os porões onde os escravos eram confinados, assim como as t rríveis "portas do não-retomo", invoca os horrores sofridos pelos 1ntepassados. Diante dessa experiência, os turistas passam por experiências ·utárticas e choram de dor, relembrando o passado daqueles que os 1ntecederam. Inversamente, ao visitarem o Brasil, e mais especificamente a Bahia, os turistas sentem a alegria de re-conectar com uma cultura que, ao . ·u ver, ousou sobreviver, tendo sido capaz de resistir à opressão e manter o vinculo cultural com a África. Além disso, diferentemente do que ocorre no · ntinente africano, onde os turistas lidam com o doloroso fato de que muitos africanos participaram ativamente do tráficode escravos, no Brasil, ·le se vêem diante de descendentes de africanos que, assim como eles, f' ram escravizados e trazidos à força para o continente americano. A história du participação (negra) brasileira no tráfico de escravos, especialmente durante o século 19, é assim totalmente apagada, levando os afro-americanos 52 Reinvenções da África na Bahia a considerarem os negros brasileiros como "irmãos em destino'', termo que estou criando para representar a sensação por eles descrita ao se encontrarem com outros negros diaspóricos marcados por uma trajetória comum de abuso e opressão. Sabemos que a idéia de que os negros na diáspora formariam uma espécie de família não é algo novo e podia ser encontrada na retórica do Pan- Africanismo, assim como no movimento liderado por Marcus Garvey e no discurso da Negritude. Os turistas afro-americanos no Brasil freqüentemente comentam que a chance de eles terem nascido no Brasil é a mesma de eles terem nascido nos Estados Unidos. A imprevisibilidade do destino de seus ancestrais é concebida junto com a certeza de seus destinos compartilhados, marcados pela escravidão, opressão, luta e resistência.42 É certo que o sentimento de alegria dos turistas é sobretudo amplamente promovido pelas agências de turismo que têm pouco ou nenhum interesse em divulgar as enormes desigualdades sociais e raciais do Brasil. Embora existam agências em outras partes do Brasil que se especializam em explorar a pobreza, realizando "favela-tours", a Bahia ainda é rimada com "alegria", construindo uma imagem pública em que a cultura negra tem um papel central. Um exemplo sintomático disso é a maneira como o Pelourinho é atualmente representado pela indústria do turismo. Com a exceção de alguns poucos exemplos, como a música 'Haiti', de Gilberto Gil e Caetano Veloso, pouco se associa o Pelourinho ao local onde os escravos eram castigados. Pontilhada por lojinhas de lembranças e bugigangas, o Pelourinho é hoje a área mais visitada pelos turistas em Salvador. Ironicamente, baianos e visitantes dançam juntos, literal e metaforicamente pisando em cima das "cabeças de nêgo", como são chamadas as pedras arredondadas que compõem as ruas onde os escravos eram chicoteados não muito mais que um século atrás. Contudo, apesar da alegria e do contentamento, os turistas afro- americanos também vivenciam frustrações e decepções em suas visitas ao Brasil, principalmente quando eles percebem que negros brasileiros possuem diferentes concepções de negritude e africanidade, como veremos mais 42. Recentemente, o deputado Charles Rangel (Partido Democrata de Nova York) introduziu a resolução n. 47 da Câmara dos Deputados (House Concurrent Resolution 4 7) que visa reforçar a conexão entre os descendentes de africanos no continente americano . Seu texto de abertura enfatiza essa noção de irmandade da diáspora: "Estas pessoas são nossos irmãos e irmãs através do tráfico de escravos e, como nós, estão sofrendo de problemas similares. Os navios que nos trouxeram para os EUA poderiam muito bem ter nos levado para a República Dominicana, a Colômbia ou o Brasil. Eu apresentei essa lei como uma forma de relembrarmos nossa história comum e a necessidade de trabalharmos juntos para resolvermos nossos problemas comuns". Informativo de imprensa do Global Afro Latino & Caribbean Initiative Latin American & Caribbean Studies, Hunter College. ' 1·,11tlcia de Santana Pinho 53 uliante. Farejando o mercado existente nesta procura pelas raízes, há agências 1111c se especializam neste tipo de turismo, promovendo as viagens dos grupos I' ira os diversos pontos do mapa explicado acima. Geralmente, esses grupos o formados antes das viagens e não apenas por ocasião das mesmas, e se ·onstituem de pessoas que possuem algum tipo de afinidade. Portanto, alguns rupos são compostos só por aposentados, ou por professores 1111iversitários, ou mesmo por jovens que freqüentam um mesmo "college". agências propõem-se a guiar os turistas de raízes aos diferentes pontos da diáspora que "exalariam" africanidade. Assim como viajam para o Brasil para participarem da Festa da Irmandade ela Boa Morte,43 na cidade de Cachoeira, no interior da Bahia, os afro- americanos participam também de outros eventos que recriam tradições níricanas. O Festival do Vodu, organizado na praia de Uidá, no Benin, pela racção tradicionalista de sacerdotes e reis, constitui um destes vários exemplos. O antropólogo Peter Sutherland (1999), que pesquisa o evento, nfi.rma que o festival desenvolve o conceito de consciência diaspórica para enfatizar o valor local da herança tradicional. Para tanto, o festival projeta a cultura do vodu em um contexto transnacional, representando o Benin como o lar dos irmãos que se encontram na diáspora e como a fonte da cultura dfaspórica das Américas. Esta reconstrução se dá através da adoração aos ancestrais e a partir de um fluxo de duas mãos, de pessoas e de deuses através do Atlântico, promovendo o "roots tourism". O festival reforça a idéia de uma unidade transatlântica dos praticantes de vodu. O simbolismo performado no festival encoraja os "irmãos" da diáspora que retomem à terra-mãe, tanto sob a forma de espíritos ancestrais, como também sob a forma de turistas em busca das suas raízes. A primeira vez que o autor ouviu falar do festival foi através de um afro-americano que havia lhe dito que o festival representaria um "pedido de perdão" dos africanos aos seus irmãos na diáspora, por terem colaborado com a escravidão. "Vários sacerdotes de Uidá disseram-no que o festival tinha a intenção de purificar o povo do Benin pela culpa contraída por seu envolvimento histórico com a venda de escravos para os mercadores europeus. Em outras palavras, seria um ritual de expiação" (Sutherland, 1999: 196). Contudo, ao pesquisar o festival, Sutherland constatou que se trata do uso do poder exercido pelo turismo por parte dos sacerdotes e reis, que tentam assim preservar sua autoridade tradicional em contraposição aos 43. A Irmandade da Boa Morte existe desde 1823, sendo constituída exclusivamente por mulheres negras, maiores de 50 anos, devotas de Nossa Senhora da Glória. As irmãs são ao mesmo tempo católicas e adeptas do candomblé. A festa é realizada sempre na segunda quinzena de agosto e inclui procissão, missas, uma ceia afro- brasileira oferecida pelas irmãs à comunidade, sendo encerrada com samba de roda . 54 Reinvenções da África na Bahia valores neocoloniais do governo do Benin. Esta descoberta é reveladora das contradições existentes entre, de um lado, o pensamento dos turistas afro-americanos, ansiosos por encontrarem suas raízes e provar que seus irmãos africanos estariam arrependidos por terem colaborado com o tráfico de escravos, e de outro lado, a preocupação dos sacerdotes do vodu em não perderem poder político em seu país. O festival adquire então significações distintas para cada um dos dois grupos, mas esta contradição passa despercebida sob as projeções feitas pelos afro-americanos. Na Festa da Boa Morte, em Cachoeira, ocorre um processo parecido de contradição de visões sobre o evento. É evidente que os significados são e serão sempre distintos para cada grupo, já que estes pertencem a realidades diferentes. Contudo, há uma tentativa por parte dos turistas em querer unificar o pensamento de todos ali presentes pelo fato de que seriam "irmãos negros" e que estariam portanto imbuídos das mesmas perspectivas. Um exemplo disso - e que indica um certo maniqueísmo no pensamento dos turistas - é a lamentação que fazem pelo fato de as velhas irmãs negras da Boa Morte louvarem uma santa branca, Nossa Senhora da Glória. Os turistas geralmente desconhecem que esta santa é cultuada pela Irmandade desde o início do século 19 e que seu culto situa-se em um contexto de sincretismo religioso
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