Buscar

Ciência Política - Henry Maksoud - Um legislativo sem partidarismo

Prévia do material em texto

UM 
LEGISLATIVO 
SEM 
P ARTIDARISMO 
Discussões 
publicadas em VISÃO 
sobre "Um Legislativo sem partidarismo", 
entre Henry Maksoud e: 
Aderbal Jurema • Affonso Camargo Netto 
Amaral Peixoto • Amaury Moraes de Maria 
Antônio Carlos Konder Reis • Arthur Machado Pauperio 
Caio Mário da Silva Pereira • Carlos Castello Branco 
Carlos Chagas • Célio Borja • Celso Ribeiro Bastos 
Edison Lobão • Ives Gandra da Silva Martins 
Jorge Uequed • José Bernardo Cabral 
José Carlos da Graça Wagner 
Manoel Gonçalves Ferreira Filho 
Marco Maciel • Miguel Seabra Fagundes 
Nelson Oscar de Souza • Nertan Macedo 
Oliveiras Ferreira • Oswaldo Lima Filho 
Paulo Brossard • Pedro Calmou • Pedro Gomes 
Roberto Freire • Wilson Figueiredo 
São Paulo 
Editora Visão Ltda. 
1984 
SUMÁRIO 
Apresentação. 
''Legislativo sem partidarismo'', por 
Henry Maksoud. VIsÃo, 28-11-83. 11 
"Os fundamentos de uma Constituição", por 
Henry Maksoud. VIsÃo. 26-09-83. 15 
"Queremos uma verdadeira Constituição?", por 
Henry Maksoud. VIsÃo, 19-09-83. 19 
"A reforma de nosso sistema de governo", por 
Henry Maksoud. 23 
''Falsificações doutrinárias'', por 
Henry Maksoud. VIsÃo, 28-03-83. 27 
UM LEGISLATIVO SEM PARTIDARISMO 
1. Comentários de Paulo Brossard, Manoel 
Gonçalves Ferreira Filho, Aderbal Jurema, 
Amaral Peixoto e Pedro Calmon. Resposta 
de Henry Maksoud. VIsÃo, 12-12-83. 31 
2. Comentário de Oswaldo Lima Filho. Resposta 
de Henry Maksoud. VIsÃo, 19-12-83. 37 
3. Comentários de Jorge Uequed e Marco Maciel. 
Respostas de Henry Maksoud. VIsÃo, 26-12-83. 43 
4. Comentári.o de Célio Borja. Resposta 
de Henry Maksoud. VIsAo, 09-01-84. 
5. Comentários de Amaury Moraes de Maria e 
Affonso Camargo Netto. Respostas de Henry 
Maksoud. VIsÃo, 16-01-84. 
47 
51 
6. Comentários de Miguel Seabra Fagundes, 
JoséBernardo Cabral, Roberto Freire e 
Caio Mário da Silva Pereira. Resposta de 
Henry Maksoud. visÃo, 23-01-84. 
7. Comentários de Carlos Chagas e 
Antônio Carlos Konder Reis. Resposta de 
Henry Maksoud. VIsÃo, 30-01-84. 
8. Comentários de Ives Gandra da 
Silva Martins e Nertan Macedo. Respostas de 
Henry Maksoud. VIsÃo, 06-02-84. 
9. Comentários de Arthur Machado Pauperio e 
Carlos Castello Branco. Resposta 
de Henry Maksoud. VIsÃo, 13-02-84. 
10. Comentário de Edison Lobão. Resposta 
de Henry Maksoud. VIsÃo, 20-02-84. 
11. Comentário de Pedro Gomes. Resposta 
de Henry Maksoud. VIsÃo, 27-02-84. 
12. Comentário de Wilson Figueiredo. Resposta 
de Henry Maksoud. VIsÃo, 05-03-84. 
13. Comentário de Nelson Oscar de Souza. 
Resposta de Henry Maksoud. VIsÃo, 12-03-84. 
14. Comentário de Oliveiras Ferreira. Resposta 
de Henry Maksoud. VIsÃo, 19-03-84. 
15. Comentário de Celso Ribeiro Bastos. 
Resposta de Henry Maksoud. VIsÃo, 26-03-84. 
16. Comentário de José Carlos da Graça Wagner. 
57 
65 
71 
75 
81 
85 
89 
93 
97 
105 
Resposta de Henry Maksoud. VIsÃo, 02-04-84. 111 
Apresentação 
Há já vários anos, venho expondo idéias de filosofia po-
lítica em páginas que assino na revista VISÃO. Entre essas 
idéias, encontra-se a de um poder legislativo separado dos 
outros poderes e desvinculado dos partidos políticos, a qual 
recentemente resumi em artigo denominado "Legislativo 
sem partidarismo" (VISÃO, 28-11-83). 
A concepção não é nova nem minha: ela vem das origens 
do constitucionalismo representativo, que começou a tomar 
forma a partir do século XVII, alicerçado nas doutrinas en-
trelaçadas do estado de direito e da separação de poderes. 
Porém, como nunca chegou a existir na prática uma assem-
bléia legislativa desligada de influências partidárias, e alguns 
vão ao ponto de considerar uma heresia um legislativo com 
membros sem filiação a partidos, VISÃO resolveu colocar a 
idéia em discussão, tendo como referência básica meu artigo 
de novembro último. 
Diversos juristas, professores, políticos e jornalistas de 
nomeada foram convidados a comentar, por escrito, a via-
bilidade e a oportunidade de um legislativo sem partidaris-
mo. Suas opiniões foram publicadas em dezesseis números 
do semanário VISÃO, de 12-12-:-83 a 2-4-84, inclusive. Em 
cada número, apareceram também observações minhas, em 
uma espécie de tréplica à argumentação dos convidados, 
procurando mostrar que a idéia, apesar de inédita, é factível 
e desejável. 
Terminada a publicação da série em VISÃO, os dezesseis 
conjuntos de comentários, mais alguns artigos meus, que 
serviram de subsidio para as discussões, estão agrupados 
aqui, neste volume. Graças ao brilho intelectual dos 28 de-
batedores - aos quais, reconhecidamente e de público, 
agradeço o terem aceito o convite de VISÃO-, o opúsculo, 
reduzido em tamanho mas não em conteúdo, será certamen-
te de muita valia para os estudiosos do Direito e da Política, 
e para todos os interessados no desenvolvimento institucio-
nal do nosso pais. 
Henry Maksoud 
Maio de 1984 
9 
Legislativo sem partidarismo 
Henry Maksoud 
V!SA'O, 28-11-83. 
P ara se ter uma verdadeira democracia, e para preservá-la, é preciso, entre outros arranjos institucionais, que 
haja um poder legislativo independente e completamente 
desvinculado dos partidos políticos. Essa é uma afirmação 
chocante para muita gente. Principalmente para aquelas 
pessoas que não tiveram oportunidade ou não quiseram 
conhecer mais a fundo as idéias que venho apresentando 
há quase uma década, em artigos como este, em VISÃO. 
Essa questão de se proibir que os legisladores tenham vin-
culação com os partidos não é invenção minha: ela vem 
das origens do sistema constitucional representativo de 
governo. 
Os princípios do liberalismo clássico e do regime repre-
sentativo começaram a evoluir gradualmente a partir do sé-
culo XVII para acabar com o absolutismo monárquico e 
instituir uma forma de governo que salvaguardasse a liber-
dade individual. Os teóricos desse novo sistema de governo 
desenvolveram duas doutrinas entrelaçadas entre si: a do 
estado de direito e a da separação de poderes. A idéia 
fundamental era a de que todos, inclusive o governo, fos-
sem subordinados às mesmas leis e que essas leis fossem 
leis substantivas que possuíssem determinados atributos 
bem definidos. Para serem leis legítimas do estado de di-
reito, elas teriam de ser 'normas gerais de conduta, iguais 
para todos, aplicáveis a um número indeterminado de ca-
sos futuros'. 
Quando trataram da separação de poderes, os fundado-
res do constitucionalismo representativo destacaram a im-
portância de serem completamente separadas entre si as 
funções, as pessoas e as atividades dos três poderes legisla-
tivo, executivo e judiciário. A maioria deles não admitia a 
coexistência do processo legislativo com os partidos políti-
cos porque eles queriam evitar que estes grupos de interes-
ses obliterassem a isonomia e o caráter geral, abstrato e 
prospectivo das leis, para transformá-las em instrumentos 
específicos, arbitrários e discricionários de comando. Eles 
entendiam, entretanto, que os partidos, cada um compro-
11 
metido com um determinado programa de ação, seriam ne-
c~ssários no setor executivo do sistema, porque aqui se-
nam tratados os assuntos específicos e concretos típicos da 
administração pública. 
Jamais existiu, porém, um poder exclusivamente legis-
lativo e livre de influências de facções ou partidos, como o 
que tinham idealizado os teóricos da doutrina da separa-
ção de poderes. A faculdade de elaboração de leis foi des-
de o início, entregue a parlamentos já existentes e qu~. no 
entanto, estavam estruturados muito mais para tomar de-
cisões em questões administrativas do que para elaborar e 
aperfeiçoar as verdadeiras leis. Desde o princípio, portan-
to, essas assembléias supostamente legislativas já se encon-
travam absorvidas por prementes problemas concretos de 
administraçãopública, que envolviam o atendimento de 
interesses específicos de pessoas e grupos, relacionados 
com as pressões dos partidos e de outros grupos de interes-
ses, tais como os sindicatos. 
O s órgãos legislativos, concebidos pelos idealizadores do regime constitucional representativo como sendo 
entidades independentes, sem atividade politico-partidá-
ria, dedicadas exclusivamente à legislação e limitadas ape-
nas à elaboração de normas gerais de conduta (que são as 
únicas verdadeiras leis), foram, assim, convertidos em ór-
gãos legiferantes, com poderes ilimitados. Tudo que fosse 
votado por uma maioria eventual nessas assembléias pas-
sou a ser considerado lei, caindo no olvido o ideal político 
do estado de direito que exigia determinados atributos pa-
ra que uma lei tivesse legitimidade. Quando, por vincula-
ções e interesses partidaristas, o legislativo se consorcia 
com o executivo, esses poderes imiscuem-se, passando a 
operar como se fossem uma entidade só - os regimes par-
lamentaristas que existem por aí são um bom exemplo des-
sa unificação quase total do legislativo com o executivo. 
De. outro lad~, observam-s~, principalmente nos regimes 
mru.s autocráticos, os executivos governamentais passando 
também a fazer leis, em flagrante disputa com o poder su-
postamente legislativo que, por sua vez, quer acima de tu-
do governar em bases partidárias, deixando para segundo 
plano o estudo das questões verdadeiramente legislativas 
que nada têm a ver com os partidos. 
12 
Daí surge a crise observada hoje nas chamadas 'demo-
cracias ocidentais' e muito presente em nosso país. Os po-
deres legislativo e executivo ou se entrelaçam ou se entre-
chocam, através dum sistema de vasos comunicantes repre-
sentado pelos partidos. Assim, os órgãos do Governo ja-
mais estarão subordinados à Lei, porque estarão sempre, 
antes de tudo, subordinados à necessidade partidária de 
manter-se no poder. O resultado final é a degeneração da 
democracia, que não é nada melhor que o que se observa 
em tantos regimes autoritários de tendência totalitária. 
S upondo que se deseja para o Brasil uma nova ordem político-institucional fundada no estado de direito, a 
solução não seria difícilo>. O primeiro passo seria o de efe-
tivamente separar as tarefas autenticamente legislativas das 
da administração pública e atribuí-las a dois órgãos demo-
cráticos bem separados um do outro, um com funções e 
pessoas estritamente dedicadas à legislação de normas ge-
rais e outro com funções e pessoas exclusivamente dedica-
das à administração. Essa verdadeira revolução seria reali-
zada atribuindo ao Senado (devidamente ampliado por um 
procedimento democrático específico) funções exclusiva-
mente legislativas e tirando-lhe as vinculações partidárias; 
e à Câmara dos Deputados e ao Executivo, que continua-
riam funcionando em bases partidárias, seriam conferidas 
atribuições exclusivas de administração, fiscalização e con-
trole dos negócios públicos. Juntamente com o judiciário, 
que na nova ordem também seria completamente indepen-
dente e separado, o legislativo e o executivo comporiam, 
pela primeira vez, um sistema de Governo da Lei que daria 
ao Brasil perspectivas de estabilidade e progresso como até 
agora não se observou. 
(1) "A Revolução que precisa ser feita", H. Maksoud, Ed. Visão, 
São Paulo, 1980. 
13 
Os fundamentos de 
uma Constituição 
Henry Maksoud 
VISÃO, 26-09-83. 
F ico sempre atento quando ouço as pessoas importantes deste pais falarem sobre a necessidade de urna nova 
Constituição. Posso estar profundamente enganado; mas, 
a não ser que elas estejam escondendo sua sapiência, chego 
à conclusão de que muito pouco sabem sobre o que é ao 
certo urna norma constitucional para um povo livre. Há 
poucas semanas, por exemplo, ouvi alguém definindo que 
urna Constituição é um "contrato entre todos que estabele-
ce corno todos vão viver". Se isso pudesse ser chamado de 
Constituição, ela certamente seria de tendência totalitária, 
pois imporia urna forma bitolada de vida para todo o po-
vo. A Constituição de urna sociedade livre, porém, não 
tem esse objetivo. Ela visa a urna ordem natural das coisas, 
de modo que "cada pessoa, desde que não viole as leis ge-
rais da justiça, tenha liberdade de viver sua própria vida, 
tratando de seu próprio interesse corno melhor lhe convier, 
e fazendo sua aptidão, sua operosidade e seu patrirnônio 
produzirem em competição com aqueles de qualquer outra 
pessoa ou grupo de pessoas''. 
Para que essa ordem natural possa desenvolver-se é pre-
ciso que a Constituição seja urna norma que estimule exa-
tarnente esse fim. Isso pressupõe que o Governo somente 
lance mão de seu monopólio do uso da força, para cumprir 
sua função primordial de preservação dos direitos naturais 
à vida, à liberdade e à propriedade das pessoas. Esses direi-
tos podem ser representados por urna só expressão funda-
mental: liberdade individual. Os limites da ação do Gover-
no são esses direitos, essa liberdade, dos indivíduos sob sua 
jurisdição, existentes antes mesmo do surgimento dos go-
vernos e das constituições, e advindos da natureza das coi-
sas. Mas mesmo esses direitos naturais não são absolutos; 
são, também, limitados. São limitados, entretanto, apenas 
por esses mesmos direitos (à vida, à liberdade e à proprie-
dade) de outras pessoas. 
15 
A idéia de uma Constituição não é, pois, a de um con-trato social em que os direitos dos homens ou seu mo-
do de vida são concedidos pelo Governo. Pelo contrário, 
os direitos dos indivíduos e o modo de vida de cada um são 
garantidos na medida em que se restringem os poderes do 
Governo à esfera que lhe é natural. Para explicitar essa li-
mitação de poderes, a fim de assegurar a liberdade indivi-
dual, os fundadores do constitucionalismo representativo 
imaginaram a Constituição. Ela foi idealizada como sendo 
um conjunto permanente de normas de organização de um 
determinado sistema de governo, que não só alocasse os 
diferentes poderes mas que também necessariamente limi-
tasse esses mesmos poderes das diversas autoridades do 
sistema. A Constituição assim concebida permitiria orga-
nizar um sistema governamental que seria um instrumen-
to permanente de salvaguarda do indivíduo contra toda 
ação arbitrária de qualquer setor do governo e de outros 
indivíduos ou grupos, fosse qual fosse o jogo de forças 
do momento. 
Mas, se a Constituição é um instrumento próprio de 
uma sociedade livre, como se classificaria a Constituição 
de uma Rússia Soviética, de uma China Comunista ou de 
outro país totalitário qualquer? A verdade é que as consti-
tuições desses países não são constituições no sentido liber-
tário original do constitucionalismo, mas são degenerações 
da doutrina original usadas para estabelecer normas de or-
ganização de determinados sistemas estatocráticos de go-
verno. Nesses sistemas, tudo que é coletivo é pressuposição 
de coisa boa; mas é flagrante o paradoxo quando o discur-
so político nesses países insiste na defesa do que chamam 
de 'direitos humanos' e simultaneamente despreza e conde-
na a individualidade. O centralismo é postulado contra o 
livre arbítrio, isto é, contra a idéia de os indivíduos agirem 
com sua mente livre, tratando cada um de sua própria vi-
da. A concepção das coisas e o comportamento a todos im-
posto são influenciados por condicionamentos mórbidos e 
perversos, característicos de um ambiente de obsessão co-
letivista. Carl Jung, o grande pioneiro da psiquiatria, ao 
estudar em seu livro, "The Undiscovered Self" (1957), a 
condição do indivíduo na sociedade atual, escreveu que, 
"neste ambiente de obsessão coletivista, todos os aconteci-
mentos sofrem uma nivelação para baixo e um processo de 
16 
obnubilação que distorce o quadro da realidade, transfor-
mando-o numa média conceituai... A responsabilidade 
moral do indivíduo é então inevitavelmentesubstituída pe-
la orientação política do Estado. O objetivo ~ o sentido da 
vida individual (que é a única vida real) não se encontram 
mais no desenvolvimento pessoal, mas tão-somente na po-
lítica do Estado que, em última instância, atrai toda a vida 
para si. O indivíduo é cada vez mais privado da decisão 
moral no que se refere à maneira como deve viver sua pró-
pria vida e, em lugar do livre arbítrio, é dirigido, alimenta-
do, vestido e educado como uma unidade social; é alojado 
em uma determinada unidade habitacional e é entretido de 
acordo com padrões que dão prazer e satisfação às massas. 
A doutrina aparentemente onipotente do Estado é, por sua 
vez, manipulada por aqueles poucos que ocupam no Go-
verno posições nas quais está centralizado todo o poder. 
Aquele que passa a ocupar uma destas posições já não per-
manece subserviente à autoridade, pois ele próprio se torna 
a Política do Estado, e dentro dos limites da situação pode 
agir segundo seu próprio arbítrio ... ". 
Q uando confundimos as bolas deixando de respeitar na elaboração de nossa Constituição os direitos naturais à vida à liberdade e à propriedade dos indivíduos, fatal-
mente 'marchamos para um regime de governo influencia-
do por uma psicose estatocrática como essa descrita. Os 
que não se sentem bem num tal regime têm de aceitá-lo de 
qualquer modo ou tornam-se dissidentes. O Estado de Di-
reito não existe, sendo apenas uma caricatura, pois, se 
existem leis, elas não são leis com os atributos necessários 
às leis verdadeiras. O centralismo democrático regido por 
uma constituição assim degenerada repudia a própria idéia 
da doutrina da Separação de Poderes. O resultado é a or-
ganização de um Governo (baseado no apetite e nos humo-
res) de Homens e não um Governo (baseado na justiça) da 
Lei. 
17 
Queremos uma 
verdadeira Constituição? 
Henry Maksoud 
VISÃO, 19-09-83. 
N ão é à toa que nenhuma Constituição 'pegou' até ago-ra no Brasil. É que, desde que nos tornamos Repúbli-
ca, imaginamos que iríamos construir uma sociedade livre 
fundada em certos ideais e doutrinas, porém nunca explici-
tamos isso em nossas constituições. O resultado tem sido a 
frustração política da sociedade, com freqüentes ocorrên-
cias de um fenômeno que podemos chamar de rejeição 
constitucionaM. As constituições de 1891, 1934, 1937, 
1946 e inclusive as atuais de 1967 e 1969, produzidas no pe-
ríodo republicano, foram todas rejeitadas. Serâ que agora 
queremos uma verdadeira Constituição, permanente, para 
o Brasil? 
Temos dado muito mais importância à metodologia pa-
ra elaboração das constituições do que propriamente ao 
conteúdo das mesmas. Agora, por exemplo, toda a discus-
são gira apenas em torno de se determinar se o atual Con-
gresso faz modificações na Constituição vigente ou se uma 
nova Constituição é elaborada por uma Assembléia Cons-
tituinte eleita por sufrâgio democrático. Esquece-se de 
que, na hora de escrever as constituições, sempre foram 
copiadas ou adaptadas partes de constituições de certos 
países mais avançados, sem considerar nossa imaturidade 
institucional e sem levar em conta o 'background' político-
cultural, mais profundamente entranhado, desses países. 
No que se refere à metodologia, é preciso, antes de 
prosseguir, ressaltar que, se for para elaborar uma nova e 
verdadeira constituição, ela deve ser feita por uma Comis-
são ou uma Assembléia Constituinte, escolhida por um 
método democrâtico adequado, porém sem vinculação 
partidária de seus membros. Uma Constituição deve ser 
elaborada dentro de um balizamento de princípios e dou-
trinas, e não votada aleatoriamente em razão de injunções 
partidaristas ou de pressões de maiorias eventuais. 
(l) Para maiores detalhes, ver "A Revolução Que Precisa Ser Feita",, 
H. Maksoud, Editora Visão, São Paulo, 1980. 
19 
Como fizeram também outras nações politicamente jo-
vens, o Brasil, após tornar-se República, passou a trans-
plantar, principalmente nos períodos chamados de 'aber-
tura política', os arranjos institucionais que os Estados 
Unidos da América e algumas nações da Europa vinham 
mantendo há muito tempo, supondo estar, assim, trans-
plantando, automaticamente, também o regime político 
desses países que se imaginava chamar-se de 'democracia'. 
Não se dava conta de que o que era transplantado não era 
propriamente um regime político mas apenas um procedi-
mento, um método, para tomada de decisões políticas e 
administrativas, que, naqueles países, fazia parte integran-
te do sistema constitucional representativo liberal clássico 
vigente. A adoção do método democrático como se fora 
um sistema de governo, confundindo meios com fins, 
criou permanentes conflitos entre o ideal de liberdade e o 
totalitarismo, gerando todas as crises políticas e económi-
cas que conhecemos. Elas são nada mais que crises de rejei-
ção constitucional; que decorrem de tentativas de imposi-
ção de procedimentos democráticos ilegítimos para atingir 
objetivos igualitaristas e distributivistas, num ambiente so-
cial desorientado por não dispor de balizamentos doutriná-
rios e institucionais explicitamente estabelecidos na Consti-
tuição. São verdadeiras crises de reação imunizante em re-
lação aos transplantes realizados sem qualquer 'back-up' 
ideológico. 
D esde os primórdios do constitucionalismo foram de-desenvolvidos gradualmente certos princípios básicos, 
tais como o ideal político do 'Estado de Direito', a doutri-
na da 'Separação de Poderes', e os importantes conceitos 
do 'Governo Submisso à Lei', do 'Federalismo' e o de que 
a lei verdadeira tem que possuir os atributos de 'Lei Geral, 
Igual para Todos, Abstrata e Prospectiva', que consubs-
tanciariam um sistema de governo bem definido, baseado 
na liberdade individual. 
As constituições brasileiras nunca contiveram esses 
princípios. Aliás, as constituições de outros países usadas 
como base para cópia também não os continham, embora 
algumas delas pressupusessem tradições, baseadas nesses 
princípios, mais antigas que as próprias constituições. 
Além de não estabelecerem os atributos da verdadeira Lei, 
20 
uma falha fundamental é encontrada nas nossas e em todas 
as outras constituições: a de não explicitar regras para a 
efetiva realização da separação dos poderes. A separação 
entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário tem sido 
apenas aparente e formal. Jamais existiu uma assembléia ex-
clusivamente legislativa, nos moldes da que tinham em men-
te os idealizadores da doutrina da separação de poderes; 
também nunca existiu um poder executivo governamental 
que não sofresse ação direta do órgão legislativo em suas 
atividades administrativas ou então que não atuasse como se 
fosse também uma entidade legislativa. E a entidade judiciá-
ria sempre foi dependente dos outros dois poderes. 
N osso problema fundamental não está na metodologia a adotar para elaborar uma verdadeira Constituição, 
embora seja imprescindível, doutrinariamente, atribuir-se 
a missão de escrever um estatuto constitucional a um gru-
po ou assembléia de pessoas, reconhecidamente aptas e es-
colhidas exclusivamente para esse fim. O grave problema 
está em saber-se o que será escrito na constituição. Uma 
constituição simplesmente votada por uma maioria ou 
mesmo pela unanimidade de uma assembléia constituinte, 
ou outra qualquer, não é propriamente uma constituição 
no seu original e único verdadeiro sentido. A constituição 
propugnada pelos filósofos e estadistas fundadores do 
constitucionalismo representativo sempre foi um conjunto 
de normas de organização de um determinado sistema de 
governo. É pois imprescindível estabelecer a priori quais os 
princípios, doutrinas e regras de balizamento do sistema de 
governo objeto da Constituição. Para se encontrar o cami-
nho permanente de uma sociedade livre, a Constituição 
proveria tão-somente certas definições jurídico-políticasdo mais alto nível e toda a superestrutura institucional ne-
cessária não só para fazer valer aqueles princípios e dou-
trinas acima citados (estado de direito, separação de pode-
res, etc.) mas também para que o governo possa utilizar 
seus poderes de coerção apenas para realizar o 'law enfor-
cement' das normas gerais de justa conduta que compo-
riam a estrutura legal do sistema de Governo da Lei assim 
constituído. 
21 
A reforma de nosso 
sistema de governo 
Henry Maksoud 
VISÃO, 11-04-83. 
S e os leitores já se convenceram da importância capital da separação de poderes para se estruturar um bom sis-
tema de governo, não será difícil mostrar que a partir daí 
será possível começar uma reforma político-institucional 
baseada na liberdade. O fundamental nessa reforma será 
escolher o rumo certo e estabelecer um balizamento políti-
co-filosófico correto e coerente, de modo que o Governo 
(Executivo, Legislativo e Judiciário) seja representativo do 
povo, escolhido pelo método democrático, porém limitado 
a governar subordinado a leis de verdade, isto é, a leis ge-
rais, prospectivas e iguais para todos. 
O passo inicial dessa verdadeira revolução consiste em 
efetivamente separar as tarefas autenticamente legislati-
vas das de governo propriamente ditas e confiá-las a dois 
setores democráticos bem distintos, um com funções es-
tritamente legislativas e outro com funções puramente 
administrativas. 
Mas, para que o novo sistema seja realmente diverso 
dos atuais regimes, não basta simplesmente haver esses 
dois setores funcionando separadamente, pois essa separa-
ção formal já existe hoje. O que é preciso é que não só suas 
tarefas mas a forma de composição, as características das 
tarefas e a operação dos dois setores sejam bem distintas 
entre si para que não mais ocorra a mesclagem de ativida-
des que se observa entre os executivos e os congressos de 
hoje. 
No Brasil não seria difícil realizar modificações que per-
mitiriam adentrar o caminho dessa reforma: poder-se-ia, 
por exemplo, dar ao Senado atribuições exclusivamente le-
gislativas, tirando-lhe as vinculações partidárias; à Câmara 
dos Deputados e ao Executivo, que continuariam funcio-
nando em bases partidárias, seriam conferidas atribuições 
exclusivas de administração, fiscalização e controle dos ne-
gócios públicos - seria a 'Corporação Governamental' do 
novo sistema. 
23 
O setor que trataria das leis civis e criminais necessárias 
à vida nacional seria, então, o atual Senado transformado 
em 'Assembléia Legislativa', que teria seu quadro amplia-?o por. meio de um procedimento democrático específico; 
a medida que os mandatos dos atuais senadores fossem 
ver:cendo, seriam também preenchidas essas vagas por 
me10 do mesmo processo eleitoral. O novo Senado seria 
composto .de modo a torná-lo imune às pressões de grupos 
e dos partidos e, ao mesmo tempo, autenticamente repre-
sentativo da opinião geral da maioria dos cidadãos. Os 
membros do novo legislativo seriam escolhidos em proces-
so democrático entre coetâneos. O eleitor votaria ao com-
pletar uma certa idade madura, escolhendo candidato com 
a mes~a idade. Os ma~datos seriam por longo período (p. 
ex., qumze anos), ao fim do qual os legisladores seriam ir-
reele~h:eis, ~mbora pude~sem ser aproveitados em funções 
e~peciais, tais como a de Juízes de certas cortes. Não pode-
nam exercer quaisquer atividades na 'Corporação Gover-
namental'. Teriam, entretanto, asseguradas condições dig-
nas de aposentadoria a partir do fim do mandato legislati-
vo. As qualificações desses homens e mulheres seriam ava-
liadas pelos próprios eleitores, que, ao escolherem seus 
candidatos, levariam em conta as responsabilidades e as 
características das tarefas exclusivamente legislativas que 
seriam a eles atribuídas. Para que a 'Corporação Governa-
ment~l~ seja realimentada de 'sangue novo', as eleições de-
mocratlcas poderiam ser anuais, para renovação de um 
quinze avos da assembléia. Os atributos que as leis teriam 
que possuir para serem válidas seriam explicitamente esta-
belecidos na Constituição do novo sistema. 
A 'Corporação Governamental' seria o conjunto de ór-g~os ql!e ~dministraria os recursos materiais e de pes-
soal dispomveis para prestar serviços e salvaguardar a se-
gurança dos cidadãos, e para dar cumprimento às leis. Ela 
compreenderia um 'Executivo' e uma 'Câmara dos Depu-
tados', similares aos homônimos hoje existentes. O chefe 
do executivo e os deputados seriam eleitos pelo método de-
mocrático convencional, inclusive obedecendo a organiza-
ções partidárias. O poder situacionista governamental de-
penderia do apoio de uma maioria organizada partidaria-
mente e comprometida com um programa. Sua ação, por 
24 
outro lado, estaria sujeita à fiscalização de uma oposição 
independente, também instituída partidariamente, capaz 
de, pela via democrática, tornar-se governo. 
A diferença fundamental dessa 'Corporação Governa-mental', em relação aos órgãos equivalentes dos siste-
mas atuais, está em que tanto o 'Executivo' quanto a 'Câ-
mara dos Deputados' que a compõem estariam sempre su-
bordinados a leis elaboradas exclusivamente por uma outra 
entidade, completamente separada e independente, a 'As-
sembléia Legislativa'. No novo sistema, o 'Executivo', 
com o apoio da maioria da 'Câmara dos Deputados', po-
deria, por exemplo, decidir sobre o total das receitas a ar-
recadar do povo anualmente para financiar seu programa 
de ação. Saberia, entretanto, que todo o dinheiro que re-
solvesse alocar para gastar teria de ser arrecadado por mé-
todos de tributação que não poderiam ser por ele determi-
nados nem alterados. Nesse novo regime, a determinação 
da parte que caberia a cada cidadão contribuir teria que es-
tar estabelecida por uma lei de verdade, ou seja, por uma 
norma geral, igual para todos, que obedeceria à disciplina 
do estado de direito, e que somente a 'Assembléia Legisla-
tiva' poderia ter produzido. Eis aí uma forma inteligente e 
eficaz de, simultaneamente, controlar os gastos governa-
mentais e limitar a taxação abusiva e discricionária que é 
uma das formas de coerção mais comumente usadas pelos 
governos nas atuais democracias degeneradas. 
V ive-se clamando por reformas em nosso país. Fala-se muito mas não se diz o que se quer reformar nem bem 
por que se quer reformar. Certamente não é uma questão 
de simples remoção das fontes de arbítrio que hoje nos são 
as mais óbvias. Não se trata também de apenas 'redemo-
cratizar' ou de conseguir mais 'prerrogativas para o Con-
gresso'. Precisamos é evitar sair de uma situação de arbí-
trio bem concreta para nos metermos noutra pior e talvez 
mais duradoura. Talvez o que nos esteja faltando seja a 
humildade para detectar os reais problemas que vêm frus-
trando as formas conhecidas ou vigentes de governo, e a 
coragem para realizar as reformas necessárias para dar 
partida a um bom sistema de governo, baseado na lei e não 
em homens. 
25 
Falsificações doutrinárias 
Henry Maksoud 
VISÃO, 28-03-83. 
S ei que parte da gente que lê as coisas que escrevo sobre a separação de poderes não entende ou não concorda 
com a importância que dou a essa doutrina. Fica espanta-
da quando digo que os partidos não deveriam ser parte do 
legislativo. E essas pessoas também estranham quando di-
go que a teoria da separação de poderes jamais foi posta 
em prática. Nem aqui, nem noutros países. Nem mesmo na 
Inglaterra, onde teve origem no século XVII, nem nos Es-
tados Unidos ou em qualquer das chamadas Democracias 
Ocidentais. 
Sobre a importância da doutrina, provavelmente não 
percebem que somente separando efetivamente os órgãos, 
as funções e as pessoas que constituem os três poderes será 
possível aproximar-se do ideal político do estado de direi-
to. Essa é uma postura que vem das origens do constitucio-
nalismo representativo e das idéiasexpressamente divulga-
das pelos filósofos John Locke e Montesquieu. Não é in-
venção minha. 
O conceito embutido na doutrina é o da difusão, e si-
multânea limitação, dos poderes do governo. A difusão da 
autoridade entre diferentes centros de decisão bem defini-
dos é a antítese do autocratismo e do totalitarismo. Nas 
autocracias a autoridade emana da vontade e dos humores 
do ditador ou do monarca. Nos estados totalitários, e em 
grau menor nas democracias degeneradas <*>, cada aspecto 
do aparelhamento estatal é considerado como simples ex-
tensão da máquina partidária e subordinado a ela. O 
'ideal' político do estado totalitário é o centralismo que vi-
sa a conseguir uma única e todo-abrangente agência gover-
namental, ilimitada em seus poderes coercitivos. A doutri-
na da separação de poderes, do outro lado, visa exatamen-
te ao oposto, ou seja, um sistema descentralizado de gover-
no, em que não existe nenhum poder soberano e onde to-
(*) "Por que demarquia e niio apenas democracia?", in "A Revo-
luçiJo Que Precisa Ser Feita", H. MAKSOUD, Ed. Visiio, Silo 
Paulo, 1980. 
27 
dos os elementos constitutivos do governo estariam subor-
dinados e limitados pela Lei. 
Mas essa doutrina nunca chegou a ser integralmente le-
vada a cabo na prática. Quando foram implementá-la aí 
pelo século XVIII, os 'políticos' da época exigiram que o 
poder de elaboração das leis fosse atribuído a parlamentos 
ou assembléias já ~xistentes. Estes órgãos, porém, já se en-
contravam absorvidos por problemas concretos do dia-a-
dia da administração governamental: tratavam principal-
mente do atendimento de objetivos dos partidos ou de in-
teresses de grupos. Transformados agora em 'legislaturas', 
estes órgãos não estavam estruturados adequadamente pa-
ra elaborar leis gerais, abstratas, uniformes e iguais para 
todos. A abordagem original 'negativa' da doutrina basea-
da no princípio da completa independência e da não:interfe-
rência entre os três órgãos do sistema de governo, fez com 
que ~s político,s ,'cartesianos' introduzissem controles 'posi-
tivos ao exerctcto dos poderes, o que conduziu a diferentes 
modificações e a verdadeiras falsificações doutrinárias. 
S urgiram, des~a ~orma, trê~ principais sistemas modifi-cados. O pnmetro deles e um tipo de amálgama da 
d~ll:trina pu~a com a teo~ia.dos 'checks and balances' que 
fm mtroduztdo na ConstitUição dos Estados Unidos. O se-
gundo, representado por uma 'separação parcial de fun-
ções', caracterizava o constitucionalismo inglês no século 
XVIII, onde uma função, a legislativa, é compartilhada e 
as demais mantidas separadas. A terceira modificação 
compreende uma 'separação parcial das pessoas' em que 
algumas pessoas poderiam fazer parte de mais de ~m setor 
governamental, embora a ampla identidade do quadro de 
pessoal fosse proibida. Este terceiro tipo é o do sistema 
parlamentar de governo que teve origem em meados do sé-
culo XIX. 
Desde que foram 'inventadas' e implantadas essas 'va-
riações' da separação de poderes, as entidades chamadas 
legislativas sempre tiveram no seu âmbito a ação de facções 
e grupos de interesse que tinham suas bases no setor execu-
tivo do sistema de governo. Com o advento do democratis-
mo a partir do século XIX, nasceram os 'partidos políti-
cos', como hoje os conhecemos, e que eram as 'facções' de 
outrora. As chamadas 'assembléias legislativas', moldadas 
28 
pelas necessidades intrínsecas dos governos democráticos, 
passaram, cada vez mais, a 'fabricar' pseudoleis, com ob-
jetivos concretos discricionários, para atender principal-
mente às maiorias eventuais que constituíam a força eleito-
ral dos partidos. 
Nos países mais adiantados politicamente, a interpene-
tração entre os órgãos do sistema de governo sempre foi 
apenas parcial. Houve, ao longo do tempo, nesses países, 
também, sempre algum cuidado com o 'grau' de separação 
de funções e pessoas. Pouco esforço, entretanto, foi dedi-
cado ao aperfeiçoamento de um sistema de governo onde 
predominassem as leis de verdade como entendiam os teó-
ricos da doutrina da separação de poderes. A realidade é 
que as 'doutrinas modificadas' exerceram muito mais in-
fluência nos sistemas de governo, que foram sendo implan-
tados à sua imagem, que a doutrina da separação de pode-
res na sua forma pura. 
N os países politicamente 'mais jovens', como o Brasil, esses 'maus exemplos' geraram muito mais adultera-
ções que melhorias na doutrina. A separação de poderes -
que em sua origem visava a proteger a liberdade individual 
-passou a ser mantida apenas formalmente, sendo esque-
cidos os fundamentos da doutrina. O órgão legislativo, 
concebido doutrinariamente como uma entidade indepen-
dente, sem atividade político-partidária, dedicada exclusi-
vamente à legislação e limitada apenas à elaboração de 
normas gerais de justa conduta (leis no verdadeiro 
sentido), foi convertido em parlamento demagógico-legife-
rante com poderes assumidos à revelia para produzir falsas 
leis e 'falar' desbragadamente em nome do povo. Quando 
acontece um período de governo autocrático, o executivo 
assume a capacidade legislativa e passa a produzir abun-
dantes 'leis', 'decretos', 'regulamentos' e 'políticas', tor-
nando-se cada vez mais poderoso e autárquico, fazendo 
crescer exponencialmente o estatismo. A situação, porém, 
fica totalmente degenerada quando, ao demagogismo elei-
çoeiro e ao positivismo legiferante, se une a onda coletivis-
ta socialista, e os dois órgãos passam a operar como se fos-
sem uma só entidade, abandonando completamente o 
princípio da separação de poderes. 
29 
Um Legislativo sem partidarismo 
1. Comentários de Paulo Brossard, Manoe/ Gonçalves Ferreira Filho, Ader-
ba/ Jurema, Amaral Peixoto e Pedro Ca/mon. Resposta de Henry Maksoud. 
VISÃO, 12-12-83. 
Paulo Brossard 
Professor de Direito Constitucional 
O tema não é novo, foi abordado por Madison em O Fe-deralista, faz dois séculos. O famoso homem de Esta-
do viu que a propriedade "determina a divisão da socieda-
de em diferentes interesses e partidos". Depois de notar 
que "as causas latentes da divisão em facções têm sua ori-
gem na natureza do homem" e que, às vezes, estas causas 
são frívolas, insiste em que "a fonte da discórdia mais co-
mum e persistente é a disparidade na distribuição das pro-
priedades". De modo que não se indaga se os partidos se-
jam um bem ou um mal, eles existem e ''têm sua origem na 
natureza do homem'', como diz Madison. 
Tanto isto é certo que não se conhece democracia sem 
partidos. "A democracia", escreve Kelsen, "necessária e 
inevitavelmente requer um Estado de partidos" e é por isso 
que os partidos, que até há pouco eràm oficialmente igno-
rados, foram inseridos nas constituições. 
O que tem ocorrido entre nós é uma revivescência do 
"mandato imperativo", segundo o qual o parlamentar é 
convertido em mero instrumento sem inteligência e sem 
vontade, pela deformação do princípio legítimo da fideli-
dade partidária, a qual, no programa partidário, tem seu 
fundamento e os seus limites. Aliás, o mesmo Kelsen ad-
31 
verte, profeticamente: "No escuro horizonte do nosso 
tempo, assoma o resplendor roxo de um astro novo: a dita-
dura do partido, ditadura socialista do proletariado ou a 
ditadura nacionalista da burguesia, tais são as formas no-
vas da autocracia". Como se vê, tudo está em colocar a 
qu_estão nos seus termos apropriados e em seus limites pró-
pnos. A questão está em saber se queremos viver em uma 
democracia ou em uma autocracia. É claro que em uma de-
mbcracia. Não há democracia sem eleições, dir-se-á e se di-
rá bem. Contudo, eleição só não basta. A eleição se com-
pleta com a responsabilidade dos eleitos. Que diferença ha-
verá entre um autocrata eleito e um não eleito? 
Manoel Gonçalves Ferreira Filho 
Professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da 
Universidadede São Paulo 
Realmente, quando se concebeu no século XVIII o Po-
der Legislativo, se pretendia que ele fosse composto de ho-
mens que, independentemente de filiação partidária, fizes-
sem prevalecer a razão na elaboração das leis. No mundo 
contemporâneo, no entanto, é praticamente impossível 
que exista uma representação desvinculada dos partidos 
políticos. Desde que haja um processo de eleição para es-
colha dos legisladores, haverá influência dos partidos polí-
ticos, ·que tendem a vincular os representantes escolhidos a 
seus quadros. O Parlamento sempre terá um vínculo com 
os partidos políticos e é muito difícil concretizar esse ideal 
do Legislativo apartidário. 
Aderbal Jurema 
Senador (PDS-PEl 
O artigo aborda, com argúcia, pontos capitais no rela-
cionamento entre os poderes, expondo idéias criativas so-
bre o funcionamento do Legislativo. O articulista demons-
tra possuir sólida cultura política e uma imaginação criati-
va nas suas apreciações sobre o funcionamento do Parla-
~ento nas dem~cracias ocidentais. Cabe-me, porém, uma 
mdagação sugenda pelo próprio autor quando fala na pos-
32 
sibilidade da constituição do Senado sem vinculações par-
tidárias. Sabe o articulista que o homem é um animal polí-
tico. Como conciliar, então, a sua idéia original de um Se-
nado sem vinculações partidárias com a representação es-
tadual nesse órgão que atua como câmara revisora da Câ-
mara dos Deputados? Essa é uma indagação que, tenho 
certeza, será respondida com inteligência pelo brilhante 
articulista. 
Amaral Peixoto 
Senador (PDS-RJ) 
Só uma Constituinte poderia equacionar a nossa crise 
institucional e, no contexto desse trabalho, idéias como a 
que apresenta o Sr. Henry Maksoud poderiam ser aprecia-
das pela Constituinte. Considero interessantes essas idéias, 
mas penso que elas só poderiam ser examinadas no contexto 
de uma ampla reforma de nossa Carta constitucional. 
Pedro Calmon 
Professor de Direito Constitucional da Universidade Federal do Rio de 
Janeiro 
O mal do Legislativo brasileiro não é, a meu ver, a su-
bordinação aos partidos, mas a falta de responsabilidade 
de numerosos parlamentares no que se refere à conduta 
política. A vinculação aos partidos é essencial ao regime 
parlamentar, que eu prefiro ao presidencial porque isola o 
chefe de Estado na sua função arbitral e situa o debate no 
campo próprio que é a Assembléia Nacional. Evidente-
mente nesse sistema temos de contar com partidos atuantes 
e populares. A execução legislativa, de acordo com esses 
princípios, não prejudicará a eficiência, a utilidade, a pres-
teza e a objetividade do trabalho parlamentar. Não se diga 
que a Inglaterra, a França, os Estados Unidos, a Alema-
nha e a Itália perderam com o vigor da divisão partidária, 
nem a podemos maldizer em relação ao Brasil Imperial, em 
que a seriedade da opinião tinha por fiscal um soberano lú-
cido e uma imprensa vigilante. Quer-se no país uma demo-
cracia com voz e voto, isto é, voz livre e voto disciplinado, 
33 
no quadro da divisão dos poderes e tendo em vista o inte-
resse público inacessível à conjuntura e à corrupção. 
Henry Maksoud 
Diretor de Visão 
É bom saber que homens importantes como os que aqui 
hoje se apresentam aceitam dedicar um pouco de seu tem-
po abrindo suas mentes para discutir um assunto pouco 
usual na temática política dos dias atuais. A questão legis-
lativo sem partidarismo, entretanto, tem que ser focalizada 
no âmbito maior da doutrina da separação de poderes. A 
idéia de se proibir constitucionalmente que os legisladores 
tenham vinculação com 'facções ou grupos de interesse' ou 
com o que hoje chamamos de 'partidos políticos' vem das 
origens da doutrina da separação de poderes e de seu entre-
laçamento com o ideal político do estado de direito. Os 
partidos políticos tratam de programas de ação em torno 
de problemas concretos e específicos -- em função desses 
programas eles buscam o poder pela via eleitoral. Os ór-
gãos legislativos num verdadeiro estado de direito tratam 
de leis gerais, iguais para todos, abstratas e prospectivas -
que não devem ser, portanto, concretas e especificas, como 
sói acontecer com aquelas ações perseguidas pelos partidos 
políticos. 
Os fundadores da doutrina pura da separação de pode-
res e do ideal do estado de dfreito rejeitavam a coexistência 
do processo legislativo com os partidos políticos porque 
eles anteviam o que viria acontecer, isto é, que estes grupos 
de interesse obliterassem a isonomia e o caráter geral, abs-
trato e prospectivo das leis, para transformá-las em instru-
mentos visando a fins concretos, específicos, arbitrários e 
discricionários. Basta abrir um pouco os olhos e o espírito 
crítico para verificar que essa obliteração acontece hoje em 
todas as chamadas democracias do Ocidente. Nestas, a se-
paração entre os poderes legislativo e executivo se dá ape-
nas formalmente e é impedida em boa parte pelo vaso co-
municante produzido pelos partidos políticos. 
O fato de países como a Inglaterra, Estados Unidos, 
França, etc. terem seus chamados legislativos com vincula-
ção partidária nada prova. Esses países estão cheios de di-
34 
jiculdades institucionais justamente porque seus sistemas 
de governo não foram adequadamente implantados con-
forme a doutrina da separação de poderes e o ideal político 
do estado de direito, embora alguns deles, como, por 
exemplo, os Estados Unidos e a Suíça, estejam muitíssimo 
mais próximos do ideal que o nosso Brasil de hoje e de on_-
tem. Quanto à referência ao grande estadista James Madl-
son, o 'pai da constituição americana', não querendo d~zer 
que ele e os demais fundadores da nação americana deiXa-
ram de ver certas coisas que hoje se vêem com mais clareza 
apresenta a seguinte frase de Friedrich A. Hayek, extraída 
de seu "Os Fundamentos da Liberdade", recentemente 
publicado em português pela Editora Visão e Universidade 
de Brasília: "Não é preciso ser mais sábio que os grandes 
pensadores do passado para poder compreender melhor 
que eles as condições essenciais à liberdade individual. A 
experiência dos últimos cem anos ensinou-nos muitas coi-
sas que Madison ou Mil!, Tocqueville ou Humboldt não 
puderam perceber". 
No que diz respeito a Hans Kelsen, sinto ter que descar-
tar seus conceitos específicos sobre a democracia porque 
no geral ele foi contrário ao ideal do estado de direito. Kel-
sen foi o mais importante líder do positivismo legal e, co-
mo tal, não admitia a definição de 'lei' do verdadeiro esta-
do de direito, em que ela teria de possuir o caráter de 'nor-
mas gerais de conduta, iguais para todos, aplicáveis a um 
número indefinido de casos futuros'. 
Quanto à questão da "representação estadual" num Se-
nado sem vinculações partidárias e à idéia de que sempre 
haveria uma "influência dos partidos políticos, que ten-
dem a vincular os representantes escolhidos a seus qua-
dros", basta dizer: 1) que os legisladores não irão jazer leis 
para este ou aquele estado mas sim leis gerais, iguais para 
todos; 2) a constituição desse novo sistema de governo 
conteria (pela primeira vez na história das constituições) 
uma definição de lei, para efeito de balizamento definitivo 
dos legisladores; 3) a constituição proibiria qualquer vincu-
lação dos legisladores a partidos; e 4) mesmo que houvesse 
qualquer tentativa de injluenciamento, essa tentativa será 
sempre inócua porque os legisladores somente poderão 
produzir leis com determinados atributos, isto_ é, normas 
gerais, iguais para todos, abstratas e prospectivas. Como 
35 
será possível a um legislador favorecer a um partido ou a 
um grupo se ele só pode produzir normas universais 'apli-
cáveis a um número indeterminado de ocasiões futuras'? 
Cabe aqui relembrar também que os mesmos fundado-
res da doutrina da separação de poderes que propunham a 
desvinculação do legislativodos partidos políticos, enten-
diam que os partidos seriam necessários no setor executivo 
do sistema de governo, porque aqui são tratados os assun-
tos específicos e concretos, típicos da administração públi-
cp, que são os temas que interessam às facções ou partidos. 
E preciso enfatizar que tanto os membros da assembléia le-
gislativa sem vínculo partidário quanto os dessa assembléia 
governamental de representantes, seriam eleitos JJOr proce-
dimentos democráticos nesse sistema inédito. É perfeita-
mente legítimo ter-se eleições democráticas sem a partici-
pação de partidos políticos. Embora pareça ser politica-
mente impossível para muitos. 
36 
i 
I 
I 
Um Legislativo sem partidarismo 
2. Comentário de Oswaldo Lima Filho. Resposta de Henry Maksoud. 
VISÃO, 19-12-83. 
Oswaldo Lima Filho 
Ex-ministro, deputado federal (PMDB-PEl 
A proposta de regime político constante da proposição · do engenheiro Henry Maksoud - de um Senado com 
funções puramente legislativas de caráter geral e uma Câ-
mara dos Deputados destinada a auxiliar o Executivo na 
administração - não é apenas utópica, ela não correspon-
de a qualquer sistema político adotado em determinada 
época histórica, como não se vincula à ciência política. O 
liberalismo político, que se fundou no iluminismo e no 
pensamento dos enciclopedistas e nas aspirações liberais da 
burguesia, vitoriosa com a Revolução Francesa e o regime 
napoleônico, jamais atingiu o objetivo de dois legislativos 
autônomos. Montesquieu, a quem as principais institui-
ções democráticas do Ocidente devem o axioma da separa-
ção dos poderes como condição para evitar a tirania, não 
chegou a ser praticado integralmente. Já dizia o parlamen-
tar e presidente francês Léon Blum: "Em regime democráti-
co, o dogma da separação de poderes, no que se refere ao 
Legislativo e Executivo, não passa de uma ficção do 
direito". 
Na realidade, se pretendemos afastar o perigo das oli-
garquias, das tiranias e da demagogia, deveremos optar pe-
la existência de parlamentos fortes, cuja dependência da 
renovação do mandato popular se constitui em meio efeti-
37 
vo de prevenir aqueles males. É evidente que o poder polí-
tico, para o seu exercício eficiente, requer ligitimidade. 
Aristóteles jã ensinava que é condição dessa legitimidade a 
representação de eleitores por eleitos, sua conseqüente res-
ponsabilidade, periódica prestação de contas através da ro-
tação dos seus detentores e liberdade dos cidadãos nestas 
escolhas como expressão de igualdade, tudo sob o império 
da lei. 
. Quanto à existência dos partidos, que se afigura tão no-
civa ao Sr. Henry Maksoud, ela é contemporânea ao nasci-
mento das grandes democracias ocidentais, como a Ingla-
terra, a_ França, os países escandinavos, a Holanda a Bél-
gica, onde a evolução política dos "jacobinos" e "~onta­
nheses", dos "whigs" e dos "tories" até o Labour Party, 
assegurou a permanência da liberdade e dos direitos indivi-
duais, ao lado de um progresso social estãvel que incorpo-
rou o gozo dos benefícios do bem-estar social (weljare sta-
te) à grande massa dos trabalhadores. 
.Na ~nglaterra, m~e. dos parlamentos onde a instituição 
legislativa e democratlca data do século XIII, sempre se 
afirmou que o "Parlamento pode tudo, menos mudar o ho-
mem em mulher". O Parlamento inglês, criado como condi-
ção ao rei para criar impostos, criou a regra "No taxation 
without representation", corolãrio do princípio de que "the 
power to tt;LX is also the power to destroy'', princípio de que 
o Sr. Delftm Netto tem abusado contra o povo brasileiro. 
Considero, finalmente, que a crise observada nas demo-
cracias ocidentais não é similar à crise do Estado brasileiro. 
~st~ decorre do capitalismo tardio que adotamos, o qual se 
mchnou para fórmulas bonapartistas e militares. A sua so-
lução estã, pois, no aperfeiçoamento democrãtico como 
nas eleições diretas para presidente da Repúblic~ e no 
exercício das instituições, do referendo, do recai! e da ação 
popular, e de novas fórmulas de participação popular na 
elaboração legislativa e na execução das leis. 
Henry, Maksoud 
Diretor de Visão 
É fácil descartar uma idéia com a qual não concorda-
mos chamando-a de utópica, quimérica, irrealizável. Não 
me importo que, no campo da filosofia política, chamem 
38 
uma idéia perfeita de utopia; mas prefiro a conotação ori-
ginal dessa palavra, que é a de 'um país onde o governo, 
organizado da melhor maneira, proporcioná ótimas condi-
ções de vida a um povo equilibrado e feliz'. Para quem es-
tuda os sistemas de governo e quer vê-los aprimorados, é 
sempre vantajoso saber qual é o mais perfeito. 
É verdade que nunca existiu até agora um sistema de 
governo composto de uma assembléia apartidária com 
funções puramente legislativas de caráter geral e uma câ-
mara de deputados, com vinculação partidária, destinada 
a tratar, conjuntamente com o executivo, de assuntos da 
administração pública. É também verdade que a doutrina 
da separação de poderes, que se deve principalmente a 
Locke e Montesquieu, jamais foi aplicada integralmente. 
Mas isso não quer dizer que a proposta da assembléia ex-
clusivamente legislativa (e sem vinculação partidária) não 
seja parte da ciência política e nem que a doutrina da sepa-
ração de poderes seja uma "ficção de direito", como sen-
tenciou o ex-premier socialista francês Léon Blum. Um le-
gislativo autônomo, desvinculado de qualquer atividade 
partidária e com membros eleitos democraticamente, é 
uma teoria que jaz parte da ciência política principalmente 
desde o século XVIII, que foi quando tiveram seu ápice na 
Grã-Bretanha as aspirações de liberdade individual do mo-
vimento filosófico que hoje chamamos de liberalismo clás-
sico. (Creio importante dizer também que a revolução 
francesa não pode ser considerada um símbolo da vitória 
dessas aspirações. Embora tenha sido feita contra o abso-
lutismo monárquico e se inspirasse no ideal do estado de 
direito, ela pouco contribuiu para o progresso deste, sen-
do, até, considerada precursora do moderno socialismo to-
talitarista. O regime napoleônico que se seguiu à revolução 
deu sempre mais ênfase à eficiência e ao poder da máquina 
administrativa do que à salvaguarda da liberdade do indi-
víduo - nisso, é verdade, nós brasileiros temos copiado à 
larga os franceses.) 
A idéia de contrapor-se um 'parlamento forte' ao peri-
go das oligarquias e da tirania do executivo é uma grande 
falácia. Não é o caso de ter-se um poder mais forte ou mais 
representativo que o outro. Todos devem possuir a devida 
autoridade e ser representativos. Mas não basta a represen-
tatividade, como não basta apenas votar. É preciso que 
39 
exista uma ordem política na qual o indivíduo tenha sua li-
berdade pessoal garantida. Para isso foram idealizadas as 
doutrinas do estado de direito e da separação de poderes. 
Para que houvesse uma difusão dos poderes do governo e 
que todas suas ações fossem balizadas pela lei geral. Um 
governo da lei, e não de homens. Foi o próprio Aristóteles 
que ensinou, em sua obra "A Política", que: "Quando os 
estados são dirigidos por governos democráticos subordi-
nados à lei, não existem demagogos; os cidadãos decentes 
se sentirão seguros; mas, quando a lei não for soberana, aí 
então haverá demagogos ... E o povo torna-se monárquico, 
como se fosse um regente composto de muitas pessoas ... ". 
E em outra obra, a "Retórica", Aristóteles escreveu sobre 
a grande importância das leis bem formuladas e definidas, 
visto que a legislação "não deve ser particular, mas sim 
prospectiva e geral" para que os membros do governo e do 
judiciário possam "decidir sobre casos concretos trazidos 
perante eles". 
A idéia do parlamento com poderes ilimitados, que 
"pode tudo menos mudar o homem em mulher", é a ori-
gem de todos os males nas chamadas democracias ociden-
tais. Trazconsigo o grave defeito de permitir que se pense 
ser legítimo qualquer ato emanado pelo parlamento; tudo 
que é votado majoritariamente numa assembléia de repre-
sentantes do povo passa como se fosse lei de verdade mes-
mo que se trate de comandos tirânicos, arbitrários e discri-
cionários. É o falso conceito de que basta ser representati-
va para que uma assembléia adquira poder soberano e ili-
mitado. Numa sociedade livre, entretanto, todos os orgãos 
do governo têm que ter seus poderes limitados; e o legisla-
tivo somente pode elaborar leis que sejam normas gerais e 
prospectivas de justa conduta e que se enquadrem no ideal 
político do estado de direito fundado no princípio da liber-
dade individual. Os partidos políticos, porém, não se satis-
fazem com essas limitações quanto ao espírito das leis e tu-
do jazem para transformá-las em comandos discricionác 
rios positivistas para atender a interesses específicos ou a 
fins eleitorais e demagógicos, o que, no final das contas, 
impede o progresso humano e acaba com a liberdade indi-
vidual. É por essa razão fundamental que os legisladores, 
embora eleitos democraticamente, não devem ter vincula-
ção partidária. Se de um lado os partidos não são conve-
40 
nientes no legislativo, eles de outro lado possuem papel im-
portante no setor executivo do governo, onde seriam trata-
dos exclusivamente assuntos concretos da administração 
pública. Aqui, os programas de ação dos partidos são co-
locados em disputa eleitoral perante o povo que também 
elegerá, pela via partidária, como se jaz nos dias de hoje, 
seus representantes numa câmara governamental de depu-
tados. No novo sistema, portanto, a atividade partidária 
existirá tão-somente no âmbito do executivo e não no do 
legislativo; porque os partidos são um dos fatores que têm 
impedido até agora que se realizasse plenamente a doutrina 
da separação de poderes que é condição sine qua non para 
a salvaguarda da liberdade. 
41 
I 
I Um Legislativo sem partidarismo 
3. Comentários de Jorge Uequed e Marco Maciel. Respostas de Henry Maksoud. 
VISÃO, 26-12-83. 
[ C.i 
Jorge Uequed 
Deputado federal (PMDB-RS) 
·-::p, LEUR L.O 
T enho acompanhado o esboço das idéias do Sr. Henry Maksoud. Creio que elas partem de uma premissa de 
que partidos políticos não defendem os interesses gerais, 
mas só os seus programas. O Brasil não possui partidos po-
líticos nem tem tradição partidária, pois os partidos cria-
dos são imediatamente liquidados por uma solução qual-
quer. Então o Brasil não pode servir como exemplo do fra-
casso da vida partidária. 
Creio ser impossível a organização da sociedade sem os 
partidos políticos. Acho que as idéias do jornalista Henry 
Maksoud encontram similar no livro verde do Sr. Khadafi, 
da Líbia, que não acredita na organização partidária como 
representativa da sociedade. Não creio que seja a melhor 
solução para o Brasil, mas reconheço que na Líbia funcio-
nam bem os "comitês populares", que tomam as decisões 
políticas. 
Henry Maksoud 
Diretor de VISÃO 
Nossas idéias absolutamente nada têm a ver com o regi-
me socialista islâmico líbio, inclusive porque no sistema 
que propomos haverá uma organização partidária repre-
43 
sentativa da sociedade, vinculada ao poder executivo. A 
vinculação dos partidos ao órgão legislativo foi um erro de 
implantação que se deu na Inglaterra a partir do século 
XVIII. Os políticos da época fizeram vista grossa às reco-
mendações dos primeiros teóricos da doutrina da separa-
ção de poderes e entregaram a faculdade de elaboração de 
leis a parlamentos já existentes que, no entanto, estavam 
vinculados a facções e eram estruturados muito mais para 
tomar decisões em questões administrativas concretas do 
que para elaborar e aperfeiçoar as verdadeiras leis do esta-
do de direito. Nossa crítica, portanto, não se refere ao 
"fracasso da vida partidária brasileira" mas sim a esse de-
jeito de implantação do sistema representativo que poderia 
ser corrigido com relativa facilidade numa nova constitui-
ção. Os partidos políticos existirão, conforme já descrito, 
apenas no setor executivo do sistema de governo e não te-
rão vinculação com o órgão legislativo. Não há nada na 
teoria da democracia que impeça que a opinião pública se-
ja formada e esteja presente sem a atuação dos partidos. 
Embora os partidos sejam uma das principais característi-
cas da democracia, isso não quer dizer que não seja possí-
vel aplicar o método democrático para tomada de decisões 
e eleiçãq de representantes do povo sem a vinculação parti-
dária. E claro que aos atuais membros dos partidos políti-
cos será sempre difícil aceitar tais idéias, pois elas podem 
parecer ameaçadoras às carreiras dos políticos. Esse peri-
go, entretanto, inexiste. No sistema que aqui discutimos, 
haverá lugar no legislativo para os políticos sem vinculação 
partidária que se interessem pela atividade de produzir leis 
gerais e no executivo para os políticos interessados na ad-
ministração pública, vinculados aos partidos. 
Marco Maciel 
Ex-governador de Pernambuco e senador (PDS-PEJ 
O jornalista Henry Maksoud tem oferecido ao paí& 
idéias extremamente válidas, sobretudo oportunas num 
momento de aperfeiçoamento institucional como o que vi-
vemos. Agora, ele vem de oferecer sugestões a respeito do 
funcionamento da instituição representativa por excelên-
cia, que é o Congresso Nacional. A respeito do assunto, 
devo dizer que há um ponto com o qual concordo integral-
44 
mente e outro a respeito do qual não emprestaria meu en-
dosso. Prefiro o ponto de vista do jornalista Henry Mak-
soud quando entende que cabe hoje ao Congresso tarefa 
da maior importância, não apenas no campo legislativo, 
mas principalmente no da fiscalização dos atos do Poder 
Executivo. Dele divirjo, todavia, quando pressupõe, para 
que o Congresso possa melhor cumprir a sua tarefa, que se 
lhe retire a representatividade partidária. Entendo que os 
partidos desempenham um papel de fundamental relevân-
cia como canal de articulação entre as diferentes classes so-
ciais e o poder público. Constituem os partidos, assim, 
uma instituição indispensável à vida da sociedade moder-
na. Ousaria até mesmo dizer, tal a significação política dos 
partidos, que, se Montesquieu vivesse nos nossos dias, te-
ria concebido, ao lado da tripartição dos poderes, a exis-
tência de instituições partidárias. Por isso não tenho condi-
ções de acolher qualquer proposta que venha a reduzir o 
papel dos partidos, de modo especial na formação da opi-
nião pública e de sua presença nas casas legislativas, consti-
tuindo-se, como já se disse, a palavra do povo. De qual-
quer modo, acho importante que se produza um debate so-
bre as idéias que têm sido levantadas pelo diretor da revista 
VISÃO, pois elas certamente concorrem para um melhor 
conhecimento dos nossos problemas e ensejam a busca de 
melhores caminhos para o Brasil. 
Ainda a respeito do papel fiscalizador do Parlamento, 
convém lembrar que a sua origem teve como razão princi-
pal conter o poder absoluto dos monarcas e só isso já mos-
tra a importância de sua ação fiscalizadora. Aliás, Woo-
drow Wilson, ex-presidente dos Estados Unidos, costuma-
va dizer que tão importante quanto legislar é fiscalizar 
atentamente a administração pública. 
l··w,C-G r:·-·-!~-E S I A Henry Maksoud 
Diretor de VISÃO 
,, [ o 
i! ,- - r.:> L !-- U R Lu~·,,, ! p .__ ., ri_ f\:··ro 
A divergência é, em verdade, grande~ emõôrãCiJifébrâe- -•T·-~·» . ; 
que os partidos constituam importante canal de articula-
ção entre o povo e o governo. Mas, se esse canal é útil jun-
to ao órgão executivo, ele jaz o papel de vaso comunicante 
e imJ?ede a separação entre os poderes legislativo e executi-
vd. É por isso que os doutrinários clássicos temiam as jac-
45 
ções' no legislativo e alguns filósofos políticos modernos, 
ondese destaca F. A. Hayek, propõem que os partidos po-
líticos só operem junto ao executivo. É preciso também en-
fatizar que as funções de legislar normas e as de fiscalizar 
os atas do executivo são incompatíveis entre si num verda-
deiro estado de direito. Haverá sempre um conflito de inte-
resses se as mesmas pessoas que fazem as leis tiverem de 
fiscalizar aquelas que as têm de aplicar. É também necessá-
rio ressaltar que, existindo os mesmos partidos, tanto no 
legislativo quanto no executivo, eles sempre tenderão a 'fa-
bricar' leis arbitrárias e discricionárias para atender a seus 
próprios interesses junto ao poder executivo que as utiliza-
rá. No regime que propomos, essa fiscalização do executi-
vo pelos representantes do povo se dará através de uma câ-
mara de deputados, com vinculação partidária, que tratará 
de fiscalizar os atas concretos dos órgãos do governo pro-
priamente dito em termos dos programas de ação e com-
prometimentos partidários da situação. Essa câmara e esse 
governo comporão o poder executivo do sistema e funcio-
narão subordinados a leis gerais, elaboradas exclusivamen-
te por uma assembléia legislativa sem vinculação partidá-
ria, leis essas que os órgãos do poder executivo não pode-
rão modificar. O arbítrio e a discricionariedade legiferante 
que se observam hoje em todas as chamadas democracias 
ocidentais deixariam de acontecer porque passaria a exis-
tir, pela primeira vez, uma real separação entre os poderes. 
46 
Um Legislativo sem partidarismo 
-~--- ---·-····----lJ\.Jf{TESIA 
r o 
OEP. LEUR LOivL'\NTO 
4. Comentário de Célia Borja. Resposta de Henry Maksoud. 
VISÃO, 09-01-84. 
Célio Borja 
Ex-deputado federal e professor de Direito Constitucional 
F oi Hans Kelsen o primeiro publicista a definir a demo-cracia como "Estado de partidos". Em decorrência, os 
partidos foram elevados à condição de entes constitucio-
nais, e, em muitos países, transformaram-nos em pessoa 
jurídica de direito público interno, status reservado ao pró-
prio Estado, às suas províncias e seus municípios. Essa 
concepção equivocada gerou a degenerescência de muitas 
democracias contemporâneas, as quais, concedendo a gru-
pos selecionados o monopólio da representação política, 
sufocam a opinião pública e restringem sua participação 
nos .corpos deliberativos da nação. 
Os Estados da Europa Central que seguiram a prescri-
ção kelseniana terminaram vítimas de ditaduras declara-
das, antes do advento da ditadura do proletariado que, ho-
je, oprime seus povos. Os parlamentares não podem estar 
obrigatoriamente atrelados a partidos. O que se lhes exige 
é a liberdade de opinião e voto que eventualmente, mas 
não necessariamente, importará pluralidade de manifesta-
ções e preferências. Por isso mesmo, nas democracias ma-
duras de nossos dias, de formação evolutiva, os partidos 
são, apenas, associações de fato, que se formam livremen-
te sem qualquer subordinação normativa ou administrativa 
ao poder público. 
47 
Para lograr tal liberdade de representação política, é 
mister abandonar o sistema eleitoral proporcional, que es-
tá na origem do instituto da fidelidade partidária, e adotar 
o princípio majoritário - distrital ou não -, que fortalece 
o representante e coloca o partido no lugar devido. E há 
que admitir candidatos sem partidos. 
A generalidade da norma jurídica - atributo material 
das verdadeiras leis -não resulta do apartidarismo do ór-
gão que a elabora, mas da independência de seus membros. 
Nem as pressupõe imunes à influência da opinião pública, 
mas eticamente isentos de temor físico ou reverencial a inte-
resses particulares. A transação envolvendo o total dos inte-
resses é que faz a universalidade da lei; por isso, quer-se que 
todos eles estejam presentes ao ato de elaborá-la. 
Um último reparo: nenhum poder tendo o monopólio 
da produção da norma jurídica não universal, também o 
Judiciário deveria legislar em sentido material. É o que 
ocorre com a suprema corte americana que, seguindo a tra-
dição medieval e saxônia, prescreve normas de conduta 
mediante interpretação "construtiva" da lei positiva feita 
por outros poderes públicos. Daí a expressão judge made 
law, lei feita pelo juiz. Esse é o verdadeiro Legislativo sem 
partido e, embora a tradição jurídica da República não au-
torize tal função do Supremo Tribunal Federal, pode-se in-
vocar um exemplo histórico brasileiro. O do Conselho de 
Estado do Império, que, imune às lutas dos partidos, fazia 
os regulamentos administrativos, moderando, assim, o si-
nete faccioso que maiorias partidárias, eventualmente, im-
primem na testa da lei. 
Henry Maksoud 
Diretor de VISÃO 
Estamos de acordo em que é mais democrático o pro-
cesso que valoriza mais o candidato em si que o partido ou 
qualquer outro tipo de associação. Afinal, o que o eleitor 
procura é uma pessoa e não um órgão coletivo para ser seu 
representante num dado órgão do sistema de governo. Da 
mesma forma que usa sua experiência e seus sentimentos 
mais profundos no momento da escolha do candidato, ele 
espera que seu representante também possa fazer o mesmo 
48 
no momento das decisões que certamente terá que tomar. 
Um partido, uma pessoa jurídica ou uma associação qual-
quer não possuem essas faculdades, que são próprias do 
ser humano individual. 
O legislativo não é o lugar devido para os partidos. Eles 
impedem a realização da separação de poderes (condição 
imprescindível para a salvaguarda da liberdade) e colabo-
ram para que as normas votadas nas assembléias deixem de 
ser leis de verdade (gerais, iguais para todos, abstratas e 
prospectivas). Não basta que os eleitos sejam "eticamente 
isentos de temor físico ou reverencial a interesses particula-
res" ou que haja uma "transação de todos os interesses", 
para que sempre sejam elaboradas leis CO!fl os atributos 
exigidos pelo verdadeiro estado de direito. E preciso que os 
legisladores estejam efetivamente desvinculados dos parti-
dos, inclusive para que não haja qualquer possibilidade de 
conflito de interesses. 
No estado de direito, os legisladores não deverão estar 
subordinados à "vontade" popular (geralmente traduzida 
pelos interesses partidários), embora estejam sempre sob a 
influência da "opinião" pública(l). A "vontade" (expres-
são difundida por Rousseau, Hegel e seguidores) sempre se 
refere a ações especificas buscando determinados fins con-
cretos; a vontade cessa quando a ação é tomada e o fim 
atingido. É falaciosa, portanto, qualquer definição de lei 
que pretenda ser a expressão da vontade popular (ou da 
vontade geral, como dizia Rousseau}, porquanto somente 
são leis verdadeiras aquelas 'normas gerais aplicáveis a um 
número desconhecido de casos futuros, abstraídas, portan-
to, de quaisquer circunstâncias especificas de tempo e de 
lugar e referindo-se apenas a condições que possam ocor-
rer em qualquer lugar ou a qualquer tempo'. A "opinião", 
de outro lado, se refere a disposições permanentes, ou pelo 
menos duradouras, concernentes a "valores" abstratos 
que guiam as ações das pessoas pela maior parte de sua vi-
da e não a "fins" concretos, específicos, que comandam 
su~s ações em determina dos momentos. Os "valores" 
abrangidos pela "opinião" pública (ou seja, pela opinião 
comum dos indivíduos) não se referem, portanto, a pes-
soas, eventos ou objetos em particular, mas a atributos que 
(1) Ver "A opinião e a lei na demarquia", VISÃO, 20-3-78, e "A Revo-
lução Que Precisa Ser Feita", H. Maksoud, Ed. Visão, 1980, pág. 109. 
49 
muitas pessoas, eventos ou objetos diferentes podem pos-
suir em diferentes lugares e em diferentes ocasiões. Se ten-
tarmos descrever esses valores, isso será geralmente realiza-
do por meio de normas (leis) gerais, às quais essas pessoas, 
eventos ou objetos se ajustam. As leis de verdade deverão 
ser, portanto, fundamentadas na "opinião" sobre "valo-
res"abstratos, permanentes ou quase-permanentes, co-
muns à maioria dos cidadãos, e não no jogo de poder dos 
partidos, dedicado normalmente a satisfazer a "vontade" 
dos diversos grupamentos de interesses que formam mo-
mentâneas maiorias nas atuais assembléias democráticas 
de representantes. 
No que tange à faculdade de o judiciário produzir leis, 
meu modo de entender é o de que as leis devem ser sempre 
elaboradas pelo poder legislativo e somente em caso extre-
mo de lacuna da lei deveria um juiz atuar. Esse conceito 
vem das próprias origens da filosofia política, onde Aristó-
teles escreveu, em duas de suas obras, as frases que a seguir 
componho: "É de fundamental importância que as boas 
leis devam definir todos os pormenores possíveis, deixando 
o mínimo à resolução dos juízes ... " que, caso tenham de 
preencher um vazio da lei, o façam "aplicando a lei como 
faria o próprio legislador se estivesse presente e como teria 
disposto por lei, tivesse ele previsto que ocorreria o 
caso"r2J. 
(2) As citações completas podem ser encontradas nas páginas 188 e 189 
de "Fundamentos da Liberdade", F.A. Hayek, Ed. Visão, 1983. 
50 
Um Legislativo sem partidarismo 
5. Comentários de Amaury Moraes de Maria e Affonso Camargo Netto. Respos-
tas de Henry Maksoud. VISÃO, 16-01-84. 
Amaury Moraes de Maria 
Professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da 
Universidade Mackenzie 
A o enfatizar a necessidade de um "Legislativo sem par-tidarismo", Henry Maksoud parece levar em conta o 
sábio ensinamento de Alfred Marshall: as pessoas que es-
tudam, falam e escrevem sobre o homem, a política e a so-
ciedade, e que desejam deixar o mundo e seus países em si-
tuação melhor do que se não tivessem nascido, não devem 
nunca adotar e defender incondicionalmente as idéias e 
opiniões que recebem aprovação popular, principalmente 
quando essa aprovação for unânime. 
De fato, seu artigo encerra uma proposição original, 
porque permite articular em um sistema político inédito os 
ideais do constitucionalismo liberal, do governo represen-
tativo e da democracia. 
Salienta que jamais existiu um poder exclusivamente le-
gislativo e livre de influências de facções ou partidos. Des-
taca, ainda, o fato de que hoje os poderes legislativo e exe-
cutivo ou se entrelaçam ou se entrechocam através dum sis-
tema de vasos comunicantes representados pelos partidos. 
Têm os dois poderes suas atribuições confundidas: os par-
lamentos deliberam sobre questões específicas e concretas, 
sobre objetivos de governo - e, portanto, governam, in-
vadindo as atribuições originais do Executivo; e o Executi-
51 
vo legisla à vontade, inclusive sobre normas gerais de com-
portamento, invadindo, portanto, o campo de ação origi-
nal do legislador. 
~ ob,servação de Maksoud leva-me a pensar que, se a si-
tuaçao e preocupante nas democracias, passa a ser grave 
nos regimes totalitários. 
Como assevera Maurice Duverger, na sua obra clássica 
"Les Partis Politiques", nos mencionados regimes os par-
lamentares não dirigem mais o partido, porém este dirige 
os parlamentares. Nenhum projeto apresentado por um 
depu~a~o emana di~etamente dele, sendo elaborado pelos 
especialistas do partido, e o parlamentar fica simplesmente 
encarregado de defendê-lo. 
Diz mais o lúcido diretor de VISÃO o que deve ser en-
tendido por leis legítimas do estado de direito. Muita gente 
p~ns_a 9ue o estado ~e. direito significa apenas o império da 
lei. E Importante distmguir essa nuança entre a "mera le-
galidade" e a verdadeira "legitimidade da lei". O estado 
de direito não é apenas o domínio da lei, mas uma doutrina 
metalegal ou um ideal político que diz respeito aos atribu-
to~ gerais que as leis específicas devem forçosamente pos-
~mr . - elas devem ser normas gerais de justa conduta, 
Igums para todos e aplicáveis a número desconhecido de 
casos futuros, abstraídas, portanto, de quaisquer circuns-
tâncias específicas de tempo e de lugar e referindo-se ape-
nas a condições que possam ocorrer em qualquer lugar ou 
a qualquer tempo. 
. Rec?nhece I'1ak.soud que uma verdadeira revolução se-
na realizada at:Ibumdo ao Senado (devidamente ampliado 
por _um procedimento democrático específico) funções ex-
cl~~Ivame_nte legislativas e tirando-lhe as vinculações parti-
danas. Nao esclarece (certamente fa-lo-á num próximo ar-
tigo) qual seria o sistema de eleição democrática dos mem-
bros da assembléia legislativa. Seriam eleitos pelos coetâ-
neos? Seriam estes os melhores juízes das qualificações de 
uma pessoa? Vigoraria a não reelegibilidade? Tem em vista 
a.lgo que ,s~ aproximaria mais do ideal imaginado pelos teó-
ncos pohticos, um Senado de homens sábios e honrados? 
Voltando ao problema das leis legítimas do estado de 
direito, vale lembrar a lição de Carl Schmitt, em "Legalitat 
und Legitimitat", quando fala em "corrupção do conceito 
de lei" (Entartung des Gesetzesbegriffs), para elogiar, em 
52 
I 
I 
seguida, a frase de Ernst Fraenkel: "Se a Justiça não pode 
distinguir o que é uma lei, corre o perigo de fazer-se depen-
dente de não-leis" (Wenn die Justiz nicht mehr erkennen 
kann, was ein Gesetz ist, /iiuft síe Gefahr, sich selbst in 
die Abhiingigkeit von Nicht-Gesetzen zu begeben). 
Ensina Alexandre Passerin d'Entreves, do alto de sua 
cátedra em Turim, que há nuanças sutis entre legalidade e 
rufe of law, entre government under law e Rechtstaat. O la-
mentável destino desta teoria do Rechtstaat colocar-nos-ia 
em guarda contra os perigos da "neutralidade" em maté-
ria jurídica. Se, como deseja Kelsen, o conceito do direito 
se identifica com o de Estado, todo Estado é um "Estado 
de direito". Prossegue o mestre italiano: "Mas para que o 
Estado esteja verdadeiramente fundado sobre a rufe of law 
(estado de direito), o problema não é salvar a ordem a 
qualquer preço; quando a lib€rdade está em jogo, não se 
trata mais de uma legalidade qualquer. Legalidade e legiti-
midade só se identificam quando a legalidade é a garantia 
do livre desenvolvimento da personalidade humana". Na 
verdade, como costumava dizer Eisenmann, por ele citado, 
"!e droit de la science du droit n 'est pas tout /e droit". 
Valeu a pena a proposta de Maksoud? Como Fernando 
Pessoa, eu diria que tudo vale a pena se a alma não é 
pequena. 
Henry Maksoud 
Diretor de VISÃO 
Esse novo sistema de governo que Hayek denominou de 
'Demarquia' prevê que, além de não serem vinculados a 
partidos políticos, os membros da Assembléia Legislativa 
não podem ser reeleitos. Isto, para livrar a instituição legis-
lativa do jogo de influências, pressfJes, trocas de apoio e 
conflitos de interesses que podem afetar, como se observa 
nos dias aluais, a natureza do produto legislativo, defor-
mando a propriedade das leis. Os membros do legislativo 
seriam eleitos, em processo democrático, por coetâneos. 
Aos candidatos não se admitiria filiação partidária, mas 
exigir-se-ia uma certa idade base (45 anos, por exemplo) e 
qualificaçfJes que os próprios eleitores, individualmente, 
medirão, ao escolher seus candidatos, levando em conta as 
53 
responsabilidades e as características das tarefas exclusiva-
mente legislativas que serão a eles atribuídas. Os mandatos 
s:riam por um longo período de, digamos, quinze anos, ao 
j1m do qual os membros da assembléia seriam irreelegíveis 
en:bora pos~am ser aproveitados, por exemplo, em jun~ 
ç?es de magistratura e na assessoria de certas cortes de Jus-
tiça, sendo porém inelegíveis para quaisquer junções no 
pod~r execut1vo. Em qualquer caso, porém, os legisladores 
no j1m de seus mandatos terão suas condições de vida asse-
gura_df}s. Cada ~ida.dão, neste sistema, votaria, para a com-
poslçao do leg1slattvo, uma vez na vida (no caso do nosso 
exemplo, ao completar 45 anos), escolhendo candidato 
com a mesma idade, a legislador. Estas eleições democráti-
cas poderiam

Continue navegando