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Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 2, p. 45-74, maio/ago. 2018. A administração pública na Constituição de 1988. Trinta anos depois: disputas, derrotas e conquistas* Public administration’s ruling in the 1988 Brazilian Constitution. Thirty years by now: disputes, defeats and achievements Patrícia Baptista** João Pedro Accioly*** Artigo recebido em 21 de maio de 2018 e aprovado em 8 de junho de 2018. DOI: hĴDZȦȦ¡ǯǯ org/10.12660/rda.v277.2018.76704. �ȱ ȱ ¨ȱ ǰȱ ǰȱ ȱ ¡Çȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ¹ȱ �ȱ�ȱ�ȱ ȱ�ȱ�ȱ ȱ ¥ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ¨ǰȱ ȱ �ȱ �ȱ�ȱ�Ĵǯ ȱȱ �ȱȱ�ȱȱ�ȱȱ�ǰȱ�ȱȱ�ǰȱ��ǰȱ�ǯȱ�ȬDZȱĠȓ gmail.com. �ȱȱȱȱȱ�ȱȱ�ȱȱ�ǯȱ�ȱȱȱ ȱȱȱ���ǯȱ�ȱȱȱøȱȱ�ǯȱ�ȱȱ�ȱȱ�ȱȱ Janeiro. ȱȱ�ȱȱ�ȱȱ�ȱȱ�ǰȱ�ȱȱ�ǰȱ��ǰȱ�ǯȱ�ȬDZȱ¢¡ȓ gmail.com. ȱȱȱȱȱȱȱøȱȱ�ȱȱ�ȱȱ�ȱȱ �ȱǻ�Ǽǯȱ�ǯ REVISTA DE DIREITO ADMINISTRATIVO46 Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 2, p. 45-74, maio./ago. 2018. RESUMO Passados 30 anos de vigência do capítulo dedicado à disciplina da administração pública na Constituição de 1988, o artigo passa em revista ȱàǯȱ�ȱȱȱàȱȱÇǰȱȱȱ¡ȱȱȱ aplicação e alguns dos principais processos de disputa que o marcaram. �ȱ ȱ ¹¡ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ³¨ǰȱ ȱ ȱ ȱ ȱ perspectiva realista e, ao mesmo tempo, critica o discurso retórico- -normativista da Constituição, até aqui predominante na academia e nos tribunais. PALAVRAS-CHAVE Direito administrativo — direito constitucional — administração pública — Constituição de 1988 ABSTRACT Thirty years after the promulgation of the 1988 Constitution, the article ¡ȱ ȱ ¢ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ the Public Administration. It investigates the chapter’s historic origin, the ¡ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ȱȱ ȱ ȱ concerning its application. At last, the article discusses the achievements and failures in its enforcement, from a realistic perspective and, at the same time, critical to the normative-rhetorical speech about the Constitution, ȱȱȱȱȱȱ¢ȱȱȱȱǯ KEYWORDS �ȱ ȱȯȱȱ ȱȯȱȱȱȯȱŗşŞŞȱ Constitution 1. Três ciclos na vida da Constituição de 1988 Nos primeiros 10 anos de vigência da Constituição de 1988, todos os esforços se voltaram para torná-la efetiva. O que se queria, então, era afastar o risco de repetição da tragédia das Constituições brasileiras anteriores. Cada uma, a seu modo e a seu tempo, havia fracassado na missão de conformar ȱ ¡Çȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ³äȱ ¥ȱ ȱ ³äǰȱ Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 2, p. 45-74, maio/ago. 2018. 47PATRÍCIA BAPTISTA, JOÃO PEDRO ACCIOLY | A administração pública na Constituição de 1988.... contribuindo para a instabilidade institucional que marcou o Império e a República até aquele momento.1 No empenho para consolidar, entre nós, a força normativa da Constituição de 19882 — que veio basicamente da academia, do Judiciário e das demais corporações jurídicas —, um dos mais importantes movimentos foi a atração ȱ ȱ ȱȱ ȱȱ ȱ ȱȱ Ě¹ȱȱ ȱǯȱ�ȱȱȱȱȱȱÇȱ¡ȱȱ país, a partir daquele momento, precisava ser relido e reinterpretado para se ajustar aos mandamentos da nova Carta. Aquilo que não pudesse se adequar haveria de se descartar; em bom ¹, revogar.3 Essa, creia-nos o leitor, não foi missão fácil; demandou tempo, e, claro, encontrou resistências. Mas havia, àquela época, muita gente nova, ansiando por mudanças (na academia, nas instituições e nos tribunais) e com disposição para brigar pelo projeto constitucional a tão duras penas conquistado. A ę constitucional4 alcançou praticamente todos os ramos do direito, público e privado, relevando-se, no entanto, mais forte em relação ȱǰȱ ¤ȱȱà¡ȱ¥ȱ·ȱǯȱ�ȱ daí um amplo e intenso processo de constitucionalização do direito no país, que, até hoje, é uma das marcas mais relevantes da ordem constitucional de 1988, sobretudo quando comparada às que lhe antecederam (em que esse movimento não se operou). Para garantir o sucesso do projeto, pode-se assim dizer que a primeira década de vigência da Constituição de 1988 foi uma época de louvação das suas virtudes e de sua capacidade de transformação das instituições, da vida øȱǰȱ·ǰȱȱǯȱ�ȱȱǰȱęȱȱ�ȱȱ 1ȱ �ȱ ȱ ȱ àȱ ȱ ǰȱ ęȬȱ ������ǰȱ �ǯȱ Constituições republicanasǯȱ�ÇDZȱ�ȱ�ǰȱŗşşşDzȱ�������ǰȱ�Çȱ�ǯȱO direito constitucional e a efetividade de suas Normas. 9. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 7-45; SARMENTO, Daniel; PEREIRA NETO, Cláudio de Souza. Direito constitucional: teoria, história e métodos ȱǯȱ�ȱ £DZȱ�àǰȱŘŖŗřǯȱǯȱşśȬŗśŚDzȱȱ�����ǰȱ�ȱ�âǯȱA história das Constituições brasileirasǯȱ�¨ȱ�DZȱ�¢ǰȱŘŖŗŘǯ 2 Teoria que também era um carro-chefe algo recente da teoria do direito constitucional na Europa, notadamente na Alemanha, com farta literatura em que os estudiosos do direito constitucional brasileiro foram se apoiar. 3 A categoria “revogação” é empregada aqui por ter sido acolhida reiteradas vezes pelo Supremo (v.g., ADI 02 e ADI 07) e pela literatura. A rigor, a incompatibilidade de normas pré-constitucionais com a nova Carta seria hipótese de inconstitucionalidade superveniente. Como o critério hierárquico prevalece sobre o cronológico, tecnicamente, as normas não seriam revogadas, mas invalidadas à luz da novel ordem constitucional. 4ȱ �ȱ¡¨ȱ¤ȱÇȱȱȱȱȱ�� ���ǰȱ�ȱ�ǯȱFiltragem constitucional: construindo uma nova dogmática jurídica. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1999. REVISTA DE DIREITO ADMINISTRATIVO48 Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 2, p. 45-74, maio./ago. 2018. 1988, continha os elementos necessários para ser a força motriz da mudança do país. Foi o período da Constituição cidadã; do ufanismo constitucional. Nos 10 anos seguintes, a consolidação dessas ideias resultou — em um ȱȱȱȱȱȯȱȱȱ¡¨ǰȱ·ȱȱ qualitativa, da jurisdição constitucional.5 Rápida consulta às estatísticas do Supremo Tribunal Federal (STF) mostra que, entre 1990-98 (nove anos), foram ȱ ¡ȱ ŗǯŖŞŖȱ ³äȱ ȱ ȱ ȱ (ADIs).6 Nos nove anos seguintes, entre 1999 e 2007, esse número prati- camente dobrou: foram 2.037 ADIs, sem computar as ações declaratórias de constitucionalidade, as ações de inconstitucionalidade por omissão, as arguições de descumprimento de preceito fundamental, todas instrumentos de jurisdição constitucional surgidos ou concretizados já nessa segunda ·ȱȱȱęȱȱȱȱȱ¥ȱ³¨ȱȱ���ǯ7 O número mais eloquente da centralidade que a ordem constitucional ȱȱȱÇȱȱÇǰȱ·ǰȱȱȱȱ¡¤ȱ (RE): instrumentos vocacionados à defesa da ordem constitucional nos pro- ȱ ǰȱ Çȱ ȱ ¡Çȱ ȱ ȱ ȱ ȱ difuso. De 1990a 1998, foram distribuídos 12.642 REs. Entre 1998 e 2007, Ȭǰȱ·ǰȱȱȱøȱȱřŘŜǯŘŘśȱǯȱ�ȱȱ de cerca de 25 vezes em relação ao período anterior. Apenas em 2006, foram distribuídos 60.020 REs (sem contar os agravos de despacho denegatório, cujo quantitativo se mostra ainda mais avassalador).8-9 5ȱ �ȱ³¨ȱȱ�ȱos 9.868/1999 e 9.882/1999, dispondo sobre o julgamento das ações diretas perante o STF, foi um marco nesse processo de aperfeiçoamento e incremento dos instrumentos de jurisdição constitucional. 6 Os dados estatísticos disponíveis em rede partem de 1990. 7 Entre 2008 e 2017, foram ajuizadas 1.810 ADIs no STF, apontando um ligeiro declínio no øȱȱ³äȱȱȱȱȱ·ȱǰȱȱȱȱȱ¦ȱȱ com uma leitura mais amadurecida do legislador federal e estadual em relação à Constituição, ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ¨ȱ ȱ ¡Çȱ ȱ ³¨ȱ ȱ ǻȬǰȱ ȱ ǰȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ¦Ǽǯȱ�Çȱ DZȱ < ǯǯǯȦȦȦ�¡ǯǵƽǭƽǁ. Acesso em: 29 mar. 2018. 8 De 2008 a 2017, o número de REs distribuídos cai drasticamente para 126.778, em virtude ȱ ³¨ȱȱ ¡¹ȱ ȱ ¨ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ pela Emenda Constitucional noȱŚśȦŘŖŖŚǯȱ�ȱȱȱȱȱȱȱ¡ȱ ȱ���ȱȱȱȱȱȱŘŖŖŝǰȱàȱȱȱ³¨ȱȱ�ȱȱo 11.418/2006. Disponível em: < ǯǯǯȦȦȦ�¡ǯǵƽǭƽǁ. Acesso em: 29 mar. 2018. 9ȱ �ȱÇȱȱȱȱȱȱȱøȱȱȱ¡¤ȱ ȱȱȱȱŗşşŖȬŘŖŖŖȱȱȱȱȱȱȱ¡¨ȱȱȱȱȱ do funcionalismo e da previdência pública do que propriamente pela difusão do discurso constitucional aos litígios comuns entre particulares (ver, a propósito, o item 3, infra). Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 2, p. 45-74, maio/ago. 2018. 49PATRÍCIA BAPTISTA, JOÃO PEDRO ACCIOLY | A administração pública na Constituição de 1988.... �ȱøȱ¨ȱȱȱ¡ȱȱ³ȱȱȱ³ȱȱȱȱ constitucional ganhou no discurso jurídico do país no curso dos anos 2000. �ȱȱȱȱǰȱȱ£ȱ¡¨ȱȱ�ȱ�ǰȱȱȬ deira ubiquidade constitucional.10 Não apenas as grandes questões, os rele- ȱĚȱÇȱȱȱȱȱȱȱ a partir da Constituição, mas também as pequenas controvérsias, cotidianas e ·ȱǰȱȱȱęȱȱȱǯȱ�ȱȱ�³¨ȱȱ introjetando por todo o canto da vida nacional.11 �ȱàǰȱ·ǰȱȱȱǯȱ�¨ȱȱȱȱȱ¡Ȭ vismo do discurso constitucional acabasse por trazer à tona seus defeitos e ǯȱ1ȱǰȱȱȱȱȱȱȱȱÇȱȱ relação ao constitucionalismo praticado no país, que se ingressou na terceira década de vigência da Constituição. Saiu a Constituição “cidadã”, entrou a Constituição “chapa-branca”.12 �ȱȱ¡ȱȯȱȱ¤ǰȱ¨ǰȱȱ�ȱȱŗşŞŞȱȱȱȱ décadas de vigência —, surgiram apontamentos sobre o risco do subjetivismo ȱ ³¨ȱ ȱ ³¨ȱ ȱ ȱ ¡ȱ ȱ ǰȱ ȱ ȱ notabiliza pela grande abertura de muitas de suas normas, especialmente as de natureza principiológica.13ȱ�ȱȱ·ȱęȱȱȱȱȱ controle de constitucionalidade, que transforma cada um dos mais de 18 mil juízes do país em um juiz constitucional em potencial. Dessa forma, teria havido uma apropriação do discurso normativo da Constituição pelos estamentos corporativos. A comprovação empírica desse argumento — ao menos no que ȱȱȱ¡¤ȱȯȱȱȱ¡¹ȱȱȱ¡³¨ȱ¤ȱ Çęǯȱ�ǰȱȱȱȱȱȱ���ȱÇȱȱȱøȱȱ³¨ȱȱ período não permite essa busca, de modo que a sugestão, embora plausível, carece de base de comprovação. 10ȱ ��������ǰȱ�ǯȱ�ȱDZȱȱȱȱȱǯȱRevista de Direito do Estado, n. 2, p. 83-118, abr./jun. 2006. 11ȱ �¡ȱȱĚ¡ȱȱ¡¨ȱȱ¦ȱȱȱǰȱȱ¡ȱȱ por ocasião do aniversário de 20 anos da Constituição, ver BAPTISTA, Patrícia. Retrospectiva 2008. Revista de Direito do Estado, v. 13, p. 36-37, 2009. 12ȱ �ȱ·ȱȱ¡¨ȱȱȱ�ȱ�ȱ�ȱȱȱȱȱøȱȱ�ȱ de 1988, mais do que garantir direitos dos cidadãos, voltou-se para assegurar a manutenção ȱ³äȱȱȱȱ³äȱøȱȱȱȱĚȱȱȱ³¨ǯȱ O fenômeno constitucional e suas três forças. Revista de Direito do Estado, v. 3, n. 11, p. 209-216, jul./set. 2008. Em sentido analogamente crítico, o apelido de Constituição panprincipiológica, ȱ �ȱ �ǰȱ ȱ ȱ ȱ ¥ȱ £³¨ȱ ¡ǰȱ ·ȱ ȱ àȱ ȱ Çȱ constitucionais. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas da ȱ ¥ȱ ȱȱ ȱ ȱ ȱǯȱ�ȱȱ �DZȱ �ȱ �ǰȱ 2009. 13ȱ �����ǰȱ �Çȱ�ȱ ǯȱ �³¨ȱ ȱ ȱ ȱ ³¨ȱ ǯȱ �DZȱ MACEDO JR., Ronaldo Porto; BARBIERI, Catarina Helena (Org.). Direito e interpretação: racionalidade e instituições. São Paulo: Saraiva, 2011. REVISTA DE DIREITO ADMINISTRATIVO50 Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 2, p. 45-74, maio./ago. 2018. Na mesma toada, a conjunção de uma Constituição para lá de analítica ȱȱȱȱęȱȱȱ£ȱȱ ǰȱ ¡ȱ ȱ ³ȱ ȱ ³¨ȱ ȱȱ ¤ȱ ȱ ǯȱ�ȱȱȱȱȱȱĚȱàȱǰȱ desconectada da realidade e das possibilidades de efetivação pelo Estado e pela sociedade, acaba-se por gerar uma permanente sensação de frustração constitucional.14 A euforia, natural dos primeiros anos, portanto, vem cedendo um lugar cada vez maior à crítica.15 �ȱȱàȱ¦ȱȯȱȱȱÇȱȱȱȱȯȱ·ȱǰȱ avizinhando-se o aniversário de 30 anos da Constituição de 1988, o presente ¡ȱȱäȱȱȱȱȱȱ�Çȱ���ȱȱ�Çȱ ���ǯȱ�Ȭȱ de capítulo inédito na história constitucional brasileira, dedicado à insti- tucionalização da administração pública. Até ali tudo o que havia eram poucas e esparsas normas sobre o tema, cuidando sobretudo de funcionários públicos.16ȱ�ǰȱȱęȱȱȱȱȱ do direito administrativo brasileiro — profundamente afetado pela consti- tucionalização —, a história do artigo 37 e dos que a ele se seguem é não apenas acidentada, como evidencia as fragilidades do discurso constitucional ¡ȱǯ Adverte-se o leitor que este estudo não pretende enfrentar o conteúdo ȱÇȱȱ³¨ȱøȱȱȱ¦ȱȱ¤DZȱ¨ȱȱ delimitar o alcance, nem o sentido de suas disposições. O enfoque aqui será outro, um tanto histórico, sociológico e de ciência política, buscando uma leitura interdisciplinar, bem ao gosto do que hoje se faz na academia. O que se busca, antes de tudo, é a compreensão de por que o capítulo VII do Título III da Constituição, a par de ter impulsionado algumas conquistas relevantes para a vida da administração pública brasileira, contempla normas que, há 30 anos, são disputadas ou derrotadas (v.g., o inciso XI do art. 37, que 14ȱ ��� ���ǰȱ�ȱ�ǯȱ�ǯȱRevista Direito GV, São Paulo, v. 8, p. 441-464, 2008. Disponível em: < ǯǯȦȦȦŚŘȦŖśŚŘǯ>.Acesso em: 30 mar. 2018; VERISSIMO, Marcos Paulo. A Constituição de 1988, vinte anos depois: Suprema Corte e ativismo judicial “à brasileira”. Revista Direito GV, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 407-440, jul./dez. 2008. 15ȱ �ǰȱ ȱ ǰȱ ���� ǰȱ �Dzȱ ������,�ǰȱ �·ȱ �ǯȱ �ȱ ȱ àȱ constitucional brasileira: uma crítica pontual à doutrina da efetividade. Revista Direito e Práxis, v. 8, p. 957-1007, 2017. 16ȱ �ȱ�³¨ȱȱŗşŜŝǰȱȱ¡ǰȱàȱȱȱ³¨ȱȱȃ¤ȱøȄȱ (arts. 95 a 106). Ver BAPTISTA, Patrícia. Transformações do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 70-73. Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 2, p. 45-74, maio/ago. 2018. 51PATRÍCIA BAPTISTA, JOÃO PEDRO ACCIOLY | A administração pública na Constituição de 1988.... ę¡ȱȱȱàȱȱȱøǰȱ¤ȱȱȱȱ³¨ȱ e, até aqui, sem perspectiva de se ver realmente observado). Para esse diagnóstico — dos sucessos e fracassos de normas constitucio- nais —, o discurso normativista, predominante no direito brasileiro, pouco ȱ ȱ ǯȱ�Çȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ȱàȱ ȱ ¡ȱ ȱǰȱȬǰȱȱ¹ǰȱȱ¡ȱȱȱȱàȱ de alguns dos problemas do capítulo sob a ótica mencionada anteriormente. 2. A história do estatuto constitucional da administração pública 2.1 A administração pública brasileira antes da Constituição de 1988 Entre as disciplinas jurídicas, o direito administrativo talvez seja aquela ȱ ȱ ȱ ȱ Ěȱ ȱ ȱ ǰȱ ȱ ȱ ¤ȱ ǯȱ�ȱâȱȱȱ¡ȱ¨ȱàȱȱȱȱȱ ¡ȱ ȱ ǰ17 como também pela ocupação de altos postos na burocracia estatal, desde o Império, por administrativistas, do que resulta sua Ě¹ȱȱȱ³¨ȱȱȱȱ¤ȱȱ³¨ȱ pública.18 Assim, doutrina, normas e práticas, partilhando formuladores ǰȱǰȱȱ¹ǰȱȱ¤ȱ¦ǯ No período anterior à Constituição de 1988, o direito administrativo brasi- leiro tinha no autoritarismo seu principal traço característico. Com poucas ¡³äȱ ȱ Çǰȱ ȱ ·ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ¨ȱ ȱȯȱ que sobrepujava o Estado em detrimento do cidadão — e uma tradição 17ȱ �ȱ ȱ ǰȱ ȱ ȱ ¨ȱ àȱ ȱ ȱ ȱ ¡ȱ ȱ ȱ Ȭ genético, chegando a reclamar a função de paradigma da produção legislativa formal. ������ǰȱ �ȱ�ǯȱ�£³äȱ ȱ DZȱ ȱ ¡ȱ ȱ ȱ ȱ ³äǯȱ �DZȱ��� !�ǰȱ�¡ȱ �ȱ Dzȱ�������ȱ����ǰȱ �ȱ ȱ Azevedo (Coord.). Direito administrativo e seus novos paradigmas. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 622. Sobre o assunto, ver também: MENDONÇA, José Vicente Santos de. Direito administrativo e inovação: limites e possibilidades. A&C — Revista de Direito Administrativo & Constitucional, v. 17, p. 169-189, 2017. 18ȱ �ȱȱ¤ȱȱȱâǰȱȬDZȱ�� ������ǰȱ�ǯDzȱ�����ǰȱ�ǯȱ�ǯDzȱ�����ǰȱ �ǯȱ�ǯȱ�ǰȱÇȱȱȃȱȄȱȱ�ǯȱPolítica & Sociedade, v. 16, ǯȱřŝǰȱǯȱŘŞŜȬřŗŚǰȱŘŖŗŝǯȱ�Çȱ DZȱǀĴDZȦȦǯǯȦ¡ǯȦȦȦ ȦŘŗŝśȬŝşŞŚǯŘŖŗŝŗŜřŝŘŞŜȦřśşŝŞǁǯȱ�ȱDZȱŝȱǯȱŘŖŗŞǯ REVISTA DE DIREITO ADMINISTRATIVO52 Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 2, p. 45-74, maio./ago. 2018. ǻǼȱ ǰȱ ȱ ȱ ȱ �ȱ ȱ ȱ ȱ øȱ ȱ relevante da disciplina.19 �ȱȱǰȱȱ¤ȱȱǰȱȱ¡³¨ȱȱȱȱÇȬ simas disposições relacionadas com os servidores públicos,20 as Constituições anteriores não se ocuparam da administração. Na ordem jurídica infralegal, institutos como a “verdade sabida”21 e a prisão civil do funcionário público22 eram o espelho da fragilidade do estado democrático de direito no país. �ȱ¤ȱǰȱȱȱǰȱȱȱ¡ȱȬ DZȱȱøȱȱ¡Dzȱ³äȱȱ à coisa pública eram largamente inacessíveis; a administração não contava com instrumentos de consulta popular nem buscava meios menos intrusivos e verticais de atuação. No que toca a seus teóricos no plano jurídico, a maior parte dos publicistas Ěȱȱ³äȱȱȱ¤ǯȱ�ȱ�·ǰȱȱęȱ ȱ¤ȱȱȱȱ�ȱȱ�ȱȯȱȱȱȱEnsaio sobre o direito administrativo foi o principal formulador político do Partido Conservador ȱ ȱ ȱ ęȱ ȱ ȱ ȱ �ȱ �·ǯȱ �ȱ �øȱ Velha, destacaram-se o ministro Viveiros de Castro, membro da associação ȱ �ȱ ȱ �ȱ �ǰȱ ȱ �ȱ �£ǰȱ ȱ øȱ ȱ havia integrado a Guarda Nacional. �ȱÇȱ�ȱȱÇȱȱ�ȱ�ǰȱȱ¡ȱȱȱ público brasileiro foram Themistocles Brandão Cavalcanti e Francisco Campos. Themistocles ocupou diversos cargos proeminentes, como o de consultor-geral da República (1945-46) e o de procurador-geral da República (1946-47), antes de ser nomeado ministro do Supremo, pelo presidente Costa e Silva (1967). Francisco Campos, jurista mineiro, foi ministro da Justiça de Vargas, autor intelectual da Constituição de 1937. Ajudou ainda a elaborar 19ȱ �ȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱ¡ȱȱǰȱ o discurso do legalismo sempre foi falho ou insincero. 20 Todas as Constituições brasileiras contiveram artigos dedicados aos funcionários públicos: Constituição de 1824, art. 179, XIV e XXIX; Constituição de 1891, arts. 73 a 75; Constituição de 1937, arts. 156 a 159 (seção inumerada); Constituição de 1946 (Título VIII), arts. 184 a 194; Constituição de 1967 (Capítulo VII, Seção VII), arts. 95 a 106. 21 Os estatutos do funcionalismo costumavam prever a possibilidade de aplicação de sanções disciplinares sem a instauração de processo administrativo. As penas administrativas eram impostas unilateralmente pelo superior hierárquico ou autoridade competente, com base em “fatos” notórios ou do conhecimento pessoal de tais agentes. 22ȱ �ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ³¨ȱ ȱ ȱ ·ȱ ȱ ³¨ȱ ȱ �ȱ ȱ no 8.112/1990. Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 2, p. 45-74, maio/ago. 2018. 53PATRÍCIA BAPTISTA, JOÃO PEDRO ACCIOLY | A administração pública na Constituição de 1988.... ȱ ¡ȱȱȱȱ�ȱ �ȱ¡ȱȱȱ ȱ ȱǻ��Ȭŗȱȱ��ȬŘǼǰȱ·ȱȱȱĚÇȱȱ³¨ȱȱ�³¨ȱȱŗşŜŝǯ Principal nome do direito administrativo brasileiro a partir da segunda ȱȱȱŗşŜŖȱ·ȱȱȱȱǻȱŗşşŖǼǰȱ ¢ȱ�ȱ�ǰȱȱ de se aposentar da magistratura, foi, em São Paulo, secretário de Estado da Justiça (1969-71), de Segurança Pública (1968-69) e do Interior (1967-68). �¡ȱȱ³¨ȱȱȱȱȱÇȱǻȱȱ�Ȭ�ȱ no 2.300/1986).23 Em linhas gerais, assim se mostrava o direito administrativo brasileiro antes da promulgação da Constituição de 1988: em boa parte formalista, ę³ȱ ȱ ³äȱ ¤ǰȱ ȱ ȱ ęȱ ȱ em favor de uma Administração autocentrada — dirigida a promover inte- resses nomeadamente coletivos, que eram, a seu turno, concebidos como necessariamente antagônicos aos direitos individuais. 2.2 O ingresso da administração pública na Constituição: reconstituição de uma história acidentada e pouco conhecida O Anteprojeto Afonso Arinos24 não continha um capítulo dedicado à administração pública. Seguindo a tradição constitucional brasileira, dispunha ȱ ȱ ¡ȱ ³¨ǰȱȱ ȱ ȱ ęȱ ȱ ¡ǰȱ ȱ ȱ ȱ públicos (artigos 252 a 266). �ȱ ȱ�ǰȱ ȱ ȱȱ Çȱ ȱ ¡ȱ elaborado pela Assembleia Constituinte parece ter sido de autoria intelectual ȱȱǰȱȱȱȱ¥ȱ�Çȱ�ȱ 23 Em conferência proferida na Escola Superior de Guerra, no dia 1o de julho de 1975, Hely ǰȱȱȱ¦ȱȱȱȱȱȱ·DZȱȃȱȱȱÇȱ é o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública, para conter os abusos ȱȱǯȱǽdzǾȱ�ȱȱȱȱàȱȱȱȬ ça nacio nal pode e deve ser contida pelo poder de polícia administrativa, embasado no ȱȱ ȱȱǰȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ȁ·ȱ ȱ ¡¨ȱ ȱ ȱȱ ȱ ȱ ǰȱȱȱäȱȱȱ�³¨ǰȱȱ³ȱȱǰȱȱȱ¡ǰȱ os objetivos nacionais’”. O poder de polícia, o desenvolvimento e a segurança nacional. Revista de Direito Administrativoǰȱ �ȱ ȱ �ǰȱ ǯȱ ŗŘśǰȱ ǯȱ ŗȬŗŚǰȱ £ǯȱ ŗşŝŜǯȱ�Çȱ DZȱ ǀĴDZȦȦ ǯǯȦȦ¡ǯȦȦȦ ȦŚŗŞŘŜȦŚŖśŗşǁǯȱ�ȱDZȱŝȱǯȱŘŖŗŞǯȱ Outro nome do período foi o de Marcelo Caetano, jurista português e sucessor político de �£ǰȱȱȱ¡ȱȱ�ȱàȱȱ�³¨ȱȱ�ǰȱȱŗşŝŚǯ 24 Disponível em: < ǯǯǯȦȦȦȦ��ǯ>. Aces so em: 2 fev. 2018. REVISTA DE DIREITO ADMINISTRATIVO54 Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 2, p. 45-74, maio./ago. 2018. �àȱ ǻ���Ȭ��Ǽǰȱ ȱ Ě¹ȱ ȱ �³äȱ ȱ �25 e da Espanha.26 Durante a Constituinte, Celso Antônio Bandeira de Mello, Adilson �ǰȱ ȱ�ȱȱ�ȱ ȱȱȱȱ�ȱ�·ȱ para assessorar a bancada paulista. José Afonso da Silva era assessor de Mário Covas, que foi o líder do PMDB na Assembleia.27 Como bem nota Carlos Ari Sundfeld, discorrendo a respeito do capítulo ȱȱȱřŝǰȱ·ȱȃÇȱȱ¡ȱȱ�³¨ȱȱŗşŞŞȱȱ Ě¹ȱȱȱȱǰȱȱȱȱȱȱ historicamente e dos debates em que se envolveram nas décadas anteriores”.28 Formalmente, o capítulo originou-se de emendas apresentadas pelo então constituinte Fernando Henrique Cardoso. A primeira proposta (Emenda noȱřŖŖşŝřȬřǼǰȱȱȱȱȱ�¨ȱȱ�ȱ�¡ǰȱȱ a seguinte redação: �ǯȱȯȱ�ȱ³¨ȱęȱ·ȱȱȱȱȱȱȱ da administração direta ou indireta. Art. — A razoabilidade é requisito de legitimidade dos atos praticados ȱ¡Çȱȱ³¨ȱǯ Art. — O administrado tem direito a publicidade e transparência dos atos da administração que estão sujeitos aos deveres de neutralidade, imparcialidade, lealdade e boa-fé. Art. — A outorga de concessões, autorizações, permissões, licenças ou privilégios econômicos de qualquer natureza a entidade privada, por parte do Poder Público, será sempre instruída por processo público, com a audiência de todas as partes direta ou indiretamente interessadas. Perante a Comissão de Organização dos Poderes e Sistema de Governo, Fernando Henrique apresentou proposta de emenda ao anteprojeto do 25 A Constituição Portuguesa de 1974 dedica o seu Título IX, que compreende os artigos 226 a 272, ao regramento constitucional da administração pública. 26 A Constituição Espanhola de 1978 dedica o seu Título IV, que compreende os artigos 97 a 107, ao regramento constitucional “del Gobierno y de la Administración”. 27ȱ �ǯȱ�ǰȱ�ǯȱ�ǯȱ�ȱȱ�ǯȱ�ǯȱ�ǰȱ�ǰȱÇȱȱȃȱȄȱȱ Brasil, op. cit., p. 302. 28ȱ ��������ǰȱ�ȱ�ǯȱDireito administrativo para céticos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 104. Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 2, p. 45-74, maio/ago. 2018. 55PATRÍCIA BAPTISTA, JOÃO PEDRO ACCIOLY | A administração pública na Constituição de 1988.... relator — já agregando noȱ¡äȱȱȱ·ǯȱ�ȱ�ȱř�ŖŜŝşȬŝǰ29 ȱęȱȱȱȱȱ�¨ǰ30 continha a seguinte redação: �Ȭȱȱ�ÇDZȱȁ�ȱ³¨ȱøȂǰȱȱȱȱDZ Art. — A Administração Pública será organizada com obediência aos princípios da legalidade e da moralidade e atuará em estrito respeito aos direitos dos cidadãos. �ǯȱȯȱ�ȱ³¨ȱęȱ·ȱȱȱȱȱȱȱ da administração direta ou indireta. Art. — A razoabilidade é requisito de legitimidade dos atos praticados ȱ¡Çȱȱ³¨ȱǯ Art. — O administrado tem direito à publicidade e à transparência dos atos da administração que estão sujeitos aos deveres de neutralidade, imparcialidade, lealdade e boa-fé. Art. — Nenhum ato da Administração imporá limitações, restrições ou ȱȱȱȱȱ¡ȱȱȱ¤ȱ ȱȱȱęȱȱȱȱȱǯ Art. — A outorga de concessões, autorizações, permissões, licenças ou privilégios econômicos de qualquer natureza à entidade privada, por parte do Poder Público, será sempre instruída por processo público, com a audiência de todas as partes direta ou indiretamente interessadas. Durante a fase de sistematização, houve quatro versões diferentes para o capítulo: o Anteprojeto da Comissão de Sistematização,31 o Projeto de Consti- tuição da Comissão de Sistematização,32 o Primeiro Substitutivo do Relator33 e o Segundo Substitutivo do Relator.34 29 Emendas oferecidas ao Substitutivo / III — Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo. p. 179-180. Disponível em: < ǯǯǯȦȦŘŖȦ DocumentosAvulsos/vol-102.pdf>. 30ȱ �ȱȱ ȱ ȱ ȱ ȱ DZȱ ȃ�ǰȱ ȱ ę¦ȱ ȱ Ȅǯȱ �ȱ ¥ȱ Emendas Apresentadas ao Substitutivo, p. 26. Comissão da Organização dos Poderes e Sistema ȱ ǯȱ�DZȱ�ȱ�ȱ�ǯȱ�DZȱ�ȱ�Çȱ�ȱ�ȱ Disponível em: < ǯǯǯȦȦŘŖȦ��ȦȬ 103.pdf>. 31 Disponível em: < ǯǯǯȦȦŘŖȦ��ȦȬ 219.pdf>. 32 Disponível em: < ǯǯǯȦȦŘŖȦ��ȦȬ 226.pdf>. 33 Disponível em: < ǯǯǯȦȦŘŖȦ��ȦȬ 235.pdf>. 34 Disponível em: < ǯǯǯȦȦŘŖȦ��ȦȬ 242.pdf>. REVISTA DE DIREITO ADMINISTRATIVO56 Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 2, p. 45-74, maio./ago. 2018. Nas fases preliminar, de subcomissões temáticas, de comissões temáticas ȱ ȱ £³¨ǰȱ ¡ȱ ȱ ȱ ȱ ¥ȱ äȱ ȱ emendas. Muitas propostas foram objeto de discussões informais, algumas vezes ocorridas na casa do deputado Bernardo Cabral,35 e diretamente incor- poradas pelos relatores respectivos. �³ȱ ęȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ �¤ǰȱ em que foram discutidos três projetos: Projeto A,36 Projeto B37 e Projeto C.38 �ȱ¡ȱȱȱȱ�ȱ�ǰ39 no qual se incorporaram apenas emendas redacionais. Emendas apresentadas pelo “Centrão”,40 durante a fase de Plenário, ¡ÇȱȱÇȱȱȱȱȱȱǯȱ�ȱ a Emenda 2P02039-9,41 que redesenhou boa parte do Título sobre Organização do Estado, subtraiu-se trecho relevante do embrião do artigo 37: Art. 44. A administração pública, direta ou indireta, de qualquer dos Poderes obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, mora- lidade publicidade, ¡Ȭǰȱȱ³¨ȱȱȱȱȱ ȱǰȱȱ³¨ȱęȱǰȱȱȱȱȱȬmidade, a razoabilidade. ȗȱŗķȱ�ȱȱȱ³¨ȱøȱ¤ȱ³¨ǰȱ³¨ȱ ȱǰȱȱȱ¤ȱȱȱȱęȱ da lei.42 35ȱ ������ �ǰȱ �£ȱ�ǯȱ 1988: segredos da Constituinte. Os vinte meses que agitaram e mudaram o Brasil. Rio de Janeiro: Record, 2017. p. 313-314. 36 Disponível em: ǀ ǯǯǯȦȦŘŖȦ��ȦȬ 253.pdf>. 37 Disponível em: ǀ ǯǯǯȦȦŘŖȦ��ȦȬ 298.pdf>. 38 Disponível em: ǀ ǯǯǯȦȦŘŖȦ��ȦȬ 314.pdf>. 39 Disponível em: ǀ ǯǯǯȦȦŘŖȦ��ȦȬ 316.pdf>. 40 O “Centrão” foi um agrupamento parlamentar suprapartidário e circunstancial, essencialmente ǰȱȱ£ȱęȱę³äȱȱ¡ȱȱȱȱȱ¤ȱ da Assembleia Nacional Constituinte. Sobre o tema, consulte-se: FREITAS, R.; MEDEIROS, D.; �����ǰȱ�ǯȱ�ȱȱ�¨DZȱȱȱȱȱ�ȱ�ȱ�ȱ ǻŗşŞŝȬŗşŞŞǼǯȱ�DZȱ������ �ǰȱ�ȱ�ȱ�£ȱDzȱ���q��ǰȱ�ÇDzȱ���\��ǰȱ�øȱ�ȱ (Org.). A Constituição de 1988: passado e futuro. São Paulo: Anpocsg, 2009. p. 101-135. 41 A proposta foi subscrita por 303 parlamentares e pode ser consultada em: ǀ Řǯǯǯ ȦȬȦȦ�ȏ�ȦȬȦȬȬ ȦȦŘśśȏȏǯǁ. 42ȱ �ȱȱȱȱȱȱȱ£ȱę³äȱǰȱ¨ȱȱȱ ȱęȱȱȱ³¨ȱȱȱǯ Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 2, p. 45-74, maio/ago. 2018. 57PATRÍCIA BAPTISTA, JOÃO PEDRO ACCIOLY | A administração pública na Constituição de 1988.... A Emenda 2P00225-1, apresentada pelo constituinte Vinícius Cansanção ǻ���Ȭ��Ǽǰȱȱȱ�³¨ȱȱǰȱ¥ȱǰȱ¤ȱȱ ¡ȱȱDZ ȗȱşķȱ�ȱȱȱȱȱøǰȱȱâȱȱȱȱ·ȱ ȱǰȱȱȱȱȱǰȱÇȱȱęǰȱȱ ȱǰȱ¨ȱȱȱȱȱ³¨ȱȱę³ǰȱ ainda que sob contrato, em organismos a ela subordinados, na Administração Pública. �ȱęȱȱǰȱȱȱȱDZȱȃǽǾȬ nos iníqua a proibição. Não vemos nenhuma imoralidade ou aproveitamento ǽȱ ȱ Ǿȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ǰȱ Çȱ ȱ ęǰȱ ȱȱȱ³äȱȱę³Ȅǯ43 �ȱ¡ȱȱȱȱȱ¡ȱęǰȱȱȱȬ vado muitos avanços, acabou alijado de algumas das suas propostas mais modernas e incorporando dispositivos sobre funcionários públicos em ¡ǰȱȱȱȱȱÇȱ·ȱǯ Assim, nasceu o estatuto constitucional da administração pública: uma concepção não planejada, que poderia ter sido mais do que foi, mas que, ainda assim, representou um marco para o processo de refundação do direito administrativo brasileiro. 2.2.1 Regramento para além do capítulo A disciplina constitucional da administração pública não se esgota, contudo, no capítulo que lhe é dedicado. Há dispositivos pertinentes à matéria ȱȱȱȱǯȱ�ȱȱȱȱȱęȱ a ela e outros que sobre ela repercutem de modo mais indireto, devido ao desenvolvimento da teoria constitucional. �¡ȱȱȱȱȱȱȱȱ³¨ȱ øȱ·ȱȱȱȱȱȱǰȱȱȱ��ǰȱȱǯȱśo, da CF. A menção aos processos administrativos — que permitiu o assentamento 43 Disponível em: < ǯǯǯȦȦŘŖȦ��ȦȬ 254.pdf>. REVISTA DE DIREITO ADMINISTRATIVO58 Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 2, p. 45-74, maio./ago. 2018. da teoria do devido processo legal administrativo no país — foi sugestão do professor Sérgio Ferraz, assessor direto do relator, deputado Bernardo Cabral, na Assembleia Constituinte.44 �ȱ ¡ȱ ȱ ȱ ȱ extraquadro voltadas à admi- nistração podem ser encontrados nos artigos 173 a 178 da Constituição, que abordam temas como empresas estatais, planejamento econômico, serviços e monopólios públicos.45 2.3 O processo de constitucionalização do direito administrativo: as normas, as teorias e as instituições do Estado e da sociedade A relação entre normas e realidade é de condicionamento mútuo. Embora o papel tudo aceite, a realidade condiciona materialmente a elaboração normativa. Se o legislador (inclusive constituinte) não está limitado a descre- ver, em artigos e parágrafos, a realidade que lhe é subjacente, não pode desvincular-se completamente dela; sob pena de condenar sua produção ȱ¥ȱę¤ǯ46 O processo legislativo, mais ainda o constituinte, é um campo de batalhas — forças políticas antagônicas e movimentos sociais disputam o conteúdo da Carta. Ao serem editadas, as normas gozam somente de uma pretensão de ¹ǯȱ�Ȭǰȱ¨ǰȱȱ³ȱȱĚǯ A concretização e o sentido das normas constitucionais são ȱDZȱȱȱȱǻ�¡ǰȱ�ǰȱ Judiciário), por atores sociais (sociedade civil organizada e imprensa) e por atores jurídicos (juristas, advogados e, sobretudo, constitucionalistas). Em alguns casos, a burocracia estatal, muitas vezes a administração do balcão, resiste às inovações constitucionais. Noutros, juízes ou juristas driblam 44ȱ �£ȱ�ȱ�ǰȱ1988: segredos da Constituinte, op. cit., p. 315. 45ȱ ¤ȱȱ¡ǯȱ�¤ȱ ȱȱǯȱŝoǰȱȱ³¨ȱ¡ȱȱǯȱřŝǰȱȬȱ aos servidores públicos, estendendo a eles proteção conferida aos trabalhadores em geral, ȱȱȱȱȱȱȱȱȱ ¤ȱ ȱ·ȱȱǯȱ1ȱȱ àȱȱ Constituição chapa-branca atuando. 46 Essa é, em essência, a tese defendida por Konrad Hesse, em oposição às ideias divulgadas ȱ�ȱ�ȱȱȱȱ¡ȱàȱȱ�³¨ǯȱEscritos de derecho constitucional — selección. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1983. p. 75. Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 2, p. 45-74, maio/ago. 2018. 59PATRÍCIA BAPTISTA, JOÃO PEDRO ACCIOLY | A administração pública na Constituição de 1988.... as novas disposições, por meio de interpretações retrospectivas.47 Em tantas ȱ¦ǰȱȱȱȱȱę¤ȱǰ48 é o legislador que se nega a concretizar o comando constitucional. A sociedade também desempenha papel relevante nesse jogo: ora tolera, ora festeja, ora se opõe ao descumprimento da Constituição. O sentido das normas também é objeto de pelejas. Pela via hermenêutica, por meio de alterações formais e mesmo por mutações constitucionais indu- £ǰȱȱȱȱȱȱȱ¡ȱȱ�³¨ȱȱȱ que julgam mais conveniente. �ȱ¡ȱȱȱǰȱȱ¡ȱǰȱęǰȱȬ ȱřŖȱǰȱȱȱȱȱ¡ȱȱȱŗşŞŞǰȱȱ ȱȱȱȱȱȱ¥ȱ³¨ȱøǯȱ1ȱȱȱȱ passará a cuidar na sequência. 3. Até que ponto a Constituição administrativa realmente importa? Uma crônica de disputas, retumbantes fracassos e suadas conquistas �ȱ ȱ ȱ ȱ Çȱ ȱ ³¨ȱ øȱ ȱ �³¨ȱ permite visualizar, talvez até com mais clareza do que em outros lados do ¡ȱǰȱȱ¦ȱ¡ȱȯȱȱǰȱȱřŖȱǰȱȬȱ reduzir — entre o otimismo constitucionalizante da Carta de 1988 e a realidade de um Estado patrimonialista, dominado por grupos políticos e corporações, e que ainda resiste à repúblicae à democracia. Como visto, a ideia de institucionalizar a administração pública como personagem constitucional veio de juristas. Seus autores intelectuais perse- guiam a instituição e a racionalização de um Estado burocrático moderno.49 As normas editadas — ao menos as que conseguiram sobreviver — entraram ȱÇȱȱȱ¨ȱȱȱȱȱǻ¡ȱ¥ȱȱ 47 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O poder judiciário e a efetividade da nova Constituição. In: Revista Forense, n. 304, p. 152, 1988. 48ȱ �����ǰȱ�·ȱ�ȱǯȱAplicabilidade das normas constitucionais. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 83-85. 49 CORREIA, José Manuel Sérvulo. Os grandes traços do direito administrativo no século XXI. A&C — Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, a. 16, n. 63, p. 48, jan./mar. 2016. Disponível em: < ǯǯȦ¡ǯȦȦȦ �ȦŚŘȦśŗŝǁDzȱ��������ǰȱ�ȱ�ǯȱDireito administrativo para céticos. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 106. REVISTA DE DIREITO ADMINISTRATIVO60 Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 2, p. 45-74, maio./ago. 2018. político-social vigente) do desenvolvimento de uma nova ordem constitucional administrativa.50 Outra leitura, porém, vislumbra, nesse processo de consti- tucionalização voltado à consolidação de um Estado burocrático moderno, um interesse próprio dos juristas de obter seu reposicionamento na nova ordem. A juridicização da administração pública assegura aos juristas uma inserção privilegiada na burocracia estatal, pela apropriação da expertise de aplicação e interpretação das normas. Sem precisar atuar, assim, diretamente no campo Çǰȱȱ ȱǰȱȱ¡³¨ȱȱȱ�ȱ¤ȱȱ ǻȱ ȱ ȱ ȱ £³¨Ǽǰȱ ȱ ȱ Çȱ ǯȱ �ȱ ȱ ³¨ȱ ȱ ȱ ¦ȱ ȱ ȱ ȱ novecentista.51 No entanto, o grande processo de disputa que, desde o início, se instalou em torno de boa parte das normas do capítulo não apenas é evidência da ¡¨ȱ ȱ ȱ øȱ ȱ ȱ ȱ ¤ȱ ǰȱ ȱ ȱ ȱ øȱ ȱ ȱ ęȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ǯȱ�ęȱǰȱ·ȱǰȱ¨ȱȱǯ �ȱęȱȱȱȱ¤ǰȱȱ�Çȱ���ȱȱ�Çȱ���ȱ ȱ ȱ ȱ ǰȱ ȱ ȱ ¡ȱ ȱ ȱ públicos, seu regime funcional e previdenciário (os artigos 38 a 42). Incorporou-se verdadeiro estatuto constitucional da função pública (sem ǰȱȱ¡¨ȱȱøǰȱȱ¡ȱȱȱȱȱ�Ȭ tuições). O maior artigo, porém, foi o de número 37, hoje com 22 incisos e 12 parágrafos (muitos reformados ou incluídos posteriormente pela Emenda constitucional no 19/1998). Nele, destaca-se seu caput, com caráter de pauta geral, positivando valores com que se pretendia guiar toda a ação pública. �ȱǰȱ ¨ȱ ³äȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ¡Çȱ ȱ ³¨ȱ øǰȱ ȱ menos seis incisos discorrendo sobre o regime remuneratório dos servidores e disposições sobre matérias esparsas de direito administrativo alçadas à condição constitucional.52 Em comum a quase todas, a falta de um conteúdo materialmente constitucional. 50ȱ ������ǰȱ �Dzȱ ��� �����ǰȱ �ȱ �ǯȱ �ȱ ȱ �ǯȱ London School of Economics Working Papers, n. 20, p. 22, 2016. 51ȱ �ȱǰȱȱ�������ǰȱ�ȱǯȱ�ȱȱȱȱÇȱȱ�DZȱ¹ȱȱ reposicionamentos. Lua Nova. São Paulo, v. 97, p. 214-217, 2016. Veja-se, ainda, F. Engelmann, �ǯȱ�ǯȱ�ȱȱ�ǯȱ�ǯȱ�ǰȱ�ǰȱÇȱȱȃȱȄȱȱ�ǰȱǯȱǯǰȱ p. 287. 52 O artigo 43 parece destoar do conteúdo geral do capítulo ao tratar de medidas de ȱȱȱȱȱȱȱ�¨ǯ Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 2, p. 45-74, maio/ago. 2018. 61PATRÍCIA BAPTISTA, JOÃO PEDRO ACCIOLY | A administração pública na Constituição de 1988.... Por detrás da opção do constituinte em constitucionalizar o arsenal de miudezas do regime funcional e remuneratório dos servidores públicos, pode-se divisar, de um lado — sob a ótica da Constituição “chapa-branca” —, uma tentativa de “entrincheiramento de privilégios de determinados setores do funcionalismo público”.53 De outro, no que havia de pretensão de £³¨ȱ ȱ ǰȱ ȱ ę¤ȱ ę³ȱ ȱ ³¨ȱ ao legislador infraconstitucional, particularmente os legisladores locais, em regra mais permeáveis a pressões corporativas. �ȱȱȱȱ¦ǰȱ·ǰȱȱ£³¨ȱȱȬ tões atinentes ao funcionalismo e ao funcionamento da máquina pública teve como pretensão blindar tais matérias do jogo político ordinário e, de algum modo, assegurar um padrão nacional no seu trato. Daí decorreram, contudo, duas consequências negativas: (i) a vulgarização da Constituição, cuja dignidade normativa é minada toda vez que a matéria conjuntural nela Çȱȱ¨ȱȱȱȱǻǼȱȱ·ęȱ¤ȱȱȱ relevante, já que o entrincheiramento constitucional de decisões políticas ¤ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ęȱ ȱ ȱ infraconstitucionais de deliberação política majoritária.54 �ȱ¡ȱ ǻǼȱ ȱ ȱ³ȱȱĚȱȬ rentes do regime jurídico dos servidores públicos à natureza de conflitos constitucionais. Basta uma leitura despretensiosa dos repositórios de juris- ¹ȱȱ���ȱȱȱȱȱ¦ȱȱȱ·ȱȱ ao funcionalismo e à administração pública em geral têm na sua pauta de julgamentos.55ȱ �ǰȱ ȱ ¦ȱ ȱ ȱ ǰȱ ȱ £³¨ȱ ¤ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ęȱ ȱ ȱ ¥ȱ ȱ provocação,56 das restrições jurisprudencialmente erigidas para o manejo das 53ȱ �ȱàȱȱȱ¡¨ȱ¨ȱȱ���������ǰȱ ǯȱ�ȱ£³¨ȱȱȱ administrativo no Brasil: um inventário de avanços e retrocessos. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (Rere)ǰȱ�DZȱǯȱŗřǰȱǯȱřřǰȱǯȦǯȦȱŘŖŖŞǯȱ�ÇȱDZȱǀ ǯ direitodoestado.com>. Acesso em: 28 mar. 2018. 54 Daniel Sarmento, Cláudio de Souza Pereira Neto, Direito constitucional, op. cit., p. 43. 55ȱ �ȱȱ ǰȱ ��������ǰȱ �ȱ�Dzȱ �����ǰȱ ȱ�Ĵǯȱ �¹ȱ ęȱ ȱ melhorar a jurisdição constitucional brasileira. In: VOJVODIC, Adriana et al. (Org.). Jurisdição constitucional no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 19-52. Apud BRANDÃO, Rodrigo; �����ǰȱ�ȱ�ǯȱ�ȱ���ȱȱȱȱȱȱȱ¦ȱǯȱRevista de Direito da CidadeǰȱǯȱŗŖǰȱǯȱŗǰȱǯȱŗŝşǰȱŘŖŗŞǯȱ�ÇȱDZȱǀ ǯȬǯǯȦ¡ǯȦȦ Ȧ ȦŘşŝŝśǁǯȱ�ȱDZȱřŖȱǯȱŘŖŗŞǯ 56ȱ �����ǰȱ�¡Dzȱ ��������ǰȱ �ȱ�ǰȱA quem interessa o controle concentrado de ǵ — o descompasso entre teoria e prática na defesa dos direitos fundamentais. �ȱ ȱ �Çǰȱ ŘŖŗŚǯȱ ǯȱ ŝŝǯȱ �Çȱ DZȱ ǀĴDZȦȦǯȦƽŘśŖşśŚŗǁ. Acesso em: 7 fev. 2018. REVISTA DE DIREITO ADMINISTRATIVO62 Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 2, p. 45-74, maio./ago. 2018. ações diretas e mesmo do background funcional dos ministros do Supremo — que, com frequência, já ocupavam cargos de relevo na burocracia jurídica do Estado.57 De janeiro de 2000 até 15 de abril de 2018, o Supremo emitiu decisões ęȱȱřǯŗŜŖȱ³äȱȱȱȱȱȱǻ���ǰȱ����ǰȱ ���ȱ ȱ���Ǽǯȱ�ȱ ȱ ȱȱ ¡³¨ȱ ¤ȱȱàȱ�ǰ58 ŗǯŞŝŞȱȱäȱǻśşǰŚřƖȱȱǼȱ£ȱȱȱ·ȱȱ de direito administrativo,sendo a grande maioria concernente a interesses do funcionalismo público.59-60 Do processo de disputa instaurado em torno das normas do capítulo, ȱȱȱȱȱ¡ȱȱȱ£ȱȱȱȱ mencionados, resultaram nove emendas formais, alcançando, por vezes ǰȱȱøȱ¡ȱȱȱȱǯȱ�ȱŗŖƖȱ do total das emendas constitucionais aprovadas tiveram como alvo o capítulo dedicado à administração pública.61 3.1 Três exemplos que falam por si Como o capítulo da administração pública não resultou do consenso dos grupos dominantes, mas de uma aposta dos juristas na atuação catalisadora do ¡ȱǰȱȱ¹ȱ¥ȱȱȱȱȱȱȱȱ revelou grande desde o início. Mesmo porque o acatamento dos comandos ali contidos implicaria a mudança de padrões arraigados na sociedade brasileira. Mirando apenas nas disposições do artigo 37 (um grupo variado de normas que inclui a enunciação de princípios e um amplo estatuto constitu- ȱ ȱ ȱ øǼǰȱ Ȭȱ ȱ ȱ ¹¡ȱ ȱ ȱ ȱ 57ȱ �ȱȱ³¨ȱȱ�ǰȱȱȱȱ¡ǰȱȱȱȱȱȱ ȱȱȱęǰȱȱȱǰȱȱ·ȱøȱȱȱȱ pública. 58ȱ �ȱȱȱ¡¨ȱȱȱȱȱȱ���ǰȱ·ȱÇȱȱȱøȱȱ³äȱ diretas referentes a matérias administrativas seja ainda maior. 59 �ȱȱ ȱȱ ȱȱ ȱȱ ȱ¡Çȱȱ ȱ ȱ DZȱ ǀĴDZȦȦ ǯ ǯǯȦȦȦ���Ȧ¡ȦȦ�� Ȧ ��ȏ ǯ>. 60ȱ �ȱ ȱ ȱ ǰȱ ȱ àȱ ·ȱ ·ȱ ȱ DZȱ ����!�ǰȱ �Dzȱ ��������ǰȱ �Dzȱ �� ��� ��ǰȱ �ǯȱ I Relatório Supremo em Números: O Múltiplo Supremo. FGV DIREITO RIO: 2011, p. 21. Disponível em: <bibliotecadigital.fgv.br/dspace/ ȦȦŗŖŚřŞȦŗŖřŗŘȦ�ƖŘŖ�àƖŘŖ�ƖŘŖƖŘŖ�øƖŘŖȬƖŘŖ �ƖŘŖ�øƖŘŖ�ǯǵƽśǭ� ƽ¢ǁǯȱ 61 EC 88/2015; EC 77/2014; EC 47/2005; EC 41/2003; EC 34/2001; EC 19/1998; EC 18/1998; EC 03/1993. Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 2, p. 45-74, maio/ago. 2018. 63PATRÍCIA BAPTISTA, JOÃO PEDRO ACCIOLY | A administração pública na Constituição de 1988.... ȱ ȱ ȱ £³¨ȱ ȱ ȱ ǯȱ �¡ǰȱ nesse capítulo, normas que, contrariando toda a euforia retórica dos primeiros anos de vigência da Carta, até aqui não saíram do papel,62 e outras que, após processos de disputa, alcançaram razoável sucesso em conformar a ordem jurídico-administrativa.63ȱ ¤ȱ³äȱȱȱȱ¦ȱȱȱȱ ¤ȱȱȱ¤ȱȱ¹ȱȱȱȱ¦ȱȱǰȱǰȱ¨ȱ ǰȱȱȱ¡ȱȱȱȱȱ³¨ȱȱstatus quo anterior à Constituição.64 Nesse caso situam-se precisamente algumas das normas que dispõem ȱ ȱ àǯȱ �ȱ ȱ ȱ ę¡ȱ ȱ ȱ ȱ ³¨ȱ ǻȱ ȱȱȃȄǼȱȱ ȱ ·ȱȱ ¡ȱȱ ȱȱȱ que se estabelece entre o projeto constitucional e as forças que atuam na socie dade.65 O art. 37, XI, jamais alcançou efetividade plena, mesmo após já ter sido duas vezes emendado, resultando em uma das piores redações do ¡ȱǯȱ�ȱǰȱȱȱȱǰȱ·ȱȱÇȱȱ¨ȱ iniciados nos seus meandros e na sua história acidentada. O primeiro a miná-la foi o próprio STF, que, logo no ano seguinte à pro- mulgação da Carta, interpretouȱǰȱȱ¡¨ȱȃȱȱȱ ³¨ǰȱ ȱ·ǰȱ ȱ ȱ ÇȄȱ ǻȱȱ ¡ȱȱ ȱŗşŞŞǼǰȱ¡ÇȬȱȱvantagens de natureza pessoal.66 Portanto, tais vanta- gens — quase tudo o que, de fato, suplantava o teto — não se submetiam ao 62ȱ �ȱȱę¤ȱÇǰȱȱ¡ǰȱȱȱ�ǰȱȱȱ³¨ȱȱ��ȱǯķȱŗşȦşŞǰȱȱȱ ³äȱȱȱȱȱȱȱȱ¨ȱȱ³äȱȱę³ǰȱ até aqui dependente de regulamentação infraconstitucional. 63 Nesse polo oposto, situa-se o inciso II, que determinou a universalização do concurso público como instrumento de acesso aos postos de trabalho na Administração Pública, direta e indireta. Embora a aplicação da regra seja frequentemente judicializada, a atuação dos �ȱȱȱ¹¡ȱȱȱǯȱ 64ȱ ������ǰȱ�Dzȱ�������ǰȱ�Çȱ�ȱǯȱ�ȱ�ȱȱ�ȱȱȱ�ȱȱ Supremo. Lua Nova, v. 88, p. 141-184, 2013. 65 Embora os limites deste trabalho não permitam uma enunciação mais minuciosa, é possível ǰȱ ȱ ǯȱ řŝǰȱ ȱ ¡ȱ ȱ ȱ ����ȱ ǻ³¨ȱ ȱ ³äȱ ȱ ³äȱ de remuneração de servidores públicos) e XIV (vedação de percepção de acréscimos remuneratórios em cascata pelos servidores públicos). Instaurou-se grande disputa em torno de sua aplicação, do que resulta seu alto grau de inefetividade. Da mesma forma, controverteu- se ao longo do tempo sobre a aplicação do inciso IX, sobre a possibilidade de contratação ȱǰȱȱ£ȱǰȱȱȱȱ ¤ȱȱ¡ǯȱ A atuação do Ministério Público e dos Tribunais acabou conduzindo a um grau razoável de sucesso dessa prescrição. Vejam-se, a propósito, as decisões do STF na ADI no 3.237, Tribunal Pleno, rel. min. Joaquim Barbosa, DJe 19/8/2014; e na ADI no 3.721, Tribunal Pleno, rel. min. �ȱ� ǰȱ�ǯȱşȦŜȦŘŖŗŜǯ 66 Cf. STF, Tribunal Pleno, ADI no 14, rel. min. Célio Borja, DJ 1/12/1989. REVISTA DE DIREITO ADMINISTRATIVO64 Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 2, p. 45-74, maio./ago. 2018. limite constitucional e, dessa forma, poderiam ser pagas sem qualquer corte ou redução. A partir daí — a despeito de esforços, ao menos propagandeados, do �¡ȱȱ�67 —, sucederam-se interpretações e argumentos jurí- dicos de toda sorte para bloquear a efetividade da norma (irredutibilidade de vencimentos, verbas indenizatórias, subtetos e todo o tipo de especiosidade que ȱȱ·ȱ·ȱȱ£Ǽǯȱ�ȱȱȱȱȱę¡ȱȱȱȱ de remuneração das carreiras públicas dos três Poderes, com a cumplicidade (ainda que dissimulada) de todos os atores institucionais relevantes. Na verdade, talvez nunca se consiga fazê-lo, porque faltam ao trato do tema sinceridade normativa, realidade econômica e transparência. Prosseguir ȱ¡ȱȱȱ¡ȱ¥ȱ£ȱȱȱàȬǰȱ ȱȱȱȱȱȱǰȱ·ȱ¡ȱȱȱȱȬ ȱ ȱȱ ³ǯȱ �ȱ ȱ ¦ȱȱȱǰȱ ȱ ¨ȱ haver mais o que se possa fazer na matéria. Não há mudança de redação ou de interpretação capaz de alterar o cenário. Até porque, se o STF vier a fechar ǻǼȱǻǼȱȱ¡ǻǼǰȱȱȱȱ¤ȱȱǯ �ȱ³ȱȱǰȱǰȱȱȱȱ¡Ȭ rídicos como elementos de análise e decisão. Nesse sentido, em artigo recente- mente publicado no jornal Folha de S.Paulo, o economista Bruno Carazza, valendo-se de contribuições da economia comportamental, aponta que os abusos remuneratórios no setor público brasileiro têm na sua gênese um processo de inveja, ciúme e competição institucional.68ȱ�ȱ¡¹ȱȱȱȱ 67 As redações posteriores do dispositivo, dadas pelas Emendas Constitucionais nos 19/1998 ȱŚŗȦŘŖŖřǰȱȱȱȱÇȱȱǰȱȱȱȱ¡ȱ¥ȱ ȃȱȱȱȱȱȱ£Ȅǯȱ�¨ȱǰȱȬȱ¡ȱȱȱ do teto as chamadas verbas indenizatórias. Em sessão administrativa, realizada em 24/6/1998, o STF entendeu que as disposições da EC no 19/1998 relativas ao teto não seriam autoaplicá-veis, dependendo de lei de iniciativa conjunta dos três Poderes para produzir seus efeitos ǻȱȱȱǰȱȱȱęȱÇȱȱę¡³¨ȱȱȱȱøȱȱȱ¹ȱ Poderes). Com a edição da EC noȱŚŗȦŘŖŖřǰȱȱȱ¡ȱȱȱ ȱȱǰȱȱ�ǰȱȱȱȱ³ȱȱȱ¡Ȭȱȱ�ǰȱ acolheu o entendimento de que a garantia da irredutibilidade de vencimentos consistia em ȱęȱȱȱǰȱȱȱȱȱȱȱ ȱȱ assentado em patamares nominais superiores ao teto, antes da promulgação da EC no 41/2003, não poderiam sofrer o corte correspondente. Em decisão recente, o STF entendeu que o limite remuneratório não incide nos casos de acumulação lícita de empregos, aposentadorias ou äȱøȱ ǻȱ ȱ ȱȱ�ȱ�¡¤ȱ os 602043 e 612975, DJe 8/9/2017). Sobre o ponto, veja-se também a análise de BRANDÃO, Rodrigo. �ȱȱ versus diálogos constitucionaisǯȱ�ȱȱ�DZȱ�ȱ�ǰȱŘŖŗŘǯȱǯȱŘşŗȬŘşŘǯ 68ȱ �������ǰȱ�ǯȱ�ȱ¡ÇȬǰȱȱ ȱȱȱȱǯȱFolha de S.Paulo, şȱǯȱŘŖŗŞǯȱ�ÇȱDZȱǀĴDZȦȦǯǯǯǯȦŘŖŗŞȦŖŘȦŖşȦȬ¡Ȭ ȬȬȬȬȬȬȦǵ¢ ǁǯȱ�ȱDZȱŘŜȱǯȱŘŖŗŞǯ Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 2, p. 45-74, maio/ago. 2018. 65PATRÍCIA BAPTISTA, JOÃO PEDRO ACCIOLY | A administração pública na Constituição de 1988.... remuneratório gera, na realidade, uma competição das categorias por essa ǰȱȱȱȱȱȱȱȱ³ȱȱȱ¤¡ȱǯȱ E todas buscam sempre a maior proteção possível e, assim, quanto maior o ȱȱ¨ǰȱȱȱǯȱ1ȱȱȱǰȱȱȱ£ȱȱÇǰȱȱȃȱ virou piso”, ao menos para uma parte das carreiras jurídicas. �¡Ȭȱǰȱȱ ǰȱȱȱàȱȱȱȱ ȱ£äȱȱ¡ȱȱȱȱàȱȱȱȱ públicos depende de uma compreensão interdisciplinar que o discurso Çȱ¨ȱ¤ȱȱȱǯȱ�ȱ¡ǰȱȱ³¨ȱȬ ȱȱȱȱÇȱȱȱǰȱȱȱȱȱȱę¤ȱȱ efetividade das normas constitucionais, contribui pouco para a compreensão do porquê determinados comandos normativos do art. 37 da Constituição simplesmente não se realizaram.69 �ȱ¡ȱȱȱȱȱȱȱřŝȱȱȱȱȯȱǰȱ justamente, porque resultou na derrota completa da norma, que acabou emen- dada — é o do seu inciso XVI, acerca da acumulação de cargos e empregos públicos. �ȱ�³¨ȱȱŗşŜŝȦŜşȱȱȱęȱȱøȱȱȱ acumulassem cargos públicos. A Carta de 1988 (no art. 37, XVI, “c”) pretendeu ¡ȱȱȱȱȱȱ·ȱǻ¡ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ęȱ ȱ øǼǯȱ �ȱ ³äȱ transitórias, porém, assegurou a posição dos que já acumulassem cargos na ¨ȱȱ³¨ȱȱ ¡ǯȱ�ȱȱȱǰȱǰȱȱȬ mente prospectivo. Tratou-se, então, de uma opção política do legislador constituinte de restringir a acumulabilidade de cargos públicos, com o pro- àǰȱ ȱ ǰȱ ȱ ȱȱ ęȱ ȱ ȱ ³äȱ públicas.70 Pois bem. Vigente a Constituição, na vida real foi como se a norma jamais ȱ¡ǯȱ�ȱęȱȱøȱǻȱ¨ȱȱ·Ǽȱȱ a prestar concursos e a tomar posse em mais de um cargo, mesmo após a ¹ȱȱȱ¡ǯȱ�ȱ¦ȱȱȱȱȱȱȱȬ·ǯ No momento, porém, em que os órgãos de controle da administração come çaram a apontar as ilicitudes e a instar os servidores a abandonar os 69ȱ �ȱàǰȱȱ���ǰȱ�ȱ�ǯȱ�ǯȱ�DZȱ����ǰȱ�Dzȱ ������ǰȱ ȱ�ǯȱǻ�ǯǼǯȱ The Oxford handbook of empirical legal researchǯȱǯȱ�¡DZȱ�¡ȱ�¢ȱ�ǰȱŘŖŗřǯȱ p. 380-384. 70 Embora não se deva menosprezar o lobby que, muito seguramente, as corporações dos médicos ę£ȱȱȱȱȱstatus na matéria. REVISTA DE DIREITO ADMINISTRATIVO66 Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 2, p. 45-74, maio./ago. 2018. cargos, as respectivas corporações viabilizaram a aprovação de uma emenda ȱȱȱȱǯȱ�ȱęȱȱȱ¥ȱȱ·ȬŗşŞŞǰȱ ȱ¥ȱ³äȱȱęȱȱøȱȱǯȱ�ȱ�ȱ no 31 data de 2001 e veio após período de mais de 10 anos de disputa em torno do tema. Algumas administrações públicas, inclusive, conferiram efeito retroativo à norma da emenda, convalidando acumulações que haviam se instituído ilicitamente à luz da redação constitucional original. As forças corpora- ȱ ȱ ȱ£ȱ ȱ ȱ ¡ȱ ȱ ǰȱ ȱ caso, restaurar a disciplina do regime anterior.71 O projeto constitucional, de ampliação e racionalização do acesso aos postos públicos, restou frustrado. A aptidão da Constituição para efetivamente alterar a realidade depende, portanto, de mais do que apenas as boas intenções do legislador constituinte. Nem só de frustrações, todavia, vive o art. 37. Seu caput, a despeito da ȱȱȱȱȱ·ǰȱ³ȱ¹¡ȱ£¤ȱȱȬ formação da ação administrativa.72 Caso emblemático, justamente pela resistência que lhe foi (e, de certa forma, continua sendo) oposta, foi o do nepotismo. Em outubro de 2005, o CNJ editou a Resolução no 7 proibindo ȱ³¨ȱȱȱȱ Ç£ȱȱȱȱȱ¡Çȱȱ ȱȱȱ³äȱȱȱ¦ȱȱ�ȱ�¤ǯȱ Seguiu-se daí praticamente um motim, que levou Tribunais e Associa ções de classe da magistratura e de servidores ao Supremo Tribunal Federal. A Corte Constitucional, porém, no julgamento, em fevereiro de 2006, da medida cautelar na Ação Direta de Constitucionalidade no 12-6, reconheceu a força normativa e a aplicabilidade direta dos princípios constitucionais do caput do art. 37, notadamente o da impessoalidade. Declarou a constitucionalidade da norma do CNJ, que, antes de inovar na ordem jurídica, se limitava a dar aplicação aos comandos constitucionais.73 O tema rendeu, tempos depois, em 71 Processo semelhante, porém um pouco mais longo e demorado, se deu com as acumulações de ȱȱ·ȱǯȱ�ȱ³¨ȱ¡ȱȱǯȱŗŚŘǰȱȗřoǰȱȱ¡ȱȱŗşŞŞȱȱȱ ·ȱȱȱ³¨ȱȱȱøȱȱǻ³¨ȱǰȱ¤ǰȱ¡ȱ ȱ ȱ Ǽǯȱ �ȱ ȱ ¡ȱ ȱ ȱ ȱ ³äȱ ȱ ȱŗşŞŞȱǻǯȱŗŝǰȱȗŗo, do ADCT). Após longo processo de disputa e centenas de acumulações declaradas ilícitas, algumas idas e vindas da jurisprudência (do STJ), o Congresso promulgou a Emenda Constitucional noȱŝŝǰȱȱŘŖŗŚǰȱ¡ȱȱ·ȱȱȱ³¨ȱȱȱ acumulação prevista para os militares e retornando à situação anterior a 1988. 72 Não obstante, para uma importante perspectiva crítica sobre o papel dos princípios constitucionais do direito administrativo, ver Carlos Ari Sundfeld, Direito administrativo para céticos, op. cit., p. 179 e ss. 73ȱ �ȱȱȱȱ�ȱ�ǰȱ¡ȱȱ¨ǰȱȱȱȱ³¨ȱ ȱ¥ȱ£ȱȱȱȱȱ ȱ ȱ ȱȱ ¡ȱ DZȱ Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 2, p. 45-74, maio/ago. 2018. 67PATRÍCIA BAPTISTA, JOÃO PEDRO ACCIOLY | A administração pública na Constituição de 1988.... agosto de 2008, a edição da Súmula Vinculante no 13, em que a vedação ao ȱȱȱȱ¦ȱȱ¹ȱ�ǯ74 Aqui, diante do comprometimento e da incapacidade dos três Poderes da República para repudiar as contratações amparadasem relações pessoais, coube, portanto, à Corte Constitucional a imposição direta da norma. O STF se valeu, para isso, justamente, de fundamentos da teoria normativa da Cons- ³¨ǯȱ�ȱȱȱ·ȱȱǰȱęȱȱàȱȱȱȬ cionalismo normativista. 1ȱǰȱǰȱȱ¤ȱǰȱȱȱȱÇǯȱ�ȱȱ ȱøȱǰȱȱȱȱȱȱ¡ǰȱȱøȱ ŗŖȱǰȱȱęȱȱȱȱ���ǯȱ�ȱ�ȱ�ȱȱȱ chamada a dirimir as mais diversas situações envolvendo a aplicação da Súmula Vinculante no 13. A possibilidade de contratação de parente como agente político ou de nomeação de parente ocupante de cargo de provimento ǰȱ ȱ ȱ ȱ ¨ȱ ȱ ę³¨ȱ ȱ ȱ ȱ ǻȱ ǰȱ ȱȱȱ ȱȱ¨ȱ ³¨ȱȱ Ěȱ ȱ³¨ȱȱ Ǽȱ etc. Tudo a evidenciar (i) que a impessoalidade não integra o padrão cultural nacional (contratar parentes parece ser algo naturalizado no país) e que (ii) a ȱȱȱȱ³ȱȱ¦ȱǯ75 A revisão de casos de disputa em torno do capítulo da administração pública mostra que, embora tenha havido frustrações quase completas, ȱ ȱ ȱ ȱ ³äȱ ȱ ȱ ¡ȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ȱȱǯȱ�ȱȱȱȱȱȱȱ¡ǰȱ¨ȱȱȱ ǯȱ�ȱȱ ȱ ¤ȱ ȱ ȱ ęȱ ȱ ¡¹ȱȱȱ�³¨ȱ administrativa no país que — apesar de disputada — condiciona os debates, ȱǰȱ ¥ȱ£ǰȱ ȱȱǯȱ�ȱ ¡ȱ ȱ importa, ainda que nem sempre com a força que a teoria normativa e a dogmática constitucional apregoam. ȃǽ¥Ǿȱ�ȱ ȱ ȱȱȱȱ ǰȱȱ ȱȱ ȱȱ¥ȱ£ȱ ¡ȱ entre a sociedade e o microcosmo jurídico, o qual, como todos sabemos, às vezes forja as suas próprias realidades, fomenta as hipocrisias e, por que não dizê-lo, uma certa moralidade ǰȱȱȱȱȱȱęȄǯȱ�ÇȱDZȱǀĴDZȦȦǯ stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=372910>. 74ȱ ���ǰȱ��ȱśŝŖǯřşŘǰȱǯȱǯȱ�ȱ�øǰȱ�ȱ�ǰȱǯȱŗŗȦŗŘȦŘŖŗŚǯ 75ȱ �ȱ ǰȱ ęȬȱ ȱ �ȱ ŗŝǯŜŘŝȱ ��ǰȱ ȱ ȱ �ȱ �ǰȱ �¨ȱ Monocrática, julgamento em 8/5/2014, DJe de 15/5/2014; e Rcl 26.303, RJ, rel. min. Marco Aurelio. REVISTA DE DIREITO ADMINISTRATIVO68 Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 2, p. 45-74, maio./ago. 2018. 4. Conclusão: a insuficiência da teoria normativa para os desafios da constitucionalização do direito administrativo no Brasil O panorama que traçamos acerca das disputas travadas em torno de normas do capítulo da administração pública nas últimas três décadas parece ȱȱȱę¹ȱȱȱÇȬȱȱȱ ȱǰȱȱ¨ǰȱȱ¡ȱǯ76 A força obrigatória da Cons- tituição nasce, segundo Chris Thornill, “de práticas que se situam fora do direito e não pode ser estabelecida por uma análise meramente jurídica”.77 O método jurídico, assim, não se mostra autossustentável para a concretização ȱ¡ȱȱȱ¡ȱǯ78 O discurso normativo dominante desde 1988 no direito constitucional brasileiro dá sinais de fadiga (do que parece ser um sinal eloquente a inefeti- vidade persistente de algumas normas, como visto).79ȱ�ȱȱ¡ȱȱ se revela um espaço de permanente disputa — o que é particularmente verdadeiro no que toca ao capítulo da administração pública —, a realização do projeto constitucional não pode se escorar apenas no normativismo. �ȱ�³¨ȱ·ȱȱȱȱȱ¡ȱàȱȱ¨ȱȱǯ �ȱ ȱ ȱ ¦ǰȱ ȱ ȱ ȱ ȱ mo der nos estudos de sociologia e política constitucionais, tem apontado nessa direção. Há amplo reconhecimento de que a concretização do projeto consti tu cional depende de condições e compreensões que se encontram fora do direito: fatores políticos, econômicos, culturais e sociais.80 Defende-se o emprego de métodos e modelos de análise para além das quatro linhas do campo jurídico, na compreensão das causas e consequências da efetividade ȱ¨ȱȱ¡ȱǯ81 76ȱ �ȱ ǰȱ ȱ � ��� ���ǰȱ �ǯȱ �ȱ ¢ȱ ȱ ȱ ǻȱ ŘŖŗŝǼǯȱ Annual Review of Law and Social ScienceǰȱǯȱŗřǰȱǯȱŚşśǰȱŘŖŗŝǯȱ�ÇȱDZȱǀĴDZȦȦǯȦ ƽřŖśşŜśŜȱȱĴDZȦȦ¡ǯǯȦŗŖǯŗŗŚŜȦȬ ȬŗŗŖřŗŜȬŗŗřśŗŞ� ������ǁǯȱ Acesso em: 10 mar. 2018. 77 Ibid. 78 NEVES, Marcelo. Constitucionalização simbólica e desconstitucionalização fática: mudança simbólica da Constituição e permanência das estruturas reais de poder. Revista de Informação Legislativa, v. 33, n. 132, p. 321-330, out./dez. 1996; Marco Goldoni e Michael A. Wilkinson, The material Constitution, op. cit., p. 2. 79 Ibid. 80 Chris Thornhill, The sociology of constitutions, op. cit., p. 495. 81ȱ �ȱȱǰȱ����� ���ǰȱ�ȱ�ǯȱ�ȱ ǯȱ�DZȱ� ����� ���ǰȱ ȱ �ǯDzȱ ������ǰȱ �ǯȱ �Dzȱ ��������ǰȱ ¢ȱ�ǯȱThe Oxford handbook of law and politics. ǯȱ�¡DZȱ�¡ȱ�¢ȱ�ǰȱŘŖŗřǯȱǯȱřśŜǯ Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 2, p. 45-74, maio/ago. 2018. 69PATRÍCIA BAPTISTA, JOÃO PEDRO ACCIOLY | A administração pública na Constituição de 1988.... Nessa direção, destacam Goldoni e Wilkinson: “a teoria constitucional dominante (seja jurídica ou política) tem pouco a dizer sobre os mais impor- ȱ ęȱ ȱ ȱ ȱ Ȅǯ82 Segundo os autores, o fenômeno constitucional — a que chamam de constituição mate- ȱȯȱȱȱȱȱȱȱ¨ȱȱ¡ȱ social profundo em que se insere. Sem tração política e social, a constituição formal permanece letra morta, “uma lista de auspícios ou até uma farsa”.83 �ȱȱȱ¦ǰȱǰȱȱȱȱȱ elemento da ordem político-social e ser capaz de se relacionar com a sociedade por dentro. Em linha de convergência, mas sob o enfoque da análise econômica ȱǰȱ�ȱ�ȱ ȱ ȱ ę¹ȱ ȱȱȱ ¡Çȱ na superação do que chama de intuicionismo dos métodos jurídicos. Para o ęàȱǰȱȱ¹ȱȱ³¨ǰȱȱ¡ȱȱ£³¨ȱȱȱ ideal de justiça, não se dá conta de que, “muitas vezes, os resultados da lei — a conduta social — não se ajustam aos objetivos da lei”. As reações do mundo real às leis podem ser distintas ou contraditórias àqueles objetivos, mas “ȱȱȱ¨ȱ·ȱȱȱȱȱȱǰȱȱȱȱ os consegue […]. A conduta social, a reação dos cidadãos pode invalidar as boas intenções do legislador. O importante de uma lei não é apenas o que pretende, mas o que consegue”.84 �ȱ ȱ ȱ ¦ȱ ȱ Ȭȱ ȱ ȱ ȱ quando se insere nos domínios da Constituição. Os juristas devem se ocupar também da criação dos incentivos corretos para que as normas se cumpram. Transcorridas três décadas de vigência da Constituição de 1988, está claro que não bastam as boas intenções do legislador constituinte e a retórica normativista para assegurar sua efetividade. O estudo do direito público precisa se (re)conectar com a política e com a economia.85 �³äǰȱ£ȱ�ȱ�ǯȱ� ǰȱ¨ȱâȱ¡ǰȱȱøȬ ȱ ȱ ȱ ǯȱ �ȱ ¨ǰȱ ǰȱ äȱ ęȱȬ lógicos que vão além dos aportes que a teoria normativa tem sido capaz de dar. O capítulo da administração pública na Constituição brasileira de 1988 ȱȱ¡ȱȱȱȱęǯȱ�ȱ¨ȱȱȱ 82 MarcoGoldoni e Michael A. Wilkinson, The material Constitution, op. cit., p. 3-4. 83ȱ ������� ���ǰȱ�ǯȱ�ęȱ¢ȱǯȱDoxa: Cuadernos de Filosofía del Derecho, Alicante, n. 4, p. 267-287, 1987. 84 Ibid. 85 Marco Goldoni e Michael A. Wilkinson, The material Constitution, op. cit., p. 9. REVISTA DE DIREITO ADMINISTRATIVO70 Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 2, p. 45-74, maio./ago. 2018. evolução nestes últimos 30 anos e das perspectivas para seu futuro pressupõe que intérpretes e aplicadores se abram a leituras que o normativismo não ¹ǯȱ �ȱ ȱ ǰȱ ȱ ȱ ȱ Çȱ precisa incorporar, embora essa incorporação não seja isenta de riscos.86 O amadurecimento do constitucionalismo no Brasil e a sobrevivência do projeto de 1988 dependem do desbravamento desses caminhos. Referências �������ǰȱ�ȱǯȱ�ȱ ȱ ȱ ȱÇȱȱ�DZȱ ¹ȱ ȱ reposicionamentos. Lua Nova, São Paulo, v. 97, p. 213-250, 2016. �� t�� ��ǰȱ�ǯȱ�ǯDzȱ����ǰȱ�ȱ�ǯȱ�ǯȱ�ȱȱȱȱ ȱȱȱǰȱȱ¦ȱȱȱǯȱDireito, Estado e Sociedade (Impresso), v. 38, p. 6-50, 2012. BAPTISTA, Patrícia. Retrospectiva 2008: a crise econômica mundial e o papel da regulação estatal, os vinte anos da constitucionalização do direito admi- nistrativo no Brasil, a emergência do direito administrativo global e outras questões. 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Os limites do presente estudo, ·ǰȱ¨ȱȱȱ³ȱȱ¨ǯȱ�¡ȱȱȱȱȱȱȱ ǰȱ·ǰȱ ȱȱǰȱ ȱ�� t�� ��ǰȱ�ǯȱ�ǯDzȱ����ǰȱ�ȱ�ǯȱ�ǯȱ �ȱȱȱȱȱȱȱǰȱȱ¦ȱȱȱǯȱ Direito, Estado e Sociedadeȱ ǻ�Ǽǰȱ ǯȱ řŞǰȱ ǯȱ ŜȬśŖǰȱ ŘŖŗŘDzȱ ��� ����ǰȱ �ȱ �ǯȱ ȱ ǰȱȱ ǯȱVirginia Law Review, v. 60, n. 3, p. 483-492, mar. 1974. Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 2, p. 45-74, maio/ago. 2018. 71PATRÍCIA BAPTISTA, JOÃO PEDRO ACCIOLY | A administração pública na Constituição de 1988.... BRANDÃO, Rodrigo. �ȱ ȱ versus diálogos constitucionais: a quem cabe a última palavra sobre o sentido da Constituição? Rio de Janeiro: �ȱ�ǰȱŘŖŗŗǯ ȏȏȏȏDzȱ�����ǰȱ�ȱ�ǯȱ�ȱ ���ȱ ȱ ȱ ȱȱ ȱȱ ¦ȱ na cional: a sociedade civil e seu acesso ao controle concentrado de constitu- cionalidade. Revista de Direito da Cidade, v. 10, n. 1, p. 179, 2018. Disponível em: ǀ ǯȬǯǯȦ¡ǯȦȦȦ ȦŘşŝŝś>. 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