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Saúde Mental Retrocessos ou Contra Reforma

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Saúde Mental: Retrocessos ou Contra-Reforma? 
As políticas públicas de saúde mental estão numa encruzilhada histórica, 
onde seus trinta anos de construção estão sobre forte ameaça, a indústria de 
leitos, baseada na mercantilização do sofrimento, voltam à cena central no país. 
A reflexão aqui colocada se refere a que estágio nos encontramos de 
desconfiguração, em um momento de retrocesso, onde a reforma psiquiátrica e 
suas políticas públicas estão pontualmente, com iniciativas aqui e ali, sendo 
desconstruídas, ou estamos numa nova fase de contra-reforma, onde uma 
agenda e suas condições objetivas de serem instaladas estão dadas, como 
chamou Laranjeiras uma fase de “uma segunda reforma”? 
Buscando responder essa questão fundamental para construirmos táticas 
e estratégias de ação que busquem garantir que nosso país possa retornar ao 
caminho de uma política pública baseada no cuidado em liberdade, no 
protagonismo e na autonomia dos usuários. Irei fazer uma cronologia do início 
do processo de retrocessos na política nacional de saúde mental até o momento 
atual. 
11/12/2015: inicio da agenda de retrocessos 
A mudança no Ministério da Saúde, na gestão da presidenta Dilma, 
nomeando Marcelo Castro como Ministro da Saúde, trouxe uma ruptura 
histórica com as nomeações da Coordenação de Saúde Mental. Todos os 
coordenadores nomeados nos mais diversos governos, de matizes ideológicas 
diferentes, desde a redemocratização, sempre foram profissionais alinhados 
com a reforma psiquiátrica e com as orientações da Organização Mundial da 
Saúde. 
O Diário Oficial da União em sua edição de 11 de dezembro de 2015 
nomeou para coordenador-geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, 
Valencius Wurch Duarte Filho, uma pessoa que desde a tramitação da Lei 
10.216 era crítico e contrário aos pressupostos mais fundamentais da Reforma 
Psiquiátrica e tinha como seu grande histórico a gestão do maior manicômio do 
país. 
A reação foi enorme em todo o país, com AbraçaRaps, ocupação do 
Ministério e manifestações de entidades, movimentos e conselhos profissionais. 
Naquele momento, a ABRASCO, a ABRASME e outras organizações assinaram 
uma Nota Pública, contra a nomeação de Valencius Wurch Duarte Filho, que 
afirmava: “anúncio realizado pelo Sr. Ministro da Saúde na mencionada 
audiência contrapõe-‐se ao compromisso do governo federal com a continuidade 
da Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas, na perspectiva da 
garantia dos direitos humanos e do cuidado territorial e comunitário. 
Ressaltamos que os princípios aqui estabelecidos são ratificados pelas 
deliberações da XV Conferência Nacional de Saúde e pelo Relatório Final e 
Moções da XVIII Reunião do Colegiado Nacional de Coordenadores de Saúde 
Mental” (https://www.abrasco.org.br/site/outras-noticias/institucional/nota-
publica-cgmadms/15248/. 
A intensa mobilização social deixou insustentável a permanência de 
Valencius e ele foi exonerado através da Portaria 916, de 06 de Maio de 2016 - 
http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=2&pagina=44
&data=09/05/2016 
Apesar, da exoneração de Valencius, sua nomeação marca o início da 
reação conservadora sobre a três décadas de construção e implementação da 
Reforma Psiquiátrica brasileira. 
10/02/2017: construindo a agenda de retrocessos 
A PORTARIA Nº 434, DE 10 DE FEVEREIRO DE 2017, assinada pelo 
Ministro da Saúde, Ricardo Barros, nomeou Quirino Cordeiro Junior para exercer 
o cargo de Coordenador-Geral de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas. 
Diferentemente, de Valencius, que não tinha uma forte base de apoio e 
não tinha uma agenda claramente definida, a nomeação de Quirino, dá passos 
firmes na construção articulada de uma agenda para os retrocessos no processo 
de reforma psiquiátrica brasileira. 
Segundo o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP, 
Antônio Geraldo da Silva, “a nomeação deste técnico para a Coordenadoria-
Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde é uma 
conquista para a saúde pública brasileira. Quirino Cordeiro Junior tem uma 
invejável experiência acadêmica e vivência na assistência pública em saúde 
mental, caracterizando-o como um profissional de grande força de vontade, 
além de um excelente pesquisador e ser humano admirável”. 
20/09/2017: articulação contra a RAPS 
A nomeação de Quirino colocou em ação no país, um forte lobby em torno 
da indústria de leitos de internação e da hegemonia do saber médico, contra 
uma visão de uma rede intersetorial e baseada no cuidado em liberdade e de 
base comunitária. 
No dia 20 de setembro de 2017 a ABP (Associação Brasileira de 
Psiquiatria) e o CFM (Conselho Federal de Medicina) soltaram uma Nota Pública 
voltada a apontar um conjunto de irregularidades e inconsistência na 
implementação da RAPS (Rede de Atenção Psicossocial). A Nota foi articulada 
com o relatório do Coordenador-Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas 
do Ministério da Saúde, Quirino Cordeiro Júnior, apresentado na Comissão 
Intergestores Tripartite (CIT) do Conselho Nacional de Saúde (CNS). 
Essa nota construída em articulação com o relatório do Quirino tem um 
grande propósito, jogar dúvidas e dar um passo a frente na consolidação de 
uma “nova política de saúde mental no país”, conforme enfatiza: “Nesse 
contexto, é coerente com sua responsabilidade a decisão do Ministério da Saúde 
de, com base no relato apresentado, constituir Grupo de Trabalho, juntamente 
com os Conselhos Nacionais de Secretários Estaduais e Municipais da Saúde 
(CONASS e CONASEMS), para discutir e buscar soluções para os problemas 
existentes na condução da atual Política de Saúde Mental no País”. 
12/2017: pelas costas dos 30 Anos da Carta de Bauru 
O “Encontro de 30 Anos da Carta de Bauru”, realizado entre 08 e 09 de 
dezembro de 2017 em Bauru - SP, com uma ampla mobilização de mais de 
2000 pessoas entre usuários, familiares, trabalhadores e trabalhadoras da 
saúde mental e ativistas de direitos humanos, celebrou a história da construção 
da política pública que criou, em todo território nacional, serviços substitutivos 
de base comunitária, superando o modelo manicomial fundado no isolamento 
social. 
Mas, pelas costas dos 30 Anos da Carta de Bauru, estava se 
engendrando, uma agenda de desconfiguração da Política Nacional de Saúde 
Mental, Álcool e outras Drogas. 
No dia 14 de dezembro de 2017, na reunião da Comissão Intergestores 
Tripartite (CIT) foi aprovada a desconfiguração da Política Nacional de Saúde 
Mental, colocando novamente a centralidade nos Hospitais Psiquiátricos 
(manicômios) e na ampliação do financiamento e na legitimação das 
Comunidades Terapêuticas. 
No dia 22 de dezembro de 2017, última sexta feira antes do Natal, no 
encerramento do ano e no meio do recesso legislativo e do judiciário, o 
Ministério da Saúde publicou a Resolução 32 e a Portaria no. 3.588 que 
oficializa as medidas que desconfiguram a RAPS (Rede de Atenção Psicossocial), 
e, em conjunto com o Ministério do Trabalho, Ministério do Desenvolvimento 
Social e Ministério da Justiça, publicaram a Portaria Interministerial no. 2, 
que inicia um redesenho nas políticas de drogas, baseada no financiamento e 
na ampliação das comunidades terapêuticas. 
 
2018: consolidação dos retrocessos 
A agenda desenhada por Quirino em articulação com a ABP no ano de 
2018 passou a enfraquecer e colocar dúvidas na RAPS e sua desconfiguração 
com a Portaria 3588 onde, entre outras coisas, inclui o Hospital Psiquiátrico na 
RAPS, aumento do valor da AIH (autorização de internação hospitalar), 
aumento de 15% para 20% de Leitos em Hospital Geral com financiamento 
somente a partirde 8 leitos, fortalecimento da lógica ambulatorial voltada a 
internação e a criação do CAPS AD IV (CAPS Ad em cena de uso voltado a ser 
um intermediador de internações, como visto, na experiência do CAPS de Lata 
na “cracolândia”). Bem como, a desvinculação do número de leitos em relação 
ao quantitativo populacional. Mantendo assim, a possibilidade de aumento de 
leitos através de acordo entre as coordenações locais e a coordenação nacional. 
Acerca do orçamento, Quirino anuncia: 
 Aos Hospitais Psiquiátricos foram anunciados 60 milhões e para as 
Residências Terapêuticas 50 milhões; 
 As Comunidades Terapêuticas vão receber 100 milhões (só do Ministério 
da Saúde), e para toda a RAPS apenas 70 milhões; 
 Para os novos dispositivos (ambulatórios e o novo CAPS AD em “cenas de 
uso”) incluídos na RAPS na última portaria: 33 milhões. 
O orçamento não deixa mentir que as prioridades são os hospitais 
psiquiátricos e as comunidades terapêuticas. Um pacto heterogêneo e 
conservador se consolidou, criando um novo bloco de forças na disputa das 
políticas de saúde mental e drogas, a unidade de ação entre a ABP, CFM e as 
comunidades terapêuticas. 
No campo das políticas de drogas assistimos um novo edital com a 
ampliação dos recursos públicos para as comunidades terapêuticas, aprovação 
no TRF3 para a construção de um marco regulatório garantindo assim a 
aplicação da Resolução do CONAD, 2015 e a Portaria n° 3.449/2018, do 
Ministério da Saúde que Institui um Comitê com a finalidade de consolidar 
normas técnicas, diretrizes operacionais e estratégicas no contexto da política 
pública sobre o álcool e outras drogas, que envolvem a articulação, regulação e 
parcerias com organizações da sociedade civil denominadas Comunidades 
Terapêuticas. 
A desconfiguração da lógica da reforma psiquiátrica fica evidente na edição 
da Portaria nº 2434 de 15/08/2018 que promove um aumento de 60% nas 
diárias pagas aos hospitais, para atendimento de pacientes internados por mais 
de 90 dias ou que são reinternados em intervalo menos de 30 dias (de R$29,50 
a R$41,20 para R$47,00 a R$66,00). 
O princípio elementar de internações de curta permanência, realizado apenas 
em meio a crises agudas e dentro de um projeto terapêutico singular, voltado 
ao cuidado em liberdade e na inclusão social (reabilitação psicossocial) é 
colocado em xeque. O retorno, a re-valorização das internações de média e 
longa permanência e o círculo perverso de re-internações volta a centralidade 
da política pública. 
A publicação no final desse ano de duas portarias, que visam dar 
materialidade na “incompetência”, na “inoperância administrativa”, da 
implementação da RAPS no país fecha o ciclo da agenda de retrocessos e coloca 
como “necessário” virar a página dessas últimas três décadas e construir uma 
“nova política de saúde mental”. 
A saber, a PORTARIA Nº 3.659, DE 14 DE NOVEMBRO DE 2018 que 
suspendeu o repasse do recurso financeiro destinado ao incentivo de custeio 
mensal de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Serviços Residenciais 
Terapêuticos (SRT), Unidades de Acolhimento (UA) e de Leitos de Saúde Mental 
em Hospital Geral, integrantes da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), por 
ausência de registros de procedimentos nos sistemas de informação do SUS e a 
PORTARIA Nº 3.718, DE 22 DE NOVEMBRO DE 2018, que publicou lista de 
Estados e Municípios que receberam recursos referentes a parcela única de 
incentivo de implantação dos dispositivos que compõem a Rede de Atenção 
Psicossocial (RAPS), e não executaram o referido recurso. 
Para coroar o fechamento do ciclo de retrocessos e a busca pelo salto de 
qualidade, que é transformar a agenda de retrocessos (portarias, decretos) em 
um novo marco legal, que se inicia em 2019, com um congresso nacional ainda 
mais conservador e com a ascensão de um governo de extrema direita, se 
realizou em Brasília no dia 27/11/2018 no Salão Nobre da Câmara dos 
Deputados o Lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Nova 
Política Nacional de Saúde Mental e da Assistência Hospitalar Psiquiátrica com a 
seguinte composição, 226 deputados de diversos partidos e 4 senadores: 
http://www.camara.leg.br/internet/deputado/frenteDetalhe.asp?id=53841. 
Em matéria do dia 29/11/2018 o Jornal O Globo ao anunciar o lançamento 
da Frente Parlamentar tem a seguinte chamada: “Deputados criam polêmica ao 
lançar frente pró-internação psiquiátrica”, deixando bem claro, sua 
centralidade. Na matéria, o coordenador da Frente, o Deputado Roberto 
Lucena, de forma transparente aponta a estratégia de consolidar a agenda de 
retrocessos através de um novo marco legal: “Criamos a frente para apoiar as 
mudanças já apresentadas, e contribuir para aperfeiçoar a política” e completa: 
“houve uma espécie de criminalização desses hospitais”. 
Nota-se que o conjunto de portarias e iniciativas de desconfiguração da 
RAPS combinaram três movimentos centrais: 
 O ataque a capacidade de execução e implementação da RAPS; 
 A mudança de prioridades orçamentárias; 
 O retorno dos dispositivos e da lógica manicomial (a internação, o 
isolamento social como estratégia central da política em saúde mental). 
Ao apostar novamente no fortalecimento dos Hospitais Psiquiátricos, na 
valorização das internações acima de 90 dias, na ampliação do 
financiamento público das Comunidades Terapêuticas e no incentivo a 
ambulatorização do cuidado. 
Essas medidas de desconfiguração e de retrocessos nas políticas públicas de 
saúde mental ocorreu através de “canetadas” da Coordenação Nacional de 
Saúde Mental. Quirino instituiu um novo método para construir suas iniciativas, 
“de dialogar”, apenas com os “amigos”, a ABP/CFM/Confederação de 
Comunidades Terapêuticas e os gestores públicos. Instituindo assim, uma 
democracia de baixa intensidade contrariando, nesse aspecto, o processo 
histórico da reforma psiquiátrica, marcado por uma forte presença de 
participação e mobilização social. 
Em todas as suas iniciativas tem um traço em comum, seus grupos de 
trabalho só tinham os “amigos” e os gestores públicos, e no Conselho Nacional 
de Saúde, apenas o “diálogo” se deu na Comissão Intergestores Tripartite 
(CIT), virando as costas, para CISM (Comissão Intersetorial de Saúde Mental). 
Evidenciando, que num governo de baixa legitimidade, suas aprovações se 
deram no âmbito das “canetadas” do executivo e sem participação social, pois 
não passou pelo Plenário do Conselho Nacional de Saúde. As Portarias e 
Decretos, consolidaram uma agenda de retrocessos na saúde mental, ainda 
sem afetar o arcabouço legal, as legislações, mas desenharam as características 
essenciais que serão as bases da Contra-Reforma Psiquiátrica. 
2019: a contra reforma psiquiátrica 
Os ecos de 2019 já se anunciaram nesse final de ano de 2018 com o 
lançamento da nova frente parlamentar e com o anúncio de dois ministros, no 
novo governo de extrema direita, que tem posições claramente a favor da 
contra-reforma psiquiátrica, o da saúde e o da cidadania. 
O deputado Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), o novo Ministro da Saúde, 
recém anunciado, teve como um de seus primeiros anúncios: “O que a saúde 
oferece para essas pessoas? Ambulatórios de rua e CAPS. Qual o índice de 
recuperação? Não chega a 5 ou 6% nos CAPS. Você tem 94% de recidiva. Onde 
estão nossas cabeças? O que nos dá melhor chance estatisticamente para 
retirar o indivíduo das drogas? É no CAPS? Não. O que eu sei é que essa política 
do jeito que está eu vou jogar em questionamento mesmo. Onde que está o 
erro? Não podemos mais deixar como está para ver como fica” (O Globo, 
26/11/18). 
A força do bloco ABP/CFM/Comunidades Terapêuticas, conseguiu levar o ex 
Ministrode Desenvolvimento Social, um dos arquitetos dos retrocessos nas 
políticas públicas de drogas e que fez a intensa ofensiva sobre o CONAD 
(Conselho Nacional de Drogas), Osmar Terra, para o Ministério da Cidadania. 
Que gerou inclusive intenso mal estar na bancada evangélica ao ponto de 
Malafaia afirmar: “Gratidão é memória do coração”. 
Conseguiu também garantir na mudança da SENAD (Secretaria Nacional de 
Drogas) do Ministério da Justiça, que agora com Sergio Moro, terá o procurador 
da Fazenda Nacional, Luiz Roberto Beggiora, com o foco central de gestão de 
ativos sequestrados e confiscados do tráfico de drogas, que as demais 
atribuições de fomento as políticas públicas de álcool e outras drogas sejam 
transferidas para o Ministério da Cidadania, de Osmar Terra. Garantindo que 
toda a política pública de álcool e drogas esteja na mão de Osmar Terra que 
entre outras coisas avalia: “A maior parte da tragédia que se abate sobre a 
nossa juventude hoje, na epidemia de drogas e violência, tem a assinatura dos 
que se intitulam liberacionistas, ou antiproibicionistas, responsáveis por essa 
política caótica vigente, de forte cunho ideológico, ineficaz e completamente 
fora da realidade. A sociedade brasileira está pagando um preço muito alto por 
isso, inclusive com a vida de milhares de seus filhos mais jovens”. 
Para mim, o tempo dos retrocessos na reforma psiquiátrica já se consolidou 
e abriu campo agora para uma nova fase: a da contra-reforma. 
Para tal, queria fazer um paralelo, com o surgimento do conceito de contra-
reformas, que se realizou, no século XVI, quando a Igreja Católica, buscou frear 
o sopro de modernização e de questionamento das estruturas da igreja-estado, 
que se iniciou com Martin Lutero e que criou o que chamamos de Reforma 
Protestante. Naquele momento, para frear a REFORMA (mudanças estruturais, 
conceituais e de novas práticas) o Papa Paulo III convocou um concílio para a 
cidade italiana de Trento. O Concílio de Trento foi realizado entre os anos de 
1545 e 1563. 
A contra-reforma iniciada após o Concilio de Trento teve como marca uma 
reação dura que visava atingir, em cheio, as bases e os sentidos abertos pela 
Reforma Protestante. A saber: 
 Retorno da Inquisição; 
 Criação do Índice de Livros Proibidos (Index Librorium Proibitorium); 
 Criação da Companhia de Jesus. 
Assim, a contra-reforma teve três macros iniciativas: 1. Garantir pela força 
(através de seus espaços de poder) o avanço da Reforma, atacando assim, sua 
capacidade de interação social (desacreditar, impor, utilizar o discurso do medo 
social); 2. O controle da narrativa (controle do que se diz, do que se publica) ao 
impedir que as “idéias” da Reforma se propagassem; e 3. Criação de uma 
máquina de propagação das idéias e valores da contra-reforma, levando ao 
máximo de países e comunidades, suas posições, valores e “verdades”. 
 Nesse aspecto, o conceito e o paralelo aqui apresentado, de abertura da 
fase de uma Contra-Reforma Psiquiátrica, faz alusão à uma intensificação, a 
mudança de gradiente, de condições objetivas, para transformar a agenda que 
se iniciou em 11/12/2015 de retrocessos da política de saúde mental, que se 
intensificou e consolidou durante a gestão de Quirino, em uma nova fase, onde 
se busca impor uma Contra-Reforma. 
 A fase de Contra-Reforma se abre através da eleição, com legitimidade 
social das urnas, de um governo de extrema direita e de um congresso nacional 
mais conservador, tendo na eleição da bancada do PSL e de um forte 
protagonismo político do DEM sua coroação. A eleição de maneira mais geral 
abre uma crise de regime na nova república e nos valores e sentidos dela 
aberto com a Constituição de 1988, a idéia central de progressividade e 
universalidade dos direitos. 
Para o campo da saúde mental e drogas dá as condições objetivas para 
transformar qualitativamente a agenda de retrocessos em política de estado e 
de um novo marco legal. 
Assim, as principais características dessa nova fase, da Contra-Reforma 
serão: 1. Democracia de baixa intensidade: o método de passar por cima dos 
conselhos e dos debates públicos, e da imposição, pelo uso da força de maiorias 
nas casas legislativas e da caneta do executivo serão intensificados; 2. Uma 
guerra de narrativas (info war) será realizada, buscando evidenciar como a 
RAPS, é incapaz, má gerida, que não dá respostas, e como a “internação”, o 
“isolamento social”, o “cuidado ambulatorial” são mais eficazes, tanto 
economicamente, quanto socialmente; e 3. A ampliação e consolidação do bloco 
social e político (ABP/CFM/Comunidades Terapêuticas) para construir máquinas 
de guerra, para levar a frente seu “discurso”, “suas narrativas” e suas 
“verdades”. 
Isso, já esta anunciado com o lançamento da Frente Parlamentar com o 
objetivo de avançar com a consolidação de um novo marco legal, uma “nova 
política de saúde mental” e com o anúncio de dois ministros, saúde e cidadania, 
que no âmbito do executivo irão garantir sua implementação e financiamento, 
bem como, garantir os ataques necessários a reforma psiquiátrica. 
A questão que se abre é: o Poder Judiciário vai ser instrumento da 
Contra-Reforma? Qual o grau de reação dos Ministérios Públicos e das 
Defensorias Públicas? Quais contradições serão abertas no poder legislativo com 
a construção dessa agenda do novo marco legal para a saúde mental e drogas? 
Os grandes meios de comunicação vão se alinhar em sua maioria, a agenda da 
Contra-Reforma? 
Deixo aqui uma reflexão que também faz alusões com processos de 
Contra-Reforma na história, onde forças conservadoras buscam frear a roda da 
história, buscam impor “longos invernos” a progressividade, a modernização e a 
ampliação de direitos sociais: Os setores progressistas, que querem uma 
democracia de alta intensidade, uma cidadania ativa, que querem os direitos 
acima dos interesses de mercado conseguirão criar Frentes Únicas para 
enfrentar a Contra-Reforma? Criar unidades de ação, de construir unidades na 
diversidade? Ser caixa de ressonância de nossas experiências exitosas de mais 
de 30 anos de reforma psiquiátrica no país? Ampliar nossa presença social em 
conselhos por todo o país? Criarmos Frentes Parlamentares e iniciativas 
legislativas que impeçam a consolidação da Contra-Reforma? E principalmente, 
de expandir e fortalecer movimentos, coletivos e associações que garantam o 
protagonismo social dos avanços e conquistas da reforma psiquiátrica? 
Nessa fase de Contra-Reforma, a necessária unidade na diversidade, tem 
que passar de vontade, de desejo à ATO. É hora de transformar os acúmulos e 
as experiências exitosas de mais de 30 anos de história em um grande 
movimento de ações práticas diversas, inovadoras, criativas em todo o país, 
para derrotar as forças e as narrativas da Contra-Reforma. 
Termino com um poema de Brecht, O Alfaiate de Ulm, que narra uma 
história de um sonho, de uma potência criativa, do desejo do homem voar, mas 
que na época foi derrotado, pois ainda não era possível, mas que tempos depois 
esse sonho tornou-se realidade. 
Nosso sonho, de voar, nessa encruzilhada histórica, nesse longo inverno 
que se anuncia para as forças democráticas e populares no país, tem que se 
afirmar em práticas transformadoras, nosso sonho em ATO. 
Bertolt Brecht, poema: O ALFAIATE DE ULM (Ulm, 1592) 
Bispo, eu sei voar 
Disse ao bispo o alfaiate. 
Olhe como eu faço, veja! 
E com um par de coisas 
Que bem pareciam asas 
Subiu ao grande telhado da igreja. 
 
O bispo não ligou. 
Isso é um disparate 
Voar é para os pássaros 
O homem nunca voou 
Disse o bispo ao alfaiate. 
 
O alfaiate faleceu 
Disseram ao bispo as pessoas. 
Era tudo umafarsa. 
Sua asa partiu 
E ele se destruí 
Sobre o duro chão da praça. 
 
Façam tocar os sinos 
Aquilo foi invenção 
Voar só para os pássaros 
Disse o bispo aos meninos 
Os homens nunca voarão. 
 
Leonardo Pinho – Vice Presidente da Associação Brasileira de Saúde 
Mental (ABRASME), Presidente do Central de Cooperativas Unisol Brasil e 
conselheiro do Conselho Nacional de Direitos Humanos

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