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A Tempestade - William Shakespeare

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William Shakespeare 
Adaptação em Português de Sônia Rodrigues Mota 
OO©©®®BBRR 
 
 
 
 
Sobre a Digitalização desta Obra: 
 
Esta obra foi digitalizada para proporcionar os benefícios da sua leitura àqueles 
que não podem comprá-la ou àqueles que usam meios eletrônicos para ler. 
Dessa forma é totalmente condenável a venda desse e-livro em qualquer 
circunstância. 
Distribua-o livremente! 
 
 
 
 
 
 
 
 
“Para o Sr. ‘Aldique’, que me apresentou ao Sr. William”
Quem foi William Shakespeare? 
 
No verão de 1587, um rapaz interiorano andava pelas ruas de Londres. Tinha 
consigo apenas algumas libras, mas finalmente encontrava-se no ambiente propício para 
desenvolver a sua vocação — a literatura. 
A capital inglesa havia sido, por muito tempo, apenas um sonho para William 
Shakespeare. Nascido em 1564 em Stratford-upon-Avon, gozou de uma vida abastada 
até os 12 anos. A partir de então, com a falência de seu pai, viu-se obrigado a trocar os 
estudos pelo trabalho árduo, passando a contribuir para o sustento da família. Guardava, 
entretanto, os conhecimentos adquiridos na escola elementar, onde havia iniciado seus 
estudos de inglês, grego e latim; por sua própria conta, continuou a ler os autores 
clássicos, poemas, novelas e crônicas históricas. Era também um profundo conhecedor 
da Bíblia. 
Aos 18 anos já estava casado com a rica Anne Hathaway, com quem teve três 
filhos. Não se sabe ao certo por que motivo seguiu sozinho para Londres, quando 
contava 23 anos; o fato é que veio a tornar-se a figura mais expressiva da literatura 
inglesa. Foi o maior poeta e dramaturgo do Renascimento de seu país. 
De maneira bem simples, podemos definir o Renascimento como a retomada da 
cultura da Antigüidade clássica, baseada na valorização de todas as capacidades do 
homem e no estudo e conhecimento da natureza, que se desencadeou em vários países 
da Europa nos séculos XIV, XV e XVI, reformulando as artes, as letras e as ciências. 
Esses princípios eram bem diferentes daqueles que nortearam a cultura medieval, 
centralizada na adoração a Deus e no estudo exclusivo dos livros sagrados e dos 
assuntos espirituais. 
Vários foram os fatores que determinaram esse processo: a centralização do 
poder na figura dos reis, que estimulavam a produção artística esperando obter dessa 
forma promoção pessoal; o desenvolvimento do comércio e das cidades; e o 
enriquecimento dos comerciantes, que passaram a pagar para que artistas e literatos 
produzissem obras que divulgassem os valores dessa classe em ascensão. 
Tal efervescência cultural era bastante acentuada em Londres, onde se 
desenvolvia uma intensa atividade teatral. Shakespeare iniciou sua carreira como ator, 
na companhia teatral do Conde de Leicester. Pouco tempo depois, passou a dedicar-se à 
adaptação de textos alheios para o palco. O sucesso obtido nessa atividade levou-o a 
escrever suas próprias peças. Nos dez anos seguintes — já com sua companhia teatral 
— escreveu quinze peças, quase todas comédias leves e dramas históricos ou 
sentimentais, como Sonho de uma noite de verão, A megera domada, Muito barulho por 
nada, Ricardo III e Romeu e Julieta. A partir de 1601, durante um período de 
recolhimento e meditação, elaborou a maior parte de suas tragédias, como Otelo, 
Hamlet, Rei Lear e Macbeth. Alguns críticos consideram esse período a sua "fase 
sombria". 
Em A tempestade, escrita provavelmente em 1611, é notória a composição de 
elementos variados que guarda a arte de Shakespeare. Nesse texto, ele mistura a 
elementos próprios do universo medieval, como as bruxas, fantasmas, espíritos, 
símbolos mágicos, personagens-síntese da mentalidade renascentista, como Próspero, 
um humanista típico, estudioso empenhado em elaborar um novo código de valores e 
comportamentos, centrados no indivíduo e em sua capacidade realizadora; ou Gonçalo, 
um utopista, que almeja instituir uma comunidade ideal, onde os homens vivam felizes, 
com fartura, paz e mantendo relações fraternais, sob um poder altamente centralizado, 
porém justo e racional. 
No Renascimento têm origem a reflexão histórica e social e a ciência política. É 
um momento em que se intensifica tanto a avidez de conhecimento como a do poder e 
do lucro, tornando-as indissociáveis em nossa sociedade e que são representadas aqui 
por Próspero e seu irmão Antônio. 
Na Itália, o berço da cultura renascentista, as cidades mercantis, organizadas 
depois de uma longa e árdua luta em cidades-Estado ou em repúblicas independentes, 
prosperaram economicamente. Isso fomentou conflitos de toda espécie, tanto 
envolvendo as repúblicas em guerras contínuas na disputa pelas melhores oportunidades 
comerciais quanto mantendo em permanente confronto os trabalhadores e artesãos 
contra os poderosos comerciantes que controlavam as cidades. 
É nesse cenário tempestuoso que se desenvolveram os ideais da Renascença, 
voltados para os princípios do equilíbrio, da harmonia, do naturalismo, do racionalismo. 
Num período de caos e opressão, seu comprometimento era com a ordem e a liberdade 
do espírito. A prosperidade mercantil, assim, estava atrelada à atitude racional, 
organizadora, mas também agressiva, conquistadora, sequiosa de independência, de 
espaço, de saber e de distinção. 
A tempestade, um dos últimos trabalhos de Shakespeare, aqui adaptado para a 
forma de narrativa, é uma preciosa criação fruto desses ideais que representam um dos 
momentos mais fascinantes da aventura intelectual da humanidade. 
CAPÍTULO I 
O Mar 
Em algum lugar do imenso oceano, num ponto perdido entre a cidade de Túnis, 
na África, e o reino de Nápoles, no Mediterrâneo, um navio se debatia contra uma 
terrível tormenta, em meio a incessantes trovões e relâmpagos. O capitão, homem 
experiente como convém a um comandante que conduz um rei e sua comitiva em seu 
navio, conclamava o contramestre e os marinheiros para lutar contra o mar bravio. As 
ordens de baixar velas na popa e depois alinhá-las e aparelhá-las para alto-mar eram 
gritadas para os marujos, encharcados pelas ondas que se abatiam sobre o navio, 
tornando o convés cada vez mais escorregadio. Os marinheiros eram rápidos em 
cumprir as ordens do capitão, na esperança de escapar da pavorosa tempestade. 
Navegar pelo oceano é quase sempre uma grande aventura, muitas vezes cheia 
de realizações e descobertas importantes. Mas é também um risco incalculável: por 
maior que seja a competência dos capitães, os marujos Sabem que o mar é ao mesmo 
tempo um espaço a ser conquistado e um lugar cheio de perigos. Muitas são as lendas e 
os relatos terríveis sobre os naufrágios: frotas bem equipadas, tripulações inteiras, 
sonhos de riquezas colhidas em terras distantes tragados pelo mar implacável em noites 
de tempestade como aquela. 
Não fazia muito tempo, uma frota inglesa naufragara em algum ponto entre a 
Europa e o Novo Mundo. Uns poucos tripulantes conseguiram chegar até uma ilha 
selvagem que chamaram de Ilha do Diabo e lá permaneceram entre os nativos por dez 
longos meses. A história desse naufrágio correra os portos da Europa, aumentando ainda 
mais o fascínio que o mar exerciasobre as pessoas, mas também o medo. Medo de ser 
engolido pelas ondas gigantescas como se o navio fosse uma frágil casca de noz. Medo 
de sobreviver à tempestade mas morrer antes de alcançar terra firme. Medo de ver-se 
preso em uma ilha habitada por selvagens hostis sem esperança de voltar para a terra 
natal. 
Existiam ainda as histórias sobre monstros marinhos, sereias, espíritos maléficos 
e toda a sorte de perigos a rondar os que faziam do mar seu trabalho e seu destino. 
Apesar de ter lutado contra a tempestade por toda a noite enquanto os nobres da 
comitiva real rezavam apavorados em seus camarotes ou atrapalhavam com suas 
perguntas o esforço de salvamento, chegou ummomento em que a tripulação se 
reconheceu derrotada. Uns bebiam, certos de ser aquele o último trago; outros, 
desesperados, gritavam pela família que deixaram em terra distante. Alguns choravam e 
rezavam. 
Gonçalo, o velho conselheiro de Alonso, rei de Nápoles, ao ver que estava tudo 
perdido, pensou, antes de se dirigir ao camarote de seu senhor: 
— "Daria, com prazer, milhares de braças de mar por um pedaço de terra, terra 
seca, com espinhos, com urtigas, terra sem nada. Que se cumpra a vontade de Deus, mas 
eu preferia morrer uma morte seca!" 
 
 
CAPÍTULO II 
O Mago e sua filha 
Açoitado pelos ventos e atingido por raios que acabaram por incendiar o 
madeirame, o navio naufragava, e os nobres, apavorados, atiraram-se ao mar, 
acreditando que o inferno estava vazio e que todos os demônios estavam ali. Não havia 
mais salvação e, entre a morte pelo fogo e a morte pela água, escolheram mergulhar no 
túmulo marinho. 
Perto dali, no interior de uma estranha caverna na ilha onde moravam, invisível 
aos olhos dos náufragos, Miranda pedia a Próspero: 
— Se foi sua arte, meu pai querido, que provocou a tempestade, faça com que as 
águas selvagens se acalmem. Como sofri com aqueles que vi sofrer! O céu parecia 
derramar breu fervente enquanto o mar subia a apagar o fogo. O navio fez-se em 
pedaços. Morreram todos, pobres criaturas. Seus gritos feriram meu coração. Se eu 
fosse um deus poderoso, impediria o mar de tragar o navio e as pobres almas de 
perecerem junto com ele. 
Até onde conseguia se lembrar, Miranda crescera naquela ilha, vivendo com seu 
pai, Próspero, em uma caverna. Linda como a mais linda das princesas e sábia como a 
maioria delas não costuma ser, teve como professor Próspero, que dedicara a vida ao 
aperfeiçoamento do espírito. Nada sabia sobre o seu passado e, se às vezes sentia 
curiosidade a respeito, calava-se, porque pressentia que ainda não chegara o momento 
de interrogar o pai sobre suas origens. 
Próspero era um homem já velho, com o aspecto frágil daqueles que passam o 
tempo trancados em bibliotecas, entregues aos livros e às aventuras do pensamento. 
Ouvindo-a lamentar as conseqüências da tempestade, como o mais meigo dos pais 
explicou à filha: 
— Não se preocupe, minha querida. Não aconteceu nada de mal e tudo o que fiz 
foi por você, que nada sabe sobre quem é ou sobre quem sou eu, além de ser Próspero, 
senhor desta pobre gruta, seu pai. 
— Nunca pensei em saber mais que isso. 
— É tempo de dizer mais. Ajude-me a tirar o manto mágico, instrumento de 
minha arte. Enxugue os olhos, Miranda, fique tranqüila. O horrível espetáculo do 
naufrágio, que despertou sua compaixão, eu o criei sim, graças à minha arte. Mas fui 
previdente, pois ninguém se perdeu. Ninguém perdeu um fio de cabelo no naufrágio. 
Agora você precisa saber mais do que sabe. 
Atenta, Miranda escutou a história a respeito da qual muitas vezes tivera 
curiosidade. Em diversas ocasiões, sentira-se tentada a perguntar por que suas 
lembranças do passado eram tão vagas. A única imagem que guardara de antes de 
chegarem à ilha era a de várias mulheres cuidando, banhando e arrumando uma criança 
bem pequena, que supunha ser ela mesma, porque sentia, numa lembrança confusa, os 
cheiros perfumados do banho, o carinho daquelas que cuidavam dela. Não se lembrava 
de outra coisa, do navio que os trouxera, de casa, da família. A memória é uma coisa 
estranha. Às vezes, um fato aparentemente insignificante permanece gravado e coisas 
mais importantes não. Daí o interesse com que seguia a história que o pai começava a 
lhe contar. 
Próspero era, na verdade, o sábio duque de Milão, que vivia em seu ducado com 
a filhinha Miranda. Desde que ficara viúvo, deixara os assuntos de governo por conta de 
seu irmão Antônio e passara a viver cada vez mais mergulhado nos livros de artes e 
magia da biblioteca de seu castelo. 
Amante da Arte e da Ciência, Próspero buscava dominar todo o conhecimento 
disponível sobre o espírito, a natureza, os astros, o universo. 
A biblioteca do duque de Milão não encontrava rival em toda a Itália. Sua 
paixão pelos livros era tão conhecida que era presenteado, nas grandes ocasiões, por 
quem tinha interesse em lhe agradar, com obras raras em vez de jóias, cavalos de raça 
ou objetos de arte. Os livros que Próspero acumulara em toda uma vida de estudos 
versavam sobre o conhecimento humano de mais de dois mil anos, em todas as áreas. 
Havia em sua biblioteca o Livro da água, com desenhos de tudo o que se associava ao 
meio líquido — rios, córregos, oceanos, naufrágios, tempestades, lágrimas —, esquemas 
de maquinário hidráulico e mapas meteorológicos. Estavam registradas nesse livro 
descobertas e lendas inspiradas aos homens pela água, numa mistura de ciência e 
poesia. Ali encontravam-se também o Livro dos espelhos, com suas páginas cobertas de 
mercúrio; o Livro de Arquitetura e Música, com edificações e pautas musicais de todas 
as épocas; o Livro das cores, contendo matizes das cores que pintavam as obras dos 
homens e da natureza; o Livro de Geometria, com seus números dourados, expressões 
logarítmicas e ângulos; um Atlas com os mapas do Inferno atribuídos a Orfeu, que, 
segundo os gregos, teria descido ao reino dos mortos para buscar sua amada Eurídice; o 
Livro de Anatomia, que descrevia com detalhes o corpo humano e questionava a 
eficiência da natureza e de Deus; o Livro da terra, grosso e encadernado em tecido 
escuro, com as páginas impregnadas de minerais, ácidos e seivas da terra; o Livro das 
ervas, uma verdadeira enciclopédia de pólen e perfume; o Livro dos viajantes, com 
relatos de viagens recentes e remotas por lugares reais e imaginários e as mais 
inusitadas informações sobre os povos e seus costumes; o Livro da Mitologia, um dos 
mais preciosos da biblioteca, um compêndio de todos os mitos com suas variantes, a 
narrativa mais completa das relações entre os deuses e os homens. 
O isolamento de Próspero, que sempre apreciou mais os livros do que os 
assuntos de governo, acabou por despertar no ambicioso e inescrupuloso Antônio o 
desejo pelo poder. De tanto administrar o ducado, o irmão do duque convenceu-se de 
que tinha mais direito ao título do que o duque de verdade. 
Perfeito na arte de conceder favores e de negá-los, Antônio transformou os 
súditos de Próspero em seus súditos. Para que o papel que representava se tornasse 
realidade, precisava se fazer senhor absoluto de Milão. Com esse intento, aliou-se a 
Alonso, rei de Nápoles, e em troca de um tributo anual e de tornar Milão — até então 
um ducado independente — submisso ao reino de Nápoles, conseguiu que Alonso, 
inimigo de Próspero, enviasse um exército para destroná-lo. 
Numa noite sombria, o exército invasor chegou ao ducado e encontrou as portas 
da cidade abertas por Antônio e as sentinelas dominadas por seus asseclas. 
Entretanto, temendo a revolta do povo, que amava muito seu duque, faltou ao 
exército inimigo e ao irmão traiçoeiro coragem para matar Próspero. Embarcaram-no e 
a sua filha num velho escaler, sem instrumentos de navegação, sem velas e sem 
marinheiros (até os ratos fugiram do barco, tais eram os indícios de que seu destino era 
naufragar) e os deixaram entregues à fúria do mar e do vento, sem outra companhia a 
não ser a de alguns livros que Gonçalo, nobre napolitano encarregado por Alonso de 
comandar o exército invasor, por piedade, entregou a Próspero na hora do embarque, 
juntamente com uma pequena quantidade de mantimentos, um pouco de água fresca e 
algumas roupas. 
Apesar de tudo ter sido planejado por Antônio para que Próspero e sua pequena 
herdeira encontrassem a morte no fundo do mar, tal não aconteceu. O sorriso de 
Miranda, criança muito bem-humorada, deu alento ao pai, que enfrentou as terríveis 
condições daquela viagem, e os dois acabaram aportando naquela ilha tão singular onde 
viviam desde então.Assim aconteceu e assim contou Próspero a Miranda, que, no 
entanto, ainda permanecia com uma dúvida: 
— Meu pai, por que causou esta tempestade? 
— Por uma coincidência estranha, quis a Sorte que me protege trazer meus 
inimigos para estas costas. Graças à minha magia, descobri que o meu apogeu se 
encontra sob o domínio de uma estrela auspiciosa a cuja influência devo ceder. E agora 
chega de perguntas. O sono se aproxima, não resista a ele. Durma, minha filhinha. 
O que Próspero não contou é como seus inimigos chegaram até ali. Enquanto 
Miranda, na ilha, comemorava quinze anos, saía de Nápoles uma grande comitiva para 
assistir ao casamento de Claribel, filha do Rei Alonso, com o rei de Túnis. Foram dias e 
dias de festa à que compareceram, além dos convivas locais, Alonso, seu filho 
Fernando, Antônio, usurpador do ducado de Milão, Sebastião, irmão do rei de Nápoles, 
Gonçalo, o conselheiro real, e outros nobres napolitanos e milaneses. 
A magia de Próspero descobriu a comitiva na volta de Túnis. Não estava nos 
seus planos contar à filha todos os fatos e suas implicações. A tempestade fora um ardil 
seu para trazer ,os inimigos à ilha. 
 
CAPÍTULO III 
A Ilha Encantada 
A ilha em que moravam agora Próspero e Miranda não era uma ilha qualquer. 
Anos antes de aportar o barquinho carcomido de Próspero, fora o reduto de Sycorax, 
uma bruxa cujos feitos horrendos faziam tremer os piores seres humanos. Banida pelo 
rei da Argélia, os marinheiros encarregados de executá-la não o fizeram porque ela 
estava grávida. 
Assim, fora abandonada na ilha, onde encontrou Ariel, um gênio capaz de 
assumir qualquer forma e executar, num piscar de olhos, as tarefas mais difíceis. Ariel, 
entretanto, recusou-se a cumprir as ordens abomináveis de Sycorax, e por isso a bruxa o 
aprisionou num pinheiro. Quando Próspero e Miranda chegaram à ilha, Sycorax já havia 
morrido, e por toda a parte se ouviam os grunhidos de seu filho Caliban e os gemidos de 
Ariel, há doze anos preso no interior da árvore. Os gemidos de Ariel eram tão tristes que 
até as feras se comoviam. Próspero, graças ao saber adquirido em seus livros de magia, 
libertou o gênio, que, em troca, se comprometeu a servi-lo por alguns anos, no fim dos 
quais seria novamente um espírito livre, sem mais senhor. 
Quanto a Caliban, Próspero ensinou-lhe sua língua e a executar pequenos 
serviços. Como nunca conhecera outro ser além de sua mãe, Caliban, de início, gostou 
do ex-duque. Mostrou-lhe todas as riquezas da ilha: as fontes de água, as terras férteis, 
as frutas estranhas, porém saborosas, que existiam por ali. Ensinou-lhe também a evitar 
os lugares insalubres e aqueles onde viviam feras. E durante anos viveram assim, numa 
mesma gruta, Próspero tratando Caliban como amo condescendente e Caliban 
retribuindo como servo agradecido. 
Mas o tempo passou e Miranda tornou-se uma moça linda; Caliban começou a 
pensar em fazer dela sua mulher e povoar a ilha com pequenos Calibans, o ,que 
enfureceu Próspero, que desejava para a filha outro destino que não uni-la a um nativo 
feio e ignorante e, além do mais, descendente de uma feiticeira. Caliban foi então 
expulso da gruta e, escravizado por Próspero, acabou por voltar-se contra ele, fazendo 
suas tarefas da pior maneira possível e amaldiçoando-o enquanto trabalhava: 
— Maldito seja ele e sua mágica, que me traz tantas dores quando tento me 
libertar de suas ordens. Eu não devia ter-lhe mostrado as riquezas da ilha, que é minha 
porque foi de Sycorax, minha mãe. Hoje sou seu único súdito, quando antes eu era meu 
próprio rei. Devia tê-lo deixado morrer de sede e de fome, a ele e a sua filha. 
Às vezes, Próspero escutava o resmungo solitário de Caliban e respondia: 
— Selvagem, repugnante e ingrato. Eu lhe ensinei a recobrir os gestos de 
palavras. Ensinei-lhe a trabalhar, a viver como um ser humano decente. Tratei-o bem 
enquanto não ousou levantar os olhos para minha filha. Mas você é um caso perdido, 
porque nem gratidão existe nesse coração de filho de feiticeira. 
— De que me adianta falar, estrangeiro, se você me obriga a ser escravo e me 
faz sofrer terríveis dores quando lhe desobedeço? Que a peste vermelha o carregue por 
me ter ensinado sua língua. 
— Saia daqui depressa, coisa-ruim, vá trabalhar ou farei com que, à noite, dores 
insuportáveis não lhe permitam dormir. 
Caliban obedecia porque considerava a arte de Próspero mais poderosa do que a 
de Setebos, o deus de Sycorax, e por isso o temia. 
 
 
CAPÍTULO IV 
Próspero e Ariel 
Enquanto Miranda dormia, Próspero vestiu novamente seu manto mágico e 
chamou Ariel, para que lhe contasse como se desencumbira da tarefa de desencadear 
violenta tempestade que navio algum conseguisse enfrentar, por mais bem aparelhado 
que fosse. 
Ariel atendeu imediatamente ao chamado do mestre. Próspero perguntou-lhe: 
— Ouça, espírito. A tempestade foi executada da maneira como ordenei? 
— Nos mínimos detalhes — respondeu Ariel. — Assaltei o navio com raios 
terríveis, trovões assustadores, encapelei gigantescas ondas e levei passageiros e 
tripulação ao desespero. Finalmente, incendiei a embarcação, levando todos a se 
lançarem ao mar. O restante da frota real seguiu viagem, certos os passageiros de que o 
Rei Alonso e seu filho Fernando morreram. 
— E alguém foi firme o bastante para não perder a razão nesse momento? — 
perguntou Próspero. 
— Não, mestre. Todos se desesperaram e, afora os marinheiros, se atiraram ao 
mar bravio, abandonando o navio em chamas. O filho do rei, Fernando, foi o primeiro a 
mergulhar, gritando: "O inferno está vazio e todos os demônios estão aqui". 
Bem se via o quanto Ariel estava orgulhoso de ter cumprido com perfeição as 
ordens de Próspero. 
— E isso se passou perto da praia? Eles estão vivos, Ariel? 
— Bem vivos, mestre. Não perderam um fio de cabelo e suas roupas estão mais 
novas do que antes. Eu os dispersei pela praia, em grupos. O filho do rei está sozinho, 
triste, num recanto deserto da ilha. 
— E o navio com os tripulantes? 
— Está escondido naquela enseada, onde certa vez meu mestre ordenou que eu 
recolhesse o orvalho das Ilhas Bermudas. Eu acrescentei um encantamento ao seu 
cansaço e os homens dormem. 
— Ariel, sua tarefa foi perfeitamente cumprida. Mas ainda existe mais trabalho. 
Que horas são? 
— Já passa de meio-dia. 
— Duas ampulhetas, pelo menos. Temos de aproveitar o tempo que nos resta 
até às seis horas. 
Próspero tinha pressa porque os astros estariam a seu favor por um dia; 
nada^além de um dia para executar seus planos. Daí a pressão sobre Ariel. 
— Mais trabalho, mestre?! Já que ainda me restam outras tarefas, me atrevo a 
lembrar sua promessa que ainda não foi cumprida. 
— O que é isso? — espantou-se Próspero. — O que você quer pedir? 
— Minha liberdade. 
— Antes do tempo? De jeito nenhum. 
— Imploro, mestre, que lembre todos os valiosos serviços que já lhe prestei. O 
senhor prometeu descontar um ano inteiro. 
— Ah! Você já está cansada de percorrer as profundezas do mar, correr no 
vento gelado do norte, trabalhar para mim nas veias da terra calcinadas pelo gelo. Já 
esqueceu, coisa maligna, de que ao chegar a esta ilha encontrei-o chorando desesperado, 
preso numa fenda de pinheiro, sofrendo os tormentos do inferno por ter se recusado a 
cumprir as ordens de Sycorax, a bruxa? 
— Não esqueci, senhor — admitiu Ariel cabisbaixo. 
— Foi minha arte, minha magia que fez com que o pinheiro se abrisse e você 
pudesse sair. 
— E eu agradeço, mestre. Por isso lhe sirvo. 
— Se continuar resmungando, vou abrir um carvalho e encravar você em suas 
entranhas por mais doze anos. 
— Perdão, mestre — pediu Ariel humilde. — Hei de obedecer às suas ordens e 
cumprir sem reclamar minhas tarefas de espírito. 
— Vai, depressa. Quero você invisível a todos os olhares,menos ao meu. 
Quando Ariel partiu, Próspero acordou Miranda, que adormecera depois de 
ouvir a triste história do passado de seu pai. 
Ariel, transformado em ninfa do mar, dirigiu-se ao ponto da ilha onde se 
encontrava o Príncipe Fernando. Cantando uma melodia envolvente, acalmou a tristeza 
do rapaz e fez com que ele seguisse o som até o local onde estavam Próspero e Miranda. 
— Que som mágico será esse? — encantou-se o príncipe. 
— Não parece humano, nem vir da terra. Faz lembrar-me de meu pobre pai, 
afogado durante a tempestade terrível. O som parece flutuar sobre mim. 
Enquanto Fernando seguia o som de Ariel, Próspero mostrava a Miranda o rapaz 
que se encaminhava para eles. 
— Quem será ele, meu pai? — perguntou Miranda tímida. 
— Um espírito como Ariel? Parece desorientado, coitado! Mas como é belo! 
Por artes de Ariel e por ordens de Próspero, as roupas de Fernando estavam 
novas como no dia em que as vestira pela primeira vez. Jovem, bonito e com suas 
luxuosas roupas de príncipe, era uma figura que impressionava Miranda. 
— É gente como nós, minha filha. Come, dorme, seus sentidos são como os 
nossos. É um dos náufragos. Ele perdeu seus companheiros e anda pela ilha sem rumo. 
Se não fosse o sofrimento, seria realmente um belo rapaz. 
— Nunca vi alguém mais lindo —disse Miranda admirada. Próspero pensou 
satisfeito que as coisas se encaminhavam 
bem de acordo com seus planos. Resolveu libertar Ariel dentro de dois dias, tão 
bem o vinha servindo o gênio. 
Fernando parou espantado diante de Miranda supondo encontrar uma miragem 
naquela ilha estranha. 
— Sem dúvida, estou diante da deusa a quem essa melodia mágica se dirige — 
o rapaz se curvou diante dela. — É preciso que me ensine como proceder em seus 
domínios, senhora. Mas o que gostaria mesmo de saber é se o que estou vendo é um ser 
humano, mortal como eu, ou não. 
— Não sou deusa, meu senhor. Sou humana também. 
O rapaz ficou feliz ao perceber que Miranda falava a sua língua. Quando ele, que 
só tinha olhos para a moça, começou a explicar que, se estivesse em Nápoles, seria o rei, 
foi interrompido bruscamente por Próspero: 
— O que diria o rei de Nápoles se o ouvisse falando assim? 
— Infelizmente, sou agora o rei de Nápoles, senhor, pois vi meu pai afogar-se 
durante a tempestade. 
— Que tristeza! — lamentou Miranda, comovida. 
 
 
 
 
— Sim, naufragou junto com outros nobres, inclusive o duque de Milão. 
Próspero não pôde deixar de pensar que o verdadeiro duque de Milão e sua filha 
poderiam desmenti-lo se isso fosse conveniente, mas não valia a pena. Tudo se 
encaminhava segundo seus planos. Os dois jovens pareciam fascinados um pelo outro. 
— Um momento, rapaz — disse Próspero fingindo-se ofendido. — Temo que 
esteja confundindo as coisas. 
— Meu pai, por que está sendo grosseiro assim com o terceiro homem que vejo 
e o único que me encanta? — perguntou Miranda espantada. 
— Eu a farei rainha de Nápoles — disse audacioso o rapaz, que só tinha olhos 
para Miranda —, se seu corpo e seu coração forem virgens. 
Próspero, disposto a atrapalhar o namoro para que a facilidade não desmerecesse 
o prêmio, atalhou com severidade: 
— Alto lá, meu rapaz! Você está usurpando um nome que não lhe pertence e 
chegou a esta ilha como espião para roubá-la de mim, seu dono. 
— Eu lhe asseguro que não — assustou-se Fernando. — Dou minha palavra de 
honra. 
— Pai, nenhum mal poderia vir de alguém tão belo! 
— Minha filha, não fale em defesa de um traidor — Próspero dirigiu-se, então, 
a Fernando: — Venha. Eu acorrentarei seu pescoço, lhe darei a comer mexilhões, raízes 
e cascas de frutos e beberá apenas a água salgada do mar. Venha comigo. 
— Resistirei a semelhante tratamento — retrucou Fernando indignado, puxando 
a espada. 
Só que a mágica de Próspero o paralisou imediatamente e de nada adiantou 
Miranda implorar ao pai que não tratasse o rapaz com tanta dureza. 
— Silêncio — ordenou Próspero —, você pensa que não há no mundo figura 
semelhante porque só viu a ele e a Caliban. Não defenda um impostor, menina tola! 
Fernando, enfraquecido pela magia, desistiu de lutar: 
— A perda de meu pai, a fraqueza que sinto, o naufrágio de meus amigos e as 
ameaças desse homem que não conheço não são nada para mim se eu puder contemplar 
pelo menos uma vez por dia esta donzela que me encanta. Não me importa a liberdade. 
Tenho espaço suficiente nesta prisão. 
— Ânimo, senhor — buscou consolá-lo Miranda. — Meu pai não costuma agir 
e falar dessa maneira. Ele é melhor do que aparenta ser. 
— Não o acorrentarei, se obedecer às minhas ordens. — Próspero continuou 
fingindo severidade. — Me acompanhe. 
 
 
CAPÍTULO V 
Os Velhos Companheiros e seus Acompanhantes 
Em outra parte da ilha, vagavam, tentando se orientar, Alonso, o rei de Nápoles, 
seu velho conselheiro Gonçalo, Sebastião, irmão de Alonso, e Antônio, irmão de 
Próspero. Alguns nobres, membros da comitiva que estava no navio real no momento da 
tempestade, os acompanhavam. 
Vagavam todos por aquela terra desconhecida sem a menor idéia de onde 
estavam e ignorando totalmente que Fernando também se salvara e que a ilha era 
habitada por Próspero, o verdadeiro duque de Milão. Gonçalo era o único que podia se 
sentir minimamente satisfeito, porque seu último desejo, antes de mergulhar no mar 
revolto, fora uma "morte seca". Encontrando-se, de repente, vivo e em terra firme, 
tentava animar os companheiros: 
— Alegre-se, meu rei. Todos nós temos motivos para nos contentar. Nosso 
salvamento vale mais do que nossa perda. Tristezas como essas são comuns. Todos os 
dias, a mulher de algum marinheiro, o dono de algum navio ou o mercador que colocou 
sua carga no mar choram de tristeza com a perda em um naufrágio. Nosso salvamento 
foi um milagre que bem poucos conseguem alcançar. 
Alonso, porém, recusava-se a ser consolado. E, enquanto Gonçalo insistia em 
animar o rei, Antônio e Sebastião uniam-se para ironizar o esforço do velho conselheiro. 
Nem a situação crítica em que se encontravam era capaz de melhorar suas 
personalidades mesquinhas. 
O fato de apenas o primogênito herdar o título de nobreza e as riquezas suscitava 
com freqüência as rivalidades fraternas. 
Daí a facilidade com que Sebastião aceitava participar do jogo de Antônio, 
sabotando as tentativas de Gonçalo de animar o rei. 
— Esta ilha, apesar de deserta, tem o clima ameno — observou Adriano, um 
jovem nobre que os acompanhava, partilhando do esforço de Gonçalo. 
— É verdade — concordou Gonçalo —, tudo aqui é favorável à vida. 
— Só faltam recursos para viver — contrariou Antônio. 
— Como a grama é forte e exuberante! — Gonçalo comentou. — Como é 
verde! 
— O chão me parece meio pardo — discordou Antônio. 
— É quase inacreditável — continuou Gonçalo, ignorando o empenho deles em 
contrariá-lo — como nossas roupas, encharcadas como foram pela água do mar, 
continuam tão novas como no dia em que as vestimos pela primeira vez, na África, no 
casamento da filha do Rei Alonso. 
— Foi um belo casamento. E o nosso retorno, então, foi melhor ainda — 
comentou Sebastião com sarcasmo. 
— Chega! — disse Alonso, dirigindo-se irado a Gonçalo. — Suas palavras 
ferem meus ouvidos. Antes não tivesse casado minha filha em Túnis, pois ao regressar 
perdi meu filho e também a ela, que se encontra tão longe da Itália. Meu herdeiro de 
Nápoles e de Milão, que estranho peixe o terá devorado? 
— Senhor, ele pode estar vivo. Eu vi quando o Príncipe Fernando se atirou ao 
mar. Ele nadava em direção à praia a última vez que o avistei — tentou ponderar 
Adriano. 
— Não — desesperou-se o rei —, ele se foi. 
— E tudo porque meu irmão resolveu casar a filha com um africano em vez de 
casá-la com um príncipe europeu — atiçou Sebastião. — A culpa é toda sua. 
— Deixe-me em paz,Sebastião, por favor. 
— Até sua filha hesitou entre a rebeldia e a obediência. Nós perdemos Fernando 
e, quando chegarmos a Nápoles e Milão, não existirão homens para consolar todas as 
viúvas desta aventura. A culpa é toda de meu irmão. 
— Senhor Sebastião — ponderou o velho Gonçalo —, esta verdade que o 
senhor fala, além de indeliçada, é dita no momento errado. Piora a ferida em vez de 
curá-la. 
A intervenção de Gonçalo serviu para conter um pouco os ataques diretos que 
Sebastião resolvera desferir contra Alonso. O rei nada poderia fazer para defender-se 
naquele instante. Sentia-se arrasado e culpado por ter perdido o filho e por estar ali, 
numa ilha desconhecida, com um punhado de nobres, sem navio, sem castelos, sem 
poder. Entretanto, nada impedia que Sebastião dissesse ao rei o que a própria 
consciência real já dissera. Em outras circunstâncias, talvez Sebastião não se 
expressasse dessa maneira. Mas ali o irmão nada poderia fazer contra ele. Resolvera 
suspender por ora seus ataques verbais a Alonso por causa da interferência de Gonçalo, 
mas manteve junto com Antônio a ironia, porque a certas pessoas nem a adversidade 
consegue conter o prazer de perturbar as outras ao seu redor. 
— Se eu fosse rei desta ilha — divagou Gonçalo tentando estabelecer uma 
conversa amena —, faria as coisas todas ao contrário. Não permitiria comércio, nem 
juizes. Ninguém saberia ler ou escrever. Nada de ricos, pobres ou servos. Não permitiria 
contratos, heranças, terras demarcadas, lavouras. Ninguém trabalharia. Todos os 
homens seriam desocupados. E as mulheres também, mas inocentes e puras. Não 
existiria governo. 
— E mesmo assim ele seria o rei — falou Sebastião para Antônio. 
— Todas as coisas dadas pela natureza seriam partilhadas, sem suor ou esforço. 
Não existiria traição, nem crimes, nem armas. Não seriam necessários os instrumentos 
de guerra. A natureza, por si só, alimentaria meu povo inocente, com abundância. 
— E os súditos não se casariam? — perguntou malicioso Sebastião. 
— Não, todos seriam vadios, prostitutas e malandros — respondeu Antônio. 
— Eu faria um governo perfeito, meu rei — disse Gonçalo para Alonso, 
ignorando os dois. 
— Viva o Rei Gonçalo — gritaram Antônio e Sebastião, zombeteiros. 
— Chega, Gonçalo — pediu Alonso, impaciente —, seu discurso não me diz 
nada. 
— Acredito, senhor — respondeu humilde Gonçalo. — Eu estava apenas 
procurando ocupar esses nobres senhores que costumam rir à toa. 
— Nós estávamos rindo de você — disse Antônio. Gonçalo não lhes deu muita 
atenção. Homem inteligente, 
sabia que, sendo os dois da espécie de gente que se diverte com a irritação 
alheia, qualquer demonstração de suscetibilidade de sua parte só faria alegrá-los. 
Cansado, recostou-se para dormir em um trecho de grama sombreado por uma árvore 
desconhecida, mas cujas flores perfumavam o ar de tal forma que o cheiro doce e a 
sombra refrescante eram tudo o que o velho conselheiro do rei queria para descansar dos 
movimentados acontecimentos e da difícil companhia. Um a um, os outros nobres foram 
seguindo-lhe o exemplo, sendo Alonso o último a se dar o direito ao sono, que, se não 
resolve os problemas, pelo menos os interrompe por alguns momentos, dando à alma 
chance de recuperação. Sebastião e Antônio encarregaram-se de velar pela segurança 
real, enquanto Ariel, invisível, os observava. 
Vendo que os outros dormiam, Antônio e Sebastião conversaram mais 
livremente: 
— Gonçalo, além de velho, está ficando tolo. Como pode Fernando ter-se 
salvado de uma tempestade violenta como a que nos atingiu? A ocasião o chama, 
Sebastião. Minha imaginação vê uma coroa sobre sua cabeça. 
— O quê, você está acordado? Que estranho sonho é este? 
— Estou mais sério do que é o meu costume. Você deve seguir meu exemplo e 
assim será mais poderoso. 
— Ora, Antônio, eu sou água parada. Minha preguiça é hereditária. 
— Se você soubesse o quanto essa idéia fala aos seus interesses, enquanto você 
não a leva a sério. Às vezes, o medo e a preguiça põem a perder os homens fracos. 
— Fale claro, Antônio — impacientou-se Sebastião. 
— Esteja atento, Sebastião, porque com o príncipe morto e Alonso arrasado 
pela dor você está muito próximo do trono de Nápoles. 
— Meu caro Antônio, o rei ainda está vivo e você se esquece de minha 
sobrinha, a cujo casamento assistimos antes do naufrágio — falou Sebastião disfarçando 
sua cobiça. 
— Sua sobrinha não pode governar Nápoles estando tão longe, em Túnis. 
Sebastião ouvia Antônio meio fascinado, meio escandalizado, ou pelo menos 
achando que ficar escandalizado era sua obrigação, como irmão de Alonso. De natureza 
preguiçosa, como ele próprio admitia, a capacidade de o outro, algumas horas depois do 
naufrágio, já estar conspirando parecia-lhe extraordinária. 
— Lembro-me agora que você destronou Próspero, seu irmão — constatou 
pensativo. 
— É verdade. E veja como as roupas de duque me ficam bem. Os que junto 
comigo serviam a Próspero hoje são meus criados. 
— Não lhe dói a consciência? — Sebastião perguntou curioso. 
— Consciência? Meu coração não conhece tal deusa — zombou Antônio. — 
Agora mesmo, seu irmão está dormindo, parece morto. Com minha espada obediente eu 
o faria dormir para sempre. E se Gonçalo, sempre prudente, fosse por você eliminado, 
ninguém se atreveria a contestar que Sebastião deveria reinar sobre Nápoles. 
Ariel, invisível, a tudo assistia, enviado que fora por Próspero. 
— Seu caso, querido amigo, será meu precedente — decidiu-se Sebastião. — 
Assim como você ganhou Milão, ganharei Nápoles. Desembainhe a espada. Um golpe e 
estará livre do tributo que Milão paga a Nápoles, porque eu, o rei, serei sempre seu 
amigo. 
— Atacaremos juntos. Quando eu levantar minha mão, você faz o mesmo e 
liquida Gonçalo. 
O acordo feito entre os dois beneficiava Antônio, que se fortaleceria como 
aliado de Sebastião, e poupava este de qualquer remorso maior no futuro, já que não 
mataria pessoalmente o irmão, mas apenas eliminaria Gonçalo, por quem, aliás, não 
nutria simpatia alguma. Convencido Sebastião da oportunidade de usurpar o trono do 
irmão, prepararam-se os dois para acabar com o rei e seu conselheiro. Não podiam, no 
entanto, prever o despertar de Alonso e de Gonçalo, por artes de Ariel, no momento em 
que desembainhavam as espadas. Surpreendidos, evitaram suspeitas alegando terem 
ouvido ruído de feras a rondar por ali. 
 
 
 
 
CAPÍTULO VI 
Caliban Também Conspira 
Alheio a tudo o que acontecia, Caliban cuidava de suas odiadas tarefas, apartado 
de Próspero e Miranda por sua revolta e submetido a Ariel e aos espíritos que o mago 
comandava. 
Ignorando o que se passava na ilha que um dia fora apenas sua, Caliban 
carregava lenha e resmungava contra seu amo: 
— Que todas as doenças que o sol aspira dos pântanos e do lodo caiam sobre 
Próspero e que ele fique coberto de feridas. Os espíritos dele me escutam, mas não 
posso deixar de amaldiçoá-lo. Eles não vão me beliscar, me assustar como 
assombrações no escuro, me enterrar na lama, a menos que Próspero ordene. Eles 
gostam de me atormentar à toa, se transformando num macaco que me morde ou num 
porco-espinho que me espeta o pé descalço... 
Na ilha, naquele mesmo dia, duas tramas se desenrolavam: próximo à caverna de 
Próspero, nascia o amor entre Fernando e Miranda; em outro ponto, os nobres que 
acompanhavam o rei tinham a oportunidade de mostrar suas verdadeiras naturezas, 
porque estavam desprovidos de qualquer dos elementos cotidianos que faziam da vida 
na corte de Nápoles um espetáculo socialmente adequado. Apenas Próspero e Ariel 
conheciam os enredos, um porque contava com seu conhecimento da natureza humana e 
da magia para manipular as ambições e desejos de cada um dos náufragos a fim de 
realizar seus planos, e o outro porque espionava para o duquedestronado, invisível, 
certo de que em poucas horas conquistaria sua liberdade. Próspero não se preocupava 
com Caliban, uma vez que não desempenhava qualquer papel em seus planos. 
Enquanto Caliban se lamentava, raivoso, de sua má sorte, aproximou-se 
Trínculo, um tripulante perdido do navio real que, acreditando ser o único sobrevivente 
do naufrágio, vagueava explorando a ilha. 
— Aí vem outro maldito espírito mandado por Próspero para me atormentar — 
disse Caliban ao avistá-lo. — Vou me deitar no chão. Pode ser que ele não repare em 
mim. 
— Aqui não existe árvore ou moita em que eu possa me abrigar e já escuto 
trovões anunciando outra tempestade. — Trínculo, preocupado, percebeu Caliban 
deitado no chão. — O que temos aqui? Um homem ou um peixe? Estará vivo ou morto? 
Um estranho peixe! Se eu estivesse na Inglaterra agora, iria ganhar muito dinheiro, 
mostrando este peixe na feira. Lá, quem tiver um monstro desses fica rico. Eles não dão 
um tostão para um mendigo, mas dão dez para ver um índio morto. — Examinou 
Caliban com atenção. — Estranho! Ele tem pernas como gente e suas barbatanas 
parecem braços. Começo a mudar de opinião: não é um peixe, é um habitante da ilha, 
fulminado por um raio, talvez. 
Nesse instante, um barulho de trovões assustou Trínculo que, não enxergando 
opção melhor por ali, se abrigou embaixo de Caliban. O filho de Sycorax permaneceu 
quieto, sem entender o que estava acontecendo e sem saber quem era aquele ser, na 
aparência semelhante a Próspero, mas que se expressava de forma tão estranha. Para 
aumentar a confusão, outro tripulante desgarrado do navio real apareceu trocando as 
pernas e cantando numa voz esganiçada de bêbado. Era Estéfano, copeiro do rei, que se 
lançara ao mar com um barril de vinho, no momento do naufrágio. Ao chegar em terra 
firme, viu-se sozinho, com o temor comum aos marinheiros de aportar em uma ilha 
desconhecida e lá permanecer isolado para todo o sempre. Só lhe restara a opção de 
fazer uma garrafa de casca de árvore e se embebedar. Bêbado, ao avistar dois homens 
embolados no chão e um deles, o mais estranho, resmungando como se estivesse no 
meio de um pesadelo, acreditou estar diante de um monstro de quatro pernas. 
— Não me atormente — implorou Caliban ao ver mais um estranho à sua volta. 
— É um monstro da ilha! E tem quatro pernas a criatura! Com que diabo ele 
aprendeu minha língua? Só por isso vou ajudá-lo. Se eu conseguir domesticá-lo e levá-
lo para Nápoles comigo, será um presente digno de qualquer imperador. 
— Me deixe em paz, por favor. Vou levar a lenha rápido para casa. 
— Ele não fala coisa com coisa, deve estar delirando. Vou lhe dar um gole de 
minha garrafa. Se ele nunca bebeu vinho, é capaz de ficar curado. Se eu puder curá-lo e 
domesticá-lo, vou conseguir um bom dinheiro vendendo-o. — Deu um gole a Caliban 
com a solicitude que, às vezes, têm os muito embriagados. — Isto vai acabar com sua 
tremedeira e lhe ensinar a reconhecer um amigo. 
A essa altura dos acontecimentos, Trínculo, escondido debaixo de Caliban, 
começou a acreditar em demônios porque reconheceu a voz de Estéfano, que acreditava 
afogado: — Eu conheço essa voz; deve ser do... mas ele se afogou, e os afogados são do 
diabo. Socorro, socorro! 
Estéfano, ao ouvir a voz de Trínculo, ficou mais alegre ainda: 
— Que beleza de monstro! Quatro pernas e duas vozes! Deixe eu dar de beber à 
outra boca. Vou curá-lo, nem que me custe todo o vinho, e ficar rico.. 
— Estéfano! — Trínculo gritou, reconhecendo o companheiro. 
— A outra boca me chamou! Valha-me Deus! Não é um monstro, é um 
demônio! Vou-me embora, já, já! 
— Estéfano, sou seu amigo, Trínculo! 
— Se você é Trínculo, saia já daí! Vou puxar as pernas mais curtas que vejo. — 
Estéfano, tropeçando, conseguiu arrastar o amigo de baixo de Caliban. — Mas não é 
que é Trínculo, mesmo? Como foi que você conseguiu virar bosta de monstro? 
— Pensei que um raio tivesse fulminado você, Estéfano. Espero não estar 
falando com um afogado. — Trínculo andou ao redor do amigo certificando-se de que 
não era um fantasma. — E a tempestade já passou? De medo dela me escondi debaixo 
do monstro. Oh! Estéfano, dois napolitanos se salvaram! 
— Pare de me rodear, Trínculo! Meu estômago está embrulhado — pediu 
Estéfano, tonto com a bebida e a surpresa. 
Os dois, felizes, confraternizaram-se com a garrafa de vinho contando como 
chegaram à ilha. Naquele momento, o futuro lhes parecia risonho. Tinham um ao outro, 
um barril de vinho escondido num rochedo perto da praia e aquele monstro que os 
olhava aparvalhado e que Estéfano pensava vender por um bom dinheiro quando 
voltassem a Nápoles. Como voltariam não era preocupação naquela hora. Quem era 
realmente Caliban também não lhes interessava. Para o povo simples, no seio do qual 
eram recrutados os marinheiros, qualquer ser de outra cultura que não a européia era, no 
mínimo, exótico, misterioso, alguém a ser temido ou explorado. 
Para Caliban, aqueles dois se assemelhavam a deuses, principalmente o que 
tinha lhe dado o líquido desconhecido e saboroso que ele acreditava ser uma poção 
mágica. Dirigiu-se respeitoso a Estéfano: 
— Juro por essa garrafa mágica, que deve ter caído do céu com vocês, que serei 
um súdito fiel e obedecerei a todas as suas ordens. 
— Não caí do céu, monstrinho — disse Estéfano, divertido —, eu vim 
diretamente da lua. 
— Não foi do céu? — perguntou Caliban espantado. 
— Não, foi da lua, garanto. — Passou a garrafa de novo para Caliban beber o 
vinho. — Isto. Beba desta garrafa santa que logo vou enchê-la de novo. 
— Pela luz divina, que monstro idiota! — impacientou-se Trínculo. — E eu 
estava com medo dele. 
— Vou mostrar a vocês cada pedaço fértil da ilha — prometeu Caliban 
entusiasmado. — Vocês serão meus deuses. 
— Que monstro mais fingido e bêbado. Aposto que assim que dormirmos vai 
nos roubar a garrafa — desconfiou Estéfano. 
— Não, eu juro! Serei um súdito fiel — insistiu Caliban. 
— O pobre monstro está bêbado, Estéfano. — Trínculo riu. — Que ser mais 
abominável! 
— Vou mostrar-lhe as melhores nascentes, trarei sempre lenha, peixes e frutas. 
— Caliban agora dirigia-se apenas a Estéfano. — Partilharei todos os segredos da ilha 
com você, a partir de hoje o meu único deus. Que a peste destrua o tirano a quem 
sempre servi. 
— Que monstro mais ridículo — zombou Trínculo. — Acreditar que um 
bêbado qualquer é um deus. 
— Deixe de bobagem, Trínculo — falou sério de repente Estéfano. — Agora 
que o rei e toda a tripulação morreram afogados, tudo isto aqui será nosso. Chega de 
conversa, monstro. Mostre-nos logo o lugar. 
Caliban levou os dois para conhecer a ilha, cantando feliz e embriagado, 
acreditando ser este seu primeiro dia de liberdade; não precisaria mais se matar de 
trabalhar para cortar lenha, pescar e lavar pratos para Próspero e Miranda. Seu novo 
amo parecia-lhe muito mais simpático. 
 
 
CAPÍTULO VII 
O Príncipe Vira Servo 
Em frente à gruta que servia de palácio a Próspero e Miranda, o Príncipe 
Fernando carregava às costas feixes de lenha. As ordens do duque destronado haviam 
sido muito claras: ele deveria abastecer a caverna com mil feixes de madeira, antes do 
pôr-do-sol, independentemente da necessidade daquela tarefa tão desmedida. 
Quanto mais Fernando se esforçava para cumprir o que Próspero impusera, não 
apenas uma ordem e sim um áspero castigo, mais Miranda se apiedava dele e buscava 
consolá-lo em todos os momentos em que o pai não estava por perto. Pelo menos ela 
acreditava que Próspero não se encontrava por ali quando tentava animar o príncipe a 
suportar a dura prova. Entretanto, com sua magia, Próspero podia se esconder 
facilmente ou encarregar Anel de espioná-los para ter certeza de que os dois jovens, 
naturalmente atraídos um pelo outro, se aproximavam cada vez maispor verem seu 
amor contrariado pela inexplicável antipatia que o ex-duque parecia nutrir contra o 
jovem herdeiro de Nápoles. Miranda chorava de pena pelo sacrifício imposto a 
Fernando e este sentia que o peso da lenha se tornava leve por causa da atenção e da 
delicadeza da moça. 
Fernando acabava de empilhar um monte de feixes de lenha na entrada da gruta 
quando chegou Miranda, seguida de perto por Próspero, que se manteve escondido para 
não ser visto pelos jovens. 
— Não trabalhe tanto, meu amigo. Assim o cansaço vai acabar por derrotá-lo — 
disse Miranda, compadecida do esforço do jovem. — Eu gostaria que um raio 
incendiasse a madeira que você empilha! Descanse um pouco, eu juntarei a lenha em 
seu lugar. 
— De jeito nenhum. Eu não permitiria que uma moça tão bela estragasse suas 
mãos em tarefa rude como esta. Seu pai foi bem claro: antes do pôr-do-sol, meu 
trabalho deverá estar pronto. 
— Meu pai está envolvido com seus livros. Não virá aqui tão cedo. Eu o 
substituirei de boa vontade nesse serviço. 
— Não, minha amada. Diga apenas o seu nome para que eu possa murmurá-lo 
em minhas preces. 
— Miranda — respondeu a moça para logo em seguida se arrepender. — Oh, 
meu Deus, dizendo meu nome, desobedeci às ordens de meu pai! 
— Admirável Miranda. Muitas vezes me encantei por outras mulheres, mas 
sempre a sombra de um defeito desfazia o encantamento. Mas você é rara e perfeita. É 
como se fosse feita com o que existe de melhor em cada criatura. 
— Não conheço outra mulher. Não me recordo de outra face feminina, além da 
minha refletida no espelho. De homens, só conheço meu pai, nosso horrível servo, 
Caliban, e agora você, meu amigo. Mas juro que não desejo outra companhia que não 
seja a sua. Infelizmente estou mais uma vez desobedecendo às palavras de meu pai. 
— Sou um príncipe, Miranda, e talvez, infelizmente, seja um rei, se meu pobre 
pai estiver repousando no fundo do mar, e lhe dou minha palavra de que, rei, escravo ou 
lenhador, tudo o que quero é amá-la, desde o momento em que a vi pela primeira vez. 
— Então você me ama? 
— Mais do que tudo. Eu a adoro. 
— Pois serei sua mulher, se assim quiser. Se não, morrerei sua serva, queira ou 
não. 
— Miranda, Miranda. — Fernando se aproximou apaixonado. — Você será 
minha rainha e eu serei seu escravo. 
— Meu esposo, então? 
— Sim, aqui tem minha mão. 
— E aqui a minha. E agora nos separaremos, por instantes. 
— Pelo tempo que for necessário, minha amada. — Fernando apertou à mão de 
Miranda, carinhoso. — Até o momento em que estaremos juntos sempre. 
Miranda entrou na gruta e Fernando retornou a seu trabalho, ambos felizes e, ao 
mesmo tempo, temerosos em relação ao futuro. Tudo era incerto, com exceção do amor 
que haviam declarado um ao outro. Esse sentimento, que fazia Fernando esquecer do 
mundo — pais, pátria, perigos — e que dava a Miranda coragem para desobedecer a 
Próspero, seu pai e único amigo e companheiro até então, dava aos dois a sensação de 
tudo poder, de tudo sonhar. Mas, ao mesmo tempo, eles não sabiam como resolver a 
aversão de Próspero pelo Príncipe Fernando, nem ao menos como enfrentá-la. 
Próspero, este sim capaz de ver o futuro, assistira àquela cena de amor com o 
coração pleno de alegria. Acreditava que, se outro fosse o seu comportamento que não o 
de contrariar o sentimento dos jovens, talvez a atração entre eles não tivesse se 
manifestado tão forte e rapidamente. Enquanto Fernando se esforçava para cumprir sua 
prova e Miranda sonhava dentro da gruta com o recém-descoberto amor, Próspero podia 
voltar aos seus livros, e a trama desencadeada pela tempestade podia seguir seu curso. 
 
 
 
 
 
 
CAPÍTULO VIII 
A Descoberta de Ariel 
Caliban, Trínculo e Estéfano continuavam a beber o vinho que restava no barril 
salvo do naufrágio. Para Caliban, o vinho era uma novidade fantástica e dava-lhe ânimo 
para sonhar com o momento em que o bêbado Estéfano o libertaria de Próspero. 
Trínculo, no entanto, não lhe parecia confiável. Era compreensível. Um não acreditava 
no outro. O marinheiro, apesar de embriagado, também não podia aceitar que alguém 
tão repulsivo quanto Caliban pudesse entregar um reino de riquezas nas mãos dele e de 
Estéfano. 
Além da feiúra, o deslumbre de Caliban com o vinho e com Estéfano fazia 
Trínculo pensar que o nativo era um imbecil completo, um doido perdido numa ilha 
estranha, de onde eles sequer sabiam como sair. Para Caliban, Trínculo era apenas um 
covarde, e certamente não existia poder divino naquele marinheiro que duvidava de suas 
palavras. Estéfano tentava, mesmo embriagado como estava, conter Trínculo e descobrir 
como tirar vantagem da adoração de Caliban. Essa disputa ocorria quando chegou, perto 
do rochedo onde os três bebiam, o gênio Ariel, invisível como sempre. 
— Como já disse — tentava explicar novamente Caliban a Estéfano —, eu sou 
escravo de um tirano, um feiticeiro que com sua magia me tomou a ilha. 
— É mentira dele — disse Ariel imitando Trínculo. 
— Eu não minto — gritou Caliban furioso para Trínculo. 
— Trínculo, se você criar problemas de novo com o meu monstrinho, vou lhe 
dar um pescoção — ameaçou Estéfano. 
— Mas eu estou quieto — protestou Trínculo. 
— Seu amigo é um covarde — disse Caliban para Esté-fano. — Você, que tem 
coragem, poderá ser o senhor da ilha e eu seu criado. 
— E como encontrar esse homem? 
— Posso levá-lo até ele. É só aproveitar o momento em que estiver dormindo e 
enfiar um prego na cabeça dele. 
— É mentira. Vocês não podem fazer isso — novamente Ariel imitou Trínculo. 
Estéfano perdeu a paciência e bateu em Trínculo, que protestou: 
— Você ficou louco? Maldita garrafa! Tudo isso é coisa de bêbado. Que a peste 
carregue esse monstro e o diabo coma seus dedos, Estéfano! 
Caliban achou graça da briga deles até Estéfano mandá-lo continuar. 
— Como eu dizia — Caliban continuou seu plano —, ele dorme de tarde, o 
tirano. Você pode arrebentar a cabeça dele, mas deve tomar-lhe os livros primeiro. Pode 
enfiar uma estaca na barriga dele também, ou cortar seu pescoço com uma faca. Mas 
não esqueça de pegar os livros antes, porque sem os livros ele é um idiota como eu. Sem 
os livros ele não comanda os espíritos e todos o odeiam como eu o odeio. Destrua seus 
livros, mas deixe as outras coisas que ele tem. Servirão para enfeitar sua casa mais tarde 
como hoje servem para fazer da gruta do feiticeiro um palácio. Ele tem também uma 
linda filha. Muitas vezes mais bonita do que minha mãe, Sycorax. 
— É assim tão bonita? — perguntou Estéfano cobiçoso. 
— Ela é digna de partilhar sua cama e lhe dará esplêndidos filhos — garantiu 
Caliban. 
— Monstro, eu vou matar esse homem — decidiu Estéfano. — Sua filha e eu 
seremos rei e rainha desta ilha. Farei de você e de Trínculo vice-reis. Que tal a idéia, 
Trínculo? 
— Excelente — resmungou o outro irônico. 
— Vamos, não fique zangado e trate de dominar sua língua. Daqui a pouco irei 
matar esse feiticeiro. 
Caliban e Estéfano puseram-se a cantar bêbados e felizes com seus planos, e 
Ariel, que a tudo assistira e que já decidira contar a Próspero sobre a conspiração, tocou 
uma melodia em sua flauta, assustando Estéfano: 
— Que é isso? 
— Algum fantasma tocando nossa música — respondeu Trínculo. 
— Não tenham medo — tranqüilizou Caliban. — A ilha é cheia de sons, 
melodias suaves, que encantam e não fazem mal. Às vezes, mil instrumentos ressoam 
em meus ouvidos. Outras vezes, vozes de duendes me fazem dormir de novo mesmo 
que tenha acabado de acordar. E aí eu sonho como se as nuvens se abrissem e o céu 
descesse sobre mim. 
— Este reino é feito na medida para mim — comemorou Estéfano. — Aqui 
terei música de graça. 
— Quando Próspero for destruído. 
— Já cuidaremos disso. Vamos seguir o som. Depois faremos nosso serviço — 
disse Trínculo.— Siga na frente, monstro — ordenou Estéfano. — Gostaria de ver esse tocador 
de flauta. Ele é muito bom. 
Caliban, Estéfano e Trínculo seguiram o som da flauta de Ariel. 
 
 
 
CAPÍTULO IX 
O Banquete dos Culpados 
A ilha encantada era uma espécie de labirinto para os náufragos. Os nobres, 
entre os quais o Rei Alonso, andavam e andavam por trilhas tortuosas sem encontrar 
ninguém ou chegar a algum lugar. O que eles buscavam não sabiam ao certo. O Príncipe 
Fernando, de preferência vivo. Pelo menos, essa era a esperança que animava seu pai, o 
velho Gonçalo e um ou outro fidalgo que os acompanhava. Antônio, a quem, apesar da 
situação incerta, a cobiça não abandonara, via uma oportunidade de aperfeiçoar a 
perfídia que empreendera anos antes: destronara o irmão e agora pretendia ajudar o 
irmão do rei de Nápoles a destroná-lo. Sebastião, que até então assumira sua indolência, 
despertara para a idéia de sair das sombras e reinar, mesmo sem ter idéia de como 
deixar aquela ilha estranha. Os dois conspira-dores procuravam a oportunidade de 
concretizar sua traição e meios de voltar a Nápoles. 
Não poderiam imaginar que faziam parte de um enredo montado por Próspero, o 
duque usurpado, e que o navio real encontrava-se inteiro e escondido por Ariel, com a 
tripulação a salvo, dormindo e sonhando com portos seguros. Nem poderiam supor que 
o Príncipe Fernando estava trabalhando como servo de Próspero e era noivo secreto da 
linda jovem que um dia, bem criança ainda, fora levada com o pai para morrer no mar, 
em noite de tempestade como a que os trouxera ali. Apenas Estéfano e Trínculo eram 
peças inesperadas no xadrez mágico que Próspero, invisível, jogava com seus 
opositores. 
Cansados, o grupo de nobres parou. Alonso começava a admitir, enfim, que 
Fernando se afogara. Antônio e Sebastião aproveitaram o descanso para conspirar em 
voz baixa: 
— Ainda bem que ele perdeu a esperança—disse Antônio. — Espero que você 
não tenha desistido no primeiro fracasso. 
— Aproveitaremos a próxima oportunidade — assegurou Sebastião. 
— Esta noite — propôs Antônio. — Eles ficarão cansados com as idas e vindas 
em busca não se sabe de quê. Estarão menos vigilantes. 
— Esta noite — concordou Sebastião. — Agora chega. 
Subitamente, soou uma música estranha e solene. Próspero, invisível, 
aproximou-se e assistiu ao espanto de todos. O rei foi o primeiro a comentar: 
— Que melodia é essa? Escutem, meus amigos. 
— Maravilhosa e doce música — comentou Gonçalo. 
Figuras estranhas aproximaram-se, dançando e saudando os nobres, e 
começaram a montar uma grande mesa de banquete com as iguarias mais finas, 
convidando-os para comer. Da mesma maneira misteriosa como surgiram, elas 
desapareceram. 
— Céus! — exclamou o rei. — Quem seriam eles? 
— Marionetes vivas! — arriscou Sebastião assustado. — Agora vou acreditar 
que existem unicórnios, que existe na Arábia um pássaro chamado Fênix e que esse 
pássaro reina por lá. 
— Eu acredito em ambos —jurou Antônio. — O que mais disserem de incrível 
eu confirmo. Os viajantes nunca mentiram, apesar de os tolos afirmarem o contrário. 
— Se eu contasse isso em Nápoles, quem acreditaria em mim? — perguntou 
Gonçalo. — Se eu dissesse que vi esses seres, que devem ser habitantes da ilha, meio 
monstruosos apesar de mais gentis do que muitos de nossos semelhantes, ninguém em 
Nápoles me acreditaria. 
Ouvindo Gonçalo, ocorreu a Próspero que, com certeza, os espíritos que 
comandava eram, pelo menos, melhores do que Antônio e Sebastião. 
— Desapareceram estranhamente — comentou Adriano preocupado. 
— Não importa — disse Sebastião. — Deixaram comida para trás e eu estou 
com fome. Vocês me acompanham? 
— Eu não — recusou o rei. 
— Não tenha medo, senhor. Quando nós éramos crianças, quem acreditaria que 
nas montanhas existia gente com papadas penduradas no pescoço, como os touros?—
perguntou Gonçalo. — Ou que havia homens pequenos a ponto de terem a cabeça no 
peito? E hoje qualquer um que viaje nos traz notícias dessas coisas. 
— Você tem razão, Gonçalo — assentiu Alonso. — Vou comer, mesmo que 
seja pela última vez. Não importa. O melhor de minha vida já passou. 
Enganou-se Alonso. Ele não comeria do magnífico banquete porque nesse 
instante, entre relâmpagos e trovões, surgiu Ariel, em forma de harpia e, batendo as asas 
sobre a mesa, fez desaparecer o banquete. 
Nada poderia assustar mais os nobres. As harpias eram mitológicos monstros 
alados que poluíam tudo aquilo que se colocasse à mesa. Contavam as lendas que elas 
quase mataram de fome o Rei Fineu, da Trácia, que acabou sendo salvo pelos 
argonautas. Ver de perto um monstro que se imaginava criação de poetas de mais de 
dois mil anos atrás foi o suficiente para abalar aqueles homens. 
— Vocês são três criminosos — disse Ariel transfigurado em harpia, fazendo 
com que os nobres inutilmente desembainhassem as espadas e tentassem atingi-lo. — O 
Destino que controla os instrumentos desse mundo mentiroso fez com que o mar 
insaciável os lançasse nesta ilha porque vocês não merecem viver entre os homens. Eu 
os fiz enlouquecer e vocês não podem me ferir porque sou invulnerável. Mas posso 
lembrar-lhes do passado, quando deixaram Próspero e sua criança inocente entregues ao 
mar que agora os desgraçou. Por causa disso, as forças do Destino ergueram contra 
vocês os mares, os ventos e todas as criaturas. A Alonso tiraram o filho, e através de 
mim anunciam sua perdição. Nesta ilha desolada, nada os fará escapar ao sofrimento. — 
Dizendo isso, a harpia desapareceu em meio a trovões, deixando os nobres estarrecidos. 
Próspero, sempre invisível, parabenizou Ariel: 
— Você desempenhou esplendidamente seu papel, Ariel. Os outros espíritos 
também. Meus encantamentos surtiram efeito, meus inimigos estão dementes por causa 
do medo e em meu poder. Vamos visitar, agora, Fernando, a quem imaginam afogado, e 
minha filha. 
Próspero rumou com Ariel para a gruta e deixou seus inimigos entregues à 
loucura. 
— É monstruoso — disse Alonso. — É como se as ondas e o vento falassem de 
meu crime e pronunciassem o nome de Próspero, denunciando minha trapaça. Por causa 
disso meu filho dorme no seio do mar. Hei de buscá-lo até as profundezas para deitar-
me junto dele. 
Alonso afastou-se transtornado, deixando Antônio e Sebastião bravateando para 
esconder o medo. Dispunham-se a procurar os demônios que os atormentavam e 
derrotá-los um a um. 
Gonçalo, que a tudo assistira sem interferir, comentou com os outros nobres: 
— Todos os três estão desesperados. A culpa os persegue como um veneno que 
fizesse efeito muito tempo depois de ingerido. Vou atrás deles para impedir que 
cometam alguma loucura. 
Os outros nobres acompanharam Gonçalo, sem entender bem o que se passava, 
pois o discurso vingativo de Ariel transformado em harpia só foi ouvido por aqueles que 
dentro de seus corações sabiam que o passado sojnbrio mais cedo ou mais tarde 
ressurgiria e cobraria o preço da traição. 
 
 
CAPÍTULO X 
Felicidade Inesperada 
A caminho da gruta, Ariel, esvoaçando ao redor de Próspero, falou-lhe sobre as 
façanhas de Caliban. Conhecendo o duque como conhecia, todo cuidado era pouco. Não 
queria correr o risco de ver confundido o portador com as más notícias: 
— Mestre, acho que nem tudo está correndo bem... 
— Qual, Ariel! Meus planos estão sendo magnificamente bem executados. 
Tudo está saindo a contento. Nenhuma falha. 
— O mestre não previu a possibilidade de Caliban... 
— Caliban! — Próspero interrompeu brusco o gênio, que teve de dar uma 
cambalhota no ar para não se chocar com o amo. — O filhote de feiticeira não conta. 
Ele está lá em seu chiqueiro na rocha, cuidando de seus afazeres. 
— Este é o problema, mestre. Caliban não está em seu lugar e também não está 
sozinho. Ele se envolveu numa conspiração para matá-lo.— Matar-me?! — Próspero espantou-se. — Como isso aconteceu? Os nobres 
estão juntos, nós acabamos de deixá-los! Antônio não se separou deles em momento 
algum. Quem poderia querer matar-me? 
— Caliban, mestre — explicou o espírito com suavidade. — Caliban o odeia. 
Ele encontrou, ou melhor, ele foi encontrado por dois tripulantes do navio real. Um 
deles embriagou Caliban, que está convencido de que o bêbado napolitano é um deus 
que veio libertá-lo da magia de Próspero. 
Pronto. Estava dito. Ariel cumprira seu dever de lealdade ao duque e podia sentir 
a fúria que se avolumava dentro dele em resposta à rebeldia de Caliban. 
— De onde menos se espera vem a traição — disse Próspero, enraivecido. — 
Deixe. Não me conte mais. Nada disso teria acontecido se todos os tripulantes 
estivessem dormindo no navio como eu planejei desde o início. 
— Mestre, mesmo os deuses são surpreendidos, às vezes, por pequenos 
imprevistos. Como poderíamos imaginar que dois insignificantes tripulantes se 
desgarrariam e viriam parar na ilha, ainda mais com vinho? 
— Agora não tenho condições de avaliar esta falha, Ariel — confessou 
Próspero cansado. — Vou cumprir mais uma etapa de meus planos e depois 
conversaremos sobre Caliban e seus cúmplices. 
O final da tarde se aproximava quando os dois chegaram ao lugar onde Fernando 
e Miranda conversavam embevecidos com o sentimento recém-descoberto em seus 
corações. Miranda assustou-se ao ver chegar o pai, mas a fisionomia serena dele 
acalmou um pouco suas preocupações. Próspero chamou os dois jovens para dentro da 
gruta, pediu que se sentassem e dirigiu-se ao príncipe: 
— Eu o fiz passar por tantos tormentos, impondo uma tarefa que sabia acima de 
suas forças, para que pudesse provar o seu amor. E você se saiu muito bem. — 
Fernando não conseguia esconder o espanto com o ambiente inesperado, misto de 
palácio e biblioteca, tantas eram as sedas, tantos eram os livros. O espanto era ainda 
maior com o tom subitamente amigável daquele velho senhor à sua frente. — Em 
recompensa ao seu esforço eu lhe darei minha filha, um pedaço de mim mesmo, a razão 
pela qual eu vivo. Não ria, Fernando, por eu admirá-la tanto. Você verá que ela é maior 
do que todos os elogios. 
— Eu acreditaria nisso mesmo que um oráculo me dissesse o contrário — 
assegurou Fernando, feliz com o inesperado desfecho de sua breve escravidão. 
— Então receba minha filha como merecida conquista. Você tem de me 
prometer, no entanto, que respeitará a virgindade dela até a cerimônia sagrada, porque 
senão o ódio, o desprezo e a discórdia hão de cobrir de espinhos o leito de núpcias de 
vocês. 
— Senhor, como eu espero dias tranqüilos, filhos e vida longa para o meu amor, 
nem o antro mais escuro, o lugar mais oportuno ou a mais forte sugestão me fará abrir 
mão de minha honra para impedir essa celebração. Nesse dia, será como se o sol 
permanecesse brilhando eternamente e a noite, acorrentada para sempre. 
— Muito bem — disse Próspero observando a felicidade da filha por vê-los 
finalmente se entendendo. — Em homenagem ao amor de vocês, vou presentear-lhes 
com uma surpresa. Anel — chamou o duque. 
— O que deseja meu poderoso mestre? Aqui estou. — Imediatamente o espírito 
encantado apresentou-se. 
— Você executou bem a última missão e eu necessito agora de outra artimanha. 
Chame os espíritos que mantenho em seu poder e traga-os para cá. Quero oferecer aos 
olhos desse jovem casal um pouco de minha arte. Prometi isso e eles estão esperando. 
— Neste momento? 
— Sim, num piscar de olhos — respondeu Próspero. 
Ariel saiu voando em busca dos espíritos que o mago convocara e fez surgir 
diante dos jovens, maravilhados e em silêncio, as deusas Juno, Ceres e íris, dançando e 
abençoando o amor de Fernando e Miranda. Juno, esposa de Júpiter, deus dos deuses, 
era a protetora dos amores legítimos, o símbolo da fidelidade conjugai; íris, a 
personificação do arco-íris, representava a união entre o Céu e a Terra, entre os deuses e 
os homens, e Ceres era a deusa da fertilidade, da feliz relação dos homens com a 
natureza. 
— Esta é a visão mais majestosa e encantadora que já tive em minha vida! — 
Fernando deslumbrou-se. — Serão espíritos? 
— Espíritos que, com minha arte, trouxe de seus confins para que encenem 
minhas fantasias atuais — respondeu Próspero. — Espere, ainda temos mais. 
Realmente era um espetáculo de música, dança e poesia surpreendente: as 
deusas estavam acompanhadas de ninfas, divindades das fontes, rios e bosques. Elas 
rodeavam os jovens, fazendo da felicidade deles a sua alegria. 
De repente, Próspero estremeceu como se despertasse de um sonho: 
— Podem ir. — Dispensou bruscamente os espíritos. — Foi ótimo. Chega. 
Os espíritos dispersaram-se, desmanchando-se no ar em meio a ruídos confusos. 
— Tinha-me esquecido da louca conspiração do monstruoso Caliban e seus 
cúmplices contra minha vida — disse Próspero como se falasse consigo mesmo. 
— É estranho — cochichou Fernando para Miranda —, seu pai parece 
dominado por alguma emoção que o deixa transtornado. 
— Nunca até hoje eu tinha visto meu pai enraivecido assim — respondeu 
Miranda. 
— Você parece impressionado, meu filho. — Próspero, aos poucos, voltou ao 
seu normal. — Sossegue. Acabou-se nossa festa. Esses nossos atores eram apenas 
espíritos e desapareceram no ar. Assim como desapareceu nossa visão. Um dia as torres, 
os palácios suntuosos, os templos solenes e até mesmo o globo terrestre e tudo o que 
existe dentro dele se dissolverão sem deixar marcas, como se dissolveu esse espetáculo. 
Somos feitos da mesma matéria que os sonhos e nossas pequenas vidas são rodeadas 
pelo sono... Perdoe minha fraqueza, meu rapaz, minha velha mente está atormentada. 
Não se preocupe. Se você quiser, entre na gruta e descanse. Vou caminhar um pouco 
para me acalmar. Os dois jovens despediram-se dele e entraram na gruta. Não tinham 
palavras para consolar o duque. Faltava-lhes experiência de vida para compreender 
Próspero e sua magia. Ele mesmo, apesar de seu imenso saber, não podia controlar 
todos os espetáculos. Não previra a conspiração de Caliban e isso o atormentava. 
 
 
 
 
 
 
CAPÍTULO XI 
Os Últimos Foram os Primeiros 
Próspero saíra de perto dos jovens para caminhar um pouco e se acalmar. Não 
foi difícil pôr em ordem suas emoções porque o sucesso de seus planos dependia de sua 
serenidade. Recuperado, chamou novamente Ariel, e o gênio lhe prestou conta dos 
últimos passos de Caliban: 
— Como já disse, mestre, eles estavam bêbados. Estavam tão cheios de valentia 
que açoitavam o vento por lhes soprar no rosto e fustigavam o chão por lhes beijar os 
pés. De qualquer forma, continuavam dispostos a levar adiante o projeto de matá-lo. 
Então, comecei a tocar e enfeiticei de tal forma seus ouvidos que me seguiram entre 
espinhos e carrapichos até um pântano atrás da gruta onde meu mestre vive. Eu os 
deixei dançando na lama imunda que aprisiona seus pés. 
— Isto foi bem feito, meu pássaro! Continue invisível e vá buscar roupas em 
minha gruta para prepararmos uma armadilha para esses ladrões. 
— Já vou — disse Ariel saindo para cumprir sua tarefa. 
— Um demônio — lamentou Próspero para si mesmo —, um demônio de 
nascença. Fiz tudo para educá-lo. De nada adiantou. Sua natureza não muda. Seu corpo 
é cada dia mais horroroso e seu caráter se corrompe cada vez mais. Vou atormentá-lo e 
a seus cúmplices até rugirem de dor. 
Ariel voltou com as roupas e pendurou-as numa corda. Ele e Próspero esperaram 
invisíveis Caliban, Estéfano e Trínculo, que chegaram em seguida. 
— Andem devagar—disse Caliban baixinho—para que o feiticeiro não escute 
nossos passos. Estamos perto de sua gruta. 
— Monstro, monstro — resmungou Estéfano, ameaçador —, seu duende 
protetor, que você disse ser de confiança, até agora só nos fez de bobos.— Monstro, estou cheirando a mijo de cavalo e meu nariz está indignado — 
esbravejou Trínculo. 
— O meu também. Você escutou, monstro? Se eu me aborrecer com você... 
— Era uma vez um monstro — completou Trínculo. 
— Meu bom senhor — pediu Caliban a Estéfano —, confie em mim. Seja 
paciente, que o prêmio vai compensar tudo isso. Agora, fale baixo. Está tudo quieto 
como se já fosse meia-noite. 
— E nossas garrafas no pântano — disse Trínculo, que além de tudo continuava 
implicando com Caliban. 
— Não é só a desgraça e a desonra, monstro, a perda da garrafa é uma perda 
irreparável — assegurou solene e bêbado Estéfano. 
— Perder a garrafa é pior para mim do que estar encharcado. Esse seu duende 
que canta, não sei não — Trínculo insistiu. 
— Vou atrás de minha garrafa — resolveu Estéfano. 
— Por favor, meu rei. Paciência — implorou Caliban. — Veja, esta é a entrada 
da gruta. Não faça barulho e entre. Mate Próspero e será o rei desta ilha para sempre, e 
eu, seu Caliban, lamberei seus pés eternamente. 
Enquanto Caliban tentava convencer Estéfano a matar Próspero imediatamente, 
Trínculo descobriu uma corda cheia de belas roupas. Vestiu um manto luxuoso e 
começou a brincar: 
— Oh, Rei Estéfano! Veja que maravilhosas roupas existem aqui à sua real 
disposição... 
— Tire esse manto, Trínculo. — Estéfano, cambaleando, tentou tirar o manto de 
Trínculo. — Quero essa coisa linda para mim. 
— Então será seu, majestade — o outro concordou com uma mesura irônica. 
— Imbecil, largue essa bobagem. — Caliban enraiveceu-se. — Você tem de 
matá-lo primeiro. Se ele acordar, vai tirar nossa pele. 
— Fique quieto, monstro — ordenou Estéfano, dirigindo-se cerimonioso à 
corda onde as roupas estavam penduradas. — Dona Corda, esta não é minha jaqueta? 
Agora a jaqueta está pendurada! Ouviu, jaqueta? Pronto, podemos pegá-la de volta. 
— Muito bem, majestade! Vamos roubar a corda — apoiou Trínculo. 
— Enquanto eu for rei desta ilha — prometeu Estéfano em tom de discurso —, 
o bom humor será recompensado. Anda, Trínculo, pode pegar outra veste como 
recompensa à sua piada. 
— Venha, monstro — convidou Trínculo magnânimo. — Fique com o resto. 
— Não quero nada disso — desesperou-se Caliban. — Nós estamos perdendo 
tempo, vamos ser transformados em gansos ou em macacos de cabeça chata. 
— Deixe de conversa, monstro, ajude a carregar essas coisas para onde está 
meu barril de vinho ou eu o expulso de meu reino... 
Estéfano foi interrompido por vários espíritos em forma de cães de caça, 
instigados por Próspero e Ariel. Ele, Caliban e Trínculo ficaram apavorados com os 
cães atrás de si. Próspero, não satisfeito, ordenou a Ariel: 
— Vá dizer aos meus duendes para moê-los de fisgadas, enchê-los de cãibras e 
de beliscões até que fiquem desesperados. 
— Já estão, mestre. Escute como rugem. 
— Quero que sejam duramente perseguidos. Agora tenho todos os meus 
inimigos em meu poder. Daqui a pouco meus trabalhos terminarão e você alcançará sua 
liberdade. Vá, você ainda tem de me prestar uns serviços. 
 
 
 
 
 
 
CAPÍTULO XII 
O Acerto de Contas 
Perto das seis horas da tarde, horário em que Próspero prometera libertar Ariel, 
os dois se encontraram em frente à gruta de Próspero, que vestia seu manto mágico. 
— Meu plano se encaminha para o fim. Os espíritos me obedeceram, meus 
encantamentos não falharam. Como estão o rei e seus companheiros? 
— Aprisionados juntos, no bosque de limoeiros que protege a gruta de meu 
mestre contra o mau tempo. O rei, o irmão dele e seu irmão continuam insanos, tomados 
pelo sofrimento e pelo desânimo. Aquele a quem o mestre chama de o velho e bom 
Gonçalo é o que mais sofre. Lágrimas escorrem-lhe pela barba como as chuvas de 
inverno. Sofrem tanto por causa de sua magia que se o mestre fosse vê-los agora ficaria 
comovido. 
— Você acha, espírito? 
— Se eu fosse humano, eu me comoveria. 
— Se você, que é feito de ar, parece sentir as aflições deles, imagine eu, que 
pertenço à mesma espécie e como eles me apaixono e sofro? Como não me comover? 
Apesar de terem eles me ferido com seus erros, farei prevalecer minha razão e não 
minha fúria. O melhor está no perdão, não na vingança. Não insistirei na punição. Vou 
quebrar o encantamento e devolver-lhes a razão. Eles voltarão a ser o que eram. 
— Vou buscá-los, mestre. 
Ariel saiu para cumprir mais essa tarefa e Próspero ficou entregue aos seus 
pensamentos, avaliando a trama que desencadeara com a tempestade: 
— Amotinei os ventos, deflagrei a guerra entre o mar e o céu e arranquei pela 
raiz as árvores. Sob minhas ordens, os mortos despertaram e saíram de seus túmulos. 
Agora, renuncio à minha magia e providenciarei música celestial para romper o 
encantamento que pesa sobre eles. Depois, quebrarei minha vara mágica e a enterrarei 
em um buraco bem fundo no chão. Jogarei meu livro no fundo do mar para que nunca 
mais possa ser usado. 
Ariel voltou com Alonso, Sebastião e Antônio, dementes, acompanhados de 
Gonçalo. Os outros nobres os seguiam e todos, ainda sob encantamento, entraram num 
círculo que Próspero traçara no chão. Próspero observou o estado em que se encontrava 
o grupo, pensativo: 
— Agora, estão todos aqui, vítimas do encantamento, o cérebro tomado de fúria 
inútil. — Dirigiu-se a Alonso: — Vossa Majestade, que foi tão cruel comigo e com 
minha filha, incentivado por seu irmão Sebastião, que hoje sofre também o castigo. — 
Próspero voltou-se para seu irmão: — E você, Antônio, minha carne e meu sangue, que 
sempre serviu à ambição, e junto com Sebastião quis matar seu rei e agora sofre os 
tormentos do inferno, eu lhe perdôo. Mesmo sabendo o quanto você é desumano, meu 
irmão, eu perdôo a você e aos outros. Quanto a você, Gonçalo, meu salvador apesar de 
fiel ao seu rei, eu o recompensarei por tudo. Vai, Ariel, busque minhas roupas de duque, 
meu chapéu e minha espada, porque eles já começam a recuperar a razão, mas não 
poderiam me reconhecer com as roupas que visto hoje... 
Ariel foi e voltou voando e cantando porque a cada momento estava mais 
próxima a sua liberdade. Ajudou Próspero a vestir-se enquanto escutava as últimas 
instruções: 
— Meu caprichoso Ariel! Vou sentir sua falta, mas você terá sua liberdade. 
Voe, o mais depressa que puder, ao navio real e, invisível como você tem estado até 
agora, acorde o capitão e o contramestre e traga-os aqui. Rápido. 
— Eu bebo o ar diante de mim e regresso antes que meu mestre respire. 
Enquanto Ariel partia, Gonçalo despertava do encanto: 
— Todos os tormentos e males assombrosos existem aqui 
— lamentou o velho conselheiro. — Que algum poder celestial nos guie para 
fora desta terra. 
— Majestade, diante do senhor está Próspero, o duque destronado de Milão. E 
para que tenha certeza de que estou vivo, abraço o rei e ofereço as boas-vindas ao 
senhor e a sua comitiva. 
Alonso, assombrado, deixou-se abraçar, assim como os outros nobres, sem saber 
o que pensar daquela estranha volta à realidade. 
— Não sei se estou diante do verdadeiro Próspero ou de algum encantamento 
para me iludir. Seu pulso bate como o de um corpo de verdade. E desde que o vi, a 
loucura se afastou de minha mente. De qualquer forma, é a mais estranha história que já 
se viu. Se assim é, renuncio ao seu ducado e peço que perdoe meus erros. Mas será 
possível que Próspero esteja mesmo vivo e aqui?! 
Próspero abraçou Gonçalo, ainda em dúvida também de que estivesse sendo 
abraçado por um vivo: 
— Deixe-me abraçar sua velhice, cuja honradez não pode ser medida. Vocês 
ainda estão sob o clima de encantamento que esta ilha tem. — Voltando-se em voz 
baixa para Antônio e Sebastião: — Eu poderia denunciar os dois ao rei, pela 
conspiração que há poucas horas tramavam contra sua vida. 
— O diabo fala por ele — resmungou baixinho Sebastião. 
— Não

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