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Alguns reis absolutistas conseguiram, a partir do século XVI, centralizar em suas mãos as principais decisões do Estado. Luís XIV (1638-1715), rei da França, talvez tenha sido o maior exemplo deste tipo de monarca. Durante muito tempo estes Estados fortes foram úteis para o desenvolvimento do capitalismo, na medida em que homogeneizavam as leis do reino, derrubavam a fragmentação feudal e ofereciam um pouco mais de estabilidade política. Disto resultou um período de grande desenvolvimento para a Europa, fundado no modelo mercantilista.
O mercantilismo tinha como foco “o acúmulo de divisas em metais preciosos pelo Estado por meio de um comércio exterior de caráter protecionista” (SANDRONI, 1999, p.383). Em outras palavras, a moeda “era considerada a riqueza por excelência e a nação mais rica seria aquela que possuísse mais ouro” (BASTOS, 1979, p. 59). Com base neste princípio:
“explicáveis foram as medidas adotadas pelos governos de então no sentido de atrair para seus tesouros a maior massa monetária possível, através do incremento das exportações e, ao mesmo tempo, proibindo a saída de metais preciosos. Com o mercantilismo, o comércio passa a constituir um dos ramos da administração pública, fortemente disciplinado e regulamentado” (BASTOS, 1979, p. 59).
Para garantir uma balança favorável, onde as exportações superassem as importações, usava-se do protecionismo. Ou seja, dificultava-se e até mesmo proibia-se a entrada de certos produtos estrangeiros (principalmente aqueles capazes de concorrer com os produtores locais).
Disto resultava uma grande intervenção do Estado na economia. Com o passar do tempo, entretanto, o Absolutismo passou a ser um fator de desaceleração econômica, frustrando a classe empresarial da época (a chamada “burguesia”).
Afinal, os monarcas reservavam para si o direito a autorizar ou proibir a exploração de novas terras, o tabelamento dos preços dos produtos, além dos monopólios para a comercialização de certos produtos (CHAUI, 2010, p.467). Os objetivos dos monarcas não correspondiam mais aos interesses dos empreendedores. Estes detinham o poder econômico, mas não podiam exercer plenamente o domínio sobre os seus bens e seus negócios.
Passaram então a pleitear também o poder político. Para tanto encontravam obstáculo nas teorias filosóficas que haviam, cem ou duzentos anos antes, legitimado o poder absoluto dos reis e o prestígio da nobreza. Para chegar ao poder a burguesia precisava fundar novos valores (novas instituições), capazes de suplantar as crenças então vigentes. Um dos pontos fundamentais era a promoção da “igualdade”, tanto jurídica quanto política.
No século XVII ou XVIII a ideia de que os homens nasciam iguais em direitos e obrigações era algo totalmente revolucionário em uma sociedade onde os nobres tinham vários privilégios.
Para se ter uma ideia, existiam punições que não podiam ser aplicadas aos nobres e o testemunho destes tinha um peso maior nos processos judiciais. Para os pensadores liberais, por outro lado, todos deveriam ser iguais perante a lei. No campo político, esperava-se que a população (principalmente aquela que detinha algum poder econômico) pudesse ter uma maior participação nas tomadas de decisão. Alguns postulavam uma igualdade total, uma verdadeira soberania popular.
Pleiteava-se ainda a redação de uma Constituição, de uma norma maior capaz de traçar os limites da atividade estatal e apta a institucionalizar a separação dos poderes (STRECK; MORAIS, 2001, p.54).
Do ponto de vista econômico, para o filósofo inglês John Locke (1632-1704), a propriedade, como um direito natural, encontrava sua justificativa na utilização dos bens de forma produtiva e lucrativa. Pode parecer estranho, mas foi apenas nesta época que se desenvolveu a concepção de que a propriedade é um direito absoluto, que deve ser respeitado por todos, inclusive pelo Estado.
Isto representava uma grande reviravolta econômica e social porque, ao tempo de Locke, muitas das regiões de pasto e cultivo da Europa eram terras comunitárias. Aliás, o cercamento dos campos pela nobreza agrária (a partir do século XVI), transformando áreas de uso comum em propriedade privada, causou um comovente êxodo rural que foi descrito em tons sombrios por Thomas More em seu livro “Utopia” (1516)
Paralelamente, Locke defendia o caráter voluntário das relações entre os diversos agentes econômicos. O contrato seria um dos reflexos da liberdade humana e o pacto acertado entre duas ou mais pessoas deveria ser respeitado e cumprido. Esta força do contrato e as diferentes vontades individuais encontrariam um campo fértil no mercado.
Os defensores do liberalismo econômico, ainda nos dias de hoje, consideram a concorrência e a troca como aspectos básicos da convivência humana (KESSELRING, 2011, p.62).
O mercado, profundamente estudado por Adam Smith (1723-1790) em seu livro “A Riqueza das Nações”, não precisaria ser regulado pelo governo. A ação estatal seria a responsável por deformações da oferta e da procura, afetando os preços e os lucros. Smith acreditava que o mercado, livre das amarras do Estado, era capaz de ajustar naturalmente as suas próprias falhas, em benefício da comunidade. “A harmonia social e econômica resultaria da livre concorrência e da interação de interesses e forças econômicas” (STRECK; MORAIS, 2001, p.54).
Um dos seus argumentos mais conhecidos, e também mais polêmicos, era a existência de uma força natural, presente apenas em ambiente de livre comércio, e que ele chamava de “mão invisível”. Ele afirmava que havendo a possibilidade de livre desenvolvimento dos interesses econômicos, esta “mão invisível” infalivelmente levaria a economia a um ponto de equilíbrio saudável, em benefício de todos.
Seguindo este raciocínio, Smith obviamente discordava da noção mercantilista de “pacto colonial”, que determinava que as colônias europeias espalhadas pelo mundo somente podiam comercializar com as respectivas metrópoles. Ele acreditava que se houvesse livre comércio entre as nações, todos sairiam lucrando. Para ele a livre-concorrência seria o ingrediente essencial de uma economia eficiente (SANDRONI, 1999, p. 566.).
Esta concepção conflitava diretamente com o Mercantilismo, modelo econômico que, como vimos, valorizava o protecionismo. A concepção liberal da economia irá então adotar o conceito do “laisser-faire, laissez-passer” (“deixe fazer, deixe passar”), onde se ataca a postura das monarquias de então, que dificultavam a entrada em seus territórios de produtos estrangeiros. A Inglaterra, primeiro país a experimentar a Revolução Industrial, será uma defensora radical do laisser-passer.
Outro aspecto valorizado pelos pensadores que influenciaram o liberalismo foi a tolerância religiosa.
Após a Reforma Protestante de Martinho Lutero (1517) houve um grande racha no seio da Cristandade. Os monarcas católicos perseguiram seus súditos protestantes, assim como os monarcas que se filiaram a alguma das correntes evangélicas buscaram converter a população local à sua nova Fé. Henrique VIII da Inglaterra (1491-1547), criador da Igreja Anglicana, é um exemplo interessante. Muitas guerras e revoluções populares surgiram desta intolerância religiosa.
Em 1572 milhares de protestantes franceses foram massacrados, com a conivência do governo, em um incidente conhecido como “a noite de São Bartolomeu”. Escandalizados com estas lutas fraticidas, muitos filósofos, como John Milton (1608-1674) e John Locke produziram teses buscando mostrar o absurdo daquela situação. Locke afirmava que a função do Estado se limitava à proteção da vida, da liberdade e da propriedade. Assim, não deveria intervir no “cuidado da alma dos homens” (HEYWOOD, 2010a, p.47).
A instituição da tolerância religiosa foi extremamente revolucionária para a sociedade. Ela abriu as portas para várias outras discussões envolvendo questões morais e privadas. A defesa da liberdade de expressão levou o escritor francês Voltaire (1694-1778) a proferir uma frase célebre: “Eu detesto o que você diz, mas defenderei atéa morte o seu direito de dizê-lo”. Você, leitor, certamente pode imaginar o quanto estas discussões foram relevantes para estabelecer as instituições da sociedade onde vivemos hoje.
Estes primeiros liberais (embora o termo “liberal” não fosse ainda corrente) desafiaram a autoridade da Igreja, os privilégios da aristocracia rural e a doutrina do direito divino dos reis (HEYWOOD, 2010a, p.38). Em 1688 obtiveram uma vitória importante na Inglaterra, após a Revolução Gloriosa, quando os reis ingleses (em caráter definitivo) passaram a ter seus poderes limitados pelo Parlamento. Este processo consolidou-se um século mais tarde, em 1789, com a chamada “Revolução Francesa”, que derrubou a monarquia francesa e decapitou o rei Luís XVI.
Com a ajuda do povo, a burguesia chegava ao poder. A independência dos Estados Unidos da América (1776) foi outro evento de destaque neste processo. Nas décadas seguintes os valores liberais se expandiram pelo Ocidente, gerando guerras e revoluções. As guerras napoleônicas e a independência dos países latino-americanos fazem parte deste processo de substituição do Estado intervencionista do Absolutismo pelo Estado de inspiração liberal. Os privilégios da nobreza e da igreja desapareceram pouco a pouco.
O Código Civil francês de 1804, redigido por ordem de Napoleão Bonaparte, trouxe uma série de regras que confirmavam o espírito de igualdade entre os homens. Na França, a propriedade imobiliária tornou-se individual, abolindo-se as terras comunais e velhas tradições feudais ainda arraigadas. É declarada ainda a liberdade do trabalho e do comércio, abolindo a necessidade de filiação dos empreendedores às antigas e elitistas “corporações de ofício”.
Até então, nas cidades, uma pessoa somente poderia se dedicar a um trabalho técnico (como a carpintaria, a fabricação de vidro ou joias) se conseguisse ser aceita pela corporação correspondente ao seu ofício. Isto nem sempre era fácil, o que limitava bastante a livre iniciativa. Quem desobedecesse esta regra sofria sérias punições.
Estas reformas francesas tiveram grande influência sobre outros países europeus, mesmo após a derrota de Napoleão em 1815. Para Chaui, a supremacia da propriedade privada parece ter sido o aspecto fundamental a consagrar a vitória do liberalismo sobre o regime monárquico absolutista (“Antigo Regime”):
“O término do Antigo Regime se consuma quando a teoria política consagra a propriedade privada como direito natural dos indivíduos, desfazendo a imagem do rei como ‘marido da terra’, senhor dos bens e das riquezas do reino, decidindo segundo sua vontade e seu capricho” (2010, p. 468).
Estado liberal 
 o liberalismo é uma doutrina do Estado limitado tanto com respeito aos seus poderes quanto às suas funções”. (Norberto Bobbio)
Quando examinamos a vida de um brasileiro típico, encontramos muitos aspectos que tem origem no pensamento liberal. Um deles é a nossa liberdade de religião e, até, de não ter religião. É um panorama claramente diferente da época em que os súditos deveriam seguir a religião do governante ou, ainda, da visão apresentada por Karl Marx (fundador da doutrina comunista moderna), para quem a religião era “o ópio do povo”, um sinal de fraqueza e dominação das massas.
Nossa sociedade também difere de Estados contemporâneos que ainda impõem religiões oficiais, onde os não crentes são cidadãos de segunda categoria. Da mesma forma, o brasileiro típico sente-se à vontade para criticar ou apoiar o governo e para ler tudo aquilo que for do seu interesse.
É preciso que saibamos que esta liberdade é relativamente recente nas sociedades humanas (tem menos de 250 anos) e não é aceita em todos os lugares. Os primeiros teóricos do Estado liberal, como Locke, apresentavam a estrutura governamental quase como um mal necessário. Afinal, o centro de tudo seria o indivíduo, merecedor de autonomia para empreender e alcançar os seus sonhos. Ocorre que este mesmo indivíduo precisa ser submetido a alguns limites, já que a natureza humana é (na visão deles) gananciosa e egoísta.
Desta forma, em um ambiente de completa liberdade de ação, teme-se que os mais fortes explorem os demais, roubando-lhes a propriedade e transformando-os em escravos. Abriria também caminho para a quebra de contratos, quando isto lhes fosse vantajoso (HEYWOOD, 2010a, p.48-49).
Sendo cada homem uma ameaça aos demais, os liberais normalmente acreditam na necessidade de um Estado soberano, cujas tarefas:
“circunscrevem-se à manutenção da ordem e da segurança, zelando que as disputas porventura surgidas sejam resolvidas pelo juízo imparcial sem recurso à força privada, além de proteger as liberdades civis e a liberdade pessoal e assegurar a liberdade econômica dos indivíduos exercitada no âmbito do mercado capitalista.” (STRECK; MORAIS, 2001, p.56.)
Fala-se então em um “Estado mínimo”, cujo objetivo estaria restrito à manutenção da ordem interna, à proteção contra ameaças externas e à garantia da propriedade, da liberdade dos indivíduos e do respeito aos contratos. Daí porque o estadista norte-americano Thomas Jefferson (1743-1826) afirmava que “o melhor governo é o que menos governa”.
Para John Stuart Mill (1806-1873) o Estado também deveria se ocupar da educação, para incutir nas pessoas um “auto interesse esclarecido”, capaz de fazê-las recusar os prazeres imediatos (e egoístas) com vistas a poder tirar proveito de satisfações maiores, em termos de valores coletivos, sociais e nacionais. (STRECK; MORAIS, 2001, p.55-56.)
A proteção e o respeito à liberdade individual seriam, em uma sociedade liberal idealizada, a garantia de que todos teriam igualdade de oportunidades e de empreender de acordo com as suas capacidades. Livres para se reunir, expressar suas opiniões, escolher sua religião ou para empreender, o único limite do indivíduo estaria no “contrato social” que ele, por iniciativa própria, firmou com os demais seres humanos.
om as ideias de direito natural dos indivíduos e de sociedade civil (relações entre indivíduos livres e iguais por natureza), quebra-se a ideia de hierarquia. Com a ideia de contrato social (passagem da ideia de pacto de submissão à de pacto social entre indivíduos livres e iguais) quebra-se a ideia da origem divina do poder e da justiça fundada nas virtudes do bom governante” (CHAUI, 2010, p.468).
O argumento do contrato social, mesmo para Hobbes e Locke, sempre foi uma espécie de “faz de conta”, com o intuito de ressaltar o valor do Estado, induzindo cada indivíduo a respeitar o governo e a lei.
Cada homem e mulher deveria demonstrar gratidão pela proteção e pela segurança que apenas um Estado soberano poderia lhes oferecer. De acordo com Heywood (Op. cit., 2010a, p.49), a tese do contrato social abarca pilares fundamentais do liberalismo:
“Em primeiro lugar, sugere que, em certo sentido, a autoridade política vem ‘de baixo’. O Estado é criado por indivíduos e para indivíduos; existe a fim de servir a suas necessidades e interesses. O governo surge do acordo, ou consentimento, dos governados. Isso implica que os cidadãos não têm obrigação de obedecer todas as leis ou de aceitar qualquer forma de governo. Se o governo se baseia num contrato, feito pelos governados, o próprio governo pode romper os termos desse contrato. Quando a legitimidade do governo evapora, o povo tem direito à rebelião. ”
Sob outro aspecto, o Estado liberal não teria surgido para beneficiar uma classe social específica. Seus ideais de liberdade e igualdade teriam como beneficiários todos os membros da sociedade, permitindo-lhes disputar seu espaço, fora dos entraves elitistas do Antigo Regime. A função do Estado não seria a de defender uma classe, mas de servir de árbitro entre os seus cidadãos, aplicando, em caso de conflitos, a lei a apropriada.
É bem verdade que, na prática, estes ideais sempre foram sujeitos a distorções, dificultando a plena aplicação da igualdade prometida pelos pensadores liberais.
Para delimitar de forma clara as atribuições dos governantes, impedindo a tirania, viu-se a necessidadede dotar o Estado de uma Constituição. Embora as constituições contemporâneas, como a brasileira, tratem de assuntos bastante amplos e diversificados, como o regime de aposentadoria dos servidores públicos, elas tinham na origem um caráter bem específico: apontar a abrangência do poder dos governantes e os direitos e deveres dos cidadãos.
A Constituição escrita, nos regimes liberais, preocupa-se também em fragmentar internamente as atribuições do Estado, por meio do sistema da separação de poderes.
“Segundo essa doutrina, os poderes legislativo, executivo e judiciário devem ser exercidos por três instituições independentes, evitando, assim, que um indivíduo ou pequeno grupo adquira poder ditatorial” (STERCK; MORAIS, 2001, p.55).
Desta forma, a atuação do Estado nos demais campos, especialmente quanto à ordem econômica e a propriedade, deveria ser a mais tímida possível. Para alguns liberais exaltados, a liberdade para contratar alcançaria até mesmo direitos sobre o próprio corpo (KINSELLA,2010, p.7, nota 3.). Embora o liberalismo clássico tenha tido um papel muito importante para o reconhecimento da liberdade de expressão e da liberdade de reunião, nem sempre encontraremos uma relação direta entre esta doutrina econômica e o regime democrático.
Locke, no século XVII, advogava um sistema bastante limitado de democracia. Como havia o risco de o governo querer criar tributos que pudessem atingir os proprietários dos meios de produção em patamares além do razoável, nenhum tributo poderia ser criado sem a autorização de parlamentares escolhidos por este grupo social. Assim, o direito de voto seria um direito estendido apenas aos burgueses e aos proprietários de terras. Com isto, as mulheres e os trabalhadores assalariados estavam privados da cidadania.
No século XIX esta exclusão da maioria da sociedade se manteve, por conta de várias teorias. Uma delas, atribuída a John Stuart Mill, afirmava que as pessoas sem instrução são mais propensas “a agir de acordo com interesses estritos de classe, ao passo que os instruídos são capazes de usar a sabedoria e a experiência em benefício dos outros” (HWYWOOD, 2010a, p.53).
Desta forma, quando o liberalismo foi colocado em prática, como doutrina econômica, em regimes constitucionais, o poder popular foi inicialmente limitado por sistemas eleitorais onde o sufrágio (o direito de votar) era atribuído apenas à parcela da população que tivesse um certo poder econômico. Era o chamado voto censitário, que existiu no Brasil entre a Constituição de 1824 e a de 1891.
O voto feminino demorou ainda mais tempo para ser autorizado. No Brasil o foi em 1932. Na França e na Grã-Bretanha, apenas em 1946. Atualmente, porém, os países que seguem a tradição liberal, não apenas adotam o sistema de sufrágio universal, como também realizam eleições regulares com ênfase no pluralismo político e na competição entre diferentes partidos.
O keyne .....
No final do século XIX já era possível perceber que a doutrina liberal clássica, embora fosse capaz de gerar crescimento econômico, não era capaz de, por si só, garantir desenvolvimento social. A grande maioria da população vivia na miséria e o Estado continuava delegando para as entidades religiosas a maior parte das medidas voltadas à assistência social.
Os trabalhadores não encontravam amparo em caso de doença e aqueles que conseguiam alcançar uma idade avançada não tinham direito à aposentadoria. Ademais, muitos industriais, nutrindo o desejo de aumentar ainda mais a sua margem de lucro, “procuravam baixar o custo da produção com pagamento de ínfimos salários à grande massa de trabalhadores” (BASTOS, 1979, p.70). Na rica Inglaterra até mesmo crianças eram contratadas para trabalhar nas minas de carvão ou na indústria têxtil.
Neste passo, como alertado por Marcos Souza (2012, p.350), é preciso fazer uma diferença entre “crescimento econômico” e “desenvolvimento”. Carla Rister ensina que:
“a ideia de desenvolvimento supõe dinâmicas mutações e importa em que se esteja a realizar, na sociedade por ela abrangida, um processo de mobilidade social contínuo e intermitente. O processo de desenvolvimento poderia levar a um salto, de uma estrutura social para outra, acompanhado da elevação do nível econômico e do nível cultural-intelectual comunitário” (RISTER, 2007, p.2.).
O crescimento, por outro lado, seria algo meramente quantitativo, gerando maior disponibilidade de bens e serviços, mas sem progresso estrutural ou qualitativo (RISTER, 2007, p. 2), incapaz de oferecer uma melhoria geral no padrão de vida da população (habitação, transporte, educação, lazer, etc.).
Amartya Sen, prêmio Nobel de Economia, fazendo uso dos dois termos, adverte:
“O crescimento econômico não deve sensatamente ser considerado um fim em si mesmo. O desenvolvimento tem de estar relacionado, sobretudo, com a melhora da vida que levamos e das liberdades que desfrutamos” (SEN, 2000, p. 29.).
Em outro ponto, Amartya Sen esclarece (apud SOUZA, 2012, p. 351): “Uma concepção adequada de desenvolvimento deve ir muito além da acumulação de riqueza e do crescimento do Produto Nacional Bruto e de outras variáveis relacionadas à renda”.
Ora, o liberalismo clássico, na prática, acabava legitimando um individualismo egoísta, voltado para a proteção do interesse pessoal. Pouco a pouco, pressionados pelos movimentos sociais, diferentes países começaram a ampliar a função do Estado. Percebeu-se que a liberdade somente pode ser alcançada se temos a possibilidade de fazer coisas dignas de mérito e de usufruir dos prazeres que a vida nos oferece.
Seguindo esta linha, a percepção do Estado mínimo começou a ser redirecionada “pois a sua função passa a ser a de removedor de obstáculos para o autodesenvolvimento dos homens” (STRECK; MORAIS, 2001, p.57).
Assim, ainda no século XIX, países como a Alemanha começaram a criar sistemas previdenciários para a proteção dos trabalhadores atingidos por doenças ou acidentes de trabalho.
Leis esparsas deste tipo começaram a surgir no Brasil na década de 1920, graças à crescente força do movimento sindical. Nesta fase ficou patente o aumento da intervenção do Estado na sociedade, baseada na noção de “justiça social”. Esta tendência, apoiada por diferentes correntes ideológicas, gerou aquilo que ficou conhecido como Estado de bem-estar social, facilitando o acesso de milhões de pessoas à educação, à saúde, à moradia e aos benefícios previdenciários.
Embora este momento histórico tenha coincidido com um grande aumento de produtividade e do progresso dos transportes (com as máquinas a vapor) e das comunicações (com o telégrafo), o ocidente capitalista das primeiras décadas do século XX não conseguiu alcançar o paraíso. “Em lugar do equilíbrio entre a produção e o consumo previstos pelos economistas liberais, sucedem-se crises periódicas de superprodução, com saturação dos mercados, queda brutal dos preços, falências, fechamento de fábricas, ruína de empresários, desemprego e miséria dos trabalhadores” (BASTOS, Op. cit., p.70).
Em 1929 houve a grande crise econômica mundial, em sequência à quebra da Bolsa de Valores de Nova York. Entre a quebra e o ano de 1932 o Produto Nacional Bruto norte-americano caiu 30% e países como o Brasil, que viviam da exportação de produtos agrícolas (como o café) foram imensamente afetados. Os países industrializados foram atingidos por altos índices de desemprego.
Este choque abalou não apenas a economia, mas também a doutrina econômica predominante, que se mostrava incapaz de reverter a crise. No Brasil esta foi uma das causas da Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder. Foi também uma das razões da ascensão de Adolf Hitler ao poder na Alemanha.
Em 1936, ainda tocado por estas reviravoltas, o economista inglês John Maynard Keynes publicou o livro “Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”. Nesta obra ele sustentava não haver mais razão para se apoiar a política de um Estado passivo, que evita atuar na economia devido à crença no poder autorregulador da economia de mercado. Erapreciso combater o desemprego e aumentar o nível de atividade econômica estimulando a produção de bens de capital e o consumo.
Em época de crise, ele recomendava que o governo ampliasse a quantidade de dinheiro na economia aumentando os gastos públicos ou reduzindo a carga de tributos.
“Assim, o desemprego poderia ser solucionado não pela mão invisível do capitalismo, mas pela intervenção do governo – nesse caso pela geração de um déficit orçamentário, o que significaria que o governo literalmente gasta mais do que arrecada” (HEYWOOD, 2010, p.69).
As ideias de Keynes ganharam bastante força com o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) quando milhões de homens deixaram as fileiras das forças armadas de diferentes países e precisavam urgentemente encontrar trabalho.
Ademais, boa parte da Europa estava arrasada e precisava ser rapidamente reconstruída: situação para a qual o liberalismo clássico não oferecia uma solução a curto ou médio prazo.
A injeção de recursos públicos na economia, subsidiando empresas privadas, investindo em obras de infraestrutura e até mesmo criando empresas “estatais” foram iniciativas que ajudaram grande parte do mundo a escapar do colapso que o final da guerra mundial parecia indicar. Houve até mesmo um crescimento econômico admirável que resultou “ao menos nos países ocidentais, a abundância generalizada” (HEYWOOD, 2010, p.70).
A influência de Keynes no pensamento econômico dos países capitalistas das décadas de 1950 a 1970 foi tão forte que viria a cunhar o termo “keynesianismo”. Mas o keynesianismo não representava uma ruptura total com o liberalismo e estava longe do intervencionismo estatal do socialismo ou do comunismo. Afinal, “a política intervencionista do governo deve ter por fim suprir ou complementar e não substituir e muito menos eliminar a iniciativa privada” (BASTOS, Op. cit., p.98).
Com a volta da inflação e do desemprego na década de 1970, o keynesianismo perdeu a aura de verdade absoluta. Ainda assim, continua relevante, indicando “uma percepção renovada do fato de que o capitalismo desregulado tende a trazer baixo investimento, imediatismo e fragmentação social” (HEYWOOD, Op. cit., p.70.).
Quanto ao Estado de bem-estar social, Norberto Bobbio afirmava que ele levou ao estabelecimento de um novo contrato social “no qual, partindo-se da mesma concepção individualista da sociedade e adotando os mesmos instrumentos liberais, se incluem princípios de justiça distributiva, onde o governo das leis – em contraposição ao governo dos homens – busque a implementação da democracia com um caráter igualitário” 
NEOLIBERALISMO - A já mencionada estagnação econômica da década de 1970 fez com que muitos políticos e empresários voltassem sua atenção para um grupo de economistas que, já há bastante tempo, se batiam contra o Estado de bem-estar social. Para homens como Frederick Hayek e Milton Friedman, os encargos sociais assumidos pelo Estado, assim como a regulamentação da economia destruíam “a liberdade dos cidadãos e a competição, sem as quais não há prosperidade” (CHAUI, 2010, p.499).
O Estado precisaria encolher novamente, dedicando sua atenção à estabilidade da moeda e à reforma tributária, com vistas a facilitar a vida das empresas. Eles sustentavam que “a tarefa de alocar recursos em uma economia complexa e industrializada era muito difícil para que um conjunto de burocratas do Estado pudesse realizá-la de maneira satisfatória” (HEYWOOD, 2010, p.99). Hayek, autor do clássico “o caminho da servidão” (1944) combatia o intervencionismo econômico, por considera-lo implicitamente totalitário (HEYWOOD, 2010, p.98).
Estas receitas econômicas, que buscam adaptar o liberalismo econômico às características do capitalismo moderno, formaram uma doutrina que costuma ser chamada de neoliberalismo. Porém, ao contrário do liberalismo clássico, muitos neoliberais reconhecem a necessidade da intervenção do Estado, não apenas para controlar a inflação, mas também para garantir a livre concorrência, impedindo que as pequenas empresas sejam absorvidas ou aniquiladas por companhias com vocação monopolística.
Estas ideias foram acatadas na década de 1980 por Ronald Reagan (presidente dos Estados Unidos) e Margareth Thatcher (primeira-ministra da Grã-Bretanha). Ambos adotaram eficientes políticas de cortes de gastos públicos, mas pouco se preocuparam com o aumento do desemprego, ante a crença de que a “mão invisível” de Adam Smith daria conta disto.
Paralelamente, a partir da queda do Muro de Berlim (1989), logo o mundo pôde testemunhar o fim da Guerra Fria que, por mais de 40 anos, havia confrontado o Ocidente capitalista com o Oriente socialista.
A poderosa União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) rapidamente fragmentou-se em uma dezena de repúblicas independentes. A maioria destas nações, assim como muitos dos países que faziam parte do bloco soviético, rapidamente buscaram abandonar o sistema econômico socialista (altamente planificado e dirigido pelo Estado) por uma economia de mercado. Para tanto, privatizaram rapidamente um sem número de empresas públicas enquanto outras tantas, tecnologicamente defasadas, foram simplesmente fechadas.
O Brasil, que enfrentou altos índices de inflação na década de 1980, também buscou no pensamento neoliberal soluções para a crise. Se, por um lado, a Constituição Federal de 1988 ficou conhecida como “Constituição Cidadã”, reconhecendo amplos direitos sociais, por outro lado possui dispositivos que reduzem a participação do Estado na economia.
Além de valorizar a livre concorrência, ela determinou que: “Art.173 - Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”. Para os críticos deste modelo, a adoção de uma política social de cunho neoliberal provoca ou acentua a estratificação social, cujos elementos básicos são as desigualdades, seja nas condições e qualidade de trabalho, seja no consumo e na proteção social.
“O pensamento neoliberal considera que o gasto social é a causa da crise fiscal do estado, sendo, portanto, seu corte uma necessária terapia” (SOARES, 2011, p.49). Embora os teóricos do neoliberalismo ofereçam um mundo onde o comando pertenceria ao consumidor, “com seu poder de decidir o que deveria ser produzido, comprado ou vendido” (GALBRAITH, 2001, p.22), o nome desta doutrina político-econômica é frequentemente usado como uma espécie de palavrão na maioria dos discursos políticos.
Ao assinalar a intenção de reduzir ou flexibilizar direitos sociais até então reconhecidos, o neoliberalismo provoca reações diversas na sociedade e na classe política. Acquaviva (2010, p. 231), por exemplo, apresenta uma visão sombria do neoliberalismo, ao afirmar que:
“ao observador atento e sereno resta evidente que prevalece no mundo contemporâneo (...) um mercado dirigido por corporações transnacionais que adotam notória estratégia de dominação dos mercados. O próprio poder de estados em desenvolvimento acha-se condicionado à planificação e operação das grandes empresas nacionais ou transnacionais. Articuladas entre si manipulam a economia na direção de seus próprios interesses. Disso resulta que a atividade econômica aparentemente livre é na verdade planificada dirigida e administrada não pelo estado mas pela iniciativa privada” .
Chaui, outra crítica do neoliberalismo, afirma que sob a sua tutela o desemprego deixou de ser acidental, expressão de crises conjunturais, mas estrutural, por conta da velocidade de rotatividade da mão de obra, que logo se torna desqualificada ou obsoleta, por conta da velocidade das mudanças tecnológicas. O ex-ministro da Fazenda Bresser Pereira, por outro lado, busca afastar o uso do termo “neoliberal” para as reformas gerenciais que atingiram a administração pública brasileira após 1995. Ele afirma que:
“As reformas indiscriminadamente chamadas neoliberais - o ajuste fiscal, a privatização, aliberalização comercial, a desregulação, a reforma da administração pública - são, na verdade, quando bem-sucedidas, reformas que fortalecem o Estado ao invés de enfraquecê-lo, devolvendo-lhe a governança democrática. Serão neoliberais se visarem ao Estado mínimo; adicionalmente conservadoras, se levarem a uma maior concentração de renda, serão, entretanto, progressistas se reconstruírem o Estado, recuperando sua capacidade de realizar poupança pública e de gestão, de forma a viabilizar a implementação de políticas econômicas e, principalmente, sociais, orientadas para a afirmação dos direitos de cidadania” (BRESSER, 2008, p.33)
A questão das reformas ditas “neoliberais”, focadas no controle dos gastos públicos e da inflação, em conjunto com a redução da cobertura do sistema previdenciário e social, esteve no centro da política econômica de muitos países europeus abalados pela grande crise financeira mundial iniciada em 2008.
Enquanto alguns países, como Portugal, aceitaram o remédio amargo sugerido pela União Europeia outros, como a Grécia, tentaram retomar o crescimento sem abrir mão das conquistas sociais. Os fatos, entretanto, ainda não permitem dizer com certeza quem escolheu o melhor caminho.

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