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Estabelecimento do Feudalismo

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Demonstrar como a Estrutura Feudal se estabeleceu.
(Hilário-Franco-Jr-A-Idade-Media)
No período configurado convencional e aproximadamente ao ano 1000, ocorreu no Ocidente Medieval um processo de mutação feudal, como é apontado pelos historiadores. Durante esse período sabe-se que as monarquias foram enfraquecidas de modo que, em seu lugar, outros títulos da nobreza como condes e duques efetivassem o poder de fato nas terras que os pertenciam (BARTHÉLEMY, 2010, p.145). 
A base feudal está relacionada a modelos de descentralização política, com a posse relativa da terra pelos senhores feudais baseada em algum tipo de serviço por eles prestado. Para assegurar os serviços civis e militares de que carece, o soberano partilha as suas terras em feudos que distribui por vassalos com quem afirma um contrato. Na sua essência, o feudalismo atingiu uma fatia mais ou menos significativa no seu tempo histórico. É uma maneira de sociedade própria das classes dominantes, que une estreitamente quatro elementos: vassalagem, benefício, senhorio e sistema dominial de exploração da terra. São importantes princípios fundamentais do feudalismo: 1. A relação direta do soberano e do vassalo firmada através dum contrato que liga as partes a uma fidelidade recíproca, devendo uma à outra proteção como permuta dos seus comuns serviços; 2. O poder útil da terra, na condição de assegurar o serviço de numerosas pessoas, e o usufruto direto concedido ao residente. Na organização feudal a economia agrícola caracteriza-se por as relações de produção girarem à volta da terra; a única fonte de riqueza é a terra pertença do Governo; aqueles que trabalham não têm direito à terra, apenas podem utilizá-la sob condição de usufruto ou servidão; senhores, produtores e servos, têm direito a uma parte do produto da terra; na sua maioria, os trabalhadores são servos ligados ao seu senhor, não desfrutando de liberdade total, ligados à terra que cultivam; a terra lavrada do domínio feudal divide-se em terra cultivada pelos servos ou escravos do senhor e em terras cultivadas pelos camponeses, por conta própria, sob a forma de pequenas unidades produtivas. A posse da terra era a fonte do poder político. 
 Para o estudo dessas terras e do modo de produção feudal, criou-se entre os historiadores o conceito de Grande Domínio. Tal termo carrega consigo extensos debates acerca de sua origem, função e até mesmo existência, como é o caso da teoria fiscalista, sustentada por Jean Durliat e Elisabeth Magnou-Nortier, que defendiam a noção de manso como unidade fiscal, e não agrária (SOBREIRA, 2015, p.120). Ademais, em 1960, o historiador belga Adriaan Verhulst introduz na historiografia de forma marcante o que se compreende por Grande Domínio Clássico. Tratado nas fontes como Villa, esses territórios podem ser regidos, segundo Victor Sobreira “por um dominus, que pode ser o rei, um bispo, um abade ou até mesmo potentes laicos” (SOBREIRA, 2015, p. 110). É evidente que diante dessa variedade de administrações, seria inevitável problemas envolvendo a posse, controle e delimitação de territórios. 
 
O fato de que tanto o Clero quanto a Nobreza exerciam papel de soberania em suas terras implica uma série de relações entre essas duas esferas da sociedade feudal. Relações do tipo harmônico eram recorrentes entre membros da Igreja e da aristocracia, visto que haviam doações de terras e esmolas por parte dos nobres para terras da Igreja (BARTHÉLEMY, 2010, p.146). Entretanto, por serem duas classes soberanas em relação ao domínio de terras, é evidente que ocorriam disputas entre elas. Habitantes de monastérios muitas vezes retratam nobres como vizinhos incômodos ou até mesmo tirânicos (BARTHÉLEMY, 2010, p.146). O motivo dessas críticas aos aristocratas se deram à disputa por direitos entre as classes dominantes. Monges pressionavam nobres reivindicando o reconhecimento de suas terras e privilégios, inicialmente respeitados pelos aristocratas que posteriormente obrigavam os clérigos a reduzirem as tais propriedades e privilégios. Os monges, assim, ficariam insatisfeitos e tratariam os Nobres como bestas selvagens, espoliadores e tiranos, pedindo a Deus e aos santos que os amaldiçoem através de uma vingança milagrosa (BARTHÉLEMY, 2010, p.148). 
 
Apesar de extenso, o estudo acerca do controle de terras pode demonstrar um certo desequilíbrio, não por culpa ou escolha dos historiadores, mas sim pelas fontes disponíveis, sendo predominantemente monásticas. Essas fontes em predominância podem ser polípticos e cartas de doação, enquanto as pesquisas sobre as terras do rei se limitam ao brevium exempla, capitulário das villis e as cartas de doação aos monastérios, já mencionadas acima. Tal disponibilidade de documentos não consegue apresentar por completo grandes domínios pertencentes à aristocracia, consequência desses serem mais dispersos e terem maior mobilidade (SOBREIRA, 2015, p. 141-142). 
 
Exemplificando o predomínio da produção de fontes por parte de membros do Clero, o livro Os Milagres de São Bento escrito pelo monge André ilustra a influência do pensamento sagrado no contexto feudal. Tal pensamento exercia a manutenção da sociedade , que por sua vez era estratificada e estamental, como pode ser observado no trecho a seguir do livro supracitado: “Assim, pela instabilidade de uma moeda, Stabilis foi desmascarado e permaneceu, depois disto, submetido perpetuamente aos monges; não podia libertar-se do vinculo servil [servile vinculum] quem [São] Bento havia adquirido para si tão bravamente” (DE CERTAIN, E. 1858, p.218-221). Na narrativa, Stabilis era um servo do mosteiro de São Bento que se passou por um nobre e viveu uma vida secular. Posteriormente, foi desmascarado através de um milagre realizado pelo próprio São Bento que o colocou de volta em sua condição servil ate o fim da sua vida. Sendo assim, a predestinação dos homens imposta por Deus não poderia, em hipótese alguma, ser contrariada. 
 
Outra grande influencia do sagrado no contexto do feudalismo se da nas disputas entre nobres e clérigos já citadas anteriormente. Quando um nobre era vassalo de um mosteiro de determinado Santo e não respeitava as terras desse mesmo mosteiro, monges descreviam em suas fontes o aristocrata espoliador como se um demônio o tivesse possuído. Dessa forma, o discurso dos monges eram moldados pela religião de forma a apontar que o vassalo “tirano” estava indo contra a ordem natural imposta por Deus (BARTHÉLEMY, 2010, p.171). 
 
Além disso, as fontes monásticas influenciaram muito na historiografia clássica a respeito do período feudal em debate. Tal visão tradicional a respeito da sociedade ocidental desse período da Idade Média é retratada como uma época de extrema violência e barbárie, sendo vista ate mesmo como “Anarquia Feudal”. No entanto, os antimutacionistas levantam uma outra perspectiva sobre o período em estudo, considerando que a visão anterior é caracterizada por um discurso distorcido e exagerado dos monges: “O momento em que nós nos livramos da tirania desse modelo, no entanto, nós deixamos nossos olhos e cantas livres para vermos outras perspectivas, outras intrigas. Nós podemos seguir, onde é possível, as sugestões da antropologia. (...) Para os mutacionistas, haviam problemas ligados à multiplicação de castelos um século depois. Mas não eram essas crises exageradas pelos monges [que as repetiam]? E a construção de castelos periféricos era realmente uma catástrofe?” (BARTHÉLEMY, 1998, p146-147). 
 
Sendo assim, a proliferação de castelos e muralhas do período feudal não se deram por um momento de violência excessiva, mas pode ser entendida como uma diluição e marginalização da mesma (BARTHÉLEMY, 2010, p.153). Sabe-se que, na verdade, existiam outras maneiras de se resolver conflitos que não a violência. Existia, até mesmo, a possibilidade da mediação de conflitos através de acordos, como é explicitado no trecho a seguir da carta de Eudes II de Blois ao Rei Roberto II capetíngio em 1023: “O Conde Ricardo, teu fiel [fidelis], me pediu para vir-meexplicar em justiça ou concluir um acordo [concordiam] em relação às querelas que tu tinhas contra mim” (HALPHEN, 1908, p.287296). A homenagem de mãos (rito que sela as obrigações dos senhores e dos vassalos em seu laço) também é uma maneira de resolução de conflitos da primeira idade feudal. Tal acordo cria a solidariedade de armas e cria o símbolo de uma reconciliação entre o senhor e o vassalo (BARTHÉLEMY, 2010, p150-151). O estabelecimento da “Paz de Deus” é um outro tipo de acordo de supressão da violência entre senhores do contexto feudal, na qual é implantada uma “paz obrigatória” explicada por motivos sagrados (BARTHÉLEMY, 2010, p.190). 
 
Nesse contexto, as disputas por direitos entre mosteiros e senhores levaram os primeiros a retratarem em suas fontes a aristocracia medieval como bárbara e rude, uma vez que o discurso religioso que tornava a sociedade estratificada e estamental moldava o pensamento, não só dos monges, mas da sociedade feudal. Isso causou um vício na historiografia até o século XX, que tem a visão desse período como violento e desorganizado. No entanto a perspectiva antimutacionista mostra que os laços vassálicos e as relações senhoriais evitavam o conflito armado na medida do possível, dispondo de diversas maneiras de mediação tendo como objetivo um consenso. Dessa forma, conclui-se que os estudos sobre a primeira idade feudal da Europa Medieval devem levar em conta o revisionismo.

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