Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
SUMÁRIO 1 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE MORFOLOGIA ............................... 2 2 CLASSES E FUNÇÕES.............................................................................. 4 3 POR QUE CLASSIFICAR OS VOCÁBULOS? ............................................ 7 3.1 CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO .................................................... 11 3.2 CRITÉRIO MÓRFICO ........................................................................ 12 3.3 CRITÉRIO FUNCIONAL ..................................................................... 13 4 A CLASSE DOS NOMES EM PORTUGUÊs ............................................ 17 5 SUBSTANTIVO/ADJETIVO - PROBLEMA DE CLASSIFICAÇÃO ............ 30 6 FLEXÃO DOS NOMES - GÊNERO .......................................................... 32 6.1 Gênero do adjetivo ............................................................................. 36 6.2 Flexão dos nomes – número .............................................................. 37 6.3 O grau como processo derivacional ................................................... 40 7 PERSPECTIVAS QUANTO AO ENSINO ................................................. 49 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 52 1 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE MORFOLOGIA Um pouco de morfologia para começar. Em qualquer frase que produzimos, a compreensão estará garantida se nós e o nosso interlocutor tivermos alguns pontos em comum. Suponhamos o seguinte diálogo, ouvido em um escritório: Pedro: - Por favor, escaneie este artigo do jornal para mim. João: - Escan o que? Pedro: - Escanear, passar o "scanner". João: - O que é "scanner"? Pedro: - É um aparelho que se usa junto com o computador. Escanear é copiar. João: - Agora, sim. Eu até entendi que você queria que eu fizesse alguma coisa com o artigo do jornal, mas não percebi o quê exatamente. O problema de comunicação neste diálogo ocorreu porque João desconhece o sentido do vocábulo "escanear". Ele até percebeu que significava "fazer alguma coisa", mas só chegou até aí. Escanear vem sendo muito usado em português, na área de informática. Vem de "scan" (esquadrinhar, explorar) e "scanner" (a máquina que faz cópias), vocábulos de origem inglesa. Esse processo é semelhante ao que gerou em português o verbo xerocar, a partir de Xerox, nome da firma que produz a máquina. Em um e outro caso, formaram-se em português verbos reunindo um radical inglês e uma desinência verbal de infinitivo de 1ª conjugação, própria do português. Esse processo é muito produtivo, não somente na área de informática. Observe: malufar (= aderir a ideias de Paulo Maluf); resetar (= religar o computador); surfar (= praticar o esporte chamado surf). O falante tem um conhecimento intuitivo da possibilidade de combinar um número ilimitado de elementos lexicais com um número reduzido de elementos gramaticais, específicos do português, resultando dessa combinação os vocábulos com que expressa o seu conhecimento do mundo. Essa significação lexical é expressa nos vocábulos por aquilo que, em morfologia, designamos por morfema lexical. Já a significação gramatical corresponde ao que designamos por morfema gramatical. Os vocábulos em português resultam da seleção e da combinação de morfemas, formas mínimas que contêm significação. Tanto os morfemas lexicais quanto os gramaticais retratam a maneira como o homem vê a realidade que o rodeia. Os morfemas lexicais, como já foi dito, têm significação externa, relacionam- se ao mundo extralinguístico. Exemplos: flor, sol, árvore, saudade. Os morfemas gramaticais têm significação interna, gramatical, relacionam-se com o sistema linguístico e são responsáveis por representar categorias gramaticais próprias da língua, no processo de flexão. Exemplo: -s é o morfema gramatical que, em português, traduz a noção de plural. Podem também ter uma função relacional, reunindo, nas frases da língua, os vocábulos constituintes. Exemplos: livro de leitura, café com leite, gostei mas não comprei. Existe uma outra característica que distingue os morfemas lexicais dos morfemas gramaticais: os lexicais constituem um conjunto aberto, pois novos elementos podem ser acrescentados aos já existentes; os gramaticais constituem um conjunto fechado, finito, próprio de uma língua. Retomemos o verbo escanear. Ele foi criado a partir de um termo do inglês, scan, ao qual se acrescentou a terminação -ar, que marca os verbos de 1ª conjugação. Da mesma forma, incorporaram-se ao léxico português os verbos malufar, surfar, em que temos os morfemas lexicais maluf- e surf-(inventário aberto), aos quais se juntou a mesma terminação -ar (composta pelos morfemas gramaticais -a e -r). Para reforçar a noção de inventário aberto e inventário fechado, transcrevemos aqui alguns trechos do texto "Nós, os temulentos", de Guimarães Rosa, um dos prefácios de Tutaméia, o último livro publicado em vida do autor. Nós, os temulentos E, mais três passos, pernibambo, tapava o caminho a uma senhora, de paupérrimas feições, que em ira o mirou, com trinta espetos. - Feia! - o Chico disse; fora-se-lhe a galanteria. - E você, seu bêbado!? - megerizou a cuja. E, aí, o Chico: - Ah, mas … Eu?… Eu, amanhã, estou bom … E, continuando, com segura incerteza, deu consigo noutro local, onde se achavam os copoanheiros, com método iam combeber. Já o José, no ultimato, errava mão, despejando-se o preciosíssimo líquido orelha adentro. - Formidável! Educaste-a? - perguntou o João, de apurado falar. - Não. Eu bebo para me desapaixonar … Mas o Chico possuía outros iguais motivos: - E eu para esquecer … - Esquecer o que? - Esqueci. Considerando-se o inventário aberto e fechado, destaque os morfemas lexicais que constituem um conjunto aberto, pois novos elementos podem ser acrescentados aos já existentes; e alguns gramaticais que constituem um conjunto fechado, finito, próprio de uma língua. 2 CLASSES E FUNÇÕES Antes de abordar a questão das classes, é necessário esclarecer os conceitos de classe e função: Classe · "classe é um conjunto de elementos linguísticos com uma propriedade essencial em comum" (Mattoso Câmara, 1977). · “uma classe será definida como o conjunto de unidades que têm as mesmas possibilidades de aparecer num dado ponto do enunciado” (Dubois, 1978). · "uma classe é um conjunto (não necessariamente finito) de formas linguísticas" (Perini, 1985). · "classe é uma propriedade que se atribui a um elemento fora de contexto "(Perini, 1995) Função · "função é a aplicação que tem na língua uma forma em vista do seu valor gramatical" (Mattoso Câmara, 1977) · "função é o papel representado por um termo na estrutura gramatical de um enunciado, sendo cada membro considerado como participando do sentido geral desta. (Dubois, 1978) · "uma função é um princípio organizacional da linguagem" (Perini, 1985) · "determinar a função de um constituinte é formular sua relação com os demais constituintes da unidade de que ambos fazem parte" (Perini, 1985) . “a relação que se estabelece entre dois elementos que se articulam” (Carone, 2002) . “na estrutura sintática é o papel exercido por um dos componentes em relação a outro: adjunto adnominal (do substantivo...), sujeito (do verbo...)” (Carone, 2002) Entretanto, não devemos trabalhar com estes dois conceitos de maneira estanque, porque fica cada vez mais evidente que, para definirmos uma classe devocábulos, precisamos usar critérios funcionais. Ou seja, precisamos definir qual o papel do vocábulo na unidade sintagmática em que ele ocorre. Por unidade sintagmática deve ser entendido um agrupamento intermediário entre o nível do vocábulo e o da oração. Desta maneira, um ou mais vocábulos se unem (em sintagmas) para formar uma unidade maior, que é a oração. O cientista não resolveu todas as questões O cientista Não resolveu todas as questões Sintagma nominal sintagma verbal Os vocábulos que compõem a unidade sintagmática se organizam em torno de um núcleo; dependendo do núcleo, podemos falar em sintagma nominal e sintagma verbal. Chama-se sintagma uma sequência de palavras que constituem uma unidade (sintagma vem de uma palavra grega que comporta o prefixo sim, que significa com, que encontramos, por exemplo, em simpatia e sincronia). Um sintagma é uma associação de elementos compostos num conjunto, organizados num todo, funcionando conjuntamente. (…) sintagma significa, por definição, organização e relações de dependência e de ordem à volta de um elemento essencial." (Dubois-Charlier. Bases de Análise Linguística) Diferentes vocábulos que pertencem a um mesmo sintagma desempenham dentro dele funções distintas: no sintagma nominal, por exemplo, o nome substantivo O cientista Não resolveu todas as questões sintagma nominal mod. verbo sintagma nominal O cientista não resolveu todas as questões Determinante+núcleo nominal adv + núcleo verbal det. + det. + núcleo nominal que funciona como núcleo pode ser determinado por artigos, pronomes e numerais e modificado por adjetivos, locuções adjetivas e/ou orações subordinadas adjetivas. Desta maneira, é evidente que existe, dentro do sintagma, uma organização em que os vocábulos, dependendo de sua posição e da relação que estabelecem entre si, desempenham diferentes funções. 3 POR QUE CLASSIFICAR OS VOCÁBULOS? Ao incluirmos nesta série de temas de Língua Portuguesa um texto sobre. As classes de vocábulos, queremos, em primeiro lugar, esclarecer que nossa intenção é encaminhar o assunto visando ampliar a capacidade de expressão oral e escrita do aluno, em uma perspectiva produtiva. Por que, então, arrumar os vocábulos em classes? Em qualquer livro didático, encontramos, invariavelmente, um capítulo dedicado ao estudo das classes. No entanto, percebemos que os livros repetem a enumeração de forma puramente descritiva, o que leva os alunos a uma simples memorização, sem entender bem para que estejam aprendendo aquilo. É necessário, portanto, que o professor, no trabalho com o ensino da língua, tenha clareza da diferença entre uma perspectiva descritiva e uma perspectiva produtiva. Fonte: www.2.bp.blogspot.com Na tradição da abordagem descritiva, destacaremos aqui a visão do professor Mário Perini, que, há tempo, vem se dedicando ao estudo da gramática do português, refletindo e propondo algumas inovações. Em 1985, publicou, pela editora Ática, para uma nova gramática do português, que constitui uma proposta de renovação do ensino gramatical, partindo de uma crítica das bases teóricas da gramática tradicional. No capítulo "Classes e funções", Perini mostra a distinção entre classe e função, de forma clara, concluindo que: "A classificação das palavras é apenas um caso particular da classificação das formas sintáticas, e desprezar esse fato equivale a deixar de exprimir muitas generalizações importantes sobre a estrutura da língua." Mário Perini publicou, também pela editora Ática (1995), a Gramática descritiva do português, em que dedica dois capítulos ao estudo das classes. Retomando a abordagem de 1985, o autor justifica a colocação de duas ou mais palavras na mesma classe com base no princípio da economia. O que vem a ser esse princípio? Existem afirmações que podem ser feitas para um grande número de palavras. "Se as colocarmos todas na mesma classe, poderemos fazer nossa afirmação única no lugar de milhares de afirmações idênticas separadas. Além disso, poderemos descobrir que há outras afirmações gramaticais que valem exatamente para essas mesmas palavras - ou seja, para essa mesma classe.” Em livro mais recente (1998), Perini faz uma interessante crítica sobre o ensino das classes de vocábulos e da gramática em geral. "Uma coisa que nos poderiam ter dito na escola (mas, em geral, não disseram) é para quê a gente precisa separar as palavras em classes. Ora, a razão é semelhante à que nos obriga a separar os animais em classes, ordens, espécies etc.: classificamos as palavras para podermos tratar delas com um mínimo de economia.” (p. 41) Um pouco antes ele havia afirmado: Grande parte do labor científico consiste em classificar entidades e elaborar justificativas para essa classificação. A ciência não se limita a isso, evidentemente: uma ciência é muito mais que uma classificação de objetos. Mas, em geral, depende de classificações, até mesmo para possibilitar o diálogo entre cientistas. Por exemplo, os zoólogos dividem os animais em diversas categorias: mamíferos, répteis, peixes, insetos, aves, anfíbios, e assim por diante. Sem essas categorias seria muito difícil fazer zoologia, ou mesmo falar de zoologia, pois elas permitem ao cientista referir-se a tipos de animais, em vez de referir-se a cada animal (ou cada espécie) individualmente. Assim, podemos encontrar trabalhos descritivos sobre os mamíferos da América do Sul, ou sobre a evolução dos répteis, ou sobre a fisiologia dos insetos etc. Esses trabalhos, e muitíssimos outros, dependem da classificação prévia dos animais (classes, ordens, famílias, gêneros e espécies) para a definição de seu campo de interesse; nesse sentido, todo o trabalho da zoologia repousa sobre classificações. É preciso, naturalmente, dispor de critérios objetivos para colocar um animal nesta ou naquela classe. Assim, os mamíferos se distinguem dos répteis graças a diversos traços de sua estrutura e funcionamento: a temperatura do corpo dos mamíferos é constante, a dos répteis depende da temperatura ambiente; os mamíferos dão à luz filhotes vivos, os répteis põem ovos; os mamíferos amamentam os filhotes, os répteis não; os mamíferos têm pelos, os répteis têm a pele nua ou coberta de escamas. Com esses quatro critérios é possível, em geral, decidir rapidamente se um animal é mamífero ou réptil: lagartixas e vacas não apresentam dificuldades a esse respeito. Mas dificuldades há, embora nem sempre sejam mencionadas nos livros de introdução à biologia. Uma delas é o ornitorrinco. Esse estranho bicho australiano bota ovos, mas amamenta os filhotes; tem temperatura do corpo parcialmente dependente da temperatura ambiente e tem pelos. Será um mamífero, um réptil ou outra categoria qualquer? Isso depende de darmos mais importância a um ou outro dos critérios que definem as classes. De qualquer forma, é necessário admitir que as categorias “mamíferas” e répteis”, embora convenientes e úteis, não são perfeitas. A maioria dos animais se coloca claramente em um ou outra das diversas classes reconhecidas pelos zoólogos; mas há alguns, como o ornitorrinco, que ficam mais ou menos no meio." (p.39/40) Sem negar a necessidade de trabalhar sob uma perspectiva descritiva, é preciso ter em mente que um ensino mais produtivo da língua está vinculado ao conhecimento de como cada classe atua na organização e produção de textos. Sob esse ponto de vista,o estudo das classes deveria contribuir para ampliar a expressão oral e escrita do aluno, permitindo-lhe explorar, com mais expressividade, as possibilidades combinatórias dos vocábulos na construção do texto. Um dos conhecimentos que o aluno pode adquirir, por exemplo, diz respeito à mobilidade que certos vocábulos apresentam. Observe o emprego do advérbio nestas frases: A moto em que ele estava passeando lentamente saiu da estrada. 3.1 Critérios de classificação Fonte: www.o.aolcdn.com Os vocábulos de uma língua constituem um conjunto ordenado, e o que concorre para essa ordenação é o fato de apresentarem semelhanças de forma, de sentido e de função, como vimos na introdução. Daí poderem ser agrupados ou classificados levando em conta três critérios: o formal ou mórfico, o semântico e o funcional. O critério formal ou mórfico baseia-se nas características da estrutura do vocábulo; o semântico baseia-se no seu modo de significação (extralinguístico e intralinguístico), e o funcional baseia-se na função ou papel que ele desempenha na oração. A aplicação desses critérios nos conduzirá às classes de vocábulos, ou seja, aos conjuntos "das unidades que têm as mesmas possibilidades de aparecer num dado enunciado" (Dubois, 1973, p.108). Para reforçar a opção por esses critérios, convém lembrar que a língua é um sistema de elementos e de relações; esse sistema, formado de subsistemas, se organiza nos níveis fonológico, morfossintático e semântico. Segundo Mattoso Câmara, o critério semântico não deve ser observado isoladamente, como acontece comumente na Gramática Tradicional. Para ele, o critério semântico e o critério mórfico se associam de forma muito estreita, pois o vocábulo é uma unidade de forma e de sentido. "O sentido não é qualquer coisa de independente, ou, mais particularmente, não é apenas um conceito; conjuga-se a uma forma. O termo sentido só pode ser entendido com o auxílio do conceito deforma." (Mattoso Câmara, 1970). De acordo com o critério morfo-semântico, os vocábulos do português se agrupam em nomes, verbos, pronomes, advérbios e conectivos, constituindo-se as três primeiras classes, de vocábulos variáveis, e as duas últimas, de vocábulos invariáveis. A diferença entre essas classes está no modo de significação e nas categorias gramaticais que cada uma delas expressa, ou seja, na sua flexão. O nome, por nomear os seres, expressa as categorias de gênero e número; O pronome faz uma referência ao nome dentro de um contexto e por isso expressa também as categorias de gênero e número, além de possuir formas diferentes para pessoas e funções sintáticas; O verbo, que expressa um processo, se distingue das outras classes do grupo porque apresenta variação de modo, tempo (aspecto) e pessoa (número); O advérbio especifica a significação de um processo verbal e é invariável; Os conectores estabelecem relações de sentido entre os elementos da frase e são invariáveis. Por outro lado, os critérios mórfico e funcional estão também intimamente relacionados, pois a forma depende da função que o vocábulo desempenha na frase, das relações de regência e concordância que se estabelecem. Do ponto de vista funcional, as classes de vocábulos podem ser diferenciadas de acordo com características sintáticas. O nome substantivo funciona como núcleo do sintagma nominal, acompanhado por determinantes e modificadores. O verbo funciona como núcleo do sintagma verbal, acompanhado por complementos e modificadores. Os quadros a seguir apresentam a classificação dos vocábulos de acordo com esses critérios: 3.2 Critério mórfico substantivo adjetivo Advérbio nome variável variável Invariável pronome variável variável Invariável CRITÉRIO SEMÂNTICO substantivo adjetivo Advérbio nome nomeia os seres especifica o nome substantivo especifica o verbo ou o nome adjetivo pronome situa no contexto situa no contexto expressa as circunstâncias da ação verbal 3.3 Critério funcional substantivo adjetivo Advérbio Nome núcleo de sintagma modificador do núcleo do sintagma nominal modificador do núcleo do sintagma verbal ou de um modificador do núcleo do sintagma nominal pronome núcleo de sintagma modificador do núcleo do sintagma nominal modificador do núcleo do sintagma verbal ou de um modificador do núcleo do sintagma nominal Retomando o conceito de função como um princípio da organização da oração, devemos entender que “determinar a função de um constituinte é formular sua relação com os demais constituintes da unidade de que ambos fazem parte" (Perini, 1995). Para Perini (1995), "classificar as palavras implica elaborar uma classificação sobre critérios formais (sem excluir da descrição a classificação semântica, mas separando-se nitidamente dela)". Afirma que "é necessário classificar as palavras quanto a seus traços formais, isto é, quanto ao seu comportamento sintático e morfológico; e também é necessário classificá-las quanto a seus traços de significado". Segundo ele, é preciso estar atento à coerência que deve haver dentro de cada classe, isto é, a definição que se dá desta classe deve se adequar ao conjunto de vocábulos nela incluído; deve haver também uma relativa homogeneidade entre os componentes da classe quanto ao comportamento gramatical. Embora esses conjuntos de vocábulos possam ser estabelecidos com base em semelhanças de comportamento gramatical, a função que eles desempenham é fundamental para determinar suas características semânticas e morfológicas. Por isso, a separação entre as classes não é estanque. Observe estes parágrafos extraídos do texto Nós, o pistoleiro, não devemos ter piedade, de Moacyr Scliar. [...] porta se abre. Entra um mexicano chamado Alonso. Dirige-se a nós com desrespeito. Chama-nos de gringo, ri alto, faz tilintar a espora. Nós fingimos ignorá-lo. Continuamos bebendo nosso uísque a pequenos goles. O mexicano aproxima-se de nós. Insulta-nos. Esbofeteia-nos. Nosso coração se confrange. Não queríamos matar mais ninguém. Mas teremos de abrir uma exceção para Alonso, cão mexicano. Combinamos o duelo para o dia seguinte, ao nascer do sol. Alonso dá- nos mais uma pequena bofetada e vai-se. Ficamos pensativos, bebendo o uísque a pequenos goles. Finalmente atiramos uma moeda de ouro sobre o balcão e saímos. Caminhamos lentamente em direção ao nosso hotel. A população nos olha. Sabe que somos um terrível pistoleiro. Pobre mexicano, pobre Alonso.[…] (Para gostar de ler, vol.9, São Paulo, Ática, 1992) Comparando os sintagmas um mexicano, o mexicano, pobre mexicano, cão mexicano, verifique como funciona a palavra mexicana e no último sintagma. Explique o que ocorre, a partir da noção de mobilidade dentro dos sintagmas e mudança na sua função. Há, de certa forma, entre os autores citados, uma concordância de que é importante considerar os vocábulos em seus diferentes aspectos (morfológico, funcional e semântico). O problema com os livros de gramática e os livros didáticos é que, em geral, a definição de cada classe não leva em conta os mesmos critérios, o que resulta em definições confusas, privilegiando ora um, ora outro critério. De uma forma geral, a classificação se apóia basicamente no critério semântico, complementado às vezes pelo morfológico. Essa posição tem origens históricas. Os antigos gramáticos gregos e latinos já se preocupavam com o estudo das diferentes classes,estabelecendo, com base em uma perspectiva morfológica, distinções baseadas nas flexões a que cada tipo de vocábulo se submetia. Por exemplo, o substantivo era diferenciado do verbo por apresentar flexão de gênero e número, e não de pessoa, tempo e modo. Seguindo esse modelo, as gramáticas normativas também privilegiam o critério morfológico, aliando-o, agora, ao critério semântico. Já nos estudos linguísticos mais recentes, fica evidente a necessidade de basear a classificação dos vocábulos no critério funcional. Em português, distinguem-se, tradicionalmente, dez classes de vocábulos. Vejamos as definições normalmente encontradas nos compêndios gramaticais: Substantivo - é o nome de todos os seres (critério semântico) que existem ou que imaginamos existir. Adjetivo - é toda e qualquer palavra que, junto de um substantivo, (critério funcional) indica uma qualidade, estado, defeito ou condição (critério semântico). Numeral - é a palavra que dá idéia de número (critério semântico). Artigo - é a palavra que antecede o substantivo (critério funcional) e indica o seu gênero e número, (critério morfológico) individualizando-o ou generalizando-o (critério semântico). Pronome - a palavra que substitui ou acompanha um substantivo (nome) , (critério funcional) em relação às pessoas do discurso (critério morfo-semântico). Verbo - é a palavra que pode sofrer as flexões de tempo, pessoa, número e modo. (critério morfológico) (...) é a palavra que pode ser conjugada; indica essencialmente um desenvolvimento, um processo (ação, estado ou fenômeno) (critério semântico). Advérbio - é a palavra invariável, (critério morfológico) que modifica essencialmente o verbo (critério funcional), exprimindo uma circunstância (tempo, modo, lugar, etc.) (critério funcional) . Preposição - é a palavra invariável (critério morfológico) que liga duas outras palavras entre si (critério funcional), estabelecendo entre elas certas relações (critério semântico). Conjunção - é a palavra invariável (critério morfológico) que liga orações, ou, ainda, termos de uma mesma função sintática (critério funcional). Interjeição - é a palavra invariável (critério morfológico) que exprime emoção ou sentimento repentino (critério semântico) . Essas definições são incompletas e devem ser revistas, porque privilegiam, seguindo a tradição gramatical, quase que exclusivamente o critério semântico. Essas definições, seguindo a tradição gramatical, privilegiam quase que exclusivamente o critério semântico, o que as torna definições incompletas. Fonte: www.uptokids.pt Em um dos compêndios analisados, encontra-se, inclusive, a seguinte afirmação sobre as interjeições: "As interjeições são, na verdade, frases implícitas, e não palavras invariáveis. Comprova-o o fato de a interjeição não exercer nenhuma função na oração." Este tipo de definição é contraditório porque, apesar de encaminhar a argumentação com base em um critério funcional ("a interjeição é uma frase implícita"), conclui o raciocínio com base em um critério morfo-semântico ("palavra invariável que exprime noção ou sentimento repentino"). Tendo em vista esse problema, vamos procurar trabalhar, nesta unidade, com uma classificação que tenha uma coerência maior, levando em conta as considerações anteriormente feitas. Elizabeth B. R. Oliveira, José Luiz C. Negrini e Nina R. P. Lourenço (1977), na série "Encontro com a linguagem", publicação destinada ao ensino de língua e literatura no segundo grau, apresentam um estudo muito coerente das classes de vocábulos, seguindo a linha proposta por Mattoso Câmara. Três critérios, portanto, orientam o estudo de cada uma das classes: o funcional, o mórfico e o semântico, coerentemente com o que foi discutido antes. Esta orientação, ao lado da de Perini, é a que seguiremos na abordagem de cada classe em particular. 4 A CLASSE DOS NOMES EM PORTUGUÊS No nosso dia-a-dia, fazemos um uso muito frequente de nomes, para dois tipos de função: a) identificar seres e objetos (substantivos); b) caracterizar, especificar, especializar seres e objetos (adjetivos); Substantivos e adjetivos fazem parte da ampla classe dos nomes. Existe uma diferença entre eles, mas essa diferença só se evidencia funcionalmente, quando aparecem combinados no sintagma, numa ordem linear. Quando isolados, nem sempre é possível uma distinção nítida entre substantivos e adjetivos, porque eles têm características mórficas semelhantes, isto é, flexionam-se para expressar as categorias de gênero e número. Percebemos que os substantivos podem ser modificados por adjetivos, elementos capazes de precisar o seu sentido, e que esse processo constitui um mecanismo produtivo na língua, dada a capacidade dos adjetivos de expandir a idéia básica definida pelos substantivos. Texto 1 Rios de Petrópolis A poluição faz rios coloridos. Não é tão feia assim. Como atração reproduz, em matizes escolhidos, as belas cores da televisão. (Carlos Drummond de Andrade) Comentário sobre o texto 1 Neste texto podemos observar a relação núcleo (termo determinado) e modificador (termo determinante) de maneira muito clara. modificador núcleo (adjetivos) (substantivos) núcleo modificador (substantivos) (adjetivos) Nome substantivo Vocábulo que funciona como termo determinado, como núcleo de um sintagma nominal (critério funcional); Vocábulo formado por morfema lexical mais morfemas gramaticais (critério mórfico); Vocábulo que se refere a seres reais ou imaginários, relacionando-se ao mundo extralinguístico (critério semântico). "Na linguagem, o conceito de ente ou ser é, muitas vezes, convencional em referência à realidade física e nem sempre corresponde à de um corpo individual, como sucede em homem, tigre, mesa. Traduz também uma interpretação - a) social (ex.: Brasil), b) impressionística (ex.: mar), c) abstrativa (ex.: beleza, sofrimento). (Mattoso Camara, 1978) Texto 2 Família Três meninos e duas meninas, sendo uma ainda de colo. A cozinheira preta, a copeira mulata, o papagaio, o gato, o cachorro, as galinhas gordas no palmo de horta e a mulher que trata de tudo. A espreguiçadeira, a cama, a gangorra, o cigarro, o trabalho, a reza, a goiabada na sobremesa de domingo, o palito nos dentes contentes, o gramofone rouco toda noite e a mulher que trata de tudo. O agiota, o leiteiro, o turco, o médico uma vez por mês, o bilhete todas as semanas branco! mas a esperança sempre verde. A mulher que trata de tudo e a felicidade. (Carlos Drummond de Andrade) Comentário sobre o texto 2 Como é feita a descrição da família? Como e pode caracterizar esse texto? Com base nominal ou verbal, explique. Como se agrupam os? Qual substantivo se destaca? Grife os exemplos. Como se caracteriza o quotidiano da família? Há dois substantivos abstratos, grife-os. Determine como eles funcionam no texto. Destacando alguns substantivos, vejamos como podem ser aplicados a eles os critérios de classificação: A- Critério funcional - do ponto de vista funcional, os substantivos destacados ocupam a posição de núcleo do sintagma nominal. B- Critério mórfico - do ponto de vista mórfico, podemos observar os morfemas que caracterizam o nome: o morfema lexical e os morfemas gramaticais (a vogal temática, o morfemade gênero e o morfema de número) Substantivos morfema lexical morfemas gramaticais: Vogal Temática Gênero Número Meninos menin- -o ø -s Meninas menin- Colo col- cozinheira cozinheir- Leiteiro leiteir- Cachorro cachorr- Médico médic- Horta hort- Mulher mulher Mês mês Bilhete bilhet- Semanas seman- esperança esperanç- felicidade felicidad- De acordo com a sua formação (critério mórfico), os substantivos podem ser assim agrupados: Primitivos - leite, goiaba Derivados - leiteiro, goiabada Simples - cama, bilhete, galinha Compostos - sofá-cama, carta-bilhete, galinha-d'angola C- Critério semântico - com base na distinção entre a significação extralinguística e a significação intralinguística, podemos opor o substantivo a outros tipos de vocábulos. Vocábulos Significação extralinguística Significação intralinguística meninos e cozinheira a cachorro galinhas que de mulher o De acordo com o critério semântico, podemos agrupar os substantivos da seguinte maneira: comuns - designam a espécie. Ex.: mulher, homem, leite. próprios - designam um representante da espécie. Ex.: Maria, Pedro. concretos- designam seres reais ou imaginários, sem relação de dependência. Ex.: gato, trabalho, semana. abstratos - designam noções, estados, ações, qualidades. Ex.: esperança, felicidade. coletivos - designam um conjunto de seres ou objetos sob a forma de um nome singular. Ex.: turma - coletivo de estudantes, de trabalhadores; constelação - coletivo de estrelas Os substantivos coletivos, por terem essa particularidade - vocábulo no singular para se referir a um conjunto -, geram variação na concordância verbal, principalmente na língua falada e em uma seqüência em que se encontrem mais afastados do verbo. Por isso, pode ocorrer uma alternância entre "o pessoal foi" e "o pessoal foram". Ex: O pessoal que eu convidei pra festa de aniversário dos meus filhos mais novos foram chegando aos pouquinhos." (Língua falada, situação informal, sujeito distante do núcleo verbal) Observação: A divisão dos substantivos em concreto/abstrato prende-se a critérios filosóficos, por isto é uma divisão questionável. Na verdade, a divisão dos substantivos pelo critério semântico não acrescenta muita novidade ao estudo da língua. Nome adjetivo Vocábulo que funciona como modificador do núcleo de um sintagma nominal. O adjetivo sempre se refere a um substantivo, expresso ou subentendido (critério funcional); Vocábulo formado por morfema lexical mais morfemas gramaticais indicadores de gênero e número. (critério formal ou mórfico); Vocábulo que especifica e/ou caracteriza seres animados e inanimados reais ou imaginários, atribuindo-lhes estados ou qualidades (critério semântico). Texto 3 Trecho do "Conto de Escola" (...)Começou a lição de escrita. Custa-me dizer que eu era dos mais adiantados da escola; mas era. Não digo também que era dos mais inteligentes, por um escrúpulo fácil de entender e de excelente efeito no estilo, mas não tenho outra convicção. Note-se que não era pálido nem mofino; tinha boas cores e músculos de ferro. Na lição de escrita, por exemplo, acabava sempre antes de todos, mas deixava-me estar a recortar narizes no papel ou na tábua, ocupação sem nobreza nem espiritualidade, mas em todo caso ingênua. Naquele dia foi a mesma cousa; tão depressa acabei, como entrei a reproduzir o nariz do mestre, dando-lhe cinco ou seis atitudes diferentes, das quais recordo a interrogativa, a admirativa, a dubitativa e a cogitativa. Não lhes punha esses nomes, pobre estudante de primeiras letras que era; mas, instintivamente, dava-lhes essas expressões. Os outros foram acabando; não tive remédio senão acabar também, entregar escrita, e voltar para o meu lugar. (...) (Machado de Assis) Comentário sobre o texto 3 A caracterização do personagem se faz pelo contraste entre adjetivos relacionados ao intelecto - adiantado, inteligente, excelente - e ao físico - pálido, mofino. A ironia, também presente no texto, se mostra na adjetivação que o estudante utiliza para caracterizar, metonimicamente, as atitudes do nariz do mestre - interrogativa, admirativa, dubitativa, cogitativa. Vamos examinar os adjetivos presentes no texto, levando em conta os critérios de classificação. A) Critério funcional - do ponto de vista funcional, os adjetivos destacados ocupam a posição de modificadores do núcleo do sintagma nominal. Em alguns casos, como nos destacados acima, a relação entre núcleo e modificador do sintagma nominal pode ser facilmente observada. Em outros, verifica- se uma forte semelhança entre o adjetivo e o substantivo, por isso é preciso recorrer ao critério funcional para perceber qual é o vocábulo determinado (substantivo) e qual é o vocábulo determinante (adjetivo). Observe estas frases: O campeão da Copa de 94 foi o Brasil. O time campeão marcou muitos gols. Quando dizemos 'O campeão da Copa de 94 foi o Brasil', a palavra campeão é o núcleo do sintagma, a base, o centro da informação contida em o campeão da Copa de 94. Estamos falando do campeão. Quando dizemos 'O time campeão marcou muitos gols', o centro da informação contida no sintagma o time campeão é a palavra time. Estamos falando do time. Fonte: www.posgraduacaofaveni.com.br No trabalho com a produção de textos, é importante mostrar a semelhança de função entre o adjetivo e a locução adjetiva, ambos modificadores do núcleo do sintagma nominal. A locução é formada por uma preposição mais um substantivo (sintagma preposicionado). No texto "Conto de Escola", encontramos, por exemplo, músculos de ferro, em que músculos é o núcleo e a locução adjetiva de ferro é o modificador. Na função de modificadores, os adjetivos e as locuções adjetivas podem especificar, caracterizar ou expressar uma avaliação do falante sobre os substantivos. Para especificar e caracterizar os substantivos, usamos, com maior frequência, as locuções adjetivas; para avaliar, são mais frequentes os adjetivos simples. ESPECIFICAÇÃO bola de futebol de basquete de gude panela de arroz de feijão de pipoca forma de bolo de queijo de pudim de pizza pista de corrida de atletismo de dança CARACTERIZAÇÃO bola de plástico de couro de meia santo de barro de madeira de gesso panela de barro de ferro de alumínio AVALIAÇÃO bola estragada velha nova bonita juiz educado honesto ladrão trabalhador É muito importante que o usuário perceba essas diferenças para aplicá-las na produção de sintagmas mais complexos. Observe: a) uma forma velha de queijo uma velha forma de queijo Aparentemente não há diferença na ordenação dos adjetivos nos sintagmas acima. Entretanto, a anteposição de velha a forma, na segunda, pode deixar transparecer certa afetividade com relação à forma, como se se tratasse de uma forma de estimação. b) uma forma quadrada velha de queijo uma velha forma quadrada de queijo uma forma velha quadrada de queijo Já neste outro grupo de sintagmas, a função do adjetivo quadrada éespecificar o substantivo forma enquanto o adjetivo velha tem a função de avaliar. A diferença de função condiciona uma diferença na colocação, um anteposto e outro posposto ao núcleo. Por isso, o segundo sintagma é o que apresenta uma ordem mais clara e aceitável. Isto significa que, quanto mais complexos forem os sintagmas, maiores restrições haverá na organização dos vocábulos constituintes. B) Critério mórfico - do ponto de vista mórfico, podemos observar os morfemas que caracterizam o nome: o morfema lexical e os morfemas gramaticais (a vogal temática, o morfema de gênero e o morfema de número) Adjetivos morfema lexical Vogal Temática Gênero Número adiantados inteligentes pálido excelente Interrogativa Pobre Do mesmo modo que os substantivos, os adjetivos, pelo critério mórfico, podem ser agrupados em: simples - pálido, fácil compostos - rosa-pálido, verde-amarelo primitivos - mofino derivados - amofinado C) Critério semântico - com base na distinção entre a significação extralinguística e a significação intralinguística, podemos opor o adjetivo a outros tipos de vocábulos. Vocábulos Significação extralinguística Significação intralinguística adiantados e fácil a ingênua admirativa mas de admirativa ou Algumas observações sobre o uso do adjetivo: Por fim, ainda com relação ao nome adjetivo, vale ressaltar o seguinte aspecto: na língua falada, podemos observar algumas tendências à simplificação de sintagmas nominais complexos. Duas soluções/ possibilidades se apresentam: a- Sintagmas formados de um substantivo (subst.1) mais um especificador alterna com um sintagma formado de um único substantivo (subst.2), originado de uma gíria, de um estrangeirismo, de um processo metafórico. Exemplo: funcionário público = barnabé b- Sintagmas formados de um substantivo mais um adjetivo (adj.1) ou locução adjetiva simplificam-se em um sintagma constituído apenas pelo substantivo ou pelo adjetivo (adj. 2), que ampliam então seu campo de significação. Exemplos: batatas fritas = fritas centro da cidade = centro / cidade curso de pré-vestibular = cursinho prova de vestibular = vestibular Quanto à posição do adjetivo em relação ao substantivo, podemos constatar diferenças entre as línguas: no inglês e no alemão, o adjetivo é colocado antes do substantivo; em francês, existem algumas regras para a sua colocação; somente o português e o espanhol apresentam uma liberdade maior, e dessa flexibilidade resultam possibilidades de expressão que são, em geral, bastante exploradas na linguagem literária. Observe: Texto 4 Parágrafo, extraído de "Vidas Secas" (Graciliano Ramos) "Uma noite de inverno, gelada e nevoenta, cercava a criaturinha. Silêncio completo, nenhum sinal de vida nos arredores. O galo velho não cantava no poleiro, nem Fabiano roncava na cama de varas. Estes sons não interessavam Baleia, mas quando o galo batia as asas e Fabiano se virava, emanações familiares revelavam-lhe a presença deles. Agora parecia que a fazenda se tinha despovoado." Comentário sobre o texto 4 A colocação dos adjetivos gelada e nevoenta entre vírgulas revela a intenção do narrador de caracterizar a noite, numa narrativa linear. O efeito seria outro se ele tivesse optado por uma ordem diferente: Uma gelada e nevoenta noite de inverno cercava a criatura. Outro exemplo: O galo velho não cantava no poleiro. O velho galo não cantava no poleiro. Na primeira frase, velho foi empregado com o sentido de indicar a velhice do galo, a sua longa vida. Anteposto ao substantivo, velho adquire uma conotação de afetividade, de compaixão. Há, portanto, uma questão de estilo a ser apontada: o adjetivo colocado após o substantivo tende a conservar o seu sentido próprio, objetivo; colocado antes do substantivo, adquire um valor sentimental. É nessas escolhas de colocação que os autores revelam suas intenções, sua visão do mundo que os cerca, suas impressões a respeito das pessoas e dos fatos. 5 SUBSTANTIVO/ADJETIVO - PROBLEMA DE CLASSIFICAÇÃO Até agora vimos afirmando que os nomes se dividem em substantivos e adjetivos, de acordo com o seu funcionamento na frase. Entretanto, essa distinção não é tão simples quanto pode parecer. Perini (1997) aborda esse problema em seu livro "Sofrendo a gramática", no capítulo denominado O adjetivo e o ornitorrinco, estimulando uma reflexão sobre o tratamento que as gramáticas tradicionalmente propõem para essa distinção. Destacamos do artigo mencionado estes dois parágrafos: Fonte: www.1.bp.blogspot.com […] " As coisas se tornam muito diferentes quando tratamos dos chamados "adjetivos" e "substantivos". Essas duas classes, embora tradicionalmente separadas, são extremamente difíceis de distinguir. Na verdade, depois de vários anos estudando o problema, acredito que são impossíveis de distinguir, pelo menos em duas classes como fazem as gramáticas usuais. O que temos aí é ou um grande número de classes ou, mais provavelmente, uma grande classe composta de membros cujas propriedades são muito variadas. […] A conclusão é que a classificação tradicional, no que se refere aos substantivos e aos adjetivos (e ainda aos pronomes), não tem salvação. Não se conseguiu, até hoje, uma definição que separasse com clareza essas três classes. Eu tendo a acreditar que são uma grande classe, dentro da qual se distinguem muitos tipos de comportamento gramatical. Acredito que as diferenças de comportamento dentro dessa grande classe (que podemos chamar a classe dos nominais) provêm principalmente das diferenças de significado. No momento em que uma palavra começa a ser usada com um novo significado (o que acontece com freqüência), ela precisa mudar seu comportamento gramatical de acordo com sua nova função." Basílio (1995) apresenta um estudo mais detalhado dessa questão no artigo O fator semântico na flutuação substantivo/adjetivo em português, oferecendo subsídios ao trabalho do professor em sala de aula. Ao analisar os nomes terminados em -dor, -nte e -ista e o processo de substantivação dos adjetivos, a autora oferece dados mais concretos sobre esse assunto. Reproduzimos aqui algumas partes do artigo. […] "A distinção entre as classes de substantivo e adjetivo é problemática na língua portuguesa não apenas pelo fato estrutural de que os membros destas classes não apresentam propriedades semânticas e situações de ocorrência completamente distintas, mas também pela conjuntura de que as gramáticas normativas do português utilizam diferentes critérios para a definição de cada classe. Assim, por exemplo, o substantivo é definido em termos semânticos, enquanto o adjetivo mais frequentemente recebe uma definição sintática ou funcional. […] Existem várias palavras em português que podem ocorrer como substantivos ou como adjetivos. […] Entretanto, palavras que apresentam características plenas de adjetivos e substantivos constituem minoria no vocabulário do português. A grande maioria dos substantivos não apresenta propriedades plenas de adjetivos, tendo, no máximo, uma ocorrência marginal em posições/funções restritas a adjetivos; e o mesmo acontece com adjetivos: só um número restrito apresenta características plenas de substantivos." 6 FLEXÃO DOS NOMES - GÊNERO Acategoria gramatical de gênero divide, em português, os nomes em masculinos e femininos. Entretanto, substantivos e adjetivos apresentam maneiras diferentes de expressar essa categoria. Nos nomes substantivos, a categoria de gênero é inerente, convencional, arbitrária, independente do significado do vocábulo. Por exemplo, lápis não apresenta nenhuma marca fonológica, nem condicionamento semântico que caracterize sua inclusão no grupo das palavras masculinas. No entanto, dizemos o lápis, lápis novo. O mesmo acontece com o vocábulo problema, pois dizemos obrigatoriamente o problema, problema complicado. Por isso, falantes não nativos do português têm dificuldade em empregar adequadamente os nomes substantivos de acordo com o seu gênero convencionalizado na nossa língua. É muito comum ouvirmos estrangeiros realizarem, por exemplo, minha dinheiro, este casa, etc. Os nomes adjetivos, ao contrário, não têm um gênero próprio, imanente. A maior parte deles flexiona-se em gênero para concordar com o substantivo núcleo do sintagma nominal. A única flexão de gênero em português é obtida com o acréscimo do morfema gramatical -a à forma masculina; a vogal temática (-o, -e), quando existe na forma masculina, é suprimida. Exemplos: alun(o) - aluna doutor - doutora freguês - freguesa mestr(e) - mestra Gênero do substantivo A oposição masculino/feminino (que atinge todos os substantivos) não deve ser associada à oposição de sexo, porque todos os substantivos se encaixam ou no masculino ou no feminino, enquanto apenas alguns designam seres sexuados. Exemplos: menina - gênero feminino, sexo feminino casa - gênero feminino médico - gênero masculino, sexo masculino bilhete - gênero masculino Para indicar o sexo, existem na língua alguns processos, além do processo flexional, marcado pelo morfema -a de feminino. a) léxico-semântico - pela alternância entre dois vocábulos da língua mãe / pai homem / mulher bode / cabra b) derivacional - pelo acréscimo de um sufixo derivacional rei / rainha embaixador / embaixatriz barão / baronesa c) sintático - outros elementos do sintagma são responsáveis pela informação do sexo o dentista famoso / a dentista famosa uma baleia macho / uma baleia fêmea uma criança do sexo masculino / uma criança do sexo feminino o pianista estudioso / a pianista estudiosa As gramáticas, entretanto, apontam estes recursos (léxico-semânticos, derivacionais e sintáticos) como casos de flexão, o que não é aconselhável. Estes processos estão permanentemente em mudança na língua quotidiana pela pressão do uso. Assim, uma palavra como grama, por exemplo, que, pelo padrão culto, é tida como palavra masculina, vem tendo seu uso consagrado no feminino. É muito comum pedirmos "Por favor, quero duzentas gramas de presunto". Por isso, não devemos estranhar ou reprimir o uso generalizado de "duzentas gramas". A alternância entre embaixadora e embaixatriz passou a expressar uma diferença semântica: embaixadora = representante do país no exterior (processo flexional para expressão do gênero feminino - acréscimo do morfema -a) embaixatriz = esposa do embaixador (processo derivacional para expressar a diferença de sexo - acréscimo do sufixo derivacional -triz) A alternância entre a poeta e a poetisa reveste-se de um caráter valorativo, com a recusa, pelas feministas mais radicais, da forma poetisa. Reproduzimos abaixo alguns parágrafos do texto "A solidão do Girafo", de Carlos Drummond de Andrade, publicado no Jornal do Brasil, em 09/05/81. O tema é a necessidade de se enviar a Brasília uma girafa macho do Jardim Zoológico do Rio porque precisa de uma companheira, e a única fêmea disponível se encontra em Brasília. Texto 5 A solidão do girafo (Carlos Drummond de Andrade) Vai, Raio de Luz, vai até Brasília e procura lá a tua namorada, que te dará prazer e filhos e, com eles, voltarás ao Rio de Janeiro, onde não tens chance de casamento e multiplicação da espécie. Não podias mais continuar no Rio, sem companheira prestante, e sujeito a equívocos escabrosos com os machos da tua espécie. Precisavas de uma girafa indubitável para o ofício do amor. Puseram-te em caminhão equipado com fiação elétrica e buzina de alarme, acionável ao menor indício de anormalidade, seja na rodovia seja no interior de tua silenciosa organização de girafo. Sei que deformo teu nome, trocando a letra final, mas já é tempo de dissipar a ambiguidade das designações genéricas, em meio à indefinição crescente dos sexos, observada na sociedade humana. Quando já não se sabe ao certo quem é varão quem é varoa, pelo menos se saiba distinguir o pavão da pavoa, o elefanto da elefanta, o sabiau da sabiá, o cisno da cisna, o tigro da tigra, em vez de nos socorrermos do aditamento macho e fêmea. Se distinguimos gato e gata, por que não foco e foca, tamanduó e tamanduá, tatu e tatua? Fica mais fácil e constitui merecida homenagem à pequena, mas divina, diferença que tornou viável o milagre da vida. (......) Comentário sobre o texto 5 Neste texto, a confusão entre gênero e sexo foi tratada pelo autor com humor, ao mesmo tempo em que ironiza a arbitrariedade das regras gramaticais de formação do feminino em português. Percebemos que o autor faz uma brincadeira com a questão do gênero, sugerindo, para todos os nomes de animais, a formação de feminino por meio do acréscimo do morfema -a ao masculino. Desta forma, não haveria mais a necessidade de acrescentar macho e fêmea aos nomes para estabelecer sintaticamente a diferença entre sexo masculino e sexo feminino. 6.1 Gênero do adjetivo Entre o adjetivo (termo determinante) e o substantivo (termo determinado), existe o que chamamos de concordância, isto é, o adjetivo acompanha o substantivo, variando em gênero (masculino, feminino). Muitas vezes, é por meio do adjetivo que se evidencia, na frase, o gênero do substantivo. No que diz respeito ao gênero, existem adjetivos que têm apenas uma forma (uniformes), tanto para o masculino como para o feminino, e existem adjetivos que apresentam flexão, isto é, recebem a desinência -a do feminino no lugar da vogal temática do masculino; estes são chamados biformes. Observe os exemplos: Uniformes escrúpulo fácil menino inteligente lição fácil atitude inteligente Biformes atitude digna rosto pálido trabalho digno mão pálida 6.2 Flexão dos nomes – número O mecanismo flexional de número, no português, expressa oposição entre um singular não-marcado, ou ø, e um plural com marca própria, caracterizada pelo morfema -s. Esse acréscimo, muitas vezes, acarreta mudanças morfo-fonêmicas na raiz ou na vogal temática. A concordância de número é realizada, em português, por todos os elementos que compõem o sintagma nominal: determinantes (artigos, pronomes, numerais) e modificadores são flexionados de acordo com o vocábulo que ocupa a função de núcleo. Entretanto, na língua falada, esse mecanismo está se tornando cada vez mais instável. O fato de todos os elementos do sintagma nominal marcarem o número torna- o uma marca redundante. Texto 6 Quadrilha (Manuel Bandeira Três letras para melodias de Villa-Lobos) Roda, ciranda, Por aí fora, Chegou a hora De cirandar! Na tarde clara Vinde ligeiras, Ó companheiras, Rir e dançar! Roda ,ciranda,Como essas belas, Gratas estrelas Dos nossos céus! Vamos, em rondas Precipitadas, Como levadas Nas asas dos véus! Moças que dançam Nas horas breves Dos sonhos leves, Na doce idade Das ilusões, Guardam lembrança, Boa lembrança Da mocidade Nos corações. Moças que dançam Nas horas leves Dos sonhos breves, Na doce idade Das ilusões, Guardam lembrança, Boa lembrança Da mocidade Nos corações. Comentário sobre o texto 6 Diferentemente do que ocorre muitas vezes na língua oral, o texto de Manuel Bandeira enfatiza a concordância de número, presente em todos os vocábulos do sintagma nominal. A sonoridade que a marca de plural -s empresta ao poema contribui para o ritmo e a melodia que convêm a uma ciranda. Observe estes sintagmas: essas belas gratas estrelas dos nossos céus em rondas precipitadas como levadas nas asas dos véus nas horas breves dos sonhos leves Em relação ao plural dos nomes substantivos, algumas particularidades merecem ser lembradas: 1) Os substantivos coletivos, mesmo no singular, indicam vários seres, pluralidade. Exemplos: constelação (estrelas) multidão (pessoas) elenco (atores) cacho (bananas, uvas) 2) Alguns substantivos são usados no plural, expressando um conceito linguisticamente indecomponível. Exemplos: parabéns, óculos, arredores, pêsames 3) Há substantivos que têm sentidos diferentes, conforme estejam no singular ou no plural. Exemplos: férias = período de descanso féria = lucro ouros = naipe do baralho ouro = metal precioso A língua interpreta uma série de seres homogêneos como uma unidade superior, que, como unidade, vem no singular: multidão pressupõe um conjunto de indivíduos, de cidadãos; ramagem indica coleção de ramos. Evidentemente, tais nomes, quando designam mais de um desses conjuntos, também se flexionam: multidões e ramagens. A língua interpreta ainda, linguisticamente, de um modo global, um contínuo de atos ou de partes integradas, os quais podem ser entendidos, no mundo extra-linguístico, como uma série ou sequência de partes componentes: algemas, exéquias, núpcias. Estes vocábulos não apresentam singular mórfico correspondente. 6.3 O grau como processo derivacional Em português, a expressão do grau não é uma flexão. Enquanto a flexão é um processo automático e involuntário, a expressão do grau depende da escolha do usuário: · a concordância não é obrigatória - ao utilizar um dos elementos do sintagma em determinado grau, o usuário não está obrigado a estabelecer concordância de grau com os outros elementos do sintagma. Veja: O cachorro bonito / bonitinho / bonitão O cachorrinho bonito / bonitinho / bonitão O cachorão bonito / bonitinho / bonitão · o grau pode ser expresso lexicalmente ou derivacionalmente (por meio de um sufixo): Cachorro grande / cachorrão Muito lindo / lindíssimo · a lista de sufixos não é fechada, nem exclusiva; para os nomes substantivos, por exemplo, não existe apenas -ão para o aumentativo, nem somente -inho para o diminutivo. flo florão florona florzona flor florzinha florinha florita O grau corresponde a conteúdos distintos para o nome substantivo e para o nome adjetivo; para os substantivos, ele expressa tamanho maior ou menor do ser designado; para os adjetivos, a noção de quantidade e de intensidade. Exemplos: A casa é ampla. O casarão é mais amplo que a casa. O casarão é amplíssimo. Vamos examinar alguns textos em que o grau de substantivos e adjetivos tem uma função expressiva. Texto 7 Balõezinhos (Manuel Bandeira) Na feira livre do arrabaldezinho Um homem loquaz apregoa balõezinhos de cor: - "O melhor divertimento para as crianças!" Em redor dele há um ajuntamento de meninos pobres, Fitando com olhos muito redondos os grandes balõezinhos muito redondos. No entanto a feira burburinha. Vão chegando as burguesinhas pobres, E as criadas das burguesinhas ricas, E as mulheres do povo, e as lavadeiras da redondeza. Nas bancas de peixe, Nas barraquinhas de cereais, Junto às cestas de hortaliças O tostão é regateado com acrimônia. Os meninos pobres não vêem as ervilhas tenras, Os tomatinhos vermelhos, Nem as frutas, Nem nada. Sente-se bem que para eles ali na feira os balõezinhos de cor são a única mercadoria útil e verdadeiramente indispensável. O vendedor infatigável apregoa: - "O melhor divertimento para as crianças!" E em torno do homem loquaz os menininhos pobres fazem um círculo movível de desejo e espanto. Comentário sobre o texto 7 Que valor o diminutivo apresenta no texto e qual sua relação com o sentido do texto? O que expressa o termo grandes balõezinhos, podemos dizer que constitui uma incoerência? Explique. Conclua: para que servem os diminutivos? Os aumentativos não se prestam somente a indicar tamanho aumentado, podem transmitir afetividade ou sentimento. Estas frases, ouvidas no estádio de futebol, comprovam o que foi dito antes: "Ê, ô, ê, ô, o Fluzão é um terror!" "Não tenho palavras para dizer. Sou Mengão até morrer!" Mas podem, também, expressar um sentimento negativo: "Cuidado com aquele espertalhão." "Ele é metido a sabidão." Texto 8 Trecho de entrevista "... minha louça é branca, com frisinho dourado em volta, sóbria e simplesinha, moderninha, os pratos sem borda, só fundinho. Os copos são branquinhos, de meio cristal (...) Você tem a casa da classe média, classe de subúrbio, que é inteiramente diferente da casa da zona sul ... aquela casa tão engraçadinha, com as calçadinhas, aqueles lampiõezinhos antigos, eu acho a coisa mais linda, né, aquelas cadeirinhas colocadas nas calçadas, as pessoas de cabecinha branca, tão bonitinho ..." Comentário sobre o texto 8 O texto é transcrição da fala de uma informante do Projeto NURC/RJ, e serve para ilustrar o uso de diminutivos na língua falada. As duas passagens foram retiradas de uma entrevista em que o tema é Casa: no primeiro parágrafo, a pessoa fala de maneira muito carinhosa sobre os utensílios de sua própria casa; no segundo, faz uma comparação entre classes sociais e seus hábitos em termos de moradia. Como se vê, existe uma acentuada preferência pelos diminutivos. Texto 9 Trecho extraído de entrevista "... um negócio assim superbacana, matemático, eles fizeram esse troço, bom, esta mesma firma veio pro Brasil pra fazer o metrô. Então vamos trabalhar. Então eles resolveram contratar a gente em fevereiro, eu morri de rir, o alemão que tinha comandado lá, sujeito simpaticíssimo, muito inteligente, não entendia por que em fevereiro não se contratava ninguém. Eu fui lá e disse que trabalhava a partir de março ..." Comentário sobre o texto 9 O que chama nossa atenção neste texto é o fato de uma mesma pessoa empregar na sua fala três maneiras diferentes de expressar o grau do adjetivo. Duas delas se encontram registradas nas gramáticas: muito inteligente e simpaticíssimo. A terceira forma, feita com o auxílio de super, está se tornando muito comum na língua falada. A intenção de quem usa esta partícula é igualmente a de reforçar uma idéia, um pensamento, dando a impressão de que o advérbio muito não foi suficiente para exprimir a intensidadedaquilo que quer transmitir. Advérbios de base nominal Vocábulos que basicamente funcionam como modificadores de um processo verbal, de um adjetivo ou de outro advérbio (critério funcional); A característica morfológica dos advérbios é ser invariável; em termos de estrutura, pode haver dois tipos de advérbios: Formados por morfema lexical mais morfema gramatical (advérbios com estrutura nominal - os advérbios em -mente); Formados apenas por morfema gramatical (advérbios com estrutura pronominal) (critério formal ou mórfico) Vocábulos que especificam a significação de um processo verbal, indicando suas circunstâncias; pode também se referir a um adjetivo ou a outro advérbio, intensificando seu sentido modificador (critério semântico) Dentro da classe dos nomes, abordaremos apenas os advérbios com estrutura nominal. Entre eles, os mais comuns são os terminados em -mente. Além de modificar o núcleo verbal, os advérbios em -mente podem funcionar como advérbios de frase, expressando a maneira como o sujeito falante se posiciona a respeito da informação contida na frase. Ex: Infelizmente nem todos os alunos foram aprovados no vestibular. De acordo com o seu papel na interação, eles podem ser distribuídos em quatro grupos: 1) emotivos - os que permitem ao falante a exteriorização do seu estado de espírito em relação ao enunciado da oração adjacente. Incluem-se neste primeiro grupo os vocábulos adequadamente, perversamente, imperiosamente, razoavelmente, inevitavelmente ... Exemplo: "...(o sem terra) poderá, perversamente, transformar-se em mais um elo na engrenagem..." (JB, 5/10/95)" 2) modais - "os que permitem pressupor, como mais provável, a verdade da proposição contida na oração adjacente". Os modais mais frequentes são evidentemente, provavelmente, certamente, aparentemente, necessariamente, simultaneamente, perfeitamente. Em textos de editoriais de jornais, é alta a frequência de advérbios modais, uma vez que tem-se a intenção de mostrar como mais provável, mais próxima da verdade as afirmações. Exemplos: "Provavelmente, por estar a uma distância maior do clima..." (JB, 16/9/95) "Obviamente, os membros da Procuradoria-Geral ... não têm direito adquirido algum..." (JB, 9/10/95) 3) pragmáticos - que permitem ao falante caracterizar o conteúdo ou a forma do que diz. Incluímos neste grupo literalmente, efetivamente, fundamentalmente, indiscutivelmente. Exemplos: " Se as autoridades não tomarem providências, haverá, literalmente, uma guerra civil no Rio." (JB, 23/10/95) 4) setoriais - "restringem o valor de verdade da proposição contida na oração adjacente a um dado domínio ou setor das artes, da ciência, da técnica, etc. ou da vida em geral": economicamente, historicamente, politicamente, oficialmente, constitucionalmente, tecnicamente. Exemplos: "Historicamente, a polícia fluminense se esvaziou." (JB, 28/9/95) Sobre os advérbios, existem ainda muitos pontos que precisam ser explorados, mesmo porque os estudiosos nem sempre estão de acordo no tratamento dispensado a esta classe. Considerar a classe dos advérbios de frase já representa um avanço no estudo destes vocábulos, pois as gramáticas geralmente não se referem a esta outra possibilidade de emprego dos advérbios. É através dos advérbios de frase que quem fala ou escreve põe suas próprias marcas no texto, seja para revelar seu estado de espírito, seja para fazer sobressair a veracidade do que exprime, seja para caracterizar a forma ou o conteúdo da sua proposição, seja, finalmente, para enquadrar sua idéia num determinado domínio do conhecimento. Na verdade, os advérbios de frase contribuem para percebermos de que maneira os textos que lemos ou escrevemos são vistos ou sentidos pelos seus respectivos autores. Texto 10 Trecho de entrevista "... eu tenho uma vida assim muito sedentária, eu faço pouco exercício, quase toda a minha atividade profissional é mais sentada, porque tanto na escola como na outra função que eu exerço eu trabalho a maior parte do tempo sentada. Venho pra casa, sento pra estudar, pra ler, então eu não tenho muita oportunidade de fazer exercício. Todo o tempo que eu tenho é tomado nas minhas atividades. Eu gostaria até de fazer ginástica, já nas férias eu geralmente faço ginástica pra evitar justamente manter todo o tempo sentada ..." (Projeto NURC/RJ - entrevista sobre o tema Alimentação, informante do sexo feminino) Estrutura nominal Estrutura pronominal realmente, geralmente, justamente muito, pouco, não, quase Os advérbios nominais assinalam modos de ser do processo a que se ligam, exprimindo circunstâncias de modo, dúvida, afirmação. Realmente, geralmente e justamente indicam o modo de realização do processo a que se referem. Os advérbios em -mente podem ter seu sentido intensificado ou reforçado por meio de dois tipos de processos: um processo derivacional e um processo sintático: · por meio de sufixos derivacionais, como -inho e -íssimo Ex: Atravessamos o gramado rapidinho porque já estava escurecendo. As babás cantavam baixinho pra fazer a gente dormir. por meio da combinação com advérbios intensificadores, como muito, tão, pouco Ex: O trabalho foi feito tão rapidamente quanto possível. Eu me retirei da reunião muito calmamente, apesar da discussão acalorada. 4. Quadro resumo das classes de vocábulos em português Critério Classe Funcional (função ou papel na oração) Mórfico (caracterização da estrutura da palavra) Semântico (modo de significação: extralinguísticos e intralinguísticos) Substantivo Palavra que funciona com o núcleo de uma expressão ou com o termo determinado. Palavra formada por base lexical mais morfemas gramaticais. Palavra que designa os seres ou objetos reais ou imaginários. Adjetivo (qualificativo) Palavra que funciona como especificador do núcleo de uma expressão (ao qual atribui um estado ou qualidade). Palavra formada po? morfema lexical (base de significação) mais morfemas gramaticais. Palavra que especifica e caracteriza seres animados ou inanimados reais ou imaginários atribuindo-lhes estados ou qualidades. Pronome Palavra que substitui o núcleo ou funciona como termo determinante do núcleo de uma expressão. Palavra formada unicamente por morfema gramatical. Palavra que serve para designar as pessoas ou coisas, indicando-as (não nomeia as pessoas ou coisas nem as qualidades, ações, estados, quantidades, etc). Pronomes: pessoais, possessivos, demonstrativos, indefinidos, interrogativos e relativos. Artigo Palavra que funciona como termo determinante do núcleo de uma expressão. Palavra formada unicamente por morfema gramatical (palavra variável em gênero e número). Palavra que define ou indefine o substantivo a que se refere (definido, indefinido). Numeral Palavra que funciona como especificador do núcleo de uma expressão, ou como substituto desse mesmo núcleo. (numeral: substantivo, adjetivo) Palavra formada unicamente por morfema gramatical Palavra que indica a quantidade dos seres, sua ordenação ou proporção (cardinal, ordinal, múltiplo, fracionário, coletivo) VerboPalavra que funciona como núcleo de uma expressão ou Palavra formada por morfema lexical (base de Palavra que indica um processo (ações, estados, passagem de um estado a outro). Processo como termo determinado. significação) mais morfemas gramaticais. verbal => fenômeno em desenvolvimento, com indicação temporal. Advérbio Palavra que funciona basicamente como determinante de um processo verbal. Advérbios formados por morfema lexical mais morfema gramatical. Advérbios formados apenas por morfema gramatical. Palavra que especifica a significação de um processo verbal. Conectivos (preposição e conjunção) Palavra gramatical que funciona como elemento de ligação (conexão) entre palavras ou orações. Divisão dos conectivos: preposições e conjunções. Palavra formada apenas por morfema gramatical. Palavra que relaciona palavras e orações, e indica origem, posse, finalidade, meio, causa, etc. Fonte: BRAIT, NEGRINI, LOURENÇO. Encontros com a linguagem. Vol. 2. São Paulo, Editora Atual. 7 PERSPECTIVAS QUANTO AO ENSINO O maior domínio das inúmeras possibilidades de expressão que a língua oferece é um dos nossos objetivos e, acreditamos, o objetivo de todo professor de língua portuguesa. É neste sentido que nos preocupamos com a maneira como o estudo das classes de vocábulos vem sendo feito em grande parte de nossas escolas de segundo grau. A partir de consultas a programas e a variados livros didáticos, podemos notar que, muitas vezes, este estudo se restringe a um conhecimento da nomenclatura apenas. Isto nos faz pensar e nos coloca diante de questões como: Fonte: www.3.bp.blogspot.com Vale a pena estudar a nomenclatura pela nomenclatura? Qual seria a utilidade deste tipo de estudo para um aluno de segundo grau? Valeria a pena tentar modificar este quadro? E de que maneira? Essas questões nos levam a uma abordagem crítica da gramática normativa e a uma comparação com outros modelos teóricos de análise da língua. Propostas de atividades 1- Confrontar dois textos jornalísticos. No primeiro, a notícia é dada de forma mais isenta, impessoal, sem adjetivos, como na seguinte manchete: "As dúvidas e os atrasos estão levando o clube à falência." (JB, 11/12/93) No segundo texto, a notícia é transmitida de maneira emocionada, mais parcial e pessoal, com muitos adjetivos, como no texto a seguir: "A história do brasileiro pobre que ficou rico fazendo gols, do garoto talentoso que virou ídolo internacional e do craque rebelde que virou herói nacional já não nos pertence mais, é do mundo" (JB, 18/7/94 - p.24) Seria interessante que se mostrasse como uma notícia pode veicular a opinião do emissor, induzindo o receptor a uma determinada conclusão, dependendo da escolha dos adjetivos feita pelo autor. 2 - Pensar em situações em que alguém vá escolher, comprar, usar, etc. um objeto e essa escolha deverá ser feita entre várias espécies daquele mesmo objeto (bola de couro, bola de plástico, bola de pano, etc.) Através da caracterização o objeto é finalmente encontrado. Em outras situações, os adjetivos e/ou locuções adjetivas seriam usados para identificar a função do objeto (bola de futebol, de basquete, etc.) Por fim, imaginar situações em que o uso de adjetivos de avaliação (gol bonito, gol de placa, gol sem graça) provocaria divergências (discussão entre espectadores, ou entre jogadores, etc). 8 BIBLIOGRAFIA AZEREDO, J.Carlos. Iniciação à sintaxe do português. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1990. d'ÁVILA, Suzana. Gramática da língua portuguesa - uso e abuso. São Paulo, Editora do Brasil, 1997. BENVENISTE, E. Problemas de linguística geral. Campinas, Pontes,1989. CAMARA Jr., J. Mattoso. Princípios de linguística geral. Rio de Janeiro, Acadêmica, 1969. ---------------- História e estrutura da língua portuguesa. Rio de Janeiro, Acadêmica, 1970. ---------------- Dicionário de linguística e gramática. Petrópolis, Vozes, 1977. CALLOU, D. e LOPES, C.R. (org.) A linguagem falada culta na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, UFRJ/CAPES, 1993. CUNHA, C.F. & CINTRA, C. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1985. DUBOIS-CHARLIER, Françoise. Bases de análise linguística. Coimbra, Livraria Almedina, 1977. DUBOIS, J. et alii. Dicionário de linguística. São Paulo, Cultrix, 1978. GARCIA, Othon M. Comunicação em prosa moderna. Rio de Janeiro, FGV, 1978. GENOUVRIER E. et PEYTARD, J. Línguística e ensino do português. Coimbra, Livraria Almedina, 1974. HORA, D. da (org.). Diversidade linguística no Brasil. João Pessoa, Idéia Editora, 1997. KOCH, Ingedore V. e SILVA, M. Cecília P.S. (1985). Linguística aplicada ao português: morfologia. São Paulo, Cortez. LAPA, M. Rodrigues. Estilística da língua portuguesa. Coimbra, Coimbra Editora, 1977. MIRA MATEUS, M.H. et alii. Gramática da Língua Portuguesa. Coimbra, Livraria Almedina, 1983. OLIVEIRA, Elisabeth B. et alii. Encontro com a linguagem. São Paulo, Atual, 1977. OLIVEIRA, M.T.I. e PINILLA, M.A.M. Advérbios em -mente: estudo comparativo na fala e na escrita. (mimeo) F.Letras / UFRJ, 1995. PERINI, M. Gramática descritiva do português. São Paulo, Ática, 1995. ---------------- Para uma nova gramática do português. São Paulo, Ática, 1985. ----------------- Sofrendo a gramática. São Paulo, Ática, 1997. SACCONI, Luiz Antonio. Nossa gramática. São Paulo, Editora Atual, 1994. SOARES, Magda B. e CAMPOS, E.N. Técnica de redação. Rio de Janeiro, Ao livro técnico, 1978. WALDECK, S. E SOUZA, L.M. Roteiros de comunicação e expressão. Rio de Janeiro, Eldorado, 1980.
Compartilhar