Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ - FIOCRUZ ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA SERGIO AROUCA - ENSP PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA ANA LUÍSA PINHO PINTO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE E FISIOTERAPIA: REFLEXÕES ACERCA DA FORMAÇÃO DESTES PROFISSIONAIS Rio de Janeiro, 2011 ANA LUÍSA PINHO PINTO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE E FISIOTERAPIA: REFLEXÕES ACERCA DA FORMAÇÃO DESTES PROFISSIONAIS Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do Título de Sanitarista, pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca/RJ. Orientadora: Prof. Mônica de Rezende Rio de Janeiro, 2011 ANA LUÍSA PINHO PINTO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE E FISIOTERAPIA: REFLEXÕES ACERCA DA FORMAÇÃO DESTES PROFISSIONAIS Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do Título de Sanitarista, pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca/RJ. Aprovado pela Banca Examinadora em _____ de ________________ de 2011. Banca Examinadora: Orientadora: Profa. MSc. Mônica de Rezende Prof. MSc. Fernando Manuel Bessa Fernandes Prof. Dr. Fábio Batalha Monteiro de Barros Aos meus pais, Ivanilda Maria Pinho Pinto e Odenyr da Silva Pinto, pelo exemplo de vida que busco imitar em todos os momentos de minha caminhada. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus que me iluminou com Sua sabedoria nos momentos difíceis desta caminhada, Agradeço imensamente aos meus pais Ivanilda e Odenyr pelo apoio incondicional; ao meu irmão Fernando Igor pelas horas compartilhadas no computador; e aos meus tios Luzia e Sandro pela presença e certeza do carinho de vocês por mim. Ao meu namorado Lyverton, agradeço por dividir todas as angústias e as alegrias durante a realização deste projeto. Quero agradecer, aos meus colegas e professores de curso pela troca de conhecimento durante todo o ano de 2010. Agradeço ao suporte acadêmico oferecido pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, um dos motivos que nos torna orgulhosos de pertencer a esta Instituição. À Ângela Vaamonde, pela atenção, carinho e escuta durante nossos encontros, aspectos que foram fundamentais para a conclusão deste trabalho. Às profas. Danielli Righetti, Fátima Figueiredo e Sheyla Torres por me apresentarem ao mundo da Saúde Pública, como uma área possível de atuação do Fisioterapeuta. Em especial, agradeço à Mônica Rezende, minha orientadora, que cumpriu exemplarmente o seu papel de educadora, através de palavras que foram importantes não só para construção deste trabalho, mas também que me guiaram para uma vida mais feliz e enriquecedora. Enfim, a todos aqueles que contribuíram de uma forma ou de outra para a realização deste trabalho. RESUMO A crescente demanda da população por serviços de saúde de qualidade, associado à necessidade de se discutir o tema da formação nas diversas profissões, visando adequá-las a esta demanda, traz a importância de discutir a relação entre a formação de nível superior em Fisioterapia e o Sistema Único de Saúde (SUS). Este trabalho caracteriza-se como uma pesquisa descritiva e tem como objetivo qualificar a produção bibliográfica nacional sobre a relação entre a formação de fisioterapeutas e sua atuação no SUS, no período de 1996 a 2010. Almeja contribuir para o debate sobre a inserção deste profissional no SUS ao apontar, a partir da análise dos resultados, questões que precisam ser aprofundadas em estudos futuros. Para atingir tais objetivos, foi realizado um levantamento bibliográfico nas seguintes bases de dados: LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), SCIELO (Scientific Electronic Library Online) e Banco de teses da Capes. Como resultado, foram encontradas 13 publicações, que foram classificadas pelas variáveis ano, tipo de publicação e região em que foi publicada e pelas categorias ‘diretrizes curriculares nacionais’, ‘responsabilidade do profissional’, ‘integralidade em saúde’ e ‘concepções dos docentes na formação em Fisioterapia’. Verificou-se: um aumento progressivo no número de publicações a partir do ano de 2005; maior quantidade de artigos em relação aos outros tipos de publicações (monografias, dissertações e teses); importante diferença entre as regiões federativas do Brasil, com maior prevalência de estudos na região Sul (53,8%); e um maior número de publicações referentes à categoria ‘diretrizes curriculares nacionais’. Foram destacadas diversas questões que giram em torno da aplicabilidade das orientações das DCN nos projetos pedagógicos dos cursos; adequação dos docentes à realidade do sistema de saúde; investigação dos modelos de atenção à saúde que estão sendo abordados nos ambientes formadores; contribuição das Instituições de Ensino Superior de cunho particular na articulação ensino, pesquisa, extensão/assistência; a possível influência da abrangência do sistema de saúde das regiões na formação dos profissionais; além da discussão sobre a responsabilidade de órgãos competentes da profissão na inserção da Fisioterapia nas ações do sistema de saúde. Cabe aos fisioterapeutas aprofundar estas discussões na busca de identificar a posição que a Fisioterapia deseja assumir diante do longo processo de consolidação do SUS. Palavras-chaves: Fisioterapia, Sistema Único de Saúde, Ensino superior ABSTRACT The growing population's demand for quality health services, associated with the need to discuss the issue of training in various professions, by adapting them to this demand brings the importance of discussing the relationship between the in education higher in Physiotherapy and National Health System (SUS). This work is characterized as a descriptive and aims to qualify the production national literature on the relationship between the training of therapists and their performance in the SUS in the period 1996 to 2010. Aims to contribute to the debate on the integration of training in the SUS point, the results from the analysis of issues that need to be deepened in future studies. To achieve these objectives, a survey was conducted in the following bibliographic databases: LILACS (Latin American and Caribbean Health Sciences), SciELO (Scientific Electronic Library Online) and Bank of the CAPES. As a result, we found 13 publications, which were classified by the variables year, publication type and region in which it was published and the categories' national curriculum guidelines', 'professional responsibility', 'full health' and 'conceptions of teachers in training in physical therapy. " It was found: a progressive increase in the number of publications since the year 2005, increased number of articles in relation to other types of publications (monographs, theses and dissertations); important difference between the regions of Brazil, with higher prevalence of studies in the South (53.8%) and a greater number of publications for the category 'national curriculum guidelines. " We highlighted several issues that revolvearound the applicability of the guidelines of the DCN in the pedagogical projects; suitability of teachers to the reality of healthcare, research models of health care that are being addressed in environments trainers contribution of university Superior special flavor in teaching, research, extension / assistance, the possible influence of the coverage of health care regions in the training, besides the discussion on the responsibility of the competent organs of the profession in the insertion of Physiotherapy in the actions of the system health. It is up to therapists deepen these discussions in order to identify the position you want to take the Physiotherapy before the long process of consolidation of the SUS. Keywords: Physiotherapy, National Health System, Higher education SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 08 1.1. OBJETIVO GERAL..............................................................................................10 1.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS................................................................................ 10 2. REFERENCIAL TEÓRICO ................................................................................................. 11 2.1. HISTÓRICO DA FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA EM SAÚDE NO BRASIL: DA CRIAÇÃO DOS PRIMEIROS CURSOS ÀS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS ............................................................................................................................ 11 2.2. A FORMAÇÃO EM FISIOTERAPIA NO BRASIL .............................................. 17 2.2.1. Construção da Profissão e da Formação Universitária ................................. 17 2.2.2. Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Fisioterapia 22 2.3. A FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA EM FISIOTERAPIA E O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE .............................................................................................................................. 24 3. CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS .......................................................................... 28 4. DISCUSSÃO ........................................................................................................................ 31 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 38 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 40 8 1. INTRODUÇÃO Atualmente, a formação dos profissionais em saúde é apontada como assunto relevante nas discussões acerca da formulação de políticas públicas voltadas para o setor. A preocupação com a formação em consonância com as diretrizes e princípios do sistema de saúde se fundamenta pela necessidade em se adaptar às transformações do perfil epidemiológico e demográfico brasileiros, a fim de corresponder às reais necessidades de saúde da população (Ceccim e Carvalho, 2006). Diante dos atuais debates acerca da formação destes profissionais, verifica-se a importância em discutir a relação da formação em Fisioterapia, como profissão pertencente à área da saúde, com a atuação dos fisioterapeutas no sistema público de saúde brasileiro. A Fisioterapia como profissão de nível superior foi regulamentada no Brasil no ano de 1969, através do Decreto-Lei nº 938 e desde então, assegura ao profissional a execução de métodos e técnicas terapêuticas, a fim de restaurar, desenvolver e conservar a saúde do paciente. Com atividades que circundam a assistência à saúde, direção e supervisão no âmbito dos serviços e magistério, a Fisioterapia avançou ao longo dos anos, fato este que se revelou através da expansão da oferta de cursos de graduação, inserção de inúmeros profissionais no mercado de trabalho, e de um conseqüente aumento no seu campo de atuação. Apesar da origem da profissão ser descrita pela necessidade de conferir uma resposta à sociedade em torno dos excessivos casos de poliomielite e inúmeros acidentes de trabalho evidenciados no país (Rebelatto e Botomé, 1999), atualmente a Fisioterapia é vista como uma profissão capaz de atuar não apenas na reabilitação das doenças, mas também nos diversos níveis de atenção, colaborando para uma atenção integral à saúde da população. Rezende et al (2009, p. 1409), ao referirem-se à atuação do fisioterapeuta na atenção básica, através de sua integração às equipes de Saúde da Família, apontam que “a integração de profissionais de várias categorias nas equipes de saúde permite distintos olhares, ampliando as possibilidades inovadoras das práticas do cuidado e aumentando o potencial de resolutividade”. Ao se relacionar com a saúde da população, a Fisioterapia se aproxima do Sistema Único de Saúde (SUS), de modo a compartilhar de uma concepção de saúde ampliada. Esta forma de compreender a saúde começa a se consolidar no Brasil, ainda na década de 1970, através do movimento de Reforma Sanitária, que juntamente com eventos realizados nos anos seguintes, admitindo a saúde como direito social, atuam na constituição do sistema de saúde brasileiro. 9 O SUS é o sistema nacional de saúde brasileiro, regulamentado pelas Leis Orgânicas nº 8.080 e nº 8.142 de 1990, que trata das ações de saúde, organização e funcionamento dos serviços, sob a forma de princípios e diretrizes (BRASIL, 1990). Através do SUS, as ações em saúde visam intervir nas condições de vida da população, com a finalidade de melhoria da qualidade de vida. Com uma nova forma de compreender a saúde da população, a discussão acerca da adequação dos profissionais de saúde torna-se fundamental. Assim, as instituições de ensino superior (IES) em saúde, emergem como importante instrumento para as ações do SUS. Com a finalidade de proporcionar a aproximação da Educação Superior com os desígnios do SUS, desde o ano 2000 as orientações para os cursos de graduação encontram-se pautadas nas Diretrizes Curriculares Nacionais, que propõe a formação de egressos/profissionais de saúde com ênfase na promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde. A crescente demanda da população por serviços de saúde de qualidade, associado à necessidade de se discutir o tema da formação nas diversas profissões, inclusive na Fisioterapia - visando adequá-las à esta demanda - foram motivos importantes que levaram à realização deste trabalho. Ao iniciar minha vida acadêmica, ainda na graduação, me identifiquei instantaneamente com o ideário da saúde pública, por intermédio do contato com esta disciplina. A expectativa de ampliar meu conhecimento em torno da atuação da Fisioterapia nessa área era algo que se acentuava com o passar dos períodos letivos. Posteriormente, ao término da graduação, no intuito de confirmar minha vontade de atuar na área, procurei o Curso de Especialização em Saúde Pública, da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP – FIOCRUZ). Tal curso contribuiu não só na minha formação como profissional, mas também como cidadã. O ponto fundamental que me incitou à realização deste trabalho foi a ausência, na minha graduação, de certos assuntos relevantes para o entendimento do sistema de saúde, como exemplo: sua história e construção social. Dúvidas ligadas ao reconhecimento por parte das IES quanto à importância da formação generalista do profissional de Fisioterapia para as ações coletivas em saúde orientaram a minha questão de pesquisa: como procede, no espaço acadêmico, a discussão acerca da formação em Fisioterapia e sua atuação no SUS?1.1. OBJETIVO GERAL 10 Analisar a produção bibliográfica nacional sobre a relação entre a formação de fisioterapeutas e sua atuação no SUS, no período de 1996 a 2010. 1.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS Caracterizar as Diretrizes Curriculares Nacionais quanto a formação dos profissionais fisioterapeutas voltada para sua atuação no SUS; realizar levantamento bibliográfico em bases de dados nacionais, no período de 1996 a 2010, referente à relação entre a formação de profissionais de fisioterapia e sua atuação no SUS e; qualificar a produção bibliográfica levantada. 11 2. REFERENCIAL TEÓRICO 2.1. HISTÓRICO DA FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA EM SAÚDE NO BRASIL: DA CRIAÇÃO DOS PRIMEIROS CURSOS ÀS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS A compreensão da trajetória educacional de ensino superior na sociedade brasileira inicia-se com a transferência da Família Real, fato que trouxe um importante legado cultural à sede da colônia e acarretou na criação dos primeiros cursos superiores, porém limitados ao município da Corte (Rio de Janeiro) e à Bahia (Vieira e Farias, 2007). São inicialmente criados cursos ligados à defesa militar e à saúde, como a primeira faculdade de medicina, que trouxe a preocupação com a institucionalização de programas de ensino e com a normalização da prática médica em conformidade com os moldes europeus (Baptista, 2007). No decorrer dos anos, até o Brasil República, são instituídos vários cursos, dentre eles, os de medicina, Farmácia e Odontologia, que caracterizavam, na época, a educação superior em saúde no país (Ceccim e Carvalho, 2006). O final do século XIX foi caracterizado por importantes fatos políticos para a sociedade brasileira, com destaque para o advento da República. A educação superior em saúde apresentou como aspecto marcante o paradigma biologicista (anatomoclínica e fisiopatologia). Este fato perdurou pelo século XX, principalmente através da reforma do ensino médico ocorrida no início do século nos Estados Unidos (entre 1910 e 1920), pelo Relatório de Abraham Flexner, defendendo um ideal científico na formação de cursos médicos que seria extensivo a todos os cursos identificados com o conhecimento técnico-científico em saúde. Tal relatório considerava que a formação em saúde deveria ser pautada através da atenção hospitalar, com apelo para as especialidades e para a clínica da doença (Ceccim e Carvalho, 2006). No período republicano, a preocupação com a educação é expressa através de diversos projetos de reformas, marcados pela oscilação entre a influência científica e a humanística clássica, representado por sucessivos documentos legislativos, com o intuito de organizar o ensino instituído (Vieira e Farias, 2007). Baptista (2007) afirma que neste período, inicia-se um maior incentivo às pesquisas nas faculdades de Medicina, além da criação de institutos de pesquisa, como o Instituto Soroterápico Federal, criado em 1900, sendo nomeado como Instituto Oswaldo Cruz cerca de um ano após sua criação. 12 No período getulista, as reformas continuam a surgir no cenário educacional, porém com traços de autoritarismo e centralizadoras, aspectos marcantes dos anos 1930. Nesta mesma época a educação passa a constituir objeto de maior interesse político, sendo criado o Ministério de Educação e Saúde. Uma das primeiras medidas adotadas, constituiu na instituição do ensino superior inserido ao sistema universitário, além de tratar também da organização técnica e administrativa das universidades, observando os dispositivos do Estatuto das Universidades Brasileiras, definidos no mesmo texto. (Vieira e Farias, 2007). Ainda na era Vargas, ocorre a promulgação de duas constituições: 1934 e 1937. Em termos gerais, a Constituição de 1934 - no tocante à educação - traz entre seus artigos orientações, tanto laicas quanto religiosas, a defesa da escola pública, e também a preservação de privilégios das instituições privadas. Com a mudança social imposta pelas forças ditatoriais, em 1937 o país recebe uma nova Constituição; que confere uma posição de omissão do Estado à algumas modalidades de ensino, priorizando o ensino profissionalizante nas reformas da época (ensino este, direcionado à população mais pobre, enquanto que o acesso ao ensino secundário era conferido à uma parcela menor - às elites) (Vieira e Farias, 2007). As diretrizes educacionais criadas na década de 1930 orientaram o sistema de ensino até a configuração da Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em 1961, através da promulgação da Lei nº 4.024/61. Ao tratar da nova LDB de 1961, Vieira e Farias (2007, p.115) afirmam que, na tentativa de associar interesses distintos num só texto, “surge uma lei que mais favorece a ideologia da escola privada, do que o aprimoramento da escola pública”. Vale ressaltar que, no mundo, entre os anos 1950 e 1960, desponta um novo movimento (iniciado na Inglaterra e disseminado pelos EUA e Canadá) que aponta a formação como estratégia para transformação das práticas de saúde: o movimento preventivista, onde “as necessidades de saúde da população são apresentadas como o mote para a transformação da educação dos profissionais de saúde” (Ceccim e Carvalho, 2006, p.80). Entretanto, os mesmos autores afirmam que não houve o acompanhamento de forma relevante pelo sistema de educação das necessidades apontadas. No Brasil, em 1953, ocorre a separação dos setores saúde e educação, sendo instituídos os Ministérios da Saúde e da Educação e Cultura. A partir de então, na área da saúde, houve a criação de diversos órgãos responsáveis pelo combate de doenças, utilizando-se das campanhas sanitárias como forma de intervenção (Paim, 2009). Em 28 de novembro de 1968, através da Lei Federal nº 5.540, foram fixadas as normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média 13 (BRASIL, 1968), conhecida como a Reforma Universitária. Surge a definição do currículo mínimo para as instituições, lei que vigorou até a aprovação da LDB em 1996. O currículo mínimo representava um conjunto de atividades, com desenvolvimento a ser realizado em período definido, carga horária prefixada, composto por disciplinas obrigatórias e eletivas (Ceccim e Carvalho, 2006). Como salientam Vieira e Farias (2007), a Reforma Universitária representou uma resposta à uma crescente demanda de acesso ao ensino superior, de modo especifico pelas camadas médias da população, e também procurou conter uma expansão desordenada deste nível de ensino, a fim de prover meios para uma melhoria na educação universitária, além de manter sob controle a participação estudantil na época, que vivia num momento conturbado - em pleno regime militar brasileiro. Vale ressaltar que desponta desta Lei a indissociabilidade entre ensino e pesquisa, dentre outras medidas. Outra reforma acompanha o período, com o intuito de assegurar ainda mais o controle da demanda pelo ensino superior, a chamada Reforma do ensino de 1º e 2º graus, que fomentava a formação de quadros técnicos de nível médio (Vieira e Farias, 2007). A Reforma Universitária de 1968 introduziu a abertura de departamentos, disciplinas, setores e/ou áreas de ensino da saúde pública, principalmente nos cursos de Medicina, Odontologia e Enfermagem. Assim, contribuiu para a contestação da prática biomédica vigente, além de representar a noção de um movimento organizado de mudança na educação dos profissionais de saúde (Ceccim e Carvalho, 2006). Com relação à oferta no ensino superior, a contenção da “expansão desordenada” ou ainda, a observância às exigências estabelecidas na reforma de 1968, na verdade não ocorreu. Houve um expressivo aumentodos cursos em instituições privadas, principalmente entre 1962 e 1973, fato que se acentuou em decorrência da própria política educacional adotada no período militar, com forte contribuição da LDB de 1961 e das reformas criadas no período. Nesta década, alguns cursos de formação da área de saúde, antes com enfoque técnico-profissional, ascendem à formação técnico-científica, motivando a pesquisa e a incorporação tecnológica (Ceccim e Carvalho, 2006). Como exemplo, o curso de Fisioterapia, objeto de estudo deste trabalho. Vieira e Farias (2007, p.134) salientam que, tal aumento resultou da prática de estabelecimentos isolados, que ofereciam cursos de baixo custo, sem muitas pretensões de qualidade de ensino - “o que parecia satisfazer à demanda reprimida por educação superior por parte das camadas médias da população”. 14 Após um período de pleno desenvolvimento econômico no país, apelidado de “milagre econômico” (1967/68-1973), inicia-se uma fase de recessão econômica, que emerge junto com a crise do petróleo em 1973, deflagrando diversos movimentos sociais que demonstravam insatisfação com o momento político vivido (Vieira e Farias, 2007). Para o setor saúde, esta época constituiu-se como um dos importantes marcos para a política brasileira: num momento de crise política, institucional e econômica protagonizada pelo regime militar vigente, o “movimento sanitário”, formado por intelectuais do setor saúde que se estabeleciam em diversas instituições acadêmicas do país, fortalecia suas bases a partir da divulgação de estudos sobre as condições sociais e de saúde da população, reivindicando mudanças efetivas na assistência à saúde no Brasil. O ideal da Reforma Sanitária Brasileira (RSB) trazia consigo um novo pensamento sobre o papel do Estado, pautado no direito universal à saúde. Versava sobre uma gestão administrativa e financeira descentralizada para estados e municípios, além da função do Estado de promotor da participação e controle social das ações em saúde (Baptista, 2007). A RSB apresentava outros relevantes aspectos acerca da proteção à saúde, como o desenvolvimento da cultura e educação (Paim, 2009). A fim de garantir a consolidação e manutenção de tais ideais, a RSB, enfatiza a importância de realizar uma ruptura com o reducionismo do modelo hegemônico vigente em 1970 (modelo médico-centrado e hospitalocêntrico), curativo e voltado à atenção individual, debatendo sobre a necessidade de novas práticas sanitárias que incorporassem o conceito da integralidade e uma visão ampliada do processo saúde-doença. Para Baptista (2007), inicia-se neste momento no Brasil, a ampliação do debate sobre o direito à saúde, a começar pela própria concepção de saúde. Na década de 1980, instituiu-se o retorno do estado democrático. Especificamente em 1986, ocorre a realização da VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS) que traz a tona (para a realidade brasileira da época) um conceito ampliado da saúde, no qual a mesma é entendida como um conjunto de determinantes das condições de vida, alimentação, lazer, acesso e posse da terra, transporte, emprego e moradia, com o discurso da garantia da saúde como direito de todos e dever do Estado (BRASIL, 1986). A VIII CNS representou um importante instrumento na discussão sobre saúde acerca da elaboração da nova Constituição Federal, promulgada em outubro de 1988, onde a saúde passou a ser reconhecida como um “direito de todos e dever do Estado” (BRASIL, 1988, art. 196). Paim (2009) aponta que, embora o direito à saúde tivesse sido difundido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1948, no Brasil, somente na “Constituição Cidadã” de 1988 houve o reconhecimento da saúde como direito social. 15 A partir das propostas da VIII CNS instituiu-se o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (Suds), que foi o primeiro passo para a construção do atual sistema de saúde brasileiro – o Sistema Único de Saúde (SUS). O SUS foi regulamentado através da Lei Orgânica da Saúde em 19 de setembro de 1990 (Lei nº 8.080/90), e devido aos vetos sofridos, esta lei foi complementada em 28 de dezembro do mesmo ano, pela Lei nº 8.142/90. Segundo Paim (2009), o SUS pode ser definido como: “O conjunto de ações e serviços públicos de saúde, compondo uma rede regionalizada e hierarquizada, organizada a partir das diretrizes da descentralização, integralidade e participação da comunidade. É uma forma de organizar as ações e os serviços de saúde através dos dispositivos estabelecidos pela Constituição da República e pelas leis subseqüentes” (p.51). A partir da instituição do SUS, o Estado se compromete a garantir, mediante políticas sociais e econômicas, a redução do risco de doença e de outros agravos, além do acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde (BRASIL, 1988, art. 196). Paim (2009) afirma que, ao considerar os fatores determinantes e condicionantes para a saúde, a Lei 8.080/90 reconhece a dimensão social da mesma, adotando, então, um conceito ampliado, já visto nas propostas da RSB ainda na década de 1970, e propagado na VIII CNS. Após estes fatos, houve a necessidade de se pensar numa formação dos profissionais de saúde adequada aos novos princípios e diretrizes propostos. Ceccim e Carvalho (2006) afirmam que tais debates foram instigados, principalmente, pela Constituição Federal, que passou a determinar que o setor saúde fosse o ordenador da formação dos seus profissionais. Em 1996, após oito anos de discussão, é aprovada a nova LDB através da Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, onde o governo federal assume a definição da política educacional, descentralizando sua execução para os Estados e municípios (Vieira e Farias, 2007). Ceccim e Carvalho (2006) ressaltam que a partir da nova LDB, o arranjo disciplinar se dá pela perspectiva das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN): “(as DCN) incentivam a maior flexibilidade dos desenhos curriculares, a liberdade para organizar as atividades de ensino e a diversidade das formações pela ampla participação nas realidades locais de saúde e ativa participação estudantil” (p.77). Para constituição das novas DCN para os cursos de graduação, em 1997, foi divulgado o edital nº4/97, pelo Ministério da Educação e do Desporto (MEC) por intermédio da Secretaria de Educação Superior (SESu), com o objetivo de convocar as Instituições de Ensino Superior (IES) a apresentar suas propostas, sob a justificativa de atender ao inciso II da Lei nº 9394/96 16 (LDB). Desta convocação, foi elaborado um relatório por uma comissão de especialistas e encaminhado ao Conselho Nacional de Educação / Câmara de Educação Superior. Além do relatório encaminhado pelo SESu, a constituição das DCN teve como referência diversos documentos (BRASIL, 2001), que vão desde a Constituição de 1988; a Lei Orgânica da Saúde; até os vários documentos apresentados pela Organização Panamericana de Saúde (OPAS), OMS e Rede Unida. Assim, com um processo iniciado em 1997, a educação nacional, especificamente os cursos de graduação da área da saúde, entre os anos 2001 a 2004, passam a ter como orientação as DCN (Ceccim e Carvalho, 2006). Estas foram criadas com o objetivo de garantir a qualidade da formação, gerar desenvolvimento intelectual e promover em cada estudante uma capacidade crítica-reflexiva, a partir de reflexões éticas e humanistas, com direcionamento para atitudes cidadãs; dentre outras ações (BRASIL, 1997). Uma das justificativas encontradas para resolução das DCN é de que os cursos de graduação teriam que deixar de ser meros transmissores de conhecimento, passando a assumir a posição de formadores capazes de preparar os futuros profissionais para as intensas transformaçõesda sociedade. Os objetivos propostos levam em consideração o aumento da garantia de capacidade de autonomia e discernimento dos futuros profissionais, buscando a integralidade da atenção e a qualidade e humanização do atendimento prestado aos indivíduos, famílias e comunidades (BRASIL, 2001). Assim, a caracterização do SUS é apresentada no contexto das DCN como um caminho para a proposta de formação. Com as propostas das DCN, bem como a partir dos debates iniciados ainda no século XX, alavancados por diversas reuniões científicas em torno do tema educação e ciências da saúde, surgiram algumas iniciativas nacionais, a partir de 2003, com o intuito de intensificar a articulação entre a educação e o SUS, são eles: os Pólos de Educação Permanente em Saúde para o SUS, as vivências e estágios para os estudantes de graduação na realidade do SUS (VER- SUS), o AprenderSUS que liga o SUS e os cursos de graduação da área da saúde, além do EnsinaSUS que busca articular o ensino da integralidade na área da saúde (Ceccim e Carvalho, 2006). Além desses exemplos, evidenciam-se ações como o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde) que soma esforços em busca de reorientação da formação profissional, assegurando uma abordagem integral do processo saúde- doença; e o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (Pet-Saúde) que fomenta a integração ensino-serviço-comunidade, através do incentivo à atuação de estudantes nas equipes de Saúde da Família. 17 2.2. A FORMAÇÃO EM FISIOTERAPIA NO BRASIL 2.2.1. Construção da Profissão e da Formação Universitária Apesar de alguns recursos da Fisioterapia, amplamente utilizados atualmente, datarem desde a antiguidade (4.000 A.C), foi a partir do século XX que surgiram os primeiros cursos de Fisioterapia no mundo, em consequência do elevado número de seqüelas, seja em decorrência das grandes guerras, acidentes de trabalho ou acometimentos por doenças (Freitas, 2006). Com a formação dos primeiros médicos no Brasil, influenciados por suas viagens ao continente europeu, começam a surgir os primeiros traços da Fisioterapia, ainda no século XIX. Estudiosos afirmam que os primeiros serviços que surgiram foram hidroterapia e eletricidade médica (hoje, eletroterapia) entre 1879 e 1883. Neste período, a Fisioterapia era vista com entusiasmo pela classe médica, sendo alvo de várias disputas pelo seu conhecimento e domínio (Barros, 2002). Segundo este autor, em 1884 foi organizado, no Hospital de Misericórdia do Rio de Janeiro, através da cooperação do médico Arthur Silva, o primeiro serviço de Fisioterapia da América do Sul. Já em 1919, o médico Raphael Penteado de Barros fundou o departamento de eletricidade médica, onde futuramente se constituiria a Universidade de São Paulo (USP), e o médico Waldo Rolim de Moraes, em 1929, instalou o Serviço de Fisioterapia do Instituto Radium Arnaldo Vieira de Carvalho. No decorrer dos anos, vários outros médicos, participaram da história da Fisioterapia através de contribuições; sejam elas pela criação de departamentos de Fisioterapia, ou ainda relatos acerca de estudos sobre os benefícios dos novos recursos terapêuticos. A respeito da participação médica nos primeiros estudos da Fisioterapia, Freitas (2006) salienta que: “[...] reflete a característica de uma medicina voltada para a prática que valorizava o desenvolvimento das especializações, [...] e a compartimentalização do corpo, além da tendência do enquadramento da Fisioterapia como um recurso terapêutico a ser desenvolvido e/ou, no máximo, uma nova especialização médica em construção”. (p. 30) Dois fatores relevantes que ocorreram na primeira metade do século XX contribuíram para a construção do campo de trabalho da Fisioterapia; são eles: a preocupação com os casos de acidentes de trabalhos e a epidemia de poliomielite (Freitas, 2006) Com a crise de 1929, ocorreu no Brasil a decadência da cafeicultura e a ascendência da indústria, o que trouxe como conseqüência a intensificação da atividade industrial no país. Com a mudança nos meios de produção, algumas questões iniciaram uma fase de preocupações sociais, como as perdas das funções laborais de pessoas inseridas no ambiente de trabalho, 18 sejam elas por acidentes ou por doenças ocupacionais (Freitas, 2006). Segundo Rebelatto e Botomé (1999), o Brasil apresentava um dos maiores índices de acidentes de trabalho da América do Sul. Na década 1950, a incidência de poliomielite encontrava-se alta no país, o que gerava um elevado número de portadores de seqüelas (Barros, 2002). Tal surto atingiu a população independente de sua classe social (Freitas, 2006). Diante do contexto apresentado, passou a existir uma demanda por serviços de reabilitação, que configurava na necessidade de reinserir na sociedade os indivíduos acometidos pelos agravos citados anteriormente. Começava a configurar-se então, as primeiras definições da Fisioterapia, apoiando-se nas medidas reabilitadoras (Rebelatto e Botomé, 1999), como resposta a uma demanda social. A formação em Fisioterapia no Brasil acontece num momento em que a constatação da ausência de estudos e práticas leva a necessidade de implementar uma proposta que levasse a uma resposta social eficaz e eficiente para a possível retomada dos indivíduos aos seus meios produtivos (Freitas, 2006). Em 1951, foi criado o curso para a formação de técnicos de Fisioterapia (Barros, 2002), chamados de fisioterapistas - denominação originária do termo physiotherapist, utilizado pela escola anglosaxônica - no Hospital de Clínicas de São Paulo (Almeida, 2008). No Rio de Janeiro, em 1954, ocorreu a criação da Associação Beneficente de Reabilitação (ABBR) e, em 1956, teve início o primeiro curso com a intenção de formar Fisioterapeutas e Terapeutas Ocupacionais, com duração de dois anos e formação de dezesseis fisioterapeutas. Nesta mesma época, na Universidade de São Paulo (USP), acontece o primeiro curso para formação superior de fisioterapeutas, que estabeleceu convênios com a Organização Panamericana de Saúde (OPAS)/Organização Mundial de Saúde (OMS) e a World Confederation for Physical Therapy para garantir a participação de fisioterapeutas estrangeiros como docentes (Freitas, 2006). A partir de então, a formação superior em Fisioterapia no Brasil se expande preocupada em preparar “um profissional que atuasse de forma quase que exclusiva em centros de reabilitação, nas seqüelas físico-funcionais apresentadas pelos pacientes.” (Freitas, 2006, p. 36). Apesar da formação de fisioterapeutas se apresentar como superior, suas funções eram restritas à execução do tratamento prescrito pelo médico e o fisioterapeuta apresentava-se como um “auxiliar médico” (Galvão, 1999 apud Barros, 2002). 19 Em 1959, funda-se a Associação Brasileira de Fisioterapia (ABF) cujo um dos objetivos era colaborar para o aprimoramento do ensino da profissão, o que durante toda a década de 1960 buscou-se colocar em prática através das tentativas de estruturar a profissão a partir de uma formação mais adequada aos interesses da categoria, além do objetivo de obter o reconhecimento do Estado (Barros, 2002). Neste mesmo ano, na Assembléia Geral da ABF, decidiu-se adotar a terminologia fisioterapeuta para aqueles que se formavam nos cursos ministrados (Almeida, 2008). Na década de 1960, a partir da solicitação da ABBR e do Instituto de Reabilitação da USP, o Conselho Federal de Educação estabeleceu o currículo mínimo para a formação universitária em Fisioterapia no país, através do Parecer 388/63 homologado através da Portaria 511/64 do Ministério da Educação e Cultura (MEC), (Barros, 2002). Apesar deter sido elaborado com a finalidade de redimensionar o currículo de formação do fisioterapeuta, o referido parecer trouxe certas limitações quanto à atuação deste profissional. Barros (2002) destaca dois trechos do citado parecer: “[...] A referida Comissão insiste na caracterização desses profissionais como auxiliares médicos que desempenham tarefas de caráter terapêutico sob a orientação e a responsabilidade do médico [...] Não compete (ao fisioterapeuta e terapeuta ocupacional) o diagnóstico da doença ou da deficiência a ser corrigido. Cabe-lhes executar, com perfeição, aquelas técnicas, aprendizagem e exercícios recomendados pelo médico...” (p.39) Segundo Figuerôa (apud Barros, 2002), o parecer trouxe avanços para a profissão quanto à duração mínima de três anos para os cursos e carga horária mínima de 2.160 horas, porém trouxe também a reafirmação do profissional de Fisioterapia como apenas um auxiliar médico. Freitas (2006) aponta que a análise do Parecer 388/63 leva a intenção de desqualificar os profissionais de Fisioterapia, que por uma ausência de Lei regulamentadora da profissão, seria considerado como técnico. Como efeito do parecer de 1963, houve imediatamente, o crescimento da mobilização da categoria de fisioterapeutas quanto à busca da autonomia profissional através de uma lei própria, aliados às ações da ABF em torno do mesmo propósito. Em 13 de outubro de 1969 a Fisioterapia e a Terapia Ocupacional foram finalmente reconhecidas como profissões de nível superior através do Decreto-Lei nº 938. O presente Decreto representou uma grande vitória para a Fisioterapia, mostrando-se fundamental para desenvolvimento da profissão no país. Dentre seus artigos, institui o exercício dos fisioterapeutas como profissionais de nível superior, caracterizando suas atividades de cunho privativo, através da restauração, desenvolvimento e conservação da capacidade física do paciente. Além disso, instituiu a atuação de fisioterapeutas em cargos de direção de órgãos e 20 serviços públicos e/ou particulares, e previu sobre a capacidade de exercer o magistério nas disciplinas tanto de formação básica quanto de nível médio ou superior e a atuação na supervisão de alunos e profissionais (BRASIL, 1969). Freitas (2006) aponta que embora os documentos representassem avanços quanto à profissão, ambos apresentavam lacunas quanto à participação dos profissionais de saúde na redação das suas propostas, o que segundo o autor, pode levar a uma discussão não tão ampla sobre as necessidades da Fisioterapia e dos fisioterapeutas. Talvez, uma das principais conseqüências de tal fato, seja a afirmação levantada pelo mesmo autor acerca do Decreto de 1969: “[...] apesar da essência desse documento estar voltada para a garantia do exercício profissional do fisioterapeuta como um profissional autônomo e/ou liberal, acabou reforçando a concepção de que o trabalho do fisioterapeuta estaria restrito aos níveis de atenção à saúde na qual a capacidade física das pessoas já estivesse comprometida.” (p.43) Apesar da conquista do Decreto-Lei ainda se fazia necessário colocar em prática os direitos adquiridos pelos fisioterapeutas. Foi então que, através da ABF, houve a realização de projetos para a constituição dos Conselhos Regionais de Fisioterapia, aprovados seguidamente por intermédio da Resolução do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional – COFFITO, nº 01, de 11 de dezembro de 1977. Foram aprovadas as normas para instalação e organização dos primeiros Conselhos Regionais, com a função de normatizar e fiscalizar o exercício profissional da Fisioterapia em todo o país (COFFITO, 1977). A partir da criação dos conselhos, foram instituídas várias resoluções, dentre elas a que aprova as normas para habilitação do exercício das profissões de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Resolução COFFITO 08) e a Resolução COFFITO 10, que trata do código de ética da profissão (COFFITO, 1978). A década de 1980 foi atravessada por incessantes disputas travadas pela Sociedade Brasileira de Medicina Física e Reabilitação e o Conselho Federal de Medicina – CFM e os Conselhos e Associação de Fisioterapia. A ação judicial movida pelos órgãos ligados a Medicina, tinha como objetivo contestar a constitucionalidade dos artigos 3o e 4o do Decreto- Lei 938/69 e do Parágrafo Único do artigo 12 da Lei 6.316/75. Estes artigos contestados tornavam os métodos e técnicas fisioterápicas privativas do fisioterapeuta, o que obrigava às empresas (inclusive as que pertencessem aos médicos) que prestassem serviços de fisioterapia à inscrição no respectivo Conselho da profissão, ficando estas empresas, sob o poder normativo e fiscalizador do Conselho de Fisioterapia (Barros, 2002). Como desfecho, a autonomia dos 21 profissionais de Fisioterapia permaneceu garantida, bem como a obrigação das empresas que prestam serviços de Fisioterapia nos conselhos da categoria. Retornando especificamente para o tema da formação do fisioterapeuta, ainda encontrava-se em vigência desde 1963 o currículo mínimo que estabelecia a formação do fisioterapeuta como auxiliar médico, dentre outras particularidades já mencionadas. A partir de 1983 (até o ano de 2001), inicia-se a vigência de um novo currículo mínimo que previa a formação com duração mínima de 4 anos e máxima de 8 anos, carga horária de 3.240 horas, e estabelecia-se em torno de 4 ciclos de matérias (quadro 1): Quadro 1: Ciclo de matérias instituídas a partir do novo currículo mínimo Biológicas Biologia, Ciências morfológicas, Ciências fisiológicas e Patologias Formação Geral Sociologia, Antropologia, Psicologia, Ética e Deontologia; Introdução à Saúde Humana, compreendendo Saúde pública; Metodologia de Pesquisa Científica, incluindo Estatística. Pré- profissionalizantes Fundamentos de Fisioterapia, Avaliação funcional; Fisioterapia geral; Exercício terapêutico e Reeducação funcional; Recursos terapêuticos manuais Profissionalizante Fisioterapia aplicada às condições neuro-músculo-esqueléticas; fisioterapia aplicada às condições Cárdio-pulmonares, fisioterapia aplicada às condições Gineco-obstétricas e pediátricas fisioterapia aplicada à pediatria; fisioterapia aplicada às condições sanitárias, incluindo fisioterapia preventiva; estágio supervisionado, constando de prática de fisioterapia supervisionada. Fonte: Adaptado de Barros (2002) A década de 1990 apresentou diversas resoluções e legislações oriundas do Ministério da Saúde e do COFFITO em torno do reconhecimento e da valorização da Fisioterapia. Segundo Barros (2002), “esta quantidade de resoluções, portarias e decretos vinham consolidando o campo assistencial da Fisioterapia cada vez mais, reconhecendo legalmente, o que o fisioterapeuta já fazia, na prática, há anos atrás”. (p. 54) Ao tratar da expansão do ensino da profissão, tem-se na segunda metade da década de 1990, um aumento exponencial dos cursos ofertados, de 63 para 115 cursos equivalentes a 80% de aumento; tendência que prevaleceu entre 1999 e 2003 aumentando de 115 para 298 a quantidade de cursos (cerca de 159% de aumento em apenas 5 anos), quando em 2008 o número de cursos alcançou o patamar de 479 (Bispo Júnior, 2009). Além da constatação do forte crescimento no ensino da profissão, no período de 1995 a 2003, de acordo com Pereira e Almeida (2006), a distribuição desses cursos no país não se deu 22 de forma equilibrada, isto porque as regiões Sul e Sudeste concentravam juntas cerca de 70% dos cursos de Fisioterapia, enquanto que a Região Nordeste apresentou diminuição de cursos no decorrer do período e uma melhora pouco expressiva nas Regiões Norte e Centro-Oeste.Um dos pontos que motivaram tal situação foi a ampliação da oferta de cursos. Pereira e Almeida (2006) apontam a grande expansão da oferta de graduação do setor privado em relação ao público, principalmente a partir de 1998. Macedo et al (2005) salienta que a consequência da ampliação do número de cursos se deu de forma desordenada, gerando baixa qualidade no ensino e o desequilíbrio entre áreas de conhecimento e entre as regiões geográficas do país. A partir das mudanças no cenário social brasileiro, principalmente no setor saúde - iniciadas ainda na década de 1980, a preocupação em repensar os modelos de formação adotados nas instituições de ensino superior no país tornou-se marcante. Com a aprovação da nova Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 1996, o ensino de graduação em Fisioterapia, através da Resolução nº 4 de 19 de fevereiro de 2002, passa a ser orientado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais; com fundamento no Parecer CES 1.210/2001. 2.2.2. Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Fisioterapia As DCN para os cursos de graduação em Fisioterapia têm por objetivos definir os princípios, fundamentos, condições e procedimentos da formação de fisioterapeutas, para aplicação em âmbito nacional na organização, desenvolvimento e avaliação dos projetos pedagógicos dos cursos das IES. Considera como perfil profissional: “[...] o Fisioterapeuta, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, capacitado a atuar em todos os níveis de atenção à saúde, com base no rigor científico e intelectual. Detém visão ampla e global [...] Capaz de ter como objeto de estudo o movimento humano em todas as suas formas de expressão e potencialidades [...] objetivando a preservar, desenvolver, restaurar a integridade de órgãos, sistemas e funções [...] (BRASIL, 2002).” (p.11) Além disso, apresenta dentre outras competências, a atenção à saúde onde o fisioterapeuta dentro de seu âmbito profissional, deve estar apto a desenvolver ações de prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde, tanto em nível individual quanto coletivo, sensibilizados e comprometidos com o ser humano, atuando multiprofissionalmente (BRASIL, 2002). O texto sobre a aprovação das DCN para os cursos de fisioterapia destaca, dentre seus artigos, a necessidade da formação de um profissional comprometido com o contexto social, que deve atender ao sistema de saúde vigente. Para isso selecionam vários conteúdos - ditos 23 essenciais, com associação na prática, instituída por estágios curriculares: - conhecimentos biológicos, sociais e humanos, biotecnológicos e fisioterapêuticos (BRASIL, 2002). Quanto às obrigações das IES, cabe promover um projeto pedagógico para seus cursos de graduação, tendo como consciência a busca pela formação integral e adequada através de uma articulação entre o ensino, a pesquisa e a extensão/assistência. Todavia, as mesmas podem flexibilizar e aperfeiçoar as suas propostas curriculares, considerando o contexto sócio- econômico em que se enquadram, mas sempre sob a responsabilidade de assegurar uma formação generalista (BRASIL, 2002). Ceccim e Feuerwerker (2004) discutem a importância do papel das IES ao afirmarem que a universidade exerce um “mandato público”, entendendo-se que suas ações devem ser geridas de acordo com os interesses da sociedade. Acrescentam, ainda, que a relevância pública da saúde (definida constitucionalmente) deveria representar uma exceção quando se trata de autonomia das IES. O papel das DCN para a graduação na área de saúde, esbarra no modelo de formação adotado e propagado desde a criação dos cursos superiores, que considera o processo saúde- doença apenas como um processo biológico; o que gera grandes desafios no cumprimento das diretrizes. No caso específico da fisioterapia, não há registros de sua inclusão nas discussões sobre as transformações no sistema de saúde promovidas até a instituição do SUS. Tal fato, somado à necessidade da auto-afirmação da profissão no cenário da saúde, leva a um maior desafio de instituir mudanças no campo de trabalho, bem como na concepção de uma formação direcionada para as propostas do SUS (Freitas, 2006). Apesar das DCN instituírem uma proposta norteadora para os cursos de graduação, Ceccim e Feuerwerker (2004) ressaltam que: “[...] considerando-se as transformações ocorridas no mundo do trabalho e da produção de conhecimento, torna-se fundamental firmar uma política pública de mudança na graduação para que as diretrizes constitucionais do SUS e as diretrizes curriculares nacionais pertençam à obediência às normas gerais da União e à observância às diretrizes gerais pertinentes ou atinentes, como prevê a LDB (Lei das Diretrizes Básicas)”. (p. 1403) As DCN, assim como as diretrizes do SUS e os movimentos de mudança na formação dos profissionais de saúde, trazem as perspectivas da existência de IES comprometidas com as questões de relevância social (Pinheiro e Ceccim, 2006). Deste modo, as DCN para os cursos de Fisioterapia apresentam, além de uma orientação para as IES, um caminho que insere o fisioterapeuta nos serviços de saúde pública de uma forma integral e humanizada, propondo 24 transformações em sua atuação. Traz, desta forma, grandes desafios aos atores sociais envolvidos na formação (entendendo-se as universidades, os docentes, os responsáveis pela elaboração das políticas e os próprios alunos): 1) romper com um modelo enraizado na assistência curativa e; 2) promover, no âmbito da formação, ações que envolvam os futuros profissionais com as demandas provenientes do sistema de saúde, entendendo que o agir transformador se inicia com o pensamento crítico e reflexivo de tais questões que irão determinar o resignificado de suas práticas na saúde pública. 2.3. A FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA EM FISIOTERAPIA E O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE Atualmente, a tentativa de compreender o processo saúde-doença a partir de um conceito amplo de saúde busca ultrapassar as dimensões biológicas, tão propagadas no início da formação na área de saúde. Assim, uma formação que considera a saúde como uma área que abrange as questões sociais, ambientais, biológicas e comportamentais como determinantes das condições de saúde da população está comprometida com o ideário difundido pelo projeto da Reforma Sanitária que contribuiu para a formulação do atual sistema de saúde brasileiro, além de cumprir com a orientação das DCN. Para Rebelatto e Botomé (1999), o objeto de trabalho do setor saúde ainda está muito enraizado na doença, “obscurecendo a totalidade desse objeto que são as condições de saúde” (p.17). Tais autores consideram que na Fisioterapia esse problema é acentuado: “há uma absoluta atenção à doença” (p.18). Em contrapartida, observa-se nos princípios do SUS a preocupação de alcançar a universalidade de acesso em todos os níveis de assistência, garantindo a integralidade da mesma, que vem a ser entendida como um conjunto das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos (BRASIL, 1988). Baptista (2007) complementa que com a reforma no sistema de saúde, os profissionais devem incorporar e construir uma nova concepção de saúde, com a necessidade de compreender o indivíduo no contexto da coletividade e dos problemas que dela emana. O que vale questionar diante desse quadro é: como a formação em Fisioterapia se posiciona diante dos desafios propostos pelo SUS? Como visto anteriormente, a própria origem da Fisioterapia se deu pela necessidade de tratar indivíduos doentes, direcionando sua atuação para atividades curativas. As características educacionais da maioria das instituições de ensinoem saúde, induzidas pelo desenvolvimento 25 do modelo flexneriano - onde predomina a transmissão do conhecimento tecnicista, sólida formação em ciências básicas, centralidade na figura do professor, a pouca ênfase nos aspectos de prevenção e promoção da saúde, com especial atenção médica individual e estímulo a aprendizagem dentro do ambiente hospitalar (Freitas, 2006); também contribuíram para a visão limitada da Fisioterapia como profissão voltada apenas para a cura e reabilitação de doenças (Bispo Júnior, 2009). Essas considerações levam a refletir sobre as conseqüências do tipo de formação para os futuros profissionais e para a população. As IES e outras instituições formadoras vêm sendo pressionadas por mudanças no processo de formação que visam maior articulação com o sistema de saúde, devendo propagar o conceito, diretrizes e princípios do SUS, bem como estar em conformidade com as DCN. Esta necessidade de mudança decorre das novas exigências em relação ao perfil dos profissionais e como conseqüência, da reconstrução do papel social da universidade (Ceccim e Feuerwerker, 2004). Barros (2002) enfatiza que neste contexto de mudanças, o fisioterapeuta pode ter um papel de destaque, participando efetivamente de uma equipe multidisciplinar contribuindo na organização dos serviços de saúde, porém o que se percebe é a participação secundária da profissão; e isso pode ser instituído no próprio ambiente formador pela falta de interesse nas disciplinas de cunho social, em decorrência da quase exclusividade de interesses pelas disciplinas “técnicas”. Cabe ressaltar que a tentativa de aproximar fisioterapeutas das demandas populacionais em saúde não pode ser exclusivamente através das práticas reabilitadoras, cabe a profissão adequar-se à nova lógica de organização dos modelos de atenção e ao atual perfil epidemiológico da população (Bispo Júnior, 2009). Um dos documentos que versam sobre as atividades de fisioterapeutas para além da assistência curativa (além das DCN) é o Código de Ética da profissão que institui ao Fisioterapeuta a assistência ao homem, tanto em atividades de promoção, tratamento e recuperação da sua saúde, bem como a participação em programas de assistência à comunidade (BRASIL, 1978). Como forma de adaptação a esta nova realidade, a Associação Brasileira de Ensino em Fisioterapia (ABENFISIO) desenvolveu Oficinas de Implementação das DCN em cooperação com a Organização Pan Americana da Saúde e o Ministério da Saúde/Departamento de Educação e Gestão em Saúde, com o objetivo de contribuir para a mudança do enfoque da formação do fisioterapeuta. Uma de suas questões norteadoras foi como desenvolver a integração entre o SUS e formação acadêmica (ABENFISIO, 2007). Freitas (2006) aponta que a instituição das DCN coloca a Fisioterapia no campo da atenção primária à saúde, desafiando-a a resignificar os valores e práticas da profissão; e 26 trazendo para o campo da sua formação a responsabilidade de organizar sua metodologia de ensino e currículo em torno das demandas sociais e das políticas públicas de saúde. Contudo, segundo Da Silva e Da Ros (2007) ainda existe uma escassez de documentos tanto oficiais (dos ministérios) como da própria categoria profissional indicando o espaço de atuação do fisioterapeuta no SUS. Apesar de esforços trazidos pela aplicabilidade das DCN e dos conselhos e associações ligadas às profissões de saúde, novos rumos parecem ser necessários para reais mudanças na formação dos profissionais adequados à realidade da atenção integral à saúde. Da Silva e Da Ros (2007) salientam a necessidade de: “[...] políticas claras do SUS, pautadas por suas diretrizes, devem indicar ações orientadas para a mudança na formação dos profissionais [...] ser capaz de ir além das declarações de intenção e da existência formal de propostas, instâncias ou estruturas. Tem de ser capaz de convocar o pensamento crítico e o compromisso de todos os atores (docentes, estudantes, gestores de saúde e de educação, conselheiros de saúde e movimentos sociais), além de oferecer possibilidades de interferência real no processo de formação profissional.” (p.1405). Cunha (2006) é enfática ao afirmar que a formação em graduação dos futuros fisioterapeutas, apesar de obter melhoria da qualidade com o passar dos anos, ainda permanece enraizada na simples transmissão de técnicas de tratamento e de receitas de procedimentos a serem aplicados, onde a desarticulação entre teoria e prática e a ausência de preparação desses futuros profissionais para atuarem em pesquisas e em questões relacionadas ao ensino de novos profissionais, são os maiores problemas encontrados neste processo de formação. Bispo Júnior (2009) afirma que a consolidação das DCN na orientação da formação em Fisioterapia se caracteriza como instrumento imprescindível para a garantia da qualidade de ensino, direcionada de acordo com a realidade epidemiológica e com os novos modelos de atenção à saúde. A Fisioterapia tem, instituído nas DCN, um grande desafio em torno da mudança da formação dos seus profissionais. Como um caminho a ser seguido, os responsáveis por tal formação devem estar imbuídos de um espírito transformador, comprometidos com a sociedade, com a ética de suas ações e identificados com a necessidade de cumprimento do papel da profissão na área da saúde. 27 3. CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS Esta pesquisa caracteriza-se como uma pesquisa descritiva, “na qual o pesquisador limita-se a descrever o fenômeno observado, sem inferir relações de causalidade entre as variáveis estudadas” (Appolinário, 2004, p.153). Para produção dos objetivos da pesquisa, foram realizados debates e estudos preliminares sobre algumas questões que apontavam, inicialmente, para o estudo de bases de dados (BD). As perguntas que norteavam o tema eram: o que são as BD; quais as principais bases que trabalham com educação e saúde; e como se dá a organização de uma base de dados. O mesmo foi feito para o estudo das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) a fim de esclarecer questões que apontavam para sua definição, constituição e relação com o SUS. Na primeira fase, foi realizada análise documental do texto das DCN para o curso de graduação em Fisioterapia, com o intuito de identificar, neste documento, a relação da formação do profissional com a sua atuação no SUS. Este estudo permitiu delimitar o recorte do período da pesquisa, pois a partir dele foi possível identificar a Lei que rege o sistema educacional brasileiro: Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 que versa sobre a Lei das Diretrizes Básicas da Educação; incluindo no período selecionado para a pesquisa a aprovação das Diretrizes Curriculares para os Cursos de Fisioterapia, no ano de 2002, através da Resolução CNE/CES 4/2002. Estes fatos são importantes, pois constituem avanços para a educação superior no país, além de a aprovação das DCN se apresentar como um ponto relevante para a discussão acerca da formação em Fisioterapia e sua relação com o sistema de saúde brasileiro. Em seguida, iniciou-se o processo de busca bibliográfica (BB), utilizando como ferramenta o serviço de BB da Biblioteca de Saúde Pública da ENSP, a fim de delimitar as bases de dados a serem pesquisadas, bem como as palavras-chaves a serem utilizadas. Optou- se por bases de abrangência nacional e latina, já que o intuito da pesquisa é identificar as publicações nacionais que discutem o tema proposto. As bases selecionadas foram: LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), SCIELO (Scientific Electronic Library Online) e Banco de teses da Capes. A LILACS possui um vasto índice bibliográfico das ciênciasda saúde, considerando países da América Latina e Caribe. Foram utilizadas as palavras-chaves formacao and fisioterapia (palavras) and SUS com acesso em março de 2011. A base SCIELO foi selecionada por possuir publicações que elencam países latinos, bem como o Brasil, além de indexar importantes periódicos de educação e saúde. Para a busca, 28 em março de 2011, foram utilizadas as palavras-chaves formacao and fisioterap$ and graduação and SUS. Foi observado, nesta fase, um grande número de textos sobre a proposta da pesquisa, que tinham como características serem publicações referentes a trabalhos acadêmicos, como monografias, dissertações e teses. Assim, o Banco de Teses da Capes foi selecionado como base para o estudo. Nesta base, acessada também em março de 2011, utilizou-se as seguintes palavras-chaves: fisioterapia, graduação, sistema único de saúde. Após a busca bibliográfica, foi realizado um trabalho de organização das publicações selecionadas, considerando-se os seguintes tópicos: palavras-chaves utilizadas, título da publicação, base de dados pesquisada, ano da publicação, objetivo do trabalho, resumo e questões-chaves da pesquisa. Para tal organização, trabalhou-se através de tabelas disponibilizadas pelos recursos do programa Excel – 2007, elencando as publicações por ordem alfabética. Foram considerados como aspectos relevantes para a análise: os anos das pesquisas, as regiões federativas onde as mesmas foram realizadas e os tipos das publicações (artigo, monografia, dissertação ou tese). Pretende-se com tais discussões, fomentar o debate acerca da importância da realização de tais estudos pertinentes à formação do fisioterapeuta; utilizando- se da qualificação da produção bibliográfica levantada. Como forma de análise dos dados levantados, utilizou-se do estudo criterioso dos resumos, onde buscou-se trabalhar com as questões que se apresentaram mais evidentes e apontadas com maior freqüência nestas leituras. Considera-se com isso, selecionar as categorias que se mostraram mais relevantes nos estudos, ao tratar do tema da formação do fisioterapeuta relacionada ao SUS. A partir desta análise, foram destacadas as seguintes categorias: diretrizes curriculares nacionais, a responsabilidade do profissional, a integralidade em saúde e as concepções dos docentes na formação do fisioterapeuta. Observam-se na categoria “diretrizes curriculares nacionais” publicações que discutem a importância e real aplicação das diretrizes na formação dos fisioterapeutas. Na categoria “responsabilidade do profissional” foram incluídas publicações que referem-se à co- responsabilidade da profissão e, conseqüentemente dos fisioterapeutas, na mudança de abordagem da formação, a fim de constituir a inserção da profissão nos moldes do que preconiza o sistema de saúde no Brasil. Além disso, é apontada a adequação das resoluções dos órgãos de Fisioterapia no tocante à consonância com as políticas e programas que incentivam a formação voltada aos moldes do SUS. A categoria “integralidade em saúde” é composta por publicações que tratam sobre a formação pautada na complexidade do ser humano, somados à artigos que 29 discutem a formação em Fisioterapia a partir da ótica da integralidade - como um dos princípios do SUS. Por fim, a categoria “concepções dos docentes na formação do fisioterapeuta” é justificada a partir de publicações que falam sobre a necessidade da formação adequada de docentes para o ensino em Fisioterapia articulado com os preceitos do SUS, que consideram a importância dos docentes no processo de transformação da formação em Fisioterapia. 30 4. DISCUSSÃO A organização dos dados obtidos com a pesquisa em distintas tabelas possibilitou tanto a análise dos resultados que serão expostos e discutidos a seguir, quanto a qualificação da produção bibliográfica sobre o tema, no período estudado. Inicialmente, foi possível observar que todas as publicações inseridas no corpus da análise datam dos anos 2000, especificamente a partir do ano de 2005. De 1996 a 2004 não foram identificadas publicações; foi encontrada uma única publicação em 2005, outra em 2006, 2 em 2007 e em 2008, 3 em 2009 e 4 em 2010, totalizando 13 publicações (Tabela 1). Tabela 1: Anos das Publicações Ano Número de publicações % 1996 0 0 1997 0 0 1998 0 0 1999 0 0 2000 0 0 2001 0 0 2002 0 0 2003 0 0 2004 0 0 2005 1 7,7 2006 1 7,7 2007 2 15,4 2008 2 15,4 2009 3 23 2010 4 30,8 Total 13 100 Fonte: Elaboração própria Foi verificado um aumento progressivo no número de publicações, chegando a 4 no ano de 2010, 30,8% do total. Os resumos pesquisados sugerem relação entre os anos de suas publicações e o período da instituição das DCN no ano de 2002, caracterizado como fato histórico para o contexto da formação em saúde. Este dado indica que a discussão em torno das novas diretrizes para a formação dos profissionais de saúde produziu algum efeito impulsionador em fisioterapeutas que estavam olhando ou passaram a olhar para saúde pública como um campo de atuação e de pesquisa. Cabe uma reflexão sobre como adequar os projetos pedagógicos dos cursos às diretrizes deste novo campo, em torno de propostas articuladas entre os diversos atores participantes deste processo (discentes, docentes, coordenadores de cursos, gestores públicos); 31 com vistas a tornar as propostas das DCN uma realidade nos cursos de Fisioterapia. Outro ponto que leva ao questionamento é como analisar a atuação de associações e órgãos legisladores da Fisioterapia em torno das estratégias pertinentes às mudanças na formação do profissional, de acordo com as DCN. Nota-se que, apesar de ter havido um crescimento significativo no número de cursos a partir da segunda metade da década de 1990 - cerca de 80% de aumento, como afirma Bispo Júnior (2009), não houve, em tal período, publicações acerca da discussão sobre a formação em Fisioterapia e sua relação com o SUS. Esta constatação destaca a importância de se refletir, nos dias de hoje, acerca da posição da Fisioterapia diante do processo de consolidação do sistema único de saúde: que lugar a profissão deseja assumir nas propostas do SUS? Como forma de discutir tal questão, tem-se na universidade um dos caminhos para aproximação da profissão com o sistema de saúde público. Outra observação importante a ser feita a respeito dos trabalhos publicados refere-se aos tipos de publicações. Dentre as 13 publicações, havia 7 artigos científicos (cerca de 53,8% do total), 1 monografia, 4 dissertações e 1 capítulo de livro (Tabela 2) Tabela 2: Anos e tipos de publicações Ano Artigo Monografia Dissertação Capítulo de Livro 2005 0 0 1 0 2006 0 0 0 1 2007 2 0 0 0 2008 0 0 2 0 2009 1 1 1 0 2010 4 0 0 0 Total 7 1 4 1 % 53,8 7,7 30,8 7,7 Fonte: Elaboração própria Observou-se uma quantidade relevante de artigos em relação aos outros tipos de publicações, sendo importante considerar que caracteriza-se como a totalidade das publicações no ano de 2010. Este fato sugere identificar o motivo crescente do interesse de pesquisadores acerca da discussão da relação entre formação em Fisioterapia e o SUS. Entretanto, cabe ressaltar que a publicação de 2005 é uma dissertação de mestrado. Tal fato é relevante, tendo em vista que a publicação de uma dissertação em um determinado ano significa o início de um estudo dois anos antes. Desta forma, se lembrarmos que as DCN para Fisioterapia foram aprovadas em 2002, percebe-se que o interesse pela discussão, neste caso, iniciou-se logo em seguida. 32 Identificou-sea ausência de teses de doutorado acerca da relação entre a formação de Fisioterapia e o sistema de saúde, no período selecionado para a pesquisa. Tal fato corrobora com o achado de Coury e Vilella (2009), de que há um predomínio das áreas biológicas na formação dos pesquisadores fisioterapeutas. Isso incita a reflexão sobre a carência de pesquisas da Fisioterapia na área de saúde pública, o que se torna relevante à medida que se observa a instituição de um campo crescente de atuação, que é o cenário do SUS, com muitos aspectos a serem debatidos e com grande necessidade de participação multiprofissional. Os mesmos autores constatam, ainda, que a maioria dos pesquisadores fisioterapeutas escolhe as universidades particulares como área de atuação, sendo poucos os profissionais que se fixam em órgãos públicos ou institutos de pesquisa. Contudo, ao apurar as instituições nas quais foram produzidos os trabalhos científicos (monografia e dissertações), nota-se a ausência de universidades particulares como fonte institucional das publicações encontradas. Foram localizados 2 órgãos federais e 3 órgãos estaduais: Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul, Universidade Estadual de Londrina, Universidade Federal de São Paulo, Universidade do Vale do Itajaí e Universidade Federal do Rio Grande. Tal achado indica que, apesar de ser menor o número de pesquisadores preocupados com as questões da fisioterapia inseridos em órgãos ou institutos de pesquisa públicos, são eles que estão produzindo sobre a relação entre a formação do fisioterapeuta e sua atuação no SUS. Isso revela a importância de se investigar a relação ‘instituições de ensino superior (IES) públicas e privadas versus modelo de atenção à saúde utilizado como referência para atuação profissional’. E, também, ao considerar as orientações das DCN, cabe questionar acerca da contribuição das IES particulares, em torno da articulação entre o ensino, a pesquisa e a extensão/assistência. Outras questões podem ser levantadas em torno da carência de pesquisadores fisioterapeutas estudando a relação entre a formação da Fisioterapia e sua atuação no SUS: como propor incentivos que levem a maior inserção de fisioterapeutas em áreas de pesquisas, onde os mesmos não estão fortemente inseridos, como a própria área de saúde pública; como se pode pensar em inserir o fisioterapeuta pesquisador neste campo? Cabe considerar se os fomentos, como auxílios e bolsas, são suficientes para real adequação do profissional nas propostas da área de saúde pública. A respeito dos artigos publicados, há uma predominância de publicações em revistas cientificas que abordam temas de abrangência da área de Fisioterapia: Fisioterapia em Movimento, Fisioterapia e Pesquisa, Fisioterapia Brasil. Apenas um dos trabalhos foi publicado na Revista Ciência e Saúde Coletiva, editada pela Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO). As revistas editam suas publicações em períodos diversos, desde 33 trimestral, bimestral até mensalmente, e todas apresentam indexações em mais de uma base de dados, nacionais e internacionais. Das revistas próprias da área de Fisioterapia, 2 delas são publicações de cursos da área de saúde de instituições de ensino: uma do curso de Fisioterapia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e outra da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, particular e pública, respectivamente. Este dado propõe a reflexão a respeito da contribuição das universidades na propagação da pesquisa em Fisioterapia. No que se refere às Regiões do país, observou-se significativa prevalência de estudos na região Sul, num total de 7 publicações. As demais se apresentaram da seguinte forma: 2 no Sudeste, 1 no Nordeste, 2 no Centro-Oeste e nenhuma na região Norte. Em uma das publicações analisadas não foi possível obter tal informação (Tabela 3). Tabela 3: Regiões das Publicações Regiões Número de publicações % Sul 7 53,8 Sudeste 2 15,3 Nordeste 1 7,6 Centro-Oeste 2 15,3 Norte 0 0 Não identificado 1 7,6 Total 13 100 Fonte: Elaboração própria Observa-se uma significativa diferença entre as regiões federativas, além da ausência ou insuficiência de estudos relacionados à formação de fisioterapeutas e o SUS em algumas regiões. A região Sul representa um volume de publicações muito maior quando relacionado às outras regiões, cerca de 53,8% das publicações. Cabe refletir acerca o porquê desta disparidade. Vale afirmar que, além das diferenças espaciais, sociais e econômicas entre as regiões brasileiras, também são evidenciadas diferenças nas ofertas de serviços de saúde, e isto pode indicar possíveis considerações acerca dos dados encontrados nesta pesquisa. Estes fatos conduzem para uma questão que pode influenciar na formação dos profissionais de saúde: a menor ou insuficiente abrangência do sistema de saúde público em algumas regiões pode apontar para uma desqualificação da formação em saúde voltada aos preceitos do SUS? Pode- se pensar que o melhor desenvolvimento social e cientifico de algumas regiões, contribui para o maior número de publicações encontradas, trazendo a tona elementos importantes que podem 34 auxiliar na qualidade da formação como, maior acesso às bolsas de incentivo, a programas de formação, etc.? Cabe ressaltar que, com relação ao local de editoração dos periódicos, observou-se que 3 das 4 revistas, são editadas em estados da região Sudeste, sendo a outra editada na região Sul. Este dado leva ao questionamento acerca da necessidade de se promover formas de incentivo às editoras científicas das diversas regiões, no tocante à contribuição da divulgação de estudos na área de Fisioterapia e às demais áreas da saúde. A análise dos resumos permitiu criar quatro categorias a partir dos assuntos que foram abordados nas publicações. O número de publicações encontradas para cada uma das categorias criadas encontra-se na Tabela 4. Tabela 4: Categorias de análise traçadas Categorias de Análise Num. publicações que tratam das categorias % Diretrizes Curriculares Nacionais 6 33,3 Responsabilidade do Profissional 4 22,2 Integralidade em Saúde 5 27,7 Concepções dos docentes na formação em Fisioterapia 3 16,6 Total 18* 100 Fonte: Elaboração própria * Considera-se que uma publicação pode tratar de mais de uma categoria Ao tratar das categorias de análise, cabe ressaltar os olhares que os autores estão tendo sobre os temas abordados. Na categoria “diretrizes curriculares nacionais”, tratam da atuação diferenciada na prática do fisioterapeuta, a ser produzida a partir da interação entre as DCN, que enfatizam um olhar generalista, crítico e envolvido com a comunidade, e a realidade acadêmica na graduação em Fisioterapia. Nota-se, na Tabela 4, que esta categoria encontra-se em evidência quando comparada às demais categorias (33,3%). A partir desta análise é possível suscitar a seguinte indagação: o debate sobre a formação em saúde voltada para o SUS, com relação à profissão de Fisioterapia, gira em torno da inserção das DCN nos ambiente formadores, porém, a sua aplicação acompanha o mesmo passo das discussões acerca do tema? 35 Na categoria “responsabilidade do profissional”, as publicações abordam: (1) a responsabilidade da profissão com a mudança de abordagem nos processos pedagógicos dos cursos a partir da inserção da Fisioterapia em programas de saúde pública; (2) a participação e responsabilidade de órgãos competentes da profissão na inserção da Fisioterapia nas ações do sistema de saúde; e (3) a mobilização dos estudantes em prol
Compartilhar