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Violação positiva do contrato - Leonardo Fajngold

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Prévia do material em texto

11/02/2019 Envio | Revista dos Tribunais
https://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 1/15
A figura da violação positiva do contrato: como tratar as grandes
controvérsias sobre a matéria?
A FIGURA DA VIOLAÇÃO POSITIVA DO CONTRATO: COMO TRATAR AS
GRANDES CONTROVÉRSIAS SOBRE A MATÉRIA?
The positive breach of contract: how to deal with relevant controversies of the subject?
Revista de Direito Privado | vol. 97/2019 | p. 47 - 73 | Jan - Fev / 2019
DTR\2019\98
Leonardo Fajngold
Mestrando em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Pós-graduado em
Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Bacharel em Direito pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Membro do Conselho Assessor da Revista Brasileira de
Direito Civil (RBDCivil). Pesquisador da Clínica de Responsabilidade Civil da UERJ. Advogado. Rio de
Janeiro/RJ, Brasil. leofajngold@gmail.com
 
Área do Direito: Civil
Resumo: Este artigo aborda as ainda acaloradas polêmicas que pairam sobre a figura da violação
positiva do contrato. Em princípio, são analisados os argumentos favoráveis e contrários à
compatibilidade da teoria com o ordenamento jurídico brasileiro. Na sequência, trata-se das
particularidades do inadimplemento no direito pátrio, com apontamentos sobre a sua sistematização.
Como último passo, à luz desse cenário, indicam-se diretrizes para balizar a atuação do intérprete na
solução do caso concreto.
 
Palavras-chave: Violação positiva do contrato ‒ Inadimplemento ‒ Obrigações
Abstract: The present article addresses the still heated issues that hover the concept of positive
breach of contract. Initially, arguments in favor and against the compatibility of the theory with the
Brazilian legal system are analyzed. Subsequently, the particularities of default in the country’s legal
framework is discussed, with notes on its systematization. In light of this scenario, guidelines for the
fulfilment of the interpreter task in the solution of the concrete cases are indicated.
 
Keywords: Positive breach of contract ‒ Default ‒ Obligations
Sumário:
 
1 Introdução - 2 Da origem na Alemanha aos dias atuais: entre a delimitação e as polêmicas - 3 Existe
espaço para a figura no ordenamento brasileiro? - 4 Os efeitos da admissão da violação positiva - 5
Conclusão - 6 Referências
 
1 Introdução
No campo das obrigações, poucos são os temas atualmente tão controvertidos quanto a figura da
violação positiva do contrato.
Muito embora sua criação, em solo alemão, date de mais de um século,1 entre nós o assunto apenas
passou a ser referido e examinado, com maior detalhe, nas últimas três décadas,2 o que bem explica o
fato de ainda se encontrar envolto em inúmeras polêmicas.
A primeira delas, até intuitiva, por se tratar de teoria surgida no direito estrangeiro, é a adequação ao
ordenamento jurídico brasileiro. É dizer, o direito nacional precisa importar a figura ou outros institutos
fazem (ou deveriam fazer, em uma interpretação aplicativa)3 as vezes da violação positiva do contrato?
O que se verá a seguir é que justificar o posicionamento de uma forma ou de outra não tem sido tarefa
fácil, apesar do considerável esforço doutrinário para construir uma posição sólida em relação ao tema.
Para aqueles que imaginam que a (não pouca) dificuldade quanto à temática termina por aí, um
pequeno aviso: é só o começo.
Por incrível que pareça, ainda que se defenda a importância da figura, a análise do objeto de incidência
e das inúmeras repercussões jurídicas tem gerado, na prática, caminhos bastante distintos entre si.4
O mesmo se pode dizer em relação aos que afirmam a desnecessidade de um novo instituto, já que as
justificativas também variam consideravelmente.5
Em síntese, diante de um assunto tão intrincado e polarizado, o que se viu ao longo dos anos,
considerando os trabalhos acadêmicos desenvolvidos, é um árduo esforço doutrinário para avaliar e
testar, com detido cuidado, os argumentos apresentados pela corrente contrária, como uma espécie de
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metodologia para se definir a própria opinião a respeito do assunto (em especial, a partir da
desconstrução ou do enaltecimento das hipóteses sistematizadas pela doutrina alemã).
Logo, o estudo sobre a figura, em boa medida, tem como ponto de partida os acertos e equívocos que
permearam (e permeiam) cada uma das correntes doutrinárias.
Sem sombra de dúvida, essa forma de raciocínio, de alta investigação científica, foi fundamental não só
para destrinchar as possíveis hipóteses de aplicação, mas para se amadurecer a própria ideia de
adimplemento no ordenamento nacional, rumo a uma melhor compreensão do tratamento que deve ser
dado ao instituto da violação positiva do contrato (se é que deve ser dado algum).
Entretanto, parece que outro dado, atentado em menor escala, mostra-se extremamente relevante
nessa discussão.
Como se sabe, houve intensa transformação em sede de responsabilidade civil no século XX, por meio
de um celebrado “giro conceitual” (com mudança de eixo paradigmático do ato ilícito para o dano
injusto), fazendo repousar sobre a vítima os olhares e cuidados nessa seara.6
A reboque, surgiram outras mudanças absolutamente impactantes, como a eleição da reparação
integral a verdadeira bússola na interpretação dos inúmeros litígios que modernamente se amontoam.7
E é precisamente aqui que se encontra a premissa que deveria guiar o estudo – no mínimo, com igual
peso que a averiguação das hipóteses de incidência.
A despeito da importância de uma lapidação teórica da figura, para verificar se há ou não um possível
enquadramento dentro do sistema, o que se deve ter em vista é a impossibilidade de se reconhecer
que a prática de algum ato contrário ao ordenamento jurídico possa ficar à margem de apreciação pelo
intérprete e de compatível reparação.
É, portanto, sob esse enfoque que se convida à leitura do presente artigo: partindo do pressuposto de
que a vítima deverá ser sempre integralmente reparada, qual a forma de abordagem da matéria apta a
garantir que não haja qualquer situação a ser relegada a uma verdadeira zona cinzenta, em que o dano
passará despercebido?
2 Da origem na Alemanha aos dias atuais: entre a delimitação e as polêmicas
Em linhas gerais, a criação da teoria remonta ao já distante ano de 1902, momento em que foi trazida
a público pelo alemão Hermann Staub, no seu trabalho intitulado “Sobre as violações positivas do
contrato e suas consequências jurídicas” (Über die positiven Vertragsverletzungen und ihre
Rechtsfolgen).8
Diferentemente da atual legislação brasileira, o Código Civil alemão (BGB) possuía, à época, disposição
dicotômica sobre o descumprimento da prestação, de modo que eventual irregularidade somente
poderia ser reconduzida ao inadimplemento absoluto ou ao limitado conceito de mora.9
Como explicou Staub, as estreitas demarcações de configuração do inadimplemento relativo na antiga
redação do BGB apenas alcançavam o não cumprimento da obrigação ajustada (espécie de violação
negativa), inexistindo disciplina mais aprofundada quanto a outros tantos defeitos identificados no
cotidiano, como aqueles advindos da própria forma de prestar.10
Nesse sentido, portanto, é que o afirmado espaço vazio no ordenamento seria ocupado pela figura da
violação positiva, até como expressão de um “sentimento de justiça”.11
Visando à aplicação prática, como forma de coibir danos e deformidades no cumprimento da obrigação
(isto é, de um fazer), a teoria veio acompanhada de sugestões de hipóteses específicas de incidência,
resumidas nas palavras de Carlos Nelson Konder:
Originalmente, diversas hipóteses eram previstas como violações positivas do contrato: o mau
cumprimento dos deveres principais do contrato, em virtude da prestação realizada de forma defeituosa
(cumprimento imperfeito);o descumprimento de deveres laterais (sejam de cuidado e proteção, sejam
de informação e de colaboração); a recusa antecipada em cumprir a prestação, expressa ou em virtude
de comportamento concludente do devedor no sentido do inadimplemento (resultante no
inadimplemento antecipado); o descumprimento de uma obrigação negativa (obrigação de não fazer);
o mau cumprimento de uma obrigação duradoura e as hipóteses de culpa post pactum finitum.12
Apesar da sensibilidade nas percepções, em sintonia com anseios sociais que não encontravam
tratamento legislativo, a teoria difundida em larguíssima escala, inclusive ultrapassando as fronteiras
alemãs e aportando a outros ordenamentos (a ponto de se estar aqui, em outro continente e mais de
cem anos depois, desbravando suas implicações em pesquisa inteiramente dedicada), não passou
imune a críticas.13 Muito ao contrário.
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Em realidade, não foram poucos os autores que passaram a examinar, com rigor científico, em que
medida as situações abstratamente descritas careciam ou não de adequação e razoabilidade.14
Uma dessas críticas, em especial, merece destaque. Curiosamente, as severas considerações de outro
autor alemão, Heinrich Stoll, que tinha a intenção de justificar o descabimento da figura (o título do seu
trabalho é autoexplicativo: “Adeus à doutrina da violação positiva do contrato”)15 foram determinantes
para uma melhor sistematização da teoria, levando ao não pretendido efeito de renovar o fôlego da
exposição inicialmente apresentada. Nas palavras de Jorge Cesa Ferreira: “Desta forma, a crítica
ajudou a confirmar a doutrina e o ‘adeus’ pretendido mais serviu para sedimentar o já declarado
‘Willkommen’ [...]”.16
O impacto dos diversos estudos devotados à matéria, por anos a fio, foi sentido não só em sede
doutrinária e jurisprudencial, mas também – e de forma profunda – na legislação alemã, a partir da
ampla reforma no BGB em 2002. Precisamente, a questão foi contemplada no § 280, I, que assim
dispõe: “if the debtor fails to comply with a duty arising under the contract, the creditor is entitled to
claim compensation for the loss caused by such breach of his duty. This does not apply if the debtor is
not responsible for the breach of duty”.17
Tal como ocorreu no estrangeiro (ressalvadas algumas décadas de atraso), a temática apareceu no
Brasil apresentando similar complexidade no tratamento e ampla divergência de opiniões – com o
embaraço adicional de ter sido elaborada dentro de um contexto e de um ordenamento particular, o
que traz justificadas dúvidas sobre a compatibilidade com o sistema pátrio e desafios para uma
eventual adequação.18
Um dos mais prestigiosos e pioneiros estudos sobre o assunto, empreendido por Jorge Cesa Ferreira,
bem demonstra, de um lado, as tortuosas dificuldades que pairam sobre a matéria, e de outro, as
possibilidades de utilização da figura em sede nacional. Para esse último fim, o autor assim delimita o
conceito (que, até hoje, é utilizado em larga escala): “No direito brasileiro, portanto, pode-se definir a
violação positiva do contrato como inadimplemento decorrente do descumprimento culposo de dever
lateral quando este dever não tenha uma vinculação direta com os interesses do credor na
prestação”.19
A teoria, logo ao chegar, também acabou sendo indiretamente referida no Enunciado 24 da I Jornada
de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal, que possui o seguinte teor: “Em virtude do
princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil (LGL\2002\400), a violação dos deveres
anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa”.20
Conquanto o enunciado tenha sido um grande pontapé para o que viria a ser, anos mais tarde, um
tema bastante reportado jurisprudencialmente, fato é que chama a atenção a diferença entre as visões
sobre o instituto, notadamente pela controvérsia com relação ao requisito da culpa e quanto à ordem
de deveres que integraria a definição (se deveres laterais sem vinculação direta com o interesse na
prestação ou se simplesmente deveres anexos).
A bem da verdade, uma das poucas convergências doutrinárias em relação à figura é a oposição, de
todas as correntes, à nomenclatura “violação positiva do contrato”, ainda que, vale dizer, nenhuma
outra a tenha substituído com igual relevo.
Parte dessas críticas está reservada ao termo “positiva”, justamente por sugerir, de um lado, a inclusão
de condutas que não necessariamente estão abarcadas no conceito (como o descumprimento de
obrigação negativa) e, de outro, o afastamento de outras que são por ele alcançadas (a exemplo da
violação do dever lateral de agir).21
Outra parte das objeções se relaciona à palavra “contrato”, havendo defesa no sentido de que seria
mais técnica a referência a “crédito”, uma vez que não só as violações no bojo de relações contratuais
permitiriam a incidência da figura.22
Não fosse suficiente, também se controverte sobre a própria possibilidade de um conceito único, dada a
diversidade de hipóteses que se enquadrariam na definição, conforme explica António Menezes
Cordeiro (a comprovar, inclusive, que a indagação também é pertinente em outros ordenamentos,
como o português):
A diversidade foi-se ampliando à medida que as investigações posteriores, impulsionadas pelas
necessidades práticas, foram multiplicando as modalidades iniciais. A ponto de se tornar inviável uma
noção afirmativa de violação positiva do contrato: esta acabaria por ser definível, apenas por exclusão,
como abrangendo violações culposas de uma vinculação que não pudessem integrar nem a
impossibilidade, nem a mora do devedor.23
A despeito de essas considerações já indicarem, por si sós, grandes obstáculos a serem superados para
se harmonizar a figura, um dos maiores entraves à conformidade do instituto à legislação brasileira
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(senão o maior) é a comparação entre a abrangência da acepção de mora no direito nacional e a sua
estreita compreensão na antiga redação do BGB, circunstância que impulsionou a sua criação na
Alemanha.24
Realmente, ressalvado o posicionamento de corrente minoritária,25 não é possível desconsiderar a
vasta amplitude legislativa do inadimplemento relativo no ordenamento brasileiro (art. 394 do CC/2002
(LGL\2002\400)), com alusão ao descumprimento no tempo, lugar e forma, apta a englobar diversas
hipóteses que não teriam amparo jurídico se considerada a discreta normativa alemã originária
(sobretudo a partir da previsão aberta do vocábulo “forma”).26
Como se nota, a própria literalidade do dispositivo específico do Código Civil (LGL\2002\400) já garante
uma ampla margem de acomodação das hipóteses de descumprimento contratual. Todavia, é preciso ir
além.
Apurando ainda mais a intepretação, é de se reconhecer que três outros fatores proporcionam um
alcance ainda maior ao instituto da mora, a saber: (i) compreensão da relação obrigacional como
processo; (ii) o notável influxo do princípio da boa-fé objetiva; e (iii) a necessidade de observância ao
aspecto funcional dos institutos.
O primeiro deles vem da consagrada compreensão de Clóvis do Couto e Silva de que não há como se
apreender a relação entre as partes mediante um olhar estanque para a obrigação em exame; para
tanto, há de se perceber a obrigação de forma dinâmica, como um processo, cujos atos e interesses se
inter-relacionam e influenciam mutuamente os contratantes.27
Sobre o princípio da boa-fé, integrante do bloco dos chamados novos princípios contratuais (e, entre
eles, o que nitidamente obteve maior consagração doutrinária e jurisprudencial), surge em consonância
com uma nova tábua axiológica centrada nas normas constitucionais, e passa a remodelar a relação
obrigacional, exigindo uma condutaleal e proba dos contratantes para que se atenda, inteiramente,
aos fins perseguidos por cada uma das partes envolvidas – e não só a estrita e isolada prestação
pactuada.28
Essa situação é reforçada pela atual necessidade de desapego de uma visão meramente estrutural dos
institutos (o que são), com redutora atenção apenas à prestação principal, nas rígidas modalidades de
dar, fazer ou não fazer, e emprego de uma visão em perspectiva funcional (para que servem), mais
sensível ao complexo de deveres e interesses na relação obrigacional.29
Esse quadro é bem sintetizado nas palavras de Aline de Miranda Valverde Terra:
Nesse cenário, o adimplemento, assim como a própria obrigação, exsurge como unidade complexa,
cuja configuração exige não só o cumprimento do dever principal de prestação, mas a observância dos
deveres acessórios e de conduta incidentes na relação jurídica concreta, de modo contínuo e
ininterrupto. Mas não é só. Se adimplemento e inadimplemento se conectam lógica e funcionalmente, é
inevitável que todas as ponderações até aqui formuladas repercutam na teoria do inadimplemento. [...]
A ampliação do conceito de adimplemento diante dos deveres de conduta impostos ao devedor implica,
na mesma medida, o alargamento da noção de inadimplemento. Vale dizer, se para se reputar o
devedor adimplente se impõe a observância não apenas do dever principal de prestação, mas também,
com a mesma acuidade, dos deveres de conduta, significa dizer que se considera inadimplente o
devedor que não cumpre o dever principal de prestação ou os deveres de conduta impostos pela
sistemática obrigacional. Em sentido amplo, portanto, inadimplemento significa a inexecução da
prestação satisfativa, e não o mero descumprimento da prestação principal.30
Desse modo, afora uma previsão normativa que ostenta considerável abertura, assiste-se a uma
substancial transformação da noção de adimplemento no direito brasileiro, tudo a direcionar as relações
contratuais em favor não mais de um mero adimplemento da obrigação, mas de um adimplemento
satisfativo, capaz de efetivamente corresponder à gama de interesses relacionados à prestação em
determinado programa contratual.31
Sem prejuízo desse panorama, há ainda que se notar a igualmente vasta disciplina de vícios na
legislação brasileira, seja no Código Civil (LGL\2002\400), a exemplo dos artigos 44132 e seguintes,
61833 e 754,34 ou em outros diplomas normativos no direito privado (servindo como maior símbolo o
Código de Defesa do Consumidor, com inúmeros dispositivos exclusivamente voltados a essa
preocupação).
A combinação de ambas as constatações particulares do direito brasileiro – extensão do conceito de
mora e meticuloso tratamento de vícios na legislação – desponta, assim, como principal argumento35
de resistência à importação da teoria da violação positiva do contrato.36
Em suma, essa corrente defende que, acaso não se cuide de um vício específico, as hipóteses de
descumprimento, diante desse alargado conceito de adimplemento e de inadimplemento (duas faces da
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mesma moeda), poderão ser perfeitamente enquadradas no conceito de mora e de inadimplemento
absoluto, funcionando como demarcador do limite entre ambas as situações a aferição de permanência
do interesse do credor.37
Apesar de se concordar que boa parte das hipóteses originariamente surgidas no contexto alemão
seriam alcançadas ora pelo inadimplemento, ora pelo regime de vícios, é preciso investigar, tal como
anunciado no início deste trabalho, se, a seguir esse raciocínio, alguma hipótese de dano, ainda que
mínima dentro de tantas situações possíveis (é dizer, como raríssima exceção), passaria incólume,
justamente pela falta de remédios aptos a reprimi-la, o que não se pode admitir.
É o que se pretende analisar no tópico seguinte.
3 Existe espaço para a figura no ordenamento brasileiro?
Como se viu até aqui, o estudo da matéria, de acordo com a metodologia proposta, traduz-se,
basicamente, em uma junção de duas eloquentes frases de estudiosos sobre o assunto. A primeira, de
Hermann Staub, no sentido de que “ninguém duvidará que, nestes casos, a parte que viola os deveres
deve compensar a contraparte pelos danos causados por esta violação”,38 a demonstrar que qualquer
violação a deveres contratuais deve ser notada e reparada. A segunda, a partir da oportuna observação
de António Menezes Cordeiro: “As críticas a Staub e à violação positiva do contrato só ganhariam peso
decisivo se lhe fossem contrapostas soluções alternativas”.39
Dessa forma, para verificar se a nova concepção de adimplemento acolhe todas as hipóteses de
violação positiva (afinal, se houver um único esparso caso não alcançado, é preciso entender o que se
fará com ele), sugere-se, aqui, a avaliação de exemplos reais e fictícios.
O primeiro deles, bastante referido quando esse tema está posto em debate, é uma clássica ilustração
trazida por Clóvis do Couto e Silva (ainda que tenha sido originalmente apresentado para mostrar a
relação entre boa-fé e motivo). Segundo explica, um comerciante A convenciona com B a fabricação e
a colocação de anúncio luminoso, para efeitos de propaganda. B fabrica o anúncio, conforme
combinado, mas escolhe local de baixo tráfego para colocá-lo.40
Nessa exposição, Clóvis do Couto e Silva afirma, explicitamente, que não haveria “adimplemento
satisfatório”, já que “B deveria levar em consideração que quem contratara era comerciante e, por
conseguinte, o anúncio somente poderia ter interesse se situado em lugar adequado a sua finalidade”.41
Embora largamente utilizado ao se tratar da figura objeto do presente exame, o exemplo se adéqua,
com visível facilidade, ao não cumprimento da obrigação na forma intencionada pelo contratante,
servindo principalmente para confirmar tudo quanto se disse sobre a ampla abrangência do conceito de
mora. É dizer, diante da pouca (ou, mesmo, nenhuma) controvérsia, outras hipóteses aparentam ser
mais frutíferas para testar os instrumentos e institutos já previstos no ordenamento jurídico.
Uma primeira, apreciada pelo antigo Reichsgericht (Supremo Tribunal alemão que perdurou até 1945),
diz respeito a um telhador que foi tirar medidas para instalação de uma placa de zinco na casa de
determinado indivíduo, que contratara seus serviços. Ao subir no telhado, caiu e se feriu gravemente
por conta de uma tábua podre ali presente, não informada pelo contratante (que dela tinha ciência).42
Um outro, fictício, também auxilia na análise. Imagine-se que duas grandes sociedades estão
desenvolvendo em conjunto uma nova tecnologia, mediante contrato específico para esse fim. Em uma
das reuniões, realizada na sede de uma delas, o representante da outra, por comprovada negligência,
descuida de um dos equipamentos, que superaquece e incendeia o local (mas, apesar dos danos, sem
gerar impedimento à normal sequência do cronograma contratual).
Nas duas situações, aparentemente não se mostra confortável dizer que o proprietário ou que a
sociedade incendiária estava em mora, por força de um descumprimento em relação à forma, na
medida em que a prestação estipulada não foi impactada (ao menos, não como em outros casos, tal
como no do anúncio luminoso). Igualmente, diante de eventos que surgiram não só a partir de um
negócio jurídico, mas que ocorreram no momento de execução das obrigações ali previstas, tampouco
parece simples afirmar que as situações são perfeitamente captadas pela lógica do ilícito
extracontratual (tal como se uma colisão de veículos fosse).43
Se não há cômoda adequação ao regime de inadimplemento no direito brasileiro, nem típica inserção
na sistemática da responsabilidade aquiliana, cumpre, então, verificar a abordagem que melhor permite
reparar o dano (e, em determinados casos, evitar que se prolongue), avaliando se a violação positiva
do contrato cumpre esse papel.
Costumeiramente,como se apontou no item introdutório deste texto, a pesquisa em muito se confunde
com a avaliação das hipóteses originárias no direito alemão e amadurecidas em sede doutrinária e
jurisprudencial (até como expressão da abordagem que historicamente prevaleceu sobre a matéria).44
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Nada obstante a essa forma de explorar o assunto, que, é bem verdade, trouxe ricos avanços no
campo das obrigações, acredita-se que uma metodologia distinta, por meio de criteriosa avaliação do
complexo de deveres e interesses na relação estabelecida entre as partes, pode melhor servir ao
escopo aqui pretendido. Em última análise, a busca é por um sólido enquadramento técnico de
eventuais violações nessa seara, a fim de que possa nortear o tratamento de qualquer caso concreto
que porventura se amolde a essa configuração (sem necessidade de se empregar uma espécie de
subsunção a uma pré-determinada lista de hipóteses).
Para tanto, é importante, de início, revisitar o impacto da (enérgica) incidência do princípio da boa-fé
objetiva sobre as relações obrigacionais, mas agora sob outro prisma.
Já se encontra bastante consolidada a noção que empresta a esse princípio uma tríplice função: (i)
interpretativa, estampada no art. 113 do Código Civil (LGL\2002\400),45 a orientar a hermenêutica dos
contratos de acordo com o postulado da boa-fé; (ii) fonte criadora de deveres, ou seja, com a
imposição de obrigações aos contratantes além daquelas expressamente previstas no negócio jurídico
celebrado; (iii) limitativa ao exercício abusivo de direitos, impedindo a prática de atos na contramão da
postura de cooperação que se espera dos contratantes.46
Sem prejuízo da elevada relevância das três funções, com substanciosa aplicação prática, é
precisamente a segunda função mencionada que importa à discussão da violação positiva do contrato.
Isso porque, conforme reconhece parte da doutrina, os deveres criados se ramificariam em duas vias:
deveres anexos ou instrumentais à prestação e deveres de proteção.47
Logo, no total, seria possível enxergar três categorias distintas de deveres, assim arrumadas: (i)
deveres de prestação principais e secundários;48 (ii) deveres anexos ou instrumentais aos deveres de
prestação; e (iii) deveres de proteção contra danos relacionados ao negócio jurídico.49
Pela importância, releva mencionar o signo distintivo entre os deveres anexos e os de proteção – que
está justamente na vinculação à prestação. No primeiro caso, tem-se os deveres que se referem à
forma de prestar e, como tal, são sempre reconduzidos à ideia de prestação satisfativa, ou seja, aptos
a resguardar o cumprimento da prestação atendendo às finalidades da relação. Já os segundos,
independem da prestação, ao menos diretamente (vínculo mediato), e se concentram, exclusivamente,
no cuidado voltado a evitar a ocorrência de danos à pessoa ou ao patrimônio do outro figurante.50
Essa última classe é cuidadosamente examinada e discriminada na obra de Judith Martins-Costa:
Correspondem aos interesses de proteção: (a) os deveres de proteção e cuidado com a pessoa e o
patrimônio da contraparte, como, v.g., o dever do proprietário de uma sala de espetáculos ou de um
estabelecimento comercial de planejar arquitetonicamente o prédio, a fim de diminuir os riscos de
acidentes; (b) os deveres de omissão e de segredo, como o dever de guardar sigilo sobre atos ou fatos
dos quais se teve conhecimento em razão do contrato ou de negociações preliminares; e (c) os deveres
referentes ao resguardo da esfera jurídica de terceiros eventualmente atingidos pelo contrato.
Excepcionalmente, se apresentam, sob a forma de ônus jurídico, em relação à proteção da própria
esfera de interesses do credor, implicando, porém, colaboração com interesses de terceiros.51
Ainda, oportuno atentar ao objeto de incidência desses deveres de proteção, a fim de averiguar em que
medida integram a relação desenvolvida entre as partes. A esse respeito, nota-se que, diferentemente
dos deveres de prestação (que, naturalmente, dependem da existência do negócio jurídico, capaz de
fazer surgir a prestação), os deveres de proteção podem se mostrar presentes, além da fase
contratual, na pré-contratual e na pós-contratual. Por certo, é plenamente possível que não haja o que
prestar, mas exista interesse de proteção da esfera jurídica dos envolvidos.52
A despeito de todas essas considerações, retomando-se os exemplos preliminares desse capítulo (e as
dificuldades ali sentidas), vê-se que, somente quando há violação relacionada a uma prestação, a larga
abstração legislativa sobre a forma de prestar vem ao socorro para resolver confortavelmente a
questão.
Em outras palavras, a trajetória percorrida demonstra que os interesses de proteção, diversamente dos
de prestação (sejam eles voltados aos deveres de prestação principais e secundários ou a deveres
anexos), reclamam tratamento não alcançado pela disciplina dos vícios e da mora na legislação.
Mais, uma refinação técnica do encadeamento de deveres e interesses permite afirmar que a lacuna
identificada poderia, em tese, ser suprida por uma construção como a violação positiva do contrato,
desde que considerados os parâmetros aqui apresentados (ainda que não haja um claro dado
normativo nesse sentido).53 Aqui, outra vez mais, são esclarecedoras as lições de Judith Martins-Costa:
Quem iguala ou confunde os interesses à prestação (inclusivos da obrigação principal, dos deveres
secundários e dos anexos) com os interesses à proteção, tenderá a considerar que a figura da violação
positiva do contrato é inútil entre nós, pois o conceito de mora no Direito brasileiro é amplo (Código
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Civil (LGL\2002\400), art. 394), englobando tempo, lugar e modo da prestação. Essa posição é
equivocada, pois tempo, lugar e modo atinem à prestação (interesses à prestação), sejam principais,
secundários ou anexos, e não diretamente aos interesses à proteção (deveres laterais). É a violação
desses interesses que é apanhada pela noção de violação positiva do contrato.54
Todavia, conforme se comentará adiante, além de a frequente referência à figura em âmbito
jurisprudencial se mostrar desacompanhada de maior preocupação técnica (aumentando, com isso, o
coro pelo seu suposto descabimento), o seu simples reconhecimento, ainda que sob preceitos teóricos
adequados, não é suficiente para eliminar todas as muitas indagações que rondam o tema.
4 Os efeitos da admissão da violação positiva
Em pesquisa subjacente a esse artigo, realizada em agosto de 2018, foram localizados, somente no
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, 284 julgados fazendo menção à expressão “violação
positiva do contrato”.
Por mais que as referências se contem às centenas, todas as decisões ocorreram a partir de 2006, a
indicar, no mínimo, duas pertinentes conclusões: a matéria é ainda bastante nova na experiência dos
tribunais (afinal, se está falando de pouco mais de uma década) e, por mais recente que seja, tem se
reproduzido exponencialmente ao longo dos anos, a ponto de se poder afirmar, com segurança, que
esse número rapidamente chegará à casa dos milhares.
As duas observações levam a outra valiosa reflexão, sobretudo se considerado que a figura ainda não
foi objeto de uma profunda e necessária análise pelo Superior Tribunal de Justiça, tanto com relação à
sua efetiva compatibilidade com o ordenamento brasileiro, quanto no que toca às suas repercussões
jurídicas. Diante de um assunto recente e que se espalha com tanta rapidez, é de se esperar dois
caminhos: irá assumir, desde já, uma relevância condizente com os anseios sociais e a técnica jurídica
ou será absorvido de forma equivocada, tornando-se refém, por longo tempo, do próprio vacilante
tratamento, em bases frágeis (e dificultandoo discernimento do intérprete para aplicação adequada).
Infelizmente, o cenário parece se inclinar ao segundo prognóstico. Essa assertiva é bem ilustrada por
meio de dois recentíssimos julgados, um do Superior Tribunal de Justiça e outro do Tribunal de Justiça
do Rio de Janeiro.
O primeiro é o REsp 1.673.107/BA, de relatoria da Min. Nancy Andrighi, no qual se afirmou que o
atraso no cumprimento da prestação implicaria em violação a “dever de proteção e lealdade”:
Com efeito, esta Corte possui precedentes no sentido de que o atraso injustificado e anormal na
reparação de veículo pode caracterizar dano moral decorrente da má-prestação de serviço ao
consumidor, pois gera a frustração de expectativa legítima deste, revelando violação do dever de
proteção e lealdade (AgInt no AREsp 490.543/AM, 4ª Turma, DJe 18.04.2017; REsp 1.604.052/SP, 3ª
Turma, DJe 26.08.2016).55
Com todo o respeito, não se nega a presença dos deveres de proteção e dos deveres de lealdade nas
relações contratuais (esses últimos, abstratamente, integrariam a categoria dos deveres anexos à
prestação), mas fato é que a hipótese de atraso mais se relaciona ao dever de prestação, atraindo, sem
maiores dúvidas, a caracterização de mora (na própria literalidade do art. 394 do Código Civil
(LGL\2002\400), pelo descumprimento da obrigação em viés temporal).
A decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em situação semelhante, é ainda mais sintomática,
até pela explícita referência à violação positiva do contrato:
O descumprimento pela ré dos deveres anexos à boa-fé objetiva, tendo praticado a chamada “violação
positiva do contrato”, frustrando a legítima expectativa do autor de usufruir o veículo por ele comprado,
permanecendo aguardando por meses a entrega do veículo que não foi efetuado, embora tenha pago à
vista aproximadamente 62% do preço, configura falha na prestação do serviço, conduzindo à rescisão
do contrato e à restituição simples do valor pago pelo consumidor.56
Aqui, verifica-se a mistura de conceitos específicos em matéria de obrigações, inclusive como se
estivesse a tratar de um bloco conceitual único. Por mais que se entenda que os deveres seriam anexos
à prestação (são impostos pela boa-fé objetiva, e não anexos a ela) e que a violação positiva do
contrato não se ligaria, em regra, com a categoria de deveres anexos, o que mais sobressai é a
equivocada menção à figura (talvez, até, como desacertado elemento de reforço), já que a hipótese
descrita se ajustaria perfeitamente ao conceito de mora.
Ao que parece, em um afã de robustecer a fundamentação do julgado, houve inadequada referência à
violação positiva do contrato, perpetuando uma indesejada confusão quanto às delimitações técnicas de
ambos os conceitos.
Esses exemplos demonstram a conturbada visualização e aplicação prática da temática, com tendência,
como se disse, a uma crescente replicação jurisprudencial.
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A solução desse quadro, de fato, não é tão singela, dada à ausência de orientação normativa.
Justamente por isso, as duas formas que despontaram para tentar desatar a questão, encerram, em
algum grau, uma espécie de alargamento dentro do sistema.
A se utilizar a via do inadimplemento, vislumbra-se um certo esforço de esticar o alcance (já
abrangente) da mora, a um ponto tal de englobar hipóteses, que, a uma primeira vista, não aparentam
ser moldadas a esse enquadramento (tal como os exemplos trazidos anteriormente). Em uma analogia
simples, seria como vestir uma roupa com tamanho menor ao adequado.57
Por outro lado, a importação de uma figura estrangeira ao ordenamento traz inúmeras complicações,
pois “não importa apenas seu reposicionamento, mas implica a redefinição de seu próprio conceito, de
seu alcance e efeitos”.58
Sem prejuízo das dificuldades, considerando que a figura já encontra um elevado nível de inserção no
direito brasileiro (e que, portanto, já se ultrapassou, para boa parte da doutrina e jurisprudência, a fase
de admissão), julga-se que o caminho mais prudente seria esse último percurso, já em uma segunda e
mais madura etapa, de esforço para aprimoramento técnico do emprego da figura. Sinteticamente,
seria o caso de se conferir maiores balizas técnicas à violação positiva do contrato, permitindo a sua
aplicação, mas tão somente no espaço a ela reservado (para reprimir violação a dever de proteção,
conforme delineado no tópico anterior).
Finalmente, mesmo em caso de aceitação da figura, é de se reconhecer duas últimas dificuldades, que,
embaraçam sobremaneira a avaliação no caso concreto: a demarcação dos efeitos da violação positiva;
e o regime de responsabilidade civil aplicável (se contratual ou extracontratual).
Quanto aos efeitos, há razoável convergência no sentido de que o descumprimento de deveres de
proteção apenas geraria, via de regra, a possibilidade de reivindicação de perdas e danos. A exceção
fica por conta de hipóteses em que esse descumprimento se apresenta grave de tal modo a repercutir
sobre a quebra da confiança, atraindo o próprio desinteresse na manutenção da relação. No entanto,
nesse estágio, surgiria a configuração de inadimplemento absoluto, com direito à resolução da avença,
além de indenização por perdas e danos.59 Por sinal, fenômeno similar ao que ocorre com a mora, no
caso de o descumprimento no tempo, lugar ou forma provocar o desinteresse na continuidade do
vínculo.
Não menos discutido é o enquadramento da violação positiva em regime de responsabilidade civil (se
contratual ou aquiliana). Do que se observa de maneira corrente, há recondução à lógica da
responsabilidade contratual,60 com todas as implicações daí advindas.61
Todavia, não se pode deixar de mencionar relevantes ponderações doutrinárias acerca da possibilidade
de uma disciplina híbrida, capaz de avaliar ponto a ponto o sistema que seria aplicável:
A discussão em torno das repercussões práticas da internalização da violação positiva do contrato em
nosso ordenamento vem sendo guiada por um mecanismo fechado, estanque e rígido: se os deveres
são contratuais, a responsabilidade é contratual e normas sobre direitos da vítima, ônus da prova da
culpa, solidariedade, contagem de juros e atualização monetária, competência e prescrição serão
aquelas previstas para o regime contratual; se são deveres extracontratuais, a responsabilidade é
aquiliana e somente as normas previstas para este regime serão aplicáveis. [...] Desta forma, o
reconhecimento da “contratualidade” não serve para impor, automaticamente, a aplicação de todas as
normas previstas para a responsabilidade contratual, como se fosse o encastelamento em um núcleo de
normas isolado do restante do sistema. Cada uma dessas normas possui uma ratio própria dentro do
sistema e o juízo de aplicação delas deverá ser analógico – como é todo juízo interpretativo – para
verificar se aquela norma específica encontra razão de ser para aplicação naquela violação “positiva” in
concreto. O intérprete deve ter em mente, por exemplo, que há um fundamento específico para se
diferenciar a contagem dos juros na responsabilidade contratual e na extracontratual e que este
fundamento não necessariamente é o mesmo fundamento para a diferenciação no tocante à inversão
do ônus da prova, da solidariedade ou das opções da vítima. Deve compreender por que o legislador
diferenciou os prazos prescricionais entre contratuais e extracontratuais – ou, na verdade, não
diferenciou – para decidir se na hipótese da violação de deveres anexos se encontra presente por
quê.62
Como se percebe, o reconhecimento da compatibilidade da figura com o ordenamento brasileiro é
apenas um degrau de uma longa escada para a adequada aplicação da violação positiva, sendo ainda
necessário árduo empenho – em sede doutrinária e jurisprudencial – para se desbravar as suas
complexas implicações jurídicas, de modo a salvaguardar inteiramentea esfera de interesse das
vítimas.
5 Conclusão
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Atualmente, o tema da violação positiva do contrato (ou do crédito, como indica parte da doutrina)
desperta fortes impressões aos que se dedicam à sua investigação técnica, com o surgimento de
opiniões em diferentes direções, às vezes diametralmente opostas.
A razão é compreensível, tendo em vista se cuidar de instituto estrangeiro – cuja necessidade é
controvertida no próprio contexto em que apareceu, no direito alemão – e haver aportado aos estudos
no Brasil em momento bastante recente, que data de poucas décadas.
Isso, todavia, não retira, nem abrevia a grande urgência que se coloca quanto a um rigoroso
aprofundamento das razões de compatibilidade da figura com o ordenamento jurídico nacional e das
implicações da sua aceitação perante o sistema, principalmente em razão da avançada replicação do
tema no cenário jurisprudencial, de forma ainda bastante tumultuada (sob um prisma eminentemente
técnico).
Para essa (intrincada) tarefa, entende-se que a metodologia mais conveniente é aquela que, sem
descuidar de uma construção teórica amparada em arcabouço jurídico consistente, prestigia a ausência
de brechas com relação ao cometimento de violações, por mínimas que sejam, isto é, não franqueia, de
qualquer modo, espaço livre para a prática de atos contrários aos valores máximos do ordenamento.
Com isso em mente, apesar de não ser fácil escolher um caminho e já considerando que todos suscitam
significativas controvérsias, a trajetória que parece mais bem atender ao objetivo pretendido é aquela
que encontra na violação positiva do contrato uma função particularmente importante dentro do direito
brasileiro, voltada a preservar o interesse de proteção existente nas relações travadas, em
complemento ao já abrangente papel do inadimplemento, absoluto e relativo, e ao amplo leque
legislativo de vícios do negócio jurídico.
O momento, portanto, à vista do avanço jurisprudencial sobre o assunto, completamente ao largo das
agitadas discussões doutrinárias, recomenda menos polarização e mais convergência, para que melhor
se compreendam as bases teóricas do instituto e se apontem as suas adequadas consequências, de
modo a que os indivíduos sejam devidamente protegidos de eventuais danos provocados no curso das
relações, como tradução da própria construção de uma sociedade “justa” – que, afinal, é um dos
objetivos fundamentais da República.63
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straniero, 2002.
 
 
 
1 MENEZES CORDEIRO, António. Da boa-fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2001. p. 595.
 
2 Pesquisando sobre o assunto, é possível encontrar trabalhos acadêmicos específicos produzidos na
década de 80 e 90, como é o caso de FRADERA, Véra Maria Jacob de. A quebra positiva do contrato.
Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), n. 44, nov. 1998; e OLIVEIRA,
Ubirajara Mach de. Quebra positiva do contrato. Revista de Direito do Consumidor, v. 25, jan.-mar.
1998. p. 39-56.
 
3 SCHREIBER, Anderson. O que é (e o que não é) o direito civil constitucional. In: SCHREIBER,
Anderson; KONDER, Carlos Nelson (Orgs.). Direito civil constitucional. São Paulo: Atlas, 2016. p. 13-
14.
 
4 Isso se percebe, por exemplo, em rápida comparação entrea posição de Judith Martins-Costa
(MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado critérios para a sua aplicação. São Paulo: Marcial
Pons, 2015. p. 690) e a presente em diversos julgados que admitem a figura no direito pátrio (entre
tantos outros, desde já: TJRJ, 17ª CC, Ap. Cív. 0011885-41.2016.8.19.0003, rel. Des. Elton Martinez
Carvalho Leme, j. 21.03.2018).
 
5 Sobre esse ponto, é possível fazer um cotejo entre a linha de argumentação de Aline de Miranda
Valverde Terra (TERRA, Aline de Miranda Valverde. A questionável utilidade da violação positiva do
contrato no direito brasileiro. Revista de Direito do Consumidor, v. 101, set.-out. 2015. p. 181-205) e
Lavínia Cavalcanti Lima Cunha (CUNHA, Lavínia Cavalcanti Lima. Cumprimento defeituoso: Conceito,
Pressupostos e Comparativo com a Violação Positiva do Contrato. Revista Magister de Direito
Empresarial, Concorrencial e do Consumidor, Porto Alegre, v. 57, jun.-jul. 2014. p. 80-95).
 
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6 GOMES, Orlando. Tendências modernas na teoria da responsabilidade civil. In: DI FRANCESCO, José
Roberto Pacheco (Org.). Estudos em homenagem ao Professor Silvio Rodrigues. São Paulo: Saraiva,
1989. p. 295.
 
7 “A reparação do dano injustamente causado constitui uma exigência de justiça comutativa, como já
fora vislumbrado por Aristóteles na Ética a Nicômaco, devendo ser a mais completa possível, o que se
chama, modernamente, de princípio da reparação integral do dano” (SANSEVERINO, Paulo de Tarso
Vieira. Princípio da reparação integral: indenização no Código Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.
34).
 
8 STAUB, Hermann. Die positiven Vertragsverletzungen und ihre Rechtsfolgen, in Festschrift für den
XXVI. Deutschen Juristentag. Berlim: J. Guttentag, 1902.
 
9 “Ao analisar a disciplina do BGB na seara do cumprimento das obrigações, o autor concluiu que o
legislador alemão apenas regulava expressamente a impossibilidade superveniente da prestação (§280)
e a obrigação de indenizar pelos prejuízos decorrentes da mora (§286). Tal regime acabou sendo
modificado com a reforma promovida pelo legislador alemão sobre o direito das obrigações em 2002.
Originalmente, porém, o BGB não continha previsão específica para as hipóteses em que o
descumprimento do contrato se desse de forma positiva, isto é, a despeito de ter ocorrido prestação
tempestiva por parte do devedor, pois neste caso não se fazia possível a subsunção nem à
impossibilidade absoluta nem à mora (entendida como o não cumprimento no tempo devido)” (SILVA,
Rodrigo da Guia. Em busca do conceito contemporâneo de (in) adimplemento contratual: análise
funcional à luz da boa-fé objetiva. Revista da AGU, v. 16, n. 2, abr.-jun. 2017. p. 306-307).
 
10 VARELA, João de Matos Antunes. Das obrigações em geral. 7. ed. Coimbra: Almedina, 1997. v. 2. p.
126-127.
 
11 STEINER, Renata Carlos. Descumprimento contratual: boa-fé e violação positiva do contrato. São
Paulo: Quartier Latin, 2014. p. 206.
 
12 KONDER, Carlos Nelson. Boa-fé objetiva, violação positiva do contrato e prescrição: Repercussões
práticas da contratualização dos deveres anexos no julgamento do REsp 1.276.311. Revista Trimestral
de Direito Civil, v. 50, abr.-jun. 2012. p. 226.
 
13 SILVA, Rodrigo da Guia. Em busca do conceito contemporâneo de (in) adimplemento contratual:
análise funcional à luz da boa-fé objetiva, cit., p. 307.
 
14 MENEZES CORDEIRO, António. Da boa fé no direito civil, cit., p. 596-602.
 
15 STOLL, Heinrich. Abschied von der Lehre von der positiven Vertragsverletzung. Archiv für die
civilistische Praxi, 136. Bd., 1932. p. 257-320.
 
16 SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. A boa-fé e a violação positiva do contrato. Rio de Janeiro: Renovar,
2007. p. 19-20.
 
17 Tradução livre: “Se o devedor não cumprir com um dever gerado por uma obrigação, o credor
poderá demandar indenização pelos danos causados por essa ofensa. Isso não se aplica se o devedor
não for responsável pela violação do dever” (ZIMMERMANN, Reinhard. Breach of contract and the
remedies under the new german law of obligations. Saggi, conferenze e seminari, n. 48. Roma: Centro
di studi e ricerche di diritto comparato e straniero, 2002. p. 18, tradução livre da versão em inglês).
 
18 KONDER, Carlos Nelson. Boa-fé objetiva, violação positiva do contrato e prescrição: Repercussões
práticas da contratualização dos deveres anexos no julgamento do REsp 1.276.311, cit., p. 218-219.
 
19 SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. A boa-fé e a violação positiva do contrato, cit., p. 268.
 
20 Disponível em: [http://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/670]. Acesso em: 09.08.2018.
 
21 KONDER, Carlos Nelson. Boa-fé objetiva, violação positiva do contrato e prescrição: Repercussões
práticas da contratualização dos deveres anexos no julgamento do REsp 1.276.311, cit., p. 226.
 
22 É o que menciona Gustavo Haical, ao citar, entre outros, Pontes de Miranda e Karl Larenz: “Pontes
de Miranda, com a perspicácia e agudeza de espírito que lhes eram peculiares, sustenta, em duas
passagens de notável parecer (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Parecer 158: sobre
adimplemento ruim por parte de advogado e prescrição de ação de honorários. Rio de Janeiro:
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Francisco Alves, 1976. p. 164), que não se pode falar em violação positiva do contrato, mas sim, em
violação positiva do crédito, pois não somente créditos derivados de contrato podem ser descumpridos,
mas também créditos advindos de outras espécies de fatos jurídicos. Desse modo, afirmava: Se bem
que HERMANN STAUB se referisse, apenas, à violação positiva do contrato (= dos créditos oriundos de
contratos), deve-se dizer violação positiva do crédito, porque há créditos, não provenientes de
contratos, que podem ser positivamente violados (grifos do autor). Do mesmo modo, LARENZ, Karl.
Derecho de obligaciones, cit., t. I, p. 366-367. GOMES, Orlando. Inexecução contratual positiva.
Transformações gerais do direito das obrigações. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 1980. p. 162. FAVALE,
Rocco. Premessa. In: STAUB, Hermann. Le violazione positive del contratto. Trad. Giovanni Varenese.
Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 2001. p. 14” (HAICAL, Gustavo Luís da Cruz. O inadimplemento
pelo descumprimento exclusivo de dever lateral advindo da boa-fé objetiva. Revista dos Tribunais, São
Paulo, v. 900, out. 2010).
 
23 MENEZES CORDEIRO, António. Da boa-fé no direito civil, cit., p. 596-597.
 
24 SCHREIBER, Anderson. Manual de direito civil contemporâneo, cit., p. 357.
 
25 “Mora é demora, atraso, impontualidade, violação do dever de cumprir a obrigação no tempo
devido. Pelas infrações relativas ao lugar e à forma do pagamento também responde o devedor, mas,
tecnicamente, não configuram mora. Deve-se reservar o vocábulo para designar unicamente o atraso,
contrário ao direito na efetivação do pagamento” (GOMES, Orlando. Obrigações. 17. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2009. p. 202).
 
26 Confira-se o relevante teor do art. 394 do Código Civil: “Considera-se em mora o devedor que não
efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a
convenção estabelecer.”
 
27 COUTO E SILVA, Clóvis do. A obrigação como processo. 8. reimp. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2013. p.
10-11.
 
28 Sobre o tema, recomenda-se SCHREIBER, Anderson. A tríplice transformação do adimplemento –
Adimplemento substancial, inadimplemento antecipado e outras figuras. Revista Trimestral de Direito
Civil, v. 32, 2007. p. 3-27.
 
29 PERLINGIERI, Pietro. Il fenômeno dell’estinzione nelle obbligazione. Camerino-Napoli: E.S.I., 1980.
p. 21.
 
30 TERRA, Aline de Miranda Valverde. A questionável utilidade da violação positiva do contrato no
direito brasileiro, cit.
 
31 “É, portanto, neste sentido que se deve entender a prestaçãocomo prestação satisfativa: a
prestação capaz de satisfazer os interesses do credor, identificada no comportamento do devedor
dirigido à execução do dever principal de prestação, bem como dos vários deveres de conduta que lhe
são impostos. A funcionalização da relação obrigacional conduz ao alargamento do objeto, que passa a
ser estabelecido não apenas pela vontade das partes, mas também pela sistemática obrigacional”
(TERRA, Aline de Miranda Valverde. A questionável utilidade da violação positiva do contrato no direito
brasileiro, cit.).
 
32 Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou
defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor. Parágrafo
único. É aplicável a disposição deste artigo às doações onerosas.
 
33 Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o
empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez
e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo. Parágrafo único. Decairá do
direito assegurado neste artigo o dono da obra que não propuser a ação contra o empreiteiro, nos
cento e oitenta dias seguintes ao aparecimento do vício ou defeito.
 
34 Art. 754. As mercadorias devem ser entregues ao destinatário, ou a quem apresentar o
conhecimento endossado, devendo aquele que as receber conferi-las e apresentar as reclamações que
tiver, sob pena de decadência dos direitos. Parágrafo único. No caso de perda parcial ou de avaria não
perceptível à primeira vista, o destinatário conserva a sua ação contra o transportador, desde que
denuncie o dano em dez dias a contar da entrega.
 
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35 Ressalva-se, aqui, a posição daqueles que igualmente rejeitam a figura, mas entendem que a
responsabilidade civil extracontratual abarcaria as hipóteses de incidência da violação positiva do
contrato. Sobre o ponto: CUNHA, Lavínia Cavalcanti Lima. Cumprimento defeituoso: conceito,
pressupostos e comparativo com a violação positiva do contrato. Revista Magister de Direito
Empresarial, Concorrencial e do Consumidor, Porto Alegre, v. 57, jun.-jul. 2014. p. 80-95.
 
36 “Dois fatores depõem contra a importação da violação positiva do contrato ao direito brasileiro.
Primeiro fato é a amplitude da nossa definição legal de mora, a qual, como se viu, transcende a mera
questão temporal para abranger a não realização de um pagamento ‘no tempo, lugar e forma que a lei
ou a convenção estabelecer’ (art. 394), podendo-se extrair da alusão à forma a interpretação de que
somente se considera efetuado o pagamento quando efetuado no modo devido, ou seja, quando bem
efetuado, tudo a revelar que o mau cumprimento da prestação configura, entre nós, mora, ao menos
enquanto puder ser corrigido. O segundo fator é a existência entre nós de uma disciplina normativa do
cumprimento inexato em setores específicos do nosso Código Civil: ora em termos mais gerais, como
nos vícios redibitórios (arts. 441-445), ora em tipos contratuais determinados, como nos contratos de
empreitada e de transporte (arts. 618, 754 etc.)” (SCHREIBER, Anderson. Manual de direito civil
contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 357).
 
37 ANDRADE, Daniel de Pádua; PEREIRA, Fabio Queiroz. Revisitando o papel da violação positiva do
contrato na teoria do inadimplemento. Scientia Iuris, Londrina, v. 22, n. 1, mar. 2018. p. 277-278.
 
38 STEINER, Renata Carlos. Descumprimento contratual: boa-fé e violação positiva do contrato, cit. p.
203.
 
39 MENEZES CORDEIRO, António. Da boa fé no direito civil, cit., p. 599.
 
40 COUTO E SILVA, Clóvis do. A obrigação como processo, cit., p. 41.
 
41 Idem, ibidem.
 
42 MENEZES CORDEIRO, António. Da boa-fé no direito civil, cit., p. 604.
 
43 É o que menciona Renata Carlos Steiner: “Assim, acaso ligados, de alguma forma, à relação
obrigacional, a violação dos deveres de proteção deve ser considerada violação positiva do contrato, e
não simplesmente fundamento da responsabilidade civil aquiliana” (STEINER, Renata Carlos.
Complexidade intra-obrigacional e descumprimento da obrigação: da violação positiva do contrato.
2009. Dissertação [Mestrado em Direito das Relações Sociais] – Setor de Ciências Jurídicas.
Universidade Federal do Paraná, Curitiba. p. 83-84).
 
44 No direito brasileiro, a categorização se deve, em larga medida, a Jorge Cesa Ferreira da Silva, que
estudou cada uma das hipóteses a seguir, para, então, afirmar a aplicabilidade da figura em território
nacional: (i) descumprimento de obrigações negativas; (ii) descumprimento de deveres laterais; (iii)
mau cumprimento de deveres de prestação gerando danos distintos dos causados pela mora ou pelo
inadimplemento absoluto; (iv) descumprimento de dever de entrega em contrato de fornecimento
sucessivo; e (v) recusa antecipada do devedor em cumprir a obrigação (SILVA, Jorge Cesa Ferreira da.
A boa-fé e a violação positiva do contrato. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 230-265).
 
45 Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de
sua celebração.
 
46 TEPEDINO, Gustavo. Novos princípios contratuais e teoria da confiança: a exegese da cláusula to
the best knowledge of the sellers. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. t. II. p. 252. 
 
47 “A teoria da violação positiva do contrato permitiu que, mais tarde, outro jurista alemão, Heinrich
Stoll, sustentasse haver, além dos deveres de prestação (Leistungspflichten), os de proteção
(Schutzpflichten)” (HAICAL, Gustavo Luís da Cruz. O inadimplemento pelo descumprimento exclusivo
de dever lateral advindo da boa-fé objetiva, cit.)
 
48 Para maior aprofundamento nessa espécie, recomenda-se a leitura do tópico 2.1 de HAICAL,
Gustavo Luís da Cruz. O inadimplemento pelo descumprimento exclusivo de dever lateral advindo da
boa-fé objetiva, cit.
 
49 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado critérios para a sua aplicação, cit., p. 220.
 
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50 “Estes [deveres anexos] são aqueles insertos também nos interesses de prestação, mas de forma
anexa ao dever principal. Como sua denominação indica, atuam para otimizar o adimplemento
satisfatório, fim da relação obrigacional. São deveres que não atinem ao ‘que’ prestar, mas ao ‘como’
prestar. [...] diferentemente dos deveres de prestação, os deveres de proteção não têm por escopo
favorecer o interesse do credor à prestação, mas sim o seu interesse à integridade de sua esfera
jurídica que é também um interesse derivado da relação. [...] Seu escopo é a proteção contra danos
causados em razão da relação obrigacional, proporcionando ‘uma função auxiliar da realização positiva
do fim contratado e de proteção à pessoa ou aos bens da contraparte contra os riscos de danos
concomitantes’ e servindo ‘ao interesse da conservação dos bens, patrimoniais ou pessoais, que podem
ser afetados em conexão com o contrato’” (MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé... op. cit., p. 222-224).
 
51 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado critérios para a sua aplicação, cit., p. 546.
 
52 Idem, p. 225-226.
 
53 Sobre isso, confira-se Renata Carlos Steiner: “Tomando o BGB de 1900 como paradigma, afirmou o
autor [Hermann Staub], em excerto que, sem reparos, pode ser aplicado ao panorama jurídico
brasileiro, que ‘em que pese não possa [o fundamento jurídico] ser extraído diretamente da lei, pode
ser fundamentado indiretamente com ajuda de lei’” (STEINER, Renata Carlos. Descumprimento
contratual: boa-fé e violação positiva do contrato, cit. p. 206).
 
54 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado critérios para a sua aplicação, cit., p. 690.
 
55 STJ, 3ª T., REsp 1.673.107/BA, rel. Min. Nancy Andrighi,j. 21.09.2007.
 
56 TJRJ, 17ª CC, ApCiv 0011885-41.2016.8.19.0003, rel. Des. Elton Martinez Carvalho Leme, j.
21.03.2018.
 
57 A despeito disso, veja-se a posição de Daniel de Pádua Andrade e Fabio Queiroz Pereira sobre as
consequências de se conformar as hipóteses à disciplina do inadimplemento na legislação: “Do ponto de
vista prático, esse enfoque permite que o resguardo dos bens patrimoniais e extrapatrimoniais dos
contratantes deixe de pertencer ao instituto autônomo da violação positiva do contrato e passe a
integrar a estrutura do inadimplemento absoluto e da mora. Dessa forma, a tutela dos interesses
obrigacionais à proteção, hoje baseada exclusivamente na boa-fé objetiva e em interpretações
analógicas, poderá contar com o arcabouço normativo tradicionalmente aplicado na defesa dos
interesses obrigacionais à prestação. Exemplificativamente, o descumprimento dos deveres de proteção
poderá ensejar, conforme o caso, as repercussões já assentadas para o caso de inobservância dos
deveres de prestação (perdas e danos, juros, atualização monetária, honorários de advogado,
oponibilidade de exceção do contrato não cumprido, faculdade de resolução contratual etc.)”
(ANDRADE, Daniel de Pádua; PEREIRA, Fabio Queiroz. Revisitando o papel da violação positiva do
contrato na teoria do inadimplemento. Scientia Iuris, Londrina, v. 22, n. 1, mar. 2018. p. 279).
 
58 KONDER, Carlos Nelson. Boa-fé objetiva, violação positiva do contrato e prescrição: Repercussões
práticas da contratualização dos deveres anexos no julgamento do REsp 1276311, cit., p. 219.
 
59 “Portanto, considera-se que, pelo fato de a figura da violação positiva do crédito no Direito brasileiro
só abranger o descumprimento de deveres laterais insertos no núcleo dos interesses de proteção, e,
por não estarem esses deveres diretamente vinculados aos interesses de prestação, a violação positiva
do crédito tão só dará azo ao direito às perdas e danos. Se, contudo, for afetada substancialmente a
confiança ou o interesse de manter o vínculo obrigacional, pelo descumprimento de dever lateral
inserto no interesse de proteção, advirá ao credor o direito de resolução ou a justa causa à denúncia
cheia. Entretanto, consideramos que, em tal caso, dar-se-á a transformação da violação positiva do
crédito em inadimplemento absoluto, porque só por meio dessa espécie de inadimplemento passa a
existir ao credor ou direito formativo extintivo de resolução lato sensu ou uma justa causa (quando
prevista na lei ou no contrato) ao exercício do direito formativo extintivo de denúncia (denúncia cheia)”
(HAICAL, Gustavo Luís da Cruz. O inadimplemento pelo descumprimento exclusivo de dever lateral
advindo da boa-fé objetiva, cit.)
Nesse mesmo sentido, MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado critérios para a sua
aplicação, cit., p. 691-692.
 
60 É esse, exemplificativamente, o contundente entendimento de Renata Carlos Steiner, que inclusive
estende esse regime a terceiros que não fizeram parte do negócio jurídico: “Importa sublinhar, no
entanto, que o regime de responsabilidade civil aplicável é, sem dúvida, aquele contratual. Cabe à
parte lesada unicamente indicar o descumprimento do dever e os danos daí decorrentes, presumindo-
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se a responsabilidade (culposa ou não) da contraparte [...] Por fim, ainda tendo em vista as
peculiaridades da responsabilidade civil advinda da violação positiva, há se notar que o regime
contratual é aplicável também a terceiros não contratantes. A conclusão chega-se pelas peculiaridades
dos deveres de conduta violados, os quais, conforme já se teve oportunidade de ressaltar, não estão
adstritos apenas àqueles diretamente envolvidos no negócio jurídico” (STEINER, Renata Carlos.
Descumprimento contratual: boa-fé e violação positiva do contrato, cit. p. 244).
 
61 “Isto porque, no momento em que se admite tal contratualidade, em caso de inadimplemento de
deveres instrumentais vinculados à realização da prestação, o prejudicado pela violação positiva do
contrato, ao invés de receber tão somente indenização pelos prejuízos sofridos, poderá se valer de
instrumentos de direito contratual como, por exemplo, a exceção de contrato não cumprido ou o direito
de resolução pelo inadimplemento” (SAVI, Sérgio. Inadimplemento das obrigações, mora e perdas e
danos. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Obrigações: estudo na perspectiva civil-constitucional. Rio de
Janeiro: Renovar, 2005. p. 477).
 
62 KONDER, Carlos Nelson. Boa-fé objetiva, violação positiva do contrato e prescrição: Repercussões
práticas da contratualização dos deveres anexos no julgamento do REsp 1.276.311, cit., p. 235-236.
 
63 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária;

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