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PRATICAS PEDAGÓGICAS E COTIDIANO ESCOLAR: DESAFIOS POSTOS PELO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO Tania de Assis Souza Granja – Uerj Sonia Maria Cerqueira de Brito – Unigranrio RESUMO Este trabalho apresenta alguns elementos para pensarmos nos desafios postos pelo Projeto Politico-Pedagógico, na medida em que ele fornece diretrizes, linhas, perspectivas de atuação, objetivos, enfim, um “norte” para dar sentido ao movimento institucional e à dinâmica escolar, que é traduzida nas suas práticas no cotidiano da escola. Para compreender o cenário encontrado, utilizamos como aporte teórico Veiga (2000), Paulo Freire (1983, 1987), Oliveira (1999), Vasconcelos (2000) e Alves (2001), cujas obras serviram como referencial para a compreensão e condução do presente estudo. Fizemos uma pesquisa exploratória, com uma abordagem qualitativa realizada em 32 escolas de Ensino Fundamental no 1º, 2º, 3º e 4º Distritos de Duque de Caxias na Baixada Fluminense/Rio de Janeiro. Os procedimentos utilizados foram a análise documental, a observação e a entrevista semi-estruturada. Neste trabalho apresentamos um recorte com dados parciais decorrentes da pesquisa documental e da observação no campo. Esta análise teve o propósito de reunir alguns dados para pensar o Projeto Político-Pedagógico e como ele integra as atividades gerais da escola, a sala de aula, as práticas pedagógicas, a participação da comunidade escolar. Pensar, também, na importância do Projeto Político-Pedagógico na sua face multidimensional e como ele afeta o cotidiano da escola. Neste sentido, entender a escola como espaço de transformação é vivenciar situações de reflexão numa atividade multidimensional comprometida com uma ação integradora e de reconstrução do conhecimento, das práticas, das interrelações, enfim, ações estas que possibilitam o enfrentamento dos desafios cotidianos do processo educativo favorecendo a que a teoria caminhe com a prática. Palavras-chave: Práticas Pedagógicas; Projeto Político-Pedagógico; Ensino Fundamental INTRODUÇÃO Essa investigação procurou contribuir para a análise da organização da escola, tendo em vista suas práticas cotidianas e trazer, também, uma reflexão sobre os indicadores de participação dos professores nos processos decisórios da escola, sobretudo na construção, acompanhamento e avaliação periódica do Projeto Político- Pedagógico. A pesquisa foi realizada no Ensino Fundamental, anos iniciais e anos finais, em escolas municipais e estaduais de Duque de Caxias na Baixada Fluminense. Essa aproximação com o Projeto Político-Pedagógico das escolas permitiu-nos conhecer um pouco da organização e o gerenciamento do trabalho pedagógico a ser desenvolvido com os alunos e, sobretudo, as linhas gerais norteadoras do funcionamento das Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola EdUECE- Livro 1 03766 2 instituições e das práticas docentes. Partimos do pressuposto que, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9394/96, as escolas ganharam mais autonomia na medida em que puderam organizar suas práticas e definir diretrizes de ação de longo, médio e curto prazo para atingir metas estabelecidas pelo coletivo escolar a partir do seu Projeto Político-Pedagógico. Assim, o objeto de estudo é o Projeto Político-Pedagógico e as formas pelas quais a escola incorpora seus objetivos, metas, referencial teórico e estratégias pedagógicas no seu pensar e fazer cotidiano, revelando a multidimensionalidade do Projeto. A importância de um momento para projetar o futuro promovendo uma reflexão de toda a comunidade escolar, no sentido de planejar, projetar e colocar em prática diretrizes e ações definidas em um Projeto de Escola materializado no Projeto Político-Pedagógico é fundamental. Paulo Freire (1996, p.88) já anunciava que “a mudança do mundo implica a dialetização entre a denúncia da situação desumanizante e o anúncio de sua superação, no fundo, o nosso sonho. É a partir deste saber [...] que vamos programar nossa ação político-pedagógica [...]”. Entender que a escola está inserida numa sociedade marcada por desigualdades sociais e educacionais é o divisor de águas que nos ajuda a pensar na mudança e a pensar num Projeto Político- Pedagógico orientador do processo educacional. PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO E SUAS IMPLICAÇÕES NO COTIDIANO DA ESCOLA A construção do Projeto Político-Pedagógico tem contornos próprios de cada instituição porque é a expressão de uma escola, dentro da sua realidade, com expectativa e visão de mundo daquele grupo social (VEIGA, 2000); por isso, é único, singular e original. Oliveira (1999, p.32) revela que “[...] a construção de uma sociedade democrática implica o desenvolvimento de uma ação democrática concreta em todos os espaços de interação social, inclusive na escola”. Assim, o compromisso com a mudança é algo que, se não estiver internalizado no “corpo” e na “cultura escolar”, o Projeto Político-Pedagógico tem poucas chances de materialização, porque a prática e a vivência cotidiana é a mola propulsora para que ele tome materialidade. A construção do Projeto Político-Pedagógico, como aponta Vasconcellos (2000, p. 173) [...] vai depender muito da maneira como a comunidade escolar vai se posicionar. Quando vemos escolas fazendo projeto ‘porque o MEC está a exigir’, é claro que não podemos esperar muito diante deste risco de manipulação. Por outro lado, quando a escola despertou para a necessidade de se definir, de construir coletivamente sua identidade e de se organizar Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola EdUECE- Livro 1 03767 3 para concretizá-la, então o projeto pode ser um importante instrumento de luta [...]. Nesse sentido, Oliveira (1999, p.27-28) mostra que a educação não ocorre pela assimilação de discursos, mas que ela pode “contribuir para o desenvolvimento da autonomia dos sujeitos e dos grupos sociais e isto não é algo que se possa fazer apenas pelo discurso [...]”. Sem a prática efetiva, cai no vazio, quando não, no descrédito. Sendo assim, a participação, em especial, do professor na construção do Projeto da sua escola é um tempo único e, verdadeiramente, um momento em que a reflexão possibilita uma ação educativa engajada e uma prática pedagógica mais consciente, comprometida e multidimensional, visando a uma educação como instrumento de libertação (FREIRE, 1983). AS PRÁTICAS NA ESCOLA E OS DESAFIOS DO PROJETO POLÍTICO- PEDAGÓGICO (PPP): UMA BREVE REFLEXÃO É notório que a escola, no seu cotidiano, funciona como linha de montagem (ALVES, 2001), insistindo em nos moldar segundo sua concepção de padrão ideal, ignorando a diversidade, a experiência cultural e tende à homogeneização e à normatização. A ruptura com esse modelo implica traçar outro rumo para a escola, onde discutir ideias, buscar alternativas venha a reboque da elaboração coletiva do PPP. Como ensina Freire (1987, p.78), “não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão”. Sendo assim, o exercício pela comunidade escolar dos objetivos e metas do Projeto Político-Pedagógico é, por si só, um processo educativo e o que verificamos, na maioria das escolas pesquisadas, é que o documento não estabelece, na prática, vínculo com o que acontece na dinâmica da escola. Encontramos algumas dificuldades iniciais para ter acesso ao documento nas escolas pesquisadas porque ora encontrava-se na gaveta da diretora, no armário da sala da coordenação, na casa de determinado professor, na secretaria, ora não se sabia aonde encontrava-se o PPP. Após algumas visitas às escolas, o trabalho com o documento pode ser iniciado e a análise nos coloca alguns elementos para uma reflexão. Verificamos que os 32 Projetos Político-Pedagógicos analisadoscitam Vigotsky, Paulo Freire e Piaget como teóricos orientadores das práticas pedagógicas, Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola EdUECE- Livro 1 03768 4 num percentual que indicava 44%, 34% e 22%, respectivamente. No entanto, no cotidiano, não encontramos nenhuma relação entre os pressupostos do pensamento de tais teóricos e a prática realizada. Referem-se ao Planejamento Participativo como base do trabalho da escola e fazem menção a projetos a serem implementados durante o ano letivo, como estratégia para apropriação do conhecimento. Entretanto, o que foi observado foi um trabalho de planejamento individualizado sem nenhum momento de troca coletiva e os projetos mencionados; os poucos desenvolvidos ocorreram por iniciativa de algum professor que tomou para si a responsabilidade de efetivá- lo na sua disciplina. Algumas premissas são comuns nos PPP’s, tais como: gestão democrática e, também, trabalhar com a comunidade escolar no tripé escola-família- comunidade. No entanto, o tipo de gestão encontrada nas escolas era centralizada e a coletividade escolar pouca participação tinha na vida da escola, exceto para comparecer às reuniões definidas pela Direção e/ou Coordenação Pedagógica, para tratar de aspectos disciplinares e/ou notas dos alunos. Contudo, registramos, também, alguns discursos nas observações realizadas que traduzem, em certa medida, uma dissociação entre a teorização do PPP, o cotidiano da escola e suas práticas. Os propósitos e intencionalidades contidas no documento não são operacionalizados no dia-a-dia da instituição explicitadas em alguns discursos. Vejamos: • “O PPP é um documento para atender a uma exigência legal nada tem a ver com o que fazemos na escola ...” (sic). • “... O PPP não é instrumento de trabalho naquela escola” (sic). • “As escolas somente entendem o PPP como documentação legal” (sic). • “... eu ainda não vi este documento desde que cheguei na escola, estou para fazer isso, só que são tantas coisas administrativas que ainda não consegui contato com o PPP...” (sic). Os discursos explicitados acima tiveram origem nas visitas cotidianas às escolas em conversas com a equipe técnico-pedagógica na figura da supervisão escolar e/ou coordenação pedagógica. Tais discursos, ao que parece, revelam que não houve a incorporação do Projeto Político-Pedagógico e que ainda estamos distantes da compreensão do seu papel e de sua finalidade. Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola EdUECE- Livro 1 03769 5 No que tange à construção do PPP, não encontramos nenhum que tivesse sido construído pela comunidade escolar ou ao menos com a participação dos professores, como propõe a legislação educacional. Estes foram feitos pela Direção da escola e/ou coordenação pedagógica e, em alguns casos, encomendados a especialistas no assunto. CONSIDERAÇÕES FINAIS Algumas considerações podem ser esboçadas, frente ao material coletado no campo. No que tange à experiência vivida nas escolas pesquisadas, podemos inferir que o Projeto Político-Pedagógico constitui-se em verdadeiro desafio para os atores sociais da instituição educacional. Nesse sentido, entender a escola como espaço de transformação é vivenciar situações de reflexão numa atividade multidimensional comprometida com uma ação integradora e de reconstrução do conhecimento, das práticas, das inter-relações, enfim, ações estas que podem possibilitar o enfrentamento dos desafios cotidianos do processo educativo, favorecendo a que a teoria caminhe com a prática, pois verificamos, na escola, amiúde, uma dissociação entre estas. Assim sendo, o espaço escolar, à medida que desenvolve mecanismos que estimulem a participação da comunidade educativa, estimula, ao mesmo tempo, a que alunos, pais, professores e os demais membros que participam do coletivo escolar se responsabilizem pela condução e pela real efetivação das propostas, a partir de um contrato coletivo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, Rubem. A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir. 2. ed. Rio de Janeiro: Papirus, 2001. FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 18. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1983. ______ . Pedagogia do Oprimido. 17. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1987. LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÂO NACIONAL, Lei 9394/96, 20 de Dezembro de 1996. Editora Saraiva OLIVEIRA, Inês B. (org). A democracia no cotidiano da escola. Rio de Janeiro: DP&A: SEPE, 1999. p.11-33. VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Planejamento: Projeto de Ensino- Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico – elementos metodológicos para elaboração e realização. 7. ed. São Paulo: Liberad, 2000. Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola EdUECE- Livro 1 03770 6 VEIGA, Ilma P. Projeto Político-Pedagógico da escola: Uma construção possível. 11. ed. Campinas, São Paulo: Papirus, 2000. Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola EdUECE- Livro 1 03771