Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.
left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

Prévia do material em texto

UNIVERSIDADEFEDERALFLUMINENSE INSTITUTODEPSICOLOGIA
CURSODE GRADUAÇAO EM PSICOLOGIA
EDUARDO SOUSA DE CASTRO
Por uma viagem menos solitária: 
o trânsito político de corpos trans negros
Niterói
2018
EDUARDO SOUSA DE CASTRO
Por uma viagem menos solitária: 
o trânsito político de corpos trans negros
Trabalho de Conclusão apresentadoao Cursode Graduaçãoem PsicologiadoInstitutodePsicologiada Universidade FederalFluminense,como requisitoparcial para obtençãodograudeBacharelem Psicologia. Orientador(a): Prof.MARCELO SANTANA FERREIRA
Niterói
2018
TERMODEAPROVAÇÃO
 EDUARDO SOUSA DE CASTRO
POR UMA VIAGEM MENOS SOLITÁRIA: 
O TRÂNSITO POLÍTICO DE CORPOS TRANS NEGROS
Trabalho de Conclusão aprovadopela Banca Examinadora do Curso de Graduação em Psicologia daUniversidade FederalFluminense–UFF
Niterói,......de..............de.............(datadadefesa)
BANCAEXAMINADORA
Prof. Dr. Marcelo Santana Ferreira – Universidade Federal Fluminense – Orientador
Prof.Dra. Jaqueline Gomes de Jesus– Instituto Federal do Rio de Janeiro 
Prof.Dra. Luiza Rodrigues de Oliveira – Universidade Federal Fluminense 
DEDICATÓRIA
À Maria das Graças de Sousa, minha amada avó que, do seu quarto de empregada, sempre sonhou com seu neto se graduando. 
À João Nery pela incansável militância e luta pela visibilidade do movimento de homens trans, no Brasil. 
À ShelidaAyana, que me ratificou a importância dessa escrita.
AGRADECIMENTOS
Felipe, Mayara, Vinícius eRafael,amigos de longas e curtas datas, que me fazem entender e apostar na potência da amizade para a vida.
Ana Clara e Queren, amigas que me fazem companhia nas risadas e abraços desde a quinta série do ensino fundamental.
Carolina e Louise, minhas amigas psis, que tornaram esses anos de graduação mais leves, possíveis e felizes. 
Ao curso Transformação,onde fui apresentado a pessoas tão maravilhosas, que me ensinaram e me mostraram a importância de existirmos. E que teve como fruto o Instituto Transformar ShelidaAyana, lugar onde deposito minha esperança e força, em resistência, por políticas reparativas. 
Leonardo Peçanha, Alessandra Makkeda e Dora Santana, pessoas que me inspiram por suas trajetórias e que sou grato pelos papos vitalizantes e encorajadores durante esse processo de escrita. 
Ao pessoal do quintal - tia Angela, tio Mauro, Tati, Taíssa, Maike e Micaela –parte da minha família, onde a cada manhã renovamos nossos pactos afetivos, de companheirismo e carinho. 
Aos laços que me sustentam, minha mãe e meu irmão, Alessandra e Gustavo, minha outra parte da família que, espalhada e distante de mim, fazem minhas saudades chegarem a lugares tão distante. 
à Isabela, que me possibilita experimentar a honestidade do companheirismo, da delicadeza, atenção e afetos.
Aos amigos Ruri e Tainara, à minha supervisora Christiane, ao professorDanichi e aos amigos e colegas de supervisão e de pesquisa, que em diferentes contextos e de diferentes modos me fortaleceram para conseguir dizer essas páginas.
Marcelo, meu orientador, primeiro em quem pensei para me ajudar na construção dessas ideias e que foi fundamental para meu processo de escrita e, consequentemente, minha formação. Por acreditar, pelo carinho, respeito, abraços e sorrisos nessa jornada, obrigado.
Nesses momentos, tenho que me lembrar que o patriarcado gerou um imaginário que somos suspeitos, seja por estarmos próximos de nós ou estarmos muito distantes de nossas comunidades para contar as histórias que queremos. Poderosas escritoras negras, tanto cis como trans, me lembraram que, apesar do grande “Por que eu?" temos o direito de escrever, o direito de ser “não-subordinado," como a escritora feminista negra brasileira Conceição Evaristo (2007) aponta. Eu precisava reconhecer esse direito para escrever este texto, para permitir que minhas vulnerabilidades e privilégios me dessem um precário senso de direito de tomar as escolhas de linguagem, veículo de circulação e alinhamento acadêmico para esse texto. Eu tenho o direito de escrever. Eu tenho o direito de viver. 
 (SANTANA, 2017)
BILHETERIA
As discussões postas em torno dos temas de gênero partem, majorante, de uma perspectiva cisgênera, que não se nomeia no ato de pesquisar, assim como as discussões em torno dos temas de etnia partem, majorante, da perspectiva da branquitude, que também não se nomeia nas pesquisas. A proposta deste trabalho é colocar em cena essas perspectivas, da cisgeneridade, da branquitude, da transexualidade e da negritude, nomeando-as, e interseccionando os temas, a fim de perguntar como as subjetividades trans negras tem se dado a partir dessas marcações sociais, que a todo tempo a negam enquanto um corpo possível. Quais vivências o racismo e a transfobia tem modulado nesses corpos? Quais corpos têm sido possíveis de existir a partir desses demarcadores? De-marca-dores? E, quais estratégias tem sido feitas para resistir e afrontar o cistema-branco? Para pensar tais questões serão utilizadas produções acadêmicas, como artigos e teses, com os recortes de gênero e raça, com uma aposta metodológica que estará em trânsito pelo texto, que revisa bibliografias mas que entende a questão posta não apenas como um “problema teórico, mas também como problema político” (BARROS; PASSOS, 2010, p. 151, apud SCHVARSBERG, 2012, p. 166), e em vista de disputar tal campo, banca-se uma política da narrativa, considerando o contexto político ao qual esta se efetiva, e se posicionando, entendendo a narratividade como um discurso que produz efeitos.
Palavras-chave: transexualidade; negritude; racialização; gênero; 
ÍNDICE
CONVITE ....................................................................................................................p.8
EMBARQUE ...............................................................................................................p. 9
1ª PASSAGEM..........................................................................................................................p. 14
TRANS-BORDO ........................................................................................................ p. 15
2ª PASSAGEM .........................................................................................................p.21
TRANSBORDANDO ...................................................................................................p.22
3ª PASSAGEM ............................................................................................................. p. 29
DESPASSAR E DESCOMPASSAR ..........................................................................................p.32
REFERÊNCIAS...........................................................................................................p.36
CONVITE 
Ao longo da feitura deste trabalho, me deparei com a noção de que o que eu fazia nele não se tratava, em termos fieis, de um Trabalho de Conclusão de Curso, mas me direcionava ainda num caminho de dar conclusões do meu (per)curso. Me percebi trabalhando numa (Des)conclusão em Curso, em processo. Ao passo que fui maturando essa ideia, me perguntei também porque não chamar de um trabalho “inconcluso”, mas tenho a certeza de que não me omiti em concluir. O neologismo desconcluir, então, me aparece em meio a romper com o pacto dominante, em deixar de concluir com as vozes hegemônicas e passar a procurar, na leitura e escuta, de escritas e vozes, marginalizadas,nos encontros e em múltiplos espaços, a composição de um processo formativo. Logo, meu trabalho de desconclusão em curso, é uma tentativa de deixar de concluir com as mesmas abordagens e estudos dos mesmos autores, para falar sobre as mesmas coisas, para as mesmas manutenções, das mesmas normas, na tentativa de me afastar de um trabalho de mesmiCis. 
	Faço-lhes o convite de conhecerem e comprarem essa viagem na bilheteria, mas há que se saber que os preços de embarque são alto, principalmente porque sair do conforto custa caro. O trajeto é longo e o mapa de caminho desenhado pelas passagens, que aqui se darão, é um roteiro, um modo, mas não esgotado. O que leva a poder dizer, que algumas passagens podem ser mais longas e mais caras para alguns. Participar da viagem requer que o viajante saiba que carrega malas, bagagens e que, portanto, as visões que terá do caminho estará referida também ao que suas bagagens permitam que enxergue. Nas baldeações, nos rompimentos com as bordas, na transposição e na saída do compasso, a viagem pode se tornar inquietante. É preciso pedir que não usem a saída de emergência, ou seja, não usem de saída a via do conservadorismo, não se desesperem diante dos questionamentos. Há vidas em jogo nessa viagem.
EMBARQUE
A transexualidade faz parte da literatura psiquiátrica desde o século XIX, embora esta condição só tenha adquirido visibilidade a partir da conceituação de Harry Benjamin, na década de 60 (MURTA, 2006). O que o psiquiatra alemão, radicado nos Estados Unidos, estabeleceu a partir de sua conceituação foi a definição e universalização do que seria um “verdadeiro” transexual. E, apesar do século XXI já ter chego, as análises, parâmetros e definições para o estabelecimento de uma transexualidade para além de uma dicotomia verdadeiro-falso, é-não é, legítimo-ilegítimo, ainda não foi incorporada pelos estudos da medicina. 
A explicação mais careta da transexualidade parte da propositiva em dizer de uma pessoa que nasce com determinado sexo-gênero – por conceber esse binômio como inseparável – mas que não se identifica na experiência social do mesmo, e, portanto, vê-se no corpo errado, desejando alterá-los. Como quando LARA; ABDO; ROMÃO, em 2013, dirão que
O indivíduo com transexualismo (CID-10) ou transtorno da identidade de gênero – tipo transexual (DSM-IV-TR) apresenta desejo irreversível de viver e ser aceito como um membro do sexo oposto (ou insistência de que é do sexo oposto), acompanhado por um sentimento persistente de grande mal-estar e de inadequação em relação ao próprio sexo anatômico. Há profundo desconforto com o sexo designado (genitália e caracteres sexuais secundários), bem como com o papel de gênero atribuído pela sociedade para esse sexo. 
	O que esse cenário médico vai fazer e ainda o faz, efetivamente, é colocar em funcionamento um cerceamento e restrição afim de normatizar a experiência trans, estabelecendo os modos mais legítimos de ser e hierarquizar a autenticidade dessas experiências. À conceituação de Harry, produzida num Estados Unidos sessentista que perdura e reverbera até hoje nos estudos, escritos e atuações, não só médicas, mas no imaginário social, especificamente no que tange ao Brasil, cabe colocar um ponto: Quem é Harry Benjamin? Quem são essas pessoas que o perpetuam? A interrogação é no tempo de dialogar com as proposições levantadas pelo feminismo negro, em específico, a de situar lugar de fala, principalmente por considerar que “todas as pessoas possuem lugares de fala, pois estamos falando de localização social” (RIBEIRO, 2017, p. 86), tratando-se da localização de poder dentro da estrutura. Localizar que o psiquiatra é homem, cis, branco, europeu passa a constituir, então, um campo de enunciação, que não neutro, não imparcial, mas que é marcado e que, não surpreendentemente, se perceberá repetindo na academia. Logo, colocar em cena esses regimes de autorização discursiva que vão se apresentando nos jogos de saber-poder, “se converte numa ferramenta de interrupção de vozes hegemônicas, em favor da possibilidade de emergência de vozes historicamente interrompidas” (RIBEIRO, 2017, p. 85), num movimento ético de enunciação e produção.
	A autorização discursiva, levantada pelas discussões de lugar de fala, remonta a um dos aspectos da colonialidade. Neste ponto, é preciso entendê-la não enquanto uma lógica que está circunscrita na dinâmica instaurada no colonialismo histórico, mas sim enquanto uma experiência que incide e altera a modernidade. Mignolo (2016) afirma que não há modernidade sem colonialidade, pois a expressão comum e contemporânea de “modernidades globais” implica em “colonialidades globais”, dando “continuidade [às] formas coloniais de dominação, mesmo após o fim das administrações coloniais, além de demonstrar que essas estruturas de poder e subordinação passaram a ser reproduzidas pelos mecanismos do sistema-mundo capitalista colonial-moderno”(ASSIS, 2014). Logo, um esforço atento de investigação implica o entendimento e a análise do espraiamento dos efeitos da colonialidade. 
Na sua formulação original por Quijano, o “patrón colonial de poder” (matriz colonial de poder) foi descrito como quatro domínios inter-relacionados: controle da economia, da autoridade, do gênero e da sexualidade, e do conhecimento e da subjetividade. Os eventos se desdobraram em duas direções paralelas. Uma foi a luta entre Estados imperiais europeus, e a outra foi entre esses Estados e os seus sujeitos coloniais africanos e indígenas, que foram escravizados e explorados. [...] A MCP [matriz colonial de poder] então opera em uma série de nós histórico-estruturais heterogêneos e interconectados, que são atravessados por diferenças coloniais e imperiais e pela lógica subjacente que assegura essas conexões: a lógica da colonialidade. Nós histórico-estruturais significam que nenhum é independente de qualquer outro, como qualquer nó é provavelmente relacionado de duas ou mais maneiras divergentes. (MIGNOLO, 2016)
Ao nó da sexualidade, Driskill (2004b, 54 apud VERGUEIRO (2015)) dirá que “uma sexualidade colonizada é uma em que nós internalizamos os valores sexuais da cultura dominante”.
As pressões que o colonizador impôs sobre as diversas formas da sexualidade que encontrou no império foram registradas pelo trabalho de Giuseppe Campuzano vasculhando crônicas e documentos do século xvi e xvii(Campuzano, 2006, 2009a, 2009 b). Nelas se constata a pressão exercida pelas normas e as ameaças punitivas introduzidas com o objetivo de fixar as práticas na matriz heterossexual binária do conquistador, que impõe noções de pecado estranhas ao mundo aqui encontrado e propaga seu olhar pornográfico. Isto nos permite concluir que muitos dos preconceitos morais hoje percebidos como próprios do “costume” ou da “tradição”, aqueles que o instrumental dos direitos humanos tenta combater, são em realidade preconceitos, costumes, tradições modernas, isto é, oriundos do padrão criado pela colonial/modernidade. Em outras palavras, o suposto “costume” homofóbico, assim como outros, é já colonial/moderno e, uma vez mais, encontramo-nos com o antídoto jurídico que a modernidade produz para sanar os males que ela mesma introduziu e continua propagando. (SAGATO, 2012)
	As condições para performance de gênero, repetem os pressupostos colocados para a reprodução da sexualidade colonial, de carona na afirmação de Driskill, seria possível dizer que uma concepção de gênero colonizada é uma em que internalizamos os valores de gênero, e também suas performances, da cultura dominante e para isso é preciso conceber que, por cultura dominante, são aos corpos cisgêneros, brancos e dentro dos padrões a que se refere. Não cabendo pensar em qualquer outra reprodução de masculinidade, por exemplo, que não a patriarcal, calcada no machismo, na representação viril de masculinidade e que, para se afirmar, precise necessariamente da misoginia. Entendendo o patriarcalismo como um modelo de valores e visão de mundo que irá estabelecer para o sujeito quais os papéisdevem ser exercidos por cada gênero, “transpondo para as outras instituições sociais a primazia de poder que deve ser administrado pelo homem” (SANTOS, 2007, p. 147).
	É imprescindível não deixar de dizer que toda a lógica de controle herdada do modelo colonial é direcionada para a manutenção de corpos cis, para compor e perpetuar os cistemas, as cis-normas, os cis-corpos. O que, de maneira alguma, implica em assumir que os corpos trans não estejam submetidos a esse modelo, justamente pela noção de que a cisgeneridade é a normativa imposta às diversidades corporais e de identidade de gênero, sabendo que 
esses corpos e gêneros que não estão adequados a uma normatividade cisgênera ou a uma cisnormatividade, [...] essas vivências, essas existências são colonizadas, e aqui tomando colonização na sua acepção mais ampla, de colonização cultural, do saber, colonização existencial dentro de um sistema, um sistema-mundo usando o termo do Quijano, e essas cis-normativatidades atuando nas identidades de gênero não normativas. (RAMÍREZ, 2014)
Tal apontamento ganha importância, principalmente, quando se situa a análise em países como o Brasil, fortemente marcado pelo colonialismo, com estrutura racista e elitista, tendo as colonialidades de saber e poder advinhas dos nortes globais e que, neste sentido, estas colonialidades científicas repercutem negativamente contra as perspectivas de gênero que sejam diferentes e mais complexas do que as concebidas pelos modelos eurocêntricos, que norteiam a construção dos saberes sobre identidades de gênero (VERGUEIRO, 2017). Torna-se estratégico, então, ampliar o próprio termo de Quijano, valorando a dimensão do gênero e também de raça para a análise dessa colonialidade, ao enunciar a existência de um branco-cistema-mundo, onde raça e gênero entrelaçam-se simultaneamente e não hierarquicamente enquanto categorias analíticas. Branco-CIStema-mundo, esse, violento, que diante de uma inflexão de gênero que escape e desafie os modelos já compartilhados e normativizados dos modos de experenciar, arma-se, exigindo e defendendo mais armas, mais porte, carregam a munição e combatem um inimigo, a arma branca, do discurso, que esfaqueia e nós, sim, sangramos no atentado.
É também de extrema urgência pautar as interlocuções nas análises brasileiras, o que implica em junto a se pensar o gênero, na perspectiva da colonialidade, ampliar o debate e incluir as categorias de raça e de classe, entendendo que estas passam a regular os modos de expressão no cotidiano simultaneamente, como categorias que, ao se cruzarem, se modificam na própria definição, ocasionando novos significados de si na medida em que compõem e se imbricam num mesmo processo. Isso significaria considerar a negritude, a feminilidade, a pobreza e a transexualidade, por exemplo, como categorias que se reelaboram. Logo, a negritude de uma mulher trans e pobre difere do modo de como essa negritude será colocada por uma mulher cis e pobre, outra análise se dará - o mesmo valendo para todos os termos, que não dados, vão se constituir e reconstituir enquanto semântica, na relação. Nesse sentido, apostando numa radicalidade de uso para o conceito de interseccionalidade, o que não vai implicar em somas, em “e” e “e” de opressões, mas numa reformulação ruidosa da experiencia de tais termos. Ser homem preto cis não é a mesma experiência de ser homem preto trans, por entender, nesta radicalidade, que a masculinidade, a raça e constituição da identidade de gênero serão outras, de novos sentidos e significados, não por somas- homem e preto e trans -, mas por conceber que dessas categorias emergirá um corpo que não de “e”; Ele é homem na medida em que é trans e na medida em que é preto, a lógica se aplica no mesmo sentido quando se afirma que ele é trans na medida em que é preto e na medida em que é homem, a tentativa passa ser a de se pensar não em processos dissociados que se combinam e somam experiências de uma determinada categoria a um corpo, mas de contornar como essas imbricadas corporais vão resultar em singularidades.
As diferenças coloniais e imperiais também moldaram relações patriarcais, uma vez que as relações hierárquicas [...] dependem muito, no mundo moderno/colonial, da classificação racial. Uma mulher branca nas colônias, por exemplo, está em uma posição para dominar um homem negro, e uma mulher negra, nas colônias, provavelmente se juntaria ao seu etnicamente explorado companheiro macho, em vez de se juntar à mulher branca que o explora e domina. (MIGNOLO, 2016)
KimberléCrenshaw, por volta de 1989, introduziu um importante conceito para se pensar o movimento feminista e o movimento negro, que foi o de interseccionalidade. Sob essa perspectiva, Crenshaw dirá que as discriminações de raça e de gênero operam indissociadas, denunciando os cenários e políticas que não abarcam essa condição e, portanto, colaboram com violações, marginalizações, silenciamentos e apagamentos políticos das mulheres negras. Segundo a professora, a interseccionalidade é uma sensibilidade analítica que “originalmente articulado em favor das mulheres negras, o termo trouxe luz a invisibilidade de diversos componentes de grupos que se declaravam a seu favor, mas falhavam em representá-los. Questões interseccionais não são exclusivas para mulheres negras” (Crenshaw, 2015), mas constituintes das vivências dos corpos que estão na margem, na margem da identidade política que constitui a norma, a regra, na margem do homem branco cisgênero. Portanto, faz saber que a sensibilidade analítica se constitui emergencial em todas as “faces da vulnerabilidade que refletem a interseccionalidade de racismo, sexismo, luta de classe, transfobia, capacitismo e outros” (Idem, 2015)
À essa discriminação interseccional que faz Crenshaw nomear e conceituar o termo, para retratar um feminismo que carrega a pauta das mulheres brancas e um movimento negro que carrega a pauta de homens negros, à esse efeito de viabilizar, de fazer aparecer, outros tantos componentes em outras tantas militâncias é a que essa escrita se direciona. Logo, se falar de gênero sem falar de raça cabe ser entendido enquanto uma violência, o debate a respeito dos gêneros que se constituem numa matriz divergente da pregada pela cisnormatividade, também não deve estar afastado do debate racial. No caminho proposto por Gomes, parte-se da visão 
[...] que a raça é generificada, ou seja, que a formação das noções sobre raça na colonialidade é marcada pelo sexo/gênero. Isso significa que, [...] ao mesmo tempo, essa operação funciona para poder atribuir uma suposta verdade sobre a raça e julgamentos sobre sexo, corpo, sexualidade, natureza são utilizados na construção de pessoas negras e indígenas como não-europeus, não-ser, não-humano. Dizer, no entanto, que raça é generificada e o gênero é racializado não significa pretender transformar as categorias em uma única, como se quisesse explicar que toda opressão de raça é, na verdade, uma opressão de gênero ou que toda opressão de gênero é, na verdade, de raça. Quero apenas propor que sempre busquemos perceber as produções mútuas e articuladas ao fazermos pesquisas que tomam o gênero como categoria de análise, entendendo que ele sozinho nos trará respostas que contam apenas uma parte da história. (GOMES, 2018)
Andrade (2018) na resenha que faz do livro “Gênero em termos reais” da RaewynConnel, pontua 
“que as experiências das mulheres do terceiro mundo resultam numa abordagem interseccional que costuma mobilizar aspectos de gênero, raça, classe e nacionalidade. Em virtude disso, faz-se necessário apropriar-se de múltiplas referências, valendo-se de certo ecletismo epistemológico, pois “nem uma revolução de classe e nem o fim da colonização encerram as injustiças de gênero” (CONNELL, 2016, p. 31)”.
	Então, apreender os jogos que se instauram cá, nos trópicos, implica a necessidade de somar às análises, as vicissitudes dos processos que vão interseccionar gênero, classe, nacionalidade e raça, provocando a situar que o colonialismo – espanhol, inglês,português ou francês - se deu em momentos específicos da história mas que a colonialidade, enquanto lógica, se perpetua, através das instituições políticas, da repressão e opressão, da racionalidade científica, das hierarquias sociais e do racismo, entendendo que a dinâmica de colonização vai colocar à ciência um desafio de recriar-se diante desse outro cenário, que precisará de mais elementos para ser constituído. Tomar a colonialidade em sua relação com as diversidades corporais e identidades de gênero compromete em entendê-la como uma relação que inferioriza, que subalterniza determinada experiência ou determinado grupo e fortalece outros, e que nessa divisão de experiências ou grupos, pensá-los em termos da interseccionalidade permitirá apontar que há outros fatores, e que também precisam ser considerados, partindo da noção de que a experiência de gênero não é uma experiência que se constitui apartada de outros debates, como o de raça e/ou o de classe. Vergueiro (2015) assume que
Estas diversidades, a partir da percepção de que suas corpas e perspectivas de gênero são inferiorizadas e desumanizadas em relação às normatividades cisgêneras, teriam nela o interesse comum que definiria essa comunidade colonizada: tomar consciência da vigência de um cistema colonial de gênero consistiria, assim, em enxergar criticamente a hierarquização cistêmica e interseccional das perspectivas cisgêneras acima das diversidades corporais e de identidades de gênero, eem encontrar formas de resistência existenciais, socioculturais e políticas contra este regime de violências.
	
1ª PASSAGEM
Aliás, para o que serve o atendimento em saúde? Para que se promova a saúde e se evite a doença, não é mesmo? É isso que ocorre no atendimento à saúde das pessoas trans, subalternizadas e tidas como abjetas? Qual papel os médicos têm assumido? (JESUS, 2016)
	Longe de tentar dar uma única resposta à pergunta queJesus (2016)faz, insinua-se, primeiramente, a urgência da construção de um caminho com vias de um novo investimento narrativo epistemológico na correlação dos termos saúde, doença, medicina e pessoas trans. A medicina diz, e ao dizer, dita, o que é saúde, o que é normal, o que é doença, como prevenir, como tratar, como curar, as causas, os sintomas, os diagnósticos, os efeitos do tratamento e como evita-los. E a esse discurso médico, debruçado sobre as doenças, autoriza-se enunciações sobre os sujeitos e, com elas, aparecem os perigos e perversidades enunciativas advindos da ideia de uma história única. 
	A história única contada pela ciência médica é da transexualidade como uma disforia de gênero, ou seja, uma "percepção de incompatibilidade entre sexo biológico e gênero conduz o sujeito a buscar constantemente reconhecimento como alguém do sexo oposto, fazendo tentativas de adequação que podem culminar em modificações corporais definitivas" (AMARAL, 2007, p. 11), sendo "o paciente transexual portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo e tendência à automutilação e/ou autoextermínio" (CFM, 2010). 
	Data do início século XX as inovações tecnológicas na medicina, que constituíram uma modalidade de tratamento para pacientes transexuais, como o desenvolvimento de medicações e técnicas de intervenção cirúrgica. Porém, o que não anda sendo documentado, é o debate, pela cientificidade médica, em relação à inerente condição de possibilidade da existência dos corpos trans ser advinha de efeitos colaterais de remédios produzidos para pessoas cisgêneras. Pensar nesse corpo que é constituído pelos "restos" dos estudos medicinais, do que não se deseja para o corpo tido como normal e natural, é personificar, ao passo que corporifica, nas identidades trans o efeito que não se quer, os corpos indesejados. Portanto, se existe e se faz existir, por efeitos colaterais, como pensar e modular identidades legitimas em corpos que somente existem pelo uso subversivo das bulas?
TRANS-BORDO 
Para adentrar na criticidade dessas questões é preciso pontuar que o que se vê instaurado é uma política afetiva antes mesmo do nascimento, política essa que aqui será enunciada como cis-feto-normatividade ou cisnormatividade fetal. Entendendo que essa política afetiva tratará dos corpos que se quer e se deseja criar, dar afeto, corpos esses que estarão na norma, que vão corresponder aos investimentos institucionais reguladores e que, portanto, serão passíveis de afetividade e de reconhecimento jurídico-político de sua identidade. É importante marcar que o conceito de cisnormatividade ou normatividade cisgênera já é pensado e descrito como um regime que idealiza e naturaliza determinadas identidades de gênero, entendo que "a cisgeneridade pode ser resumida como sendo a identidade de gênero daquelas pessoas cuja “experiência interna e individual do gênero” corresponda ao “sexo atribuído no nascimento” a elas" e os mecanismos para dissimular essa correspondência estarão nos mais "variados dispositivos de poder interseccionalmente situados” perpetuando os “efeitos colonizatórios sobre corpos, existências, vivências, identidades e identificações de gênero que, de diversas formas e em diferentes graus, não estejam em conformidade com seus preceitos normativos”. (VERGUEIRO, 2015). A cisnormatividade fetal passa então pela compreensão da imposição cisgênera, colocada aos corpos, antes mesmo do nascimento destes.
Uma das justificativas para a relevância de se particularizar os debates da cisgeneridade, ao grifar uma normatividade cisgênera fetal, é apontar a relevância dessa etapa para a construção de gênero, concebendo que essa se dá ao longo da vida daquele que ainda está para vir ao mundo. Em estudos de diferentes áreas, como educação ou sexualidade, é revisada a importância da infância na construção do sujeito, fazendo marcações específicas a esse período, mas a partir do momento em que se identifica que algumas dessas construções podem ser localizadas antes mesmo dessa infância, compreende-se a importância dessas discussões precisarem partir de outros pontos, outros momentos, portanto, tomar a construção do sujeito antes mesmo de seu nascimento é a pista obtida nos estudos de gênero. Mas mais que classificar a cisgeneridade em etapas, mais que apontar a relevância da infância na construção, perpetuação ou inadequação às normativas de gênero, falar em uma política que se instaura no feto é se aguçar para as raízes do cistema, é tomar em compreensão que o começo está no embrião. O cistema não espera, ele gesta, ele cria, ele molda, ele reproduz e ele mata. Logo, imprimir a palavra feto com cisnormatividade é não apenas apontar as impregnações regimentais que tal sistema impõe, mas também escancarar o efeito pedófilo do modelo cisgênero. 
	Uma dentre as muitas consequências de se deparar com uma noção de cisnormatividade fetal, é a máxima de não haver a possibilidade de nascimento de pessoas trans, é o abomínio da viabilidade deste corpo desde a concepção do feto. Paul Preciado, perguntando “quem defende a criança queer?”, aponta que a "política do gênero vigia o berço dos seres vivos que estão por nascer, para transforma-los em crianças heterossexuais. A norma faz sua ronda em torno dos corpos frágeis. Se você não é heterossexual, a morte o espera" (2013). Eé preciso afirmar também que se você não é cis, se você não é branco, se você não é homem, a morte também o espera. O que se depreende é que a cisnormatividade, não podendo assumir a possibilidade de vidas trans, seja na concepção do feto, no seu nascimento, seja na vivência, tem se encarregado à eliminação brutal e violenta da vida nessas pessoas, ou seja, não o nascimento, mas a garantia da morte é assumida. Fazem, assim, "campanha para a morte em nome da proteção da vida" (PRECIADO, 2013), e obviamente, da única vida que entendem importar, a vida cisgênera.
	É cabível supor que as desconfianças e periculosidades detectadas nas identidades trans possam ter culminado em seu enquadramento no CID 10 (Classificação Estatística Internacional de Doençase Problemas Relacionados com a Saúde), onde a transexualidade, desde 1990, se figurou entre os “transtornos de identidade sexual” e a partir de junho de 2018, por decisão da OMS (Organização Mundial da Saúde), passou a configurar no CID 11, inaugurando a categoria onde será retratada como “incongruência de gênero”. A mudança mostra que há movimentos para a despatologização, mas não garante o efetivo da mesma. Na revista online NLUCON, o professor e ativista transfeminista negro Leonardo Peçanha, salienta que ““incongruência remete a corporeidade cisgênera como ideal ou padrão, como se corpos trans fossem apenas um desvios desses corpos cis” – as mudanças fazem parte de um movimento positivo, sobretudo em um momento político conservador que o mundo está passando” (LUCON, 2018), a pesquisadora, professora e transfeminista Jaqueline Gomes de Jesus, pontua ainda
“[...]que o problema da palavra “incongruência” é que faz permanecer a ideia de que gênero não é uma categoria cultural, mas diagnóstica. Sobretudo porque prevalece o olhar das pessoas cis sobre as identidades trans. “É entender algo que a partir da perspectiva cisgênera qualquer experiência transgênera seja incongruente. É uma lógica cissexista entender as identidades trans como incongruência de gênero. Também é um entendimento biologizante, que confunde gênero com sexo biológico”. (Idem, 2018)
	O que merece uma atenção um pouco mais demorada sobre essa movimentação que a OMS coloca em discussão, é o deslocamento, no patológico, das identidades trans. Quando a pesquisadora Jaqueline Gomes de Jesus refere-se à uma constituição cultural de gênero, questionando a imposição de diagnose para os corpos desviantes e assinalando a compreensão que se tem de gênero enquanto categoria diagnóstica, passa a ter cabimento afrontar essa lógica invertendo os termos, de outro modo, é possível ler o que vamos entender por cisgeneridade também pelo viés do diagnóstico. Numa sala cirúrgica, com sangue nas mão, no chão, nos aventais, de roupas brancas e azuis, barulhos e bips, alguém dá luz à uma vida e o médico, segurando aquele que vem respirar fora do útero, anuncia em alto e bom som, para quem gestou, para quem acompanha, para o mundo: O sexo-gênero daquele pequeno ser humano ainda com líquidos amnióticos sobre seu corpo. E ali está a sentença, ali está o diagnóstico vindo do médico, dizendo o que é e demarcando toda uma constituição de costumes, comportamentos, pensamentos, afetos e como deverá ser a subjetivação desse diagnóstico por aquele corpo. 
	Nessa lógica, então, porque tratar um diagnóstico como mais patológico que outro? Por que não falar de uma epidemia de gênero cis? Por que não pautar um código no CID para tratá-los nos serviços públicos de saúde e/ou clamarem por políticas públicas para sua população? Por que psiquiatras, psicólogos e outros especialistas não precisam estar envolvidos na confecção de um laudo afirmando sua cisgeneridade e assim os permitindo exercer sua cidadania? Por que não precisam passar por uma audiência para dizer e comprovar seu gênero à uma juíza, que terá de decidir se é legítimo ou não o pedido? Por que não precisam explicar o que são, após falarem o gênero com o qual se identificam? Por que não precisam implorar para que o chamem pelo seu nome? Por que não precisam ter medo que descubram que são cis? Por que não são excluídos de seus vínculos ao dizerem que são cisgêneros? Por que não são demitidos ou deixados de serem contratados quando descobrem que eles são cisgêneros? Por que não acham que eles estão enganando aos outros quando não dizem que são cis? Por que não acham que cis também é uma ficção?
[...] ao apropriar-se do campo das perversões a medicina tornou-se a maior referência no assunto. Desenhando uma fronteira entre o normal e o patológico no campo da sexualidade e possibilitando a instauração de uma normatividade sexual, a sexologia e a psiquiatria do século XIX permitiram a construção de uma psicopatologia que determinou o caráter de anormalidade dos casos que não se adequavam à norma sexual e acabou influenciando a organização da idéia de “identidade de gênero”, isto é, uma concepção de identidade sexual que supõe uma coerência entre sexo biológico, gênero e comportamento sexual. (MURTA, 2007)
Uma das justificativas para a alta valoração da enunciação médica passa pela noção da cientificidade que esse discurso carrega. Entendendo que por ser científico, vai ser concebido como o lugar que tem verdade, onde tem valor, objetividade e compromisso com o real, calcado na neutralidade, na isenção daquele que pesquisa para modificar ou intervir no resultado, desassociando a medicina/ciência de qualquer jogo de implicações pessoais, institucionais ou manipulações para estabelecimento de qualquer ordem ou de determinada política, como se o próprio fazer ciência já não fosse, por si só, carregado de interesses políticos. Logo, o gênero quando dito por quem carrega a ciência, por quem faz o discurso científico, por quem enuncia verdades, ganha estatuto de científico, temos então um gênero científico, cientificamente comprovado e biologicamente espelhado pelo sexo. 
Mas, e aqui é preciso enfatizar a contradição da conjunção adversativa, o gênero que aqui defendo é o ficcional, é o de disputa, é o que está, a todo tempo, em modificação pelos diversos fatores que vão modulá-lo e constituir sua nova significância através das interseccionalidades presentes para cada sujeito, compreendendo que o ser homem cis preto é diferente do ser homem enquanto trans preto. Justamente pela concepção de que o gênero “é a estilização repetida do corpo, um conjunto de atos repetidos no interior de uma estrutura reguladora altamente rígida, a qual se cristaliza no tempo para produzir a aparência de uma substância, de uma classe natural de ser” (BUTLER, 2008, p. 59, apud PASSOS, 2012), e “isso quer dizer que o efeito substantivo do gênero é performativamente produzido e imposto pelas práticas reguladoras da coerência de gênero” (PASSOS, 2012). Em linhas simplistas, o que Butler e Passosestão demarcando é a concepção de gênero que se instaura pela remoção do que é detalhes, singular, para enquadrar, normatizar, estilizando e pela rigorosa manutenção institucional se endurece, cristaliza, e que de tão endurecida, de tão naturalizada, produz uma naturalidade aparente, e será pelos mecanismos de controle, que vão desde a família, passando pela escola e exército, que se irá verificar e corrigir a coerência entre o gênero imposto e o performado, entre o gênero de identificação e o performado, brecando os processos de escape para construções de outros modos de fazer gênero.
A colonialidade, a naturalização e a enunciação médica dão o tom dos estudos e abordagens no que tange ao cuidado dos corpos. Das fórmulas químicas de produção até a prateleira das farmácias, os medicamentos são para o cuidado e manutenção da saúde cis – do cisgnênero e da cisnorma. Mas não é incomum os cisativistas atacarem quem fala e pensa, por exemplo, a favor de se ter mais sensibilidade com as infâncias e adolescências trans, dizendo que a hormonização nessa etapa é descuidada, propagadora de “cura gay” e fomentadora da medicalização dos corpos, o que é de cisperar. Daniela Andrade, no blog transfeminismo, pontua que[2: Quem milita e é ativista pela imposição da norma cisgênera. ]
[...] A indústria farmacêutica NUNCA se importou para pessoas trans, não é seu público, inclusive porque no Brasil, vejamos, 90% das mulheres transexuais e travestis estão nas pistas se prostituindo, e quem não está se prostituindo está desempregada ou subempregada.
Quanto aos homens trans, uma vez assumidos como homens trans, dificilmente conseguirão algo que não seja subemprego.
Será que estamos aqui falando de um grupo econômico atraente para a indústria farmacêutica?
E se o problema é lucro da indústria farmacêutica, oras bolas, então vamos acabar com todos os anticoncepcionais, com os viagras, vamos acabar com todas as drogas que fazem a indústria farmacêutica lucrar milhões,seria crível?
Pode ser que não seja, mas seria menos hipócrita apontar lucro farmacêutico no caso de pessoas trans e silenciar quando se trata de drogas para pessoas cisgêneras.” (2018)
	Os debates sobre a infância trans, capturada e atropelada pela imposição dos modelos de infância cis ou sobre a falsa concepção de transexualidade como um artifício para normatizar os corpos gays – como se não houvesse homoafetividade na transexualidade – são de extrema importância para a ruptura e embate com os argumentos levianos e ignorantes dos cisativistas. Mas, neste momento, quero me ater em trazer um outro elemento para a crítica que afirma um fomento da indústria farmacêutica pelos corpos trans. Nesse contexto, cabe dizer que os cisativistas só olham para a própria bunda, literalmente, quero dizer, só pensam e fabricam as medicações enquanto para a aplicação em seus próprios glúteos, só pensam em si e na própria perpetuação. Os avanços médicos e tecnológicos que permitem o corpo trans se adequar, quando assim o deseja, ainda são pela via da iatrogenia, ou seja, pelo uso “errado” dos medicamentos, pela insubordinação às prescrições, pelo confronto à ciência que trabalha no ‘cis’ das questões. É lá, onde a medicina falha que se faz possível o corpo trans, pelo tratamento às avessas. 
	Sendo assim, é importante dizer que os bloqueadores e hormônios usados pela população trans, para se adequarem à sua identidade de gênero, foram estudados, desenvolvidos e são vendidos para serem usados por pessoas cis. A bula e as prescrições é sobre e para efeitos nos corpos cisgêneros. Não dá para romantizar o fato de que não se leva em consideração nos estudos, os usos prolongados dessas medicações nos corpos não cis, não dá para ignorar que o advento de tecnologia que permitirá outra figuração do corpo trans, seja apenas em meio à medicações para tratar tumor de próstata, hipogonadismo ou menopausas. O tratamento hormonal dos corpos trans se dá perante os distúrbios e disfunções dos corpos cis. É como uma flor num lixão, que dificilmente será vista como a flor que é, por estar em meio ao lixo, onde apenas se deposita os dejetos, será lida como lixo. E, se cresce no meio da disfunção, facilmente será lida como parte de uma. É urgente convocar a ciência na criticidade e na precariedade desses tratamentos, mas tão quanto, é urgente provocar e sacudir nossas reflexões sobre as possibilidades, tão autênticas quanto outras, que vão nascer nos lixões, no periférico, sobre a legitimidade dessas flores, que não o deixam de ser, por qualquer lugar de onde nasçam. 
Pensar nesse corpo transgênero, que se constitui nos tratamentos hormonais, a partir dos efeitos colaterais dos medicamentos para pessoas cis, possibilita, por correspondência, apontar as identidades trans como a colateralidade do que se espera para os corpos, o efeito indesejado, que aparece em paralelo, como identidades marginais, que seguem o contorno e as bordas e não as bulas, que as rasgam e jogam fora as caixas prescritivas, aplicando, diariamente e em altas doses, outros modos de encarar a normatividade cisgênera. Ou seja, é preciso sim pontuar as problemáticas de assistência, do pouco estudo dos corpos não cis nas interações medicamentosas, mas também é de extrema relevância inflar o efeito das identidades trans no rompimento com a cisnorma. Encarando a transgeneridade pelo seu efeito de potência e não de uma variação na performance e perpetuação da norma cisgênera ou hetera. Desse modo, aposta-se no seu efeito em validar e demonstrar que as bulas podem ser burladas.
O debate sobre a transexualidade precisa ser articulado e localizado, nomear as normas sem nome - como cisgeneridade - mapeando-as, é entender a importância de questionar as posições ocupadas pelas enunciações e pelo poder, que não se identificam, assim como compreender que o gênero não é um substrato implicará em pensar como esse substrato foi construído e, como apresentado anteriormente,entendendo a lógica da colonialidade,forjandoas constituições subjetivas e sociais, anunciando um outro peso e inéditos elementos para a discussão do tema.Sem ignorar a definitiva relevância e importância do aparelho médico, que é quem vem enunciando e autorizando os discursos que delimitam os modos de experimentar a transexualidade.Aparelho médico esse que conta com o auxílio jurídico e policial para implementar esse modo de operação, esses dispositivos irão reverberar em novos tratos e caminhos de análise, principalmente quando pautamos essa historicização nos trópicos. No Brasil, ser trans é colocar em xeque e fazer alvoroço com toda a estrutura fundante e de manutenção do poder, e eles que se cuidem porque transexuais e travestis não são bagunça.
2ª PASSAGEM
Para muitas de nós, pessoas trans, a Medicina é vista como uma ciência maligna e essa premissa tem lá suas razões de ser, considerando o histórico de violências simbólicas e físicas perpetrado contra os corpos da população trans, pelo poder biomédico, o qual só é superado pelo poder policial. (JESUS, 2016)
É em resposta à violência policial, por exemplo, que em 1992 foi criada a ASTRAL (Associação das Travestis e Liberados do Rio de Janeiro), “a primeira organização política de travestis da América Latina e a segunda do mundo” (CARVALHO, 2011, p. 26), que teve em suas primeiras ações, o impedimento de prisões abusivas de travestis, interrompendo o que se fazia pertinente na prática policial em locais considerados como zonas tradicionais de prostituição na cidade. O que a autora Jesus esta, em 2016, anunciando, ao passo que denuncia, ainda espelha outros períodos da história brasileira no que tange a relação dos corpos trans e as instituições policiais. E há, nessa história, uma variável que grita pela atenção epistemológica e que pouco se tem explorado em sua correlação com os corpos trans: Esses Corpos Tem Cor. Não é incomum, pelos relatos de ativistas trans ao falarem de suas vivências na ditadura militar, por exemplo, trazerem as vicissitudes à que os/as trans negros estavam vulneráveis. “Marcelly [Malta] destaca que as travestis negras eram as que mais apanhavam e que era comum inúmeras colegas desaparecerem após a abordagem policial” (LUCON, 2016). Anyky Lima, em uma entrevista, também relata essa diferença de tratamento
A polícia prendia a gente na rua, né? [...] não iam apenas para prender. Iam para barbarizar, para matar, para deixar aleijada, porque eles tinham esse prazer. [...] E o prazer deles era esse: levar a gente para delegacia e lavar banheiro, ficar desfilando para lá e para cá para eles baterem. Mas a travesti negra sofreu mil vezes mais. Se tinha uma travesti negra no grupo, ela sofria mais que qualquer outra. Ela era humilhada pela cor, por tudo. (Idem, 2016)
A hostilidade policial, que marca os discursos sobre a ditadura e os corpos pretos, se atualiza, não necessariamente abandonando os velhos métodos de atuação, mas coloca em cena novos desafios e novos modos de experienciar a vivência trans e o racismo
Gilson, outro transhomem negro, quando perguntado sobre se mudaria os documentos, respondeu: “Tá maluco! Quase todo dia sofro batida policial na rua porque sou jovem, pobre e negro. E se eu for preso pra que cela ou presídio vão me mandar? Prefiro ficar com os documentos femininos porque assim, pelo menos, tenho a proteção da Lei Maria da Penha”. (NERY e MARANHÃO Fo, 2017, p.289
Logo, a urgência enunciativa que pauta a significância de novas correlações interseccionais para se pensar nas temáticas, conduz à um novo enunciado, a fim de localizar as experiências trans e seus diferentes pontos de partidas: O racismo como um modulador de subjetivação das identidades trans. 
TRANSBORDANDO
	Em 2013 uma pesquisa doGevac (Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos) da UFSCar (Faculdade Federal de São Carlos), realizou uma análise sobre as taxas de 100 mil habitantes no estado de São Paulo, o que foi indicado nos resultados é que a mortalidade de negros é pelo menos três vezes maior que a de brancos pelaPolícia Militar (LUNA, 2014). Os casos dessa análise datam de 2009-2011, onde, 61% das mortes cometidas por policiais, eram contra pessoas negras e desse número, 57% tinham menos de 24 anos. Os dados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança em 2018, sobre o estado de São Paulo, apontam a continuidade dessas taxas, onde “de acordo com a pesquisa - que engloba dados de 2014 a 2016 - 16% dos mortos por policiais tinham menos de 17 anos, o dobro da proporção dos de homicídio geral (8%). E, além disso, 67% das vítimas fatais de ações policiais eram pretos ou pardos” (LUGARINI, 2018). Esses dados demonstram o racismo estrutural presente na instituição da polícia e revivem uma importante pauta que o movimento negro coloca em cena: o genocídio da juventude negra. 
	É indispensável dizer que a polícia militar foi criada no Brasil no período da ditadura, no ano de 1969, como um desdobramento do exército, uma força auxiliar e reserva. A instituição herda da ditadura a cultura do “policiamento ostensivo preventivo militarizado, que usa a tortura e morte de suspeitos em nome da segurança pública” (SOUSA; CIRILO; DOURADO, 2014). Os dados da polícia militar de São Paulo se repetem em todo o território brasileiro. Não à toa, temos a polícia que mais mata no mundo. O racismo estrutural, ou seja, esse entendimento do racismo como modo de estrutura social, como modo de funcionamento naturalizado da vida e das relações, mais ainda, enquanto uma racionalidade, pode ser identificado como o fator determinante para a política de genocídio da população negra, perpetrada pela polícia militar. Essa mesma polícia também é marcada pela transfobia estrutural, que pode ser dita como "uma forma de opressão que naturaliza e legitima as formas de violênciastransfóbicas mais explícitas: assassinatos, exclusão, negação de direitos fundamentais, como saúde, moradia, educação" (PAGLIARINI, 2016). 
	Por falar nos assassinatos em prol da transfobia, a ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) tem realizado um mapeamento desses crimes contra a população trans e travesti no Brasil, afim de denunciar o aumento na ocorrência desses casos e buscar políticas reparativas ao cenário que se comprova violento e mortífero para essa população. Osnúmeros comprovam. Os dados divulgados referentes ao ano de 2017 pela ANTRA, notificam 179 assassinatos no Brasil, ressaltando ainda as dificuldades encontradas pelas subnotificações, que comprometem as contagens. Mas o que é importante desse mapa para a discussão aqui colocada, é que desse número, 67,9% das vítimas tinham entre 16 e 29 anos e "80% dos casos foram identificadas como pessoas negras e pardas, ratificando o triste dado dos assassinatos da juventude negra no Brasil" (ANTRA, 2017, p.18).
Pois bem, falamos de uma polícia "preventiva" que procura um inimigo, num país onde o racismo e a transfobia estruturam as relações. Falamos da polícia que mais mata no mundo, falamos do país que mais assassina a população de travestis e transexuais no mundo e falamos do país que viveu mais de 300 anos de escravidão. Os números comprovam. A predominância de todas essas mortes, são sobre os corpos pretos. Lembro de um caso recente que aconteceu com Verônica Bolina, em abril de 2015. Verônica é mulher trans e negra, tinha na época seus 27 anos. Sua história ficou conhecida com a divulgação de suas fotos por policiais, em um grupo fechado. As fotos vazaram e o que se viu foi Verônica desfigurada. Os longos cabelos que foram cortados, o rosto inchado e os dentes quebrados, numa das fotos, estava sem blusa, os peitos à mostra - depois veio a contar que o peito estourou e perdeu uma prótese nas agressões - numa outra foto, aparecia com a calça rasgada nas nádegas, fora violentada com um cabo de vassoura. Torturaram Verônica. Numa reportagem ela diz “[...] e pisavam na minha cabeça. Falavam toda hora: ‘traveco desgraçado, cê vai morrer, cê vai morrer’, ‘seu macaco, seu preto a gente vai te matar’” (TOMAZ; ARAÚJO, 2017)
Enxergamos aí um caso de discriminação de gênero e racial contra um grupo específico de mulheres, portanto é um exemplo de discriminação contra grupos específicos, que não teria a mesma configuração se ela fosse branca e/ou cisgênera e/ou homem. Por ser negra, recebeu o tratamento que os policiais costumam dar diariamente às/aos jovens negras/os, por ser reconhecida como mulher teve seus seios expostos e apresenta indícios de ter sido estuprada, por ser transgênera, não teve acesso a um cárcere feminino e teve seu cabelo cortado. E precisamos ir além: por ser negra, possivelmente foi lida como travesti, e não transexual. Por ser lida como travesti, foi automaticamente julgada culpada pela sociedade, uma vez que a imagem que se alimenta de uma travesti é de uma pessoa que rouba, faz barraco e esfaqueia as outras, em síntese, uma marginal transtornada. Alguns comentaram que Verônica apanhou como um homem. Eu discordo, Verônica apanhou como uma travesti negra! (BRITO, 2016, p. 72-73)
	Conste que essa leitura de travesti que vai circular os corpos pretos está atrelada à marginalização com que essa identidade de gênero é concebida. Enquanto a transexualidade "é uma categoria geralmente destinada às mulheres trans que não acumulam outros marcadores de discriminação, como ser negra e pobre" (Idem, 2016, p. 73). Ressaltando que, no Brasil, as singularidades performativas de gênero dessas identidades, não estão demarcadas no imaginário social. O que acontece com Verônica é um exemplo e ela não é uma exceção. A interseccionalidade que marca seu corpo negro, trans, feminino, jovem não pode ser ignorada, reduzida ou banalizada. Veronica é um exemplo e existem vários. Keila Simpson que é presidenta da ANTRA, travesti, negra e nordestina, no meio desse emaranhado de atravessamentos enunciativos, brinca com as contravenções penais, o cistema e a branquitude, quando certa vez num congresso em Minas Gerais disse, "eu sou um atentado violento ao pudor" – o que virou, inclusive, o nome de um documentário sobre a sua vida, mais tarde. Me junto a Keila no atentado, entendendo agora que o pudor é violento. 
O pudor tem identidade de gênero legitimada, raça, classe e orientação sexual. O pudor é um homem cisgênero branco, de classe média e heterossexual. Jurandir Freire Costa, quando escreve “Da cor ao corpo: a violência do racismo”, para prefaciar um grande trabalho de Neuza Santos Sousa - “Tornar-se negro” - dirá, pautado pelos termos e ideias fornecidos na psicanálise, do ideal de ego que é possibilitado ao sujeito negro. Superficialmente, se poder dizer que esse ideal de ego é o que possibilita o surgimento de uma identidade do sujeito, é o produto de suas experiências 
"O modelo ideal de ego que lhe é oferecido [...] não é um modelo humano de existência psíquica concreta, histórica e, consequentemente, realizável ou atingível. O modelo de identificação normativo-estruturante com o qual ele se defronta é o de um fetiche: o fetiche do branco, da brancura" (COSTA, 1990, p. 4)
	Quando se fala de um corpo negro, então, se fala de um corpo que só se reconhece enquanto autentico pelo apagamento de si, de um corpo que se referencia pelo que nunca será: branco. Por entender que é na brancura que reside a humanidade. Neuza Santos Souza (1990) quando está mapeando o perfil do negro brasileiro em ascensão social, no trabalho supracitado, identificará que dentre as estratégias adotadas por esses, algumas são em prol de “perder a cor”, não falar das tradições negras e não falar do assunto. Ou seja, dentre as técnicas empregadas para o ascendimento, a autora notou a repetição de seus entrevistados em não reivindicar-se enquanto negro, em não se apropriar das contribuições de seus ancestrais na construção do país e, ainda, de se calarem diante do racismo, se calarem em discussões que poderiam colocar em cena a violência perpetrada contra seus corpos. “Não menos importante, a história da escravidão no Brasil transformou negras e negros em propriedade, retirando-lhes a humanidade sob os olhos do colonizadore transformando-lhes num corpo que não é sujeito de direitos.” (RODRIGUES, 2014, p. 28). 
Corpos que, sem direitos, apenas devem. A dívida histórica é dos brancos, mas quem paga é a negritude, principalmente jovem, que vem pagando com a própria vida, há longas prestações. Os números comprovam. “O corpo é uma linguagem e a cultura escolheu algumas de suas partes como principais veículos de comunicação” (GOMES, 2003, p.173). Para impedir os ruídos e cortar os efeitos de som e imagem dessa comunicação mequetrefe, é preciso considerar todo o corpo como enunciativo, como capaz de produção de suas singulares experiências, todo o corpo e todos os corpos. Portanto, falar de corpos e demarca-los, localiza-los é um exercício ético, de respeito e valorização às interseccionalidade que os engendram. 
	
O que Veronica viveu é um acontecimento que poderia ter ocorrido com algum outro corpo trans, mas é inconcebível falar de Veronica e não se ater numa discussão sobre a raça, simplesmente porque Veronica é negra. Logo, não dá para falar sobre violência contra pessoas trans, sem pautar a cor que marca esses corpos, porque é um dado que se repete e que denunciam nos discursos. Como as travestis ao falarem da época da ditadura, apontando que tinha uma diferença, uma discrepância, quando se tratava de uma pessoa negra.
O caso da Veronica Bolina é de um corpo trans negro e isso, por si só, já é motivo o bastante para o exercício de localização dos racismos e transfobias, por exemplo, que vão tece-la. Então, como falar sobre transexualidade e violência, por exemplo, sem pensar que a violência está, majoritariamente, para o corpo negro, onde os números de homicídios de pessoas brancas por arma de fogo caiu 26,1% e o de pessoas negras aumentou 46,9%? Como falar dos baixos índices de escolaridade da população trans, sem associar que 22% da população branca tem 12 anos de estudos ou mais e apenas 9,4% da população negra tem o mesmo tempo? Como não pensar sobre 90% da população de travestis e transexuais trabalharem na prostituição, e os indicies de trabalho informal das pessoas negras - 48,4% em 2014 -, ser maior que o da informalidade das pessoas brancas - 35,3%? A atenção a esses dados não pode mais ser feita de maneira desonesta, porque eles não são uma coincidência. 
Aliás, é preciso pontuar que os dados sobre a população negra brasileira foram obtidos no site da ONU (2017), já aos que se tem acesso sobre a população trans, ainda são precários e insipientes. A sistematização de dados pela ANTRA, que resultou no Mapa de Assassinatos de Travestis e Transexuais no Brasil, foi publicada em seu primeiro relatório no ano de 2017, colocando em perspectiva fatos urgentes, mas a população trans e travesti carece de dados e informações sobre, por exemplo, seu acesso à educação, escolaridade, mercado de trabalho... Porém, perceber que a única sistematização numérica acontecendo ser referente aos assassinatos, demonstra que a, primeira e principal, luta travada pela população trans e travesti ainda é o direito de poder existir.
	Pois bem, trabalhar nas leituras desses dados apartados sobre a população negra e de trans e travestis, é mais que pôr a mão na massa, ocupar-se desses dados é pôr a mão na ferida. É tocar onde doi, que na discussão em questão, se registra no cistema e na branquitude. Mas não se pode cair numa rasa ideia de que uma simples união desses dados ou uma junção superficial de ideias dá conta de encorpar, engrossar ou ampliar o problema que está colocado. Percebo que não dá para discutir sobre transexualidade como um exemplo ou uma variante de corpo, onde as formas mais discutidas de racismo vão se imprimir. Isso porque as análises raciais também são submetidas e interpretadas através das implicações do racismo nos corpos cissexuais. 
	É importante marcar que há questões onde, de maneira mais ampla, se observará colocadas para muitos corpos negros,a exemplo, a aceitação dos traços negroides, como os lábios grossos, o cabelo crespo, o nariz largo, todos em virtude dos padrões da brancura. A referência de beleza e a representatividade também são pautadas pelos padrões do corpo branco e cis – vale dizer que a população trans branca é mais reconhecida, mais vista e mais comprada pelas mídias, os mesmos critérios valendo também para os que tem mais passabilidade ou leitura cisgênera. Agora, tão importante quanto, é preciso marcar também as questões raciais que estarão colocadas e circunscritas à determinados grupos e vivências, principalmente, entendendo e reconhecendo o gênero desses corpos e a construção trans ou cis, desses. Portanto, pautar a negritude e os corpos trans numa análise apenas considerando esse corpo com um carimbo do racismo, desse racismo que se entende e conhece através das leituras de sua inserção nos corpos cisgêneros, é superficial. Os números comprovam. Porque ser trans e negro no Brasil é morrer mais, é estar mais invisibilizado, é estudar menos, é se prostituir mais, é o medo ser o corpo das estatísticas mas com a força de quem ergueu esse país.[3: Passabilidade pode ser entendida como o “desenvolvimento de contornos e traços corporais que, no limite, garantem a possibilidade de uma pessoa ser reconhecida como cisgênera”. (PONTES; SILVA, 2017)]
	Um dos possíveis modos de se encarar e tratar as questões que passam pelos corpos trans negros é buscar, em suas narrativas, essa outra tonalidade de racismo, defendendo a legitimidade e apostando nessas enunciações. Numa entrevista ao jornal NLUCON, Leonardo Peçanha, já citado, conta 
Quando eu era lido como mulher negra, antes da minha adequação, eu sofria outro tipo de preconceito e de racismo. As pessoas tinham uma leitura que hipersensualizava e objetificava as mulheres negras – é claro que a mulher em si é objetificada, mas no caso da mulher negra há uma objetificação específica – que tem que ser a gostosona, a passista, a que sempre tem que servir ao homem, com determinado padrão de corpo, resquícios relacionados ao processo de escravidão também estão aqui e toda maneira de preconceito racista tem essa ligação. 
Mas depois que eu fiz a adequação e eu passei a ser lido como homem negro pela sociedade, o racismo mudou. Mesmo que exista o privilégio por ser homem, senti e sinto, que o homem negro é visto como o bandido, aquele [que] rouba, que é marginal, que é ameaça e ameaçador, que é visto como virilidade inquestionável e a ligação cultural com o falocentrismo. Ou seja, enquanto homem negro trans, eu deixei de ser objeto para ser ameaça. (LUCON, 2015)
	RileySnorton, professor e homem trans negro, publicou recentemente um livro que fala sobre a história racial das trans identidades, mas agora é ao nome de seu trabalho que atento: “Black onBouthSides: A racial Historyof Trans Identity”. Riley já anuncia, desde a capa, que é preto em ambos os lados. Entre as possibilidades de leitura, os lados a que se refere, podem ser entendidosenquanto relacionadosao processo de transição de - ou adequação ao – gênero, ou seja, dessa passagem com o corpo, dessa mudança de leitura do gênero no corpo. Converso Riley com a narrativa de Leonardo. A transição, aqui, passando a marcar então a transitoriedade da leitura de gênero e da expressão do racismo. Mas, em quaisquer leituras de gêneros que se tenha desse corpo, todas estarão a tratar de um corpo preto. Logo, preto em ambos os lados. 
Fazer uma leitura racial nas experiências trans, é perceber nesse jogo ardiloso do racismo sua flexão à interpretação de gênero daquele corpo, e esta faceta do racismo também está colocada para os gêneros cis, como quando as mulheres cis negras problematizam os movimentos feministas e negros, apontando para as interseccionalidades que as constituem. Porém, quando se trata de corpos trans negros é preciso grifar um outro ponto de partida para se pensar a raça e as suas expressões nos gêneros, portanto, levando em consideração essa constituição de corpo violentado nos racismos que o perpassam e perpassaram, nos plurais das suas diferentes expressões nas leiturasde gêneros que se faz daquele corpo. 
Leonardo fala da vicissitude de sua experiência negra e transmasculina brasileira, a objetificação de seu corpo negro que passou a ser lido como uma ameaça. Logo, a transição do corpo trans negro implica também em outras passagens corporais. Passagens e não apagamentos. Não é que se deixa de ser objeto ou de se estar hipersexualizado, não é que a leitura de homem negro vai impossibilitar essas faces do racismo - pode ser, inclusive, que as estimule -, mas o que vai acontecer será o conjunto de outras determinações para condicionar as experiência do racismo naquele corpo. É importante falar de não apagamentos para não cair numa cis-generalização do debate racial, ou seja, num debate que corte e fragmente a experiência transgênera negra em dois momentos de experiência cisgênera negra. Um dos modos para se pensar com a devida complexidade que envolve o tema, está em pautar o debate das identidades trans negras sem rasga-las em momentos de incidência de racismo antes e após a transição, mas sim pautando a continuidade e a construção subjetiva que está em xeque durante toda essa vivência, sem reduzir o debate, mais uma vez, nas cisgeneridades. Entendendo que não são e nem podem ser, de modo algum, uma simples impressão dos racismos vividos pelos corpos cis, porque ser um homem trans negro, uma mulher trans negra ou uma travesti negra implica em outros cuidados - e medos - com o próprio corpo.
E falar de cuidado, envolve também dizer de estratégias que já se implementam para lidar ou sarar com os traumas do racismo e da transfobia. A força de quem ergueu esse país é também força de criação, de potência. Quando Gilson, na passagem, fala sobre não trocar seus documentos apontando os problemas institucionais e estruturais, onde alguns dos quais aqui foram discutidos, não passa desapercebida a dimensão de seu posicionamento diante da violência. É certo que não se pode, de forma alguma, romantizar a problemática envolvendo a retificação do prenome e, longe disso, chamo a atenção para Gilson e sua estratégia. Mesmo quando se pode pensar que essa é a única forma que lhe permite estar vivo ou lhe evite outras violências do cistema, é à sua capacidade de se inventar e criar possibilidade que não pode se perder das discussões. Ou como quando as travestis criaram a ASTRAL, para combater as violências policiais e deram outros contornos aos movimentos organizados por travestis. São por esses modos de se inventar que há luta e resistência. 
Maria Clara Araújo, pensando na perspectiva de um cuidado em coletivo, vai citar um discurso que ouviu de Erica Malunguinho, dizendo que a transfobia é um vício branco, “e que para vivermos em quilombo, precisaríamos acabar com todos os vícios brancos - o racismo, o machismo e a lgbtfobia - dos nossos espaços” (2018). O que permite dizer que para viver em quilombo, entendendo este enquanto um espaço de resistência negra, é necessária a ruptura com os processos brancos coloniais, que imprimem em nossas relações e subjetividades modos que nos ensinam a desumanizar nossos iguais, apostando nas possibilidades de invenção, insubordinação e combate aos modelos colonizados de habitarmos nossos relacionamentos.Portanto, é preciso pautar a composição de um Transfeminismo Abolicionista, como aponta Santana (2016), ou um afrotransfeminismo, como chama Araújo (2018), envolvendo os manejos de se criar práticas militantes interseccionais, que combatam os fascismos, os racismos, as transfobias, os machismos e opressões cistêmicas afim de forjar liberdade. 
Em 1963, Martin Luther King, homem cis negro, militante e pastor, proferiu um poderoso discurso sobre os direitos civis americanos. Martin situou as opressões que o povo negro americano vivia e falou seus sonhos, sonhos do que esperava para o futuro dos Estados Unidos - tal discurso é conhecido, inclusive, pelo nome de “I have a dream”. E é através do movimento de reconhecer em cada corpo preto, trans ou travesti, um quilombo, um foco de resistência, de recalcitrância, que no Brasil, em 2018, conseguimos escutar uma travesti negra sonhar. Maria Clara Araújo, uma afrotransfeminista, diz “[...] sonho uma realidade na qual nossas vidas não mais sejam marcadas pela triste realidade das ruas escuras brasileiras, mas sim por afetos que nos influenciem a questionar lugares desumanizados que insistem em nos colocar” (2018). 
... porque sonhar, meus caros, tem deixado de ser privilégio branco cis. 
3ª PASSAGEM
	Seme permitirem, narrarei nas próximas frases, de modo mais pessoal, a história de uma colega. ShelidaAyana, uma figura pública, mulher trans, preta, estudava pedagogia, tinha em torno de 27 anos quando veio à óbito, o motivo da morte foi alguma causa orgânica, pouco entendida por mim. Durante sua vida, gritou, falou – e como gostava de falar-, escreveu e produziu, militando. A pele negra, o corpo trans e a mulheridade eram seus principais atravessamentos. Sua morte não datou unicamente da falência de seus órgãos, Shelida já tinha passado por outras formas de morrer, em sua vida. Vou me ater ao fato de que, em janeiro de 2018, minha colega conseguiu a retificação de seu nome nos documentos. Ela esperava por essa retificação há muito tempo e muito feliz contou em suas redes sociais e em conversas pessoais, sua vitória sobre o CIStema. A questão, então, é: em janeiro de 2018, Shelida tinha, juridicamente falando, sua existência legitimada pelo Estado. Juridicamente falando. 
	Em fevereiro, recebo a notícia de que ela faleceu e a família não demora muito a organizar o sepultamento. No dia do velório, a família deShelida, aparece com camisetas iguais, com fotos de minha colega, mas um nome que ninguém reconhecia, nas falas que diziam ser saudosas, a saudade era de alguém que não existia, falavam um nome que não era Shelida, não era a minha colega a quem saudavam. Será que Shelida existiu pra eles? Ela aproveitou pouco sua legitimidade jurídica. Talvez tenha conseguido dar entrada na identidade retificada, mas não tenha tido tempo de pegar, talvez tenha pensado em pegar o título de eleitor, talvez tenha caprichado no penteado afro pra tirar alguma foto oficial de algum documento oficial... Talvez. Shelida viveu 27 anos não sendo legitimada pelo estado, não sendo, constituindo um não-ser. 
	Letícia Lanz (2016) diz que 
Ser uma pessoa transgênera é ser um não-ser. Um não-ser é alguém que não é, institucionalmente falando. Alguém que, mesmo tendo existência material, não constitui uma identidade socialmente reconhecida e legitimada, isto é, devidamente inserida na matriz cultural de inteligibilidade. Juridicamente, um não-ser não constitui um “sujeito de direito” estando sujeito, portanto, a levar sua existência à margem das garantias e proteções legais asseguradas aos sujeitos de direito, que são aqueles sujeitos reconhecidos e protegidos pela lei. 
	 Minha colega, que viveu numa morte jurídica, agora fora velada sob a sentença de não poder ser. Em vida, não podia ser porque "sua existência é anormal e ilegal exatamente por colocar em evidência, tanto ontológica quanto juridicamente, a maior de todas as vulnerabilidades da ordem vigente, que é estar visceralmente fundada na total “naturalização” do dispositivo binário de gênero" (LANZ, 2016), em morte, não pode ser porque não a reconhecem quanto quem é. O CIStema que matou Shelida durante seus anos de vida, é o mesmo que a enterrou e nunca parou de dizer que sua existência não é bem-vinda. Ela, que não pôde viver, não pôde morrer. O recado está dado: Não pode existir. É a mais sutil e violenta política de extermínio. 
E talvez não seja óbvio o motivo de eu ter pensado na história de minha colega para contar nesse último momento. Afinal, vocês podem se perguntar “por que falar da Shelida? Por que escolher essa história para dizer neste fim de escrita?”. Aqui, retorno ao argumento que trouxe quando falei do acontecido com Veronica Bolina, o repetindo e situando: “simplesmente porque Shelida é negra”. E por ser, tem sua história racializada. Asnotícias não falam, os artigos acadêmicos não falam, mas é preciso dizer: É um corpo trans negro! Tal gesto é pautar as vicissitudes, os meandros em que determinada vivencia se dá. É trazer as problemáticas que perpassam o corpo da minha colega e de tantas outras colegas que conheço, me reconheço e também das que desconheço. Não basta lembrar que ela é negra, é preciso marcar, sublinhar, grifar que ela o é, num exercício ético de respeito à sua história. Negra, jovem, suburbana, mulher, trans, eram muitos os marcadores que a constituíam, mas será que o corpo de Shelida é pensado quando se trata das estatísticas de mortalidade da juventude negra brasileira? Ou nas estatísticas das mulheres negras? Será que seu corpo é pensado em algum desses marcadores?
É bem verdade que sua morte não ocorreu por violência policial, por um crime de ódio ou por essas balas perdidas que sempre acham um corpo negro. Mas como não pensar nos crimes cometidos contra a juventude negra brasileira e a vivência mortificante a que submeteram minha colega? Como não pensar nos crimes contra a sua vida jovem negra trans brasileira? O caminho, nesse sentido, envolve pensar nas sutilezas que é preciso ter para pautar tais assuntos. Entender que a morte para os corpos trans está em cada esquina, em cada banheiro, em cada “senhor/senhora” que não diz respeito à identidade de gênero, em cada lágrima contida onde, por vezes, até se desaprende a chorar, em cada vez que se levanta, se veste e bota a cara no sol... Como ignorar? As roupas nos corpos trans ganham novos sentidos, viram uniforme de guerra. Guerra travada pela vida, contra o cistema, contra o racismo, a transfobia, o genocídio, o epistemicídio e todos os cídios que insistem em nos aniquilar. Logo, pensar em juventude negra brasileira e sua mortalidade, na perspectiva de colocar em cena as vivencias e violências estruturais nos corpos trans negros, implica em sair da concepção cristã colonizada de vida e morte em planos distintos, implica em pensar que a morte pode estar antes da vida como também em interrogar os limites e entraves desses pensamentos. 
Portanto, o que tenho tentado dizer é que a morte de Shelida não seria um acontecimento de destaque nos noticiários. Se fosse, não se leria uma urgência em falar que ela é negra ou que ela é trans, afinal, numa “pressa interpretativa”, alguns desses marcadores poderiam parecer irrelevantes para o caso. E o que defendo é justamente o oposto, entendendo que esses são pontos que constroem a vida e a morte dela. Por ser trans e negra passou por situações calcadas na transfobia e no racismo, entendendo que seu corpo, marcado dessa forma, experimenta tais processos no imbricar dos dois, em situações que se vazam. Logo, falar dos 27 anos de apagamento jurídico da Shelida é falar de racialidade, falar da sua família em seu funeral é falar de racialidade, falar das causas de sua morte, pouco entendida por mim, também é falar de racialidade, assim como de transfobia, em seus vazamentos. Simplesmente, porque o corpo de Shelida teve histórias. 
DESPASSAREDESCOMPASSAR
Há algo mais que gostaria de compartilhar, uma cena, fundamental para expor o que venho dizendo. Soube, uma certa vez, de um ocorrido com um homem trans negro, de aproximadamente 21 anos,em uma batida policial. Tudo começa pelo fato de o rapaz ser universitário e, por tal, morava e estudava numa cidade diferente da de sua família – que se localizavam na baixada fluminense, no Rio de Janeiro. Eis que nessas andanças do tempo, o rapaz, que há muito não ia para a baixada, se arrumou para ir ver seus parentes. Lembro de saber que ele carregava muitas sacolas, contendo roupas para lavar, potes e uma infinidade de bugigangas. Seu cabelo crespo estava grande e suas roupas eram despojadas, simples. Primeiro ônibus, segundo ônibus. Agora, já faltava pouco para chegar em casa, não tinham muitos passageiros, logo, o ônibus pararia menos e seria rápido - pensava e comemorava o rapaz. Que maravi... A viagem se interrompe. O motorista para, nem se quer era ponto, ninguém tinha dado sinal. Era uma rodovia!? A porta traseira do ônibus se abre. Um homem, negro e alto, sobe, na mão se via um fuzil, no corpo, uma farda: polícia militar. 
O policial, segurando o fuzil, caminhou vagarosamente, de ponta a ponta pelo ônibus, olhando cada assento. O rapaz, que sabe o que sua cor preta implica, que tinha acabado de saber que a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil, achava que o militar procurava alguém suspeito e evitou até olha-lo. O policial passou por ele – que alívio – e continuou avançando para o fundo do ônibus. Meia volta. Ainda tinha tensão no ar. Vagarosos, os passos retornam. Mas dessa vez ele não só passou pelo rapaz: “Levanta e afasta as mãos”, “Abre as sacolas e tira tudo”. Revista: a bolsa, as sacolas, a roupa, o corpo. Uma, duas, três vezes. Olha, toca, olha, toca. Puxou a calça do rapaz para frente, olhou dentro e perguntou, ameaçador, “você não tá escondendo nada? É melhor falar logo”. O jovem lembra ter pensado “será que ele percebeu que sou trans?” ... “Não, não tô escondendo nada”, responde. “Você não tá escondendo nada?” repetia e repetia grosseiramente, “É melhor falar logo”! 
Venho dizendo da necessidade de se complexificar as análises sobre as incidências do racismo e da transfobia quando falamos de um corpo trans negro, pautando os modos em que as produções de conhecimento sobre esses temas anulam outros marcadores como categoria analítica. Como quando se fala sobre racismo, mas centrando-se na noção de um raCISmo, onde apenas as vivências de um corpo cis é que estão figurando e norteando a produção de conhecimento sobre a racialização. Ou quando se fala da população trans e travesti, mas não se marca a raça para falar desta, como se tal não fosse fator determinante para analisar os contextos, os efeitos e as tramas daquela experiência. 
A cena acima trata dessas duas categorias, racismo e transfobia, em seus vazamentos. O corpo masculino no racismo é lido enquanto ameaça, relacionado à criminalidade, à periculosidade e a leitura masculina, numa corporeidade trans, implica também na incidência dessas categorias sobre tal. Mas o que aparece como singularidade e, portanto, passando a categorizar outra forma do racismo, é pensar que naquele momento, quando o policial revista o rapaz, olha sua calça e o questiona sobre esconder algo ou não, ele suscita outras questões que estão para além da cisgeneridade, ele convoca uma outra dimensão da experiência daquele corpo: a transexualidade. À um corpo cis não seria tão óbvio pressupor receios e titubeios em pensar sobre seu corpo naquele momento de revista, porque sua identidade de gênero sempre fora legitimada pelo estado e pela cultura. Mas para o corpo trans do rapaz, a questão era “será que ele percebeu que sou trans?”. E se percebesse? Será que os policiais teriam a mesma condução da que teriam com um homem negro cis? É possível, por essa situação, apontar e entender em como esse corpo trans, na experiência do racismo, está referido a outra dimensão de violência, diferentemente da que está colocada na experimentação cisgênera do mesmo regime. 
E se vocês compreendem a drástica dimensãodo que venho propondo, entenderão minhas considerações sobre o que apresentei lá no início do trabalho, onde disputo espaço com as produções de conhecimentos sobre transidentidades, denunciando a política cisnormativa dos corpos, avançando na definição do que seria uma cisnormatividade fetal. Não se pode ignorar que há, do mesmo modo, um processo de racialização já imbricado nessa mesma formulação, e é fundamental a importância de localizar esta proposição, pautando o contexto brasileiro como campo de sua incidência. Logo, assim como não se espera um corpo trans, também não se espera um corpo não branco. As estratégias adotadas para conceber tal pensamento, oriundas do ideal da brancura, se tornam as mais variadas, desde pensar nos parentes mais distantes que são brancos e tem traços finos, na tentativa de fazer, por algumgalho torto na árvore genealógica, um paralelismo direto sobre a possibilidade de existência desses traços nos filhos, ou por, já entendendo que o bebê será preto, torcerem para esse puxar os traços brancos de alguém da família. A transidentidade negra se dá, então, num corpo marcado pelos estereótipos da fetichização, da hipersexualização, da animalidade, da criminalização, do não belo, da rejeição e de um corpo que é, o que não se quis.
 Portanto, é urgente e necessário agenciar os debates sobre a branquitude e a cisgeneridade, entendendo essas em suas funções estruturantes, normativas, punitivas e na via de ainda perpetuarem manutenções transfobicas e racistas, na operacionalização do poder. Mas há que se ponderar que essas marcações não estão para a via única e direta de de-marcar-dores. Não há que se fingir não haver sofrimentos e dificuldades, mas a cilada está colocada quando a única aposta de mirada se limita a tal perspectiva. De-marcam-dores mas também de-marcam-ação. Os números comprovam. Esses que enquadram os assassinatos, também computam as resistências que se criam. Resistência de quem cria modos e mundos mais possíveis de existir e de se fazer ouvir. 
É importante ressaltar como escuta e fala estão ligadas a processos de poder, logo, de humanização e desumanização. Para eu, travesti negra, ser escutada, é preciso antes a pessoa reconhecer minha humanidade e que existe relevância em se deixar ouvir o que tenho a dizer. Em um país onde se acredita que travestis não sangram, nossa fala, que muitas vezes vem em tom de clamor, é calada, tal como na imagem da Escrava Anástacia no texto “A Máscara'', de Grada Kilomba [...] (ARAÚJO, 2018a)
	Tal texto, de Grada Kilomba, me remete à Djamila Ribeiro, numa fala que fez no TED Talk São Paulo. Nesse momento, Djamila vinha falando de sua posição de mulher negra e de uma problemática construída em torno dos discursos autorizados, que insistem em falar de seu corpo, no tempo em que silenciam e invisibilizam as populações negras. Djamila se pergunta “quantos silêncios será que me compõem?”. A máscara de Anastácia, enquanto instrumento de tortura e de uma representação das políticas de silenciamento do povo negro, em novos formatos e configurações, ainda nos é imposta. Saber desses silêncios, vem do reconhecimento de uma voz única, que conta uma história única e que se autoriza à enunciação do outro. Essa voz deslegitima, desumaniza, hierarquiza as demais enunciações, que não sua, e impede uma pluralidade de vozes não hegemônicas de se dizerem. Essa conversa sobre os silêncios e silenciamentos me fizeram lembrar, certa vez estava conversando com uma amiga e a perguntei como ela via e entendia seu corpo, enquanto mulher trans e preta, e lembro bem de sua resposta, “eu nem penso sobre isso. Tenho até medo”. Quantos silêncios será que compõem minha amiga?
Me dirijo em defesa e aposta, então, na construção de um modo potente pra se pensar e romper com esses tipos de violência do silenciamento. Onde, hajam pactos de escutas cuidadosas em respeito a essas vidas. Na composição de um olhar ético, que permita com que possamos enxergar nesse modo as singularidades de seus processos constituintes, como também as problemáticas colocadas quando o outro, esse dos discursos hegemônicos, diz desse processo e os apagamentos que estão colocados para esse corpo. Logo, é urgente compor práticas de coragem em resistir à voz única, que delimita, enquadra, fecha e embrutece os nossos modos de conceber experiências que não estão na cisgeneridade, na branquitude e na masculinidade. Na via de afirmar potência, onde não se tenha mais medo sobre pensar em seu corpo negro trans e os vazamentos colocados nessa interseccionalidade. Enxergando essas marcações enquanto um ponto de partida pra se narrar histórias- que precisam ser contadas. Criando condições de possibilidade para que as composições não mais sejam de silêncios, mas de resistência e reconhecimento da história! E por isso, aquele rapaz de que falei outrora - quem passou pela cena descrita da abordagem policial -, achou importante fazer essa escrita, para romper com seu silêncio e para questionar os modos como seu corpo é encarado e esquecido pelos estudos sobre o raCISmo e transfobia.
Querida psicologia, 
Resolvi te deixar esse bilhete ao invés de uns parágrafos. Sei que é difícil para você, sozinha, comprar essas passagens e seguir viagem,peloscustoselas que têm para você.Os sacolejos lhe são tão caros. Te entrego este bilhetepara garantir o seu embarque. No caminho, não aperte os cintos, é necessário sair do conforto e da segurança para ver as paisagens que se pintam. 
	 Com doses de coragem para seguir,
 Eduardo.
REFERÊNCIA
 ADICHIE, C. N. O perigo da história única. 2012. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=EC-bh1YARsc>. Acesso em: 04 nov. 2018.
AMARAL, D. M. A psiquiatrização da transexualidade: análise dos efeitos do diagnóstico de transtorno de identidade de gênero nas práticas de saúde. 2007. Tese. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva). Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007. Disponível em: <http://livros01.livrosgratis.com.br/cp104796.pdf>. Acesso em: 04 nov. 2018.
ANDRADE, D. Não Seria Um Crime Determinar Que Não É Possível Haver Crianças Trans? A Cisgeneridade Deveria Ser A Única Possibilidade?. 2018. Disponível em: <https://transfeminismo.com/nao-seria-um-crime-determinar-que-nao-e-possivel-haver-criancas-trans-a-cisgeneridade-deveria-ser-a-unica-possibilidade/>. Acesso em: 04 nov. 2018.
ANDRADE, I. A. O. Feminismos, Masculinidades e Transexualidade. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 26, n. 3, p. 1-6, set. 2018. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2018000300802&lng=en&nrm=iso&tlng=en#B1>. Acesso em: 04 nov. 2018.
ARAUJO, M. C. Afrotransfeminismo e a necessidade de quilombos de afeto para travestis negras brasileiras. 2018. Disponível em: <https://www.almapreta.com/editorias/o-quilombo/afrotransfeminismo-e-a-necessidade-de-quilombos-de-afeto-para-travestis-negras-brasileiras>. Acesso em: 04 nov. 2018.
ARAUJO, M. C. Afrotransfeminismo: travestilizando o movimento negro e racializando o transfeminismo. 2018. Disponível em: <http://usinadevalores.org.br/afrotransfeminismo-travestilizando-o-movimento-negro-e-o-transfeminismo/>. Acesso em: 27 nov. 2018.
ARAUJO, M. C. Mulher trans negra e feminismo. 2015. Disponível em: <http://blogueirasnegras.org/2015/05/22/mulher-trans-negra-e-feminismo/>. Acesso em: 27 nov. 2018.
ASSIS, W. F. T. DO COLONIALISMO À COLONIALIDADE: expropriação territorial na periferia do capitalismo. CADERNO CRH, Salvador, v. 27, n. 72, p. 613-627, set. 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ccrh/v27n72/11.pdf>. Acesso em: 04 nov. 2018.
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE TRAVESTIS E TRANSEXUAIS (ANTRA). Mapa dos assassinatos de Travestis e Transexuais no Brasil em 2017. 2018. 121 p. Disponível em: <https://antrabrasil.files.wordpress.com/2018/02/relatc3b3rio-mapa-dos-assassinatos-2017-antra.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2018.
AYOUCH, T. Quem tem medo dos saberes T.? Psicanálise, estudos transgêneros, saberes situados. Periódicus, Salvador, n. 5, v. 1, p. 3-6, maio-out. 2016. Revista de estudos indisciplinares em gêneros e sexualidades Publicação periódica vinculada ao Grupo de Pesquisa CUS, da Universidade Federal da Bahia – UFBA. Disponível em: <https://portalseer.ufba.br/index.php/revistaperiodicus/article/view/17171/11326>. Acesso em: 28 nov. 2018. 
BRITO, C. P. “Já é negro e ainda quer ser travesti?” - Experiências trans de mulheres negras. 2018. 128 f. Dissertação (Mestrado em Relações Étnicas e Contemporaneidade)- Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB, Bahia, 2016. Disponível em: <http://www2.uesb.br/ppg/ppgrec/wp-content/uploads/2017/03/Camila-Pina-Brito.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2018.
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. RESOLUÇÃO CFM nº 1.955/2010. Assunto: Dispõe sobre a cirurgia de transgenitalismo e revogaa Resolução CFM nº 1.652/02. Publicada no Diário Oficial da União; Poder Executivo, Brasília-DF, n. 232, 2 dez.2002. Seção 1, p.80/81). Publicada no D.O.U. de 3 de setembro de 2010, Seção I, p. 109-10. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2010/1955_2010.htm>. Acesso em: 04 nov. 2018
COSTA, J. F. Da cor ao corpo: a violência do racismo. In: SOUZA, N. S. Tornar-se negro: as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1990. cap. Prefácio, p. 1-16.
CRENSHAW, K. Porque a interseccionalidade não pode esperar. Disponível em: <https://literaturainterseccional.tumblr.com/post/138291720077/feminismo-e-identidade-de-g%C3%AAnero-elementos-para-a>. Acesso em: 04 nov. 2018.
GOMES, C. M. Gênero como categoria de análise decolonial. Civitas, Porto Alegre, v. 18, n. 1, p. 65-82, jan. 2018. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/civitas/v18n1/1519-6089-civitas-18-01-0065.pdf>. Acesso em: 04 nov. 2018.
GUZMÁN, B. R. Colonialidad e cis-normatividade: Entrevista com Viviane Vergueiro. Iberoamérica Social: revista-red de estudiossociales, [S.l.], v. (III), p. 15-21, dez. 2014. Disponível em: <https://iberoamericasocial.com/colonialidade-e-cis-normatividade-conversando-com-viviane-vergueiro/>. Acesso em: 04 nov. 2018.
JESUS, J. G. Medicina: uma ciência maligna? Debate psicopolítico sobre estereótipos e fatos. Periódicus, Salvador, n. 5, v. 1, p. 280-299, maio-out. 2016. Revista de estudos indisciplinares em gêneros e sexualidades Publicação periódica vinculada ao Grupo de Pesquisa CUS, da Universidade Federal da Bahia – UFBA. Disponível em: <https://portalseer.ufba.br/index.php/revistaperiodicus/article/view/17187/11342>. Acesso em: 28 nov. 2018.
LANZ, L. Ser uma pessoa transgênera é ser um não-ser. Periódicus, Salvador, n. 5, v. 1, p. 205-220, maio-out.2016. Revista de estudos indisciplinares em gêneros e sexualidades Publicação periódica vinculada ao Grupo de Pesquisa CUS, da Universidade Federal da Bahia – UFBA. Disponível em: <https://portalseer.ufba.br/index.php/revistaperiodicus/article/view/17188/11343>. Acesso em: 28 nov. 2018.
LARA, L. A. S.; ABDO, C. H. N.; ROMÃO, A. P. M. S. Transtornos da identidade de gênero: o que o ginecologista precisa saber sobre transexualismo. Revista Brasileira de Ginecologia Obstetrícia, Ribeirão Preto (SP), Brasil, v. 35, n. 6, p. 239-242, jan. 2013. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbgo/v35n6/v35n6a01.pdf>. Acesso em: 04 nov. 2018.
LUCON, N. Aos 61 anos, militante travesti Anyky Lima fala sobre ditadura, transfobia e terceira idade. NLUCON, 20 dez. 2016. Disponível em: <https://nlucon.com/2016/12/20/aos-61-anos-militante-travesti-anyky-lima-fala-sobre-ditadura-transfobia-e-terceira-idade/>. Acesso em: 04 nov. 2018.
LUCON, N. "Presas, espancadas e mortas": relatos de travestis sobre a Ditadura Militar. NLUCON, 27 out. 2016. Disponível em: <http://www.nlucon.com/2016/10/presas-espancadas-e-mortas-relatos-de.html>. Acesso em: 25 abr. 2018. 
LUCON, N. Homem trans negro, Leonardo Peçanha diz: “Deixei de ser objeto para ser ameaça”. 2015. Disponível em: <https://nlucon.com/2015/12/13/homem-trans-negro-leonardo-pecanha-diz-deixei-de-ser-objeto-para-ser-ameaca/>. Acesso em: 27 nov. 2018.
LUCON, N. OMS irá retirar identidades trans e travesti do capítulo de transtornos mentais. 2018. Disponível em: <https://nlucon.com/2018/05/02/oms-ira-retirar-identidades-trans-e-travesti-do-capitulo-de-transtornos-mentais/>. Acesso em: 27 nov. 2018
LUGARINI, V. Jovens negros continuam sendo as maiores vítimas da polícia de SP. 2018. Disponível em: <http://www.vermelho.org.br/noticia/311180-1>. Acesso em: 27 nov. 2018.
LUNA, Y. Estudo sobre violência policial revela "racismo institucional" na PM de SP. 2014. Disponível em: <https://lunatenorio.jusbrasil.com.br/artigos/114873464/estudo-sobre-violencia-policial-revela-racismo-institucional-na-pm-de-sp>. Acesso em: 27 nov. 2018.
MIGNOLO, W. D. COLONIALIDADE: O lado mais escuro da modernidade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Campus da UFV, v. 32, n. 94, p. 2-18, jun. 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v32n94/0102-6909-rbcsoc-3294022017.pdf>. Acesso em: 04 nov. 2018.
NERY, J. W.; MARANHÃ O Fo, E. M. A. Deslocamentos subjetivos das transmasculinidades brasileiras contemporâneas. Periódicus, Salvador, n. 7, v. 1, p. 280-299, maio-out. 2017. Revista de estudos indisciplinares em gêneros e sexualidades Publicação periódica vinculada ao Grupo de Pesquisa CUS, da Universidade Federal da Bahia – UFBA. Disponível em: <https://portalseer.ufba.br/index.php/revistaperiodicus/article/view/22279/14310>. Acesso em: 28 nov. 2018. 
OLIVEIRA, A.S. Movimento de travestis e transexuais no Rio Grande do Sul, brasil: vitórias históricas e limites atuais. Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13thWomen’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X. Disponível em: <http://www.en.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/1499472451_ARQUIVO_FAZGENword.pdf >. Acesso em: 04 nov. 2018
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL (ONUBR). Negros são mais afetados por desigualdades e violência no Brasil, alerta agência da ONU. 2017. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/negros-sao-mais-afetados-por-desigualdades-e-violencia-no-brasil-alerta-agencia-da-onu/>. Acesso em: 27 nov. 2018
PAGLIARINI, B. A gênese da transfobia. 2016. Disponível em: <https://blogueirasfeministas.com/2016/06/21/a-genese-da-transfobia/>. Acesso em: 27 nov. 2018.
PASSOS, L. O sujeito e o gênero socialmente construído: existe um “eu/nós” antes, um “eu/nós” depois, um “eu/nós” que constrói?. 2012. Disponível em: <https://ensaiosdegenero.wordpress.com/2012/02/18/o-sujeito-e-a-construcao-de-genero-existe-um-eunos-antes-um-eunos-depois-um-eunos-que-constroi/>. Acesso em: 27 nov. 2018
PONTES, J. C.; SILVA, C. G. Cisnormatividade e passabilidade: deslocamentos e diferenças nas narrativas de pessoas trans. Revista de estudos indisciplinares em gêneros e sexualidades Publicação periódica vinculada ao Grupo de Pesquisa CUS, da Universidade Federal da Bahia – UFBA, Salvador, v. 1, n. 8, p. 396-417, nov. 2017. Disponível em: <https://portalseer.ufba.br/index.php/revistaperiodicus/article/viewFile/23211/15536>. Acesso em: 28 nov. 2018
PRECIADO, P. B. Quem defende a criança queer?. Disponível em: <http://revistageni.org/10/quem-defende-a-crianca-queer/>. Acesso em: 04 nov. 2018.
RODOVALHO, A. M. O cis pelo trans. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 25, n. 1, p. 365-373, jan. 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2017000100365&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 04 nov. 2018.
RIBEIRO, D. O que é: lugar de fala?. Belo Horizonte (MG): Letramento, 2017.
RODRIGUES, P. G. O. Corpos em movimento, educação em questão: A trajetória escolar das travestis negras. 2014. 113 f. Dissertação (Mestrado em Relações Etnicorraciais) - Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca- CEFET, Rio de Janeiro, 2014. Disponível em: <http://dippg.cefet-rj.br/pprer/attachments/article/81/21_%20Patr%C3%ADcia%20Gabrielle%20Oliveira%20Rodrigues.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2018.
Ribeiro, D. Precisamos romper com os silêncios. 2017. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=6JEdZQUmdbc>. Acesso em: 01 dez. 2018. 
ROSY, J. “A Polícia Militar é uma invenção da ditadura”. 2014. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/node/28962/>. Acesso em: 27 nov. 2018.
SANTANA, D. "Conversas entre manas": por um transfenimismo abolicionista anti racista. 2016. Disponível em: <http://blogueirasnegras.org/2016/06/28/conversas-entre-manas-por-um-transfenimismo-abolicionista-anti-racista/>. Acesso em: 27 nov. 2018.
SANTANA, D. Quão trans é o trans atlântico negro?. 2016. Disponível em: <https://www.academia.edu/26073935/Dora_Santana_Quao_Trans_e_o_Trans_Atlantico_Negro>. Acessoem: 27 nov. 2018.
SANTANA, D. Transitionings and Returnings: Experiments with the Poetics ofTransatlantic Water. Duke University Press, Durham, North Carolina, v. 4, n. 2, p. 181-190, maio. 2017. Disponível em: <https://www.academia.edu/33195451/Transitionings_and_Returnings_Experiments_with_the_Poetics_of_Transatlantic_Water>. Acesso em: 01 dez. 2018.
SANTOS, W. T. M. Modelos de masculinidade na percepção de jovens homens de baixa renda. Barbarói, Santa Cruz do Sul, v. 27, p. 130-157, jul. 2017. Disponível em: <https://online.unisc.br/seer/index.php/barbaroi/article/view/140/573>. Acesso em: 28 nov. 2018.
SCHVARSBERG, G. Cartografar o movimento: narrativas da sarjeta. Redobra, UFBA, p. 160-178, 2012. Disponível em: <http://www.redobra.ufba.br/wp-content/uploads/2012/04/redobra9_Cartografar-o-movimento-narrativas-da-sarjeta.pdf>. Acesso em: 04 nov. 2018.
SEGATO, R. L. Gênero e colonialidade: em busca de chaves de leitura e de um vocabulário estratégico descolonial. e-cadernosces [Online], v. 18, p. 106-131, jan. 2012. Disponível em: <https://journals.openedition.org/eces/1533#ftn1>. Acesso em: 04 nov. 2018.
SOUSA, B.; CIRILO, A. R. O.; DOURADO, W. M. A polícia no regime militar e a polícia no movimento 'vem pra rua'. 2014. Disponível em: <https://brau.jusbrasil.com.br/artigos/118680054/a-policia-no-regime-militar-e-a-policia-no-movimento-vem-pra-rua>. Acesso em: 27 nov. 2018. 
SOUZA, N. S. Tornar-se negro: as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão aocial. 2. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1990. 88 p.
TOMAZ, K.; ARAÚJO, G. 'Agi como um animal acuado', diz transexual sobre ter arrancado a dentadas orelha de carcereiro. G1, São Paulo, 07 maio 2017. Disponível em: <https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/agi-como-um-animal-acuado-diz-transexual-sobre-ter-arrancado-a-dentadas-orelha-de-carcereiro.ghtml>. Acesso em: 04 nov. 2018.
VERGUEIRO, V. Despatologizar é descolonizar. 2017. Disponível em: <https://www.facebook.com/Transfem/posts/viviane-vergueiro-despatologizar-%C3%A9-descolonizarde-acordo-com-os-poucos-dados-que/1255956667883282/>. Acesso em: 04 nov. 2018.
VERGUEIRO, V. Por inflexões decoloniais de corpos e identidades de gênero inconformes: uma análise autoetnográfica da cisgeneridade como normatividade. 2015. 244 f. Dissertação (Mestrado em Cultura e Sociedade) - Universidade Federal da Bahia, Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos, Salvador, 2016. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/19685/1/VERGUEIRO%20Viviane%20-%20Por%20inflexoes%20decoloniais%20de%20corpos%20e%20identidades%20de%20genero%20inconformes.pdf>. Acesso em: 04 nov. 2018.

Mais conteúdos dessa disciplina