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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BARRA MANSA PRÓ-REITORIA ACADÊMICA CURSO DE DIREITO Paulo Henrique Fagundes Neves Filho A INTERFERÊNCIA DO ESTADO NAS EMPRESAS POR MEIO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL Barra Mansa 2019 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BARRA MANSA PRÓ-REITORIA ACADÊMICA CURSO DE DIREITO Paulo Henrique Fagundes Neves Filho A INTERFERÊNCIA DO ESTADO NAS EMPRESAS POR MEIO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito do Centro Universitário de Barra Mansa, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Daiamy Soares Missaggia Barra Mansa 2019 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BARRA MANSA PRÓ-REITORIA ACADÊMICA CURSO DE DIREITO Paulo Henrique Fagundes Neves Filho A INTERFERÊNCIA DO ESTADO NAS EMPRESAS POR MEIO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito do Centro Universitário de Barra Mansa, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Daiamy Soares Missaggia Data de aprovação:____________________ ____________________________________ Orientador Daiamy Soares Missaggia ____________________________________ Membro da Banca Examinadora ____________________________________ Membro da Banca Examinadora Barra Mansa 2019 Dedico este trabalho primeiramente а Deus, por ter me dado saúde е força para superar as dificuldades. “Todas as grandes coisas são simples. E muitas podem ser expressas numa só palavra: liberdade; justiça; honra; dever; piedade; esperança.” (Winston Churchill) “O sucesso é ir de fracasso em fracasso sem perder entusiasmo.” (Winston Churchill) RESUMO FILHO, Paulo Henrique Fagundes Neves. A interferência do Estado nas empresas por meio da recuperação judicial. 2019. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Direito) – Centro Universitário de Barra Mansa, Barra Mansa, RJ, 2019. O presente trabalho tem o objetivo de analisar a interferência do Estado nas empresas por meio do instituto da recuperação judicial, disciplinado pela Lei 11.101/2005. O Estado pode interferir de diversas formas na sociedade, uma delas é pela atuação direta do poder judiciário, que é o responsável por aplicar a lei aos casos concretos quando ocorre algum tipo de conflito de interesses. Nesse sentido, no caso da recuperação judicial, a lei estabelece o princípio da preservação da empresa que deve ser aplicado quando cumpridos os requisitos visando evitar a exclusão precipitada de uma empresa do mercado. A recuperação judicial é um instrumento que configura uma forma de intervenção do Estado no domínio privado, vez que põe a empresa que passa por dificuldades financeiras frente ao poder judiciário para que apresente aos seus credores uma forma de reestruturação. Palavras-chave: Preservação. Empresa. Recuperação. judicial. Intervenção. Estado ABSTRACT FILHO, Paulo Henrique Fagundes Neves. A interferência do Estado nas empresas por meio da recuperação judicial. 2019. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Direito) – Centro Universitário de Barra Mansa, Barra Mansa, RJ, 2019. The present work has the objective of analyzing the State interference in the companies through the institute of judicial recovery, disciplined by Law 11,101 / 2005. The State can interfere in various ways in society, one of them is by the direct action of the judiciary, which is responsible for applying the law to concrete cases when there is some kind of conflict of interest. In this sense, in the case of judicial recovery, the law establishes the principle of preservation of the company that must be applied when the requirements are fulfilled in order to avoid the hasty exclusion of a company from the market. Judicial reorganization is an instrument that constitutes a form of State intervention in the private domain, since it puts the company that is going through financial difficulties before the judiciary so that it presents to its creditors a form of restructuring. Keywords: Preservation. Company. Recovery. Judicial. Intervention. State SUMÁRIO 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS .................................................................................8 2. ASPECTOS HISTÓRICOS E CONCEITUAIS DO DIREITO FALIMENTAR...........9 2.1. EVOLUÇÃO DO DIREITO FALIMENTAR.........................................................9 2.2. DO PROCESSO DE FALÊNCIA ....................................................................11 2.3. DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL .....................................................................16 3. DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA ...................................................................19 3.1. PRINCÍPIO E NORMA....................................................................................19 3.2. DA SEGURANÇA JURÍDICA .........................................................................21 3.3. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA ...........................................23 3.3.1. CRISE ECONÔMICO-FINANCEIRA ....................................................25 3.4. ATUAÇÃO DO ESTADO POR MEIO DO PODER JUDICIÁRIO ....................27 4. RELAÇÃO ENTRE A TEORIA DA MÃO INVISÍVEL E A LEI DE FALÊNCIA.......28 5. APLICAÇÃO NO CASO CONCRETO .................................................................29 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................31 7. REFERÊNCIAS ....................................................................................................33 8 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS O presente trabalho trata sobre a intervenção do Estado nas empresas por meio da recuperação judicial, se mostrando relevante uma vez que aborda questões principiológicas acerca da atuação do Estado por meio do poder judiciário nas empresas que passam por situação de crise. Com a evolução do comércio e da atividade empresária em si, bem como com o desenvolvimento da sociedade como um todo foram muitas as alterações nos conceitos, costumes e leis que tratavam de relações comerciais, principalmente no que tange a insolvência. Assim, em um primeiro momento, por volta da 450 a.C., aquele comerciante que entrasse nessa situação poderia ser escravizado ou até mesmo morto. Chegou a existir, inclusive, no direito romano, um tipo de contrato em que a pessoa se dispunha a prestar serviços como escravo caso se tornasse insolvente. Essa visão foi se alterando com o tempo, e os efeitos da insolvência deixaram de recair sob a pessoa do devedor e passaram a recair sob seu patrimônio. Surgindo então, os primórdios do direito falimentar. O Brasil adotou dois procedimentos diferentes aplicáveis para o caso de devedor empresário, são eles a falência e a recuperação judicial. Esta apresenta uma preocupação com a preservação da empresae sua reestruturação, ao passo que aquela figura-se como um tipo de execução, não sendo possível mais recuperar a empresa quando decretada. Diante desse quadro, o intuito deste trabalho é compreender as formas de atuação que o Estado pode se utilizar para interferir na sociedade, em especial nas empresas que estejam passando por crise, e verificar se isso ocorre no procedimento da recuperação judicial, já que este se passa sob a égide do Poder judiciário. Para tanto, cumpre analisar o procedimento estabelecido pela Lei 11.101/2005 de forma a identificar as atribuições do juiz, dos credores e do devedor, e também, compreender a definição e aplicabilidade do princípio da preservação da empresa, já que este princípio se mostra de extrema relevância quando se fala de recuperação judicial, sendo seu alicerce principal. 9 2. ASPECTOS HISTÓRICOS DO DIREITO FALIMENTAR 2.1. EVOLUÇÃO DO DIREITO FALIMENTAR O termo falir vem do latim fallere, que trás a ideia de falhar com aquilo que foi prometido, no mesmo sentido de enganar. No sentido jurídico propriamente dito, a palavra falência exprime a ideia da impossibilidade de um devedor arcar com seus débitos dada a insuficiência de seu patrimônio bem como sua impotência em prover os recursos necessários para o cumprimento de suas obrigações. A interpretação da falência como um ato pejorativo e de enganação, era tão acentuada historicamente falando, que nas antigas Ordenações do Reino de Portugal utilizava-se o termo “quebra” para se definir este instituto. Tal nome era inspirado no costume da época, em que os credores do devedor insolvente destruíam a banca do comerciante que não honrasse com seus compromissos, de forma a impossibilita-lo de continuar a comerciar. O temo foi apropriado no Brasil pelo Código Comercial de 1850 na parte terceira, denominada: Das Quebras. Todavia, a interpretação do termo neste momento se aproximava muito mais do instituto tal qual conhecemos hoje do que daquela visão arcaica de destruição do estabelecimento do devedor. Em um período ainda mais antigo, no direito romano, era prevista a execução sobre o próprio corpo do devedor insolvente. Na Lei das XII Tábuas, de 451 a.C. era estabelecido que se fossem muitos os credores, era permitido inclusive dividir o corpo do devedor em tantos pedaços quanto fossem os credores, configurando uma verdadeira execução, todavia, caso os credores preferissem, poderiam vender o devedor a um estrangeiro como escravo e dividir o valor, o que na pratica era o mais comum, ficando então evidente a natureza pessoal da execução àquela época. Diante desse contexto de execução pessoal, surgiu o contrato nexum, em que o devedor se comprometia a prestar serviços ao como escravo ao credor até que sua dívida fosse completamente satisfeita, visando evitar que os efeitos da insolvência pudessem lhe custar a própria vida. Em 428 a.C. surgiu a Lex Poetelia-Papiria, lei que extinguiu o contrato nexum, proibindo expressamente qualquer forma de execução que recaia de forma pessoal sobre o devedor, seja pela morte ou pela venda como escravo, firmando o entendimento que a garantia do credor deveria ser o patrimônio do devedor e não sua vida. Dessa forma a lei se tornou um marco histórico quando se trata de execução judicial. 10 Na prática a execução poderia ser feita por um credor único ou por diversos credores, sendo necessário então que surgissem regras para o concurso de credores a fim de garantir a correta divisão do patrimônio do devedor entre os credores de acordo com a proporção adequada para cada um. Nesse contexto começa a surgir o direito falimentar propriamente dito, já que a falência nada mais seria do que uma execução coletiva que visa arrecadar e vender judicialmente os bens do devedor, para então dividir os valores entre os credores, cada qual com a proporção que lhe é de direito. A mudança da ideia de que a incidência da execução não deveria mais recair na pessoa do devedor, e sim no seu patrimônio foi uma evolução de extrema importância para o direito falimentar. Todavia cabe ressaltar também, que neste mesmo contexto histórico, houve uma outra evolução. Sendo esta, no que tange à possibilidade de dar início à execução. Onde antes era o credor o detentor dessa capacidade, passa então, a ser o Estado, ficando a execução sob a égide da disciplina judiciária do Estado, proibindo assim a execução de mão própria. Assim sendo, com o passar do tempo, a falência deixa de ser um instrumento de vingança pessoal contra o devedor, disciplinada pela raiva, e passa a ser analisada sob uma ótica mais contemporânea, condizente com as diretrizes de uma sociedade civilizada e evoluída. Segundo Rubens Requião a falência: “... propõe uma solução para a empresa comercial arruinada: ou a liquida ou proporciona a sua recuperação” (REQUIÃO, 1998, p.3), embora sua obra tenha sido produzida sob a vigência de uma lei já revogada, sua definição ainda encontra compatibilidade com os dias atuais. Sob essa mesma ótica, o nobre doutrinador Sérgio Campinho define a falência como: (...) é a medida judicialmente realizável para resolver a situação jurídica do devedor insolvente. Essa solução não implica, necessariamente, a liquidação -, revelando-se, outrossim, como promotora da recuperação da empresa por ele desenvolvida – falência-recuperação. (CAMPINHO, 2010, p.4) Atualmente no Brasil a lei de falências (Lei nº 11.101/2005, de 09 de fevereiro de 2005) adota a aplicação de dois procedimentos especiais cabíveis no caso de devedor empresário que passe por crise econômico-financeira ou esteja insolvente, que são o processo de recuperação judicial e o de falência. Essa dicotomia de processos não é o padrão utilizado em alguns países como Alemanha e Portugal, onde existe apenas um procedimento, com o objetivo principal de recuperar a 11 empresa, só entrando no extremo de liquidá-la quando sua recuperação não for possível. Para Sergio Campinho, a unicidade neste procedimento seria o sistema conceitual mais eficaz, senão vejamos: Nesse processo único, após reconhecer o estado de insolvência do devedor, seja por iniciativa do próprio o u de algum de seus credores, ensejar-se-ia, prioritariamente, a recuperação da empresa econômica e financeiramente viável, através de todos os meios possíveis. Na sua inviabilidade, promover- se-ia a liquidação judicial do patrimônio do empresário insolvente. Assim, estar-se-ia oferecendo um tratamento à situação jurídica de insolvência desse empresário, em melhor atendimento aos anseios da economia contemporânea, prestigiando, como regra, a recuperação, só partindo para a decretação da liquidação judicial quando a recuperação não se mostrasse factível. (CAMPINHO, 2010, p.6) Resta ressaltar, que a dicotomia de procedimentos adotada pela Lei nº 11.101/2005 revela que os conceitos preconizados pelos doutrinadores citados acima apresentam um caráter amplo e genérico, já que quando se trata da recuperação judicial há sim aquela preocupação com a satisfação dos créditos em conjunto com a manutenção das atividades da empresa, todavia, quando se trata da falência propriamente dita, verifica-se claramente o caráter de liquidação da empresa, não mais importando sua manutenção, o foco é a satisfação dos créditos. 2.2. DO PROCESSO DE FALÊNCIA Atualmente, conforme já exposto, o instituto da falência propriamente dita, nos moldes da legislação em vigor, está mais ligado à ideia da liquidação judicial do patrimônio do insolvente do que com a ideia de recuperação da empresa, já que para este fim existe um procedimento diverso, a recuperação judicial.Dessa forma, o legislador estabeleceu no artigo 48, I da Lei nº 11.101/2005 que uma das condições para que se possa requerer a recuperação o devedor não poderia ser falido. Senão vejamos: Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente: I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; 12 Dito isso fica evidente o caráter de falência-liquidação nesse procedimento, já que uma vez reconhecida a falência, sequer existe mais a possibilidade de recuperação do devedor. A lei 11.101/2005 é aplicável aos empresários individuais, sociedades empresárias e aos empresários individuais de responsabilidade limitada (EIRELI), ou seja, às empresas, excluídas aquelas previstas no artigo 2º: Art. 2º Esta Lei não se aplica a: I – empresa pública e sociedade de economia mista; II – instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores. À luz do código civil, encontramos a definição de empresário nos termos do seu artigo 966: Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. A falência mostra-se então como um instrumento para satisfação de crédito direcionada às empresas devedoras tal como as ações de cobrança, monitória e de execução, configurando uma verdadeira execução coletiva. Entretanto, o objeto na ação de falência é mais amplo, já que uma vez decretado o estado de insolvência do devedor pelo juiz, objetiva-se o pagamento de todos os credores na medida do possível e na ordem estabelecida, e não somente daquele que propôs a ação, como seria no caso das outras formas de cobrança judicial. Além disso, para que seja decretada a falência é imprescindível que o devedor tenha uma das condutas prescritas no artigo 94: Art. 94. Será decretada a falência do devedor que: I – sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência; II – executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal; III – pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperação judicial: 13 a) procede à liquidação precipitada de seus ativos ou lança mão de meio ruinoso ou fraudulento para realizar pagamentos; b) realiza ou, por atos inequívocos, tenta realizar, com o objetivo de retardar pagamentos ou fraudar credores, negócio simulado ou alienação de parte ou da totalidade de seu ativo a terceiro, credor ou não; c) transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo; d) simula a transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de burlar a legislação ou a fiscalização ou para prejudicar credor; e) dá ou reforça garantia a credor por dívida contraída anteriormente sem ficar com bens livres e desembaraçados suficientes para saldar seu passivo; f) ausenta-se sem deixar representante habilitado e com recursos suficientes para pagar os credores, abandona estabelecimento ou tenta ocultar-se de seu domicílio, do local de sua sede ou de seu principal estabelecimento; g) deixa de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida no plano de recuperação judicial. Embora o caráter da falência seja de execução concursal, cabe esclarecer que se trata de um procedimento especial altamente complexo e os legitimados para sua propositura incluem além dos credores o próprio devedor, o sócio, acionista ou cotista, ou mesmo o cônjuge sobrevivente, herdeiro, ou inventariante no caso de espólio de empresário individual, conforme previsto no rol do artigo 97: Art. 97. Podem requerer a falência do devedor: I – o próprio devedor, na forma do disposto nos arts. 105 a 107 desta Lei; II – o cônjuge sobrevivente, qualquer herdeiro do devedor ou o inventariante; III – o cotista ou o acionista do devedor na forma da lei ou do ato constitutivo da sociedade; IV – qualquer credor. Cada um destes legitimados deve cumprir requisitos específicos para possam requerer a falência perante o juízo competente. Assim sendo, uma vez distribuída a ação o juiz analisa se a situação fática é compatível com os requisitos legais, e, caso positivo, deve decretar a falência, reconhecendo assim por meio de uma sentença declaratória, o estado de insolvência do devedor. Uma vez reconhecida essa insolvência, o devedor tem, em princípio, encerrada suas atividades, e na mesma sentença declaratória que reconhece a insolvência, o juiz nomeia o administrador judicial, que é a figura responsável pela administração provisória dos bens da empresa falida. Tal profissional, escolhido pelo juiz, deve ser profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista, administrador de empresas ou contador, ou pessoa jurídica especializada conforme consta no artigo 21 da lei: 14 Art. 21. O administrador judicial será profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista, administrador de empresas ou contador, ou pessoa jurídica especializada. Parágrafo único. Se o administrador judicial nomeado for pessoa jurídica, declarar-se-á, no termo de que trata o art. 33 desta Lei, o nome de profissional responsável pela condução do processo de falência ou de recuperação judicial, que não poderá ser substituído sem autorização do juiz. O administrador judicial tem um papel de protagonismo no procedimento falimentar, já que uma vez decretada a falência as atividades da empresa são encerradas e é ele quem assume o controle da massa falida, realizando a arrecadação dos bens para avaliação e os administra até o momento em que esses ativos possam ser vendidos, visando o objetivo final da falência, que nada mais é do que o pagamento da universalidade dos credores. São elencadas na lei, em seu artigo 22, as principais competências deste administrador conforme se vê: Art. 22. Ao administrador judicial compete, sob a fiscalização do juiz e do Comitê, além de outros deveres que esta Lei lhe impõe: I – na recuperação judicial e na falência: a) enviar correspondência aos credores constantes na relação de que trata o inciso III do caput do art. 51, o inciso III do caput do art. 99 ou o inciso II do caput do art. 105 desta Lei, comunicando a data do pedido de recuperação judicial ou da decretação da falência, a natureza, o valor e a classificação dada ao crédito; b) fornecer, com presteza, todas as informações pedidas pelos credores interessados; c) dar extratos dos livros do devedor, que merecerão fé de ofício, a fim de servirem de fundamento nas habilitações e impugnações de créditos; d) exigir dos credores, do devedor ou seus administradores quaisquer informações; e) elaborar a relação de credores de que trata o § 2º do art. 7º desta Lei; f) consolidar o quadro-geral de credores nos termos do art. 18 desta Lei; g) requerer aojuiz convocação da assembléia-geral de credores nos casos previstos nesta Lei ou quando entender necessária sua ouvida para a tomada de decisões; h) contratar, mediante autorização judicial, profissionais ou empresas especializadas para, quando necessário, auxiliá-lo no exercício de suas funções; i) manifestar-se nos casos previstos nesta Lei; (...) III – na falência: a) avisar, pelo órgão oficial, o lugar e hora em que, diariamente, os credores terão à sua disposição os livros e documentos do falido; b) examinar a escrituração do devedor; c) relacionar os processos e assumir a representação judicial da massa falida; d) receber e abrir a correspondência dirigida ao devedor, entregando a ele o que não for assunto de interesse da massa; e) apresentar, no prazo de 40 (quarenta) dias, contado da assinatura do termo de compromisso, prorrogável por igual período, relatório sobre as causas e circunstâncias que conduziram à situação de falência, no qual apontará a responsabilidade civil e penal dos envolvidos, observado o disposto no art. 186 desta Lei; 15 f) arrecadar os bens e documentos do devedor e elaborar o auto de arrecadação, nos termos dos arts. 108 e 110 desta Lei; g) avaliar os bens arrecadados; h) contratar avaliadores, de preferência oficiais, mediante autorização judicial, para a avaliação dos bens caso entenda não ter condições técnicas para a tarefa; i) praticar os atos necessários à realização do ativo e ao pagamento dos credores; j) requerer ao juiz a venda antecipada de bens perecíveis, deterioráveis ou sujeitos a considerável desvalorização ou de conservação arriscada ou dispendiosa, nos termos do art. 113 desta Lei; l) praticar todos os atos conservatórios de direitos e ações, diligenciar a cobrança de dívidas e dar a respectiva quitação; m) remir, em benefício da massa e mediante autorização judicial, bens apenhados, penhorados ou legalmente retidos; n) representar a massa falida em juízo, contratando, se necessário, advogado, cujos honorários serão previamente ajustados e aprovados pelo Comitê de Credores; o) requerer todas as medidas e diligências que forem necessárias para o cumprimento desta Lei, a proteção da massa ou a eficiência da administração; p) apresentar ao juiz para juntada aos autos, até o 10º (décimo) dia do mês seguinte ao vencido, conta demonstrativa da administração, que especifique com clareza a receita e a despesa; q) entregar ao seu substituto todos os bens e documentos da massa em seu poder, sob pena de responsabilidade; r) prestar contas ao final do processo, quando for substituído, destituído ou renunciar ao cargo. Verifica-se pela leitura do artigo supracitado que são muitas as responsabilidades deste profissional, confirmando assim aquela ideia de protagonismo dentro do processo falimentar. Por fim, considerando o objetivo da falência, que nas palavras do ilustre magistrado e professor Amador Paes de Almeida é: A falência é um instituto jurídico que objetiva garantir os credores do devedor insolvente, assim considerado aquele cujo passivo é superior ao patrimônio, ou, por outras palavras, cujos bens são insuficientes para saldar seus débitos. (ALMEIDA, 2013, p.43) Resta esclarecer que considerando esse objetivo do processo falimentar, que visa o pagamento dos credores de forma igualitária, respeitada a ordem definida na lei, verifica-se então a presença do princípio da par conditio creditorum, ou princípio da igualdade entre os credores. Este princípio geral do Direito é aplicável ao direito falimentar e pode ser definido simplesmente como a obrigatoriedade do tratamento igualitário a todos os credores de um devedor, ressalvados aqueles casos de diferenciações justificadas por razões objetivas, definidas em lei, tais como natureza e fonte do crédito. 16 Assim sendo, verificasse claramente neste procedimento a ausência da aplicação do princípio da manutenção da empresa, diferentemente do que se vê na recuperação judicial. Já que a natureza jurídica aqui é de efetivamente uma execução coletiva, visando exclusivamente a satisfação do crédito, que como consequência, encerra e liquida a empresa falida. Não restando opções para que esta se recupere e mantenha-se no mercado. 2.3. DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL A finalidade da recuperação judicial está delimitada na própria lei, em seu artigo 47: Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. Infere-se então, que o grande objetivo de tal instituto é o de preservar a empresa, completamente diferente do processo de falência, que visa unicamente executa-la. Quando se preserva a empresa, busca-se a manutenção de empregos, da fonte produtora, bem como o desenvolvimento da atividade na região onde ela está localizada. Diante desses objetivos, criou-se este mecanismo processual para que as empresas que estivessem passando por crise econômico-financeira pudessem dele se utilizar apresentando uma ação judicial, onde o juiz analisa se a empresa cumpre os requisitos legais, e assim o fazendo, é aberta a possibilidade de que ela apresente um plano de recuperação visando superar a crise, que por sua vez, deve ser aceitado pelos credores para que possa ser executado. Os requisitos para que a recuperação judicial possa ser requerida estão expressos no artigo 48 da lei: Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente: I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; II – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial; 17 III - não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo; (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014) IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei. Outra grande diferença entre o instituto da recuperação judicial e a falência diz respeito à legitimidade ativa, ou seja, quem pode requerer a recuperação. Diferente da falência, os credores não podem ingressar com uma ação de recuperação judicial, esta é uma faculdade apenas do próprio devedor. Por fim, tal instituto é definido por Sérgio Campinho como: A recuperação judicial, segundo perfil que lhe reservou o ordenamento, apresenta-se como um somatório de providencias de ordem econômico- financeiras, econômico-produtivas, organizacionais e jurídicas, por meio das quais a capacidade produtiva de uma empresa possa, da melhor forma, ser reestruturada e aproveitada, alcançando uma rentabilidade auto-sustentável, superando, com isso, a situação de crise econômico-financeira em que se encontra seu titular – o empresário –, permitindo a manutenção da fonte produtora , do emprego e a composição dos interesses dos credores (cf. artigo 47). Nessa perspectiva, é um instituto de Direito Econômico. (CAMPINHO, 2010, p.10) Campinho afirma ainda que segundo os economistas Kraus/Gless há a necessidade de que se implemente uma forma de reestruturação para superação da crise, e que tal estratégia deveria compreender os seguintes itens: medidas operacionais visando a melhoria dos resultados e liquidez da empresa; novaorientação fundamental e estratégica; alteração estrutural fundamental, abarcando até mesmo a estrutura financeira e organizacional da empresa; e, por fim, alteração na mentalidade e cultura. (CAMPINHO, 2010, p.10) Ante esta definição, percebe-se que o instituto da recuperação judicial está intimamente ligado ao princípio da preservação da empresa, já que busca mecanismos para superar uma crise transitória que poderia eliminar a empresa em dificuldades do mercado, trazendo prejuízos à sociedade como um todo, que poderiam ser desde demissões em massa até mesmo uma redução na arrecadação tributária do próprio Estado. O procedimento de recuperação judicial tal qual é previsto na lei atualmente manteve a tradição contemplada na legislação anterior (Decreto-Lei 7.661/45, que regulava a quebra até 2005) onde era previsto o instituto da concordata. Configurando, conforme já exposto, a dicotomia de procedimentos, em que de um lado se tem a 18 falência, que visa a execução e de outro a recuperação judicial, que objetiva a reestruturação da empresa. Embora a este procedimento seja concedido por uma sentença, perante a égide do poder judiciário, não se pode dizer que deixa de ter natureza contratual, prevalecendo assim a autonomia privada da vontade das partes interessadas para alcançar a recuperação. Assim sendo, o plano de recuperação estabelecido é submetido a uma avaliação judicial, todavia esta não tem qualquer recursão sobre seu conteúdo, ficando limitada às formalidades legais do procedimento, que visam a redução das fontes de erros durante a celebração bem como permite que os credores analisem com mais transparência a fim de que seus interesses não sejam prejudicados, além é claro, de dar força executiva ao instrumento. Dessa forma, a atuação jurisdicional em momento nenhum adentra no mérito do plano. Diz-se que o objetivo principal da recuperação judicial é recuperar a empresa que esteja passando por uma crise, entretanto, cabe acrescentar que tal objetivo se materializa, pelo menos em um primeiro momento, com a aprovação por parte dos credores da proposta apresentada pelo devedor. Dessa forma, verifica-se que a natureza de transitoriedade e a possibilidade de superação da crise enfrentada pelo devedor na verdade são assim definidas de acordo com a vontade dos credores, limitando a atuação do Estado-juiz à de uma espécie de guardião da legalidade. Assim sendo, percebe-se que a natureza deste instituto é de um contrato judicial estabelecido por um plano de recuperação, que por sua vez é firmado entre o devedor e uma maioria legalmente estabelecida de credores, capaz de impor a decisão à minoria. Dessa forma, é a massa de credores a responsável pela declaração de vontade, que o faz por meio da assembleia-geral de credores, configurando assim uma relação processual única, sendo aplicável inclusive para àquela minoria de credores que porventura não estivessem de acordo com o plano apresentado. Muito se fale sobre o objetivo de preservar a empresa durante a recuperação judicial, todavia, não menos importante nesta situação é a satisfação das dívidas existentes. Assim sendo, embora o objetivo do instituto seja a recuperação, é evidente que tal recuperação se materialize com o cumprimento das obrigações por parte do devedor em conjunto com a capacidade de manter a operação da empresa. Dito isso, é notório que, assim como na falência, também se deve ser aplicado o princípio da par conditio creditorum, e que, por isso, deve haver tratamento igualitário entre os credores. Tal princípio é expressamente previsto apenas no capítulo que trata sobre 19 a falência na lei, razão pela qual durante muito tempo se discutia se era aplicável ou não à recuperação judicial. Foi então, que na II Jornada de Direito Comercial, que foi elaborado o Enunciado de nº 81 que firmou o entendimento de que é aplicável, no que couber, à recuperação judicial, o princípio da par condicio creditorum, sob a seguinte justificativa: Discute-se se a par condicio creditorum estaria restrita apenas à falência ou se também se aplicaria à recuperação judicial. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao analisar o caso em que um credor estava retendo valores pertencentes à empresa recuperanda, entendeu que "[...] a pretensão de percepção de seu crédito através de compensação, mediante a apropriação de valores decorrentes de vendas efetuadas pela empresa em recuperação judicial a seus clientes por intermédio dos cartões Hipercard, importaria em afronta o princípio da par condicio creditorum, isto é, a igualdade de tratamento entre os credores sujeitos ao favor creditício e diverso do plano de recuperação pretendido, o que é incabível". O Tribunal de Justiça de São Paulo também se manifestou no sentido de que o princípio se aplica à recuperação judicial, sendo "o postulado da par condicio creditorum a pedra angular sobre a qual se assenta qualquer tipo de processo judicial de insolvência" (AI n. 0136362-29.2011.8.26.0000). Já o Superior Tribunal de Justiça, embora não tenha se manifestado expressamente sobre o tema, inclinou-se no sentido da aplicabilidade à recuperação judicial ao inserir, na ementa do Conflito de Competência CC 68173/SP, que "[...] A decisão liminar da justiça trabalhista que determinou a indisponibilidade dos bens da empresa em recuperação judicial, assim também dos seus sócios, não pode prevalecer, sob pena de se quebrar o princípio nuclear da recuperação, que é a possibilidade de soerguimento da empresa, ferindo também o princípio da par condicio creditorum". Considerando que os enunciados das Jornadas de Direito Comercial foram elaborados com a finalidade de dirimir diversos tipos de questionamentos aceca do Direito Comercial, embora o Superior Tribunal de Justiça não tenha se manifestado de forma incisiva sobre o tema, pode-se concluir que o postulado nº 81 elucidou a questão da aplicabilidade ou não do referido princípio, incorporando o entendimento no ordenamento jurídico. 3. DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA 3.1. PRINCÍPIO E NORMA O termo princípio exprime a ideia de momento inicial ou origem, considerando seu sentido literal. Já quando se fala em termos jurídicos o sentido deste termo apresenta conceitos muito mais amplos. O nobre jurista Carlos Ari Sundfeld leciona acerca do tema o seguinte: 20 “Os princípios são as ideias centrais de um sistema, ao qual dão sentido lógico, harmonioso, racional, permitindo a compreensão de seu modo de organizar-se. Tomando como exemplo de sistema certa guarnição militar, composta de soldados, suboficiais e oficiais, com facilidade descobrimos a ideia geral que explica seu funcionamento: “o subordinados devem cumprir as determinações dos superiores”. Sem captar essa ideia é totalmente impossível entender o que se passa dentro da guarnição, a maneira como funciona. De nada adianta conhecer os nomes das varias categorias de militares envolvidos, a atividade diária de cada um deles, os veículos que usam, seu horário de trabalho etc., se não tivermos ciência do principio que organiza todos esses elementos. Assim, podemos enunciar o principio da “hierarquia” para descrever, de modo sintético, o sistema “guarnição militar”. A Enunciação dos princípios de um sistema tem, portanto, uma primeira utilidade evidente: ajudar no ato de conhecimento. O cientista, para conhecer o sistema jurídico, precisa identificar quais os princípios que o ordenam. Sem isso, jamais poderá trabalhar com o direito. “ (SUNFELD, 2000, p.143). Nesse sentido, conforme a analogia de Sundfeld exposta acima, para que se possa compreender um sistema jurídico é necessário identificar os princípios que o ordenam. Dessa forma,nota-se que para o ordenamento jurídico os princípios constituem uma base, constituindo assim as ideias fundamentais que serão responsáveis pela organização jurídica do Estado. Para Carlos Ari Sundfeld o princípio jurídico é norma de hierarquia superior à das regras, pois determina o sentido e o alcance desta, que por sua vez, não podem contrariá-lo sob pena de por em risco a globalidade do ordenamento jurídico. (SUNDFELD, 2000, p.146). Ou seja, infere-se que deve haver coerência entre as regras e os princípios. Para Paulo Bonavides “Princípios são verdades objetivas, nem sempre pertencentes ao mundo do ser, senão do dever-ser, na qualidade de normas jurídicas, dotadas de vigência, validez e obrigatoriedade.” (BONAVIDES,2001, p. 229). Já para Celso Antônio Bandeira de Mello a definição de princípio é a seguinte: “Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônica. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo” (1999, p. 46 Por fim, levando em conta a característica de observância obrigatória dos princípios dentro de um ordenamento jurídico, bem como sua superioridade sob as regras em termos hierárquicos, cabe salientar que, diferente das regras ou leis, os 21 princípios nem sempre conseguem ser tão objetivos, já que quando confrontados com situações fáticas reais dão margem para diversas interpretações. Em razão dessa característica de disposição fundamental, a utilização dos princípios no ordenamento jurídico se mostra muito mais eficaz em um momento prévio aos acontecimentos fáticos. Ou seja, os princípios devem ser observados no momento da construção das regras, ou seja, as leis. Pois sendo assim, as leis, baseadas nos ditames norteadores fundamentais dos princípios, devem ser elaboradas de forma a serem aplicadas objetivamente aos casos concretos. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é a principal norma do ordenamento jurídico brasileiro, sendo nela previstos explicita e implicitamente inúmeros princípios. Assim, ela representa um papel de norma fundamental, a qual define os princípios que guiarão o ordenamento jurídico da nação, de modo as normas infraconstitucionais dependem da congruência, no que tange à questão principiológica, com a Constituição para que tenham validade. Nesse sentido, Hans Kelsen já trazia a seguinte explicação quando tratava de ordem jurídica: “A derivação das normas de uma ordem jurídica a partir da norma fundamental dessa ordem é executada demonstrando-se que as normas particulares foram criadas em conformidade com a norma fundamental. Para a questão de por que certo ato de coerção – por exemplo, o fato de um indivíduo privar outro de liberdade colocando-o na cadeia – é um ato de coerção, a resposta é: porque ele foi prescrito por uma norma individual, por uma decisão judicial. Para a questão de por que essa norma individual é válida como parte de uma ordem jurídica definida, a resposta é: porque ela foi criada em conformidade com um estatuto criminal. Esse estatuto, finalmente, recebe sua validade da constituição, já que foi estabelecido pelo órgão competente da maneira que a constituição prescreve.” (KELSEN, 1998, p.168) Nota-se então, que os princípios são de suma importância para delimitação das diretrizes do ordenamento jurídico de uma nação, sendo obrigatória a observação destes ao se elaborar uma nova norma. No Brasil, a Constituição é repleta destes princípios norteadores, aos quais a lei deve estar adstrita. 3.2. DA SEGURANÇA JURÍDICA A hermenêutica jurídica nada mais é do que o exercício de interpretação das leis, sendo tal interpretação a busca pelo objetivo e aplicabilidade dela em sua real 22 intenção quando editada, não restrita pura e unicamente à uma interpretação literal do texto. É previsto expressamente na Constituição federal, em seu artigo 5º, XXXV, o princípio da inafastabilidade da jurisdição, conforme se vê: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; Tal princípio, também denominado de direito de ação ou cláusula de acesso à justiça, se define como um direito fundamental previsto no texto constitucional que visa garantir o direito das pessoas de que possam levar determinada lide à apreciação do poder judiciário, e este encontrará a solução adequada. Considerando o princípio citado, toda lide levada ao judiciário deve ser dirimida. Todavia, por óbvio, é impossível que existam tantas normas quantas possibilidades fáticas, razão pela qual, o juiz, não encontrando uma solução legal perfeitamente cabível ao caso que lhe for apresentado, deve sentenciar com base na analogia, costumes e os princípios gerais do direito. É o que prevê o artigo 4º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro: Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Dessa forma, verifica-se que os princípios devem ser utilizados para solucionar uma lide de forma direta apenas nos casos em que for omissa a lei, e esta por sua vez, deve ser objetiva para que possa ser aplicada no caso concreto garantindo a segurança jurídica do ordenamento. A flexibilidade proporcionada pela aplicação de princípios de forma direta na solução de questões jurídicas sofre muitas críticas na doutrina, já que a ampla margem de interpretação dos princípios se mostra como uma possibilidade de insegurança jurídica. Nesse sentido, o Doutor Cláudio Michelon leciona acerca do tema: A expressão “princípio jurídico” tem tido uma presença frequente em decisões judiciais e na doutrina brasileira. A expressão foi popularizada entre os profissionais e teóricos do direito no Brasil a partir de uma leitura direta ou, frequentemente, de autores como Ronald Dworking e Robert Alexy. 23 Ironicamente, um conceito que foi originalmente elaborado como uma forma de estabelecer critérios de racionalidade que limitam a discricionariedade judicial é comumente associado no Brasil a um instrumento que permite ao juiz mais liberdade em relação à lei e ao direito posto. De fato, os princípios são muitas vezes utilizados por tribunais e doutrinadores como uma forma de eliminar dificuldades postas por regras complexas e/ou que destoam da concepção de justiça do juiz ou escritor. (MICHELON, et al., 2011, p.261) Cláudia Toledo, em sua análise acerta do pensamento de Robert Alexy, leciona o seguinte sobre a aplicabilidade dos princípios na solução de lides perante o judiciário: No caso dos princípios, verifica-se que não se trata de aplicação da norma segundo a lógica binária com que se articulam as regras, mas segundo uma otimização gradativa do seu mandamento normativo. O fato é que, em decorrência da proibição do non liquet, toda questão levada ao Judiciário, independentemente de sua regulação em regras ou princípios, sempre foi julgada. E questões amparadas por princípios nunca foram objeto de decisão simples, isto é, nunca se tratou de um “caso fácil”. Para que se chegue à sentença, o procedimentosempre foi o mesmo, decide-se qual norma tem maior peso. Atribuir pesos diferenciados, escolhendo, de modo fundamentado, qual norma é entendida como dotada de maior peso naquele caso concreto é precisamente ponderar. Uma vez identificada essa norma (que é um princípio), ela é aplicada à situação sub judice, ou seja, é feita a subsunção do fato à norma (princípio precedente), segundo o tradicional silogismo jurídico. (TOLEDO, 2017, p.35) Conclui-se então, que os princípios são de suma importância para o ordenamento jurídico, todavia, quando aplicados diretamente a um caso concreto, dada sua natureza não binária, abrem margem para muitas interpretações, gerando um risco à segurança jurídica. Por outro lado, mostram-se um meio eficaz para dirimir uma questão em que a lei seja omissa, já que o Estado-juiz não pode deixar de apreciar as questões que lhe são apresentadas. Deste modo, os princípios servem, em um primeiro momento, para ditar as diretrizes cuja lei deve seguir. A lei, por sua vez, em regra, apresenta caráter positivo, binário, cuja aplicabilidade no caso concreto é muito mais factível, entretanto, quando esta mostra-se omissa, é possível a retomada da análise principiológica a fim de que seja dada uma solução à determinado problema que a lei não foi capaz de dar. 3.3. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA O princípio da preservação da empresa foi inserido no ordenamento jurídico pela Lei 11.101/05, e tem como principal objetivo a manutenção da atividade produtiva 24 no interesse dos trabalhadores, do governo e também dos credores. Assim sendo, percebe-se que a intenção do princípio é proteger a atividade empresarial, e não o interesse exclusivo do empresário. O artigo 170 da Constituição Federal, que introduz o capítulo que trata dos princípios gerais da atividade econômica, elenca os princípios aos quais é fundada a ordem econômica: Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995) Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. O princípio da preservação da empresa não está explícito na Constituição Federal de 1988 como um dos que regem a ordem econômica. Todavia, nos termos do seu artigo 3º, são objetivos fundamentais da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, da erradicação da pobreza e marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais. Sendo assim, o princípio da preservação da empresa, quando aplicado em conjunto com os princípios expressos no artigo 170 possibilitam o alcance dos objetivos fundamentais descritos no artigo 3º de forma mais completa. Razão pela qual, embora não seja um princípio constitucional expresso, não deve ser deixado de lado quando se trata de ordem econômica. Acerca deste princípio introduzido no ordenamento pela Lei de falências, Carlos Roberto Claro leciona: O propósito da nova lei é, efetivamente, apresentar mecanismos jurídicos às empresas que atravessam momentânea crise econômico-financeira, a fim de que se mantenham no mercado. Com isso, empregos serão mantidos; os 25 credores poderão vislumbrar a possibilidade de receber o que lhes é devido; haverá geração de tributos e o estímulo à atividade econômica, sendo certo que em tese, a empresa poderá cumprir sua função social. Evidentemente que o principio da preservação da empresa não pode ser interpretado ao extremo. Em outras palavras, mas com igual alcance, muito embora o Estado conceda instrumentos à recuperação da entidade, não pode permitir que aquelas em situações precárias, com problemas crônicos e sem condições de soerguimento se mantenham abertas. Haverá a inequívoca necessidade de retirada do mercado daquelas empresas deficitárias e sem solução, a fim de evitar o agravamento de seus problemas puxando para mesma situação aquelas entidades saudáveis, com verdadeiro efeito dominó. A retirada do mercado se deve dar com o pedido de autofalência formulado pelo próprio devedor ou mesmo com pleito judicial formulado por credores que cumpram todas as condições exigidas pelo novo texto normativo. Portanto, preservar a empresa é preciso até mesmo pelos reflexos danosos que a falência poderá provocar. Porém, tal preservação tem limites óbvios: as entidades são recuperáveis devem ser afastadas imediatamente do segmento de mercado no qual atuam, quer por iniciativa própria (autofalência), quer mediante pedido expresso de credor, observada as formalidades legais. (CLARO, 2006, p. 248). O princípio em questão mostra sua relevância para o ordenamento na medida em que se preocupa com a preservação da empresa como forma de manutenção de empregos, arrecadação tributária, cumprimento da função social, bem como a possibilidade dos credores receberem tudo que lhes é devido. Contudo, este não apresenta caráter universal uma vez que dada a complexidade do mercado, nem toda empresa é recuperável, e nem toda crise é transitória. Dessa forma, o Estado não deve garantir meios de que empresas deficitárias e sem solução sejam preservadas. Muito pelo contrário, estas devem ser retiradas do mercado o quanto antes, inclusive, podendo esta retirada ser feita pelo pedido de falência. 3.3.1. CRISE ECONÔMICO-FINANCEIRA Quando se diz que uma empresa está em crise, isso pode significar muitas coisas diferentes. Crise econômica, financeira, e patrimonial apresentam definições diversas, muito embora umas possam desencadear as outras, o que não é, necessariamente uma regra. Considerando ainda a complexidade da economia e das relações jurídicas modernas, é possível que estes tipos de crise ocorram isoladamente. Crise econômica é aquela que diz respeito à uma retração considerável nos negócios desenvolvidos pela empresa em razão da redução da demanda, impactando assim o faturamento. Esta crise pode ser generalizada, segmentada, ou mesmo atingir unicamente uma empresa. 26 Crise financeira mostra-se presente quando a empresa não tem caixa para honrar com seus compromissos. Ou seja, a impontualidade é a exteriorização jurídica deste tipo de crise. Uma empresa pode apresentar faturamento crescente e ainda assim estar em crise financeira já que trata-se de uma crise de liquidez, e não de falta de valores efetivamente. Tal situação pode ocorrer em razão de pagamentos feitos com recebíveis de longo prazo ou mesmo por amortização de investimentos. Já a crise patrimonial é a insolvência propriamente dita. Situação em que os ativos de uma empresa não são suficientes para satisfação do passivo. Ou seja, a empresa tem menos bens em seu património do que o total de dívidas. Este tipo de crise também pode ocorrer em momentos de investimentos, razão pela qual nem sempre traduz um mal sinal para a empresa. Anteo exposto, pode-se dizer que a empresa esta diante de uma crise quando ocorre a queda no faturamento, o que acarreta a falta de liquidez, e, por fim, gera insolvência. E é este o quadro crítico que apresenta risco aos credores. Muito embora os critérios para definição das crises sejam objetivos, as expectativas acerca do ramo, da administração, ou mesmo da operação em si também podem influenciar no valor da empresa. Razão pela qual é possível se ver empresas com claros sinais de crise sendo negociadas por valores extremamente elevados. Acerca do tema, para Fábio Ulhoa Coelho: A crise fatal de uma grande empresa significa o fim de postos de trabalho, desabastecimento de produtos ou serviços, diminuição na arrecadação de impostos e, dependendo das circunstâncias, paralização de atividades satélites e problemas sérios para a economia local, regional, ou, até mesmo, nacional. Por isso, muitas vezes o direito se ocupa em criar mecanismos jurídicos e judiciais de recuperação da empresa. (COELHO, 2011, p.70) Por fim, a crise econômico-financeira a qual trata o procedimento da recuperação judicial no artigo 47 da Lei 11.101/05 se mostra transitória e superável de acordo com a vontade dos credores, já que são eles quem aprovam, ou não, o plano de recuperação. Dessa forma, a análise da crise é feita em um primeiro momento pelo próprio devedor, que, considerando-a superável elabora o plano de recuperação e apresenta aos credores. Estes, por sua vez, também fazem uma análise da crise enfrentada pela empresa devedora, para que possam decidir se aceitam ou não o plano apresentado. 27 3.4. ATUAÇÃO DO ESTADO POR MEIO DO PODER JUDICIÁRIO O poder judiciário é um dos poderes da União previsto no artigo 2º da Constituição, assim sendo, pode-se dizer que a atividade jurisdicional representa uma forma de atuação do Estado. A teoria da tripartição dos poderes de Montesquieu inspirou a organização da maioria dos Estados ocidentais, inclusive o Brasil, conforme visto no artigo citado acima. Segundo essa divisão organizacional do Estado, cada um dos poderes tem funções definidas e atuam separadamente, de forma independente entre si e harmônica, porém, mantendo as características de poder uno, indivisível e indelegável. O objetivo desta separação é evitar que o poder se concentre nas mãos de uma só pessoa, de forma que não haja abuso como o que poderia ocorrer em um Estado absolutista. A partir dessa divisão, o poder legislativo possui a função típica de legislar e fiscalizar, o executivo de administrar a coisa pública, e o judiciário, por sua vez, de julgar aplicando a lei ao caso concreto que lhe é posto em decorrência de um conflito de interesses. Segundo Miguel Reale o Estado é organização da Nação em uma unidade de poder, a fim de que a aplicação das sanções se verifique segundo uma proporção objetiva e transpessoal. Para tal fim o Estado detém o monopólio da coação no que se refere à distribuição da justiça. É por isso que alguns constitucionalistas definem o Estado como a instituição detentora da coação incondicionada. Como, porém, a coação é exercida pelos órgãos do Estado, em virtude da competência que lhes é atribuída, mais certo será dizer que o Estado, no seu todo, consoante ensinamento de Laband, tem “a competência da competência”. (REALE, 2011, p.76) O Supremo Tribunal Federal reconheceu que os magistrados se enquadram na espécie de agente político, investidos para o exercício de atribuições constitucionais, e não de servidor público embora o ingresso na carreira seja por meio de concurso de provas e títulos. Tal entendimento foi firmado no RE 228.977 conforme ementa: Recurso extraordinário. Responsabilidade objetiva. Ação reparatória de dano por ato ilícito. Ilegitimidade de parte passiva. 2. Responsabilidade exclusiva do Estado. A autoridade judiciária não tem responsabilidade civil pelos atos jurisdicionais praticados. Os magistrados enquadram-se na espécie agente político, investidos para o exercício de atribuições constitucionais, sendo dotados de plena liberdade funcional no desempenho de suas funções, com 28 prerrogativas próprias e legislação específica. 3. Ação que deveria ter sido ajuizada contra a Fazenda Estadual - responsável eventual pelos alegados danos causados pela autoridade judicial, ao exercer suas atribuições -, a qual, posteriormente, terá assegurado o direito de regresso contra o magistrado responsável, nas hipóteses de dolo ou culpa. 4. Legitimidade passiva reservada ao Estado. Ausência de responsabilidade concorrente em face dos eventuais prejuízos causados a terceiros pela autoridade julgadora no exercício de suas funções, a teor do art. 37, § 6º, da CF/88. 5. Recurso extraordinário conhecido e provido. Conclui-se então, que o Poder judiciário se mostra então como um destes órgãos do Estado dotado de competências específicas, sendo a principal delas a de julgar os conflitos de interesses que lhe são postos. E, nesse sentido, o Estado-juiz, quando nas atribuições de sua função típica, nada mais é do que o Estado materializando seu poder. 4. RELAÇÃO ENTRE A TEORIA DA MÃO INVISÍVEL E A LEI DE FALÊNCIA Adam Smith foi um importante economista do século XVIII, chegando a ser considerado por muitos o pai da economia moderna e um dos principais teóricos do liberalismo econômico. Em sua obra, defendeu que o Estado deveria intervir o mínimo possível na vida das pessoas, limitando sua atuação a apenas três questões: a justiça, a defesa nacional e as obras públicas que não fossem de interesse privado. A teoria da mão invisível foi desenvolvida por ele, em 1776 como uma forma de explicar como os indivíduos agindo em prol de seu interesse próprio regulariam as relações econômicas de uma Nação: Ao preferir fomentar a atividade do país e não de outros países ele tem em vista apenas sua própria segurança; e orientando sua atividade de tal maneira que sua produção possa ser de maior valor, visa apenas a seu próprio ganho e, neste, como em muitos outros casos, é levado como que por mão invisível a promover um objetivo que não fazia parte de suas intenções. Aliás, nem sempre é pior para a sociedade que esse objetivo não faça parte das intenções do indivíduo. Ao perseguir seus próprios interesses, o indivíduo muitas vezes promove o interesse da sociedade muito mais eficazmente do que quando tenciona realmente promovê-lo. (SMITH, 1776, p. 438) Segundo Smith quando o indivíduo investe em determinada atividade visando o lucro, ou seja, seu próprio interesse, isso gera uma cadeia de acontecimentos na sociedade que é capaz de regulá-la economicamente falando. A lei da oferta e da procura em conjunto com a busca pela satisfação de interesses pessoais dos indivíduos por si só seriam completamente capazes de regular o mercado, como se 29 houvesse uma mão invisível que os guiasse dessa forma. Dessa forma, para Smith, não há necessidade de que o Estado se preocupe em criar meios para interferir nesta relação. Independente da lógica estabelecida por este pensador, o Brasil adotou o procedimento da recuperação, regulado por uma lei, ou seja, estabelecida pelo Estado. Assim, o instituto da recuperação judicial se mostra como uma forma de intervenção do Estado na economia na medida em que uma lei busca garantir meios para recuperação da empresa, exigir 5. APLICAÇÃO NO CASO CONCRETO No dia 20 de junho de 2016 as empresas Oi S.A., Telemar Norte Leste S.A., Oi Móvel S.A., Copart 4 Participações S.A., Copart 5 Participações S.A., Portugal Telecom International Finance B.V. e Oi Brasil Holdings Coöperatief U.A., que compõem o Grupo Oi, entraram com o requerimentode recuperação judicial com base na Lei nº 11.101/2005, cujo processamento foi deferido em 29 de junho de 2016, pelo Juízo da 7ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro sob o processo nº 0203711- 65.2016.8.19.0001. Este foi um caso muito emblemático de pedido de recuperação judicial visto que além de ser um caso em que o valor total das dívidas era um dos mais altos da história, trata-se também de uma empresa do ramo de telecomunicações conhecida por inúmeras pessoas. A aprovação do plano de recuperação ocorreu em somente após 18 meses depois do deferimento do pedido pelo juiz, com inúmeros reajustes e negociações com os credores. Por fim, o plano contemplou um total de mais de R$ 64 bilhões em dívida, com 55 mil credores, dos quais além de detentores de títulos de longo prazo da empresa, haviam também entidades governamentais tais como a Agencia Nacional de Telecomunicações, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e o BNDS. No despacho de deferimento do pedido de recuperação judicial, o juiz do caso ressaltou a necessidade de preservar a empresa dada sua relevância para a sociedade tanto em termos de empregos gerados quanto de serviços prestados, além do cumprimento dos requisitos legais evidentemente: 30 Depara-se o Poder Judiciário com o pedido de recuperação judicial de um dos maiores conglomerados empresariais do mundo, com magnitude de operações em todos os Estados brasileiros, e com forte impacto social em todas as estruturas da sociedade. O GRUPO OI tem receita líquida expressiva e desempenha serviços públicos e privados inequivocamente essenciais para a população brasileira. Ademais, gera dezenas de milhares de empregos diretos e indiretos, bem como recolhe, ao Poder Público, bilhões de reais a título de tributos. As referidas peculiaridades revelam a necessidade de este Juízo exercer o seu mister constitucional de preservação da empresa, fonte de empregos e de riquezas para toda a sociedade. Afinal, ao se socorrerem do Poder Judiciário, neste momento de crise global, as requerentes pretendem superar as dificuldades, a fim de atingir os seus objetivos sociais. Para que uma recuperação seja viável, cabe ao Magistrado, além de observar o ordenamento jurídico, adotar todas as medidas necessárias ao cumprimento do dever legal de viabilizar a preservação da empresa, seja ela uma sociedade empresária de pequeno porte ou, como ocorre neste caso, um relevante grupo econômico, com ramificações internacionais, que movimenta bilhões de reais, anualmente. Feitas essas relevantes considerações, mas antes da análise dos requisitos objetivos para concessão do deferimento do pedido de processamento da recuperação judicial, necessário o enfrentamento de questões processuais preliminares, que dizem respeito à possibilidade: a) da concessão do pedido recuperacional à sociedade estrangeira e b) da formação do litisconsórcio ativo. (TJRJ, 2016, on-line) O grupo vem cumprindo o plano conforme aprovado, e o Administrador judicial nomeado junta mensalmente os relatórios de atividade informando o juízo do cumprimento das metas. A empresa vem apresentando leve melhora na sua situação econômica ao passo que está cumprindo o plano e otimizando sua receita. Razão pela qual empresas como Itaú BBA, o Bradesco BBI e o BTG Pactual, que são corretoras que também realizam análises para investimentos, deram recomendações positivas para a ação da OI S.A. recentemente, após a operadora de telecomunicações demonstrar balanços positivos. Dessa forma, verifica-se que o procedimento de recuperação judicial vem se mostrando eficaz em propiciar meios de preservar uma empresa de tamanha relevância para o mercado brasileiro. 31 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho teve a intenção de estudar a atuação do Estado, por meio do poder judiciário, nas empresas que estejam passando por situação de crise. Para tanto, foram analisadas as formas de atuação do Estado, sendo o poder judiciário um dos órgãos dotados de competência para agir em seu nome. Dessa forma, verificou- se que as decisões do Estado-juiz, quando na aplicação da lei aos casos concretos, nada mais são do que exteriorização do poder do Estado. Assim sendo, percebeu-se que nem sempre as leis são tão objetivas, motivo pelo qual há a necessidade de se recorrer a aplicação de princípios. Todavia, a análise destes mostra-se muito complexa, já que não apresentam a mesma objetividade das normas, abrindo margem para muitas interpretações diferentes e oferecendo risco à segurança jurídica. Diante disso, a aplicabilidade dos princípios se mostra muito mais eficaz em um momento anterior à aplicação da lei, no momento de sua criação. A Lei 11.101/2005, que regula a recuperação judicial estabelece instituiu no texto do seu artigo 48 o princípio da preservação da empresa. Tal princípio se justifica sob a ótica de que se deve preservar a fonte geradora de empregos, renda e tributos sempre que esta se mostrar em condições de se recuperar. Então, uma vez cumpridos os requisitos legais, a empresa que passa por crise econômico-financeira pode requerer sua recuperação judicial perante o poder judiciário. Apenas o fato deste procedimento se dar sob o âmbito judicial, já é suficiente para se dizer que há uma intervenção do Estado nesse procedimento. Todavia, cabe ressaltar, que embora o Estado-juiz esteja presente neste contexto, sua atuação se limita à analise dos requisitos legais bem como fiscalização do procedimento. Os verdadeiros protagonistas da recuperação são o devedor e os credores, já que aquele tem liberdade para propor o plano de recuperação conforme lhe convir e estes aceitam ou não. Sendo assim, existe uma liberdade na estruturação do plano de recuperação e o juiz não entra no mérito deste, limitando-se à fiscalização de seu cumprimento. Conforme o caso apresentado, a empresa devedora OI S.A. ficou em negociação com os credores por mais de um ano após a justiça deferir o seu requerimento de recuperação, confirmando a ideia de que, na verdade, o Estado, por meio do poder judiciário, atua com muito menos relevância no procedimento. Essa atuação cumpre o objetivo de segurança aos credores, bem como fiscalizar o 32 cumprimento do plano. Nesse sentido, tal procedimento vem se mostrando eficaz na medida em que a empresa vem apresentando melhoras nos resultados. Por fim, nota-se que embora ocorra uma interferência, ainda que mínima, do Estado neste procedimento, são os credores quem definem se a crise enfrentada pelo devedor apresenta caráter realmente transitório, já que são eles que decidem se aceitam ou não o plano de recuperação. Deste modo, a atuação do juiz quando do recebimento do requerimento de recuperação judicial limita-se à análise do cumprimento dos requisitos legais. Assim sendo, o princípio da preservação da empresa e o caráter de transitoriedade da crise são definidos efetivamente pelos credores. Configurando assim, o caráter contratual deste instituto embora se passe nas vias judiciais. 33 7. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e recuperação de empresa. 27. São Paulo. Saraiva. 2013. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 11. São Paulo. Malheiros Editores. 2001. BRASIL. 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