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Crítica Literária Diante da Lei de Franz Kafka

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UERJ – INSTITUTO DE LETRAS – 2017/1
Teoria da Literatura II – Prof. Nabil Araújo
Aluno(a): Júlia Apolinário Canelhas
Matrícula: 201620585411
A obra literária “Diante da Lei” de Franz Kafka foi escrita no século XX e fala sobre um homem do campo que tem o desejo de passar pelo portão da Lei, no entanto, existe um porteiro que não permite sua entrada nenhuma vez, com o argumento de que aquele momento não é o certo para isso acontecer. Apesar disso o homem continua com suas inúmeras tentativas, nenhuma com sucesso, e acaba morrendo antes de conseguir realizar seu desejo de passar pelo portão.
Na obra, os dois personagens principais são constituídos de histórias que podem – levam – levar a pensar que foram construídas em cima de pessoais reais, sobre Kafka e sua família; ou o modo como Kafka se conecta com ela. Entretanto, o homem do campo e o porteiro não podem significar nada em relação ao autor ou sua trajetória pessoal, pois não se deve fazer relação entre a estrutura do texto com a vida de quem a escreveu. Quaisquer que sejam as personalidades, as ideias e idiossincrasias de cada figura em “Diante da Lei”, nada pode ser levado ao sentido de que faz parte das personalidades, ideias e idiossincrasias do autor. Desse modo, autor e obra não se relacionam ou se misturam e devem ser totalmente separados quando há de se fazer um julgamento de literatura. Assim,
Não há nenhuma razão para crer que Próspero fale como Shakespeare: não podemos atribuir aos autores da idéias, sentimentos, visões, virtudes e vícios dos seus heróis. E isso é verdadeiro no que diz respeito não apenas aos personagens de uma peça ou de um romance mas também ao eu do poema lírico. A relação entre a vida privada e a obra não é uma simples relação de causa e efeito. (WELLEK; WARREN, 2003, p. 89, grifo do autor)
Apesar de elementos biográficos não poderem ser utilizados para o julgamento de uma obra, esses elementos podem sim existir dentro do texto literário, tendo em vista que tais informações tomam uma configuração totalmente nova e inédita dentro da estrutura do texto, mudando seu sentindo primário, muitas vezes. Assim, os aspectos que antes eram pessoais ao autor, agora fazem parte da estrutura e história da obra, e são dotados de significados que só fazem sentido se dentro do conjunto do texto. Desse modo, 
Mesmo quando uma obra de arte contém elementos que podem ser identificados com certeza como biográficos, esses elementos estarão tão reordenados e transformados que perderão todo o seu significado especificamente pessoal e tornar-se-ão simplesmente material humano e concreto, elementos integrais de uma obra. (WELLEK; WARREN, 2003, p. 90)
Por isso, “Diante da Lei” não podem nem deve ser avaliado pelos antecedentes pessoais de Franz Kafka. Não faz sentido utilizar de tais argumentos, uma vez que não contribuem nem para a forma, nem para o enredo e tampouco para a construção das personagens. “Nenhum testemunho biográfico pode mudar ou influenciar a avaliação crítica” (WELLEK; WARREN, 2003, p. 93), porque não há relação entre vida pessoal e obra, portanto, não há porque embasar um julgamento crítico literário visando esse método.
Então se a abordagem extrínseca ao texto não é a melhor forma de julgá-lo, a abordagem intrínseca ao texto é. “Diante da Lei” dispõe de uma história curta e poderosa, e de uma estrutura tipicamente narrativa não muito detalhista, o que é marca da escrita kafkiana. Os elementos intrínsecos ao texto (conteúdo e forma, principalmente) são de extrema importância para a avaliação literária e não podem ser dissociadas, pois mesmo se – até pouco – alterados, têm a capacidade de transformar a criação em uma outra, totalmente diferente. Além de não separáveis, conteúdo e forma são complementares:
Se por conteúdo entendemos as idéias e emoções comunicadas em uma obra literária, a forma incluiria todos os elementos lingüísticos pelos quais o conteúdo é expressado. Mas, se examinamos essa distinção mais atentamente, percebemos que o conteúdo implica alguns elementos da forma: por exemplo, os acontecimentos contados em um romance são parte do conteúdo, ao passo que a maneira como são ordenados em um “enredo” é parte da forma. (WELLEK; WARREN, 2003, p. 179-180)
Mais um aspecto que conta para a abordagem intrínseca é a linguagem da obra, o instrumento com o qual se constrói literatura. A linguagem é grande parte da estrutura de um texto, e por isso deve ser muito bem avaliada e levada em consideração. “Diante da Lei” utiliza de uma linguagem simples, sem muitas peripécias e isso se tornou um aspecto essencial na clareza que passa a obra. Além disso, como “[...] cada obra não só possui uma estrutura mas é estrutura” (DANZIGER; JOHNSON, 1974, p. 26, grifo do autor), se a literatura é escrita com uma ótima linguagem (como é o caso de “Diante da Lei”), sua estrutura estará à altura. Por mais este motivo, Kafka acerta em construir o texto de maneira excepcional em quesito estrutural-linguístico.
 O julgamento de uma obra deve seguir sua natureza e função, pois se foi feita para atingir tal finalidade, e realmente atingi-la no final das contas, seu trabalho foi entregue de forma bem-sucedida. Ademais, deve-se prestigiar a literatura pelo simples fato de ser o que é: literatura, e só se deve julgá-la fazendo comparações com obras que contenham semelhança funcional. Ou seja
A natureza, a função e a avaliação da literatura devem necessariamente existir em correlação íntima. O uso de uma coisa – o seu uso habitual, mais especializado ou adequado – deve ser o uso para o qual a sua natureza (ou estrutura) a designou. A sua natureza é, na potência, o que, no ato, é a sua função. Ela é o eu pode fazer; ela pode e deve fazer o que é. Devemos valorizar as coisas pelo que são e pelo que podem fazer, e avaliá-las por comparação com outras coisas de natureza e função similares. (WELLEK; WARREN, 2003, p. 325)
Além disso, a intenção do autor também não pode ser um objeto de julgamento, a não ser que essa intenção tenha sido atingida em sua totalidade. O texto necessita dar certo sozinho; sua função precisa ser executada de maneira que sua finalidade atinja o leitor, sem interferência externa, porque “Julgar um poema é como julgar um pudim ou uma máquina. Exige-se que ele funcione. Só inferimos a intenção do artesão porque seu produto funciona.” (WIMSATT; BEARDSLEY, 2002, p. 642).
Como os estudos internos visam a preocupação dos elementos de dentro do texto, vale a pena relacionar os conceitos de economia, complexidade e coerência com “Diante da Lei”, de Kafka. Primeiramente, a economia “[...] aplica-se tanto ao estilo de um escritor, no qual toda e qualquer palavra dever ser necessária para expressar por inteiro o significado ou intenção, como à estrutura geral da obra.” (DANZIGER; JOHNSON, 1974, p. 346), e a obra de Franz Kafka faz um ótimo uso dessa concepção, já que sua linguagem é demasiada econômica e fornece apenas o essencial para a compreensão do texto em sua totalidade, e nada além disso, nada sobressalente. Depois temos a complexidade e coerência, que devem ser avaliadas juntas, pelo fato de uma depender da outra para construção harmoniosa e perfeita dos elementos textuais, “[...] pois não é só a obra complicada que reconhecemos como valiosa mas aquelas obra que é, no seu todo, coerentemente complicada.” (DANZIGER; JOHNSON, 1974, p. 245). Assim, em “Diante da Lei”, pode-se observar todos os elementos (tom do narrador, personagens, história e ambientação) sendo muito bem articulados e apresentados de maneira equilibradamente coerente e complexa, não deixando margem para o que se chama de confusão, quando a complexidade de um texto supera sua coerência, obtendo assim uma obra em que o leitor não consegue atingir o entendimento do que está sendo dito.
Em suma, em “Diante da Lei” pode-se observar muitos aspectos que caracterizam uma literatura excelente, porque todos os campos abordados foram executados da melhor forma possível, alcançando o resultado final de uma obra de valor grandioso em âmbitos abrangentes. Éválido também expor que tal obra foi explorada por uma visão acadêmica, demonstrando que a literatura em questão é uma ótima escolha para finalidades tais. Por isto e tudo que foi explorado anteriormente, “Diante da Lei” pode ser considerada uma obra atemporal e enriquecedora para todos que a leem.
REFERÊNCIAS:
COSTA LIMA, Luiz (Org.). Teoria da literatura em suas fontes. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. 2 v.
DANZIGER. Marlies. K.; JOHNSON, W. S. Introdução ao estudo crítico da literatura. Trad. de Álvaro Cabral. São Paulo: Cultrix/ EdUSP, 1974.
WELLEK, René; WARREN, Austin. Teoria da literatura e metodologia dos estudos literários. Trad. de Luis Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

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