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Marina Marques Simão BEM DE FAMÍLIA: ASPECTOS DE UMA INSTITUIÇÃO FUNDAMENTAL PARA A EXISTÊNCIA DA SOCIEDADE Centro Universitário Toledo Araçatuba 2008 Marina Marques Simão BEM DE FAMÍLIA: ASPECTOS DE UMA INSTITUIÇÃO FUNDAMENTAL PARA A EXISTÊNCIA DA SOCIEDADE Trabalho de Conclusão de Curso (monografia jurídica) apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito à Banca Examinadora do Centro Universitário Toledo, sob orientação da Professora Rosângela Vecchia. Centro Universitário Toledo Araçatuba 2008 Banca Examinadora _________________________________ Professora Ms. Rosângela Vecchia _________________________________ Dr. Clinger Xavier Martins _________________________________ Drª. Érika Vilela Rodrigues Araçatuba, 22 de Setembro de 2008 "Nenhum sucesso na vida compensa o fracasso no lar". Citado por J. E. McCulloch, Home: The Savior of Civilization (1924), p.42; Conference Report, abril de 1935, p.116. Dedico o presente trabalho primeiramente a Deus, por sempre me mostrar o caminho, a minha mãe Lucy e a minha avó Marina, que fizeram tudo para que eu chegasse até aqui, aos meus irmãos Mariana e Lucas por acreditarem em mim e ao meu companheiro Luciano, pelo amor verdadeiro e pela compreensão nos momentos mais difíceis. Agradeço à professora Rosângela Vecchia por não desistir do meu trabalho, aos meus amigos Daiane, Milena, Carlos e Hélio pelo carinho e pela contribuição com esta pesquisa e a minha amiga Janaína Fagá por me ensinar o verdadeiro sentido da palavra amizade. RESUMO O trabalho se propõe a apresentar uma pesquisa sobre alguns aspectos do Instituto Bem de Família no Brasil, sem a pretensão de esgotar a matéria em si. Procura explicar sua classificação: voluntário e involuntário, o objeto, forma, valor, a impenhorabilidade e a renúncia. O tema é envolvente por demonstrar a importância do vínculo familiar para a sociedade, infelizmente, nos dias de hoje é raro encontrar uma família propriamente dita, porém o Direito, na esperança da manutenção deste instituto, trata o bem de família com excepcional proteção. A presente pesquisa poderá ser utilizada para dar início a outros trabalhos científicos acerca do assunto. O método a ser utilizado para a elaboração e desenvolvimento da matéria será a pesquisa documental e bibliográfica através de fontes: leis, doutrinas, jurisprudências, artigos, revistas e outros materiais que possam contribuir com a pesquisa. Palavras chave: Direito – Família – Mudanças – Igualdade – Bem Impenhorável – Proteção. SUMÁRIO INTRODUÇÃO................................................................................................................. 08 I. HISTÓRICO................................................................................................................... 10 1.1 Instituição do Bem de Família na Doutrina Internacional............................................. 10 1.2 Instituição do Bem de Família no Ordenamento Brasileiro.......................................... 13 II. INSTITUIÇÃO FAMILIAR........................................................................................ 18 2.1 Conceito......................................................................................................................... 18 2.2 Família Monoparental ................................................................................................... 21 2.3 União Homoafetiva ....................................................................................................... 22 III. DO BEM DE FAMÍLIA ............................................................................................ 27 3.1 Conceito......................................................................................................................... 27 3.2 Natureza Jurídica .......................................................................................................... 29 3.3 Classificação ................................................................................................................. 31 IV. BEM DE FAMÍLIA VOLUNTÁRIO........................................................................ 34 4.1 Do Instituidor ................................................................................................................ 34 4.2 Objeto ........................................................................................................................... 37 4.3 Propriedade do Bem ..................................................................................................... 41 4.4 Forma para a sua Constituição ...................................................................................... 43 4.5.Valor do Bem ................................................................................................................ 45 4.6 Efeitos e Extinção.......................................................................................................... 46 4.7 Caso Especial: Do Mútuo Para o Casamento................................................................ 48 V. BEM DE FAMÍLIA INVOLUNTÁRIO..................................................................... 50 5.1 Instituição...................................................................................................................... 50 5.2 Valor do Bem, Efeito e Extinção .................................................................................. 52 VI. RENÚNCIA................................................................................................................. 56 CONCLUSÃO.................................................................................................................... 61 REFERÊNCIAS................................................................................................................. 64 8 INTRODUÇÃO O valor da família para o ser humano não pode ser medido, a família é a base estatal, sua estrutura e estabilidade. No seio familiar, o indivíduo tem os primeiros contatos com os conceitos básicos para a vida e é nesse ambiente que se constrói a felicidade. Os entes familiares, pai, mãe, avós, irmãos, modelam o ser humano contribuindo para a formação dos que ali habitam. Esse convívio familiar torna possível o aprendizado de cada cidadão para construir uma sociedade virtuosa e é esse um dos motivos pelos quais a família é tida como a base da sociedade. Sendo assim, a família ampara o próprio Estado e este tem o dever de conferirlhe proteção, como preceitua a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, caput: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.” Nessa seara é que são instituídas as normas de proteção que se referem especificamente ao tema do presente trabalho: bem de família. O presente estudo trará as linhas gerais do citado instituto e também ao bem de família voluntário e involuntário, elucidando alguns conflitos doutrinários e jurisprudenciais, com análise de dispositivos legais, na tentativa de expor algumas questões controvertidas, para incitar futuras pesquisas mais aprofundadas sobre o tema. O bem de família está regulado no sistema jurídico nacional pela Lei 8.009 de 1990 e pelo Código Civil de 2002, resguardando o domicílio da família, no intuito de manter sólida a sua estrutura. O trabalho observa, no Capítulo I, o desenvolvimento do bem de família em outros países em uma espécie de ordem cronológica e, após isso, a introdução do mesmo no ordenamento brasileiro, bem como relatando brevemente sua evolução até os dias atuais. 9 No CapítuloII, trará o conceito de família e entidade familiar, bem como o de família monoparental e homoafetiva. O Capítulo III conceitua o bem de família na opinião de doutrinadores, tanto no Código Civil de 1916 quanto no de 2002. Expõe também a sua natureza jurídica e a sua classificação. O bem de família voluntário, regulado pelo Código Civil de 2002, bem como os requisitos para a sua constituição, sua extinção e caso especial são analisados no Capítulo IV. No Capítulo V, teremos o bem de família involuntário, descrito pela Lei 8.009 de 1990 e no último Capítulo uma discussão sobre a renúncia ao direito de impenhorabilidade Dessa forma, a nobre finalidade do presente trabalho é estudar os dispositivos legais concernentes a esse instituto no Brasil, que visam à proteção da família. 10 I. HISTÓRICO O bem de família aparece indiretamente em alguns povos antigos. Esses povos acreditavam que a casa era consagrada pela presença perpétua de seus deuses, era como um templo, uma igreja. Nela, a família possuía seu direito à propriedade assegurado por esses próprios deuses. Entretanto seu início propriamente dito no século XIX, na República do Texas, e foi introduzido pela então chamada Lei do Homestead, como veremos a seguir. Atualmente, o bem de família é um dos meios de amparo à família, assegurando um teto quase que intocável. O instituto e suas finalidades se moldam ao artigo 226, caput, da Constituição Federal de 1988, transcrito anteriormente, que pondera a família como alicerce da sociedade e merecedora de assistência privada do Estado. 1.1 Instituição do Bem de Família na Doutrina Internacional No início das civilizações, a propriedade tinha uma feição comunitária sendo que até mesmo alguns povos antigos jamais conheceram a propriedade em suas relações. Concebiam o direito de propriedade somente em relação aos seus rebanhos, mas não em relação ao solo; para outros, a terra não pertencia a ninguém e era distribuída anualmente a seus membros para o plantio, cuja colheita pertencia ao que laborava a terra. (COULANGES, 1999, p.333) Os povos da antiga Itália e Grécia, ao contrário, sempre estabeleceram propriedade privada e nem mesmo chegaram a utilizar a terra coletivamente. Em algumas 11 cidades da antiga Grécia, entretanto, eram obrigados a disponibilizar parte de sua colheita à comunidade. (COULANGES, 1999, p.334) Os primeiros sinais para o surgimento do bem de família deramse na Grécia e na Itália. Praticavam a propriedade privada com base em três eventos interligados: a religião doméstica, a família e o direito de propriedade. O tripé — religião, família e propriedade — teve relação inseparável e fundamentava o Direito de Propriedade entre os povos antigos que estabeleceram de imediato a propriedade privada. Falase aqui, evidentemente, da religião doméstica. (COULANGES, 1999, p.334) Para as antigas civilizações havia relação entre os deuses e o solo. A casa era vista como o emblema da vida sedentária, um ambiente sagrado, ela deveria permanecer no solo, no mesmo lugar para todo o sempre. A família ficava agrupada nesse lar, arraigada ao solo surgindo, seu domicílio. O lugar era propriedade de uma família inteira e seus membros e onde deveriam nascer, crescer e morrer. (COULANGES, 1999, p.335) Contudo, o instituto do bem de família foi realmente iniciado com tratamento jurídico específico no século XIX, na República do Texas, em 1839, logo que este Estado separouse do México, e antes de se coligar aos Estados Unidos da América em 1845. Em 1835, o Texas tornouse independente do México e era uma extensão enorme de terra, praticamente virgem era denominado de Big Country. Milhares de americanos e europeus afluíram para aquele novo continente. (AZEVEDO, 2002, p.24) Com a fértil condição do solo americano, desenvolveuse em pouco tempo a agricultura e o comércio e, com isso, os bancos europeus logo se instalaram. Por volta de 1830, com demasiados pedidos de empréstimos de grandes capitais e com descontrole de emissão da moeda, instaurouse uma ilusão de lucro fácil, e, com isso, o povo passou a ultrapassar os limites da realidade. Como conseqüência, houve uma grande crise entre os anos 12 de 1837 a 1839, iniciandose com a falência de um banco de renome em Nova Iorque, em 10.5.1837, que desencadeou de uma explosão no campo econômico e financeiro. Isso veio a conturbar toda a civilização americana. Para fazerse uma idéia da extensão do desastre: 959 bancos fecharam suas portas, somente no ano de 1839, e, durante a crise, entre os anos de 1837 a 1839, ocorreram 33.000 falências e uma perda de 440 milhões de dólares, ou seja, perto de dois bilhões e trezentos milhões de francos, à época. (AZEVEDO, 2002, p.24) Pouco tempo depois da separação do Texas do território mexicano (constituindose uma República independente) recebeu grande quantidade de emigrantes americanos que almejavam reconstruir seus lares ou iniciar nova vida, ante às grandes garantias que eram oferecidas pelo governo texano. Essa emigração numerosa, a qual existiu ainda quando o Texas fazia parte do México e que preocupou este Governo, continuou sem cessar, crescendo de uma forma inesperada, tanto que a população do Texas era quase totalmente formada por americanos. Em 1836, a população texana possuía menos de 70.000 habitantes e que, em 1840, ela foi a 250.000. (AZEVEDO, 2002, p.25) Em 26 de janeiro de 1839, foi promulgada a Lei do Homestead (Digest of the Laws of Texas § 3.798), neste teor: De e após a passagem desta lei, será reservado a todo cidadão ou chefe de uma família, nesta República, livre e independente do poder de um mandado de fieri facias ou outra execução, emitido por qualquer Corte de jurisdição competente, 50 acres de terra, ou um terreno na cidade, incluindo o bem de família dele ou dela, e melhorias que não excedam a 500 dólares, em valor, todo mobiliário e utensílios domésticos, provendo para que não excedam o valor de 200 dólares, todos os instrumentos (utensílios, ferramentas) de lavoura (providenciando para que não excedam a 50 dólares), todas ferramentas, aparatos e livros pertencentes ao comércio ou profissão de qualquer cidadão, cinco vacas de leite, uma junta de bois para o trabalho ou um cavalo, vinte porcos e provisões para um ano; e todas as leis ou partes delas que contradigam ou se oponham aos preceitos deste ato, são ineficazes perante ele. Que seja providenciado que a edição deste ato não interfira com os contratos entre as partes, feitos até agora. (AZEVEDO, 2002, p.25) Com isso, surgiu o homestead no Texas, regulado pela Lei de 26 de janeiro de 1839 (Homestead exemption act), sendo um terreno de características agrícolas, separado 13 do patrimônio do proprietário como uma reserva sagrada para a família. (AZEVEDO, 2001, p.01) O objetivo do diploma acima transcrito, como se pode notar, fora ater a população à propriedade rural, para o desenvolvimento da sociedade, e trouxe, ainda, a impenhorabilidade tanto dos bens domésticos móveis, como também a dos bens imóveis, limitados a um valor. Esse homestead estadual espalhouse pelo território americano, implantandose, em vários outros modificando a maneira, a limitação de área ou de valor. Entretanto, os elementos essenciais do institutopermanecem vivos na legislação americana atual, nos estados que admitem sua existência. (BUSSO, 2002, p.01) Há outras legislações que dão sustentação a existência do bem de família. Na Alemanha encontramos o HofrecAt, que se caracteriza pela indivisibilidade de certo imóvel rural, a fim de transmitirse a um dos sucessores do proprietário. Na Suíça, o Código Civil o contempla como o título de "Asilo de Família". Na França, ele existe desde 1909 sem muito sucesso. (BUSSO, 2002, p.01) Portanto, visível era que desde os primórdios a família era importante para a estabilização e o desenvolvimento do ser humano, visto que é no seio familiar que adquirimos os valores que irão nos acompanhar para sempre: honestidade, solidariedade, segurança, amor, e que nos ensinam a viver em sociedade. E mesmo com toda a evolução da sociedade, a família ainda é o seu alicerce e, por isso, o Estado passou a ter o dever de proteger a família de forma especial. 1.2. Instituição do Bem de Família no Ordenamento Brasileiro 14 O bem de família surgiu no Código Civil de 1916, embora Clóvis Bevilácqua não tenha tratado dele em seu projeto, foi inserido durante sua tramitação no Congresso Nacional. Nesta oportunidade, muito se discutiu a respeito do melhor posicionamento para o instituto do bem de família dentro da sistemática do Código sendo inserido nos artigos 70 a 73 do Código de 1916, no livro dos bens, oriundo da emenda de Feliciano Pena, em 1912, inserido na Parte Geral. Era permitida a instituição dos bens de família, ao chefe da família. (AZEVEDO, 2002, p.30) O bem de família não deveria constar na Parte Geral do citado Código: "Bem de família é relação jurídica de caráter específico e não genérico. Seu lugar apropriado seria o direito de família, já que a finalidade do instituto é a proteção da família, proporcionandolhe abrigo seguro". (MONTEIRO, 1995, p.158) Com a leitura do artigo 70 caput e Parágrafo Único Código Civil de 1916 podemos observar que a figura do marido era tida como o chefe da família e, por isso, somente ele poderia instituir o bem de família. Este se fundava na isenção de execução por dívidas que se colocava a permanência dessa isenção, enquanto os cônjuges fossem vivos seus filhos permanecessem incapazes, salvo sobre os impostos que sobreviessem sobre o imóvel. Deste modo, o bem de família só se extinguia quando estivessem mortos os cônjuges e quando a prole já tivesse atingido a maioridade. Somente aquele que, na ocasião da instituição, fosse solvente poderia instituir bem de família, porque a impenhorabilidade inerente ao bem de família poderia lesar os credores do instituidor. Portanto, era obrigatória a declaração de sua solvência, conforme artigo 71 do citado Código. Os artigos 72 e 73 garantiram a imutabilidade da destinação e determinaram que a instituição só poderia ser perpetrada por escritura pública. Contudo, o Código Civil de 15 1916 nada disse quanto aos métodos para a instituição do bem de família, mencionando apenas que deveria ser instituído por escritura pública. O Código de Processo Civil de 1939, no entanto, gerou as primeiras regras do procedimento para a instituição do bem de família e, em seguida, a Lei de Registros Públicos, Lei 6.015 de 1973 em seu capítulo IX, que apresentou o procedimento apropriado, determinando que deveria ser através de escritura pública, onde o instituidor precisava caracterizar o imóvel com as suas medidas confrontantes e declarar, solenemente, sob as penas da lei, que era solvente. Após isso, o traslado era levado ao Cartório de Registro de Imóveis a que pertencia o bem e o oficial, recebendo o título, o prenotava, e publicava um edital na Imprensa Oficial local ou, se não houvesse, na imprensa da capital do Estado ou do Território. No edital deveria conter, conforme o artigo 262, I e II da referida lei, a escritura da instituição, ou seja, o nome dos instituidores, o imóvel e o lembrete a terceiros interessados que terão 30 dias, a partir da publicação do edital, para questionar a instituição do bem de família no caso de se julgarem lesados. Decorrido prazo de 30 dias, sem que fosse apresentada alguma reclamação, o oficial transcrevia a escritura integralmente em um livro fazia a inscrição na matrícula do imóvel, arquivando um exemplar do jornal em que a publicação houver sido feita e restituía o instrumento ao apresentante, com a nota da inscrição, conforme artigo 263 da mesma lei. Caso surgisse uma impugnação, o oficial suspendia o registro, e devolvia o título ao apresentante, que poderia requerer ao juiz que inscrevesse o título, apesar da impugnação. O instituidor poderia requerer ao juiz que ordenasse o registro, sem embargo da reclamação e este, numa cognição sumária, faria esta desta deliberação irrecorrível. Se entendesse que a impugnação não tinha nenhuma base, determinaria o registro do título. Se, 16 porém, resolvesse pela procedência da mesma, ele não registrava o título, ou poderia registrar o título, advertindo o impugnante sobre o direito de lidar em ação própria pela anulação da constituição do bem de família, se entender ser uma fraude aos seus direitos de credor, consoante artigo 264 da citada lei. O juiz poderia facultar ao impugnante, o direito de executar a obrigação, incidindo a constrição sobre o bem, por ser a dívida anterior à constituição, conforme artigo 71 do Código Civil, por ser requisito essencial para a instituição do bem de família a solvência do instituidor. Conforme anteriormente citado, esse procedimento ainda vige quanto à instituição e inscrição do bem de família, porém não é muito freqüente, e alguns dos motivos são os seguintes: a) Onerosidade da sua instituição: o pagamento da escritura pública, do registro no Cartório de Registro de Imóveis, a publicação em edital, a impugnação, se houver, sugerem a contratação de um profissional competente, provavelmente um advogado e, não raramente na elaboração de uma ação judicial; b) Burocracia: escritura pública, apresentação, transcrição, impugnação, edital, procedimento judicial, podendo levar muitos anos para se atingir a finalidade a que se propôs; c) Indisponibilidade do patrimônio: muitas vezes, a venda do único imóvel pode ser o último recurso para o sustento da família, já que o bem de família fica inalienável, dependerá de um alvará judicial. Os brasileiros sempre preferiram continuar com a disponibilidade do seu imóvel à segurança dada pela lei. (SARMENTO, 2001, p.185) A Lei 8009/90 foi instituída para nomear o bem de família legal. A suposição era que esta lei havia revogado o artigo 70 do Código Civil, já que os efeitos 17 pareciam os mesmos, sem que seja necessário que o proprietário praticasse ato algum. Outros consideravam esta lei fadada à revogação, por considerála protecionista e demagógica, incompatível com regras gerais do direito patrimonial. Entretanto ela apenas instituiu uma nova modalidade de bem de família. (RODRIGUES, 2002, p.148) Atualmente existem duas modalidades para o bem de família: o voluntário, que surge com a vontade dos instituidores; e o legal, que foi inserido pela Lei 8009/90, com princípios similares àquele, contudo sem os problemas acima descritos Incidindo a constrição sobre o único imóvel do devedor, ele pode objurgar ser seuimóvel residencial e retirar a constrição, pela acima citada, que estabeleceu que o único imóvel residencial do devedor fosse impenhorável, ressalvadas algumas exceções a essa impenhorabilidade. A instituição do bem de família evoluiu no ordenamento jurídico brasileiro. Primeiramente regulamentado pelo Código Civil de 1916 e, por conseguinte, pela Lei 8.009 de 1.990 e pelo Código Civil de 2002. Foi disciplinado ainda no DecretoLei n. 3.200, de 19 de abril de 1.941 e pela Lei Federal n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e todos visam proteger o domicílio familiar, o lar de todos nós, fundamental para a sociedade. A Lei 10.406 de 2002 inseriu o instituto bem de família no Direito de Família, e não mais na Parte Geral, em seus artigos 1 711 a 1 722, subtítulo IV, Do Bem de Família. 18 II. INSTITUIÇÃO FAMILIAR Atualmente, a família está sendo considerada de forma abrangente, porém os entendimentos acerca desse assunto se mostram divergentes. Uma parte da doutrina e jurisprudência alcança o viúvo ou a viúva residindo com filhos ou sozinhos, excônjuges separados judicialmente e que possuam filhos em comum e até mesmo irmãos solteiros que vivam juntos. Outra parte defende somente o que expressamente a lei descreve como família e entidade familiar. 2.1. Conceito A família possui uma função essencialmente social e, por isso, se reveste também por necessidades sociais: garante o provimento de seus integrantes, para que eles exerçam atividades produtivas para a própria sociedade, e os educa, para que tenham moral e valores compatíveis com a cultura do ambiente em que vivem. Deste modo, podemos entender que a família é instituição forte de origem biológica, todavia com caracteres culturais e sociais. (BOCK, 1996 p.238.) Ainda com a evolução da sociedade, a família se modifica para manter a sua existência: “A família é uma entidade histórica, ancestral como a história, interligada com os rumos e desvios da história ela mesma, mutável na exata medida em que mudam as estruturas e a arquitetura da própria história através dos tempos”. (HIRONAKA, 1999, p.7) A partir da leitura do artigo 229 do Código Civil de 1916, temos a percepção de que este visava um conceito singular de família, descrevendo que apenas o 19 casamento poderia legitimar a formação da família, sendo a única maneira de legitimar os filhos comuns antes dele nascidos ou concebidos: “Criando a família legítima, o casamento legitima os filhos comuns, antes dele nascidos ou concebidos” A maioria das uniões matrimoniais nessa época tinha finalidades econômicas e, como se pode notar, as leis do tempo seguiam essa linha pensamento. Nesse sentido o foram instituídos os seguintes artigos: a) Artigo 230 estabelecimento de vínculos patrimoniais, regime de bens; b) Artigo 231, III mútua assistência, recíproco auxílio patrimonial, c) Artigo 231, IV dever de sustentar, educar e guardar os filhos. Além desses, havia também outros deveres do casamento: o dever de vida em comum no domicílio conjugal estampado no artigo 231, II, e a fidelidade recíproca, artigo 231, I. Já o artigo 183, em seus incisos XIII, XV e XVI traz impedimentos matrimoniais que têm por objetivo mais uma vez a defesa do patrimônio. Conforme o pensamento abaixo, palavras de Fustel de Coulanges, desde a época de Roma Antiga o filho nascido fora do casamento era discriminado, seus direitos não se equiparavam aos de seus irmãos: O laço de sangue isolado não constituía, para o filho, a família; eralhe necessário o laço do culto. Ora, o filho nascido de mulher não associada ao culto do esposo pela cerimônia do casamento, não podia, por si próprio, tomar parte do culto. Não tinha o direito de oferecer o repasto fúnebre, e a família não se perpetuaria por seu intermédio. (HIRONAKA, 1998, p.167 185) Pela leitura dos artigos 337 e 338 do citado Código, podemos observar que, como em Roma Antiga, somente os filhos oriundos do matrimônio eram reconhecidos pelo ordenamento jurídico, incidindo a presunção “pater is est”. O “pater is est” (Pragmatismo romano:“pater is est quem justae nuptiae demonstrant”, o pai é o marido) é uma concepção patriarcal e hierarquizada da família 20 constituída por matrimônio que produzia filhos legítimos, reavaliada na segunda metade deste século. Essa presunção não possui o rigor do passado, porém não foi revogada literalmente pelo novo Código Civil. Todavia, vem sendo impostas ressalvas, limitações, restrições, por jurisprudência renovadora. (VELOSO, 1997, p.198) Com base na leitura do texto abaixo, podemos ter uma noção do padrão de família à época do Código Civil de 1916, A hostilidade do legislador préconstitucional às interferências exógenas na estrutura familiar e a escancarada proteção do vínculo conjugal e da coesão formal da família, inda que em detrimento da realização pessoal de seus integrantes – particularmente no que se refere à mulher e aos filhos, inteiramente subjugados à figura do cônjuge varão – justificavase em benefício da paz doméstica. Por maioria de razão, a proteção dos filhos extraconjugais nunca poderia afetar a estrutura familiar, sendo compreensível, em tal perspectiva, a aversão do Código Civil à concubina. O sacrifício individual, em todas essas hipóteses, era largamente compensado, na ótica do sistema, pela preservação da célula mater da sociedade, instituição essencial à ordem pública e modelada sob o paradigma patriarcal. (TEPEDINO, 2001, p.351352) Os filhos de relações tidas fora do âmbito conjugal eram considerados ilegítimos e, por isso, não possuíam os mesmos direitos privativos dos filhos legítimos (oriundos de pais unidos pelo matrimônio) dos artigos 337 a 351. O filho ilegítimo não poderia nem ao menos residir no lar conjugal sem o consentimento de um dos cônjuges, consoante artigo 359. A única forma de legitimar a prole, era pelo casamento dos pais, de acordo com o artigo 353 do aludido Código. Com a leitura dos artigos do Capítulo, A Filiação Legítima, do antigo Código, pode observar que a função da figura paterna era basicamente o sustento. Não era dada importância para o amor, a proteção dos filhos, mas somente ao patrimônio. Todavia, com a Constituição Federal de 1988, ficou proibida qualquer forma de discriminação, inclusive em relação aos filhos considerados “ilegítimos”. Em seu artigo 1°, III instituiu como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil a 21 dignidade da pessoa humana. Com isso, a sociedade e, por conseguinte, a entidade familiar começam a ser conceituadas como comunidade afetiva de respeito e consideração mútuos e não unicamente com interesse patrimonial. No mesmo entendimento: [...] a pessoa humana, o desenvolvimento de sua personalidade, o elemento finalístico da proteção estatal, para cuja realização devem convergir todas as normas de direito positivo, em particular aquelas que disciplinam o direito de família, regulando as relações mais íntimas e intensas do indivíduo no social. (TEPEDINO, 2001, p. 205) O relacionamento familiar tornouse democrático, onde todos os integrantes têm papel a cumprir e em busca da felicidade. No âmbito familiar os indivíduos adquirem sabedoria para viver em sociedade, sendo esse convívio a melhor forma de propagar o princípio mister da Constituição: a dignidade da pessoa humana. 2.2. Família Monoparental ACarta Magna, em seu artigo 226, § 3° e § 4° com base no direito fundamental da dignidade da pessoa humana, instituiu outras entidades familiares, outras formas de criação ou legitimação da família, as quais: a união estável e a família monoparental. As famílias monoparentais estão inseridas na Constituição Federal no artigo 226, §4º, como a “comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”. Essas famílias, por vezes, se formam pela chamada “produção independente”, como forma de realização pessoal, mas na maioria dos casos por relacionamentos turbulentos em que acabam se separando, obrigando a um só dos pais, pelo 22 abandono do outro, cuidar dos filhos. Podem ocorrer também com a morte de um dos pais, entre outros acontecimentos. O Superior Tribunal de Justiça, antes mesmo da instituição do Novo Código Civil, já havia reconhecido como entidade familiar a pessoa solitária e a comunidade formada por parentes, principalmente irmãos, como nos julgados abaixo: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. LOCAÇÃO. BEM DE FAMÍLIA. MÓVEIS GUARNECEDORES DA RESIDÊNCIA. IMPENHORABILIDADE. LOCATÁRIA/EXECUTADA QUE MORA SOZINHA. ENTIDADE FAMILIAR. CARACTERIZAÇÃO. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA. LEI 8.009/90, ARTIGO 1º E CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ARTIGO 226, § 4º. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. .O conceito de entidade familiar, deduzido dos arts. 1º da Lei 8.009/90 e 226, § 4º da CF/88, agasalha, segundo a aplicação da interpretação teleológica, a pessoa que, como na hipótese, é separada e vive sozinha, devendo o manto da impenhorabilidade, dessarte, proteger os bens móveis guarnecedores de sua residência. (STJ, REsp n. 205.179SP, DJ de 07.02.2000) EXECUÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIRO. LEI Nº 8.009/90. IMPENHORABILIDADE. MORADIA DA FAMÍLIA.IRMÃOS SOLTEIROS. Os irmãos solteiros que residem no imóvel comum constituem uma entidade familiar e por isso o apartamento onde moram goza de proteção de impenhorabilidade, prevista na Lei nº 8.009/90, não podendo ser penhorado na execução de dívida assumida por um deles. (STJ, REsp n. 159.851SP, DJ de 22.06.98) As pessoas que antes não queriam ou estavam impedidos de se unir por matrimônio e, com isso, eram discriminadas por outros, podem desde então, dependendo do caso, ser legitimados pelas outras entidades. 2.3. União Homoafetiva O artigo 226 da Constituição Federal, em seu Parágrafo 3º, reconheceu a união estável entre homem e mulher, mas nada expôs quanto a união de homossexuais. O Código civil de 2002, em seu artigo 1.565, legaliza apenas a união entre homem e mulher. 23 Não se pode, então, concluir que a lei expressamente considera a união homoafetiva como entidade familiar. Contudo, o Relator, Juiz Caetano Lagrasta da 8ª Câmara de Direito Privado de São Paulo, na Apelação n.º 5525744400 de 12/03/2008 reconhece a união estável homoafetiva, sendo que os operadores do Direito devem estabelecer parâmetros em relação à união de parceiros heterossexuais, tendo como base os princípios constitucionais da igualdade e dignidade da pessoa humana. Arrazoa ainda que o Estado oferece especial proteção à Família, conforme art. 226 da CF e a analisando seu § 3°, onde se reconhece como união estável a entidade familiar constituída por homem e mulher, pela toponímia e dicção não pode ser restritiva. O juiz não deve se eximir de julgar, a pretexto de haver lacuna ou obscuridade da lei. Isso porque a própria Constituição traz princípios abertos, indeterminados e plurissignificativos, cujas normas dependem da interpretação sistematizada num contexto jurídico, sem obediência a puros critérios de lógica formal e tampouco reduzida à mera análise lingüística. Ao contrário, obedece a razões históricas com base no problematicismo e razoabilidade do processo hermenêutico. Entre várias interpretações possíveis, adotase aquela que corresponder aos valores éticos da pessoa e da convivência social. (MENDES, 2007, p.152) Não se pretende banalizar a norma do artigo 226, § 3°, da Constituição Federal, mas sim, ampliar a sua eficácia com base em outros preceitos inseridos na própria Constituição, como os princípios da dignidade e igualdade da pessoa humana. (FUGIE, 2003, p.7475) No mesmo sentido: 24 [...] os modelos convencionais afetos às minorias sociais devem ser regulados, pois embora não seja inverídico que a regulação desses modelos cerceia a liberdade dos conviventes, não é menos verdade que a falta de regulação os relega ao obscurantismo, solo fértil para cultivo da discriminação e preconceito. (TALAVERA, 2004, p.33) Ana Carla H. Matos completa: Ao lado do princípio da igualdade, está o também relevante princípio da pluralidade familiar a informar essas realidades. Talvez por isso, melhor seria denominarse – o princípio da paridade, para ser destacado o tratamento diferenciado necessário ao tratamento de realidades sociais próximas, mas diversas. A união estável, então, importa um contexto mais próximo do conteúdo da união homoafetiva tendose em vista serem ambas as realidades uniões familiares. (2007, p.148) A doutrina e a jurisprudência, como podemos observar, reconhece a união entre homossexuais (homoafetiva) como união estável e os conflitos relacionados a essa área pertencem à Vara de Família. Seguem dois julgados sobre o assunto: HOMOSSEXUAIS. UNIÃO ESTÁVEL. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. É possível o processamento e o reconhecimento de união estável entre homossexuais, ante princípios fundamentais insculpidos na Constituição Federal que vedam qualquer discriminação, inclusive quanto ao sexo, sendo descabida discriminação quanto a união homossexual e justamente agora, quando uma onda inovadora se estende pelo mundo, com reflexos acentuados em nosso país, destruindo preceitos arcaicos, modificando conceitos e impondo a serenidade cientifica da modernidade no trato das relações humanas, que as posições devem ser marcadas e amadurecidas, para que os avanços não sofram retrocesso e para que as individualidades e coletividades, possam andar seguras na tão almejada busca da felicidade, direito fundamental de todos. Sentença desconstituída para que seja instruído o feito. Apelação Provida. (TJRS, APELAÇÃO CÍVEL Nº 598362655, 8a CAMARA CÍVEL, RELATOR: DES. JOSE ATAIDES SIQUEIRA TRINDADE, JULGADO EM 01/03/2000) RELAÇÕES HOMOSSEXUAIS. COMPETÊNCIA DA VARA DE FAMÍLIA PARA JULGAMENTO DE SEPARAÇÃO EM SOCIEDADE DE FATO. A competência para julgamento de separação de sociedade de fato de casais formados por pessoas do mesmo sexo é das varas de família, conforme precedentes desta Câmara, por não ser possível qualquer discriminação por se tratar de união entre homossexuais, pois é certo que a Constituição Federal, consagrando Princípios Democráticos de Direito, proíbe discriminação de qualquer espécie, principalmente quanto a opção sexual, sendo incabível, assim, quanto a sociedade de fato homossexual. Conflito de Competência acolhido. (TJRS, CCO Nº 70000992156, 8a CAMARA CÍVEL, RELATOR: DES. JOSE ATAIDES SIQUEIRA TRINDADE, JULGADO EM 29/06/2000) 25 Até mesmo o Supremo Tribunal Federal acenou para que a questão se dirija ao Direito de Família, ao julgar a Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3300 Distrito Federal, em 03/02/2006, onde o Ministro Celso Antônio Bandeira de Mello afirmou que a união homossexualdeve ser reconhecida como uma entidade familiar e não apenas como sociedade de fato. Inúmeros projetos de lei regulamentando a questão em trâmite no Brasil merecem atenção especial, como por exemplo, o Estatuto das Famílias na Câmara Federal (Projeto de Lei n° 2285/2007), em cuja Exposição de Motivos o deputado Sérgio Barradas Carneiro argumenta que a Carta Magna não veda o relacionamento homoafetivo: O estágio cultural que a sociedade brasileira vive, encaminhase para o pleno reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar. A norma do art. 226 da Constituição é de inclusão diferentemente das normas de exclusão das Constituições pré1988 , abrigando generosamente os arranjos familiares existentes na sociedade, ainda que diferentes do modelo matrimonial. A explicitação do casamento, da união estável e da família monoparental não exclui as demais que se constituem como comunhão de vida afetiva, com finalidade de família, de modo público e contínuo. Em momento algum a Constituição veda o relacionamento de pessoas do mesmo sexo. A jurisprudência brasileira tenta preencher o vazio normativo infraconstitucional, atribuindo efeitos pessoais e familiares às relações entre essas pessoas. Ignorar essa realidade ê negar direitos às minorias, incompatível com o Estado Democrático. Tratar essas relações cuja natureza familiar salta aos olhos como meras sociedades de fato, como se as pessoas fossem sócios de uma sociedade de fins lucrativos, é violência que se perpetra contra o princípio da dignidade das pessoas humanas, consagrado no art. Io, III, da Constituição. Se esses cidadãos brasileiros trabalham, pagam impostos, contribuem para o progresso do país, é inconcebível interditarlhes direitos assegurados a todos, em razão de suas orientações sexuais. Em 07 de agosto de 2006, foi sancionada a Lei no 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que de tem por objetivo coibir a violência doméstica e familiar praticada contra a mulher. Esta lei trouxe em seu interior, especificamente em seu artigo 5°, II e Parágrafo Único, uma novidade no nosso ordenamento jurídico: Artigo 5° Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: 26 II no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; Parágrafo Único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. A sociedade deve sempre intentar para o bem da família, buscando soluções que visem o interesse e bem estar de todos, na tentativa de incluir todas as classes de pessoas: "Toda a doutrina social que visa destruir a família é má, e para mais inaplicável. Quando se decompõe uma sociedade, o que se acha como resíduo final não é o indivíduo, mas sim a família." (VICTOR HUGO apud PIZZININGA, 2008 p.01) A base da sociedade é a família e, por isso, deve estar sempre acima de tudo, visando sempre sua existência. Ante o exposto, resta demonstrado que a família, na atualidade, é unida por laços de amor que é a razão de sua existência, deixou de ser um instituto fechado e individualista passou a ser uma comunidade de afeto e consideração mútuos, base da sociedade e da dignidade da pessoa humana, é democrática e verdadeira e visa à felicidade do ser humano. 27 III. DO BEM DE FAMÍLIA O bem de família consiste em um dos caminhos para garantir um amparo à família, destinando os bens desta, tornandose seu domicílio impenhorável e inalienável estando os pais vivos e até que os filhos completem sua maioridade. No direito Brasileiro existem duas classificações, para o bem de família, conforme a constituição do referido instituto, uma na forma voluntária e outra involuntária. 3.1 Conceito O bem de família era conhecido como imóvel urbano ou rural, destinado ou consentido pelo chefe de família, por escritura pública, a ser utilizado como domicílio da sociedade doméstica, com a cláusula de impenhorabilidade. (FRANÇA, 1988, p.117) Confrontando esse conceito com o artigo 226 §5º da atual Constituição Federal, podemos observar que está desatualizado, já que o citado artigo prevê a igualdade entre o homem e a mulher na relação conjugal, não mais existindo a figura do Chefe de Família: “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.” A inalienabilidade é um meio para assegurar a habitação da família: No Bem de Família, a inalienabilidade é criada em função de um outro objetivo: assegurar a residência da família, sendo esse o objetivo principal, e a inalienabilidade um simples meio de atingilo. Tratase de um instituto originário dos Estados Unidos, destinado a assegurar um lar à família. A inalienabilidade não é um fim, senão um meio de que o legislador se serviu para assegurar a tranqüilidade da habitação da família; (...) Etimilogicamente, a palavra "Homestead" compõese de duas palavras anglosaxões: "home", de difícil tradução, cuja versão francesa é "chez soi", "em sua casa", e "stead", significando "lugar". Em linguagem jurídica 28 quer dizer, porém, uma residência de família, implicando posse efetiva, limitação de valor, impenhorável e inalienável. (LOPES, 1988, p.352353) Como vimos, a finalidade do bem de família é a proteção desta: “O bem de família tem por escopo assegurar um lar à família ou meios para o seu sustento, pondoa ao abrigo de penhoras por débitos posteriores à instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas condominiais.” (DINIZ, 2002, p.192) Para Carvalho de Mendonça o bem de família seria: “uma porção de bens definidos que a lei ampara e resguarda em benefício da família e da permanência do lar, estabelecendo a seu respeito a impenhorabilidade limitada e uma inalienabilidade relativa”. (MENDONÇA apud AZEVEDO, 2002, p.93) Como há de se notar, Carvalho de Mendonça deixa de especificar quem pode ser o instituidor do bem de família, bem como a forma de constituição do instituto e seu objeto, permitindo que nesse conceito se incluam todas as espécies de bem de família. Em sua visão os cônjuges estão em pé de igualdade, como o novo conceito constitucional. Ressalta, ainda, o caráter limitado da impenhorabilidade e inalienabilidade que incidem sobre o bem. O Código Civil de 1916 limitou os valores mobiliários ao valor do imóvel, no momento de instituição, mas podem se valorizar posteriormente, de modo a constituir, até várias vezes o valor do imóvel, sem que se abale a sua impenhorabilidade. Se o oposto ocorrer, fica autorizada a família a incrementar, mediante nova escritura pública, novos valores mobiliários ao bem de família, até o diferencial de valorização alcançado pelo imóvel. Há a restrição a um terço do patrimônio líquido para o bem de família como um todo. (AZEVEDO, 2002, p.95) Para ele o instituto deveria ser modificado oferecer às famílias que necessitam um meio de se protegerem de reveses futuros: 29 Esse reforço mobiliário é importante, não nego; todavia, a família que tem imóvel e bens mobiliários já está duplamente garantida. Entretanto, há famílias que só têm o imóvel; outras que são titulares de alguma economia, mas não têm imóvel; e outras que nada têm,a não ser os bens móveis, que guarnecessem sua residência. Para as famílias proprietárias de imóveis, tornase difícil gravar um deles, dada a impossibilidade de alienálo, para atender a dificuldade emergencial da família, o que pode levar esta a viver em ótimo imóvel sem ter a possibilidade de sustento. Portanto, nesse caso, os valores mobiliários atrelados ao imóvel dariam melhores condições de vida a poucas famílias privilegiadas com esse excesso patrimonial. Essa possibilidade, entretanto, é extremamente útil a essas famílias que terão esse reforço para poder pagar os ônus de manutenção da propriedade imóvel, como despesas de conservação, pagamento de tributos, etc. A família proprietária somente de valores mobiliários, que reside em imóvel alheio, ficou esquecida pelo legislador, pois há casos em que esses valores podem ser cadastrados e infungibilizados, como os veículos automotores e as ações ou cotas empresariais que se especificam e que constam dos livros societários. A duração desse bem de família poderia ser limitada e com cláusula somente de impenhorabilidade, para não paralisar a circulação destes bens. Aí estaria, certamente, o bem de família voluntário móvel, por mim idealizado. (AZEVEDO, 2002, p.117) Isto Posto, podemos sintetizar o conceito do bem de família como um instituto jurídico que submete um bem imóvel residencial (urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, podendo abranger valores imobiliários) a um regime especial de impenhorabilidade e inalienabilidade relativa, com o objetivo de proteger e resguardar a manutenção de um lar para a família, destacandoo e isentandoo dos riscos de uma execução por dívidas, com algumas ressalvas. 3.2. Natureza Jurídica O bem de família não é um contrato, pois contrato é o acordo de duas ou mais vontades e tem, por objetivo, regulamentar interesses das partes, visando criar modificar ou extinguir relações jurídicas, de caráter patrimonial. No bem de família não existem interesses conflitantes a serem acalmados contratualmente e a favorecida do instituto é a entidade familiar, que, por não ser sujeito de direito, não possui vontade a ser expressa, não 30 podendo ser parte num contrato, ainda que unilateral, onde também se faz necessário o acordo de vontades para a composição. (DINIZ, 2006, p.89) O bem impenhorável é a residência da família: “O bem de família é uma forma de afetação de bens a um destino especial, que é ser a residência da família”. (PEREIRA, 2004. p.557) Tal instituição não implica na transmissão do bem (a não ser que realizada por terceiro) nem a criação de um condomínio entre os membros do grupo familiar beneficiado pela proteção do bem de família, sendo que o bem de família continua sendo de propriedade do instituidor, embora atrelado a uma finalidade. Sendo que a diferença principal do bem de família e do fideicomisso é que o instituidor do bem de família possui direitos iguais aos do beneficiário, a instituição incide, por atos inter vivos, sem se sujeitar a nenhuma condição, mas não há como mantêla por mais de duas gerações. (PEREIRA, 2004. p.557) Como podemos observar, não há como confundir bem de família com transmissão ou fideicomisso, menos ainda se deve ponderar o bem de família como condomínio, uma vez que, no momento em que ele é instituído, os familiares não ostentam a qualidade de coproprietários e o instituidor não perde a propriedade do mesmo. O que ocorre é que o bem assume uma destinação específica. Irineu Antonio Pedrotti diferencia o patrimônio especial do bem de família do patrimônio de afetação especial, das fundações: [...] se trata de um patrimônio especial, que, a despeito de não sair do patrimônio do instituidor, diferenciase do restante do seu patrimônio pela sua função e pela regulamentação específica a que se sujeita. Não se confunda, no caso, patrimônio especial com patrimônio com afetação especial, como as fundações, pois estas têm personalidade jurídica por determinação legal expressa. (1995, p. 155) 31 Conforme visto anteriormente, parte de nossa doutrina, já preferia que o bem de família fosse tratado no campo de Direito de Família, porquanto que na área onde se encontrava poderiam ser estudados apenas os elementos da relação jurídica, como por exemplo, origem, sujeito, objeto, conservação, modificação e extinção de direitos. As citadas doutrinas são justificáveis porque, como vimos, o bem de família é relação jurídica de caráter específico, uma forma de afetação de bens que tem por finalidade a proteção da família, garantindolhe um asilo, um lar impenhorável. Sendo assim, a Lei 10.406/2002, que trouxe o novo Código Civil, retirou esse instituto da Parte Geral e o inseriu no referido Direito de Família. 3.3. Classificação Algumas doutrinas divergem quanto à nomenclatura das classificações do bem de família, tratando a forma voluntária, como especial ou facultativa e a forma involuntária como legal ou obrigatória. O bem de família voluntário é o bem de natureza especial, que depende da manifestação de vontade do agente, permitindo que se destine um imóvel seu para sua moradia, protegendo seu grupo familiar contra execuções por dívidas posteriores à instituição, com ressalva das execuções fiscais relativas ao próprio imóvel. Isto é, depende de manifestação de vontade e providências jurídicas especiais. Já a forma do bem de família involuntária, se aplica a todas as famílias, sem distinção e independe de iniciativa para a sua constituição. Ambos objetivam os bens móveis e imóveis. (ALVES, 2008, p.01) 32 Com a leitura do artigo 70 do Código Civil de 1916, anteriormente descrito, podemos observar que já se previa o bem de família voluntário no Livro dos Bens, em sua Parte Geral. Hoje, o bem de família voluntário, encontrase no Livro do Direito de Família, e em seu artigo 1.711 está conceituado: Artigo 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial. Parágrafo Único. O terceiro poderá igualmente instituir bem de família por testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada. Assim sendo, o Código Civil de 2002 também trata do bem de família voluntário, e mesmo sendo posterior ao Código supracitado, como podemos ver não revogou o artigo 70. Conforme visto, em seu artigo acima exposto, o atual Código dispõe que permanecem mantidas as regras da lei especial. O bem de família involuntário surgiu com o advento da Lei 8.009/90, e, com isso, o instituto do bem de família se disseminou em larga escala, já que passou a ser legal, independente do status social, e esta institui a impenhorabilidade como regra geral já em seu Artigo 1º: O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietáriose nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei. Parágrafo Único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados. Na citada lei já existia algumas exceções à regra em seu Artigo 3º: 33 Artigo 2º Excluemse da impenhorabilidade os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos. Parágrafo Único. (...) Artigo 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: I em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; II pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; III pelo credor de pensão alimentícia; IV para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; V para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; VI por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens. Porém, a Lei 8.245/91 cria uma nova restrição, acrescendo o inciso VII ao Artigo 3º da Lei supracitada, tornando penhorável o bem de família do fiador locatício: “Por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.” Portanto, existem atualmente duas classificações para bens de família: bem de família voluntário e bem de família involuntário. Este é regulamentado especificamente pela lei 8.009 de 1990 e àquele pelo atual Código Civil. 34 IV. BEM DE FAMÍLIA VOLUNTÁRIO O objetivo do bem de família é proteger o instituto da família em si não somente o direito à habitação, com isso não é qualquer pessoa que pode constituir bem de família. 4.1 Instituidor De acordo com o Artigo 70 do Código Civil de 1916 quem podia instituir o bem de família era o chefe de família: “É permitido aos chefes de família destinar um prédio para domicílio desta, com a cláusula de ficar isento de execução por dívidas, salvo as que provierem de impostos relativos ao mesmo prédio”. Porém, conforme visto anteriormente, esse artigo foi inutilizado depois da existência do artigo 226, § 5º, da Constituição Federal de 1988, que constitui a igualdade entre os cônjuges, visto que não permanece mais a figura do homem como chefe de família, tornando necessária a presença do casal: Artigo 226 (...) § 5º “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.” O artigo 1.711 do Código Civil de 2002 elucida que a instituição do bem de família compete aos cônjuges, à entidade familiar ou até mesmo a terceiros. Há concordância com o artigo 226 da Constituição Federal de 1988, pois coloca os cônjuges em condições idênticas. Este artigo ainda comina à união estável e à família monoparental a posição de entidade familiar, incuindoas no conceito de família. 35 O Parágrafo Único do citado artigo, quando permite a instituição do bem de família por terceiro via testamento ou doação em benefício da entidade familiar, sujeita como requisito essencial para o ato, a aceitação expressa dos cônjuges a serem beneficiados ou da entidade familiar. O Código de 2002 inovou sobre a legitimação para a constituição de bem de família voluntário, que trouxe essa possibilidade de instituição por terceiros. O artigo dispõe que a instituição seja feita por doação ou testamento, e será eficaz somente se houver a concordância dos cônjuges ou da entidade familiar. O artigo 547 do citado Código preceitua que o doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se sobreviver ao donatário. Quanto a isso Maria Helena Diniz afirma que a doutrina se questiona se o imóvel poderia retornar ao patrimônio do instituidor quando da extinção do bem de família voluntário. Contudo, na opinião da presente autora, uma estipulação como esta não poderia interromper a proteção conferida à família, pela impenhorabilidade do bem de família, só seria válida no caso de extinção natural do instituto. (2002, p.193) A união estável e a família monoparental já eram consideradas como entidade familiar e a união homoafetiva é equiparada a própria união estável. Deste modo, tendo por base esse entendimento, poderiam também instituir o bem de família. Em se tratando de união estável, a lei não determina a coabitação para sua formação, não obstante, a regulamentação sobre o bem de família obriga o domicílio da entidade familiar no imóvel para que se constitua em bem de família. Assim, no caso de união estável em que os conviventes não coabitem o mesmo imóvel não poderá ser instituído bem de família. Para o Relator Juiz Aloísio de Toledo César, da 3ª Câmara de São Paulo, a Lei 8.009/90 não exige que o casal seja constituído por marido e mulher, regularmente 36 casados, por autorizar a exclusão da penhora, conforme visto anteriormente, também à entidade familiar. Afirma ser pacífico o entendimento jurisprudencial no sentido de que a mulher é parte legítima para propor Embargos de Terceiros, em hipóteses como o caso abaixo, e entende que esse direito se estende também à concubina, sendo irrelevante até mesmo a circunstância de o imóvel não estar em seu nome. Com a leitura do acórdão, podemos perceber que o mencionado Relator equipara o concubinato com a união estável, em relação à impenhorabilidade dos bens de família, desde que comprovada a convivência marital. BEM DE FAMÍLIA CONCUBINA E LEGITIMAÇÃO PROCESSUAL AO PEDIDO DE EXCLUSÃO DA PENHORA – Imóvel residencial próprio de entidade familiar – Tratamento constitucional, que reconhece a união estável concubinária como entidade familiar CF, artigo 226, 3º Circunstância que legitima a concubina aos Embargos de Terceiro para excluir a penhora de imóvel residencial do casal com fundamento na Lei nº 8.009/90 Embargos de Terceiro acolhidos Decisão mantida. (1º TACIVIL 3ª Câmara; Ap.nº 531.9882São Paulo; rel. Juiz Aloísio de Toledo César; j. 14.09.1993; v.u.) ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos. ACORDAM, em Terceira Câmara do Primeiro Tribunal de Alçada Civil, por votação unânime, negar provimento ao recurso. A r. sentença julgou procedentes os presentes Embargos de Terceiro ajuizados por concubina para desconstituir penhora sobre o bem residencial do casal, com base na Lei nº 8.009/90. Apela o embargado B. para alegar que a embargante deve entrar com ação própria, no juízo competente, o que não ocorreu, e que o imóvel objeto da penhora não está em nome da embargante, razão pela qual seria parte ilegítima na presente ação. Argumenta também que cabia à embargante provar que não foi beneficiada pelo empréstimo e discorre, em bem elaborada petição, sobre direito intertemporal, ofensa ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, pedindo, ao final, a reforma da decisão. Recurso respondido e preparado. Processo em ordem. É o breve relatório. A Lei n.º 8.009/90 é peremptória, nos seus artigos 1º e 2º, ao excluir da penhora o imóvel residencial próprio do casal ou de entidade familiar. Não condicionamencionada lei que o casal seja constituído por marido e mulher, regularmente casados, até mesmo porque autoriza a exclusão da penhora também à entidade familiar. Ora, no caso dos autos, há prova inequívoca de que a embargante vive maritalmente com o codevedor desde 1974, com ele possuindo uma filha, atualmente com 14 anos de idade. Ademais, a Constituição Federal consignou avanço social que se impunha, ao dispor, no seu artigo 226, § 3º, que: "Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. Tendo em vista que a Lei nº 8.009/90 fala, expressamente, na exclusão da penhora do imóvel residencial da entidade familiar, impõese concluir que é plena sua eficácia sobre a hipótese em foco, desconstituindo a penhora que alcançou a casa onde vivem a embargante, seu marido e a filha. Como é pacífico o entendimento jurisprudencial no sentido de que a mulher é parte legítima para propor Embargos de Terceiros, em hipóteses como a presente, forçoso concluir que esse direito se estende também à concubina, sendo irrelevante a 37 circunstância de o imóvel não estar em seu nome. Enfim, não se pode considerála parte ilegítima pela circunstância, no caso irrelevante, de ser a concubina, e não a esposa em ligação regularmente constituída. A Ação de Embargos de Terceiros, portanto, é apropriada. Ainda que se receba com extremo respeito a erudita irresignação do apelante, em seu recurso, não há como provêlo, porque significaria negar vigência à Lei nº 8.009/90 e ao direito que o Estado reconheceu na Constituição Federal à união estável entre homem e mulher. Portanto, negase provimento ao recurso. Participaram do julgamento os juízes Remolo Palermo (Revisor) e Carlos Paulo Travain São Paulo, 14 de setembro de 1993. Aloísio de Toledo César Presidente e Relator. O concubino de boafé possui todos os direitos garantidos pela união estável e até mesmo os que convivem em simultaneidade familiar podem instituir o bem de família. (GOMES, 2007, p.03) Maria Helena Diniz, na obra Norma Constitucional e seus Efeitos: [...] também os contraentes não podem instituílo, porque, antes do consórcio não existe a família, a menos que já exista a convivência na união estável. Os solteiros também não podem pela mesma razão, não obstante exista jurisprudência outorgando esse direito.” Ainda segundo a professora Maria Helena Diniz “o objetivo da norma é proteger a família, não o devedor. (2003, p.183) Quanto à possibilidade de instituição de bem de família voluntário no caso de avós que, com o falecimento do filho, ficam com a guarda dos netos isso não é possível, visto que não há família no sentido jurídico, uma vez que, com o casamento dos filhos e nascimento dos netos, nasce uma nova família da qual os avós não são membros. A circunstância não muda com o óbito dos filhos, não podendo os avós fundar bem de família em prol dos netos, nem mesmo na qualidade de terceiro, pois os netos órfãos sozinhos não são família. Ao mesmo tempo, não necessariamente os avós terão a guarda dos netos, porquanto os filhos podem, por testamento, apartar os avós da tutela dos netos. (DINIZ, 2003, p.183) 4.2 Objeto 38 O objeto do bem de família foi uma das modificações básicas que o Código Civil de 2002 fixou ao instituto, já que o artigo 70 do Código Civil de 1916 dispõe apenas a propósito da proteção aos imóveis (prédio) Não se permite que o bem de família recaia sobre terreno porque este, estando nu, não serve como abrigo e proteção para o grupo familiar, idéia inerente ao instituto. (CENEVIVA, 2005. p.561) Bem de família não pode incidir sobre imóvel comercial ou industrial, prédio de lazer ou similares. (FIORANELLI, 2008, p.01) O artigo 1.712 do Código Civil de 2002 tem como objeto de bem de família o imóvel urbano ou rural, e ainda valores mobiliários, sendo que a possível renda destes será aplicada na manutenção do imóvel e no sustento da família: O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinandose em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família. Esse dispositivo delibera acerca dos objetos passíveis de serem instituídos como bem de família, decide ainda finalidade dos mesmos e bem como da eventual renda com eles auferida. No primeiro momento se refere a bens imóveis, inclusive suas pertenças e acessórios. As pertenças somente se consideram incluídas no bem de família por força da expressa disposição deste artigo, uma vez que o artigo 94 do mesmo Código preceitua que: “Os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da manifestação de vontade, ou das circunstâncias do caso”. 39 Conforme artigo 93 do mesmo Código, as pertenças são aqueles bens que se destinam de modo duradouro ao uso, serviço ou aformoseamento de outro, e não se constituem partes integrantes, por exemplo, temos o ar condicionado, quadro, piano em relação à casa. O arado e o trator serão pertenças em relação à fazenda e o rádio em relação ao carro. As pertenças, via de regra, não serão somados à coisa principal, salvo por disposição expressa das partes ou determinação legal, como é o presente caso. Pela regra geral do Direito os acessórios seguem o imóvel ainda que a lei nada diga a respeito. Essa regra foi inserida pelo artigo 59 do Código Civil de 1916: “Salvo disposição especial em contrário, a coisa acessória segue a principal.” O acessório deve seguir o bem de família principal e até mesmo as pertenças para garantir o habitat natural da família. Podemos observar a evolução do instituto, por admitir tanto os bens de raiz, destinados à morada da família, (o artigo 235 do Código Civil de 1916 impedia que os cônjuges, independente do regime de bens, alienassem, hipotecassem ou gravassem com ônus reais bens imóveis, sem consentimento do outro, por seu elevado valor econômico, significam fonte de renda à família) quanto os valores mobiliários. Dentre os valores mobiliários podemos destacar os títulos da dívida pública, ações societárias e commercial papers, com a observância de que deverão ser instituídos ao lado de um imóvel que sirva de moradia à família e, ainda, não pode ultrapassar o valor deste, à época de sua instituição: Art. 1.713 Os valores mobiliários, destinados aos fins previstos no artigo antecedente, não poderão exceder o valor do prédio instituído em bem de família, à época de sua instituição. §1° Deverão os valores mobiliários ser devidamente individualizados no instrumento de instituição do bem de família. § 2° Se se tratar de títulos nominativos, a sua instituição como bem de família deverá constar dos respectivos livros de registro. § 3° O instituidor poderá determinar que a administração dos valores mobiliários seja confiada a instituição financeira, bem como disciplinar a forma de pagamento 40 da respectiva renda aos beneficiários, caso em que a responsabilidade dos administradores obedecerá às regras do contrato de depósito. Com a leitura artigo 1.713do Código Civil de 2002, percebemos, como já dito, a determinação de que o valor do bem móvel não poderá extrapolar o valor do imóvel protegido. A limitação ao preço dos valores mobiliários referidos no caput do artigo transcrito tem por objetivo evitar abusos daqueles que pretendem instituir como bem de família rendas muito superiores àquelas que bastariam ao sustento de sua família. Não podemos esquecer que o objetivo do bem de família é a manutenção do habitat da própria família e não de prejudicar credor. Pelo Parágrafo 1º do artigo acima citado prevê a necessidade de se pormenorizar os caracteres dos valores mobiliários, obrigando a sua individualização de maneira inequívoca no próprio instrumento de instituição do bem de família. O instituidor deverá mencionar expressamente a instituição do bem de família nos livros próprios em que se encontrarem registrados os títulos nominativos, conforme o Parágrafo 2º do citado artigo, já que não serão mais facilmente alienados: Artigo 1.717: ”O prédio e os valores mobiliários, constituídos como bem da família, não podem ter destino diverso do previsto no art. 1.712 ou serem alienados sem o consentimento dos interessados e seus representantes legais, ouvido o Ministério Público.” Ainda, de acordo com o Parágrafo 3º, o instituidor poderá confiar a administração dos valores mobiliários a uma instituição financeira, que se tornará a depositária dos mesmos. Com isso, a referida instituição será tratada como mera detentora dos títulos, porque possui, em seu poder, títulos em nome de terceiro. Assim sendo, tais títulos estarão protegidos já que não integrarão o patrimônio da administradora que em caso de 41 falência, por exemplo, os títulos serão transferidos a outra administradora, nos termos do artigo 1.718 do Código Civil: Qualquer forma de liquidação da entidade administradora, a que se refere o § 3o do art. 1.713, não atingirá os valores a ela confiados, ordenando o juiz a sua transferência para outra instituição semelhante, obedecendose, no caso de falência, ao disposto sobre pedido de restituição. Por força do artigo 1.719 do Código Civil de 2002 é possível se instituir, ab initio, o bem de família sobre um imóvel e, paralelo a isto, sobre valores mobiliários que forneçam o sustento familiar e a manutenção da residência da família. Antes era possível somente a substituição de um imóvel por outro imóvel de menor valor devendose aplicar o restante em valores mobiliários, isso se pudessem demonstrar judicialmente a necessidade dessa medida. Em outras palavras o bem inicialmente instituído como bem de família era unicamente um imóvel (DINIZ, 2004, p.217) Destarte, a proteção do bem móvel está infimamente ligada à existência de um bem de família imóvel e não pode existe isoladamente, porquanto que o objetivo de sua composição é inicialmente a conservação do imóvel e sustento da família e proteção da mesma. 4.3 Propriedade do Bem O artigo 1.711 de 2002 regula a obrigação de ser proprietário do bem para poder instituílo como bem de família (deve ser patrimônio próprio do instituidor). Sendo o instituidor um terceiro, a propriedade deve ser transferida para os chefes da família, como vimos, por testamento ou doação. 42 O Código Civil de 1916 não trazia expressa a necessidade de que o instituidor do bem de família deve ser o proprietário. Porém, não há como ver essa situação de maneira diversa, visto que pelo Direito Civil somente o proprietário pode instituir ônus sobre o imóvel, ainda mais em se tratando de inalienabilidade e impenhorabilidade. No caso de instituição por terceiros deve haver outorga uxória porque haverá transferência de propriedade, por doação ou testamento, como visto. Nos demais casos não há que se falar nisso, porque o patrimônio continua com o casal e não há interferência no regime de bens. A titularidade do imóvel deve ser exclusiva do instituidor e, por isso, condômino de coisa comum pro indiviso não pode instituir bem de família sobre o bem em condomínio. Os condôminos não podem instituir o imóvel como bem de família para não prejudicar uma família e beneficiar a outra, devese resolver o condomínio primeiramente.A não ser o condômino da lei 4.591 de 1964, pois detém a unidade autônoma predeterminada na instituição condominial submetida ao regime especial de condomínio. (FIORANELLI, 2008, p.01) Vimos anteriormente que o artigo 1.712 do Código Civil de 2002 prevê expressamente que a destinação do bem de família deve ser o domicílio desta. No presente trabalho, já observamos inúmeras finalidades para o instituto bem de família, uma delas é que o imóvel deve se destinar ao abrigo da família quando esta necessitar e que a interpretação literal dos dispositivos legais pode lesar o emprego do instituto. (SANTOS, 1952, p.194197) Se o bem residencial da família está locado, por exemplo, servindo como renda para a subsistência da família, nem por isso perderá a destinação de garantia familiar. (2º TAC/SP, 10ª Câmara. Ag. 6861440/4, Relator. Juiz Soares Levada, v.u., j. 2542201) 43 A solvabilidade do instituidor é mais um dos requisitos essenciais para a instituição do bem de família voluntário. Essa solvabilidade deve existir à época da instituição, como interpretação do artigo 1.715, caput do Código Civil de 2002: “O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio.” Por este artigo, fica determinado que o bem de família será imune à execução por dívidas posteriores à sua instituição, a não ser quando se tratar de dívida advinda de tributo respeitante ao mesmo imóvel ou pagamento de taxas condominiais. Esta exceção se trata de mais uma inovação do Novo Código Civil. Aqui, o problema não se refere às dívidas precedentes à instituição, mas sim à solvabilidade. Pode haver débitos anteriores à instituição do bem de família desde que o instituidor possua patrimônio satisfatório para liquidálas no momento da constituição. Mais uma vez o legislador buscou impedir a fraude contra credores haja vista que não é este o desígnio do instituto. Logo, não será válido o ato de instituição se ficar comprovada a insolvência do proprietário em relação a dívidas anteriores ao bem de família voluntário. A instituição será anulada e a execução da dívida poderá atingir o imóvel sem nenhuma ressalva. Clóvis Beviláqua, em obra anterior ao Novo Código Civil, afirma: “O bem deve estar totalmente desonerado no momento da instituição, não cabendo, portanto, instituição de bem de família sobre imóvel hipotecado.” (1956, p.159) Nesse sentido: Não existe impedimento à instituição do bem de família sobre imóvel hipotecado, pois neste caso existe uma dívida anterior à instituição, só que afiançada pela hipoteca, e, caso comprovada a insolvabilidade do instituidor ao tempo da instituição do bem de família, o imóvel será atingido igualmente pela execução. (AZEVEDO, 2002. p.103) 44 Por conseguinte, há a obrigação de ser proprietário do bem, destinação do bem de família, para poder instituílo como bem de família, já que, pelo Direito Civil somente o proprietário pode instituir ônus
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