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0 SERVIÇO SOCIAL _________________________________________________________ ANDRESSA ELISA MARTOS ANTUNES DE LIMA EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA: ACESSO AO ENSINO SUPERIOR OU REGRESSÃO DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM? ________________________________________________________ TOLEDO – PR 2012 1 ANDRESSA ELISA MARTOS ANTUNES DE LIMA EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA: ACESSO AO ENSINO SUPERIOR OU REGRESSÃO DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM? Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado ao Curso de Serviço Social, Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social. Orientadora: Profa. Ms. India Nara Smaha TOLEDO-PR 2012 2 ANDRESSA ELISA MARTOS ANTUNES DE LIMA EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA: ACESSO AO ENSINO SUPERIOR OU REGRESSÃO DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM? Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado ao Curso de Serviço Social, Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social. BANCA EXAMINADORA ____________________________________________ Profa. Ms. India Nara Smaha Universidade Estadual do Oeste do Paraná ____________________________________________ Profa. Dra. Esther Luíza de Souza Lemos Universidade Estadual do Oeste do Paraná ____________________________________________ Profa. Dra. Zelimar Soares Bidarra Universidade Estadual do Oeste do Paraná Toledo, 30 de novembro de 2012. 3 A todos os sujeitos que lutam por uma educação que emancipe o homem enquanto ser humano genérico... E, especialmente, aos profissionais do Serviço Social que participaram como sujeitos desta pesquisa. 4 AGRADECIMENTOS Entendendo que não estamos sozinhos neste processo contínuo de construção, vale prestar alguns agradecimentos, sinceros e indispensáveis, para as pessoas que estiveram presentes, seja material ou espiritual, junto a mim. Mesmo querendo demonstrar muito além do meu “Muito Obrigada.” É obvio que eu não estaria aqui se não fossem os grandes pilares de minha existência, meus pais, Elisabete e André, cada qual com seu peculiar jeito de amar, dispensando forças sobre mim para que a persistência continue viva. Toda palavra, todo gesto é pouco para expressar tudo o que vocês representam para mim. Meus agradecimentos serão sempre eternos a vocês. Eu amo vocês, amo mesmo e com todo coração. Existem pessoas que cruzam nosso caminho e conseguem transformar toda a essência da vida, de uma forma que muitas vezes elas nem imaginam. Por isso agradeço ao meu esposo, Ironi Junior, que para além de todo suporte, de toda base, no meu processo de formação profissional, me ensinou a enxergar o que a vida cotidiana não nos mostra, a beleza da vida, o saber viver. Seu companheirismo, respeito, sinceridade e amor não me deixam desistir. Amo você e muito obrigada por acreditar na minha capacidade. À Andréia, minha amiga, companheira, muito obrigada por todo apoio e preocupação. Obrigada a Dona Maria e ao Sr. Toninho. À Lúcia, minha sogrinha e a Rafaella (biscoito). Agradeço a todos vocês, por toda palavra amiga, todo gesto de carinho e amizade. Ao meu avô, Pedro (in memorian) e a minha avó Olívia (in memorian), grandes exemplos de vida, muito obrigada por toda força. À minha avó Cida, linda Barbie, a senhora nunca me deixa esquecer que estudar só irá me enriquecer enquanto pessoa, obrigada! Minha galera, minhas amigas que conheci nesse percurso. Thaís Scane, minha grande amiga que virou mulher, mãe, persistente, batalhadora e pessoa que sempre terá minha admiração. Mabile Cazela, amiga irmã, fico muito feliz quando as pessoas nos confundem (risos), muito obrigada por toda força, você conquistou um lugar no meu coração e pensamento pra sempre! Ivonete Pereira, tenho muito orgulho e admiração por você, mulher forte, inteligente, com grande sabedoria, você é um exemplo de vida para mim. Jéssica Renata, alegria em pessoa, seu sorriso me contagia, é sempre muito bom estar em sua companhia, Jéssica linda! Alessandra Lunkes, amiga querida, sempre prestativa comigo, muito obrigada por tudo. Patrícia Borille, amiga guerreira, atenciosa, admiro sua luta, muito obrigada sempre. À Viviane Freitas, Graciella, Sandra. Vocês todas não vão mais se livrar de 5 mim (risos)! Cada uma de vocês me ensinou algo especial e que vou levar pra sempre. Muito Obrigada. À minha supervisora de estágio Cidinha, saiba que aprendi muito com você, sua supervisão foi central no meu processo de formação, muito obrigada. Ao Ederson e a Carla, Assistentes Sociais que contribuíram com orientações e supervisões de atividades de forma extremamente significante no meu estágio. À Silvana, psicóloga do CRAS. Obrigada de coração! Aos professores do Curso de Serviço Social da Unioeste, em especial a minha orientadora de TCC e supervisora de estágio, India Nara Smaha. É India, muito além de professora, você foi meu grande exemplo, onde busquei espelhar-me em sua garra, força e entusiasmo. Soube me orientar de forma objetiva, construtiva e compreensiva. Muito da minha formação profissional devo a você, por todo seu conhecimento passado e também, por todo seu exemplo vivo de competência e ética profissional. Muito Obrigada India, mesmo sabendo que você mereça muito mais que um singelo agradecimento, mas este é de coração, verdadeiro e repleto de sinceridade. Sem você com certeza eu não teria conseguido! Agradeço aos meus grandes amigos: Aline, Adeilton, Neiva, Priscila e Douglas. Presentes em minha vida muito antes deste momento, sempre companheiros. Adoro todos vocês, muito obrigada por contribuírem com mais esta etapa concluída. Todas as vezes que vocês me mostraram que é bom dar uma espairecida fez muito bem a minha saúde e a auto- estima. Para finalizar, agradeço ao meu maior companheiro de todo esse período, desde que nasci até este momento em que estou sentada escrevendo meus préstimos de gratidão, sentindo ainda mais forte a certeza que estará sempre comigo. Deus, Pai. Nos momentos de angustias é ao Senhor que recorro para amenizar minha dor, nos momentos de alegria – como este – é ao Senhor que agradeço. Nunca tive tanta certeza de o quanto o Senhor me ama e cuida de mim, por isso confio tanto em Ti. Muito Obrigada! 6 “[...] mas sei que uma dor assim pungente não há de ser inutilmente a esperança dança na corda bamba de sombrinha em cada passo dessa linha pode se machucar azar, a esperança equilibrista sabe que o show de todo artista tem que continuar” (João Bosco e Aldir Blanc) 7 LIMA, Andressa Elisa Martos Antunes de. Educação à distância: acesso ao ensino superior ou regressão do processo de ensino e aprendizagem? Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Serviço Social). Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus Toledo-PR, 2012. RESUMO O estudo que ora apresentamos é resultado da construção deconhecimento objetivada durante todo o processo de graduação. O tema central desta pesquisa, trata da Educação à Distância (EaD) em Serviço Social, buscando responder a seguinte problemática: Quais são os conteúdos pedagógicos executados nas instituições de educação à distância que ofertam o curso de Serviço Social nos municípios de Assis Chateaubriand e Toledo-PR? Assim, nos propomos a realizar uma análise dos conteúdos apreendidos na modalidade de Educação à Distância, tendo como respaldo as Diretrizes para formação profissional em Serviço Social, ou seja, com base no projeto de formação profissional construído coletivamente pela categoria dos Assistentes Sociais. Nesse sentido, foram identificadas as legislações que dão respaldo a essa modalidade de ensino, a partir da construção histórica da educação no Brasil, bem como a apropriação do conteúdo que é ministrado nos cursos de Serviço Social na EaD. A metodologia adotada na pesquisa nos permitiu mudanças de rotas no percurso, em virtude das relações postas no contexto social e educacional. Os autores que pesquisam e discutem a educação brasileira com perspectivas críticas, nos esclarecem que a condição social e econômica, pela qual o Brasil se encontra, é base para os pontos que discutimos neste trabalho. A citar um deles: a necessidade de ensino público, gratuito, de qualidade e presencial para TODOS. De forma alguma, estamos criando aqui qualquer animosidade com os sujeitos que, por diferentes situações, realizaram a EaD, mas sim, ponderar por que esses sujeitos não têm o direito de cursar uma Universidade presencial, que vise o tripé educacional e, muito mais que isso, possam criar condições de análises críticas para além do capital. A partir deste estudo, ressaltamos a necessidade de criar bases e construir caminhos para reafirmar o projeto de formação profissional em Serviço Social, construído pela categoria dos Assistentes Sociais, no sentido de objetivar o que está posto como princípios e diretrizes, para formação profissional. Historicamente, os sujeitos sociais se encontram às margens de uma educação formal essencialmente de qualidade, uma vez que considerando a luta do Projeto Ético Político Profissional do Serviço Social pela emancipação humana, faz-se necessário a busca pela transformação radical das bases estruturais da sociedade. Nossa crítica visa explicitar como o sistema do capital condiciona os sujeitos à alienação, especialmente e quando, falaciosamente, acreditamos que a educação formal, sob a lógica mercadológica, constitui-se enquanto um direito. Palavras chave: Serviço Social; Formação Profissional e Educação à Distância. 8 LISTA DE QUADROS QUADRO 1 – Instituições que Ofertam EaD em Serviço Social no Brasil.................. 42 QUADRO 2 – Disciplinas que norteiam as discussões sobre o sistema capitalista....... 53 QUADRO 3 – Disciplinas que norteiam as discussões sobre a profissão de Serviço Social e sua gênese................................................................................. 54 QUADRO 4 – Disciplinas que norteiam as discussões sobre o eixo norteador da profissão, a “questão social”.................................................................. 55 QUADRO 5 – Disciplinas que norteiam as discussões sobre a dimensão ética da profissão.................................................................................................... 56 QUADRO 6 – Disciplinas que norteiam as discussões sobre as políticas sociais............ 56 QUADRO 7 – Disciplinas que norteiam as discussões sobre os instrumentais para intervenção do Assistente Social.............................................................. 58 9 LISTA DE SIGLAS ABEPSS Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social ABE Associação Brasileira de Educação CFESS Conselho Federal de Serviço Social CF/88 Constituição Federal de 1988 EaD Educação à Distância FIES Fundo de Financiamento Estudantil FHC Fernando Henrique Cardoso IES Instituições de Ensino Superior LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB/61 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961 LDB/96 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 MEC Ministério da Educação PDE Plano de Desenvolvimento da Educação PROUNI Programa Universidade para Todos PNE Plano Nacional de Educação TCC Trabalho de Conclusão de Curso UAB Universidade Aberta do Brasil 10 SUMÁRIO RESUMO.................................................................................................................................07 LISTA DE QUADROS...........................................................................................................08 LISTA DE SIGLAS................................................................................................................09 INTRODUÇÃO.......................................................................................................................11 1 A EDUCAÇÃO: MECANISMO DE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL...........................14 1.1 APROXIMAÇÕES SUCESSIVAS COM A EFETIVAÇÃO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL – 1930 A 1985............................................................................................................18 1.2 CONSTRUÇÃO QUE REFERENCIA A EDUCAÇÃO BRASILEIRA PÓS 1988: A EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA POSTA COMO MECANISMO DE “DEMOCRATIZAÇÃO”..........................................................................................................26 2 FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM SERVIÇO SOCIAL: AVANÇOS E RETROCESSOS.....................................................................................................................37 2.1 EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA EM SERVIÇO SOCIAL NA REGIÃO OESTE DO PARANÁ..................................................................................................................................42 2.1.1 Conteúdos da Formação Profissional em Serviço Social na Modalidade à Distância...................................................................................................................................45 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................67 REFERÊNCIAS......................................................................................................................70 APÊNDICES............................................................................................................................76 ANEXOS..................................................................................................................................95 11 INTRODUÇÃO A educação superior institucionalizada, historicamente, se legitima como condição para que se possa concorrer no sistema mercadológico posto pela sociedade vigente. Do mesmo modo, diante da qualificação para o mercado de trabalho, a educação formal configura-se enquanto mercadoria geradora de altos lucros para a burguesia (MÉSZÁROS, 2008). Enfaticamente, esse aspecto se acentua ainda mais quando posto em evidência a Educação à Distância (EaD) como meio facilitador de acesso à educação superior. A partir dos anos 1990, quando o processo de consolidação do projeto neoliberal vigora – principalmente no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), especificamente com a regulamentação da Lei n. 9394 de 1996, que dispõe sobre a nova Lei de Diretrizes e Basesda Educação Nacional (LDB) – acaba por ser efetivada uma grande inversão da educação, enquanto direito para a educação como mercadoria (PEREIRA, 2008). É importante enfatizar que o Projeto Ético Político Profissional do Serviço Social indica condições para formação profissional, visando a garantia de direitos com fundamentos teórico-práticos, que atendam a capacitação de Assistentes Sociais qualificados para responder às demandas emergentes do sistema capitalista. Nesse sentido, é priorizada a formação que contemple as dimensões: teórico-metodológicas, ético-políticas e técnico- operativas, estabelecendo uma compreensão das relações sociais, políticas e econômicas da sociedade. Para tanto, as entidades organizativas e representativas do Serviço Social, por meio dos profissionais, lutam por formação superior gratuita, universal, de qualidade, laica, presencial e referenciada, o que significa instituições que tenham ensino, pesquisa e extensão, o tripé de configuração na universidade e que caracteriza um ensino superior de qualidade, condição que proporciona aprendizagem além dos muros institucionais. É com base nessas afirmativas que apresentamos neste Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) o tema pesquisado: A educação à distância em Serviço Social. O interesse por essa pesquisa surgiu a partir das discussões realizadas pelas entidades organizativas e representativas da categoria dos Assistentes Sociais, bem como por sua repercussão nos espaços políticos e na mídia nacional. E também, a partir das discussões sobre educação, pudemos apreender alguns argumentos que Mészáros (2008) traz sobre a mercantilização, a qual está se multiplicando na sociedade e não deixa de se expressar, nos diferentes níveis educacionais. Foi por meio desses estudos e das discussões que estão expressas na sociedade, que nos propomos a responder o seguinte questionamento: Quais são os conteúdos 12 pedagógicos executados nas instituições de educação à distância que ofertam o curso de Serviço Social nos municípios de Assis Chateaubriand e Toledo-PR? Para responder a esta questão, elencamos os seguintes objetivos: analisar o conteúdo pedagógico proposto pela EaD em Serviço Social, com base nas Diretrizes Curriculares da profissão – para isso, fomos buscar nas instituições os documentos que embasam a formação acadêmica na EaD; historicizar os conteúdos teóricos relativos à educação que discutem a EaD; identificar quais são as legislações que dão suporte a implantação da EaD e; identificar onde estão e quantas são as instituições que oferecem EaD em Serviço Social no Paraná, especificamente na Região Oeste, sendo esta última o universo desta pesquisa. Para tanto, utilizamos a abordagem qualitativa, com respaldo da pesquisa exploratória. Segundo Minayo (2008), a abordagem qualitativa “[...] propicia a construção de novas abordagens, revisão e criação de novos conceitos e categorias durante a investigação.” (p. 57). A pesquisa exploratória possibilita maior aproximação com o problema identificado, uma vez que: [...] têm como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema [...] Seu planejamento é [...] bastante flexível, de modo que possibilite a consideração dos mais variados aspectos relativos ao fato estudado. Na maioria dos casos, essas pesquisas envolvem: a) levantamento bibliográfico; b) entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com problema pesquisado; e c) análise de exemplos [...]. (GIL, 1989, p. 45). Desse modo, após o levantamento bibliográfico, e o possível conhecimento apreendido sobre esse tema, que é tão rico, nos reportamos à técnica da entrevista com profissionais, assim como a utilização de legislações e documentos institucionais para respondermos ao problema desta pesquisa. Desse modo, construímos os formulários de entrevista com base nas Diretrizes Gerais propostas pela Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) de 1996. O contato com os sujeitos da pesquisa foi efetivado via email e posteriormente por telefone, pelos quais foram agendados os dias e horários das entrevistas. Primeiramente apresentamos o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (apêndice A), no qual constam os objetivos da pesquisa, assim como o compromisso ético do pesquisador com o entrevistado. Antes de iniciar a entrevista, pedimos a autorização para a utilização do gravador, objetivando resguardar com maior precisão os conteúdos expostos pelos sujeitos da pesquisa, aspecto de segurança tanto para o entrevistador quanto para os entrevistados. O formulário de entrevista (apêndice B), destinado aos Assistentes Sociais graduados na modalidade à distância, diferencia-se do formulário (apêndice C), direcionado aos Assistentes Sociais tutores da EaD, porém, todas as questões visam compreender se os 13 conteúdos pedagógicos ministrados na EaD estão de acordo com as Diretrizes Curriculares do Serviço Social. A pesquisa está pautada em bases científicas, para que de forma ética possa expressar como ocorrem as relações sociais, econômicas e políticas que permeiam o espaço da Educação à Distância. Nesse sentido, o projeto da pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Unioeste e posteriormente aprovado (anexo A). Sem pré-conceitos e sem negar informações, iremos discorrer aqui os dados coletados, a fim de possibilitar que outros pesquisadores possam usar das informações apresentadas, para novos estudos com diferentes perspectivas. Nesse sentido, a construção de uma pesquisa que se propõe desvendar como se materializa a EaD em Serviço Social, na conjuntura atual, busca contribuir primeiramente para que a profissão realize uma análise crítica em relação à esta modalidade de ensino, não subordinando-se à ideologia do capital, mas pautando-se na compreensão de educação enquanto condição humana. Ao salientar a contribuição para a profissão, entende-se o envolvimento de toda a categoria, que, segundo Netto (1999, p. 95), caracteriza-se enquanto o sujeito coletivo que é “[...] o conjunto dos intervenientes que dão efetividade a profissão [...]”, ou seja, tanto profissionais de campo, docentes, acadêmicos e toda organização que compõe o corpo da profissão de Serviço Social. É importante mencionar que, no âmbito da produção acadêmica do curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, campus de Toledo, esta pesquisa apresenta-se como uma inovação, ao passo que até o presente momento não houve a realização de um recorte específico sobre a EaD nos TCCs do Serviço Social. Para dispor desse conteúdo, iremos apresentar a síntese do estudo em dois capítulos: o primeiro trará elementos sobre a educação formal no Brasil, expressando o processo pelo qual percorreu essa política e algumas legislações que foram criadas a partir desse contexto. Nesse capítulo, também, será exposta a contextualização da EaD de forma geral, no qual apresentaremos as legislações que norteiam sua consolidação; no segundo traremos elementos da formação em Serviço Social, ressaltando a expansão dessa modalidade no interior da profissão, assim como a apresentação dos dados coletados no documento institucional, objeto de análise deste estudo, complementado com as entrevistas realizadas. 14 1 A EDUCAÇÃO: MECANISMO DE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL Para iniciarmos uma discussão, em torno da concepção de educação que sustenta o presente estudo, sentimos a necessidade de esclarecer alguns elementos de significativa importância no trato da educação formal institucionalizada1. Esses elementos correspondem a uma reflexão concernente ao ensino, especificamente ao superior, nos moldes dosistema capitalista, porquanto o Brasil, desde seus primórdios como República Federativa, nunca esteve diante de outro modelo de produção que não fosse este. De antemão, compreendemos que não há como promover uma análise da educação desagregada das conjunturas históricas em que se desenvolve o processo de ensino e aprendizagem em nosso país. Isto porque entendemos o papel central do contexto histórico nas configurações postas atualmente, tanto em relação à educação formal, quanto sobre qualquer outro assunto pertinente aos direitos conquistados. Ao estudarmos e compreendermos a conjuntura histórica, objetivando construir uma base para análise do processo da educação formal na atualidade, não foi difícil identificarmos que a classe dominante opera racionalmente para manutenção do capital, ao atribuir ao ensino o papel de constituir-se enquanto instrumento para acesso às exigências que são postas pelas relações capitalistas e mercadológicas. Não podemos pensar a educação desarticulada da sociedade na qual ela se firma, visto que estamos tratando de um dos mecanismos que corrobora para o desenvolvimento da sociedade e que está impregnada de ideologias, que tendem a garantir a manutenção do sistema vigente. Pensando a partir desses pressupostos, a fim de analisar a educação no sistema capitalista, nos reportamos ao pensador István Mészáros e em sua renomada obra intitulada A educação para além do capital, na qual considera que a educação, sustentada no modo de produção capitalista, atua como um mecanismo de interiorização de conhecimentos... Aqui a questão crucial, sob o domínio do capital, é assegurar que cada indivíduo adote como suas próprias as metas de reprodução objetivamente possíveis do sistema. [...] no sentido verdadeiramente amplo do termo educação, trata-se de uma questão de “internalização” pelos indivíduos [...] da legitimidade da posição que lhes foi atribuída na hierarquia social, juntamente com suas expectativas “adequadas” e as formas de conduta “certas”, mais ou menos explicitamente estipuladas neste terreno. (MÉSZAROS, 2008, p. 44, grifo do autor). 1Termo utilizado por Gadotti (1983). 15 Levando tais aspectos em consideração, verificamos o quão importante é a educação, sob o viés do funcionalismo e do positivismo, seja ela formal institucionalizada, ou a educação moral2, para propagação do modelo dominante, assim como para os sujeitos se adequarem às exigências da sociedade. Se isto é verdade, então por que o capital não investe mais na educação – superior, pública e gratuita –, com vistas a proporcioná-la a todos os sujeitos sociais? Segundo Gadotti (1983), o capitalismo dispõe de outros setores para conseguir maior lucratividade do que o investimento na educação e, para acentuar ainda mais a problemática da questão do não investimento da burguesia neste serviço, salientamos que: [...] a universidade, se é reivindicada por setores da burguesia média e serve para criar e difundir a ideologia dominante, ela serve também, dialeticamente, para criar a contra-ideologia. Seria mais fácil controlar a ideologia de uma universidade na qual apenas a classe dominante tivesse acesso. Por isso a burguesia cria hoje todos os obstáculos para não permitir o ensino superior aos filhos dos trabalhadores e a eles próprios. Com a democratização do ensino superior, o papel da universidade, de produção, manutenção e difusão da ideologia dominante, estaria comprometido. (GADOTTI, 1983, p. 119, grifo do autor). Do mesmo modo, percebemos que a história tende para um fator determinante ao analisarmos a condição escolar em todos os níveis: herança de exclusão da classe trabalhadora ao ensino de qualidade. Essa qualidade da educação formal institucionalizada significa “[...] consciência de direitos, consciência da exploração, significa cultura, e os regimes obscurantistas temem a cultura, têm pavor da consciência, têm pavor de que seus interesses sejam do conhecimento público.” (GADOTTI, 1983, p. 130, grifo do autor). Com base nessas argumentações, verificamos a necessidade de acentuar ainda mais a concepção de educação que embasa este estudo, salientando a compreensão em torno de que não é a escola, mais especificamente as Instituições de Ensino Superior (IES)3 que fundam a sociedade, mas sim, o processo inverso, sendo a escola e as IES reflexo do que está posto em nosso contexto social. 2Transmitida dentro do âmbito familiar, assim como pela cultura dominante via instrumentos midiáticos. 3Aos nos reportamos ao ensino superior de modo geral, utilizaremos o termo IES, ou seja, abrangendo as faculdades, os centros de ensino superior, assim como as universidades. Isto, apesar de considerarmos a dinâmica universitária, configurada a partir da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, fundamental para o processo qualitativo do ensino e aprendizagem. É importante ressaltar que após a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, “[...] a universidade deixa de ser a organização preferencial para a oferta do ensino superior [...]” (SANTOS; JIMENEZ; SEGUNDO; 2010, p. 110), quando entram em cena as Instituições de Ensino Superior (IES), as quais podem ser públicas ou privadas, não precisando, necessariamente, contemplar a dinâmica universitária, ensino, pesquisa e extensão. As IES devem, apenas, ofertar um ensino superior com qualidade. (Idem, Ibidem, grifo nosso). 16 A concepção delineada aqui corresponde à educação em sua totalidade e não especificamente do ensino superior, visto que não podemos desvincular os três primeiros níveis de ensino, quando atribuímos à educação formal a relevância de direito social. A educação formal é um processo que engloba ensino fundamental, médio e superior, ao passo que a garantia plena de acesso qualitativo a esse direito, corresponde aos três níveis citados. No entanto, como o foco deste estudo visa uma reflexão em torno da EaD em Serviço Social, para análise da formação profissional, torna-se de grande valia nos reportarmos ao terceiro grau como um todo. Partindo desse pressuposto, Mészáros (2008) nos instiga a refletir sobre o papel destinado à educação, uma vez que, invariavelmente, ela é vinculada pelos governantes, que anseiam alcançar as metas postas pelas agências internacionais4, ao processo de produção e reprodução da ideologia capitalista. Pensar a educação desarticulada desse contexto implica demasiada cautela, a fim de não cairmos nas concepções deterministas e unilaterais, que consideram somente um fator como suficiente para responder a totalidade do objeto de estudo. Em outros termos, as configurações do âmbito educacional não podem ser analisadas fora do contexto macroeconômico e social. A educação institucionalizada, especialmente nos últimos 150 anos, serviu – no seu todo – ao propósito de não só fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à máquina produtiva em expansão do sistema do capital, como também gerar e transmitir um quadro de valores que legitimam os interesses dominantes. (MÉSZÁROS, 2008, p. 35, grifo do autor). Nessa mesma linha de raciocínio, afirmamos que, se a educação possui o papel de internalizar conhecimentos, crenças e valores na consciência dos sujeitos e sendo a ideologia dominante a do sistema capitalista, então, na grande maioria das vezes, o conhecimento infiltrado no subconsciente humano é o de manutenção e desenvolvimento desse modelo. Tendo como base as ponderações de Mészáros (2008), constatamos que existe uma tendência de relacionar a educação ao trabalho5, por isso, ao analisarmos um desses elementos– a educação ou o trabalho – não podemos fazê-lo de maneira fragmentada. 4A educação institucionalizada brasileira sempre esteve condicionada a adequar-se aos modelos internacionais de estrutura educacional. Assim, quando nos referirmos as agências internacionais, também podemos denominar de organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM) e o Banco Interamericano para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). 5Compreendemos o trabalho como a protogênese humana, uma vez que apenas por meio deste o homem genérico tornou-se ser social, desenvolvendo sua consciência, linguagem e criando uma sociabilidade ao seu redor, na qual, por meio da construção de meios de produção, transformam a matéria prima, com vistas a satisfazer suas necessidades e recriando novas necessidades. É pelo fato da educação configurar-se como um instrumento de apropriação dos conhecimentos cotidianos, que ela não pode ser desvinculada dos processos de 17 A partir dos aspectos elucidados é que compreendemos a educação enquanto processo de aprendizagem, transpassando as “muralhas” da educação institucionalizada e caracterizando-se como o processo de existência, ou se preferir, o processo da vida, desde o nascimento até a morte. (PARACELSO, apud MÉSZÁROS, 2008). Em outras palavras, a educação, sob a perspectiva crítica e dialética, que buscamos dar visibilidade e ênfase neste trabalho, é elemento intrínseco do processo de desenvolvimento da consciência crítica, da linguagem, da sociabilidade, do agir eticamente e, da possibilidade de escolha consciente entre alternativas, caracterizando-se enquanto um instrumento passível de tais potencialidades, específicas apenas do ser humano. Por isso mesmo é que a educação deve ser concebida como condição humana, possuindo o papel central no processo de humanização e, assim, configurando-se como riqueza humana6, pois a partir do momento que se tem acesso a ela, não é possível retirá-la do subconsciente de quem a apropriou. Porém, No contexto da alienação, a riqueza humana não é apropriada pela totalidade dos indivíduos; na ordem capitalista, a coexistência entre a miséria e a pobreza (material e espiritual) é pressuposto fundamental para a (re)produção do sistema, donde o processo de coexistência contraditória, de tensão permanente e não linear, de afirmação e negação das capacidades éticas do ser social. (BARROCO, 2009, p. 171). Tendo como base essas argumentações, reafirmamos que na lógica do sistema vigente, não será possível a universalização da educação enquanto um direito social e condição humana. Isto porque, para que a ordem estabelecida prospere, faz-se necessário o controle estratégico e ideológico sob os sujeitos, no qual a concessão ou destituição do exercício da cidadania7 é parte inerente do processo de reprodução capitalista. As relações sociais fazem parte da totalidade social, na qual a transformação da dinâmica de determinado aspecto da sociedade, como por exemplo, a dinâmica educacional, trabalho, pois leva a ele. Fundamentando-se em Tonet (2005, p. 471), “[...] o trabalho é considerado o ato fundante do ser social, porque é por meio dele que se dá o salto do ser natural ao ser social e são produzidos os bens materiais necessários á vida humana. Além disso, o trabalho é a mediação através da qual o homem transforma a natureza, adequando-a aos seus fins e, ao mesmo tempo, se constrói a si próprio.” Contudo, não podemos nos esquecer do trabalho reprodutivo, ou nas palavras de Braz e Netto (2007), trabalho improdutivo, essencial para a sociedade, pois é ele que subsidia a produção. 6Como riqueza humana, entendemos ser a “[...] totalidade das objetivações genéricas [...] produzidas pela humanidade ao longo de seu desenvolvimento histórico, representando conquistas no sentido de ampliação da sociabilidade, da consciência, da liberdade e da universalidade do gênero [...].” (BARROCO, 2009, p. 171). 7Com base nos estudos de Tonet (2005), entendemos que a categoria cidadania está imbricada com a constituição da sociedade capitalista. Dessa forma, o exercício da cidadania não significa, necessariamente, conseguir a superação do sistema capitalista, mas sim ter a consciência dos direitos, da liberdade, dos problemas sociais de modo a refleti-los criticamente, ou seja, emancipar-se politicamente, sendo cidadão e vivendo em democracia. O ideal seria o alcance da emancipação humana, que “[...] representa o espaço onde os homens podem ser efetivamente livres, onde eles podem realizar amplamente as suas potencialidades e onde podem, de fato, ser senhores do seu destino.” (TONET, 2005, p. 482). 18 implica na transformação do projeto societário de forma geral, isto para que realmente seja qualitativa e tida como uma mudança e não meramente uma reforma. Nas palavras de Mészáros (2008, p. 25), “[...] os processos educacionais e os processos sociais mais abrangentes estão intimamente ligados [...]”, assim, é inviável e praticamente impossível, promover transformações reais e concretas no âmbito educacional, sem pensar em modificar substancialmente o aparelho produtivo capitalista. A subordinação da educação aos interesses mercantis é posta como algo legítimo no sistema capitalista, no qual de forma inconsciente, os indivíduos estão submetidos a aceitar a divisão de classes como fator natural e incontrolável ou, por meio da educação, idealizam alcançar a condição de classe dominante, afirmando o fetiche do diploma. Nesse sentido, é mediante a educação que os sujeitos sociais buscam adequar-se ao meio no qual estão inseridos, sendo utilizada também como instrumento primordial para formação dos sujeitos sociais que devem contribuir com a reprodução do capital. Sendo assim, enfatizamos a necessidade de estabelecer condições plausíveis para a consolidação de uma educação que possibilite o alcance da consciência crítica e libertadora, objetivando o desenvolvimento pleno do ser humano genérico8. Para conseguirmos alcançar esse ideal de educação ou, se preferir, de sociedade, é preciso que nos pautemos na práxis educativa, buscando, para além de uma mera reforma na educação, uma transformação qualitativa. 1.1 APROXIMAÇÕES SUCESSIVAS COM A EFETIVAÇÃO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL – 1930 A 1985 Historicamente o ensino brasileiro assinala um dualismo de classe, no qual a educação que objetiva o pensar sempre está voltada para a elite, em contraposição à educação, que tem por finalidade preparar trabalhadores para o âmbito da produção, destinada a massa excluída da riqueza socialmente produzida. Em outros termos, o ensino daqueles que realizam um trabalho simples é diferenciado para aqueles cuja função é realizar um trabalho complexo. (NEVES, 1999). Nesse sentido, pensarmos o desenvolvimento da educação formal, no âmbito 8Com base em Marcante (2007) que fundamentou-se em Borgianni (1997) compreendemos o humano genérico não como o homem em sua singularidade, mas sim, enquanto um ser que para além dessa particularidade transcenda sua cotidianidade e tenha consciência de sua condição coletiva pertencente a um determinado grupo e reconhecedor de sua espécie. Em outras palavras, “[...] a passagem do ‘homem inteiro’ para o ‘inteiramente homem’, não implica a suspensão da vida cotidiana, mas a ampliação das possibilidades de objetivações do humano-genérico [...] supõem o ideal que seria a eliminação da alienação e não da vida cotidiana.” (p. 19). Aindacomo nota de esclarecimento, Barroco (2009) trabalha a dimensão humano-genérica como sendo a coletividade relacionada com a singularidade do indivíduo moral, salientando que apenas com essa interlocução é possível a realização da práxis social. 19 brasileiro, implica considerarmos a sociedade capitalista em todo processo, a qual utiliza todos os mecanismos possíveis para expansão de suas forças produtivas e também improdutivas. Gadotti (1983) considera que esse processo não está isento a correlação de forças, por isso, destacamos que a partir da dominação do capital, as organizações progressistas buscam a fortificação de uma educação que seja de fato para todos, em todos os níveis, na forma pública, gratuita e de qualidade. As estratégias de reprodução dominante começaram a se intensificar no Brasil a partir da década de 1920, quando iniciados, também, os movimentos em prol da educação9 crítica e politizadora. Nesse período, a educação formal brasileira foi colocada na arena de lutas entre a consolidação do ensino sob as bases da doutrina da Igreja Católica, contra a educação defendida pelos liberais e em detrimento a perspectiva crítica e progressista. Instaurou-se um confronto em termos de consolidação de uma concepção educacional, seja na perspectiva de universalização, ou na perspectiva de privatização, assim como no sentido de educação para emancipar, ou educação para reprodução do modo de produção capitalista (GADOTTI, 1983). A Constituição de 182410, na época, denominada de Constituição Política do Império do Brazil, determinava em seu artigo 179, inciso XXXII, “A Instrução primaria, e gratuita a todos os cidadãos.” (BRAZIL, 1824, s.p.), como sendo um dos requisitos para a inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos. A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 1891, determinava como atribuição do Congresso, mas não privativa, a criação de “[...] instituições de ensino superior e secundário nos Estados;” (BRASIL, 1891, s.p.). Ou seja, já no século XIX, a responsabilidade em relação à oferta da educação institucionalizada começou a ser partilhada entre o público e o privado. Algumas décadas mais tarde, no decorrer dos anos 1920, adentrando em 1930, e na contramão desta perspectiva, a concepção de ensino da Igreja Católica começa a ser questionada e alterada, quando sustentadores dos ideais liberalistas atribuíram à educação formal o papel de transmitir conhecimentos para o trabalhador produtivo... 9Na década de 1920 ocorreu o primeiro movimento de esquerda que considerava a educação como “[...] instrumento privilegiado de participação dos trabalhadores na política.” Esse movimento dirigido por Maria Lacerda de Moura foi amplamente reprimido pelos “[...] liberais e católicos que disputavam a hegemonia dos projetos político-educacionais da burguesia.” (GADOTTI, 1983, p. 115). 10O Brasil enquanto República Federativa possui seu marco em 1822, quando declarado sua Independência. Durante os séculos XVI, XVII e XVIII, adentrando ainda no início do século XIX, o Brasil não era reconhecido como Federação. Cabe salientar que não houve grandes mudanças no que tange a configuração do ensino e seus pressupostos, sendo ofertado apenas para a elite brasileira, sob o controle de oferta realizado pela Igreja Católica. 20 [...] uma educação fundamental, universal, voltada para o trabalho produtivo, baseada no modelo norte-americano. [...] o final da década de 20 e o início da década de 30 foram marcados pela pregação liberal da educação que defendia a gratuidade e a obrigatoriedade do ensino primário, bem como a laicidade [...]. (GADOTTI, 1983, p. 110, grifo do autor.) Em virtude do processo de implantação das indústrias, que estava ocorrendo no Brasil, houve a necessidade de capacitar os trabalhadores para responder de maneira qualitativa as demandas postas pelo mercado de trabalho. Os trabalhadores necessitavam minimamente de instrução para se adequarem às mudanças advindas da industrialização, na qual o papel da ideologia liberal propagada pelos inovadores liberais11 era de atarracar a concepção elitista de ensino defendida pela Igreja Católica. Nesse sentido, a burguesia liberal travou uma intensa luta contra a Igreja Católica, objetivando ganhar a hegemonia do aparelho escolar, com vistas a garantir um estudo primário gratuito e público para a classe trabalhadora (GADOTTI, 1983). Anos mais tarde, foi instituído, pelo Decreto n. 19.850 de 11 de abril de 1931, o Conselho Nacional de Educação (CNE)12, de caráter consultivo, conforme consta em seu artigo primeiro. (BRASIL, 2012a). No mesmo dia, foi homologado o Decreto 19.851, que substância o Estatuto das Universidades Brasileiras13, composto por 116 artigos (BRASIL, 2012b). Tal estatuto corresponde a uma normativa de cunho organizativo do sistema universitário brasileiro e definiu “[...] as diretrizes para o ensino superior nos seus aspectos didáticos, administrativos, disciplinares e, até mesmo, no que ele [Francisco Campos] denominou de ‘vida social’ de professores e alunos da universidade.” (PEIXOTO, 1997, p.197-198). No ano de 1932, a Associação Brasileira de Educação (ABE)14 difundiu o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova que, por sua vez, caracteriza-se como um marco dos 11Assim como elucida Gadotti (1983) esses defensores da ideologia liberal que compreendiam a educação enquanto universal, gratuita, voltada ao trabalho produtivo, eram denominados de “novos pioneiros” da educação ou “inovadores liberais”. 12As primeiras medidas concernentes a constituição de Conselhos da educação foram no século XIX, mais precisamente em 1842 e 1846. 13Assim como aludido por GADOTTI (1983), esse estatuto foi fundamentado na Reforma do Ensino Secundário e do Ensino Superior de 1931, traçada pelo Ministro Francisco Campos, o qual estabeleceu novos rumos para esses dois níveis de ensino. Para uma melhor compreensão sobre o tema, ver Palma Filho (2005), disponível em: <http://www.acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/107/3/01d06t05.pdf> 14Tendo como respaldo os estudos de Gadotti (1983), enfatizamos que mesmo anterior ao início do período populista-desenvolvimentista, foi criada a Associação Brasileira de Educação (ABE), no dia 15 de outubro de 1924, a qual tinha como função reunir professores, educadores, bem como a sociedade civil, objetivando discussões cabíveis em defesa do desenvolvimento da educação e da cultura brasileira. O surgimento dessa instituição associativa está relacionado com o objetivo de “[...] enfrentar os graves problemas que obstruíam o desenvolvimento da educação brasileira.” (SILVA, 2009, s.p.). Foram promovidas pela ABE várias Conferências Nacionais de Educação, voltadas à inclusão popular nos assuntos que competem ao ensino brasileiro, sendo um 21 acontecimentos históricos da educação. “O manifesto propunha que o Estado organizasse um plano geral de educação e definisse a bandeira de uma escola única, pública, laica, obrigatória e gratuita. Nessa época, a igreja era concorrente do Estado na área da educação.” (BRASIL, 2012c, s.p. grifo nosso). Segundo Marinho (2011), este Manifesto15 levantou uma grande discussão em torno da reformulação administrativa do sistema educacional brasileiro e, além disso, contribui significativamente para uma análise relacionada à desvinculação dos assuntos pertinentes a educação formal de outras questões, como por exemplo, a economia. Dando ênfase às Constituições brasileiras, o artigo 149, da Carta Constitucional de 1934, instituiu a educação como um direito de todos, mas, contraditoriamente,não como um dever único do Estado, fazendo com que não seja garantida de fato para todos: A educação é direito de todos e deve ser ministrada, pela família e pelos Poderes Públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a estrangeiros domiciliados no País, de modo que possibilite eficientes fatores da vida moral e econômica da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da solidariedade humana. (BRASIL, 1934, s.p., grifo nosso). Segundo Coutinho (2006, p. 3), o direito a educação formal agregado à família, faz com que ocorra uma transferência de “[...] responsabilidade sobre a educação da esfera do público para o do privado.” O artigo 150 “[...] estabelece a elaboração de um Plano Nacional da Educação, institui a gratuidade e a obrigatoriedade do ensino primário [...]”. (GADOTTI, 1983, p. 111, grifo do autor). Esse artigo determina algumas das competências da União, Sendo elas: “fixar o plano nacional de educação, compreensivo do ensino de todos os graus e ramos, comuns e especializados; e coordenar e fiscalizar a sua execução, em todo o território do País;” (BRASIL, 1934, s.p.). As alíneas b, c, d e f do Parágrafo Único do artigo 150 determinam a “[...] tendência à gratuidade do ensino educativo [...]”, assim como a “liberdade de ensino em todos os graus e ramos [...]”, o “ensino, nos estabelecimentos particulares, ministrado no idioma pátrio [...]” e também, o “reconhecimento dos estabelecimentos particulares de ensino somente quando assegurarem a seus professores a estabilidade [...] e uma remuneração condigna.” (BRASIL, 1934, s.p., grifo nosso). Ao nos determos no termo “tendência”, percebemos que não é exigido do Estado a total responsabilidade frente à oferta gratuita do ensino, uma vez que, tendência diz respeito à espaço utilizado para progresso e implementação dessa associação, para manter sua atualização e referência nos assuntos educacionais (SILVA, 2009). 15Para o aprofundamento do que tratou o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, indicamos a leitura de PALMA FILHO, João Cardoso. A educação brasileira no período de 1930 a 1960: a era Vargas. Disponível em: <http://www.acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/107/3/01d06t05.pdf> 22 proposição, a propósito, mas não significa de fato a garantia desse serviço pelo viés do público. De outra forma, a luta é pela gratuidade, porquanto compreendemos que a educação formal institucionalizada tem como suporte a legislação e como provedor o Estado. O artigo 154 trata que “Os estabelecimentos particulares de educação, gratuita primária ou profissional, oficialmente considerados idôneos, serão isentos de qualquer tributo” (BRASIL, 1934, s.p.). Assim, percebemos que a educação pública e a educação privada começam a ser equiparadas, ao passo que o reconhecimento do ensino público como oficial é deixado de lado, considerando o particular como a solução mais ágil para a oferta de instrução brasileira, voltada para a industrialização capitalista. O aspecto de mercantilização, destacado de forma regulamentada, já em 1934, foi acentuado na Constituição de 1937, na qual dá-se a impressão que o ensino particular aparece como principal e o público apenas como um complemento: “art. 125 – A educação integral da prole é o primeiro dever e o direito natural dos pais. O Estado não será estranho a esse dever, colaborando, de maneira principal ou subsidiária, para facilitar a sua execução ou suprir as deficiências e lacunas da educação particular. (BRASIL, 1937, s.p. grifo nosso). Assim, o Estado se desresponsabiliza de seu papel protagonista na oferta do ensino, característica que pode ser confirmada no artigo 128 quando instituído que: “A arte, a ciência e o ensino são livres à iniciativa individual e a de associações ou pessoas coletivas públicas e particulares.” (BRASIL, 1937, s.p.). O artigo 129 regulamenta: O ensino pré-vocacional profissional destinado às classes menos favorecidas é em matéria de educação o primeiro dever de Estado. Cumpre-lhe dar execução a esse dever, fundando institutos de ensino profissional e subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos Municípios e dos indivíduos ou associações particulares e profissionais. É dever das indústrias e dos sindicatos econômicos criar, na esfera da sua especialidade, escolas de aprendizes, destinadas aos filhos de seus operários ou de seus associados. A lei regulará o cumprimento desse dever e os poderes que caberão ao Estado, sobre essas escolas, bem como os auxílios, facilidades e subsídios a lhes serem concedidos pelo Poder Público. (BRASIL, 1937, s.p. grifo nosso). A partir disto, verificamos a intensificação do papel da escola com vistas a “ensinar para o trabalho”, isso porque, a escola transformou-se nitidamente em “[...] aparelho de reprodução da mão-de-obra, de reprodução da divisão social do trabalho e da ideologia dominante, consolidando a estrutura de classes.” (GADOTTI, 1983, p. 112). E ainda, o Estado aparece como maior responsável e incentivador do ensino profissionalizante para os sujeitos desprovidos de recursos. Mais uma vez, cumpre-se o dualismo educacional, instaurando a 23 divisão do ensino, sendo um voltado para a classe burguesa, objetivando o pensar, a reflexão e consciência crítica, e o outro destinado à classe trabalhadora, visando apenas formar mão de obra qualificada, mas ao mesmo tempo alienada. Nos anos posteriores, mais precisamente em 1946, quando aprovada outra Constituição brasileira, teve início o longo processo16 de elaboração da Lei n. 4024 de 1961 – Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) –, uma vez que, conforme artigo 5º da Constituição referida, uma das competências da União era elaborar as “diretrizes e bases da educação nacional” (BRASIL, 1946, s.p.). A educação, na Carta Constituinte de 1946, era considerada um “[...] direito de todos e será dada no lar e na escola. Deve inspirar-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana.” (Idem, Ibidem, s.p.), conforme disposto no artigo 166. Nos artigos subsequentes, fica evidente a fomentação governamental nas iniciativas privadas de oferta de ensino, assim como o direito garantido à educação formal apenas no ensino primário, onde “[...] o ensino oficial ulterior ao primário sê-lo-á para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos.” (Idem, Ibidem, s.p. grifo nosso). Para tanto, fica explícito que a educação formal, mesmo respaldada pelo discurso de direito para todos, apresenta características de direito apenas para quem dela necessitar, pois o Estado incumbe-se da oferta do ensino apenas para aqueles que são desprovidos de recursos, e mais, que provem essa falta de recurso perante o Governo. A LDB/61 foi a primeira significativa regulamentação voltada genuinamente aos assuntos educacionais, tendo em vista operar diretamente de acordo com os princípios constitucionais, assim como estruturar, como o próprio nome diz, uma base para a educação nacional. Essa Lei, assim como outras de cunho social, configura, de fato, a materialização de um amplo processo de luta, conquistas e também retrocessos, especificamente no âmbito educacional. Porém, como podemos identificar, entre os aspectos de garantia do direito à educação, o que prevaleceu foi a privatização, aspecto confirmado quando, “[...] foi fundada a asseguridade e igualdade entre estabelecimentos de ensinos públicos e particulares, direcionando a iniciativa privada a alcançar, no atual contexto, tamanho significado no ensino superiordo Brasil”. (SANTOS; JIMENEZ; SEGUNDO; 2010, p. 108). Constatamos que o ensino superior, ministrado em “[...] estabelecimentos particulares, denominados de ‘faculdades livres’ [...] foram [por um longo tempo] consideradas técnicas e marginais.” (Idem, Ibidem, p. 108). No entanto, a realidade mostra que, com a equiparação 16Em virtude da lentidão de finalização e aprovação da LDB/61, perdurou vigorando por 15 anos a Lei Orgânica do Ensino Secundário, estabelecida pelo Decreto-Lei n. 4.244 de 9 de abril de 1942, a qual tinha como objetivo central “[...] a formação da ‘consciência patriótica e da consciência humanística’.” (GADOTTI, 1983, p. 113). 24 entre o ensino público e o particular, o caminho para a desqualificação educacional se abre, configurando a precariedade no âmbito de ensino e aprendizagem. Partilhando os estudos de Gadotti (1983), apesar de todos os movimentos pela educação popular, voltada aos interesses da classe trabalhadora17, a consolidação foi de um ensino privado, o qual visa atender apenas as exigências mercadológicas. Essa consequência é proveniente do dualismo educacional histórico que resultou numa enorme parcela de sujeitos obrigados, de maneira não consciente, a aceitar um ensino precário, uma vez que a inserção na escola buscava apenas a qualificação para empregabilidade, marginalizando o ensino voltado para o desenvolvimento da consciência crítica e da cidadania (PERES, 2009). Esse panorama mercantil, no qual a educação se encontrava, permaneceu o mesmo a partir da Ditadura Militar imposta em 1964, continuando sendo condicionada à mesma dinâmica de atender as demandas de qualificação da mão de obra especializada, para a condição de concorrência no mercado de trabalho. No entanto, na contramão desse processo, em meados da década de 1960, o espaço educacional, especificamente do ensino superior, começou a sofrer inúmeras intervenções, em decorrência da expansão de sua capacidade crítica18 e de mobilização social. Para combater essa tendência crítica e analítica, promovida dentro do ensino superior, iniciou-se um amplo processo de reestruturação da universidade brasileira, sob a responsabilidade de um grupo de especialistas norte-americanos, liderados pelo professor Rudolph Atcon da Universidade de Huston. Esse grupo tinha como objetivo implícito planejar a política educacional ideologicamente de modo a condicionar “[...] o sistema educacional e a universidade em particular ao modelo de desenvolvimento econômico dependente imposto pela política econômica americana para a América Latina.” (GADOTTI, 1983, p. 121, grifo do autor). Todo esse período de reestruturação do ensino superior19 foi realizado de maneira sigilosa, sendo que, apesar do não acesso às recomendações feitas pelos especialistas, foi materializado um relatório20, estabelecendo basicamente que as universidades deviam voltar-se aos interesses do mercado capitalista. Tais 17Interesses de democratização e emancipação e não apenas em relação a qualificação para o mercado capitalista de trabalho. Faz-se importante salientar que a classe trabalhadora também se interessa na qualificação para o mercado de trabalho, visto que a única mercadoria que os trabalhadores possuem para vender é a força de trabalho, dependendo dela para sua sobrevivência, nesse modelo de produção capitalista. 18Assim como explicitado por Gadotti (1983), a educação formal não serve apenas para modelar os sujeitos conforme os anseios do capital, bem como somente para promover a manutenção, produção e reprodução da ideologia propagada pelo sistema dominante. A educação formal institucionalizada também carrega a possibilidade de transformação, permitindo a reflexão e desmistificação da alienação na qual somos condicionados cotidianamente. Por isso mesmo é que a educação, principalmente a de nível superior de qualidade, não é alcançada e permitida para todos os sujeitos, pois ameaçaria a ordem social do capital. 19Composto por 11 visitas dos especialistas norte-americanos em universidades federais, incluindo a universidade católica do Rio Grande do Sul. 20Denominado de Relatório Acton. 25 recomendações “sigilosas”, influenciaram fortemente a Reforma Universitária de 1968, esta que, apesar de seus pontos negativos – como a antidemocracia, a privatização supondo a desqualificação do ensino público, visto que o objetivo não é propiciar qualificação para “todos”, mas sim acumular capital em cima de um direito social e, dentre outros aspectos, o aumento significativo da exclusão e discriminação daqueles que frequentam um ensino precário – também possuiu pontos favoráveis, tendo em vista que foi a partir dela que se instaurou o mestrado e o doutorado, assim como o estudo formal em período integral. No entanto, a predominância é de um caráter perverso da reforma, pois ela “[...] favoreceu uma crescente uniformização e burocratização.” (GADOTTI, 1983, p. 123, grifo do autor). Isto porque, o ensino superior público e gratuito não suportava todo o contingente de interessados em qualificação especializada, a solução mais ágil e simplificada foi postular o ensino aos interesses mercantis, consolidando de fato o ensino privado. “A Reforma Universitária de 1968 veio consagrar essa política [...]” (GADOTTI, 1983, p. 118) de privatização do ensino superior, implantando cursos parcelados com regime de créditos, semestralizados e matriculas por disciplinas, propiciou a desmobilização estudantil na universidade. (SAVIANI, 1986, apud SANTOS; JIMENEZ; SEGUNDO, 2010). A partir daí, o Governo Militar criou diversos mecanismos para acentuar a privatização da educação formal e, consequentemente, a extrema queda na qualidade do ensino superior, assim como podemos identificar nas ponderações ulteriores. Nesse sentido, destacamos a tentativa de transformar as universidades em fundações, com o argumento falacioso de que assim conseguiriam maior autonomia, quando na realidade acabariam decretando sua “falência”21 (GADOTTI, 1983). Em relação ao contexto social no final da década de 1960, estávamos sob as vésperas do período denominado “anos negros da ditadura”, no qual foi sancionada a Constituição Federal de 1967 (CF/67), revogada pela Emenda Constitucional n. 1 de 1969 (EC/69). Tanto a Constituição outorgada de 1967, quanto a Emenda posta em vigor em 1969, no artigo 176, trazem que: Art 168 – [...] III – o ensino oficial ulterior ao primário será, igualmente, gratuito para quantos, demonstrando efetivo aproveitamento, provarem falta ou insuficiência de recursos. Sempre que possível, o Poder Público subsidiará o regime de gratuidade pelo de concessão de bolsas de estudo, 21Isto porque, enquanto fundações, as universidades dependem única e exclusivamente de seus fundadores, objetivando de fato a desresponsabilização do Estado frente a obrigação de manutenção e oferta desse nível de ensino. Para a realização de pesquisas, as fundações necessitam de recursos do grande capital, este que só passa a investir se o estudo favorecer sua reprodução e manutenção. De outra forma, a manutenção das universidades transformadas em fundações que ofertam o ensino oficial seria por meio da cobrança de mensalidades e taxas dos estudantes, característica esta do particular e não mais do ensino público oficial. (GADOTTI, 1983). 26 exigindo o posterior reembolso no caso de ensino de grau superior; [...]. (BRASIL, 2012d, s.p.). Diferente da CF/67, a EC/69 não exigia o reembolso quando ofertado ensino superior para as pessoas desprovidas de recursos para estefim. Essa afirmação consta no artigo 176, parágrafo terceiro, inciso III: “[...] o ensino público será igualmente gratuito para quantos, no nível médio e no superior, demonstrarem efetivo aproveitamento e provarem falta [22] ou insuficiência de recursos [...]” (BRASIL, 2012e, s.p., grifo nosso). A respeito da lógica de privatização, Gadotti (1983) cita como exemplo alguns dos mecanismos de acumulação de capital a partir da educação, alegando facilidade de acesso ao ensino superior, como, o “Crédito Educativo23 de 1974”, o “Seguro Educação”24 e o “Banco Nacional da Educação25 de 1980”. Diante desse contexto, consideramos que mesmo havendo lutas a favor da educação formal pública e gratuita, o que firmou-se foi um ensino mercadológico e, como traço mais acentuado desse problema, a precariedade do ensino, visto que a educação particular se consolidou, intensificando a busca incessante pelo lucro e em última instância pela qualidade. A realidade é que a instauração e consolidação de um ensino de terceiro grau de qualidade e uma universidade crítica apenas serão possíveis quando a reestruturação educacional englobar os três níveis de ensino e não apenas o universitário. E, para além disso, uma reestruturação no âmbito educacional implica, pois, uma total transformação na conjuntura sócio-histórica na qual a educação vem se desenvolvendo. “Uma reestruturação democrática da universidade só pode nascer de uma autêntica revolução democrática.” (GADOTTI, 1983, p. 132). 1.2 CONSTRUÇÃO QUE REFERENCIA A EDUCAÇÃO BRASILEIRA PÓS 1988: A EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA POSTA COMO MECANISMO DE “DEMOCRATIZAÇÃO” O estudo até este momento buscou explicitar que a educação destinada à classe trabalhadora, assim como àquela designada à classe burguesa, está condicionada a atuar para desenvolvimento e expansão das forças produtivas e improdutivas do capitalismo. Porém, se 22Assim como na Constituição de 1946, a EC/69 também traz a peculiaridade do direito limitado, sendo apenas para quem dele necessitar. Em outros termos, desde a década de 1940 e reforçado no final da década de 1960, vivemos uma cidadania regulada. 23Compreendidas como bolsas reembolsáveis que tinham como objetivo “[...] ir acostumando o público à idéia do ensino pago.” (GADOTTI, 1983, p. 118). 24Lançado pela empresa privada, “[...] mostrando que seria irreversível, a curto prazo, a implantação do ensino pago.” (idem, ibidem, p. 118). 25Inspirado no Banco Nacional da Habitação, objetivando “[...] financiar a educação a longo prazo.” (Op, cit, p. 118). 27 analisarmos a educação sob o viés positivista e instrumental que visa a especialização para o trabalho, não podemos negar que tal objetivo vem sendo alcançado. A dicotomia educativa, historicamente produzida no capital, separou a educação profissionalizante e propedêutica, em que destinava aos trabalhadores e seus filhos duas perspectivas: um ensino intermediário médio-público-noturno para almejar a universidade e um outro ensino, o profissionalizante, ambos direcionados ao mercado de trabalho. (SANTOS; JIMENEZ; SEGUNDO, 2010, p. 125). Não obstante, a concepção de educação, que fundamenta este estudo, não objetiva “apenas” atender os pressupostos do mercado capitalista, ao passo que é preciso a implementação e consolidação de – nos apropriando das aspirações de István Mészáros – uma educação que vá para além do capital, somente possível numa sociedade além do capital. A Constituição Federal de 1988 (CF/88) trata do processo de educação formal institucionalizada e corresponde ao grande avanço em termos de discurso sobre o novo entendimento com relação ao papel destinado ao ensino brasileiro. Enfatizamos que tal avanço foi apenas em termos de discurso e letras, visto que ainda há muito que lutar para consolidar de fato as determinações postas pela Carta Magna. Com um conteúdo parcialmente inovador, a CF/88 em seu artigo 205, institui a educação como sendo, [...] direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 2012f, s.p., grifo nosso). Percebemos que a legislação inovou em termos de pensar o ser humano e seu desenvolvimento enquanto cidadão. No entanto, os governantes subsequentes a instituição da Carta Constitucional de 1988 – principalmente a partir do governo Collor de Mello, entre 1990 e 1992 – só fizeram por fortalecer os ideais do neoliberalismo, em grande parte inversos aos preceitos postos na CF/88, uma vez que a política neoliberal parte do princípio de minimização do Estado, o que pressupõe a privatização dos serviços públicos. A partir disto, inicia-se um amplo processo de reforma do Estado, inclusive no âmbito educacional, favorecendo demasiadamente a privatização e mercantilização do ensino, principalmente do nível superior. Por esses motivos, levando em consideração o descaso histórico dos governantes do nosso país, principalmente no que tange o cumprimento e garantia dos direitos sociais, identificamos a precariedade do ensino brasileiro, com vistas a atender apenas as exigências do mercado de trabalho, inclusive das agências internacionais: 28 [...] os organismos internacionais, principalmente o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial vêm [...] defendendo mudanças nas universidades latino-americanas, argumentando que, em nome da modernização do setor produtivo, o ensino superior precisa submeter-se à agenda de reformas a que os países da região se subjugaram no decorrer dos últimos anos. (SANTOS; JIMENEZ; SEGUNDO, 2010, p. 107-108). O novo padrão organizacional e estrutural da educação que os autores citados estão referendando, ao tratar das reformas que aconteceram nos países latino-americanos, possui suas bases no neoliberalismo, que foi consolidado e fortificado no Brasil por volta da década de 1990 e intensificado nos mandatos de governo do ex-presidente FHC26. Todo esse período de intensa reforma do Estado e reestruturação produtiva rebateu negativamente nos andamentos dos projetos sociais, inclusive da educação formal, condição que não difere das décadas atuais. Partindo da análise de Silva Jr (2011), a concepção de que as reformas, principalmente as educacionais, são positivas para o sujeito coletivo é válida, desde que não estivéssemos vivenciando uma realidade social regida pelo modo de produção capitalista e que carrega em si os traços e a dinâmica das transformações ocorridas com a consolidação da política neoliberal, num contexto de globalização do capital, assim como de – nos termos de Ricardo Antunes – “mudanças no mundo do trabalho”. De acordo com Santos, Jimenez e Segundo (2010), o período do governo FHC foi cenário de intensas privatizações, especialmente no âmbito do ensino superior, uma vez que, sua estratégia de política governamental seguia a risca a “cartilha neoliberal”. Assim, é possível afirmarmos que a partir da consolidação da política neoliberal... [...] o Brasil incorpora todas as recomendações traçadas pelos organismos internacionais, efetivando, através de programas, planos ou ações de crescimento, o deslocamento do tradicional papel [...] da educação [...] para a assim chamada sustentabilidade econômica do país. (SANTOS; JIMENEZ; SEGUNDO, 2010, p. 123). A dinâmica da política neoliberal, ao mesmo tempo em que flexibiliza, terceiriza e coloca o sujeito em condições precárias, exige um profissional qualificado, disposto a cumprir com as exigências do mercado de trabalho de maneira polivalente, instaurandoa concorrência entre os próprios membros da classe trabalhadora. Afirmativa veemente da individualização. Cabe enfatizar que, foi no contexto de consolidação do neoliberalismo, especificamente nos reportando ao governo FHC, que ocorreu a aprovação de uma nova LDB, correspondendo a Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Diante disso, ressaltaremos alguns 26O qual liderou o país no período de 1995 até 2002. 29 conteúdos dessa legislação, principalmente no que se refere à qualidade do processo de ensino e aprendizagem do ensino superior no Brasil. O primeiro é em relação ao aspecto que dispõe sobre o tripé para configuração da universidade brasileira, a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Conforme determinado na CF/88, especificamente no artigo 207, “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.” (BRASIL, 2012f, s.p., grifo nosso). Apesar de se caracterizar enquanto uma recomendação Constitucional, fundamentando a concepção de universidade brasileira, a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão não é considerada na Lei nº 9394/96, artigo 43, visto que tal entendimento não é colocado de forma específica, sendo tratado sob outros termos27. O segundo ponto relevante sobre a legislação em mote, concerne ao fato – aludido por Antunes e Deitos (2012) – de ter sido nela que apareceu pela primeira vez, de forma regulamentada no Brasil, a EaD, conforme disposto no artigo 80: O Poder Público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada. § 1º. A educação a distância, organizada com abertura e regime especiais, será oferecida por instituições especificamente credenciadas pela União. § 2º. A União regulamentará os requisitos para a realização de exames e registro de diploma relativos a cursos de educação a distância. § 3º. As normas para produção, controle e avaliação de programas de educação a distância e a autorização para sua implementação, caberão aos respectivos sistemas de ensino, podendo haver cooperação e integração entre os diferentes sistemas. § 4º. A educação a distância gozará de tratamento diferenciado, que incluirá: I - custos de transmissão reduzidos em canais comerciais de radiodifusão sonora e de sons e imagens; II - concessão de canais com finalidades exclusivamente educativas; III - reserva de tempo mínimo, sem ônus para o Poder Público, pelos concessionários de canais comerciais (BRASIL, 2010, p. 56-57, grifo nosso). Percebemos que a LDB (1996) incentiva a multiplicação das instituições que oferecem esta modalidade de ensino, ressaltando o tratamento diferenciado que esta modalidade tem direito, inclusive no custo reduzido frente às propagandas midiáticas. Tendo como base as ponderações realizadas pelo Fórum Paranaense em Defesa da Escola Pública, Gratuita e Universal (1997), ao analisar e produzir uma LDB/96 comentada, foi possível identificarmos a existência de um significativo descaso com “[...] a organização curricular dos cursos e, 27“[...] ‘estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico...’, ‘incentivar o trabalho de pesquisa...’, ‘promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos...’, ‘suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional...’, ‘estimular o conhecimento dos problemas [...] do mundo...’, ‘promover a extensão...’, ‘formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento...’. (PARANÁ, 1997, p. 32, grifo do autor).” 30 consequentemente, a sólida formação profissional quando [...] incentiva o ensino à distância em todos os níveis e modalidades de ensino [...]” (PARANÁ, 1997, p. 32). Nesse sentido, concordamos que: [...] o EaD só deve ser considerado para estudantes mais maduros, que precisam se beneficiar das vantagens da flexibilidade de horários e têm condições de estabelecer hábitos de estudo independentes. Para estudantes mais jovens, a intervenção mais direta do professor, com metodologias de ensino motivadoras, é fundamental para uma aprendizagem mais profunda. Além disso, o EaD poderia ser utilizado como complementação (e não como substituição) do ensino presencial e em educação continuada. (TONEGUTTI, 2010, apud CFESS, 2010, p. 8). E ainda, para além da regulamentação da EaD, a LDB normatiza e incentiva muitas outras características de flexibilização do ensino, visando a fomentação e o alcance da metas pré-estabelecidas pelos organismos internacionais, em detrimento da qualidade de ensino e densidade crítica, as quais são objetivadas pela educação sob o viés da perspectiva dialética. Com relação às novas estratégias no âmbito educacional, destacamos o aligeiramento da formação, assim como os cursos sequenciais28, ambos que, juntamente com a EaD, vieram com o único e exclusivo objetivo de apresentar dados quantitativos para o mercado exterior, tidos como bom resultado em termos de desenvolvimento da educação formal institucionalizada do Brasil (SANTOS; JIMENEZ; SEGUNDO, 2010). É nesse panorama que se consolida a EaD, apresentada sob a roupagem de democratização do ensino, assim como uma estratégia fetichizada, ágil e flexibilizada para alcance de uma titulação para concorrência no mercado de trabalho. Antes de iniciarmos com a exposição dos conteúdos expressos nas normativas referentes a EaD, vale ressaltar que a historicidade dessa modalidade de ensino remonta um contexto muito anterior, não precisamente, mas por volta de 189029. 28A Portaria nº 4.363, de 29 de dezembro de 2004, dispõe sobre a autorização e o reconhecimento de cursos sequenciais, determinando “Os cursos superiores de formação específica e os cursos superiores de complementação de estudos com destinação coletiva ou individual serão ofertados por instituições de educação superior credenciadas que possuam curso de graduação na área de conhecimento reconhecido pelo MEC. § 1º As instituições de educação superior que não gozem da prerrogativa da autonomia universitária somente poderão ofertar cursos seqüenciais cujo campo do saber esteja vinculado às mesmas áreas de conhecimento de seus cursos de graduação. § 2º Para os fins desta portaria consideram-se as seguintes áreas do conhecimento: Ciências Biológicas e da Saúde, Ciências Exatas e da Terra, Ciências Humanas e Sociais, Ciências Sociais Aplicadas, Engenharias e Tecnologias.” (BRASIL, 2004a, s.p.). 29“A gênese da EAD no país, assim como na maioria das outras nações, não apresenta uma data precisa. João Roberto Moreira Alves (2009), por exemplo, destaca que, no Brasil, embora inexistam registros sobre o surgimento das entidades de EAD no século XIX, há um anúncio publicado no Jornal do Brasil, em 1891, com oferecimento de curso de datilografia por correspondência e este seria o marco dessa modalidade dentro da educação nacional. (ANTUNES; DEITOS, 2012, p. 88).” 31 Antunes e Deitos (2012) apontam alguns aspectos do contexto histórico da EaD, salientando que o marco oficial dessa modalidade, considerado pela grande maioria dos estudiosos do tema, corresponde a meados da década de 1920, precisamente em 1923, quando foram ofertados diversos cursos, dentre os quais, “[...] português, francês, silvicultura, literatura francesa, esperanto, radiotelegrafia e telefonia.” (ANTUNES; DEITOS, 2012, p. 88). A EaD, nessa ocasião, foi oferecida por meio da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, criada por Henrique
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