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Apresentação da disciplina Caro (a) Aluno (a), Seja bem-vindo (a) aos estudos de mais uma disciplina fundamental em seu curso. Área das Ciências Humanas, a Sociologia e a Antropologia possuem a grande missão de analisar o comportamento humano nos seus mais variados meios e funções a partir da articulação de grupos, instituições vinculados e da cultura. São duas ciências que possuem grande diversidade no diálogo que as demais áreas do conhecimento, no sentido de oferecer riquezas de estudos metodológicos, culturais, políticos, religiosos e epistemológicos. Seu principal método é o da observação e da inferência a partir de bases teóricas. Nesta disciplina, você terá a oportunidade de conhecer o contexto histórico de evolução desta Ciência, bem como os seus principais estudiosos e os resultados na atualidade. Aproveite todas as orientações de estudos apresentadas neste material, faça as leituras e pesquisas indicadas e não deixe de esclarecer as suas dúvidas. Por isso, bons estudos! UNIDADE 1: O QUE É SOCIOLOGIA? • Compreender a evolução do conceito de Sociologia, suas especificidades enquanto ciência, sua linguagem e as principais contribuições; • Conhecer o contexto histórico do surgimento da Sociologia, sua problemática e as principais abordagens. • Analisar os novos conceitos relacionados a este campo do conhecimento, as abordagens positivistas e relacionar às problemáticas contemporâneas. 1. O QUE É SOCIOLOGIA? O mundo moderno edificado ao longo da história com o desenvolvimento da indústria e da ciência e de uma diversidade de modos de ser agir é, por excelência, o ambiente onde nasceu e se desenvolve a sociologia. A globalização estreitou as fronteiras do mundo e generalizou os valores ocidentais; o estilo de vida e de consumo do capitalismo está em toda parte do planeta. É um mundo que muda numa velocidade que muitas vezes os nossos sentidos não conseguem captar. A incerteza parece ser o signo de nossa modernidade. As novas tecnologias, possibilitadas pelo avanço científico criou uma arquitetura social profundamente diferente daquela dos nossos pais e avós. Quando falta energia elétrica um dia ou quando nosso computador dá uma pane geral ficamos totalmente sem chão, não conseguimos conceber a vida de outro modo. É um mundo cheio de consequências: preocupa-nos o crescimento das desigualdades sociais e tantos daqueles para quem esse mundo ainda é distante, os problemas ambientais se agravam com o uso indiscriminado das tecnologias que nos trazem conforto, com crescimento das cidades uma multidão de problemas sociais se avoluma, a falta de moradia, o abastecimento, a violência urbana. Todavia na vida moderna temos condições de controlar nosso destino e moldar nossas vidas de uma maneira impensável para as gerações anteriores. Como esse mundo surgiu? Como se desenhará o nosso futuro? Como podemos influenciar conscientemente a direção dessas mudanças? A sociologia, presença marcante na vida intelectual moderna procura explicar e ao mesmo formular tantas outras perguntas que nos leve a compreensão desse mundo moderno. A sociologia é a ciência da sociedade. Nas universidades brasileiras tem o nome de ciências sociais (inclui a antropologia e a ciência política). O sociólogo, portanto, é um cientista social. O objeto de estudo do sociólogo são as relações sociais, as interações sociais. É verdade que tudo o que é social interessa ao sociólogo. Porém a sociologia emprega o termo social e sociedade num sentido mais restrito do que aquele empregado pelo senso comum: “sociedade amigos de bairro”, “na festa de formatura precisa vestir traje social”, “sociedade protetora dos animais”, “tal pessoa demonstra forte preocupação social”, “numa reunião social não vamos falar em negócios”. Esses são alguns exemplos da amplitude do adjetivo social. Para o sociólogo, social tem a ver com a qualidade das interações sociais e inter-relações sociais, que envolve sempre significados, reciprocidade e expectativas que o sociólogo procurará compreender. A sociedade está repleta de acontecimentos sociais, a dinâmica das interações sociais dentro dos grupos sociais e entre os grupos sociais, as diversas maneiras das pessoas representarem sua vida de acordo com cada cultura, a vida social cotidiana. Para usar um termo de Émile Durkheim que iremos ver adiante, sociedade pode ser entendida como um complexo de “fatos sociais”, e uma situação “social” pode ser compreendida como aquela em que as pessoas orientam suas ações umas em relação às outras, como bem expressa Max Weber, outro sociólogo que iremos estudar. Essa “trama de significados, expectativas e conduta que resulta dessa orientação mútua, constitui o material de análise sociológica” (BERGER, 1986, p. 37). Como podemos perceber a sociologia estuda o homem como um ser social. A vida social não pode estudada num laboratório, como um biólogo estuda uma célula, por exemplo. Também não é possível aplicar injeções e testar substâncias nos homens para compreender seu comportamento social, como se faz nos ratinhos. O laboratório do sociólogo é toda a sociedade, são as vivencias nos grupos, os conflitos existentes, ou seja, a vida com toda sua riqueza de manifestações. a) A Sociologia e o senso comum Chegamos numa questão de crucial importância: para fazer sociologia é preciso se distanciar do senso comum. O senso comum, aliás, é objeto de estudo da sociologia. Não façamos uma ideia puramente negativa do senso comum, como é recorrente entre as pessoas. Imagine uma dona de casa: ela vai à feira e compra tudo o que precisa, pechincha aqui e acolá, economiza muito, conversa com todos os feirantes, analisa com muita atenção cada produto agrícola antes de comprar; é pouco provável que essa dona de casa tenha sido formada em economia ou agronomia, no entanto, o seu senso comum lhe guia firme e confiante em suas ações. Veja um índio na floresta, sabe classificar, de acordo com sua cultura, todas as árvores e plantas, conhece os hábitos dos animais que lhe garante boa caça. No entanto, esse índio não é botânico ou zoólogo, a não ser que tenha cursado uma universidade. Quando vamos a uma festa ou um bar, num encontro de amigos, vamos com nosso senso comum. Salvo num momento ou outro, quando um sociólogo chato resolve dar aulas para todo mundo na mesa do bar. O que estamos dizendo é que o senso comum não é sinônimo de ignorância, na verdade é o ar que respiramos parte constitutiva de todas as relações sociais. Todavia o senso comum pode ser fonte de muitos erros e preconceitos. É superficial porque emite opiniões sem aprofundamento, sem o devido conhecimento. É imediatista porque chega a uma verdade de maneira superficial e se contenta com as aparências. É acrítico porque emite uma sentença sem crítica e autocrítica, não faz a devida reflexão, não duvida, não desconfia da veracidade de nossas supostas certezas. É fonte de preconceitos porque faz um juízo de algo de algo ou alguém reproduzindo verdades tidas por absolutas. É ametódico, ou seja, não usa método, chega às conclusões por caminhos tortuosos, que não pela razão e método científico. É dessa forma que ouvimos: “político é tudo farinha do mesmo saco” ou “a família é uma realidade natural criada pela natureza”. Não ocorre refletir que o nosso modo de organizar a família não é o único e que em outras culturas encontraremos outras relações de parentesco. Generalizar um juízo sobre os políticos não ajuda muito a compreender a vida política de uma sociedade, não se apercebe que o homem é um ser político, porque vive em sociedade. Por muito tempo,durante toda idade média europeia acreditou-se na aparência (senso comum) em relação ao universo. Quando olhamos para o céu parece mesmo que o sol é menor que a terra e parece mesmo que é ele que está se movendo em torno da terra. Ele nasce e se põe e o percebemos na aparência do senso comum. Na idade média acreditava-se que a terra era o centro e que o sol se movia em torno dela: era a chamada teoria Geocêntrica. Depois a astronomia com Nicolau Copérnico (1473-1543) e Galileu Galilei (1564 -1642) a partir de observações astronômicas chegou à conclusão que a terra se move em torno do sol e sol é que está no centro do sistema solar: a chamada teoria Heliocêntrica. Percebemos então, que o senso comum não pode ser a base de nenhuma ciência. A sociologia a exemplo de outras ciências estuda os fenômenos sociais, desvinculando-os das sugestões do senso comum, através da observação, experimentação, comparação e classificação. Como dissemos o laboratório do sociólogo é toda a sociedade, ele procura regularidades nas relações sociais, geralmente o método comparativo substitui a experimentação. Enquanto o físico, biólogo, químico faz experimentações controladas em seu laboratório, observa atentamente as fases de sua pesquisa, classifica cada um dos fenômenos e chega a uma lei científica de validade geral, o sociólogo faz uma experimentação indireta, através da comparação com outros grupos, sociedades ou de outras variações dentro da mesma sociedade ou grupo social. Também classifica os fenômenos, pois, a ciência se comunica através de conceitos científicos e formula uma explicação que tem uma validade geral. Observe que o pensamento científico não persegue uma verdade absoluta, mas uma validade que pode ser questionada por outras pesquisas e outras teorias mais competentes. Dessa forma quando um sociólogo chega a um conceito ele procurara verificar a sua validade explicativa para determina sociedade e para outras sociedades. É isso que vamos ver quando estudarmos o desenvolvimento da sociologia. De qualquer forma o raciocínio científico procura sempre a objetividade, ou seja, uma explicação baseada em princípios teórico-metodológicos científicos. Queremos salientar aqui essa necessidade de desenvolver um olhar sociológico que não se confunde com o saber popular, isto é, o senso comum. A maioria de nós vê o mundo a partir de características familiares a nossas próprias vidas. A sociologia mostra a necessidade de assumir uma visão mais ampla sobre por que somos como somos e por que agimos como agimos. Ela nos ensina que aquilo que encaramos como natural, inevitável, bom ou verdadeiro, pode não ser bem assim e que os “dados” de nossa vida são fortemente influenciados por forças históricas e sociais. Entender os modos sutis, porém complexos e profundos, pelos quais, nossas vidas individuais refletem os contextos de experiência social é fundamental para a abordagem sociológica” (GIDDENS, 2005, p. 25) b) A imaginação sociológica A sociologia lança uma luz nova sobre aquilo que muitas vezes consideramos como “óbvio”, natural, inevitável, a realidade social adquire um novo colorido, a vida social se redimensiona em nossa consciência. Aprender a pensar sociologicamente consiste em cultivar a imaginação, alargar horizontes de nossa visão, ser capaz de sair da imediatidade das circunstâncias. O sociólogo C. Wright Mills (1916-1962) usou a expressão imaginação sociológica, para se referir ao trabalho do sociólogo como um artesanato intelectual. Fazer sociologia é “pensar em termos de vários pontos de vista, e assim, deixamos nossa mente se transforme num prisma móvel, colhendo luz de tantos ângulos quanto possível” (MILLS, 1975, p.230-231). Vamos exercitar nossa imaginação sociológica. Pensemos numa xícara de café. Uma xícara de café representa muito mais que uma xícara de café se a encararmos para além de nossas rotinas familiares, para além do senso comum. Quando sento para tomar um café com meus amigos estou sem perceber reforçando os laços de solidariedade e amizade nesse bate papo regado à café. Ao participar de uma reunião de negócios aquela xícara de café tomou novos contornos, pois se transformou numa ocasião importante para fechar um contrato de serviços. Quando compro um cafezinho estou movimentando toda uma economia de importância internacional, influencio sem perceber, a vida de produtores distantes, mas que me relaciono desta forma. O café, considerado o “ouro verde” do Brasil no século XIX representou uma riqueza nacional e modelou uma complexa economia baseada na mão de obra escrava. A escravidão, por sua vez, marcou profundamente a sociedade brasileira, em rituais autoritários que persistem atualmente e foram sedimentados nas relações de dominação senhor-escravo, quando falamos “com quem você pensa que está falando” reflete, sem nos darmos conta, o momento fundamental de uma sociedade profundamente hierarquizada. As desigualdades raciais e os preconceitos raciais ainda consistem em desafios para a sociedade brasileira. Você viu como o cafezinho foi redimensionando, problematizado, pela imaginação sociológica? O mesmo podemos dizer de alguns fenômenos sociais como o divórcio ou o desemprego. Aparentemente o desemprego é um problema individual, todavia se atingiu uma taxa alta tornou-se um problema sociológico. O divórcio, aparentemente é uma tragédia individual, mas se o percentual de divórcio atinge uma taxa alta pode comprometer a estrutura familiar com consequências negativas para uma dada sociedade. O desemprego pode ser só uma faísca para pensar o mundo trabalho e a sociedade capitalista. O divórcio pode ser uma simples gota para eu pensar o oceano das relações sociais que envolvem família, preconceitos e a vida moderna. São alguns exemplos de como funciona a imaginação sociológica. A imaginação sociológica precisa ser o tempo todo alimentada com a matéria prima da criatividade e da sede de saber. O sociólogo contemporâneo Peter Berger diferenciou problemas sociais de problemas sociológicos. O primeiro diz respeito a tudo o que o senso comum entende por isso, como vimos ao tratar do adjetivo “social”. Um buraco da rua, com certeza atrapalha o trânsito, é um problema social, todavia, não é um problema sociológico. O problema sociológico diz respeito à compreensão sociológica das interações sociais. Vamos entender melhor isso. O ponto de vista do sociólogo diferencia- se de outros pontos de vista. Por exemplo, enquanto o advogado, com o seu quadro de referência conceitual, próprio do Direito, perceberá como crime tudo o que estiver prescrito na lei; para o sociólogo será igualmente importante compreender como o criminoso considera a lei, como que determinados atos passaram a ser considerados criminosos. A sociedade pode ser vista como a estrutura oculta de um edifício, cuja fachada torna invisível as colunas, as ferragens, o alicerce. Como observa Peter Berger a perspectiva sociológica quer ver para além dessas fachadas da sociedade oficial, da lei, das relações aparentes, ou seja, para além das estruturas ocultas do edifício. Não quer simplesmente descrever as relações dentro de uma empresa segundo sua organização formal, de acordo com seu estatuto interno e seu organograma, quer compreender como se estabelece as relações de dominação nessa empresa, quais seus fundamentos. Não quer simplesmente ver a estrutura oficial de poder, mas a estruturas informais de poder. Voltemos ao conceito de estrutura social. A sociedade, como dissemos, pode ser vista como a estrutura de um edifício. As relações sociais são estruturadas, padronizadas, seguimos determinadospadrões de comportamento que se repetem, existem regularidades observáveis pelo sociólogo: a maneira de tomar o cafezinho se repete; esse ritual social poder observado com frequência. Todavia a estrutura da organização social, diferentemente do edifício é dinâmica, não é imóvel, está em constante processo de padronização. O indivíduo embora aja de forma padronizada, respeitando normas, regras e valores de sua cultura, ele não é totalmente determinado. Embora saibamos que os determinantes estruturais existam. Uma estrutura social baseada em reações sociais desiguais entre brancos e negros, mesmo que encoberta pela ideologia oficial e pela legislação que estabelece a igualdade formal entre todos, influenciará na distribuição social das oportunidades sociais, como no sistema educacional, por exemplo. Todavia os indivíduos podem, com suas ações, provocar reestruturações e alterar essas relações desiguais. O sociólogo, portanto, procurará sempre um ponto de vista relativo. O indivíduo cético em relação à religião pode se converter num fervoroso religioso. A relatividade na análise da sociedade é importante para o sociólogo, pois os indivíduos através de suas ações estão o tempo todo estruturando novos modos de viver e ver o mundo provocando mudanças e rearranjos sociais. Os papeis sociais (que é o nosso jeito padronizado de agir) estão em constante processo de construção e redefinição e estruturação. Um conceito sociológico interessante a esse respeito é o de alternação, como explica Peter Berger, o indivíduo pode alternar entre um sistema de significado e outro. O homem não é uma presa inerte dos controles sociais (padrões de comportamentos valorizados socialmente, normas, regras, valores, sanções sociais, a lei, o Estado). Se um sistema de significados, de crença religiosa, por exemplo, não lhe proporciona mais uma explicação plausível para a sua existência ele pode procurar outra religião. Caso um partido político não satisfaça suas convicções, poderá escolher outro partido. A alternação é essa margem de liberdade do indivíduo diante dos controles sociais e das exigências sociais, quando indivíduo salta de um mundo para outro. No entanto sem fazer esse salto é possível respirar. No trabalho, por exemplo, o indivíduo vivencia situações que ele não pode se desvencilhar então ele cria uma espécie de distanciamento, cria seu “mundo próprio”, que interage com o mundo da empresa desempenhando seus papeis numa espécie de reserva mental. A sociedade com suas normas, regras, valores, pesa sobre nós, todavia não somos um simples joguete das estruturas sociais. Por fim salientemos que sociologia é uma forma de consciência. “A perspectiva sociológica constitui um panorama amplo, aberto e emancipado da vida humana” (BERGER, 1986, p. 64) O estudante aberto ao saber sociológico, disposto a alimentar e exercitar a sua imaginação sociológica identificará os temas relevantes da sociedade em que vive e não menosprezará aqueles temas que embora não tenham talvez a mesma amplitude, diz respeito ao modo como vivemos nosso cotidiano. Poderá ampliar seu olhar crítico às políticas sociais. A consciência sociológica não nos deixa indiferentes aos debates como a ampliação da cidadania indígena e negra na sociedade brasileira, sobre os impactos da universalização da educação para a maioria dos brasileiros a partir da constituição de 1988, ou ainda, sobre as consequências do nosso modelo econômico para a vida do planeta. Sempre terá uma postura de dúvida (uma dimensão importante do raciocínio científico é a dúvida) e de reflexão crítica. Como os negros foram integrados à sociedade brasileira após o fim da terrível instituição da escravidão? Quais são entraves atuais para a ampliação da cidadania negra no Brasil? A universalização do direito à educação foi acompanhada de uma qualidade equivalente do ensino? É possível o desenvolvimento de uma consciência planetária em que o homem não se sinta morador deste ou daquele país, desta ou daquela nação, mas morador de uma pátria única chamada Planeta Terra? É possível transformar o nosso modelo econômico e industrial numa perspectiva planetária? Fazer boas perguntas ao seu objeto de interesse sociológico traz resultados favoráveis na formação da consciência sociológica. A sociologia, neste sentido nos fornece um auto esclarecimento, uma auto compreensão que nos possibilita interagir de forma consciente e propositiva em relação ao nosso próprio universo interior e com a sociedade de maneira geral. 2. O DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO SOCIOLÓGICO Podemos vislumbrar traços de pensamento sociológico em diferentes momentos históricos. Na Grécia antiga, por exemplo, filósofos Platão e Aristóteles já procuravam compreender a sociedade e o mundo em que viviam fornecendo explicações para os problemas que enfrentavam. Na Idade Média igualmente, os teólogos forneciam explicações com traços sociológicos. Todavia, o estudo objetivo e sistemático da sociedade desenvolveu-se no ambiente moderno e industrial que emergiu com Revolução Industrial Inglesa que se espalhou por toda Europa durante os séculos XVIII e XIX transformando significativamente o modo tradicional de vida que ainda respirava os valores da sociedade feudal. A industrialização e urbanização crescente trouxeram um conjunto de novos problemas que a sociologia procurou formular com diferentes abordagens teóricas. Todavia a necessidade de explicar a nova situação social com o advento do capitalismo industrial foi um fio condutor comum em todo desenvolvimento sociológico. A Revolução Francesa de 1789 que prolongou suas consequências por todo século XIX foi outro acontecimento pano de fundo do desenvolvimento da sociologia. De alguma forma todos os fundadores da sociologia procuraram compreender e explicar esse mundo secular, em que a religião havia perdido sua preeminência na explicação da existência humana. Novos conhecimentos científicos, novas tecnologias industriais, a queda dos governos absolutistas, em que o rei justificava seu poder pelo direito divino, desenharam um novo mundo. Praticamente a Revolução Industrial e a Revolução Francesa em seus desdobramentos, contribuíram para minar a fonte de poder da nobreza possuidora de terras e títulos. Os filósofos das Luzes foram na sua absoluta maioria anti-absolutistas e a favoráveis a um poder constitucional, baseados em leis aprovadas por uma assembleia de deputados. O iluminismo nutria uma confiança sem igual na história, na razão, no homem como protagonista de seu destino, a luz natural da razão queria varrer todo misticismo e todos os obstáculos levantados pela teologia ao desenvolvimento da ciência. Foi um movimento social e cultural irresistível, disposto a tirar das sombras todos os valores até então sufocados pelo império da religião sobre todas as outras formas de saber. “Indivíduo, Cidadão, Razão, Natureza, Progresso, Felicidade são palavras chaves desta filosofia combatente. Combate das luzes da razão contra as trevas da ignorância, dos preconceitos, da superstição. ” (JEAN-SIMON, 1994, p. 112). A linguagem moderna das luzes falava de cidadão, de soberania do povo, de governo constitucional. A burguesia francesa levará esses valores até as últimas consequências durante a Revolução Francesa, instituindo uma nova ordem social – a burguesia se torna a protagonista da história. Jean Jacques Rousseau (1712-1778) publica em 1755 o seu famoso ensaio Discurso sobre a origem das desigualdades entre os homens em que identifica no surgimento da propriedade privada a origens de todos os males e vícios, quando um primeiro homem cercando um terrenodisse: “isto me pertence”. Em 1757 publica Do Contrato Social. Aborda temas que terão repercussão duradoura para a história. Os franceses o elegeram patrono da grande Revolução. Partindo do artifício de um estado natural e original de bondade, corrompido a partir do surgimento da propriedade privada e das relações de dominação, procurou explicar o surgimento da sociedade civil, das leis e do governo e a sua legitimação. Ao perder sua condição natural, os homens passam a precisar de leis, precisam estabelecer um pacto social. Rousseau na contramão de um governo monárquico em que o rei era o soberano absoluto fala em sua obra de soberania do povo, em que o governante passa a ter que respeitar a vontade geral, as leis instituídas para todos. Antes de Rousseau temos a presença marcante de Montesquieu (1689-1755) que publica em 1748 O espírito das leis onde faz a distinção de três poderes, Legislativo, Judiciário, Executivo que se combinam e se equilibram para garantir a estabilidade de uma ordem social e evitar um poder absoluto e despótico. Neste ambiente intelectual surge um personagem que é considerado de importância crucial na fundação da sociologia: o francês Saint-Simon (1760-1825). Embora não usasse o nome “sociologia”, como veremos o termo foi inventado por Augusto Comte, que inclusive trabalhou como secretário de Saint-Simon, já se expressava em termos verdadeiramente sociológicos. Em seus estudos via a necessidade de criar uma ciência nova para explicar um mundo moderno que já não era possível ser compreendo só em termos filosóficos. Essa ciência nova ele chamava de ciência do homem ou ciência das sociedades, ou ainda Fisiologia Social. Saint-Simon já identificava a sociedade como uma realidade singular, não era uma simples aglomeração de indivíduos cada uma agindo por conta própria sem relação com o todo, pelo contrário a “sociedade, é, sobretudo, uma verdadeira máquina organizada na qual todas as partes contribuem de uma maneira diferente para a marcha do conjunto”. (JEAN-SIMON, 1994, p. 185). Seus escritos demonstravam lucidez nas análises e uma confiança sem igual na sociedade industrial. Ele usava o termo classe industrial para se referir a todos os que produziam independentemente da posição, trabalhadores urbanos, agricultores, empresários todos em sua visão formavam uma classe útil. O futuro estaria nas mãos dessa classe industrial que unidas por laços orgânicos e harmônicos poria fim às infindáveis desordens da sociedade após a Revolução Francesa e construiria uma ordem social de prosperidade e felicidade. Ele chamava aqueles que nada produziam, a classe governamental, de classe parasitária e defendia um governo dominado por industriais talentosos. Os trabalhadores se organizariam em associações de livres produtores onde a única desigualdade existente seria a baseada nos talentos e nas capacidades. Uma nova ordem social organizada por cientistas e industriais, que substituiriam os grandes proprietários de terras, os altos funcionários, o clero (membros da Igreja), os chefes de governo e até mesmo o rei, pois representavam uma sobrevivência da sociedade feudal e dos governos absolutistas que a Revolução Francesa destruiu. Saint-Simon, por suas ideias é considerado um socialista utópico, como o Karl Marx o classificará no “Manifesto Comunista”, por basear a sua reforma da sociedade numa união entre classes conflitantes. Vamos agora navegar nas águas do pensamento de muitos autores: Augusto Comte, Émile Durkheim, Karl Marx, Max Weber. Todos se aproximam em procurar compreender, cada um ao seu modo, a sociedade industrial que se edifica no contexto histórico da Revolução Industrial e da Revolução Francesa. Cada um ao seu modo dará a sua contribuição para o desenvolvimento da sociologia. Mais do que procurar uma resposta única, o importante é perceber que o ser humano tem uma vida social dinâmica e não comporta uma resposta absoluta e exata sobre seu comportamento e sobre o modo como se organiza socialmente. Aprender a ver as sociedades a partir de vários prismas, de forma relativa consiste em estimular nossa imaginação sociológica. 3. AUGUSTE COMTE (1798-1857) Sabemos que uma ciência é uma construção coletiva e histórica e que podemos encontrar como vimos traços de pensamento sociológico em muitos pensadores ao longo da história. Todavia, confere-se a Augusto Comte o mérito de ter fundado a sociologia. Foi ele que, de fato inventou a palavra, inicialmente dando-lhe o nome de física social e depois, como havia outros pensadores que usavam esse nome forjou o termo unindo dois radicais de origens diferentes: socius do latim e logos do grego. Nascia assim a palavra que se tornaria muito divulgada e passou a expressar uma nova área de saber, ou seja, a ciência da sociedade. Augusto Comte nasceu em Montpellier, na França no ano de 1798. Desde adolescente foi aluno brilhante em Matemática. Aos dezesseis anos entrou para a Escola Politécnica de Paris, tentou sem sucesso ser professor efetivo dessa reputada escola, mas não teve sucesso. Foi secretário e colaborador de San-Simon durante sete anos onde teve seus primeiros contatos com preocupações sociológicas. Após desentendimentos intelectuais e de vaidade, rompe com o antigo mestre e a partir de 1824 realizará sua obra como “intelectual marginal”, sem posição social e de origem humilde. Morre em 1857, como pontífice da Religião da Humanidade, por ele mesmo criada. Escreveu e publicou no período de 1830 a 1842 Curso de Filosofia Positiva, e de 1851 a 1854 Sistema de Política Positiva e Catecismo Positivista em 1852. Profundamente influenciado pelos acontecimentos de sua época – a intensificação da industrialização e o processo político ainda em curso inaugurado com Revolução Francesa que causavam constantes abalos, reviravoltas e destruição das formas tradicionais de sociabilidade – atribuirá à sociologia a missão de contribuir para reorganizar o edifício social em ruína. Para tanto a sociologia deveria desenvolver-se como uma ciência positiva longe das especulações filosóficas sem fundamento científico. Sua máxima positivista ver para prever foi incorporada por ele e marcou a sua obra, o saber científico como forma de prever e agir sobre o presente e o futuro. Desde sua juventude, como aponta o sociólogo Raymond Aron Augusto Comte tinha dois objetivos principais: reformar a sociedade e estabelecer a síntese dos conhecimentos científicos (ARON, 1993, p.107). Otimismo ainda sobrevivente do iluminismo adaptado ao mundo industrial e cientificamente avançado que ele presenciava no século XIX que tenderia a progredir numa marcha civilizatória progressiva. O mundo social, segundo Comte é uma extensão do mundo natural e igualmente governado por leis universais que sociologia deve desvendar. Essas leis só podem ser alcançadas através do mesmo rigor científico das ciências naturais. A sociedade é governada por leis invariáveis tal como no mundo físico. Sua inspiração são os gênios da ciência que ele elevou à divindade em sua religião positivista: Francis Bacon (1561-1626), René Descartes (1596-1650), Galileu Galilei (1564-1642), Isaac Newton (1642-1727) dentre outros expoentes que lançaram as bases do método científico, ou seja, a observação, a experimentação, a comparação e a classificação. Imaginemos um biólogo em seu laboratório. Para que uma vacina seja tida como eficiente ele precisará realizar muitas observações, testar, experimentar esse soro em animais ou mesmo em seres humanos, descrever e classificar cada etapa de sua pesquisa, comparar resultados. A sociologia, na perspectiva comtiana deve se espelhar no métodocientífico das ciências naturais. Galileu, por exemplo, no século XV, contribuiu imensamente para o progresso das ciências ao provar, através de suas observações e cálculos a validade da teoria heliocêntrica, ou seja, o sol é o centro do universo e a terra é que gira em torno do sol e não ao contrário como pensavam os teóricos ligados à Igreja Católica, adeptos da teoria geocêntrica, isto é, que a terra era um corpo imóvel e perfeito no centro do universo. Sabemos também que a lei da gravitação universal criada por Newton tem validade universal para todo o universo físico. René Descartes, por sua vez lembrava que as ciências só avançam através da postura racional de dúvida perante os fenômenos, sendo a única certeza que somos seres pensantes e que existimos: “penso, logo existo” era a sua máxima racionalista. O cientista através de uma postura racionalista e metódica atinge as evidências e as certezas. Francis Bacon, por sua vez, dizia que era preciso combater os ídolos na ciência, isto é, as falsas noções impregnadas de teologia que impediam o desenvolvimento da ciência. A pesquisa científica deve basear-se no método indutivo, isto é, partindo de dados da experiência objetiva para se chegar às conclusões gerais, inaugurando assim, o método experimental. A perspectiva sociológica de Comte, portanto, é a da ciência positiva. O que sociologia tem em comum com a química, física, biologia? O método, responde Comte. O sociólogo, no grande laboratório que é a sociedade humana deverá proceder de forma idêntica, com o mesmo rigor metodológico que esses cientistas em relação ao mundo físico, embora a experimentação, nas ciências sociais se dê de forma indireta, através do método comparativo. O positivismo de Comte é essa confiança na razão e na ciência. Comte acreditava ter descoberto uma lei universal que explicaria finalmente o progresso do espírito humano: a lei dos três estados (estágios). Sustentava que a humanidade em sua marcha, teria passado por três estados diferentes e sucessivos: o estado teológico ou fictício; o estado metafísico ou abstrato; por fim, o estado positivo ou científico. No estado teológico a humanidade compreendia o mundo natural e social através de forças sobrenaturais, eram explicações mitológicas e religiosas que buscavam respostas absolutas. Subdivide-se por sua vez animismo ou fetichismo, politeísmo e monoteísmo. Podemos encontrar exemplos do animismo ou fetichismo nas comunidades primitivas em que os homens depositavam suas crenças em espíritos ou forças sobrenaturais que residiam em determinadas regiões, pessoas, materiais ou animais; exemplos do politeísmo podemos encontrar na Grécia antiga com a crença em uma diversidade de deuses, nos mitos e nos oráculos que explicavam o destino dos homens; O monoteísmo herdado dos hebreus da antiguidade, cria raízes sólidas na Idade Média europeia com o desenvolvimento do cristianismo, o poder espiritual que exercia a Igreja Católica através de sua doutrina, sacramentos e da crença em um único Deus. Em seguida vem o estado metafísico, as forças sobrenaturais são substituídas por entidades abstratas e igualmente absolutas, procurava-se atingir as causas primeiras, a essência, a natureza íntima dos seres, a origem e destino de todas as coisas. A natureza substitui entidades divinas. A especulação filosófica caracteriza esse estado metafísico. Finalmente, no estado positivo impera a razão e a ciência, os fenômenos do mundo natural e social são compreendidos através de explicações objetivas, e baseadas na observação dos fatos. A indústria que avança no ritmo do saber científico e tecnológico e realiza uma mudança fundamental na relação do homem com a natureza representa, para Comte a criação mais consequente do estado positivo. Vejamos nas palavras de Comte: No estado positivo, o espírito humano, reconhecendo a impossibilidade de obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem e a destinação do universo, e a conhecer as causas íntimas dos fenômenos, para se dedicar a descobrir, pelo uso combinado do raciocínio e da observação, suas leis efetivas, isto é, suas relações invariáveis de sucessão e similitude [semelhança]. A explicação dos fatos, reduzida então a seus termos reais, nada mais é, doravante, do que a vinculação estabelecida entre os fenômenos particulares e alguns fatos gerais, dos quais tendem os progressos da ciência a reduzir cada vez mais. (Comte, 1989, p. 148). O termo positivo significa para Comte, como bem expressa o sociólogo Pierre Jean- Simon: “o real por oposição ao quimérico, o útil em contraste com o ocioso, o certo que se opõe ao indeciso, o preciso que rejeita o vago. É também a capacidade de organizar, de construir, ao contrário da aptidão para destruir do negativo. É enfim, sobretudo o relativo que se substitui ao absoluto” (JEAN-SIMON, 1994, p.258) O estado metafísico é intermediário entre o primeiro e o último, serviu para preparar esse momento positivo. Podemos exemplificá-lo, historicamente, no modo de pensar dos filósofos do iluminismo que através de suas críticas corroíam as bases do antigo regime. Quando um filósofo como Jean Jacques Rousseau (1712-1778) fala em um estado imaginário de natureza em que o homem era desprovido de maldade, era um “bom selvagem” e que com o advento do mundo urbano e industrial ele adquire vícios e passa a precisar de leis, regras, ou seja, um contrato social baseado no consentimento do povo soberano, o que faz esse filósofo, senão, com suas ideias revolucionárias, abalar as estruturas do antigo regime. Da mesma forma todos os filósofos que atacaram o poder da Igreja Católica, particularmente o satírico e bem-humorado Voltaire (1694-1778). Charles de Montesquieu (1689-1755), por sua vez, advogava uma divisão de poderes entre executivo, legislativo e judiciário, num ambiente onde os reis eram divinos e absolutos. Todos esses filósofos citados, sem exceção, condenavam um poder absoluto nas mãos de um rei divino como era o caso da França na época da Revolução de 1789. Esses filósofos das Luzes contribuíram cada um com o seu modo de pensar, com sua linguagem filosófica própria, para a chegada, segundo Comte, do estado positivo, colocando em crise o velho mundo onde a religião, as classes nobres, as corporações de trabalhadores urbanos e as comunidades rurais viviam em uma relativa harmonia. No entanto, na perspectiva de Comte, o positivismo quer superar essa especulação filosófica e formular uma explicação científica da sociedade. Esse mundo desorganizado por esses abalos sísmicos causados pelo pensamento revolucionário e incendiário dos filósofos e por essas revoluções sociais, políticas e econômicas precisa de uma explicação científica, ou seja, sociológica. É o que Comte faz ao elaborar os conceitos de estática e dinâmica. A sociologia estática estuda os fenômenos sociais em sua estabilidade e permanência, isto é, em sua ordem social. A sociologia dinâmica estuda a sociedade sob o aspecto da mudança, do movimento, da evolução. Estática e dinâmica reflete as preocupações políticas de Comte. A sociedade do antigo regime (antes da Revolução Francesa) vivia em relativa estabilidade que foi abalada pelos movimentos revolucionários. No estágio positivo da humanidade essas revoluções tempestuosas, essa crítica filosófica que destrói e não constrói nada no lugar, esse individualismo exagerado dos economistas liberais, cede espaço para o progresso do espírito humano, em direção à positividade da ciência e da indústria baseada nas trocas pacíficas, na ilustração do espírito que atingirá a todos e romperá com os conflitos abertos e permanentes e possibilitará a harmonia entre as classes.A dinâmica estende sua visão para o futuro porque seu solo é a ciência e a indústria que não para de se desenvolver e a estática resgata valores do passado, como a vida moral familiar e comunitária, traduzidos agora, numa linguagem positivista. Por um lado, Comte valoriza a crítica corrosiva dos filósofos do iluminismo, mas quer superá-los e buscar uma ordem social para o caos político que presencia na sociedade francesa de sua época. Por outro lado, valoriza as ideias politicamente conservadoras, como as de Edmund Burke (1729-1797) que realizava uma crítica contundente à corrosão dos valores tradicionais, comunitários e familiares, das ideias absurdas dos filósofos das luzes que teriam desorganizado uma sociedade edificada durante séculos no respeito à ordem e à religião. Dinâmica significará para Comte mudança, movimento, progresso em direção à industrialização e constante renovação do saber científico e tecnológico, ou seja, em direção ao estado positivo, todavia sem revoluções tempestuosas e negativas, portanto, dentro da ordem (estática). No plano político o bom governo é aquele que governa através da ordem e do progresso, isto é, um governo positivista é aquele iluminado com a razão científica e, portanto, um governo de sábios e tecnocratas. Essa visão política conservadora e essa perspectiva sociológica teve audiência entre os militares e republicanos brasileiros: o lema de Comte, Ordem e Progresso, (estática e dinâmica) está estampado em nossa Bandeira Nacional. Na escala hierárquica das ciências, cinco haviam alcançado o estágio de positividade, ou seja, utilizavam métodos positivos em suas pesquisas: a Matemática, a Astronomia, a Física, a Química e a Biologia. Os critérios para essa hierarquia consistiam em verificar o maior ou menor grau generalidade de uma ciência, seu poder de abstração, sua autonomia e dependência. A matemática figura entre as primeiras pelo seu grau de simplicidade e generalidade e autonomia frente às demais. A matemática é a base de todas as ciências naturais. A sociologia, para Comte, é a última das ciências na escala evolutiva, todavia é a mais importante: é menos geral, mais dependente de outras ciências, pois sem o exemplo do raciocínio e do método das ciências naturais não teria atingido o estágio de positividade. Todavia, a sociologia é a mais complexa de todas, deve reunir, refletir e sintetizar todo conhecimento científico para a organização e felicidade da humanidade. É também mais complexa, porque o homem é o objeto de estudo mais complicado, a sociedade é esse organismo vivo e complexo que a sociologia da estática e dinâmica deve perceber e explicar cientificamente em seu processo evolutivo e progressivo, desde a família que é a célula elementar do organismo social aumentando em complexidade social até os níveis da indústria e das estruturas de poder do Estado. Após a perda de seu grande amor Clotilde de Vaux, Augusto Comte entra num momento de introspecção e funda a Religião da Humanidade em que Clotilde é santificada, como símbolo da virgem, da pureza, da guardiã da família e da feminidade (ordem) que viria a contrabalançar os valores masculinos da força e virilidade (progresso). O culto à Humanidade, quer dizer, à razão é sintetizado na doutrina: O amor por princípio, a Ordem por base e progresso por fim. Permeada de rituais e hierarquicamente estruturada com seus sacerdotes-sociólogos e um panteão de divindades que são na realidade os heróis da humanidade, os grandes nomes da ciência, da filosofia e da arte. No Brasil essa Igreja Positivista está presente e atuante até os dias atuais. 4. ÉMILE DURKHEIM (1858-1917) Émile Durkheim nasceu em Epinal, França em 15 de abril de 1858 e morreu em 15 de novembro de 1917. Cursou a Escola Normal Superior e foi professor em várias escolas provincianas e mais tarde irá lecionar na Universidade de Bordeaux no cargo de ensino da Pedagogia e Ciência Social e a partir de 1902 é nomeado para a Universidade de Sorbonne na cadeira de Ciências da Educação transformada em 1913 em Ciências da Educação e Sociologia, o primeiro departamento universitário na França a receber essa designação anos depois de Comte ter inventado o nome. Durkeim é uma referência necessária e obrigatória na sociologia contemporânea e na vida de todos os estudantes universitários de vários cursos. Foi um sábio profundamente apaixonado e convencido de sua missão: fundar a sociologia em base científica e sólida e consolidá-la como disciplina acadêmica. Teve um êxito inegável, atestado pela importância atual que a sociologia adquiriu em praticamente todas as universidades e colégios do mundo todo. Suas principais obras são: A divisão do Trabalho Social (1893), As regras do método sociológico (1894), O suicídio (1897), As formas elementares da vida religiosa (1912). O QUE É UM FATO SOCIAL? Embora compartilhe com Augusto Comte a preocupação em tornar a sociologia uma ciência positiva, ou seja, que se baseia no mesmo rigor das ciências naturais (observação, experimentação, comparação, classificação) no estudo dos fenômenos sociais, se distancia deste na maneira de entender como a sociologia deve proceder. Em Regras do método sociológico Durkheim delimita seu objeto de estudo, não é a Humanidade toda como entendia Augusto Comte, mas os fatos sociais. A Humanidade é um objeto de estudo muito vago, mais impreciso ainda é procurar desvendar as leis de sua evolução em linha geométrica, porque o desenvolvimento das sociedades se dá de maneira desigual, umas progredindo em alguns aspectos outras nem sequer se colocam a necessidade de progredir de um determinado jeito. É mais provável que a evolução tenha se dado em forma de uma árvore, com seus ramos e raízes em sentidos históricos diferentes e muitas vezes opostos. Traduzindo, o que Durkheim está falando é que o que existe são sociedades particulares, cada uma com sua história, sua vida material e social, sua cultura, seu modo de ser e entender o mundo. São essas sociedades particulares que o sociólogo irá estudar e observar. Também estudar as sociedades particulares de maneira indiscriminada e aleatória surtiria poucos resultados positivos, portanto, mais precisamente os sociólogos estudam os fatos sociais. O que são os fatos sociais? Vamos ler o texto a seguir para continuarmos a conversa. É importante conhecer e se familiarizar com a linguagem do próprio autor: Estamos, pois, diante de uma ordem de fatos que apresenta caracteres muito especiais: consistem em maneiras de agir, de pensar e de sentir exteriores ao indivíduo e dotadas de um poder de coerção em virtude do qual se lhes impõem. (...) Devemos, portanto, considerar os fenômenos sociais em si mesmos, desligados dos sujeitos conscientes que, eventualmente, possam ter as suas representações; é preciso estudá-los como coisas exteriores, porquanto é nesta qualidade que eles se nos apresentam. (...) O fato social é reconhecível pelo poder de coerção externa que exerce ou é susceptível de exercer sobre os indivíduos; e a presença deste poder é reconhecível, por sua vez, seja pela existência de alguma sanção determinada, seja pela resistência que o fato opõe a qualquer empreendimento individual que tenta violá-lo. (...) É fato social toda maneira de agir fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou então ainda, que é geral na extensão de uma sociedade dada, apresentando uma existência própria, independente das manifestações individuais. (DURKHEIM , 1978. pp., 88, 90, 91, 92, 93, 100). Para fazer sociologia, para desenvolver um olhar sociológico temos que sair do senso comum,afastar as pré-noções, tudo isso porque a sociologia é uma ciência e o olhar deve ser científico. Durkheim estabelece como regra sociológica primordial que o fato social deve ser visto como coisa. Ele não está dizendo, que os seres humanos devem ser tratados como uma coisa qualquer e muito menos que os seres humanos para os sociólogos não passam de coisas como madeiras, pedras. Imaginemos um biólogo em seu laboratório: ele observa uma célula no seu microscópio objetivamente, assim como no mundo da física, da biologia, da química há coisas observáveis também se pode dizer o mesmo em sociologia. No sentido sociológico, tratar os fatos sociais como coisas é compreendê-los como objetos de estudo. Para Durkheim, como vimos, o objeto de estudo dos sociólogos, por excelência, são os fatos sociais: a religião, a educação, as relações econômicas etc. são fatos sociais, são exteriores à consciência dos indivíduos e devem ser estudados como objetos de estudo, de forma objetiva, impessoal, sem julgamento de valor. O mesmo distanciamento e objetividade que um biólogo deve ter para com o seu objeto de estudo, ou seja, os seres vivos, o sociólogo não foge à regra. Caso pretendamos, por exemplo, estudar objetivamente uma determinada religião, não podemos estar armados com nossos preconceitos, nossos pontos de vista pessoais, isto é, com nossos juízos de valor, porque, agindo assim não estaremos sendo sociólogos e não produziremos nenhuma explicação válida e importante sobre as crenças e a maneira de ser, de agir e de se organizar desses fiéis. Tire a religião do exemplo e coloque uma escola, um sindicato, na empresa privada, uma repartição pública ou uma simples volta pelo mercado municipal de uma cidade. Durkheim ensina que para atingir objetividade científica no estudo da vida social, para se produzir algo digno de ser lido por outros e apreciado como importante para a sociedade que você vive é recomendável, ou melhor, é regra científica que você tome o devido distanciamento do seu objeto de estudo, estude os fatos sociais como coisas. Na natureza só há coisas e o cientista natural estuda seus fatos como coisas. Os fatos que ocorrem na sociedade, igualmente, devem ser compreendidos objetivamente, como coisas, afastando todo tipo de preconceito do senso comum. O sociólogo deve ter uma postura científica, racionalista no estudo dos fatos sociais. Designamos como social uma multidão de ocorrências. Todos os indivíduos comem, bebem, dormem, raciocinam, tem pensamentos que são comuns ou realizam um movimento repetido e mecânico, como bocejar quando alguém próximo de nós o faz. Com certeza são ocorrências sociais, mas não são fatos sociais no sentido dado por Durkheim. Fato social deve apresentar três características: É exterior às consciências e manifestações individuais; Deve ter um caráter de generalidade; Tem um poder de coerção sobre as consciências e manifestações individuais. Vamos compreender melhor tudo isso. Vamos supor que você entre em um culto religioso e observe a conduta das pessoas. Os indivíduos estão se relacionando sem a preocupação de calcular cada gesto ou cada centímetro de sua atitude. Aliás, pareceria um louco quem assim agisse. O modo de ser e de se comportar dos indivíduos presentes no culto religioso seguem convenções e regras sociais que eles não se dão conta, fazem isso ou aquilo porque é assim que precisa ser feito. A sociedade, com suas normas, sua cultura e, sobretudo com sua moral social, à medida que partilhamos coletivamente esses valores passa a ter uma existência própria, uma independência em relação aos indivíduos. Percebemos que não é um indivíduo que age de determinado modo no culto, muitos têm condutas que se assemelham, se aproximam, há uma regularidade nas condutas dos fiéis, é geral na extensão do grupo religioso que eu estou observando. As pessoas não sentem o poder de coerção, de pressão dos fatos sociais. Os fieis desse grupo religioso que estamos observando não se sentem coagidos ou obrigados por nada, relacionam-se como se só existissem indivíduos com vontade própria, não nos damos conta, mas a sociedade está presente com sua moral, suas normas e regras em cada membro ali presente. Imaginemos agora que um indivíduo se comporte de maneira reprovável durante o culto, receberá a censura dos demais. Nesse momento negativo percebe-se mais claramente o poder imperativo da sociedade, isto é, dos fatos sociais, porque o indivíduo violou regras de conduta consideradas importantes para a coesão do grupo religioso e recebeu da parte do grupo uma sanção, que pode ser uma simples censura, um olhar de reprovação ou algo mais forte, mais grave, por exemplo, a expulsão daquela congregação religiosa. A sociedade, salienta Durkheim, é uma realidade sui generis, isto é, singular, única. Portanto, um fato social, dirá Durkheim, só pode ser explicado por outro fato social. Aumentaremos nossa compreensão dos fatos sociais no item seguinte. CONSCIÊNCIA COLETIVA E SOLIDARIEDADE SOCIAL Durkheim viveu uma época em que a França e a Europa de maneira geral passavam por muitas mudanças sociais. A industrialização, as novas tecnologias aplicadas a indústrias, novas fontes de energia como a eletricidade e o petróleo e a crescente urbanização e aglomeração das pessoas nas grandes cidades; em poucas palavras o desenvolvimento do capitalismo, trazia consigo uma série de desafios sociais que ele procurou abordar em suas obras. Vamos ler agora um fragmento extraído de seu livro Da divisão do Trabalho Social, vejamos: O conjunto de crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade forma um sistema determinado que tem sua vida própria; poderemos chamá-lo: a consciência coletiva ou comum. (...) é completamente diversa das consciências particulares, se bem que se realize somente entre os indivíduos. (...) Há em cada uma de nossas consciências (...) duas consciências: uma, que é comum a nós e ao nosso grupo inteiro e que, por conseguinte, não é nós mesmos, mas a sociedade inteira que vive e age em nós; a outra, que, ao contrário, só nos representa no que temos de pessoal e distinto, no que faz de nós um indivíduo.[Solidariedade Mecânica]: A solidariedade que deriva das semelhanças se encontra em seu apogeu quando a consciência coletiva recobre exatamente nossa consciência total e coincide em todos os pontos com ela. Mas, nesse momento, nossa individualidade é nula. Ela [a individualidade] só pode nascer se a comunidade ocupa menos lugar em nós. (...) Nas sociedades em que essa solidariedade é muito desenvolvida o indivíduo não se pertence (...) ele é literalmente uma coisa de que a sociedade dispõe. [Solidariedade Orgânica]: Bem diverso é caso da solidariedade produzida pela divisão do trabalho. Enquanto a precedente implica que o os indivíduos se assemelham, esta supõe que eles diferem uns dos outros. A primeira só é possível a medida em que a personalidade individual é absorvida na personalidade coletiva; a segunda só é possível se cada um tiver uma esfera de ação própria, por conseguinte uma personalidade. É necessário, pois, que a consciência coletiva deixe descoberta uma parte da consciência individual, para que nela se estabeleçam essas funções especiais (...). Pertence à natureza das tarefas especiais escapar à ação da consciência coletiva; pois, para que uma coisa seja objeto de sentimentos comuns, a primeira condição é que ela seja comum, isto é, que esteja presente em todas as consciências e que todos possam representá-la de um único e mesmo ponto de vista. (...) Mesmo no exercício de nossa profissão, conformamo-nos a usos, a práticas que são comuns a nós e atoda nossa corporação. Mas, mesmo nesse caso, o jugo que sofremos é muito menos pesado do que quando a sociedade inteira pesa sobre nós. [No tipo de solidariedade orgânica] a individualidade do todo aumenta ao mesmo tempo que a das partes; a sociedade torna-se mais capaz de mover em conjunto, ao mesmo tempo em que cada um de seus elementos tem mais movimentos próprios. (DURKHEIM, 2008. pp. 50,104,106,107,108.). A consciência coletiva, como vimos, são as crenças, os valores, os sentimentos comuns presentes à média dos indivíduos de uma determinada sociedade, faz parte do indivíduo, mas vai além dele. A consciência coletiva é, portanto, um fato social, tem um poder de coerção sobre as consciências individuais. Podemos perceber a força da consciência coletiva, por exemplo, na representação que em nossa sociedade tem da relação entre pais e filhos. Os pais devem educar os filhos e dar-lhes carinho, devem ser severos quando preciso, mas ponderados e tolerantes quando necessário, os filhos, por sua vez, devem tratar os pais de forma respeitosa e amorosa. Se numa comunidade qualquer os papéis que os pais devem desempenhar não são cumpridos, ou seja, os filhos numa determinada família são tratados violentamente ou de forma intolerável ou inversamente, se os filhos tratam os seus pais de forma que fere os sentimentos coletivos de como deve ser os filhos para com os pais, a consciência coletiva age com suas sanções num sentido moral, os vizinhos, a escola ou o próprio poder público manifestam-se. A educação dos filhos, a família são coisas sociais e a consciência coletiva não fica indiferente. A consciência coletiva é uma dimensão moral da sociedade. São correntes de pensamento e sentimentos que perpassam invisíveis o corpo social, só a percebemos em casos limites como em nosso exemplo, mas ela está presente nas relações afetivas, nas relações profissionais ou familiares, etc., ou seja, em tudo o que é social a sociedade está presente. No trabalho eu me comporto de determinada maneira, à mesa uso talheres, cumpro as obrigações de irmão, namorado, esposo, cidadão, honro compromissos que contraí na compra de um bem qualquer, comunico-me através da língua falada em minha cultura, tudo se passa com naturalidade. A consciência coletiva pesa sobre nós, no entanto não a sentimos como uma força estranha. A organização social, o funcionamento da sociedade só é possível pela presença da consciência coletiva. A sociedade para Durkheim não é uma simples soma de indivíduos, é um corpo orgânico em analogia a um organismo vivo, cada órgão deve cooperar com os demais para o corpo como um todo funcione harmonicamente. As consciências particulares precisam estar combinadas e associadas para formar uma individualidade psíquica de novo gênero, ou seja, a consciência coletiva que depende do indivíduo, mas, tem existência própria. Os conceitos de solidariedade mecânica e solidariedade orgânica nos faz entender melhor o que Durkheim está dizendo por consciência coletiva. A sociedade moderna, industrial, capitalista, passa por um processo de crescente diferenciação social, ou seja, uma crescente especialização das funções, que, por sua vez é consequência da divisão do trabalho social. Percebemos isso claramente quando visualizamos o interior de uma fábrica; cada operário realiza uma função, cada seção compõe-se de um determinado número de trabalhadores. Pensemos em uma indústria automobilística: uma seção produz o motor, outra monta o carro, outra verifica a qualidade do que foi produzido, isso tudo falando simplificadamente. São muitas as empresas, os operários se diferenciam pelos vários ramos da indústria. Façamos o mesmo exercício de pensamento para a sociedade de modo geral: existe na política o poder executivo, o poder legislativo, o poder judiciário; nos serviços uns são educadores, médicos, advogados, eletricistas, pedreiros, merceeiros e assim por diante. A diferenciação se estende infinitamente, no estilo de vida, no tipo de gosto, na moda, etc. Pois bem, Durkheim dirá que essa nova realidade produz uma nova solidariedade, um novo tipo de laço entre as pessoas, que ele chama de solidariedade orgânica. Numa fábrica, que pode ser comparada a um organismo vivo, cada operário coopera com o outro, cada seção especializada coopera com a outra para realizar o produto final, o carro, por exemplo. Na sociedade em geral também, sem nos damos conta dependemos um do outro, cooperamos, para que seja possível a organização social. O médico, o professor, o eletricista, o merceeiro, cada qual desempenhando sua função constrói a arquitetura social caracterizada pela interdependência tanto na esfera econômica, como na política e nas relações em geral. A solidariedade mecânica, por sua vez, é característica de sociedades “simples” se comparadas com a sociedade industrial moderna. Numa sociedade indígena, de cultura tradicional, por exemplo, a divisão do trabalho social é mais simples: há uma divisão sexual do trabalho: os homens fazem determinadas tarefas, por exemplo, caçam e pescam e as mulheres cuidam dos trabalhos domésticos e da agricultura. Os homens são educados para serem guerreiros e caçadores, as mulheres são educadas para procriar e cuidar da casa. Uns são feiticeiros e adivinhos, os velhos representam uma autoridade, constituem um conselho de anciãos. Essa imagem ultra simplificada de uma sociedade indígena tradicional nos ajuda a compreender o conceito de solidariedade mecânica: é própria de um organismo social mais “simples”, onde a diferenciação social e, portanto, a divisão do trabalho social é menos extensa, baseada no sexo e na idade. Podemos estender essa imagem para uma cidade do interior, onde a diferenciação social também é muito diferente de uma cidade metropolitana. O que tudo isso tem a ver com consciência coletiva? Vamos entender: Em uma sociedade onde vigora uma intensa e crescente divisão do trabalho social, ou seja, onde há mais diferenciação social a consciência coletiva é mais fraca, mais frouxa, mais elástica, mais flexível, portanto a margem de liberdade das pessoas é grande, há mais individualidade, a consciência coletiva, a moral social, não pesa tanto, embora não deixe nunca de existir. Costumamos dizer que tal indivíduo é moderno, querendo dizer que ele tem um estilo de vida próprio da sociedade moderna e industrial, também é mais livre, tem mais autonomia se comparado com sociedades mais tradicionais, onde a religião, por exemplo, ainda tem um peso grande na conduta das pessoas. Numa sociedade moderna, a religião, embora continue tendo o seu papel, não cobre todas as dimensões de existência do indivíduo, sua liberdade de pensamento tem amplo terreno para crescer e vicejar. Numa sociedade em que vigora a solidariedade mecânica o peso da consciência coletiva é maior, isto é, há menos individualidade, a moral social é mais rigorosa, podemos dizer que a tradição, aqueles valores e regras respeitados há muito tempo, influencia mais o comportamento das pessoas, o indivíduo tem que se movimentar ao ritmo do corpo social como um todo; os desvios em relação ao comportamento padrão são mais facilmente percebidos. Exagerando ao extremo, numa sociedade onde impera absolutamente a solidariedade mecânica e a consciência coletiva a individualidade é nula. Essa seria uma situação limite. O mundo moderno desenvolve, por seu lado, aspectos disfuncionais. As rápidas mudanças vindas com o mundo moderno, o enfraquecimento da religião, crenças e valores tradicionais, podem criar um extremo individualismo, uma elasticidade exagerada da consciência coletiva e a destruição dos laços de solidariedade, podem criar disfunções nocorpo social que Durkheim caracteriza como anomia (ausência de regras sociais) um vazio social, um sentimento de desespero e angústia ou uma ética puramente utilitária que desvaloriza o outro ou vê no outro um simples meio de obter vantagens. Uma situação inquietante em que pode de desenvolver uma solidariedade negativa, anômica. É importante lembrar, nas palavras de Dukheim que existe em nós duas consciências que se combinam, uma que nos força mais para a individualidade, a ser nós mesmos, a outra que nos movimenta mais em direção do coletivo, é a própria sociedade dentro de nós. Embora seja uma só consciência e ambas se equilibram, o desequilíbrio extremado pode causar uma situação de anomia. Vamos a um exemplo, que igualmente iremos exagerar: Numa cidade do interior, fortemente marcada por laços face a face, as pessoas são mais próximas umas das outras, na praça central visualizamos todos os poderes constituídos; a igreja, a delegacia, o fórum, o prédio da prefeitura. Uma via central e a disposição da maior parte do comércio local neste pequeno centro, as relações de vizinhanças são mais estreitas. Geralmente os valores sociais e a moral social costuma ser mais rigorosa. Comportar-se mais livremente, por exemplo, em relação ao estilo de vida, ser “moderno” de mais pode chocar a consciência coletiva dessa pequena cidade, que responde a essa afronta com sanções, reprovações, alguém pode até chamar a polícia. Já numa cidade grande o estilo de vida é mais diversificado, as pessoas se vestem de inúmeras maneiras, vivem uma vida sexual mais livre, ou seja, tem mais individualidade, portanto, a consciência coletiva é mais flexível. Podemos sintetizar o dissemos num pequeno esquema. Leia em linha horizontal considere os sinais de mais (+) e menos (–) indicando a intensidade de cada elemento que combinados dão um resultado (=): (–) Divisão do Trabalho Social (–) Diferenciação Social (–) Individualidade (+) Consciência Coletiva (=) Solidariedade Mecânica (+) Divisão do Trabalho Social (+) Diferenciação Social (+) Individualidade (–) Consciência Coletiva (=) Solidariedade Orgânica Vamos dar mais um exemplo que Durkheim usou muito para ilustrar o que ele pretendia dizer por fato social e consciência coletiva. O crime é um fato social, não existe uma sociedade que não exista crime, a não ser uma sociedade de santos, portanto, do ponto de vista sociológico, crime é um fato normal. Todavia como definir crime, se uma simples ofensa numa sociedade pode ser tratada severamente e noutra é vista como falta leve ou mesmo nem é considerado um ato delituoso. Crime então, no sentido sociológico, pode ser definido como todo ato que ofenda a consciência coletiva e que, por sua vez, reclama por parte destes sentimentos coletivos ofendidos uma determinada pena. Neste sentido muitas reações da sociedade que costumamos a chamar de pena apresentam semelhanças e diferenças captáveis pela observação e possível de ser definido na categoria crime. Neste sentido crime não será só aquilo que prescreve a lei jurídica e formal, mas tudo o que ofende a consciência coletiva e reclama por parte desta uma reação que se chama pena. Veja que é bem diferente de uma visão em que crime é o que está previsto na lei. É mais que isso. A própria lei é uma expressão dos sentimentos sociais. É a sociedade, portanto, que pune uma ofensa realizada contra ela, por meio da consciência coletiva, que em última análise pode se expressar nos aparelhos repressivos institucionais, o Direito, a Justiça, mas também em sanções de reprovações e censuras. Quando o crime deixa de ser um fato normal? Quando ele atinge uma taxa muito elevada ou quando determinado crime é sentido como algo desorganizador da vida social com intensidade desmedida. Tudo depende da conjuntura social que se está analisando. Durkheim dirá que, sociologicamente, ele será considerado um fato patológico, isto é, o organismo social está doente, as regras sociais e morais, em determina conjuntura, não estão funcionando adequadamente, estão falhando, os laços de solidariedade estão esgarçados, a sociedade está desorganizada. Essa situação pode piorar, desenvolvendo-se uma doença mais crônica, desenvolvendo uma situação de anomia quando a imunidade do organismo social não está dando conta dos milhões de vírus que estão lhe atacando. Um exemplo da ficção nos ajuda a compreender o crime numa situação de anomia: quando, por exemplo, o crime organizado se embrenha no aparelho do Estado, elegendo deputados, governadores, como bem mostra o filme Tropa de Elite, dirigido por José Padilha (Brasil, 2007), em que Wagner Moura protagoniza o Capitão Nascimento, destemido comandante do BOPE, Batalhão de Operações Especiais, uma ficção com forte apelo à verossimilhança. De maneira geral o crime é um fato normal. Essa perspectiva sociológica de Durkheim pode ser entrevista no pensamento do sociólogo brasileiro Sérgio Adorno: As infrações contra o patrimônio cometidas por adolescentes infratores, no período de 1993-96, representam 51,1% (no período anterior, 1988-91, representavam 49,5%. Entre esses crimes, o roubo tomou a dianteira antes ocupada pelo furto. Os registros relativos ao uso e porte de droga representam 4,30%, enquanto as relativas ao tráfico representam 2,90%. É muito pouco significativa a ocorrência de homicídios (1,30%), embora essa modalidade de infração tenha a faculdade de exercer ampla mobilização da opinião pública e estimular o imaginário coletivo de medo e insegurança. É significativo que 11,70% de todos os registros refiram-se a lesões corporais resultantes de agressões, uma proporção quase três vezes maior que o porte ilegal de armas e do que as infrações relativas ao porte, consumo e tráfico de drogas. (Adorno, Sergio. Adolescentes na Criminalidade Urbana em São Paulo, Brasília, Ministério da Justiça, Secretaria do Estado dos Direitos Humanos, 1999.) Observe que embora algumas modalidades de crimes cometidos por adolescentes tenham taxas mais altas, os homicídios cometidos por eles chocam mais a consciência coletiva, e faz crescer o sentimento de medo e insegurança, pois, no imaginário popular a criança, os adolescentes representam a continuidade da sociedade, dizemos geralmente “a juventude é o futuro da nação”. SUICÍDIO: UM ESTUDO EXEMPLAR. Em seu estudo sobre O suicídio publicado em 1897, e no seu intuito de fundar a sociologia como ciência autônoma, diferenciando-a de outras ciências, notadamente da psicologia. Durkheim escolhe como objeto de estudo um objeto curioso, o suicídio. Por mais individual que seja uma pessoa tirar a própria vida, pode ser tratado como um fato social, ou seja, podemos perceber a influência da sociedade neste tipo de atitude. Estudando e interpretando os dados estatísticos da França da época Durkheim elabora uma explicação eminentemente sociológica. Classifica o suicídio relacionando com suas ideias sobre a solidariedade social e pelo maior ou menor grau de integração de um indivíduo na sociedade: O suicídio egoísta é explicado pela baixa integração do indivíduo na sociedade, pelo seu isolamento, a sociedade está fracamente representada em sua consciência. O casamento, a religião e outras situações, fornecendo ao indivíduo um sentido para a sua vida, lhe protege e integra. O suicídio altruísta ocorre quando o indivíduo está integrado de mais, sua individualidade está submersa no coletivo a exemplo dos pilotos japoneses, os kamikazes que durante a segunda guerra mundial se atiravam suicidamente sobre os seus alvos americanos ou os “homensbomba” islâmicos, nesses casos uma causa, uma missão se eleva acima do indivíduo. Por fim o suicídio anômico, causado pela falta regulação social. Em determinas situações, crises econômicas, transformações muito abruptas, divórcio, e muitas outras, o indivíduo não sente o chão sob os seus pés e as regras sociais não funcionam mais como referência na situação conturbada. REPRESENTAÇÕES COLETIVAS Em todas as suas obras Durkheim procura abordar as representações coletivas elevadas à condição de fato social e produtoras de fatos sociais. Através das manifestações religiosas, por exemplo, o indivíduo deposita sua força em uma força que o transcende, que vai além dele e que em última análise para é a própria sociedade. Através dos rituais religiosos as pessoas reforçam o seu pertencimento ao grupo. A religião consiste na demarcação, por parte das representações religiosas de dois campos, o sagrado e profano. As crenças religiosas são, portanto, representações que prescrevem, num sentido moral, ao indivíduo, como deve ser o seu comportamento em relação ao campo do sagrado. Quando juntos numa mesma atmosfera religiosa os indivíduos reforçam seus laços sociais de solidariedade e a sociedade se edifica em verdadeira potência que é adorada. As representações religiosas são representações coletivas que exprimem realidades coletivas; os ritos são maneiras de agir que surgem unicamente no seio dos grupos reunidos e que se destinam a suscitar, a manter, ou a refazer certos estados mentais desses grupos. (Durkheim, 1989. p. 38). Alguns fatos sociais, como o crime, para retomar o nosso exemplo anterior, redimensiona nosso entendimento. Uma representação observa Durkheim, não é simplesmente uma imagem da realidade, uma sombra inerte projetada em nós pelas coisas. O crime por representar um estado contrário aos nossos sentimentos, justamente aqueles que nos são mais caros, contrário ao que entendemos por ordem social, introduz uma desorganização e provoca por parte da consciência coletiva uma reação emocional. A imagem da Medusa entre os gregos da antiguidade provocava a petrificação de quem à via de frente. Simboliza as forças da desordem que deveríamos evitar e combater, enquanto Apolo era o deus que simbolizava as forças da harmonia. Observe que representações coletivas é coisa diferente de consciência coletiva. Quando representamos nossa vida social através das crenças religiosas ou de nossas ideias do entendemos por ordem social em oposição à desordem, estamos alimentando nossa consciência dos elementos sociais mais diversos. O pão representa o corpo de Cristo, o vinho representa o sangue. A cruz representa o sacrifício. A missa reforça esse pertencimento do grupo e revive o momento fundamental da vida cristã católica. A consciência coletiva é o motor e o idioma de nossa ação, são os sentimentos comuns, as crenças e valores comuns, uma força moral que nos faz agir nesta ou naquela direção. As representações coletivas são manifestações sociais, consistem em veículos das crenças e sentimentos, exprime uma realidade coletiva. Falando de outro modo, podemos dizer, a consciência coletiva é integrada por representações coletivas, ou ainda, a consciência coletiva é a totalidade das representações coletivas organizadas de uma determinada maneira, por exemplo, pelo campo do sagrado, quando os indivíduos interagem e compartilham os valores religiosos da sociedade ou de uma determinada Igreja ou grupo religioso. Quais as características do senso comum? Quais as características da atitude científica? O que caracteriza a sociologia como ciência? Você já experimentou olhar sociologicamente para fatos a que você não dava tanta importância, seguindo o exemplo do cafezinho? Qual a distinção entre problema sociológico e problema social e individual? As estruturas sociais determinam completamente o comportamento humano? Clique aqui e leia o artigo que complementa os estudos sobre a influência dos positivistas na ciência DE LACERDA, G. B. AUGUSTO COMTE E O “POSITIVISMO” REDESCOBERTOS. REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 17, Nº 34 : 319-343 OUT. 2009. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/rsocp/v17n34/a21v17n34.pdf> Acesso em agosto de 2016 Nesta unidade compreendemos a evolução do conceito de Sociologia, suas especificidades enquanto ciência, sua linguagem e as principais contribuições; Conhecemos o contexto histórico do surgimento da Sociologia, sua problemática e as principais abordagens. Finalizamos com a análise dos novos conceitos relacionados a este campo do conhecimento, as abordagens positivistas e relacionar às problemáticas contemporâneas. ADORNO, Sergio. Adolescentes na Criminalidade Urbana em São Paulo, Brasília, Ministério da Justiça, Secretaria do Estado dos Direitos Humanos, 1999. ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 1993. BERGER, Peter. Perspectivas sociológicas: uma visão humanística. Petrópolis: Vozes, 1986. BERGER, Peter e LUCKMANN, Thomas. A Construção Social da Realidade. São Paulo: Vozes, 1985. BERGER, Peter L. e BERGER, Brigitte. Socialização: como ser um membro da Sociedade. In: FORACCHI, Marialice Mencarini e MARTINS, José de Souza (orgs.). Sociologia e Sociedade: leituras de introdução à sociologia. Rio de Janeiro: São Paulo: LTC – LivrosTécnicos e Científicos Editora Ltda, 1977. DURKHEIM, Émile. Regras do Método Sociológico. São Paulo: Abril Cultural, 1978. ____________. Da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fontes, 2008. _____________. Émile. Formas elementares da vida religiosa: o sistema totêmico na Austrália. São Paulo: Edições Paulinas, 1989. GIDDENS, Anthony. Sociologia. Porto Alegre. Artmed, 2005. JEAN-SIMON, Pierre. História da Sociologia. Porto, Portugal: Rés-Editora, 1994. MILLS, C. Wright. A imaginação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. UNIDADE 2: PENSAMENTO SOCIOLÓGICO • Compreender as duas perspectivas sociológicas: a concepção materialista da história de Karl Marx e a sociologia compreensiva de Max Weber; • Reconhecer o desenvolvimento de linhas teóricas diferentes na história do pensamento sociológico e verificar a validade científica destas perspectivas. • Relacionar pontos de vistas diferentes da sociedade observando seus pontos convergentes e divergentes. 1. KARL MARX (1818-1883) RELAÇÕES DE PRODUÇÃO E CONTRADIÇÕES SOCIAIS Karl Marx nasceu em 5 de maio de 1818 em Treves na Alemanha e morre em 1883 em seu eterno exílio político em Londres na Inglaterra. Formado em Direito, nunca exerceu a profissão, dedicando-se aos estudos que extrapolaram em muito sua formação, interesses filosóficos, econômicos, políticos etc. Seus estudos, ricos em percepções sociológicas influenciou, incontestavelmente no processo de desenvolvimento da sociologia. Sua obra é ampla, sendo o Manifesto Comunista de 1848, um dos documentos históricos mais conhecidos do mundo. Outras obras como O 18 Bumário de Luís Bonaparte de 1851-1852 refletindo sobre os conflitos de classe na França e, sobretudo sua obra máxima O Capital cujo primeiro volume foi publicado em 1867. Em muitas outras obras é visível o interesse sociológico embora nunca tenha usado essa expressão para indicar seus estudos. O ponto de vista sociológico de Marx está fundamentado em sua concepção materialista
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