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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS HELEN ROSE CARLOS RODRIGUES GUIMARÃES O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DIFUSO: ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE O SISTEMA NORTE-AMERICANO E O BRASILEIRO FRANCA 2018 HELEN ROSE CARLOS RODRIGUES GUIMARÃES O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DIFUSO: ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE O SISTEMA NORTE-AMERICANO E O BRASILEIRO Artigo científico apresentado como requisito para a conclusão da disciplina “As organizações internacionais sociais em face da globalização econômica: estudo sobre a evolução da cidadania social no âmbito internacional”; vinculada ao programa de pós-graduação em Direito da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. 1 INTRODUÇÃO O sistema de controle de constitucionalidade brasileiro é um sistema híbrido ou eclético, ou seja, se constituiu sob a influência de dois sistemas estrangeiros. O modelo norte-americano influenciou o controle de constitucionalidade difuso, exercido pelo Poder Judiciário como um todo, enquanto o modelo europeu (austríaco) serviu de inspiração para o controle de constitucionalidade concentrado, exercido pela jurisdição de uma corte constitucional. Sendo uma estrutura eclética, que combinou duas influências em um sistema único, é de singular importância o estudo de tais ingerências. Primeiro, em razão da necessidade de contextualização. A origem de tais sistemas se dá em contexto diverso à sua implantação no ordenamento jurídico de um outro país. Ademais, não parece sensato supor que um modelo produz resultados iguais para onde quer que seja importado: há um contexto histórico e cultural nos quais estão/são inseridos. Assim, é justificável – e desejável – que se investigue o contexto de origem e as peculiaridades de cada sistema, bem como as circunstâncias de sua implantação em outros locais. Neste exercício, evita-se que equívocos possam surgir da constatação acrítica da influência estrangeira em outros ordenamentos jurídicos. Este estudo propõe uma investigação jurídica-comparativa (GUSTIN, 2010, p. 28), que possibilita a identificação de similitudes e diferenças de normas e instituições em dois ou mais sistemas jurídicos. Por meio de uma análise micro-comparada (VADI, 2015, p. 20), entre a origem do controle de constitucionalidade norte-americano e controle de constitucionalidade difuso brasileiro. A terminologia micro-comparação esclarece que será analisada apenas uma parte de dois ordenamentos jurídicos distintos (o controle de constitucionalidade). Tal proposta direciona para um foco específico dentro de dois sistemas jurídicos, sem a intenção de estuda-los como um todo, apenas investigando sobre o controle de constitucionalidade difuso. Na lição de Ovídio (1984, p. 179): Através da análise e comparação de ordenamentos jurídicos distintos, será possível não só encontrar os seus pontos comuns e evidenciar as suas particularidades como, também, captar as características básicas dos diversos países, o espírito do seu povo, as suas instituições, o seu projeto histórico, etc. Como o modelo norte-americano é puramente difuso, a investigação destacou o controle difuso do modelo brasileiro a fim de realizar a comparação. Importante esclarecer que este recorte é possível, haja vista que as duas formas de controle de constitucionalidade no ordenamento jurídico brasileiro têm influências diversas, permitindo o estudo separado de cada uma delas. Por outro lado, não faria sentido analisar comparativamente o paradigma e o paragonado, se este último contemplasse aspectos estranhos ao exemplo de inspiração. Opta-se por deixar a investigação da influência europeia (em sede de controle abstrato de constitucionalidade) para outro momento, dada a natureza deste trabalho, que requer certa objetividade na condução da pesquisa dado o número de páginas reduzido. Por meio de uma análise comparada, este artigo busca demonstrar um estudo qualitativo sobre o surgimento do controle de constitucionalidade norte- americano e o controle de constitucionalidade abstrato brasileiro. O método comparativo igualmente permite identificar convergências e distinções, contribuindo para uma melhor compreensão sobre o sistema de controle de constitucionalidade em ambos países. 2 A CONSTRUÇÃO DO PRINCÍPIO DE SUPREMACIA CONSTITUCIONAL E DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Tratar sobre controle de constitucionalidade pressupõe a existência de uma Constituição escrita e de um princípio de supremacia da Constituição. Nos Estados Unidos da América, o campo para o assentamento da ideia de supremacia constitucional se deu antes mesmo da promulgação de uma Constituição escrita. Estabelece Cappelletti: [...] a maior parte das Colônias foi regida por “cartas o estatutos de la Corona”. Estas “Cartas” podem ser consideradas como as primeiras Constituições das Colônias, sejam porque eram vinculatórias para a legislação colonial, seja porque regulavam as estruturas jurídicas fundamentais das próprias Colônias. Então, estas Constituições amiúde expressamente dispunham que as Colônias podiam, certamente, aprovar suas próprias leis, mas sob a condição de que estas leis fossem “razoáveis” e, como quer que seja, “não contrárias s leis do Reino da Inglaterra” e, por conseguinte, evidentemente, não contrárias à vontade suprema do Parlamento inglês.” (1984, ps. 60-1, grifo nosso). A observância da compatibilidade entre os estatutos coloniais e as leis do reino da Inglaterra era fiscalizada pelos juízes das colônias, conforme determinação do Conselho Privado do Rei. Esta submissão das cartas coloniais às leis do reino contribuiu para a conformação de uma supremacia da lei positiva. Pode-se compreender, portanto, que o princípio da supremacia do parlamento da Inglaterra deu azo à compreensão posterior de supremacia da Constituição. Aliás, no início do século XVII, a Inglaterra se encontrou sobre a influência do pensamento de Sir Edward Coke, jurista inglês, responsável pela difusão da ideia de autoridade do juiz como árbitro entre o rei e a nação (CAPPELLETTI, 1984, p. 60). A doutrina de Coke foi tida como uma luta contra o absolutismo do rei e do parlamento, de acordo com seu pensamento, o common law é um direito superior, isto é, quando as leis desrespeitarem um direito ou uma razão comum, serão nulas e destituídas de eficácia (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2012, p. 709). Porém foi abandonada na Inglaterra com a Revolução Gloriosa de 1688, mas não deixou de influenciar as colônias inglesas na América do Norte. A ideia de um juiz como árbitro e uma certa limitação aos atos do parlamento estava, de certa forma, difundida. Por ocasião da independência, as cartas e estatutos que regiam as colônias foram substituídas por leis fundamentais. As colônias se constituíram Estados independentes, no entanto, a necessidade de fortalecer a união para enfrentar a Inglaterra, deu origem ao Articles of Confederation, formando uma confederação a partir dos estados que se originaram das antigas colônias. Posteriormente, a convocação da Convenção da Filadélfia aprovaria a primeira Constituição Americana e, por força do pacto constituinte de 1787, foi criada a primeira República Federativa e Presidencialista (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2012, p. 44) – estabelecendo uma unidade nacional das antigas colônias inglesas (SOARES, 1998, p. 139). Importantedestacar, nesta conjuntura, que por ingerência do modelo, o ordenamento jurídico nos Estados Unidos foi baseado no common law: The most significant feature of the common law, past and present, and the essential element in its historic growth, the fact that it is preeminently a system built up by gradual accreation of special instances. With the common law, unlike the civil law and its Roman law precursor, the formulation of general principles has not preceded decision. In its orign, it is the law of the practitioner rather than the philosopher. Decision had drawn the inspiration and its strength from the very facts which frame the issues for decision. Once made, the decision controls the future judgments of courts in like or analogous cases. General rules, underlying principles, and finally legal doctrine, have successively emerged only as the precedents, accumulates through the centuries, have been seen to follow a pattern, characteristically not without distortion and occasional broken threads, and seldom conforming consistently to principle. (STONE, 1936, p. 6, grifo nosso). Conforme estabelece Stone, a construção da lei no sistema common law se dá, portanto, por meio de precedentes (stare decisis), ou seja, a partir das decisões da Suprema Corte que passam a regular os demais órgãos do poder judiciário (BINENBOJM, 2014, p. 34). A existência de uma Constituição escrita e a resolução do famoso caso Marbury x Madison1 consagraram, finalmente, o princípio da supremacia da Constituição. A decisão do caso constituiu o primeiro marco da jurisdição constitucional, como assinala Binenbojm: [...] o célebre aresto de John Marshall, proferido pela Suprema Corte no caso William Marbury vs. James Madinson, em 1803, que entraria para a história como o marco primeiro da jurisdição constitucional, não foi um gesto de improvisação, mas o resultado de um longo amadurecimento doutrinário e jurisprudencial. A partir dele, entretanto, o controle judicial da constitucionalidade das leis de incorporou definitivamente à experiência constitucional dos Estados Unidos. (2014, p. 29). 1 Sobre o desdobramento do caso Marbury vs. Madison vide BINENBOJM, Gustavo. A nova jurisdição constitucional. Legitimidade democrática e instrumentos de realização. 4ª ed. Revista, ampliada e atualizada, Rio de Janeiro : Renovar, 2014, ps. 29-31. Em breve síntese, ao julgar uma preliminar de incompetência da Corte Suprema, o juiz John Marshall definiu que “as competências da Suprema Corte estavam taxativamente elencadas na Constituição, sendo insuscetíveis de ampliação por lei” (BINENBOJM, 2014, p. 31). Do mesmo modo, Marshall estabeleceu a competência do poder judiciário para rever os atos do executivo e do legislativo, à luz da Constituição (BARROSO, 2012, p. 31). Esta perspectiva edificou a ideia de Constituição como limitadora dos atos de governo e da legislatura, ou seja, não poderiam ser tais atos válidos, se incompatíveis com texto constitucional. Por meio de uma construção argumentativa, a Suprema Corte norte- americana construiu a noção de judicial review e da supremacia da Constituição. Neste aspecto, convém destacar o que afirmou Favoreu, ao estudar as cortes constitucionais (2004, p. 20): “Nos Estados Unidos a Constituição é sagrada”. A divergência entre as bases do ordenamento jurídico norte-americano (common law) e brasileiro (civil law) é fundamental para entender a origem da supremacia constitucional e, por conseguinte, a revisão judicial em ambos países. Como visto, a construção do controle de constitucionalidade norte- americano se deu por meio da jurisprudência, ou seja, se deu sem previsão normativa constitucional, mas por meio de precedente – que é a fonte precípua do sistema do common law (influência anglo-saxônica). No Brasil, a colonização portuguesa trouxe a tradição milenar do direito romano-germânico, fundado no civil law. Wolkmer ensina que: Houve a desconsideração de práticas jurídicas mais antigas de um direito comunitário, nativo e consuetudinário, impondo uma cultura legal proveniente da Europa e da Coroa Portuguesa. Esta estrutura jurídica formal, fundada nas Ordenações portuguesas visava “garantir que os impostos e os direitos aduaneiros fossem pagos, e na formação de um cruel (...) código penal para se prevenir de ameaças diretas ao poder do Estado.” [...] um código civil estatal se daria somente nas primeiras duas décadas do século XX. Entretanto, refletindo bem a preocupação predominava no bojo de um Estado agrário e escravocrata, “(...) somente o Código Penal e o Código de Processo Penal foram realmente concluídos no Império.”. Ora, no período da colonização, o Direito Estatal predominante foi basicamente o Direito oficial da autoridade instituída, que, com as devidas adaptações era extraído e elaborado a partir da legislação portuguesa. (2001, ps. 85-6, grifo nosso). A codificação do direito, portanto, se constituiu na estrutura jurídica adotada no Brasil, assentando como fonte do direito o texto da lei. Assim diferentemente do modelo norte-americano, o sistema legal foi precipuamente fundado no civil law – não em precedentes. Em 1824, ainda no Império, foi promulgada a primeira Constituição brasileira. Nascida “de cima para baixo”, isto é, imposta pelo rei ao “povo” (FAUSTO, 1997, p. 149), seguia uma influência francesa e não previa nenhum controle de constitucionalidade, estabelecendo ao poder legislativo a função de zelar pelo texto constitucional. Assim como nas colônias inglesas, permanecia a prevalência do princípio da supremacia do parlamento (BINENBOJM, 2014, p. 121). Apenas em 1891, com a promulgação da Constituição da República, é que se implementou o controle de constitucionalidade: [...] o controle de constitucionalidade foi introduzido no Brasil com a República, tendo recebido previsão expressa na Constituição de 1981 (arts. 50 e 60). Da dicção dos dispositivos relevantes extraía-se a competência das justiças da União e dos Estados para pronunciarem-se acerca da invalidade das leis em face da Constituição. O modelo adotado foi o americano, sendo a fiscalização exercida de modo incidental e difuso. Com alterações de pequena monta, a fórmula permaneceu substancialmente a mesma ao longo de toda a República, chegando à Constituição de 1988. (BARROSO, 2012, p. 85) A forma difusa de controle de constitucionalidade, como primeiro modelo adotado no Brasil, reflete a inspiração no modelo norte-americano na primeira Constituição da República. Como lecionam Sarlet, Marinoni e Mitidiero: Foi a grande influência do pensamento de Rui Barbosa sobre a Constituição de 1891; essa foi fortemente carregada com as tintas do direito estadunidense. Assim, não foi por acaso que o controle de constitucionalidade foi com ela sedimentado, já que a sua semente foi lançada na “Constituição Provisória da República”, de 1890 – Dec. 510, de 22.06.1890, arts. 58, §1º e 59. (2012, p. 741, grifo nosso). A supremacia da Constituição foi prevista no seu próprio texto, por ocasião das alíneas a) e b) do §1º no artigo 59 da Constituição (BRASIL, 1891). Pode-se entender, desta forma, que a construção da ideia de controle de constitucionalidade e, consequentemente, da supremacia do texto constitucional no ordenamento jurídico brasileiro, não decorreu de uma fundamentação argumentativa, mas de previsão normativa constitucional. Cabe aqui o registro de uma outra importante diferença entre as constituições brasileiras e a americana. A Constituição Americana, em vigor desde 1789, possui 7 (sete) artigos e foi acrescida de 27 (vinte e sete) emendas. É classificada, portanto, como uma constituiçãosintética, como ensinam Souza Neto e Sarmento (2012, p. 37). Os autores explicam que a aquela Magna Carta se limitou a definir princípios gerais que orientam a organização do Estado e estabelecer alguns direitos individuais – característica tipicamente de modelos constitucionais liberais. Já no Brasil, tivemos desde 1824 a promulgação de muitas constituições, permanecendo a atual de 1988. A influência do civil law fez com que as constituições minuciassem e fixassem detalhadamente os institutos jurídicos constitucionalizados. Atualmente, sem fugir desta tradição, a Constituição de 1988 é tida como uma das mais extensas do mundo na lição daqueles autores, sendo classificada como analítica e prolixa (SOUZA NETO; SARMENTO, 2012, p. 37) Para facilitar a compreensão sobre as condições em que se implementou o controle de constitucionalidade difuso em ambos países, se apresenta o seguinte quadro: Modelo de Controle de Constitucionalidade Norte-Americano Modelo de Controle de Constitucionalidade Abstrato Brasileiro Sistema Common Law Sistema Civil Law Justificação do controle de constitucionalidade por meio de um precedente Justificação do controle de constitucionalidade por vontade do Constituinte Constituição escrita sintética Constituição escrita analítica Quadro elaborado pela autora. As distinções até agora apresentadas contextualizam a afirmação de Binenbojm: Não se deve olvidar, entretanto, que o referido sistema [de controle de constitucionalidade difuso] foi plagiado da matriz norte-americana, vinculada à tradição do common law. Assim representando embora inegável avanço, do ponto de vista democrático, pelo acesso direto à Constituição que proporciona às partes em litígio e aos juízes e tribunais, tal sistema exibiu, desde logo, algumas deficiências e outras tantas inconveniências, decorrentes de sua adoção em um país herdeiros da tradição jurídica romano-germânica. (2014, p. 124). 3 STARE DECISIS X SÚMULA VINCULANTE A característica essencial do controle de constitucionalidade difuso é a sua forma desconcentrada. Todos os juízes da organização judiciária nos EUA podem exercer o controle de constitucionalidade. A Suprema Corte norte- americana é o ponto mais alto do poder judiciário, cuja competência é recursal. Como competência recursal (que pode eventualmente avocar cases de instâncias inferiores), ela vincula todas as demais instâncias judiciárias por meio do precedente (stare decisis), que atua como harmonizador do sistema, promovendo a segurança jurídica: Esta expressão [stare decisis] designa o fato de que, a despeito de exceções e atenuações, os julgados de um tribunal superior vinculam todos os órgãos judiciais inferiores no âmbito da mesma jurisdição. Disso, resulta que a decisão proferida pela Suprema Corte é obrigatória para todos os juízes e tribunais. E, portanto, a declaração de inconstitucionalidade em um caso concreto traz como consequência a não aplicação daquela lei a qualquer outra situação, porque todos os tribunais estarão subordinados à tese jurídica estabelecida. De modo que a decisão, não obstante referir-se a um litígio específico, produz efeitos gerais, em face de todos (erga omnes). (BARROSO, 2012, p. 71). No Brasil, o controle de constitucionalidade difuso também ocorre de modo incidental: em casos cujo objeto da lide não é a declaração de inconstitucionalidade, porém esta é uma questão prejudicial no processo e influi na razão de decidir. Assim, a declaração incidental de inconstitucionalidade é feita no exercício normal da função jurisdicional, que é a de aplicar a lei contenciosamente (BARROSO, 2012, p. 72). Não há o instituto do stare decisis no cenário brasileiro, muito embora exista a súmula vinculante (introduzida pela emenda n. 45 de 2004). Todavia, ao contrário dos EUA, onde o precedente se origina simplesmente de uma decisão em um caso concreto e vincula os órgãos judiciários inferiores, a súmula vinculante só pode ser criada se cumpridos os requisitos de reiteradas decisões e aprovação dos ministros do STF (art. 103-A, caput, Constituição Federal de 1988) – e esta vincula não só os órgãos do poder judiciário, mas também do executivo e legislativo (LEAL, 2006, p. 128). Há um certo dissenso a respeito da aplicação da súmula vinculante, que frequentemente é comparada com o stare decisis do common law: [,,,] a súmula vinculante seria uma forma de adaptação brasileira da noção de stare decisis, conceito presente do direito anglo-saxônico e que permite a obrigatoriedade da repetição do precedente. (SOUZA, 2014, p. 713) Para Barroso (2012, p. 103), a súmula vinculante “alinha-se com a crescente tendência de valorização da jurisprudência no Direito contemporâneo”. Nas linhas do autor, o aumento da litigiosidade justifica sua aplicação, bem como o fato de uma mesma controvérsia jurídica originar inúmeras demandas. Seria um modo, portanto, de racionalizar e simplificar o processo decisório, onde há litígios em massa. A súmula vinculante contribui, assim, para a celeridade e eficiência da Justiça, diminuindo a quantidade de recursos que chega ao Supremo. Contudo, Souza (2014, p. 713) sintetiza três principais aspectos nos quais se concentram as críticas da súmula vinculante. Primeiramente, a súmula vinculante cercearia a independência do magistrado, obrigando-o a julgar conforme posicionamento de Tribunais Superiores. Nesta perspectiva, haveria um engessamento das próprias teses jurídicas, que não poderiam ser alteradas para melhor atender à realidade social e temporal. Noutro tanto, o poder judiciário não poderia elaborar enunciados com efeitos semelhantes ao de lei, posto que não possui legitimidade democrática. CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar da inspiração norte-americana na instituição do controle de constitucionalidade difuso no ordenamento jurídico brasileiro, há divergências estruturais que decorre das diferentes bases do direito de ambos países. De início, talvez seja possível afirmar que a cultura de um sentimento constitucional existente nos EUA tenha sido possível diante da natureza sintética de sua Constituição, e da construção de uma ideia de supremacia do texto constitucional que foi construída por um longo período, como a investigação pode constatar. Já no Brasil, parece difícil assentar um sentimento constitucional a partir de uma Constituição prolixa e analítica. Além disso, a instabilidade do texto constitucional faz parte da história brasileira: foram promulgadas oito constituições; enquanto nos EUA, a Constituição Americana se mantém há mais de 200 anos, com poucos artigos e algumas emendas. A Constituição brasileira de 1988, em trinta anos de vigência, estava com 99 emendas até dezembro de 2017. Com uma Constituição analítica, a instituição de um controle de constitucionalidade esteve sempre prevista no texto constitucional das Constituições brasileiras. Deste modo, diferentemente da justificação principiológica do judicial review, o controle de constitucionalidade difuso no Brasil foi instituído por vontade do constituinte e expressamente consagrado na Magna Carta de 1891, prevalecendo até a atual Constituição de 1988. Finalmente, com a investigação de ambos sistemas, foi possível constatar que as decisões em sede de controle difuso no Brasil não surtiram o efeito que se alcançava do modelo de origem, uma vez que o stare decisis não faz parte do sistema brasileiro. Considerando que a declaração de inconstitucionalidade alcançava apenas as partes, é inevitável negar que havia uma certa instabilidade ou insegurança jurídica em relação às decisões. A emenda 45 de 2004 procurou adaptar o stare decisisno cenário brasileiro, com a obrigatoriedade de aplicação do precedente, por meio da chamada súmula vinculante. No entanto, questiona-se a legitimidade democrática de um corpo de magistrados determinar uma decisão de força vinculante obrigatória, similar a uma lei, uma vez que não foram eleitos para tanto. Aliás, sobre a legitimidade democrática, nisto há certa convergência entre os países. Nos EUA se questiona a justificação do próprio judicial review e, por conseguinte, do stare decisis: uma vez que a construção da ideia de controle de constitucionalidade norte-americano se deu por uma decisão da Suprema Corte, como já anteriormente assinalado. Já no Brasil, também se questiona a atuação do Supremo Tribunal Federal, embora haja previsão normativa constitucional que o confere a competência para exercer o controle de constitucionalidade. Sem pretender aprofundar no debate, cabe ressaltar que tanto o Supremo Tribunal como a Suprema Corte pronunciam a última palavra institucional no âmbito da Constituição – e tem força vinculante, seja pelo precedente, seja pela súmula. Porém, nem um, nem outro, submetem suas decisões a um controle democrático posterior, sendo juiz de sua própria autoridade. (BINENBOJM, 2014, p. 49). Esta convergência problemática pode indicar o compartilhamento de teorias de ambos os países na busca de uma solução para esta clássica questão acerca da legitimidade da jurisdição constitucional, no contexto da democracia. REFERÊNCIAS BARROSO, L. R. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 6ª ed. rev. e atual. São Paulo : Saraiva, 2012. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 29 abr. 2018 BRASIL. Constituição (1891). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891: promulgada em 24 de fevereiro de 1891. 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