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DOS PRINCÍPIOS E INSTRUMENTOS DA POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS LYSSANDRO NORTON SIQUEIRA Mestre em Direito. Procurador do Estado de Minas Gerais. Professor do Curso de Especialização em Direito Ambiental e Direito Público da Faculdade Milton Campos. Professor dos Cursos de Graduação em Direito do Centro Universitário UNA e do Centro Universitário UNI-BH. Professor e Coordenador do Curso de Especialização em Direito Ambiental do Centro Universitário UNA. Coordenador, em Minas Gerais, da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil (APRODAB). RESUMO O presente trabalho tem por objeto a abordagem dos princípios e instrumentos da nova Política Nacional de Resíduos Sólidos, instituída pela Lei n. 12.305, de 2 de agosto de 2010,bem como os seus respectivos instrumentos, já sob a perspectiva do Decreto n. 7.404, de 23 de dezembro de 2010. Introdução A publicação da Lei n. 12.305, de 2 de agosto de 2010, veio atender aos anseios da sociedade brasileira, ao instituir a Política Nacional de Resíduos Sólidos, dispondo sobre seus princípios, objetivos e instrumentos. Entre os princípios da nova Política Nacional de Resíduos Sólidos destaca-se a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos. Apesar de sua concepção no âmbito de um sistema de responsabilidade civil ambiental objetiva, a aplicação do referido princípio trará algumas discussões jurídicas, especialmente quanto aos instrumentos disponíveis para tanto. Entre estes instrumentos, destaca-se o mecanismo da logística reversa, conhecido do setor produtivo, mas que ganha com a nova lei contornos ambientais. Este trabalho terá por objeto o exame de princípios, bem como os respectivos instrumentos, da Política Nacional de Resíduos Sólidos. 1. A importância de uma Política Nacional de Resíduos Sólidos A existência de uma política pública destinada à regulação do gerenciamento de resíduos sólidos é essencial para qualquer sociedade que se pretenda sustentável. A lacuna legislativa até então existente em nosso País dava margem a grandes distorções na solução deste grave problema. Com efeito, a ausência de uma lei, regulando uma política nacional de resíduos sólidos, deixava os entes federados com razoável liberdade para definir prioridades, estabelecer restrições e incentivos a atividades empreendedoras. Tal liberdade acabou por provocar um certo desequilíbrio entre os procedimentos adotados em distintos municípios e estados da federação. Oportunamente, portanto, foi publicada a Lei n. 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, dispondo sobre seus princípios, objetivos e instrumentos. Foram definidas as diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos; às responsabilidades dos geradores e do poder público e aos instrumentos econômicos aplicáveis. Regulamentada pelo Decreto n. 7.404, de 23 de dezembro de 2010, a nova lei dispôs de forma ampla quanto aos que estariam a ela sujeitos: as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, responsáveis, direta ou indiretamente, pela geração de resíduos sólidos e as que desenvolvam ações relacionadas à gestão integrada ou ao gerenciamento de resíduos sólidos. Veja-se a lição de Édis Milaré: A Política Nacional de Resíduos Sólidos preencheu uma importante lacuna no arcabouço regulatório nacional. Essa iniciativa é o reconhecimento, ainda que tardio, de uma abrangente problemática ambiental que assola o País, problemática esta de proporções desconhecidas, mas já com diversos episódios registrados em vários pontos do território nacional, e que tem origem exatamente na destinação e disposição inadequadas de resíduos e consequente contaminação no solo, além da dificuldade de identificação dos agentes responsáveis. Esses registros indicam a gravidade de situações de contaminação do solo e das águas subterrâneas, com risco efetivo à saúde pública e à biota, além do comprometimento do uso de recursos naturais em benefício da sociedade. Com efeito, os episódios de poluição do solo têm, como característica preponderante, o grande período de latência entre o fato causador e manifestação - e consequente percepção - de efeitos mais graves no meio ambiente e, em algumas vezes, na saúde da população do entorno, direta ou indiretamente exposta à contaminação. De acordo com levantamentos divulgados na imprensa à época da edição da Lei 12.305/2010, das 170 mil toneladas de resíduos produzidas diariamente no País, 40% vão para lixões ou aterros irregulares, 12% não são coletados e 48% são destinados a aterros sanitários.1 A lei, de forma expressa, excluiu de seu raio de atuação os rejeitos radioativos, que são regulados por legislação específica e ressalvou a aplicação 1 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina jurisprudência, glossário. 7. ed. rev., atual. e reform. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 855. concomitante das Leis n. 11.445, de 5 de janeiro de 2007, 9.974, de 6 de junho de 2000, e 9.966, de 28 de abril de 2000, as normas estabelecidas pelos órgãos do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (Suasa) e do Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Sinmetro). Uma nova política pública, contudo, não se constrói apenas com a edição de uma lei. É preciso que haja uma modificação de paradigmas e a quebra de alguns padrões comportamentais, até então arraigados em nossa cultura omissiva e permissiva, quanto ao manejo e gerenciamento de resíduos sólidos em todo o país. Como nos ensina João Alberto Ferreira, “o estabelecimento de novos padrões comportamentais e culturais depende de um trabalho de educação e conscientização e deveria (deve) ser tarefa da atual geração e das próximas, na construção de um novo modelo de mundo” 2. A demonstração de que as normas isoladas pouco significam quando implementadas sem a participação da sociedade está no próprio setor de pilhas e baterias. Apesar da regulamentação da questão pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, através da Resolução n. 401, de 04 de novembro de 2008, em substituição a Resolução CONAMA n. 257/1999, estamos longe de alcançar patamares razoáveis de recolhimento dos respectivos resíduos dos mencionados produtos, essenciais ao estilo de vida eletrônico que a sociedade moderna vem adotando. De acordo com dados da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica – Abinee, são 1,2 bilhão de pilhas e 400 milhões de baterias de celular comercializadas por ano no Brasil. O reaproveitamento, entretanto, é mínimo, limitando-se a cerca de 6 milhões de pilhas e baterias por ano, menos de 1% do comercializado.3 Em face da grande expectativa de que a nova Política Nacional de Resíduos Sólidos tenha trazido solução para os problemas apontados, trataremos, neste trabalho, da questão relativa à responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, abordando, por conseqüência a sistemática da logística reversa. 2 FERREIRA, João Alberto. Resíduos sólidos: perspectivas atuais. In: OLIVEIRA, Rosália Maria de. e SISINNO, Cristina Lucia Silveira (org.). Resíduos sólidos, ambiente e saúde: uma visão multidisciplinar. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2000, p. 19. 3 Espaço Ecológico. Disponível em http://www.espacoecologiconoar.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=695 7&Itemid=59.Acesso em 13 fev. 2011. 2. Dos Princípios da Política Nacional de Resíduos Sólidos A Lei n. 12.305/2010 consagrou os seguintes princípios da Política Nacional de Resíduos Sólidos: Art. 6o São princípios da Política Nacional de Resíduos Sólidos: I - a prevenção e a precaução; II - o poluidor-pagador e o protetor-recebedor; III - a visão sistêmica, na gestão dos resíduos sólidos, que considere as variáveis ambiental, social, cultural, econômica, tecnológica e de saúde pública; IV - o desenvolvimento sustentável; V - a ecoeficiência, mediante a compatibilização entre o fornecimento, a preços competitivos, de bens e serviços qualificados que satisfaçam as necessidades humanas e tragam qualidade de vida e a redução do impacto ambiental e do consumo de recursos naturais a um nível, no mínimo, equivalente à capacidade de sustentação estimada do planeta; VI - a cooperação entre as diferentes esferas do poder público, o setor empresarial e demais segmentos da sociedade; VII - a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos; VIII - o reconhecimento do resíduo sólido reutilizável e reciclável como um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania; IX - o respeito às diversidades locais e regionais; X - o direito da sociedade à informação e ao controle social; XI - a razoabilidade e a proporcionalidade. Temos, entre os princípios consagrados, comandos dogmáticos já investigados no Direito Administrativo, Constitucional e Ambiental. Entre os princípios específicos da PNRS merece destaque a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos. O princípio em questão se mostra essencial para a efetivação da nova política nacional de resíduos sólidos. A delimitação de alguns conceitos se faz necessária para analisarmos a amplitude do comando dogmático. A nova lei, no artigo 3º, IV, conceituou ciclo de vida do produto como uma série de etapas que envolvem o desenvolvimento do produto, a obtenção de matérias-primas e insumos, o processo produtivo, o consumo e a disposição final. O conceito de responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, nos termos do disposto no inciso XVII do artigo 3º da Lei n. 12.305/2010, compreende o conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, para minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados, bem como para reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos. A responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos deverá ser implementada de forma individualizada e encadeada, abrangendo os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, os consumidores e os titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos. Na mesma linha da Lei n. 12.305/2011, o Decreto n. 7.404/2010, em seu artigo 5º, prevê que os fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes, consumidores e titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos são responsáveis pelo ciclo de vida dos produtos. No que se refere aos resíduos decorrentes da produção, comercialização, utilização, transporte e destinação de embalagens vazias de agrotóxicos, a questão já era especialmente regulada pelo artigo 14 da Lei n. 7.802/1989: Art. 14. As responsabilidades administrativa, civil e penal pelos danos causados à saúde das pessoas e ao meio ambiente, quando a produção, comercialização, utilização, transporte e destinação de embalagens vazias de agrotóxicos, seus componentes e afins, não cumprirem o disposto na legislação pertinente, cabem: a) ao profissional, quando comprovada receita errada, displicente ou indevida; b) ao usuário ou ao prestador de serviços, quando proceder em desacordo com o receituário ou as recomendações do fabricante e órgãos registrantes e sanitário- ambientais; c) ao comerciante, quando efetuar venda sem o respectivo receituário ou em desacordo com a receita ou recomendações do fabricante e órgãos registrantes e sanitário-ambientais; d) ao registrante que, por dolo ou por culpa, omitir informações ou fornecer informações incorretas; e) ao produtor, quando produzir mercadorias em desacordo com as especificações constantes do registro do produto, do rótulo, da bula, do folheto e da propaganda, ou não der destinação às embalagens vazias em conformidade com a legislação pertinente; f) ao empregador, quando não fornecer e não fizer manutenção dos equipamentos adequados à proteção da saúde dos trabalhadores ou dos equipamentos na produção, distribuição e aplicação dos produtos. Neste caso, tratando-se de lei especial, em relação à Política Nacional de Resíduos Sólidos, há que ser a mesma observada, desde que respeitados os princípios advindos do novo diploma legal. A aplicação da responsabilidade compartilhada tem por objetivo: I - compatibilizar interesses entre os agentes econômicos e sociais e os processos de gestão empresarial e mercadológica com os de gestão ambiental, desenvolvendo estratégias sustentáveis; II - promover o aproveitamento de resíduos sólidos, direcionando-os para a sua cadeia produtiva ou para outras cadeias produtivas; III - reduzir a geração de resíduos sólidos, o desperdício de materiais, a poluição e os danos ambientais; IV - incentivar a utilização de insumos de menor agressividade ao meio ambiente e de maior sustentabilidade; V - estimular o desenvolvimento de mercado, a produção e o consumo de produtos derivados de materiais reciclados e recicláveis; VI - propiciar que as atividades produtivas alcancem eficiência e sustentabilidade; e VII - incentivar as boas práticas de responsabilidade socioambiental. Considerando a amplitude do comando dogmático, verifica-se que a efetivação do princípio da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos mostra-se essencial para o sucesso da Política Nacional de Resíduos Sólidos, com especial atenção para os distintos destinatários da norma. Para a aplicação da responsabilidade pelo ciclo de vida dos produtos, os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, nos termos do artigo 31 da Lei n. 12.305/2010, deverão realizar investimentos no desenvolvimento, na fabricação e na colocação no mercado de produtos que sejam aptos, após o uso pelo consumidor, à reutilização, à reciclagem ou a outra forma de destinação ambientalmente adequada e cuja fabricação e uso gerem a menor quantidade de resíduos sólidos possível. Além disso, deverão divulgar informações relativas às formas de evitar, reciclar e eliminar os resíduos sólidos associados a seus respectivos produtos. Deverão, ainda, recolher os produtos e os resíduos remanescentes após o uso, assim como promover a sua subseqüente destinação final ambientalmente adequada, no caso de produtos objeto de sistema de logística reversa e assumir o compromisso de, quando firmados acordos ou termos de compromisso com o Município, participar das ações previstas no plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos, no caso de produtos ainda não inclusos no sistema de logística reversa. Especificamente, quanto às embalagens, considerar-se-á, para os fins legais, como responsável todo aquele que: I - manufatura embalagens ou fornece materiais para a fabricação de embalagens; II - coloca em circulação embalagens, materiais para a fabricação de embalagens ou produtos embalados, em qualquer fase da cadeia de comércio. Nos termos do disposto no artigo 32 da Lei n. 12.305/2010 os responsáveis deverão assegurar que as embalagens sejam restritas em volume e peso às dimensõesrequeridas à proteção do conteúdo e à comercialização do produto; projetadas de forma a serem reutilizadas de maneira tecnicamente viável e compatível com as exigências aplicáveis ao produto que contêm; e recicladas, se a reutilização não for possível. A participação da sociedade neste processo de implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos é essencial, sendo necessário para tanto o grande estudo e divulgação das conseqüências nefastas da má gestão dos resíduos sólidos. Neste sentido, a nova lei, além de consagrar a responsabilidade compartilhada como princípio, impôs, especificamente quanto ao sistema de coleta seletiva, obrigações aos consumidores que deverão acondicionar adequadamente e de forma diferenciada os resíduos sólidos gerados e disponibilizar adequadamente os resíduos sólidos reutilizáveis e recicláveis para coleta ou devolução. Paralelamente à imposição das obrigações, o parágrafo único do artigo 35, prevê que o poder público municipal poderá instituir incentivos econômicos aos consumidores que participam do sistema de coleta seletiva. Espera-se, entretanto, que a interpretação do referido dispositivo não iniba o exercício do efetivo poder de polícia com a imposição de sanções pelo descumprimento das normas agora vigentes. Cumpre, neste sentido, destacar o disposto no § 2º do artigo 84 do Decreto n. 7.404/10 (que alterou o artigo 62 do Decreto n. 6.514/08), dispondo que os consumidores que descumprirem as obrigações previstas nos sistemas de logística reversa e de coleta seletiva estarão sujeitos à penalidade de advertência. No caso de reincidência no cometimento da referida infração, poderá ser aplicada a penalidade de multa, no valor de R$ 50,00 (cinqüenta reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais). Na perspectiva do compartilhamento de responsabilidade, a lei impôs obrigações ao Poder Público, que, em essência, consagram o instrumento da logística reversa. Caberá ao titular dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, observado, se houver, o plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos adotar procedimentos para reaproveitar os resíduos sólidos reutilizáveis e recicláveis oriundos dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos; estabelecer sistema de coleta seletiva; articular com os agentes econômicos e sociais medidas para viabilizar o retorno ao ciclo produtivo dos resíduos sólidos reutilizáveis e recicláveis oriundos dos serviços de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos; realizar as atividades definidas por acordo setorial ou termo de compromisso, mediante a devida remuneração pelo setor empresarial; implantar sistema de compostagem para resíduos sólidos orgânicos e articular com os agentes econômicos e sociais formas de utilização do composto produzido; dar disposição final ambientalmente adequada aos resíduos e rejeitos oriundos dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos. De maneira mais específica, o artigo 11º da Lei 12.305/2010 impôs aos Estados as obrigações de promover a integração da organização, do planejamento e da execução das funções públicas de interesse comum relacionadas à gestão dos resíduos sólidos nas regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, e de controlar e fiscalizar as atividades dos geradores sujeitas a licenciamento ambiental pelo órgão estadual do SISNAMA, priorizando as iniciativas do Município de soluções consorciadas ou compartilhadas entre 2 (dois) ou mais Municípios. Como forma de evitar disparates entre políticas regionais e buscar a continuidade das políticas instituídas, o novo diploma legal estabeleceu que os planos estaduais de resíduos sólidos serão elaborados para vigência por prazo indeterminado, abrangendo todo o território do Estado, com horizonte de atuação de 20 (vinte) anos e revisões a cada 4 (quatro) anos, e deverão necessariamente contemplar medidas para incentivar e viabilizar a gestão consorciada ou compartilhada dos resíduos sólidos. Sem prejuízo das responsabilidades comuns aos demais entes federados, o artigo 19 da lei estabeleceu que o plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos terá, como conteúdo mínimo, diagnóstico da situação dos resíduos sólidos gerados no respectivo território, contendo a origem, o volume, a caracterização dos resíduos e as formas de destinação e disposição final adotadas; identificação de áreas favoráveis para disposição final ambientalmente adequada de rejeitos, observado o plano diretor de que trata o § 1º do art. 182 da Constituição Federal e o zoneamento ambiental, se houver; identificação das possibilidades de implantação de soluções consorciadas ou compartilhadas com outros Municípios, considerando, nos critérios de economia de escala, a proximidade dos locais estabelecidos e as formas de prevenção dos riscos ambientais e a descrição das formas e dos limites da participação do poder público local na coleta seletiva e na logística reversa, respeitado o disposto no art. 33, e de outras ações relativas à responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos. Por seu turno o plano de gerenciamento de resíduos sólidos terá como conteúdo mínimo a identificação das soluções consorciadas ou compartilhadas com outros geradores e as ações relativas à responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos. Mesmo em hipóteses em que serão admitidos planos municipais simplificados, o princípio da responsabilidade compartilhada deverá ser respeitado. Com efeito, nos termos do disposto no artigo 51 do Decreto n. 7.404/2010, os Municípios com população total inferior a vinte mil habitantes, apurada com base nos dados demográficos do censo mais recente da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia Estatística - IBGE, poderão adotar planos municipais simplificados de gestão integrada de resíduos sólidos desde que haja descrição das formas e dos limites da participação do Poder Público local na coleta seletiva e na logística reversa e de outras ações relativas à responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos. 3. Instrumentos A Política Nacional de Resíduos Sólidos elenca entre os seus instrumentos a coleta seletiva, os sistemas de logística reversa e outras ferramentas relacionadas à implementação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos. Art. 8o São instrumentos da Política Nacional de Resíduos Sólidos, entre outros: I - os planos de resíduos sólidos; II - os inventários e o sistema declaratório anual de resíduos sólidos; III - a coleta seletiva, os sistemas de logística reversa e outras ferramentas relacionadas à implementação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos; IV - o incentivo à criação e ao desenvolvimento de cooperativas ou de outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis; V - o monitoramento e a fiscalização ambiental, sanitária e agropecuária; VI - a cooperação técnica e financeira entre os setores público e privado para o desenvolvimento de pesquisas de novos produtos, métodos, processos e tecnologias de gestão, reciclagem, reutilização, tratamento de resíduos e disposição final ambientalmente adequada de rejeitos; VII - a pesquisa científica e tecnológica; VIII - a educação ambiental; IX - os incentivos fiscais, financeiros e creditícios; X - o Fundo Nacional do Meio Ambiente e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico; XI - o Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (Sinir); XII - o Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico (Sinisa); XIII - os conselhos de meio ambiente e, no que couber, os de saúde; XIV - os órgãos colegiados municipais destinados ao controle social dos serviços de resíduossólidos urbanos; XV - o Cadastro Nacional de Operadores de Resíduos Perigosos; XVI - os acordos setoriais; XVII - no que couber, os instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente, entre eles: a) os padrões de qualidade ambiental; b) o Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais; c) o Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental; d) a avaliação de impactos ambientais; e) o Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente (Sinima); f) o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras; XVIII - os termos de compromisso e os termos de ajustamento de conduta; XIX - o incentivo à adoção de consórcios ou de outras formas de cooperação entre os entes federados, com vistas à elevação das escalas de aproveitamento e à redução dos custos envolvidos. Sobre estes instrumentos, merece destaque a lição de Paulo de Bessa Antunes: Há um amplo rol de instrumentos da PNRS, os quais, seguindo uma tendência bastante marcada em nossa legislação ambiental, tendem a ser vagos, pouco claros e capazes de gerar conflitos interpretativos e de atribuições complexos. Expressões como "no que couber", francamente, não têm qualquer significado inteligível. Já s pode antever, sem a menor sombra de dúvida, graves conflitos interinstitucionais entre os conselhos de meio ambiente e os de saúde, "no que couber". Por outro lado, o Cadastro nacional de Operadores de resíduos perigosos é uma redundância em face do Cadastro Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais, um vez que o primeiro cadastro é um subconjunto do segundo. Dado que a PNRS é subordinada à PNMA, sendo em realidade uma política setorial, faz-se desnecessária qualquer menção aos instrumentos disponíveis na política-mãe, como o licenciamento ambiental, por exemplo.4 Serão abordadas, neste tópico, algumas características destes instrumentos. Em nossa Política Nacional de Resíduos Sólidos, a logística reversa é conceituada, no artigo 3º, XII, da Lei n. 12.305/2011, como o instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada. É preciso deixar claro, entretanto, que a expressão logística reversa tem significado mais amplo do que aquele que se pretende dar em nossa Política Nacional de Resíduos Sólidos. Apesar de aparentemente complexo, o conceito da logística reversa consiste na simples idéia de incentivar que os resíduos gerados pelas mais diversas atividades percorram o caminho de volta sendo reaproveitados pelos respectivos empreendedores, constituindo-se, por isso mesmo, em importante instrumento para a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos. No viés ambiental da logística reversa não há igualmente novidade quanto à responsabilidade pela implementação deste importante instrumento. Os empreendedores beneficiários da geração de resíduos serão logicamente os principais responsáveis pelos procedimentos de recolhimento ou reutilização de seus resíduos. Tal idéia já constava de normas ambientais anteriores à Política Nacional de Resíduos Sólidos. Com efeito, a Resolução CONAMA n. 362, de 23 de junho de 2005, ao dispor sobre o recolhimento, coleta e destinação final de óleo lubrificante usado ou contaminado, impôs ao produtor, ao importador e ao revendedor a responsabilidade pelo recolhimento e destinação final. Os produtores e importadores são obrigados a coletar todo óleo disponível ou garantir o custeio de toda a coleta de óleo lubrificante usado ou contaminado efetivamente realizada, na proporção do óleo que colocarem no mercado conforme metas progressivas intermediárias e finais a serem estabelecidas pelos Ministérios de Meio Ambiente e de Minas e Energia em ato normativo conjunto. Já a Resolução CONAMA n. 401, de 4 de novembro de 2008, ao estabelecer os limites máximos de chumbo, cádmio e mercúrio e os critérios e padrões para o gerenciamento ambientalmente adequado das pilhas e baterias portáteis, das baterias chumbo-ácido, automotivas e industriais e das pilhas e baterias dos sistemas eletroquímicos níquel-cádmio e óxido de mercúrio, impôs que os estabelecimentos que comercializam os produtos mencionados na Resolução, bem como a rede de assistência técnica autorizada pelos fabricantes e importadores desses produtos, deverão receber dos usuários as pilhas e 4 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 14. ed. - São Paulo: Atlas. 2012, p 751. baterias usadas, respeitando o mesmo princípio ativo, sendo facultativa a recepção de outras marcas, para repasse aos respectivos fabricantes ou importadores. Nos termos da mesma norma para as pilhas e baterias não contempladas na Resolução, deverão ser implementados, de forma compartilhada, programas de coleta seletiva pelos respectivos fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes e pelo poder público. As pilhas e baterias mencionadas na referida resolução, nacionais e importadas, usadas ou inservíveis, recebidas pelos estabelecimentos comerciais ou em rede de assistência técnica autorizada, deverão ser, em sua totalidade, encaminhadas para destinação ambientalmente adequada, de responsabilidade do fabricante ou importador. A nova lei, em seu art. 33, impôs, de forma expressa, a responsabilidade pela estruturação e implementação de sistemas de logística reversa a fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de agrotóxicos; pilhas e baterias; pneus; óleos lubrificantes, seus resíduos e embalagens; lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista; produtos eletroeletrônicos e seus componentes. Os limites da lei foram estendidos a produtos comercializados em embalagens plásticas, metálicas ou de vidro, e aos demais produtos e embalagens, considerando, prioritariamente, o grau e a extensão do impacto à saúde pública e ao meio ambiente dos resíduos gerados, desde que haja previsão para tanto em regulamento ou em acordos setoriais e termos de compromisso firmados entre o poder público e o setor empresarial. A responsabilidade pela implementação do sistema de logística reversa atinge, obviamente, a fase final deste processo, impondo aos responsáveis a obrigação de dar destinação ambientalmente adequada aos produtos e às embalagens reunidos ou devolvidos, sendo o rejeito encaminhado para disposição final ambientalmente adequada, na forma estabelecida pelo órgão competente do SISNAMA e, se houver, pelo plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos, nos termos do disposto no parágrafo 6º do artigo 33 do novo diploma legal. Os acordos setoriais, ou termos de compromisso, consistem, também, em importantes instrumentos para a implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Acordo setorial consiste em ato de natureza contratual firmado entre o poder público e fabricantes, importadores, distribuidores ou comerciantes, tendo em vista a implantação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto. Os acordos setoriais ou termos de compromisso poderão ter abrangência nacional, regional, estadual ou municipal. A lei tratou, inclusive, de definir uma regra de hierarquia entre os instrumentos firmados, estabelecendo que os acordos setoriais e termos de compromisso firmados em âmbito nacional têm prevalência sobre os firmados em âmbito regional ou estadual, e estes sobre os firmados em âmbito municipal. Na aplicação de regras concorrentes, os acordos firmados com menor abrangênciageográfica podem ampliar, mas não abrandar, as medidas de proteção ambiental constantes nos acordos setoriais e termos de compromisso firmados com maior abrangência geográfica. 4. Considerações finais Tanto a Lei n. 12.305/2010, quanto o Decreto n. 7.404/2010, foram inovadores e ousados na instituição da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Como emblemático princípio a destacar a necessária participação compartilhada do poder público e da sociedade, na implementação da nova política pública, temos a consagração, em lei, da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos. Ao tratar a responsabilidade de forma compartilhada, a nova lei transmite a exata dimensão do tratamento constitucional dado ao meio ambiente como bem de uso comum do povo, impondo responsabilidade não somente aos responsáveis pela geração dos resíduos, mas também àqueles que deles se beneficiam. Verifica-se, portanto, que a efetivação do princípio da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos constitui pedra angular do sucesso da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Neste escopo, o mecanismo da logística reversa revela-se de extrema importância. Advindo de uma técnica empreendedora de otimização da produção, a logística reversa parte da simples idéia de promover o retorno dos resíduos dos produtos ao início da cadeia produtiva, seja para reaproveitamento, seja para depósito adequado. 5. Referências Bibliográficas ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 14. ed. - São Paulo: Atlas. 2012. ARRUDA, Paula Tonani Matteis de. Responsabilidade civil decorrente da poluição por resíduos sólidos domésticos. São Paulo: Método, 2004. Espaço Ecológico. Disponível em http://www.espacoecologiconoar.com.br/index.php?option=com_content&task= view&id=6957&Itemid=59. Acesso em 13 fev. 2011. FERREIRA, João Alberto. Resíduos sólidos: perspectivas atuais. 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