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Resenha do 1º prefácio, 2º prefácio, introdução e conclusão da obra “As Regras do Método Sociológico.” de autoria Émile Durkheim. Resenhista: Magdiel Silva, aluno de mestrado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Disciplina: Metodologia Científica Aplicada a Arquitetura e ao Urbanismo. Professores responsáveis: Júlio Roberto Katinsky, Luís Américo Munari e Arthur Rozestraten. Émile Durkheim (1858 – 1917), pensador francês, considerado uns dos fundadores da sociologia moderna, teve papel fundamental na elaboração do método em sociologia. Foi professor de sociologia na Universidade de Bordéus e faleceu em Paris em 15 de novembro de 1917. Publicou, entre outros,” Elementos de Sociologia (1889), A Divisão do Trabalho Social (1893), As Regras do Método Sociológico (1895), “O Suicídio” (1897), “As Formas Elementares da Vida Religiosa (1912). A obra “As Regras do Método Sociológico” de 1895, apresenta um texto muito bem elaborado e argumentado por Durkheim. Encontramos nela uma sequência metodológica que poderia ser replicada por qualquer pesquisador que encare os estudos da sociedade. Segundo Raquel Andrade Weiss, Doutora em Filosofia pela Universidade de São Paulo e uma das maiores especialistas de Durkheim no Brasil, As Regras do Método Sociológico é obra basilar para a consolidação da Sociologia como Ciência1. No prefácio da primeira edição, Durkheim, atento que sua obra causaria “constrangimentos e desacordos”, pontua que, cientificamente, os fatos sociais à sua época não estavam adequadamente estudados. E sustenta que, por esse motivo, urge o nascimento de uma nova metodologia para a sociologia, que trate dos estudos sociais e seus fatos. Durkheim é muito direto em sua crítica à sociologia e aos sociólogos de sua época. Diz que no estágio atual da ciência, os estudiosos acomodaram-se com o estudo superficial e não aprofundado da sociedade. E que a sociologia, ainda não conseguiu sequer entender adequadamente questões básicas da sociedade como o Estado, a família, direito de propriedade etc. Para Durkheim, nas principais obras de sociologia de sua época, é rara a consciência desta ignorância, e argumenta que nestas obras, encontramos mais opiniões pessoais prévias dos pesquisadores sobre os fatos sociais do que uma análise circunscrita nos fatos. (DURKHEIM, 1983) Para Durkheim, qualquer ciência que fosse autônoma deveria ter um objeto e um método próprio para investigação. Com efeito, sustenta que o objeto da sociologia é a sociedade, e deixa evidente uma diferenciação com a psicologia que tem como objeto o indivíduo. Assim, Durkheim estabelece uma distinção entre a sociedade cuja ciência é a sociologia e os indivíduos cuja ciência é a psicologia. Para Durkheim, antes de entendermos o método de investigação para os fatos sociais é necessário entendermos o que é o Fato social propriamente dito. Para Durkheim, quando realizamos obrigações de irmãos, esposos ou cidadãos, quando satisfazemos os compromissos firmados ou cumprimos deveres que estão definidos, “para além de mim e dos meus atos, sejam no direito e no costume”, e mesmo que estes atos sejam em consonância com as minhas convicções próprias, estamos de fato, sendo guiados pela exterioridade da educação imposta a nós. Neste raciocínio, Durkheim sustenta que todos nós estamos sujeitos, na presença de modos de agir, de pensar e de sentir, dotados dum poder imperativo e coercivo que são exteriores à nossa particularidade. Para Durkheim, nos conformamos na maioria das vezes com esses fatos. No 1 Em entrevista à UNIVESP – Universidade Virtual do Estado de São Paulo, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=BeK3FDE_Iy0 entanto, quando urgimos alterá-lo, sentimos as forças imperativas reagirem contra nós, seja a anulá-lo ou a restabelece-lo sob a forma normal. Em outras palavras, Durkheim argumenta que a “consciência pública reprime todos os atos que as ofendam, através da vigilância que exerce sobre a conduta dos cidadãos e das penas especiais de que dispõe.” (DURKHEIM, 1983 p.88) Para Durkheim havia nos fatos sociais as chamadas “correntes sociais”, afirmando que as grandes manifestações de entusiasmo, de indignação e de piedade existentes em assembleias ou em outras reuniões públicas, não apresentam em sua origem nenhuma consciência particular. Para Durkheim elas “Chegam em cada um de nós do exterior e são suscetíveis de nos arrastar, mesmo contra a vontade” e que, estamos todos, a ser “vítimas de uma ilusão que nos faz acreditar termos sido nós quem elaborou aquilo que se impôs do exterior” (DURKHEIM, 1983) É muito interessante essa observação lançada por Durkheim, pois, indivíduos, perfeitamente inofensivos na sua maioria, poderiam, em nome de uma instituição, ordem, grupo social, “deixar-se conduzir a atos de atrocidade” (DURKHEIM, 1983) Para Durkheim, estes fatos, visto constituírem-se por representações e ações, são necessariamente fatos Sociais, distintos de ações psíquicas que envolvem o indivíduo. Durkheim sustenta que essa pressão ou coerção social já começa na menor infância, quando os pais e professores aparecem como intermediadores e representantes da ordem social. Os fatos sociais podem ser todos, maneiras de fazer, de ordem fisiológica e maneiras de ser de ordem coletiva. Durkheim afirma categoricamente que: “É um fato social toda a maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coação exterior”; ou ainda, “que é geral no conjunto de uma dada sociedade tendo, ao mesmo tempo, uma existência própria, independente das suas manifestações individuais” (DURKHEIM, 1983 p.93) Posto o conceito de fato social, entremos agora, com mais detalhes, na análise do método em Durkheim. Para Durkheim, fato social deveria ser entendido como “Coisa”. Durkheim afirma que esse conceito é em certa medida abstrato, e que não podemos ter uma noção adequada da Coisa pelo simples procedimento de análise mental. Para entende-la, é necessário o espírito se “extroverter por meio de observações e experimentações, passando progressivamente dos caracteres mais externos e mais imediatamente acessíveis aos menos visíveis e aos mais profundos” (DURKHEIM, 1983, p.79). Para Durkheim, quando tratamos os Fatos Sociais como Coisas, não devemos enquadrá-los ou buscar um entendimento dos mesmos pela simples classificação ou categorização no mundo material. Devemos ter com eles um enfrentamento mental, partindo do pressuposto de que deles nada conhecemos à priori, e que suas causas ou propriedades físicas, “não podem ser descobertas pela introspecção, por mais atenta que seja” (DURKHEIM, 1983) Para Durkheim, exemplificando os objetos da ciência matemática, bastaria que olhássemos para dentro de nós, e por meio do raciocínio, procurássemos, seja das questões mais simples às mais complexas, sua resolução. Em outras palavras, para Durkheim, sendo a matemática uma criação humana, encontraríamos a resposta das suas questões internamente. No entanto, tal particularidade da lógica matemática não poderia ser replicada quando enfrentássemos os fatos sociais propriamente ditos. Durkheim, apoiado nas ciências naturais, argumenta que “um certo número de elementos, sejam eles quais forem, ao combinarem-se, e pelo fato de se combinarem, provocam fenômenos novos, é preciso conceber esses fenômenos como resultando não dos elementos isolados, mas do todo formado pela união” (DURKHEIM, 1983, p.78). Durkheim, aplica esse princípio à sociologia, diferenciando a consciência solitária individual para com os fenômenos sociais, argumentando que tais fenômenos residem nos fatos específicos da sociedade que os produz, e não nos seus membros. Para Durkheim, os sociólogos que estudassem a sociedade, deveriam ser parecidos com osfísicos, químicos ou fisiologistas quando se empenham em novas descobertas, “numa região ainda inexplorada do seu domínio científico”, Durkheim sustenta que os “sociólogos precisam ter consciência de que penetram no desconhecido(...) e que, “é preciso que esteja preparado para fazer descobertas que o surpreenderão e o desconcertarão” (DURKHEIM, 1983. P.77). Durkheim salienta que à sua época, faltava à sociologia esse posicionamento maduro e crítico. Entendemos que o objetivo do método em Durkheim é o de trazer uma racionalidade aos fatos sociais ao, afastar de nós as noções antecipadas ou preconceituosas para nos debruçarmos sobre os próprios fatos e, como devíamos extrair deles suas características. Como comentado, os fatos sociais não são intrínsecos ao entendimento humano. Durkheim argumenta que as representações que fizemos dos fatos sociais ao longo da vida, foram levados a cabo sem método e desprovidos de valor científico. Por isso a importância dada à Durkheim, como o pioneiro na sociologia a sistematizar um método. Sobre seu método de investigação, Durkheim pontua que se existe uma ciência das sociedades, seu objetivo é nos proporcionar uma maneira diferente de ver as coisas, para além de sua “aparência vulgar e de preconceitos tradicionais” pois: “O objetivo de qualquer ciência é fazer descobertas, e toda descoberta desconcerta mais ou menos as opiniões herdadas”. Durkheim argumenta que seria um dever do estudioso/pesquisador não se deixar intimidar pelos resultados da pesquisa, mesmos que eles sejam paradoxais e contrários ao senso comum. Para Durkheim, - e isso eu achei fundamental para a pesquisa científica na pós-graduação -, todo pesquisador deve ter um posicionamento crítico sobre os resultados aferidos e, principalmente, sobre si mesmo, ele argumenta: “Devemos ter sempre em mente que os modos de pensar a que estamos afeitos são mais contrários do que favoráveis ao estudo científico dos fenômenos sociais.” (DURKHEIM, 1983) Com efeito, a metodologia de Durkheim, - e isso é aparece em vários trechos da obra-, abre precedentes de que o avanço científico, o avanço e aprofundamento nos estudos sociais, alterarão o método proposto. E que todas as críticas, mesmo que desconcertadas, não deveriam ser recebidas com queixas ou espantos, mas como provedoras de uma necessária sistematização e precisão teórica. Um dos principais objetivos de Durkheim, é banir o preconceito antropocêntrico que recusa, no âmbito da sociologia, a influência presente dos fatos sociais, ele argumenta: “Desagrada o homem ter de renunciar ao poder ilimitado sobre a ordem social que durante muito tempo se lhe atribuiu e, por outro lado, admitindo a existência de forças coletivas, desagrada-lhe a ideia de que está necessariamente condenado a suportá-las sem as poder modificar.” (DURKHEIM, 1983) Durkheim, conclui que a principais características do seu método são: em primeiro lugar, ser independente de qualquer filosofia. Nesse sentido, Durkheim afirma que a sociologia foi apoiada historicamente em sistemas filosóficos, sendo rotulada por positivista, evolucionista etc. Para o autor, a sociologia deveria ser entendida como ciência, ter um objeto próprio e um método adequado. Para Durkheim, até mesmo seria interessante para a filosofia a emancipação da sociologia, pois, à medida que for se especializando, a sociologia forneceria maiores subsídios à reflexão filosófica. Outra questão postulada por Durkheim, é que a sociologia também deveria ser igualmente independente das doutrinas práticas. Não entendida nem como individualista, nem comunista ou socialista. Durkheim argumenta que a sociologia deveria ter uma postura neutra ao não compactar com doutrinas, pois assim, não analisaria os fatos, mas sim afirmá-los-ia. Apesar da leitura não abranger o livro integralmente, possibilitou-me ter um contato bem direto com o conceito de Fato Social e com o método proposto por Durkheim para a investigação sociológica. Uma leitura surpreendente e que pretendo a curto prazo realiza-la por completo.