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Dionísio Pape - Justiça e Esperança para Hoje - A Mensagem dos Profetas Menores

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Dionísio Pape
Justiça e Esperança para Hoje
A Mensagem dos Profetas Menores
Primeira Edição – 1982
Todos os direitos reservados pela
ABU EDITORA S.C.
Caixa Postal 30.505
01.000 – São Paulo - SP
A ABU EDITORA é a publicadora da
Aliança Bíblica Universitária do Brasil – ABUB
Digitalizado por Amigo Anônimo
www.semeadoresdapalavra.net 
Nossos e-books são disponibilizados gratuitamente, com a única finalidade de oferecer leitura edificante a todos aqueles que não tem condições econômicas para comprar.
Se você é financeiramente privilegiado, então utilize nosso acervo apenas para avaliação, e, se gostar, abençoe autores, editoras e livrarias, adquirindo os livros.
Semeadores da Palavra e-books evangélicos
�
DEDICAÇÃO
À minha mui querida e fiel companheira
ELAINE
que por 25 anos a meu lado
tem interpretado a meiguice do amor de
Cristo, não somente por mim,
mas para todos os que o Senhor tem
mandado ao nosso lar feliz.
Conteúdo
51.	O Profeta de Coração Quebrantado	�
5OSÉIAS	�
102.	A MENSAGEM DA SECA	�
10JOEL	�
163.	O VAQUEIRO PROFETA	�
16AMÓS	�
254.	O SENHOR DA SEARA	�
25JONAS	�
305.	JUSTIÇA E ESPERANÇA	�
30MIQUÉIAS	�
356.	CONTRA O TOTALITARISMO MILITAR	�
35NAUM	�
377.	O AGENTE PUBLICITÁRIO DO SENHOR	�
37HABACUQUE	�
448.	TEMPO DE APOSTASIA	�
44SOFONIAS	�
479.	O PROFETA NUM MUNDO RACISTA	�
47OBADIAS	�
4910.	O PROFETA PRÓ-CONSTRUCÃO DO TEMPLO	�
49AGEU	�
5211.	O PROFETA IDEALISTA	�
52ZACARIAS	�
5812.	O ÚLTIMO PORTA-VOZ DO MESSIAS	�
58MALAQUIAS	�
�
�
INTRODUÇÃO
O observador mais superficial do conteúdo da Bíblia verificará que quase 80% do livro sacro é o Velho Testamento. Se a Bíblia toda é realmente a palavra de Deus aos homens, torna-se patente que o Velho Testamento merece muito mais atenção do que normalmente recebe. Em todos os países, inclusive no Brasil, o povo de Deus precisa redescobrir a significação e a atualidade do Velho Testamento. É verdade que a escola dominical oferece certo ensino nesta área, mas se limita geralmente ao conhecimento dos dados históricos. A interpretação desses dados é o trabalho do exegeta. Acontece, porém, que a maioria dos sermões oferecidos ao povo de Deus se baseia, quase exclusivamente, no Novo Testamento. Os Salmos gozam de grande popularidade e representam talvez a leitura mais conhecida do Velho Testamento. A parte mais negligenciada parece ser os profetas menores, e por esta razão o autor preparou estudos bíblicos baseados neles, que foram apresentados aos estudantes da ABU e da ABS. O interesse suscitado no meio estudantil levou o autor a preparar, em forma permanente, este livrinho para o público maior.
O conhecimento das condições sócio-econômicas, políticas e religiosas da época dos profetas é indispensável à compreensão da mensagem profética. Quando as referidas condições se assemelham às nossas, não obstante a passagem dos séculos, então os profetas de ontem falam hoje, e o Velho Testamento se atualiza de uma maneira notável e também proveitosa.
Neste opúsculo segue-se quase sem mudança a ordem dos livros dos profetas menores adotada na Bíblia.
Desde o século VIII a.C. até o século V a.C., os profetas menores exerceram um ministério dirigido ao povo de Deus, no período das maiores crises. Cinco deles profetizaram antes da queda de Samaria em 722 a.C., quando a nação ao norte, Israel, foi levada para o exílio na Assíria. Neste mesmo período antes do exílio de Israel na Assíria, Deus levantou Isaías, o mais sublime de todos os profetas. Depois da queda de Samaria, o profeta Naum predisse a destruição de Nínive, capital da Assíria, o que se cumpriu em 612 a.C.
A pequena nação ao sul, Judá, não aprendeu a lição de Israel, por razões semelhantes, ela seria invadida e destruída pelos babilônicos cerca de 140 anos depois. Pelo fato de ser custódia do sagrado templo do Senhor, Judá achava absolutamente inacreditável a profecia ameaçadora da queda de Jerusalém. Jeremias, o profeta chorão, apoiado pelos dois profetas menores, Habacuque e Sofonias, advertiu debalde o povo de Deus, e em 587 a.C. Jerusalém e o templo foram arrasados.
No período de 70 anos de exílio na Babilônia que se seguiu, Daniel e Ezequiel, profetas maiores, foram os principais porta-vozes do Senhor. O livrinho de Obadias tem o seu lugar no começo desse período exílico, e por conseguinte o capítulo dedicado neste livro à sua profecia é colocado depois de Sofonias, e não no lugar tradicional entre Amós e Jonas.
Os três últimos profetas menores, Ageu, Zacarias e Malaquias, pertencem ao período pós-exílico, isto é, após o ano 538 a.C., em que Ciro permitiu a volta dos judeus para a terra da promissão. Neste período os três profetas prepararam o povo para a realização da maior de todas as promessas divinas, a vinda do Messias.
Em certos casos é difícil estabelecer uma data segura para a composição de uma profecia. Os livros de Joel, de Jonas e de Naum são exemplos disso. Sendo a evidência cronológica interna às vezes inadequada, os eruditos adotam datas variadas baseadas no estilo utilizado e em considerações críticas. Embora sendo um assunto altamente relevante, a questão da data não diminui a significação espiritual e moral do recado profético. Para fins deste estudo, o autor adotou as datas conservadoras.
No cânon hebraico do Velho Testamento, os doze profetas menores formam um livro, ou coleção de escritos sacros denominada “Os Doze”. Na versão grega da Septuaginta, a mesma coletânea tem como título “Os Doze Profetas”. Nos séculos que precedem o nascimento de Jesus Cristo, os judeus piedosos se alimentavam das gloriosas promessas messiânicas contidas no livro “Os Doze”. Assim o Velho Testamento termina com “Os Doze” e sua refulgente esperança num messias todo-poderoso. É altamente sugestivo que, após o longo silêncio do período intertestamentário, o Novo Testamento se abre com Jesus Cristo e a escolha dos doze apóstolos como pregoeiros da boa nova da Salvação. Esta relação histórica, entre as promessas dos Doze no fim do Velho Testamento, e a sua realização através da missão dos Doze no início do Novo Testamento, deve despertar no povo de Deus o afã de conhecer mais profundamente os escritos inspirados dos doze profetas menores, que ainda nos falam hoje. E então a palavra dos profetas menores será uma mensagem de justiça e esperança para hoje, para o homem deste final de século XX.
ESQUEMA CRONOLÓGICO APROXIMADO
	Os 4 Profetas Maiores
	Os 12 Profetas Menores
	Acontecimentos 
Políticos
	
	
	DOMINAÇÃO DA ASSÍRIA
	JEREMIAS
	Oséias
	Queda de Samaria, 722 a.C.
Exílio de Israel na Assíria
Queda de Nínive, 612 a.C.
Fim do Império Assírio
	
	Joel
	
	
	Amós
	
	
	Jonas
	
	
	Miquéias
	
	
	Naum
	
	
	
	DOMINAÇÃO DA BABILÔNIA
	JEREMIAS
	Habacuque
	Queda de Jerusalém, 587 a.C.
	
	Sofonias
	
	
	
	EXÍLIO DE JUDÁ
	EZEQUIEL
	Obadias
	Na Babilônia durante 70 anos
Queda da Babilônia, 539 a.C.
	DANIEL
	
	
	
	
	DOMINAÇÃO DA PÉRSIA
	
	Ageu
	O rei persa Ciro toma a Babilônia, e em 538 a.C. autoriza a volta do exílio. Restauração do templo, 517 a.C. Espera do Messias, 450 a.C.
	
	Zacarias
	
	
	Malaquias
	
O Profeta de Coração Quebrantado
OSÉIAS
Os períodos de grande prosperidade são geralmente acompanhados de declínio moral. Era o caso do reinado de Jeroboão II, rei de Israel, uns 800 anos antes de Cristo. O país experimentava um desenvolvimento econômico como nunca antes, desde o tempo de Salomão. Foram construídas muitas casas de veraneio iguais às melhores residências urbanas. Produtos estrangeiros encheram o mercado. A vida luxuosa tornou-se a obsessão dos israelitas. Acontecia, porém que apenas uma minoria tinha acesso à vida boa e burguesa. A maioria esmagadora lutava para sobreviver. Um salário mínimo irrisório condenava o povo trabalhador a uma vida de verdadeira escravidão econômica.
A religião era popular.Cultos cheios e impressionantes. No entanto, a ênfase bíblica era coisa do passado. A linha mais tolerante do sincretismo dominava o pensamento dos líderes religiosos. Toda religião era boa. Era popular falar na fé no Senhor, e, ao mesmo tempo, dos valores comuns a todas as crenças, sem julgar-se nenhuma como sendo errada.
Sem uma insistência nos absolutos bíblicos, o povo não achava tanta necessidade de interpretar os dez mandamentos como imprescindíveis. O sétimo mandamento, em particular, era considerado um bonito ideal, mas afinal de contas não tão praticável em tempos modernos...
Naqueles dias o pastor Oséias sentiu na carne o impacto da nova sociedade. Casado com a bela Gomer, viveu o drama da surpreendente infidelidade da mulher. Para qualquer homem da fé isso seria um abalo angustioso, mas para um pregador da Palavra de Deus foi o mais profundo sofrimento imaginável. Oséias tentava conciliar a sua fé num Deus bondoso com a realidade da sua crise doméstica. Como entender a vontade de Deus, face ao desmoronamento do lar pastoral?
Alguns comentaristas consideram os primeiros versículos do livro de Oséias como sendo uma reflexão madura, posterior à tragédia, anos depois do acontecimento. “Vai, toma uma mulher de prostituições...” (v.12). destarte, Oséias chegou a entender que o soberano Deus sabia de antemão que Gomer seria infiel. Deus conhece o fim desde o princípio. Sabia que Gomer lhe seria infiel. Permitiu a vasta tragédia na vida de Oséias para que ele compreendesse o profundo pesar no coração divino: “porque a terra se prostituiu, desviando-se do Senhor” (1.2). este Deus é Senhor de todas as circunstâncias, inclusive das que parecem ser totalmente contra a sua vontade. Oséias se submeteu à realidade nua e crua das circunstâncias, para aprender que “todas as coisas contribuem para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8.28).
O profeta do Senhor é sempre a sua mensagem. Proclama a mensagem verbalmente, mas também a vive na carne. Nas entrelinhas do primeiro capítulo vemos como Oséias vivia diariamente a mensagem do Senhor. Nasceram-lhe três filhos aos quais ele deus os nomes mais esquisitos dados numa família de pastor! Ao primeiro ele deu o nome de Jezreel, cidade famosa por uma atrocidade nela praticada. Seria como se um pastor moderno chamasse seu filho de “Belsen” ou “Hiroshima”. Foi por ordem divina que o pastor Oséias colocou esse repugnante nome no seu primogênito. Imaginemos o triste pastor Oséias, sem mulher em casa, andando com o pequeno Jezreel, e o constante diálogo na rua:
— “Pastor Oséias, diga-me uma coisa: por que é que o seu filho tem este nome?”
— “Meu irmão”, responderia Oséias, “porque Israel será também destruída da mesma maneira como a casa de Acabe em Jezreel!”
Quando nasceu uma filhinha, Oséias deu-lhe o nome de Desfavorecida (1.6). Coitada, como iria sofrer mais tarde na mesma roda com as meninas Graça, Linda e Piedade... Imaginemos mais uma vez o diálogo perto da casa pastoral:
— “Pastor, que linda menina o senhor tem! Por que o senhor lhe deu um nome que não merece, este de Desfavorecida?”
— “Meu irmão”, diria o Pastor Oséias, “ela é filha de uma nação que não receberá mais o favor perante o Senhor!”
Oséias ficou profundamente abalado com a terceira gravidez de sua mulher, Gomer. Sabia bem que não era criança dele. Depois do parto, Oséias deixou seus amigos boquiabertos quando deu a esse último filho o nome de Não-meu-povo. Imaginemos a conversa repetida inúmeras vezes entre Oséias e seus paroquianos:
— “Pastor Oséias! Como se chama o nenê?”
— “Chama-se Não-meu-povo, irmão”. 
— “Desculpe, pastor, mas o Senhor está falando sério?”
— “Sim, irmão, sei que este não é meu. É de outro, infelizmente. Coitado dele. Não é meu, como este povo não é mais povo de Deus. Pense nisto, irmão, que nosso Deus declara a todos: vós não sois meu povo, nem eu serei vosso Deus” (1.9).
E por onde Oséias andasse, todo o mundo estranhava os nomes feios das suas crianças. O profeta e seus filhos eram literalmente a mensagem de Deus àquele povo superficial que tratava a Palavra de Deus levianissimamente. Anunciava-se o julgamento através da agonia doméstica de Oséias. Mas Deus é misericordioso. O profeta vê além do juízo, até o dia feliz da restauração, quando Israel será chamado “Meu Povo” e “Favorecido” pelo Deus que o chamara (2.1).
Notamos nas pregações de Oséias a analogia entre a sua mulher infiel e a nação de Israel. Gomer foi seduzida pelas atrações do mundo, e pelos artigos de luxo obtidos com os seus favores sexuais (2.5). Quando ela não achou mais fregueses, resolveu voltar-se para o marido “porque melhor me ia então do que agora” (2.7). Como ela, Israel foi orientada exclusivamente pelos interesses materiais, em prejuízo da vida espiritual. Os sacrifícios oferecidos pelos israelitas no culto a Baal eram realmente atos de adultério espiritual contra o Senhor (2.8). Deus sempre queria que Israel fosse como esposa fiel para Si. O profeta Oséias não cessava de chamar o seu povo a reatar relações com o Senhor. “Desposar-te-ei comigo em fidelidade” diz o Senhor (2.20). “Desposar-te-ei comigo em justiça e em juízo, e em benignidade, e em misericórdias” (2.19). A palavra “misericórdias” traduz o hebraico chesed, que significa o amor constante e leal. Na atitude de Oséias para com Gomer vemos até que ponto o amor constante do Senhor pode-se reproduzir no homem.
A vergonhosa infidelidade de Gomer não tinha limites. Seguindo a vida boêmia ela sofreu necessidades, a ponto de se vender como escrava-concubina (3.2). O amor leal e o perdão ilimitado de Oséias foram tamanhos que ele a comprou do seu senhor. Este amor redentor a levou novamente para a casa do profeta,onde ela foi obrigada a ficar, mas sem gozar de todos os privilégios de mulher. Sem dúvida a vizinhança cochichava o fato de que os dois não dormiam no mesmo quarto. Isso também fazia parte da mensagem divina! Pela sua infidelidade, Gomer não vivia propriamente como esposa, mas como encarregada dos assuntos domésticos. Semelhantemente,Israel infiel iria perder os seus privilégios no exílio. Não haveria mais rei, nem família real, nem religião, nem culto (3.4). Somente “nos últimos dias” os filhos de Israel se aproximariam do Senhor (3.5). A perfeita comunhão com o Senhor é o alvo de toda a obra da redenção. “Permanecei em mim, e eu permanecerei em vós”, prometeu o Senhor Jesus (João 15.4).
Nos capítulos 4 a 8 da profecia, Oséias revela até que ponto Israel se tinha corrompido moral e espiritualmente. Não havia nem verdade, nem amor leal (chesed), nem conhecimento de Deus (5.1). Quando o povo se separa de Deus, as conseqüências morais são inevitáveis: “o que só prevalece é perjurar, mentir, matar, furtar, e adulterar” (4.2). Para obter-se o máximo lucro, o homem pecador arruína a própria natureza. O desequilíbrio ecológico segue a exploração egoísta da terra. “Por isso a terra está de luto, e todo que mora nela desfalece, com os animais do campo e com as aves do céu; e até os peixes do mar perecem” (4.3). Há uma relação direta entre o conhecimento da Palavra de Deus a responsabilidade sócio-econômica em qualquer país. Israel se gabava da suntuosidade dos cultos religiosos, mas o seu coração estava vazio do amor leal, e corrompido pelo destemor da justiça.
A religião divorciada da moral se define biblicamente como prostituição espiritual (5.4). Deus não permite que o seu povo se aproxime dele naquele estado. Por mais incrível que parecesse aos israelitas, Oséias lhes advertiu do castigo divino, em que o Senhor os despedaçaria como um leão. Longe de os proteger, Deus os destruiria (5.14). Em todas as épocas o povo de Deus nunca entende que Deus trata o seu povo com mais severidade e não com menos.
Em resposta à pregação de Oséias, alguns professaram a conversão (6.1). Mas o arrependimento de Israel era tão passageiro como a nuvem da manhã, ou como o orvalho da madrugada (6.4). É bem fácil dizer: “Tornemos para o Senhor. Depois de dois dias ele nos revigorará”. O mal dentroda sociedade estava tão arraigado na prática da exploração econômica, na imoralidade, e na avidez de riquezas luxuosas, que tais profissões de conversão eram vazias. Olhando para os imponentes sacrifícios e os solenes cultos litúrgicos sema pregação da Lei do Senhor, Oséias não pôde se conter, e bradou o recado divino:
“Pois misericórdia (chesed) quero, e não sacrifício! 
e o conhecimento de Deus, mais do que holocaustos.” (6.6)
Israel observava a sua religião, mas onde estava o amor leal? Oferecia abundantes sacrifícios, mas onde o conhecimento de Deus? Este versículo traduz fielmente a mensagem central do profeta. Ele contemplava a dicotomia na vida do seu povo. Muita religiosidade e muita imoralidade; muita profissão de fé, e muita corrupção; como óleo e água não se misturam. Oséias considera Israel como um pão não virado no forno: de um lado queimado pelas suas paixões, e do outro massa mole que não resiste ao tato, portanto completamente imprestável (7.8). Deus chama o seu povo a uma vida íntegra. Não agrada a Deus a nossa proclamação da salvação pela fé se não há a correspondente transparência de vida moral e social. O hipócrita engana a si mesmo. “As cãs se espalham sobre ele, e ele não o sabe” (7.9). Todo o mundo percebe a sua incoerência, menos ele.
A religião não salva. O Deus cultuado por Israel mandou embocar a trombeta do juízo (8.1). Deus viria como a águia contra a casa do Senhor. Aqui, “águia” bem pode ser traduzido por “urubu” que se alimenta de animais mortos. Deus os chamava, pois Israel estava para morrer!
Houve também várias facetas da apostasia de Israel. Israel rejeitou o bem (8.3). Israel abandonou os absolutos da lei do Senhor. O que era errado no tempo de Moisés, também o era no período de Oséias, e também o é hoje. A “ética da situação” em voga nestas últimas décadas do século XX representa uma tentativa filosófica de fugir da exigência moral duma lei irredutível. Como Israel, a nossa sociedade quer uma religião acomodatícia, que não imponha restrições à vida social, econômica ou sexual. Os israelitas eram “crentes de fim-de-semana”; eram fervorosos para como Senhor no sábado, mas nos outros dias da semana eram opressores dos pobres, gananciosos e desenfreados nos desejos sensuais.
A dinastia real em Israel, que levou a nação para o mal, não era a descendência de Davi, a quem Deus tinha prometido o trono em perpetuidade (1Cr 17.12). Quando, depois da morte de Salomão, o reino se dividiu, dez tribos tomaram como rei a Jeroboão, chefe dos engenheiros responsáveis pela obra de terraplanagem de Jerusalém (1Reis 11.27). Jeroboão I não era, portanto, rei da parte do Senhor. Agora, duzentos anos mais tarde, no reinado de Jeroboão II, Oséias aponta para a grave irregularidade na direção do país. “Estabeleceram reis, mas não da minha parte” (8.4). Toda aquela dinastia tinha usurpado o poder.
A religião em Israel protestava fé no Senhor Javé, mas não obedecia à Palavra do Senhor! “Não farás para ti imagem de escultura” (Ex 20.4) reza a lei. No entanto, em Samaria cultuava-se a imagem de um bezerro. Ao mesmo tempo em que o povo invocava o Senhor, dizendo: “Nosso Deus” Nós, Israel, te conhecemos”, Deus respondia através do profeta Oséias, dizendo: “O teu bezerro, ó Samaria, é rejeitado; a minha ira se acende contra eles!” (8.5). Manifesta-se no cristianismo do século XX o mesmo tipo de religião. Fala-se em nome do Senhor. Celebram-se cultos e missas solenes. Dominam a atenção da multidão as imagens dos santos. Como disse Oséias: “Da sua prata e do seu ouro fizeram ídolos para si, para serem destruídos” (8.4). A veneração concedida às belas imagens incrustradas de pedras preciosas é tida como mais importante que a Palavra de Deus. O segundo mandamento é claro. E inúmeras vezes na Bíblia Deus reitera a proibição de imagens no culto. Mais uma vez o Senhor falou pela boca do seu servo: “Embora eu lhe escreva a minha lei em dez mil preceitos, estes seriam tidos como cousa estranha” (8.12).
Oséias, de coração quebrantado por causa de Gômer, chegou a entender o sofrimento divino ocasionado pela apostasia de Israel. Outrossim, a infidelidade de Gômer não era apenas um lapso. Repetidas vezes ela traiu os votos matrimoniais. E o profeta contemplava o triste fato de que a infidelidade de Israel para com Deus não era um desvio temporário. A história de Israel está repleta de graves infrações contra a lei do Senhor. Logo de início na sua história idólatra, Israel fabricou o bezerro de ouro, no deserto. E antes de chegar na terra da promissão, na aldeia de Baal Peor, os primeiros israelitas, salvos pela graça de Deus. namoraram as belas moabitas, e abandonaram incontinente a lei recém-recebida. Sob o efeito dessa sedução inesperada, "se consagraram à vergonhosa idolatria" (9.10). A idolatria e a imoralidade são gêmeas. "E se tornaram abomináveis como aquilo que amaram" (9.10). O culto anti-bíblico os arrastou facilmente para as orgias e as bacanais.
A festa do boi custou cara. O duplo deslize,espiritual e moral, foi julgado, e morreram vinte e quatro mil israelitas (Números 25).
Deus nos chama ao amor leal (chesed): à fidelidade absoluta à Palavra de Deus, não somente na observação religiosa do culto evangélico, mas também na mais casta prática do amor no lar. Quem quebra uma aliança, facilmente abandona a outra.
No ocaso do reino de Israel, Oséias advertiu o povo das conseqüências de tal comportamento: "O meu Deus os rejeitará, porque não o ouvem; e andarão errantes entre as nações" (9.17). Poucos anos depois, em 722 a.C, realizou-se o inesperado desastre. Por não ter prestado atenção à advertência, a nação deixou de existir. O judeu errante data daquele acontecimento fatídico. E passaria muitos séculos peregrinando, sem pátria, sem identidade nacional e sem a bênção do Senhor, cuja voz ele recusara tantas e tantas vezes.
Por que é que os homens não mudam de direção? Por que marcham em linha reta para a destruição? "Porque o seu coração é falso; por isso serão culpados" (10.2). O coração do homem determina a sua conduta. Quartas vezes ocorre que alguém conhecedor da Palavra de Deus, sendo tentado a cometer o adultério, não consegue resistir á tentação, porque o coração é falso! "Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração" (Provérbios 4.23). De Deus não se zomba. A lição de Israel é esta: o que semeia para a sua própria carne, da carne colherá corrupção. Tanto os líderes como o povo iriam sofrer as conseqüências da desobediência à Palavra sagrada. E o rei de Samaria, tão seguro na sua prosperidade fabulosa, seria dentro em breve "como lasca de madeira, na superfície das águas" (10.7).
Deus é amor. O seu amor não tem condição nem limite. Ele ama o seu povo apesar de toda a rebeldia, de toda a idolatria e de toda a imoralidade. O seu amor é chesed, amor imutável. Quando castiga, é por puro amor que o faz. Deus sente saudades do primeiro amor do seu povo. "Quando Israel era menino, eu o amei; e do Egito chamei o meu filho" (11.1). Israel era como criança que ele tomava nos braços. Como menino travesso, a jovem nação não queria obedecer-lhe. Recusou-se a converter-se (11.5). Deus não hesitou em disciplinar o seu povo, porque "o Senhor corrige a quem ama, e açoita a todo filho a quem recebe" (Hebreus 12.6). Deus é diferente dos pais que nunca disciplinam os seus filhos. Quem não disciplina o seu filho, não o ama. Oséias, que tanto sofreu no lar, entendeu o coração de Deus quando descreveu o amor divino nestes termos: "Meu coração está comovido dentro de mim, as minhas compaixões a uma se acendem" (11.8). Ainda que o castigo viesse com certeza. Deus não destruiria totalmente o seu povo, "Eu os remirei do inferno e os resgatarei da morte; onde estão ó morte as tuas pragas? Onde está, ó inferno, a tua destruição?" (13.14). O propósito de Deus permanece firme. É imprescindível que Deus castigue o mal. No entanto não seria o fim total de Israel. De outra maneira seria o Diabo e não Deus que ganharia esta guerra espiritual de proporções cósmicas. O fimda história da raça humana e de Israel está assegurado, porque Deus é soberano.
Oséias conseguiu reconstituir o seu lar com Gômer e seus três filhos. Tamanho amor triunfou. E o amor divino, chesed, triunfará também. Oséias, o vidente de coração perdoador, previu a restauração final de Israel num belíssimo trecho que remata a sua obra. Concitou o povo de Deus a uma genuína conversão. "Tende convosco palavras de arrependimento, e convertei-vos ao Senhor" (14.2). Num sentido, o crente no Senhor deve arrepender-se e converter-se ao Senhor constantemente, e não apenas uma vez na hora da entrega inicial. Quase todos os apelos à conversão na Bíblia são lançados aos que professam fé no Senhor! Quando o povo de Deus se converte constantemente ao Senhor, então o mundo começa a arrepender-se.
O arrependimento do povo de Deus é o segredo de todo reavivamento espiritual. "Curarei a sua infidelidade, eu de mim mesmo os amarei, porque a minha ira se apartou deles" (14.4). A segurança nacional de Israel de pendia não duma aliança política com a mais poderosa nação de então, a Assíria (14.3), mas da sua relação com Deus. Os rios de bênçãos começam a jorrar quando o povo de Deus julga o seu próprio pecado! Uma vez arrependido e perdoado, Israel se tornaria uma testemunha eficaz no mundo.
"Serei para Israel como orvalho" (14.5). O Deus que cada dia unge bilhões de folhas e pétalas com pérolas de orvalho é o mesmo que visita, pelo Espírito Santo, todos os seus filhos espalhados nos cinco continentes! Para a sobrevivência das plantas, Deus repete fielmente, e em todo lugar, o pequeno milagre, mandando a cada folhinha o precioso líquido sustentador. Quanto mais Deus deseja tocar com vida nova cada um de seus filhos na terra! Feliz o crente em Cristo que já aprendeu este princípio de sobrevivência espiritual, e que busca no frescor da alvorada a unção do Espírito, cada dia. Realiza-se a conversão diária do crente à vontade de Deus, quando novamente se entrega ao Senhor, reafirmando os votos de consagração absoluta Àquele que o comprou com o seu sangue. As plantas em terra ressecada, alimentadas pelo orvalho vitalizador, brotam, criam botões e exalam a sua fragrância. Flores perfumadas no sertão! Eis o quadro pintado pela pena do vidente, para descrever a vida realmente entregue ao Espírito do Senhor. "Serei para Israel como orvalho, ele florescerá como o lírio, e lançará as suas raízes como o cedro do Líbano. Estender-se-ão os seus ramos" (14.5, 6). A vida arraigada na Palavra de Deus, irrigada pela graça divina, e ungida pelo orvalho sacro do Espírito, estende os seus ramos, oferecendo ao viajor a sombra refrescante no sertão causticante. "Os que se assentam de novo à sua sombra voltarão" (14.7). A pessoa cheia do Espírito se torna um ímã para os que procuram a vida verdadeira, e não precisa buscar contatos com os outros. Os famintos do espírito reconhecem intuitivamente a autêntica espiritualidade dos que recebem diariamente o orvalho do Espírito. O contato com o homem espiritual se torna frutífero. "Serão vivificados, e florescerão como a vide" (14.7). Nós, o povo do Senhor, cantamos "quero ser um vaso de bênção". Este desejo tão louvável se realizará através do Espírito Santo, a água viva oferecida por Jesus. "A água que eu lhe der será nele uma fonte a jorrar para a vida eterna" (João 4.14).
Oséias nunca viu o cumprimento da sua profecia final, mas pela fé aceitou que um dia o Senhor triunfaria na vida de Israel. Deus lhe tinha dado a vitória no seu lar, pelo triunfo do amor inabalável. Gomer estava de volta ao lar. Os filhos não levavam mais os nomes feios. Foram transformados em nomes abençoados. A família estava unida novamente. Com toda serenidade, Oséias aguardava o desenrolar do drama de Israel, com a certeza de que um dia Deus restauraria o seu povo. O profeta de coração quebrantado chegou a aprender que o coração do Senhor é também assim.
A MENSAGEM DA SECA
JOEL
Joel morava na santa terra de Israel, terra da promissão, terra que mana leite e mel. Tudo indicava que Deus queria colocar naquela parcela de terra privilegiada uma variedade exuberante de frutas, de cereais e de legumes. Em toda a superfície do mundo seria difícil descobrir uma região, tão pequena como a de Israel, em que houvesse tanta diversidade climática. Eram cultivadas frutas tropicais na região do vale do Jordão, enquanto todo o litoral gozava de um clima mediterrâneo ideal que favorecia o cultivo altamente lucrativo da laranja, do pomelo e de outras frutas. Mais ao norte, perto da Galiléia, o vale de Esdraelom produzia uma abundância farta de cereais e comestíveis de toda espécie para as feiras das cidades.
Como crente em Javé, Joel atribuía sempre ao Senhor esta riqueza maravilhosa. Por ser a terra do Senhor, era natural esperar que ela produzisse como nenhuma outra. A bênção de Deus deveria cair sobre a terra banhada tanto de suor israelita como de preces piedosas.
Joel percebia a relação íntima entre a vida espiritual e a prosperidade material em Israel. É verdade que nem sempre é assim, como a história do justo patriarca Jó e seus sofrimentos nos ensina, mas, em geral, quem serve ao Senhor fielmente prospera materialmente. Joel sabia que a história do seu povo exemplificava o princípio, uma história que concorda com o ensino fundamental enunciado no famoso discurso final de Moisés:
"Se ouvires a voz do Senhor teu Deus, bendito serás ... 
Será, porém, se não deres ouvido à voz do Senhor,
maldito serás no campo.
Maldito o teu cesto e a tua amassadeira . . .
Os teus céus sobre a tua cabeça serão de bronze
e a terra debaixo de ti será de ferro." (Dt 28.15-23)
Joel amava ao Senhor, e tentava viver de maneira a receber as prometidas bênçãos para os fiéis, evitando qualquer desvio do caminho da verdade que acarretasse a maldição divina.
Acordou Joel numa madrugada de verão com o zumbir de um inseto. Levantando-se da cama, descobriu que quem perturbava o seu sono era um gafanhoto num hibisco, fora da janela. Com um rápido gesto da mão, Joel afugentou-o e foi deitar-se novamente. Momentos depois ouviu o mesmo som irritante, mas desta vez muito mais agudo. Voltando à janela, espantou-se ao observar o que parecia ser uma espessa nuvem negra no céu azulado. De relance, entendeu Joel que era uma nuvem de gafanhotos. Não perdeu tempo em acordar todos da casa, reconhecendo que estava em perigo iminente toda a plantação da fazenda. Em poucos minutos, os insetos vorazes esconderam a luz do sol pela densidade incrível de milhões de corpinhos em vôo. Em desespero, os agricultores chamaram homens, mulheres e crianças para tentarem afugentar o exército inumerável de gafanhotos.
As mandíbulas minúsculas dos insetos devoraram metodicamente cada folha de cada planta, de cada árvore. No momento em que a invasão atingiu a sua força máxima, o som da mastigação de milhões de insetos se assemelhou ao de um motor de usina. Em vão os habitantes horrorizados tentaram salvar as plantações, mas inexoravelmente o exército de gafanhotos digeriu incólume a inteira safra da região, deixando apenas os tristes esqueletos de árvores, de arbustos, de vides e de hortaliças.
Passado o flagelo destruidor, a negra fome deu na vista dos agricultores desesperados. Joel contemplou a destruição total da fonte de renda, e finalmente o horror da situação provocou nele uma indagação religiosa. Por que aconteceu tamanho desastre? Por que Deus permitiu que isto acontecesse? Qual o significado do acontecimento? Joel convidou todos os habitantes da terra a que refletissem sobre o desastre:
"Ouvi isto, vós, velhos, e escutai,
todos os habitantes da terra . . .
Narrai isto a vossos filhos,
e vossos filhos o façam a seus filhos,
e os filhos destes a outra geração." (1.3, 4)
Joel não deixou o sinistro roubar-lhe a fé. Tentou desvendar a razão por que Deus permitiu que o seu povo sofresse tanto prejuízo. E o fruto das suas cogitações foi conservado para toda a posteridade no livrinho que leva o seu nome.No Oriente Médio o flagelo do gafanhoto não era novidade. O que impressionou Joel foi o fato de gafanhotos de diferentes tamanhos e espécies chegarem juntos como em aliança maldita:
"O que deixou o gafanhoto cortador comeu-o o gafanhoto migrador; o que deixou o migrador comeu-o o gafanhoto devorador; o que deixou o devorador comeu-o o gafanhoto destruidor." (1.4)
O camponês Joel reconheceu quatro novidades de bicho na armada aérea que aniquilara a fazenda. Nunca houve caso parecido na História.
A perda total da safra causou o maior desespero em toda a região aflita. No entanto, na sua desolação profunda, alguns se lembraram com otimismo das próximas chuvas de verão. A natureza sempre procura recuperar o seu aspecto verdejante. Os que nutriam esta esperança profetizavam a chegada, quer cedo quer tarde, das chuvas estivais, que anualmente irrigavam a região.
Joel contemplou a vide desfolhada no quintal, e a figueira desnuda, que pareciam silhuetas implorando algumas gotas vivificadoras dum céu de bronze.
"Fez da minha vide uma assolação,
destroçou a minha figueira,
tirou-lhe a casca, que lançou por terra;
os seus sarmentos se fizeram brancos." (1.7)
Os camponeses aguardaram estoicamente as chuvas. Paulatinamente os dias se tornaram semanas. A terra requeimada rachou-se sob o calor do sol impiedoso. O gado morria nos campos. O povo começou a arrumar as malas, em demanda de qualquer lugar que tivesse escapado do flagelo duplo dos gafanhotos e da seca. Mas as chuvas aneladas não chegavam.
"Também todos os animais do campo bramam suspirantes por ti; porque os rios se secaram e o fogo devorou os pastos." (1.20)
Como judeu piedoso, acostumado a dar o dízimo da safra do Senhor, Joel não estava em condições de trazer as tradicionais ofertas de manjares à casa do Senhor em Jerusalém. Por conseguinte, os sacerdotes e ministros iriam passar fome, e as solenidades exigidas pela santa lei não seriam mais observadas. Por isso Joel exclamou tristemente:
Uivai, ministros do altar! . . .
Passai a noite vestidos de sacos;
porque da casa do vosso Deus foram cortadas
a oferta de manjares e a libação." (1.13)
Nesta situação crítica, Joel pediu que se anunciasse um santo jejum e oração (1.14). Tanto no Velho como no Novo Testamento, a Bíblia recomenda o jejum como indicação da sinceridade inegável de quem oferece sua prece ao Senhor. Quem jejua afirma tacitamente que a resposta divina à oração é mais importante que o sustento do corpo. É a subordinação do físico ao espiritual, que caracteriza todos os gigantes da fé. Moisés e Jesus jejuaram durante quarenta dias. O apóstolo Paulo jejuava regularmente. O século XX, século do materialismo, já convenceu a igreja da atualidade que o jejum não é para os nossos dias. Ela depende mais de campanha financeira e de organização para evangelizar o mundo do que de jejum e oração. Às vezes, só uma calamidade de enormes proporções, como a do tempo de Joel, convence o homem a orar e jejuar.
Pela oração e jejum o profeta conseguiu adivinhar o enigma do porquê da devastação da terra do Senhor. Joel esperou no Senhor, e recebeu uma visão que o esclareceu acerca do desastre. A desolação que o Senhor permitira na sua terra da promissão representava algo mais cósmico, que haveria de ocorrer no fim dos tempos. Simbolizava os acontecimentos estarrecedores do Dia do Senhor! A descida dos gafanhotos sobre uma pequena região da Palestina dá uma pálida idéia do que será a destruição quando o Senhor vier na sua glória como o Juiz do mundo! O vidente começou a entender o porquê da perda da safra e, acrisolada a sua alma no sofrimento, recebeu uma mensagem para todo o mundo.
"Perturbem-se todos os moradores da terra, porque o dia do Senhor vem, já está próximo, dia de escuridade e densas trevas, dia de nuvens e negridão!" (2.1, 2)
Na visão, Joel percebeu que a multidão dos gafanhotos representava um exército invencível com todos os seus aparelhos de guerra, destruindo tudo à sua frente.
"Diante dele a terra é como o jardim de Éden, mas atrás dele um deserto assolado. Nada lhe escapa". (2.3)
O Dia do Senhor será um dia de juízo, e não de alegrias. Em Israel, o povo de Deus esqueceu-se deste aspecto da verdade. Era praxe falar do Dia do Senhor, como dia em que o povo do Senhor seria vitorioso. Esta interpretação triunfalista é popular na igreja de hoje. Esquece-se de que "nosso Deus é fogo consumidor" (Romanos 12.29). Não se preocupa com a revelação solene de Paulo quando diz: "todos nós compareceremos perante o tribunal de Cristo para que cada um receba segundo o bem ou o mal que tiver feito no corpo" (2 Co 5.10). Quem aceita Cristo é salvo da perdição eterna, e não entrará em condenação Não irá para o inferno. Mas ao mesmo tempo, deve-se reconhecer que haverá um julgamento do povo de Deus no Dia do Senhor. Falando daquele dia, Pedro afirma que "a ocasião de começar o juízo pela casa de Deus é chegada; ora, se primeiro vem por nós, qual será o fim daqueles que não obedecem ao evangelho de Deus?" (1 Pedro 4.17).
Assim como todos os profetas e apóstolos, Joel aprendeu que Deus julgará o seu povo. Portanto exclamou:
"Sim, grande é o dia do SENHOR,
e mui terrível!
Quem o poderá suportar?" (2.11)
À luz desta revelação, Joel conclamou o povo a se arrepender e a se converter:
"Ainda assim, agora mesmo diz o SENHOR: Convertei-vos a mim de todo o vosso coração; e isso com jejuns, com choro e pranto." (2.12)
Não era suficiente ser povo do Senhor. Não bastava morar na terra santa. Era necessária a conversão integral ao Senhor. Os apelos à conversão na Bíblia se dirigem quase que exclusivamente ao povo de Deus! A genuína conversão significa a aceitação plena da vontade de Deus. é imprescindível manter,a atitude de constante obediência ao Senhor. Destarte, a conversão se renova a cada dia. Há pessoas que se dizem convertidas ao Senhor, mas cujas vidas não mostram evidência prática de submissão a Cristo. Se elas continuam na desobediência, há a possibilidade de nunca terem sido salvas, pois a condição para a salvação é a obediência a Cristo como Senhor. Por esta razão, as Escrituras repetem o convite impreterível: convertei-vos! Não é chocante ler no evangelho as palavras de Jesus ao apóstolo Pedro, depois de três anos de apostolado?:
"Quando te converteres, fortalece os teus irmãos." (Lucas 22.32)
Joel entendeu que a desastrosa visita dos gafanhotos prefigurava algo pior ainda, a invasão dum exército inimigo. É "o exército que vem do norte" (2.20), estrondeando como carros. Tão vivida é a descrição da incursão militar, que se aplica perfeitamente ao método do blitzkrieg nazista com tanques, canhões blindados e todo o aparelhamento bélico dos nossos dias.
"Cada um vai no seu caminho
e não se desvia da sua fileira.
Não empurram uns aos outros.
Cada um segue o seu rumo;
arremetem contra lanças, e não
se detêm no seu caminho.
Assaltam a cidade, correm pelos muros,
sobem às casas; pelas janelas
entram como ladrão.
Diante deles treme a terra e os céus se abalam." (2.7-10)
Não se sabe em que época viveu Joel. O texto não revela o contexto da época. Possivelmente o profeta exerceu o seu ministério antes da invasão assíria que findou a história do reino de Israel em 722 a.C. Outros optam pelo período antes da queda de Jerusalém em 587 a.C, e neste caso "o exército que vem do norte" seria o da Babilônia. Seja como for, o vidente inspirado enxergou além da calamidade militar, e perscrutou os segredos recônditos da futura história do povo de Deus.
O dia chegará em que o Senhor restabelecerá o seu povo novamente na terra santa com todos os privilégios e bênçãos divinos.
"Restituir-vos-ei os anos que foram
consumidos pelo gafanhoto . . .
Comereis abundantemente e vos fartareis,
e louvareis o nome do Senhor vosso Deus . . .
e o meu povo jamais será envergonhado." (2.25, 26)
O clarividente servo do Senhor reconheceu na promessa da chuva temporã e a seródia algo muito mais sublime do que a restauração da terra devastada pela seca.Para Joel as chuvas representam o derramamento torrencial do Espírito de Deus sobre a humanidade sequiosa. Num trecho luminoso, citado pelo apóstolo Pedro no dia de Pentecostes, Joel prenunciou o glorioso dia em que o Espírito Santo encheria cada coração, dando-lhe sonhos e visões. Qual chuva no sertão em tempo de seca, assim o Espírito do Senhor irriga a alma sedenta do homem. Com Jesus, os céus se abrem para derreter a plenitude do Espírito sobre todo aquele que crê. Feliz o dia para toda a humanidade quando João Batista testemunhou, dizendo:
"Vi o Espírito descer do céu como pomba e pousar sobre ele!" (João 1.32)
Cumpriu-se ao pé da letra a profecia de Joel, quando Jesus prometeu a todos:
"Quem crer em mim, como diz a escritura,
do seu interior fluirão rios de água viva.
Isto ele disse com respeito ao Espírito que
haviam de receber os que nele cressem." (Jo 7.38,39)
Que maravilha inédita que um simples homem do campo profetizou com exatidão os acontecimentos dos séculos vindouros! Mais maravilhoso ainda é o fato de que vislumbrou fenômenos que acompanharão o desdobramento do drama humano, ainda futuro nos últimos decênios do século XX!
A promessa do dom do Espírito foi citada por Pedro em Atos 2.17. Incluiu na citação a profecia sobre os sinais e prodígios que acompanharão o Dia do Senhor:
"Mostrarei prodígios em cima no céu
e sinais em baixo na terra: sangue,
fogo e vapor de fumo.
O sol se converterá em trevas, e
a lua em sangue, antes que venha
o grande e glorioso dia do Senhor!" (Atos 2.19, 20)
Não há nenhuma indicação de que o sol se converteu em trevas, ou a lua em sangue, no dia de Pentecostes. Aquela parte da profecia de Joel não se cumpriu no tempo dos apóstolos, nem até hoje. Ainda são acontecimentos futuros. Serão os sinais da vinda de Cristo em poder e glória! Outro profeta, o santo apóstolo João, exilado em Patmos, escreveu anos depois do dia de Pentecostes, sobre a profecia de Joel!
"Vi quando o Cordeiro abriu o sexto selo, e
sobreveio grande terremoto.
O sol se tornou negro como saco de crina,
a lua toda como sangue." (Ap 6.12)
O Espírito de Deus revelou a Joel coisas que aconteceriam mais de vinte e cinco séculos depois! Certamente, o verdadeiro Autor dos livros da Bíblia é o mesmo Espírito de Deus, que inspirou homens santos que, segundo Pedro, "falaram da parte de Deus movidos pelo Espírito Santo" (2 Pedro 1.21).
O Dia do Senhor será terribilíssimo. Bem deve o homem pecador tremer com a vinda do Senhor da justiça e da glória. Mas Joel não deixou o homem atormentado pela expectativa da vinda do Juiz do mundo. Anunciou também o caminho da salvação! Pois Deus é amor, e quer o nosso bem, não desejando a morte do ímpio.
"E acontecerá que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo!" (2.32)
Como dizia Santo Agostinho a respeito dos dois testamentos da Bíblia: "O Novo está escondido no Velho, e o Velho explicado no Novo". E aqui, num pequeno livro dum profeta menor, se encontra o mais puro evangelho! Verdade citada séculos depois por Paulo (Romanos 10.13), continua sendo verdade. Basta invocar o nome do Senhor Jesus para ser salvo. Para invocá-lo, é preciso crer que ele ressuscitou de entre os mortos. Só assim se pode pedir com palavras a salvação gratuita que ele oferece na sua maravilhosa graça. Nos dias de Joel, como nos de Paulo, e também nos nossos, eis o único caminho da salvação!
O que começa como notícia de um desastre agrícoIa num quinhão da herança dos israelitas se torna um quadro em miniatura dos acontecimentos globais dos fins dos tempos. Inspirado novamente pelo Espírito de Deus, o vidente Joel ampliou a visão dada no capítulo 2. Rematando a sua mensagem de dimensões cósmicas ele passou a desofuscar mais o futuro remoto. Falou da gigantesca luta entre as nações, reunidas em redor da terra santa. Deus se vingará de todas as injustiças e atrocidades praticadas contra o seu povo (3.2-6). Será o tempo de guerra mundial, quando as nações forjarão espadas das reIhas de arado, e lanças das podadeiras (3.10). Somente depois do conflito global haverá paz na terra, a paz do Senhor presente para reinar! O profeta Isaías predissera o tempo da glória futura em termos exatamente opostos:
"Converterão as suas espadas em relhas de arados, e suas lanças em podadeiras." (Isaías 2.4)
O que parece ser contradição na Bíblia se explica pela compreensão da escatologia: primeiro o Armagedom, com a mobilização de todos os recursos para fins bélicos, e depois a vitória final do Senhor, quando a paz voltará à terra em permanência.
Desde o tempo de Joel, cada geração considera a possibilidade de estar próximo o fim do mundo. No ocaso do segundo milênio da era cristã existe, pela primeira vez na história da raça humana, a possibilidade real de aniquilar-se o homem. Os Estados Unidos possuem mais de 10.000 bombas nucleares. O bombardeiro americano B-52 é capaz de entregar quatro bombas nucleares, equivalentes a 7.385 bombas parecidas com a bomba A lançada sobre Hiroshima! A União Soviética fabrica uma bomba nuclear cada 36 horas. Com este potencial mortífero, essas duas superpotências são capazes de aniquilar toda a vida na terra 15 vezes. Estes fatos nos levam a pensar que a profecia de Joel não tardará a cumprir-se . . .
Rematando a mensagem da última visão, Joel se projetou até o conflito fatídico do fim dos tempos:
A possibilidade dessa guerra estourar leva o homem a refletir sobre o porquê da vida, da morte, e do além-túmulo. Morre o homem apenas como animal? Joel lhe deu a resposta.
"Sabereis que eu sou o SENHOR vosso Deus, que habito em Sião, meu santo monte!" (3.17)
A crise do fim do século XX não se resolverá nem pela política internacional, nem pelo progresso científico. O homem moderno precisa buscar a Deus, o Deus de Joel, o Deus da Bíblia. Por mais inteligente que seja, o homem não conseguiu ainda explicar sua própria razão-de-ser, mas conseguiu aumentar seu poder de tal forma que sua auto-destruição é uma possibilidade real. A dimensão espiritual abre-lhe novos horizontes, e o seu espírito, agriIhoado pelo materialismo, sobe finalmente nas asas da fé, para alcançar o mais alto zênite da espiritualidade, olhando para Jesus Cristo, o Senhor do universo. é este mesmo Senhor que o redime pela sua morte expiatória na cruz, ponto central do encontro entre o homem e Deus. O Espírito do Senhor inspirou Joel a salientar esta verdade básica na sua derradeira palavra profética:
"Eu expiarei o sangue
dos que foram expiados." (3.21)
Abandonando teorias inadequadas para o encontro inevitável com a morte, aceitemos a única solução do problema humano, Jesus Cristo o Senhor e Salvador, que pela sua morte expiou o nosso pecado na cruz, e nos garantiu a vida eterna pela sua ressurreição.
"Multidões, multidões, no vale da decisão!" (3.14)
O VAQUEIRO PROFETA
AMÓS
Amós vivia num período histórico de grande prosperidade ilusória. A nação de Israel, no norte da Palestina, tinha experimentado no reinado do inteligente monarca Jeroboão II um desenvolvimento inigualado. Em Samaria, a metrópole, havia a frenética construção de novos prédios; dinheiro era gasto à toa, e a sociedade era entregue à vida de estonteante luxúria. Amós não era natural de Israel. Nascera num lar humilde no reino de Judá, no Sul. Viu a luz do dia na pobre aldeia de Tecoa, na região árida do sertão que se estende até o Mar Morto, ao Leste, e até o deserto de Negev ao Sul. O povoado não gozava de nenhum prestígio, sendo apenas uma encruzilhada nas estradas utilizadas pelas inúmeras caravanas que atravessavam o Oriente Médio. Naquele lugarejo inóspito Deus preparou um rude pregoeiro da justiça.
Desde a meninice, Amós aprendeu a digladiar-se com as forças ingentes da natureza fera do sertão. Conseguiu algum pasto para as poucas cabeças de rês que dificilmente eram sustentadas na aridez requeimada do sertão judaico. Raras eram as frutas que apareciam naquelas plagas pedregosas, mas o menino Amós sabia onde colher os pequenos figos dos sicômorosespalhados na pouca sombra de penhascos seculares. Provavelmente vendia as frutinhas aos árabes que acompanhavam as caravanas, ou na feira de Belém, que distava apenas dez quilômetros.
Arrancava o jovem Amós uma existência sacrificada do sertão. Muitas vezes pouco se comia entre a alvorada sobre o deserto oriental e o pôr-do-sol rosado, atrás dos píncaros lúgubres das montanhas da Judéia. A fome, a sede e o cansaço eram os seus companheiros constantes. Ao mesmo tempo, o jovem Amós sabia que as caravanas levavam a farta opulência oriental para a grande metrópole de Samaria. Tinha ouvido falar daquela sociedade urbana, onde muitos nem trabalhavam, onde a gangrena da luxúria desenfreada roía a medula da nação. Tinha aprendido que no paço real, e nos círculos sociais da elite, não se observava mais aos pé da letra a lei de Moisés. Aprendia que grassava a mais devassa podridão entre os mais privilegiados. Não ignorava o fato de que a maioria do povo, explorado e frustrado como ele, sustentava aquela minoria opressora. Sentia crescer no seu coração o desejo de falar sobre o assunto.
Passavam diariamente as caravanas portadoras de artigos de luxo. Quando os camelos, de marcha lenta, paravam na encruzilhada de Tecoa, Amós se informava da fabulosa carga destinada à distante metrópole israelita. Sedas finíssimas, tapetes felpudos, louças fragílimas, pedras preciosas, móveis luxuosos, vinhos raros, frutas cristalizadas, e uma infinidade de artigos de luxo atravessavam a pobre aldeia na encruzilhada. Estes produtos não chagavam às cálidas mãos dos sertanejos rudes de Tecoa. Os tecoanos silenciosos nunca entendiam por que o destino os tinha eleito para a labuta opressiva, enquanto outros tinham o direito de viver sem trabalhar, e usufruir da opulência fantástica dos empórios orientais.
Nas casas toscas de adubo na circunvizinhança de Tecoa, a vida nunca melhorava. As vezes, depois do labor do dia, sob o sol causticante que requeimava o solo infértil do sertão, os habitantes recebiam notícias dos palacetes em construção em Samaria, dos jardins e pomares, das alamedas e praças públicas. Em contraste com a cidadezinha sertaneja, a longínqua metrópole parecia ser uma cidade paradisíaca.
Amós amava a Deus, o Deus da justiça, o Deus que ampara o pobre e necessitado. Como conciliar esta contradição na terra santa do Senhor Deus de Israel? O jovem crente no Senhor não pôde silenciar frente à desigualdade social. Começou a pregar com o vocabulário simples e direto de vaqueiro, falando do Deus verdadeiro e justo que ama o seu povo, e anunciando um juízo divino contra uma sociedade materialista e opressora. Por mais inverossímil que pareça, dois anos depois de Amós iniciar sua nova carreira de pregador leigo, houve um sinal confirmador da sua mensagem. Ocorreu um abalo sísmico de severidade inédita (1.1). Os pobres desabrigados das casas de taipa perderam pouco, mas a demolição das mansões e dos palacetes representou uma perda estarrecedora. Para o pregador sertanejo, não podia haver indicação mais clara da intervenção divina.
"O Senhor rugirá de Sião!" (1.2), bradou o profeta. Confirmado na sua convicção de que Deus iria julgar a nação vizinha, Amós não perdeu mais tempo entre os seus. Ele não precisava pregar a justiça aos tecoanos, oprimidos pelo sistema desumano de crassa exploração ao próximo. Despediu-se depressa, e se dirigiu à nação de Israel, ao norte.
Com a ingenuidade do entusiasmo juvenil, Amós se lançou no ministério profético, sem se mergulhar nos estudos teológicos. Várias escolas de profetas atraíam jovens sisudos em cada época, mas Amós soube ler os sinais dos tempos, e para ele a palavra do Senhor se comparava ao rugido do leão (1.2). Nunca chegou a estudar hermenêutica, nem exegese textual. Não pretendia imitar o estilo polido de um Isaías. Sabia que um julgamento pior do que o terremoto viria, e que o povo estava inconsciente do perigo.
Amós começou o seu ministério em Samaria, anunciando os juízos do Senhor contra as nações ímpias. Sem muita experiência didática, o profeta inculto aproveitou um método ainda utilizado em regiões de pouca oportunidade escolar, e cantava a sua mensagem. A Bíblia conserva miraculosamente oito estrofes deste cancioneiro primitivo (1.3 — 2.16). Antes da invenção da imprensa, as nações dependiam deste método para insuflar um povo contra o inimigo. São muitas as canções de desprezo patriótico conservadas no Velho Testamento. Como trovador medieval, Amós cantava ao ar livre, para deleite dos transeuntes curiosos, atraídos pelo espetáculo incomum de um cantor sertanejo, vestindo trajes típicos.
O cantor rústico denunciou na primeira estrofe o inimigo tradicional de Israel:
"Quebrarei o ferrolho de Damasco! "(1.5)
Não houve quem se opusesse a este sentimento nacionalista. Amós conseguiu aprovação total da sua mensagem. Deus que julgasse Damasco! Amós continuou cantando, enquanto outros se uniam aos espectadores. A segunda estrofe prometeu fogo divino sobre a detestada Gaza, cidade dos filisteus. Mais uma vez, todos concordaram plenamente com sentimentos tão justos (1.7). Depois veio a vez de Tiro, cidade cosmopolita, rainha do Mediterrâneo, e rival de Samaria quanto à vida luxuosa (1.9). Todos desejavam que Deus minasse a economia dela. E a canção castigou depois Edom (1.11). Quem podia simpatizar com o reino que controlava todo o tráfego norte-sul no deserto? Quem podia se esquecer de que foi Edom que interditou aos primeiros israelitas a entrada em Canaã? Deus que os consumisse com fogo! Gritos de apoio acompanhavam a canção. Amém, irmão!
Amós continuou cantando mensagens de juízo. Chegou a vez de Amom, na Transjordânia, cujos soldados mereciam a censura de todo povo civilizado, por causa das atrocidades inenarráveis perpetradas em guerra. Que Deus fosse como turbilhão contra eles! (1.13)
Amós não se esqueceu do julgamento de Moabe, cujos líderes mandaram queimar os restos mortais dum rei inimigo. Que Deus matasse os seus príncipes! (2.3)
A esta altura a multidão dos ouvintes aguardava a próxima estrofe. O rude sertanejo já tinha julgado todos os inimigos vizinhos de Israel. E agora? A multidão atenta ficou surpresa ao ouvir a estrofe que seguiu:
"Assim diz o Senhor: por três transgressões de Judá, e por quatro . . ." (2.4)
Todo mundo reconhecia Amós como natural de Judá. Como se explicava que anunciava um julgamento contra o seu próprio povo? Por que o julgava? Não por ter cometido atrocidade, nem por ódio infrene. Amós continuou cantan-
"Porque rejeitaram a lei do Senhor,
e não guardaram os seus estatutos,
antes as suas próprias mentiras os enganaram,
e após elas andaram seus pais". (2.4)
Amós abandonou o argumento político, a favor do religioso. Judá seria julgada pela sua infidelidade ao SENHOR! O povo não tinha guardado a Palavra de Deus. Esquecera-se dos seus ensinos. E, logo em seguida, a vida nacional perdeu as características bíblicas de piedade e honestidade. A canção de Amós não era mais modinha popular. De repente se tornou corinho de crente.
A multidão aclamou a honestidade intrépida do jovem de Judá, que ousava falar de fogo divino consumindo a santa cidade de Jerusalém, cidade capital do profeta. O trovador do Senhor prendeu a atenção indivisa dos ouvintes. Começou a entoar firmemente a última estrofe:
"Assim diz o SENHOR: por três transgressões de Israel e por quatro . . ." (2.6)
Nem bem pronunciado o nome da capital samaritana, sentiu-se um calafrio nos ouvintes. Aos olhos deles, o genial cantor sertanejo se transformava imediatamente na figura desprezível e ridícula de um matuto injurioso. Os elegantes cidadãos da capital silenciaram, enquanto Amós apontava para as injustiças berrantes praticadas contra os humildes.
"Os juizes vendem o justo por dinheiro, e condenam o necessitado por causa de um par de sandálias! (2.6)
Ninguém podia negar que os tribunais sempre favoreciam os que se serviam de meios venais para ganhar a causa. Assim sendo, havia duas leis, uma para o rico, e outra para opobre. Amós prosseguiu cantando a mensagem acusadora:
"Suspiram pelo pó da terra sobre a cabeça dos pobres!" (2.7)
Os donos das grandes fazendas não queriam entregar aos pobres nem uma nesga de terra para o seu próprio uso. Com ironia Amós declarou que os ricos cobiçavam até o pó da terra, colado às frontes suadas dos trabalhadores!
A canção profética continuava a alfinetar as consciências:
"Um homem e seu pai coabitam com
a mesma jovem e assim
profanam o meu santo nome." (2.7)
Todos os homens sabiam que, não obstante a profissão de fé no Senhor, a licenciosidade dos lupanares e a doce sedução de corpos bronzeados na praia constituíam o principal interesse masculino. Na luta titânica entre a carne e o espírito, este perdia e aquela ganhava.
Com olhar severo, o rude pregoeiro da justiça prosseguiu, relembrando os grandes atos intervenientes do Senhor na história do povo. Deus fê-lo subir da terra do Egito, destruindo os seus inimigos, e levantando profetas dentre os filhos de Israel.
"Mas vós aos nazireus destes a beber vinho, e aos profetas ordenastes, dizendo: Não profetizeis." (2.12)
O nazireu fazia voto de não tomar bebida alcoólica, e de não cortar o cabelo. Os israelitas enfraqueciam os que tinham assumido esses solenes votos ao Senhor, animando-os a agir contrariamente. Dos profetas nada se pedia nos cultos, senão uma cerimônia empolgante. Nada de pregação da Palavra de Deus! O culto cantado bastava. O profeta era benquisto se dirigisse o programa especial, sem mensagem nenhuma. Religião sem Palavra de Deus. Culto sem pregação.
Deus falou pela boca de Amós, como rugido de leão:
"Eis que farei oscilar a terra debaixo de vós como oscila um carro carregado de feixes." (2.13)
As palavras de advertência profética ecoaram na esplêndida praça pública da linda metrópole. Alguns se lembraram logo do terremoto que sacudira a terra em tempos recentes. Outros passaram a ludibriar do sertanejo desprestigioso. Uns poucos refletiram com evidente sobriedade. E a maioria ficou indiferente, e o humilde mas intrépido filho de Tecoa rematou o refrão fatídico:
"E o mais corajoso entre os valentes
fugirá nu naquele dia, disse o Senhor." (2.16)
Criou manchetes a canção de Amós na bela cidade de Samaria. Na capital, tudo exalava paz e prosperidade. Exímio na diplomacia, o rei Jeroboão II reatara alianças com os tradicionais inimigos de Israel, conseguindo um clima de paz inaudita. Seu tino administrativo garantia para a capital e para a classe privilegiada uma vida nababesca. E agora chegava esse forasteiro doido proclamando o fim do mundo. Com certeza, o sábio rei seria altamente competente no futuro como no presente. Por que temer?
Amós se atreveu a falar em público novamente. Desta vez não cantou mas, falando o linguajar de sertanejo, apelou para o raciocínio dos ouvintes irrefletidos. A sorte não existe para o povo de Deus! Tudo se explica por causa e efeito.
"Andarão dois juntos, se não houver entre eles acordo?" (3.3)
Dois negociantes se encontram porque marcam a hora. Dois namorados andam de mãos dadas porque de antemão já marcaram o lugar do encontro. A rapaziada de Samaria entendia perfeitamente bem a lógica de Amós'
"Rugirá o leão no bosque, sem que tenha presa?" (3.4)
Mesmo os que não se interessavam pela caça, preferindo ficar nas elegantes mansões da metrópole, sabiam que o leão silencia enquanto anda à procura da rapina. Só ruge depois de tomá-la.
"Tocar-se-á trombeta na cidade, sem que o povo se estremeça?" (3.6)
Claro que não. O estremecimento se explica pela causa, a trombeta que anuncia a guerra. Os mais velhos cidadãos na cidade real de Samaria nunca se esqueciam do pânico que tomou posse da cidade quando exército sírio a invadiu. Amós prendeu a atenção de todos ao pronunciar a frase seguinte:
"Sucederá algum mal à cidade,
sem que o Senhor o tenha feito?" (3.6)
"Rugiu o leão, quem não temerá?
Falou o Senhor Deus,
quem não profetizará?" (3.8)
Agora o profeta declarava nitidamente que um inimigo cercaria a cidade para destruí-la, e com elas seriam derrubadas as casas de inverno e as casas de verão (3.15). A causa dessa destruição era a chocante injustiça e a opressão perpetradas contra os humildes e os pobres. Não se poderia dar um jeito. Nem era questão de sorte na vida. Teriam que colher o que haviam semeado.
As belas damas da corte passeavam nas alamedas da cidade maravilhosa de Samaria. Andavam vestidas com as últimas criações, nas mais leves sedas importadas do estrangeiro. Seguia-as, como incenso celeste, a delicada fragrância de perfumes exóticos, tão caros que o trabalho de um agricultor durante o ano todo nem daria para adquirir um frasquinho do precioso líquido. Em Tecoa, Amós não ganharia num mês o suficiente para comprar uma daquelas bolsas de senhoras feitas de couro finíssimo, com prendedor de prata trabalhado como asa de pássaro.
A lembrança da pobreza do sertão escaldou o espírito do jovem profeta abnegado. Cada senhora levava consigo dinheiro suficiente para alimentar uma família inteira no interior, por muitas semanas ou meses. Na cidade, tanto dinheiro esbanjado. No sertão, tanta penúria. Na capital, uma festa por dia. No interior, a fome, a cada dia. Amós não conseguiu conter a crescente onda de protesto dentro do seu coração. Em alta voz, pediu a palavra:
"Ouvi esta palavra, vacas de Basã, que estais no monte de Samaria, oprimis os pobres, esmagais os necessitados, e dizeis a vossos maridos: dai cá, e bebamos." (4.1)
Um arrepio de indignação atônita se registrou com estas palavras tão grosseiras. Pelo menos o pregador descortês captou a atenção das belas senhoras por um momento. Nada sabendo de homilética, Amós misturou as metáforas, pois continuou dizendo:
"Jurou o Senhor Deus pela sua santidade, que dias estão para vir sobre vós, em que vos levarão com anzóis e as vossas restantes com fisga de pesca." (4.2)
Amós comparou as damas da alta sociedade a vacas gordas no pasto. Elas, no entanto, seriam semelhantes a peixes tomados com anzóis, naquele dia da tomada da tão próspera cidade pelos seus inimigos, quando elas iriam para o cativeiro.
Existia na nação um espírito profundamente religioso. Israel se gabava de sua cultura religiosa e de seu espírito moderno de ampla tolerância. Em matéria de fé, achava que toda religião era boa, e que não se devia condenar qualquer crença praticada com sinceridade. Para mostrar ao mundo que a religião nacional tinha raízes históricas profundas, o clero organizava uma romaria anual, visitando os lugares santos. Os peregrinos em festa chegavam primeiro em Betei, onde o patriarca Jacó tivera a visão da escada celestial. A próxima parada era Gilgal, lugar do encontro de Samuel com Deus. Em seguida, os romeiros iam até Berseba, oásis no deserto do Negev, para relembrar a presença do pai Abraão naquele lugar santo,séculos antes.
Em verdade, a romaria anual tinha mais o aspecto de festa do que de ato religioso. Os comerciantes aproveitavam o ensejo com preços inflacionados. Muitos peregrinos passavam mais tempo visitando amigos e parentes do que participando das orações. E, felizmente, não havia pregações incômodas.
Na ocasião da visita de Amós, todos se preparavam, como sempre, para a romaria. Achavam que isso servia como demonstração positiva da sua fé, face às acusações do jovem pregador. Para surpresa geral de todos, o profeta do sertão ergueu a voz nos seguintes termos:
"Assim diz o SENHOR à casa de Israel: 
Buscai-me e vivei.
Porém não busqueis a Betei,
Nem venhais a Gilgal,
nem passeis a Berseba, ...
Buscai ao SENHOR e vivei,
para que não irrompa na casa de José
como um fogo que a consuma!" (5.4-6)
Sem uma relação pessoal com o Senhor, sem buscá-lo, a religiosidade da romaria nada valeria em termos espirituais, e os lugares santos seriam destruídos. Deus contemplava as transgressões sociais em Israel:
"... afligis o justo, tomais suborno, e rejeitais os necessitados." (5.12)
A religião divorciada da moral e da compaixão é anátema;aos olhos do Senhor. Ele promete estar com o seu povo somente quando este busca o bem e aborrece o mal (5.15). O profeta conhecia a índole do povo de Israel, e previu as conseqüências da rejeição da mensagem:
"Em todas as praças haverá pranto."
Como no dia de hoje, muitos naquela época falavam do Dia do Senhor como solução final de todos os problemas, sem perceber que a sua vinda marcaria o julgamento do povo do Senhor.
"Ai de vós que desejais o dia do Senhor! Para que desejais vós o dia do Senhor? É dia de trevas e não de luz." (5.18)
Israel pensava que a vinda do Senhor marcaria o julgamento das nações ímpias e o reconhecimento por elas da supremacia de Israel. Tragicamente, a nação não entendeu que o Dia do Senhor seria o julgamento do próprio povo de Deus. Em nossos dias, sai do prelo uma abundância de livros sobre a segunda vinda de Cristo. Porém, a maioria tenta interpretar os acontecimentos políticos à luz da profecia, sem mencionar o fato de que a volta de
Cristo iniciará o julgamento da igreja! Como diz Paulo, "todos compareceremos perante o tribunal de Deus" (Rm 14.10). E Pedro afirma: "A ocasião de começar o juízo pela casa de Deus é chegada; ora, se vem por nós, qual será o fim daqueles que não obedecem ao evangelho de Deus?" (1 Pedro 5.17).
Tanto no Novo como no Velho Testamento, os judeus nunca acreditaram que fosse possível Deus julgar o seu povo. A destruição de Samaria em 722 a.C. e o exílio babilônico de Judá em 587 a.C. são advertências contra toda presunção. Dificilmente aprendemos as lições da História. É salutar lembrar que a matança de um milhão de judeus, fervorosos para com a Bíblia, mas desobedientes a ela, no ano 70 de nossa era, é mensagem para nós. Deus julgará o crente desobediente severamente. O fato de ser salvo eternamente não lhe exclui o comparecimento perante o tribunal de Cristo, com a possibilidade da perda do galardão. Escrevendo sobre "o dia", isto é, sobre o dia do Senhor, Paulo revela que:
"... qual seja a obra de cada um 
o próprio fogo o provará
... se a obra de alguém se queimar,
sofrerá ele dano; mas esse mesmo
será salvo, todavia, como
que através do fogo." (1 Co 3.13, 15)
Com a vinda de Cristo, toda a nossa vida, todo o nosso testemunho (ou a falta dele) serão avaliados pelo SENHOR, e muitos descobrirão que as coisas pelas quais viviam não tinham valor permanente. Serão queimados. Desaparecerão. As coisas feitas para Cristo o Senhor permanecerão para toda a eternidade. Para evitarmos a tolice de gastar a vida inutilmente, é preciso ter os olhos fitos sempre na segunda vinda de Cristo.
Amós lamentou a triste cegueira dos israelitas, pois não percebiam a relação entre o seu comportamento e o dia do Senhor. Lançou mão de um exemplo tirado da sua própria vida de camponês para salientar o perigo em que jaz o povo indiferente.
"Como se um homem fugisse de diante do leão, e se encontrasse com ele o urso; ou como se, entrando em casa, encostando a mão à parede, fosse mordido duma cobra." (5.19)
A parábola do vaqueiro dispensava esclarecimento. O homem da parábola escaparia do leão, e fugiria do urso, mas seria destinado à destruição, não evitando a serpente. Assim seria Israel. A compassiva mão do Senhor a poupara diversas vezes, mas chegaria a hora do julgamento divino, contra as injustiças sociais e a devassidão moral no país.
Os habitantes da sofisticada metrópole adotaram uma filosofia religiosa dicótoma, separando corpo e alma de tal maneira que praticavam a libidinagem mais desenfreada do corpo durante a semana, para assumirem ares de pomposa religiosidade solene no sábado do Senhor, para o bem da alma. O corajoso profeta Amós repulsou essa hedionda aberração da verdade:
"Aborreço, desprezo as vossas festas, e com as
vossas assembléias solenes não
tenho nenhum prazer . . .
Afasta de mim o estrépito dos teus cânticos;
porque não ouvirei as melodias
das tuas liras." (5.21, 23)
A mocidade israelita não gostou desse pregador matuto. Não estavam os jovens sempre presentes no culto, e alguns até mesmo no coral? Não respeitavam bem as campanhas? Não faziam parte de várias atividades religiosas? E agora vinha esse sertanejo forasteiro alegando que todo aquele tempo gasto em culto nada valia, sem uma consagração como nunca houvera. Esse Amós nunca ouvira falar da necessidade biológica do homem? Não sabia que, afinal de contas, não se pode ser perfeito aqui em baixo na terra? A Bíblia não diz também que o rei Davi teve muita experiência erótica? Os argumentos e os protestos se proliferaram contra as acusações moralizadoras de Amós. Nos círculos respeitados da elite era inaceitável esse tipo de pregação de juízo, e condenação do pecado lascivo. Amós se sentiu sem apoio. A juventude israelita gostava de cantar hinos, mas gostava também de divertir-se com os amigos que não eram inibidos por tanto ensino da Bíblia. Um pé na igreja, o outro no mundo. Amizade com todos era o seu ideal, e não a intransigência moral desse pregador de fora. Uma gargalhada de desprezo irrompeu no meio da rapaziada. O pregador sertanejo, imperturbável, lançou-lhes a última palavra:
"Por isso vos desterrarei, para além de Damasco, diz o SENHOR, cujo nome é o Deus dos exércitos." (5.27)
Tal pai, qual filho. Amós observava os costumes corrompidos dos pais em Samaria. Os "filhos de papai" se guiam fielmente a vida de materialismo crasso e de luxúria infrene que testemunhavam em casa. Amós dirigiu-se agora aos genitores da juventude transviada:
"Vós, que imaginais estar longe o dia mau,
e fazeis chegar o trono da violência;
que dormis em camas de marfim,
e vos espreguiçais sobre os vossos leitos,
e comeis os cordeiros do rebanho,
e os bezerros do cevadouro . . .
que bebeis vinho em taças,
e vos ungis com o mais excelente óleo;. . .
Portanto, agora ireis em cativeiro! " (6.3-7)
Encolerizado, Amós apontou para o mau uso do dinheiro na sociedade. Na região de Tecoa, muita gente deitava-se no chão. Alguns possuíam uma cama primitiva, ou rede. Mas aqui, na riquíssima capital de Israel, os burgueses conciliavam o sono em camas de marfim. O valor só do marfim pagaria um agricultor no sertão por mais de um ano! Amós se lembrou do gado de casa, e a luta sacrificada para salvar um cordeiro ou bezerro ameaçado pelas feras, os ladrões e os próprios elementos da natureza. Mas, aqui em Samaria, os donos de rês nem se preocupavam se os animais não chegassem à maturidade. Em vez de conservar os rebanhos, os senhores se alimentavam todos os dias de filé-mignon, e das melhores carnes, dizimando o patrimônio nacional. Quem se alimentasse com tais quitutes no sertão seria considerado louco.
Na cidade opulenta os pratos requintados eram servidos com rios de vinho, em taças em vez de copos. No sertão somente na ocasião de um casamento ou de um enterro se servia às vezes um copinho de vinho, mas não em circunstâncias normais. Na metrópole, porém, o vinho corria como água.
Nos seus palacetes suntuosos, os habitantes da cidade capital tinham festa diária, sendo cada refeição o fruto do suor e labor dos paupérrimos irmãos de Amós, labutando vida bastante sofrida. E não somente as damas, mas os homens também se perfumavam como galantes ociosos num paço em ocaso, gastando uma fortuna com os mais excelentes perfumes importados de países exóticos. Amós calculou rapidamente a despesa diária numa só mansão, e a soma atingia o salário de um ano no sertão. Rijo de ânimo, Amós profetizou em praça pública num dos bairros mais esnobes da cidade:
"Eis que o SENHOR ordena e será destroçada em ruínas a casa grande, e a pequena, feita em pedaços!" (6.11)
A notícia perturbadora da pregação de juízo correu rapidamente da rua para os círculos mais elegantes e exclusivos. Chegou a notícia na capela real, onde Amazias, capelão de S.M. Jeroboão II, franziu a testa. A comunicação pareceu-lhe ser conspiração perigosa, visto que Amós já anunciara a queda da cidade e o exílio do povo. Embora despretenciosa, a mensagem do rude sertanejo pôde abalar algumas pessoasnervosas, e o capelão resolveu denunciar incontinenti o impertinente pregador-vaqueiro. Pior ainda, o audacioso profeta do sertão tinha tido a temeridade de vaticinar a morte do próprio monarca.
Tudo indica que o rei Jeroboão II pouco se importunou com a notícia. Provavelmente considerou Amós como um desses visionários messiânicos que em cada geração se levantam entre os analfabetos dos sertões, arrastando um punhal de adeptos para o seu inevitável fim desastroso. Fosse como fosse, o rei não mandou prender o pregador sedicioso. Bastou mandá-lo para fora do país, pela instrumentalidade do capelão. Amazias encontrou o sertanejo dentro da própria capela real, e não perdeu tempo em entregar o recado do rei:
"Vai-te, ó vidente, foge para a terra de Judá e ali come o teu pão, e ali profetiza; mas em Betei, daqui por diante, já não profetizarás, porque é o santuário do rei e o templo do reino" (7.12, 13)
Com desprezo mordaz, respondeu Amós:
"Eu não sou profeta, nem discípulo de profeta,
mas boieiro e colhedor de sicômoros!" (7.14)
Amazias recebia um gordo salário pelas suas funções como capelão real. Amós não recebia mercê alguma. Se haveria de comer pão em Judá, não seria provimento de cargo religioso que o sustentaria. Era boieiro, e visto que o dinheiro nem dava para se viver do trabalho, era obrigado a aumentar a pitança miserável pela venda, a um preço irrisório, das pequenas frutas de sicômoro palestino colhidas durante umas poucas semanas de verão. Amós não era pregador assalariado. Pregava por conta própria, sacrificando-se para falar a verdade, nua e crua, dizendo que a profissão de fé no SENHOR, sem vida moral e sem compaixão para os pobres, é uma revoltante nulidade!
Terminou o diálogo entre o capelão magnificamente paramentado e o humilde profeta do Senhor, delgado de talhe, e vestindo o trajo tradicional de couro. Nunca mais se encontrariam. Com o olhar místico de vidente, Amós proferiu sua última sentença:
"Assim diz o SENHOR,
tua mulher se prostituirá na cidade,
e teus filhos e tuas filhas cairão à espada,
e a tua terra será repartida a cordel,
e tu morrerás na terra imunda,
e Israel certamente será levado cativo
para fora da sua terra! " (7.17)
Amós cumpriu a sua missão ingrata e perigosa. Antes de deixar a nação de Israel, sua terra missionária, ele não perdeu a ocasião de advertir o povo do perigo em que jazia enquanto não voltasse ao Senhor. Quão solenes são os juízos do Altíssimo! Quão soberbo é o coração humano que não acredita num juízo final para todos, inclusive para o povo de Deus! Quão presunçoso aquele que pensa que uma profissão de fé, alguma assistência aos cultos, alguma contribuição ocasional aos cofres sacros compensam a falta de pureza moral, de honestidade, e de compaixão!
No caminho de volta, Amós anunciou as suas visões apocalípticas, chamando o povo ao arrependimento e à fé no SENHOR. Mas o povo, desde o rei no trono até o homem na rua da capital, endureceu o coração. A cidade parecia tão segura, tão rica, e a vida tão aprazível, que a mensagem de Amós foi tida como a alucinação de um alienado. Nada de conversão em massa. Aparente fracasso da campanha. No entanto, Amós não se desanimou.
Como todos os profetas do SENHOR, Amós vivia na esperança certa do triunfo final do Senhor. A apostasia materialista de Israel não podia ofuscar os raios rutilantes da glória vindoura do dia do Senhor. Quantos profetas anelaram a sua chegada, falando "daquele Dia!" E assim é que Amós rematou a sua obra monumental, erguendo os olhos para ver um Israel restaurado, um povo de Deus purificado:
"Naquele dia levantarei o tabernáculo caído de Davi, repararei as suas brechas." (9.11)
Jeroboão II não era da linhagem de Davi, a quem o Senhor prometera o reino em perpetuidade. Séculos de pois, o apóstolo João, escrevendo a respeito de Jesus, testificou: "E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós" (João 1.14). A palavra "habitou" traduz o grego eskenosen que significa literalmente "levantou tenda" ou "levantou tabernáculo". Foi por Jesus que Deus levantou o tabernáculo de Davi, e assim se cumpriu a profecia messiânica escrita por Amós uns sete séculos antes.
Sob o futuro reino de Cristo haverá a verdadeira prosperidade. Não o privilégio de uma minoria que explora a maioria, mas a conseqüência de todos praticarem a justiça, a compaixão e o amor para com o próximo, seja quem for.
"Eis que vêm dias, diz o SENHOR,
em que o que lavra segue logo ao que ceifa,
e o que pisa as uvas ao que lança a semente;
os montes destilarão mosto,
e todos os outeiros se derreterão." (9.13)
Em nosso mundo do século XX, em que opera ainda a maldição proferida na hora da queda do homem, há uma abundância adequada para todos os quatro bilhões que habitam no planeta. A cobiça, esta praga humana que exige lucros cada vez maiores, faz com que a metade da humanidade tenha fome, enquanto a outra metade vive fartamente, jogando fora milhares de toneladas de comida cada dia. Mas não será sempre assim. Um dia, "naquele dia", quando Cristo tomar conta do mundo, quando houver novos céus e nova terra, cumprir-se-á o último sonho do heróico compeão do Senhor, Amós de Tecoa no sertão, que prometeu:
"Plantá-los-ei na sua terra,
e, dessa terra que lhes dei, já não serão arrancados,
diz o SENHOR teu Deus." (9.15)
O SENHOR DA SEARA
JONAS
A profecia de Jonas difere de todas as demais profecias bíblicas. A sua profecia falada se limita a apenas sete palavras: "Ainda quarenta dias, e Nínive será subvertida" (3.4). Num sentido real, o profeta é a sua mensagem. Quantas vezes Deus fala muito mais através do drama existencial dos seus servos do que pelas próprias palavras deles! Disto são exemplos Oséias, Jeremias e tantos outros servos do Senhor. Deus ensina não tão somente por instrução verbalmente comunicada, mas também pelos acontecimentos, nus e crus, vividos no crisol da experiência humana. Todo o mundo se lembra bem da experiência de Jonas. Quantos sabem citar a sua mensagem falada?
Muitos comentaristas modernos rejeitam a historicidade da narrativa, considerando o livro como alegoria, ou parábola comparável à do Filho Pródigo. Contra esta opinião, levanta-se a objeção de que nenhum outro livro da Bíblia é exclusivamente parabólico. Outrossim, Jonas, filho de Amitai, é mencionado em 2 Reis 14.25 como profeta. De importância capital é a citação de Jonas por Jesus Cristo (Mateus 12.38-42). Neste trecho o Senhor Jesus não somente fala dos ninivitas no dia do juízo, mas também menciona logo em seguida a Rainha de Sabá e Salomão. Ora, se estas são pessoas históricas, Jonas e os ninivitas também o são. Para negar a historicidade de Jonas e sua experiência no peixe seria necessário negar a veracidade de Jesus como Filho de Deus.
Para muitos, o único ponto de interesse na história é o problema do peixe que engoliu Jonas. A inverossimilhança baseia-se no fato de que a baleia possui uma garganta estreita. No entanto, o cachalote, semelhante à baleia, grande mamífero cetáceo das águas européias, dispõe de uma garganta do tamanho que permite a passagem de um corpo humano. Além disso, o texto bíblico afirma categoricamente que "deparou o Senhor um grande peixe, para que tragasse Jonas". Seria difícil para o Criador do universo criar um cachalote com garganta incomum?
Do autor do livro, nada se sabe. O livro pode ser de autoria de Jonas, ou obra de um biógrafo desconhecido. Do profeta, pouco se sabe além do que o narrado no livro que leva o seu nome. 2 Reis 15 revela com precisão o período histórico do ministério de Jonas. Ele vivia no reinado de Jeroboão II, e portanto era contemporâneo de Oséias e Amós. Jonas previu a expansão territorial de Israel sob esse monarca. O mesmo trecho identifica Jonas como natural de Gate-Hefer, povoado no território de Zebulom. No tempo de Cristo, Zebulom fazia parte da Galiléia. Gate-Hefer era perto de Nazaré, e sem dúvida os galileus guardavam com afinco a história maravilhosa de um dos seus antecedentes famosos. Quando Cristo escolheu

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