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HISTÓRIA DO PENSAMENTO ECONÔMICO Professora Me. Carla Fabiana de Andrade Gonçalves Iori GRADUAÇÃO Unicesumar C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância; IORI, Carla Fabiana de Andrade Gonçalves. História do Pensamento Econômico. Carla Fabiana de Andrade Gonçalves Iori. Maringá-Pr.: UniCesumar, 2018. Reimpressão 198 p. “Graduação - EaD”. 1. Pensamento. 2. História. 3. Economia. 4. EaD. I. Título. ISBN 978-85-459-0584-4 CDD - 22 ed. 330.9 CIP - NBR 12899 - AACR/2 Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828 Impresso por: Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi NEAD - Núcleo de Educação a Distância Direção Executiva de Ensino Janes Fidélis Tomelin Direção Operacional de Ensino Kátia Coelho Direção de Planejamento de Ensino Fabrício Lazilha Direção de Operações Chrystiano Minco� Direção de Polos Próprios James Prestes Direção de Desenvolvimento Dayane Almeida Direção de Relacionamento Alessandra Baron Head de Produção de Conteúdos Celso Luiz Braga de Souza Filho Gerência de Produção de Conteúdo Diogo Ribeiro Garcia Gerência de Projetos Especiais Daniel Fuverki Hey Supervisão do Núcleo de Produção de Materiais Nádila Toledo Supervisão Operacional de Ensino Luiz Arthur Sanglard Coordenador de Conteúdo Silvio César de Castro Qualidade Editorial e Textual Daniel F. Hey, Hellyery Agda Design Educacional Amanda Peçanha dos Santos; Yasminn Talyta Tavares Zagonel Iconografia Ana Carolina Martins Prado Projeto Gráfico Jaime de Marchi Junior; José Jhonny Coelho Arte Capa Arthur Cantareli Silva Editoração Ellen Jeane da Silva Revisão Textual Kaio Vinicius Cardoso Gomes Ilustração Bruno Cesar Pardinho Viver e trabalhar em uma sociedade global é um grande desafio para todos os cidadãos. A busca por tecnologia, informação, conhecimento de qualidade, novas habilidades para liderança e so- lução de problemas com eficiência tornou-se uma questão de sobrevivência no mundo do trabalho. Cada um de nós tem uma grande responsabilida- de: as escolhas que fizermos por nós e pelos nos- sos farão grande diferença no futuro. Com essa visão, o Centro Universitário Cesumar assume o compromisso de democratizar o conhe- cimento por meio de alta tecnologia e contribuir para o futuro dos brasileiros. No cumprimento de sua missão – “promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária” –, o Centro Universi- tário Cesumar busca a integração do ensino-pes- quisa-extensão com as demandas institucionais e sociais; a realização de uma prática acadêmica que contribua para o desenvolvimento da consci- ência social e política e, por fim, a democratização do conhecimento acadêmico com a articulação e a integração com a sociedade. Diante disso, o Centro Universitário Cesumar al- meja ser reconhecido como uma instituição uni- versitária de referência regional e nacional pela qualidade e compromisso do corpo docente; aquisição de competências institucionais para o desenvolvimento de linhas de pesquisa; con- solidação da extensão universitária; qualidade da oferta dos ensinos presencial e a distância; bem-estar e satisfação da comunidade interna; qualidade da gestão acadêmica e administrati- va; compromisso social de inclusão; processos de cooperação e parceria com o mundo do trabalho, como também pelo compromisso e relaciona- mento permanente com os egressos, incentivan- do a educação continuada. Diretoria Operacional de Ensino Diretoria de Planejamento de Ensino Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um processo de transformação, pois quando investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou profissional, nos transformamos e, consequentemente, transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportu- nidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de alcançar um nível de desenvolvimento compatível com os desafios que surgem no mundo contemporâneo. O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na transformação do mundo”. Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica e encontram-se integrados à proposta pedagógica, con- tribuindo no processo educacional, complementando sua formação profissional, desenvolvendo competên- cias e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de maneira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproximação entre você e o conteúdo”, desta forma possibilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessá- rios para a sua formação pessoal e profissional. Portanto, nossa distância nesse processo de cresci- mento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. Ou seja, acesse regularmente o AVA – Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe das discussões. Além dis- so, lembre-se que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendiza- gem, possibilitando-lhe trilhar com tranquilidade e segurança sua trajetória acadêmica. A U TO R A Professora Me. Carla Fabiana de Andrade Gonçalves Iori Mestrado em Desenvolvimento Regional e Agronegócio - Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), especialização em Gestão Financeira e Contábil, Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Paranavaí (FAFIPA) e graduada pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) em Ciências Econômicas. Atua como professora de Economia na Unicesumar desde 2009. Foi instrutora de matemática financeira com utilização da calculadora financeira hp-12c no SENAC. De 2002 a 2011 atuou na instituição financeira HSBC Bank Brasil S/a Banco Múltiplo como gerente de negócios. Desenvolve pesquisas na área de Economia Política. <http://lattes.cnpq.br/9999135590410897> SEJA BEM-VINDO(A)! Olá caro(a) aluno(a), seja bem vindo(a) ao livro de História do Pensamento Econômico. É uma imensa satisfação apresentar a você esse material. Ele é fruto do encontro viven- ciado durante minha atividade estudantil e profissional. Isso porque é uma temática que me encanta desde a graduação em Ciências Econômicas na Universidade Estadual de Maringá, passando pela minha experiência em instituição financeira, quando pude perceber que o mercado obedece à “leis econômicas universais” e na carreira acadêmica, ao observar que a história é ferramenta explicativa de muitas realizações do presente. Trata-se de um trabalho de cunho exploratório e bibliográfico para atender a uma de- manda de caráter didático informativo. Para isso fizemos uso de uma série de manuais de História do Pensamento Econômico que em muito contribuíram para que fosse pos- sível essa compilação de assuntos. Obras como a de Stanley L. Brue, Hunt, Roberson de Oliveira e Adilson Gennari nos acompanharam durante todo o processo de desen- volvimento da pesquisa. Ainda é importante expor que, pelo caráter interdisciplinar da economia, fizemos uso, por muitas vezes, da obra de Marilena Chaui: Convite à filosofia. Será uma viagem temporal entre a Antiguidade clássica e os dias atuais. Iremos nos re- meterà Xenofonte (primeira metade do século IV a. C.) com o seu tratado de ética. Co- nhecendo uma abordagem fundamental, possibilitando o resgate da noção ética em economia, como já tratado por Sen (1999). De modo que a proposta é que a economia precisa ser reavaliada para um sentido que transcende as finanças, ou seja, a riqueza não é o fim em si mesma. E sim, a economia é um meio de ordenar a produção e a distribui- ção. Reavaliar o propósito hedonístico ao maximizar o bem individual em prol de uma noção mais ampla com vistas à sociedade. Você perceberá que a economia é uma disciplina dinâmica e, desse modo, novas ideias se desenvolvem a todo tempo nesse contexto. Assim, será possível, querido(a) leitor(a), perceber que um pensamento é estendido e ampliado mediante outro. Mesmo permea- do por críticas, um está necessariamente ligado ao outro. Em termos teóricos, nem sem- pre, mas um atrás do outro vai obedecendo à temporalidade, submetido aos contextos presentes em cada espaço temporal. Assim, conhecerá a Escola Clássica, Escola Marxista, Neoclássica e Keynesiana. Todas elas, impreterivelmente, estavam sujeitas à expansão e concorrência de ideias, que nem sempre produziram “verdades” no sentido científico da palavra, mas generalizaram um grupo de princípios básicos da economia quase que universalmente aceitos. Esses prin- cípios estão sempre surgindo e se renovando, contudo, muitas vezes, com o pé no pas- sado. E dessa maneira percebemos que novas ideias raramente levam ao abandono da herança já existente e, isso é muito bom! APRESENTAÇÃO HISTÓRIA DO PENSAMENTO ECONÔMICO Por fim, é um trabalho introdutório e simplificado diante da proporção que é, de fato, o pensamento econômico nas suas mais diversas vertentes, que não podemos abordar por aqui por uma questão didática. É certamente um trabalho realizado com muita dedicação e seriedade por parte da Unicesumar, representada aqui pelo professor Silvio Castro, coordenador do curso de Ciências Econômicas, que confiou a mim esse trabalho, ao qual sou grata por ter a possibilidade de compartilhar meu conhecimento com vocês. Bons estudos! APRESENTAÇÃO SUMÁRIO 09 UNIDADE I O PENSAMENTO ECONÔMICO NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA 15 Introdução 16 O Papel da História na Ciência Social 18 Os Primeiros Filósofos 23 Os Romanos 25 A Teologia e a Análise Econômica 31 O Sistema Feudal e uma Análise Crítica 45 Mercantilismo 51 A Escola Fisiocrática 56 Considerações Finais 62 Referências 63 Gabarito UNIDADE II A ESCOLA CLÁSSICA 69 Introdução 70 Visão Geral da Escola Clássica 75 Adam Smith 85 Thomas Malthus 90 David Ricardo SUMÁRIO 10 98 Os Utilitaristas e a Utilidade 106 Considerações Finais 111 Referências 112 Gabarito UNIDADE III ESCOLA MARXISTA 115 Introdução 116 A Teoria da História de Marx 123 Teoria do Valor - Trabalho 126 A Teoria da Exploração 128 O Acúmulo de Capital 131 O Conflito de Classes 133 Considerações Finais 138 Referências 139 Gabarito SUMÁRIO 11 UNIDADE IV A ESCOLA NEOCLÁSSICA 143 Introdução 144 Os Marginalistas 157 A Escola Neoclássica 167 Considerações Finais 172 Referências 173 Gabarito UNIDADE V A ESCOLA KEYNESIANA E OS DIAS ATUAIS 177 Introdução 178 Contexto Histórico e Biografia de Keynes 179 A Teoria de Keynes 188 Neoliberalismo 188 Escola de Chicago 191 Considerações Finais 196 Referências 197 Gabarito 198 CONCLUSÃO U N ID A D E I Professora Me. Carla Fabiana de Andrade Gonçalves Iori O PENSAMENTO ECONÔMICO NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA Objetivos de Aprendizagem ■ Compreender a importância da história para as ciências sociais. ■ Conhecer a origem da economia por meio do pensadores gregos. ■ Refletir o relevante papel da teologia na análise econômica. ■ Analisar as características do sistema feudal. ■ Verificar as característica do Mercantilismo. ■ Demonstrar a relevância da questão agrária Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ O papel da história na ciência social ■ Os primeiros filósofos ■ Os romanos ■ A teologia e a análise econômica ■ O sistema feudal e uma análise crítica ■ Mercantilismo ■ A escola fisiocrática INTRODUÇÃO Caro(a) aluno(a)! A Unidade I deste material é responsável por nos remeter à importância da análise histórica para o pensamento econômico. Você vai per- ceber, por exemplo, a relação intrínseca entre economia e filosofia. É fundamental para todos aqueles que buscam compreender, ainda que de forma geral, o mundo/sociedade em que vivemos ser apresentado ao seu pas- sado, de maneira a preservar a memória, à medida que conhecemos a importância de cada pensador que se ocupa em contribuir para o pensamento econômico. Destarte, podemos desenvolver um processo de reflexão para assumirmos o papel de tomadores de decisão dentro de um ambiente econômico em que somos todos co-responsáveis. Trata-se de um caminho pontuado pela dimensão temporal que nos levará a perceber que a economia nasceu de um tratado sobre ética, no qual procu- rava orientar o proprietário rural em como utilizar corretamente sua riqueza, fornecia informações acerca de agronomia, identificava as virtudes e qualida- des necessárias para conduzir a família. E finaliza, ainda, em um tempo com a questão rural como centro das atenções. A você, caro(a) aluno(a), será revelado que até o século XVIII a economia (como a conhecemos hoje) ainda estava em processo “gestacional” sob a ótica de pensadores gregos e pela Igreja Medieval. A partir da civilização grego-romana, no ano 1000 a.C., passa-se a notar uma preocupação pelos assuntos econômi- cos, surgindo estudos embrionários sobre riqueza, valor econômico e moeda. Aprenderemos ainda sobre as ideias de: Platão, Aristóteles, os romanos, Santo Tomás de Aquino, Santo Agostinho, Lutero e João Calvino. Pensadores funda- mentais da história antiga da economia. E na evolução do pensamento, será relevante tratar do papel do Mercantilismo e da primeira Escola da Economia, a Escola Fisiocrática. Neste entretempo, o problema agrário era relevante. O sistema feudal é o ponto de partida para o entendimento do nosso sistema atual de produção. Ótima leitura! Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 15 © sh ut te rs to ck O PENSAMENTO ECONÔMICO NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E16 O PAPEL DA HISTÓRIA NA CIÊNCIA SOCIAL A história tem como objeto de estudo o “fato”, ou seja, tem um compromisso de trabalhar com aquilo que aconteceu (passado). Pode ter sido algo que ocorreu recentemente ou em tempos de escassos registros. Mais especificamente, trata- -se de preservar a memória, apropriando-se do fator tempo, da cronologia dos fatos. A nossa aventura, caro(a) leitor(a), é adentrarmos no desenvolvimento do pensamento da economia. Para tanto, vamos conhecer datas, pensadores, enfim, vamos percorrer o pensamento econômico, para que o estudo possa contribuir com alternativas ao estado da atual ciência econômica. Portanto, é no campo da dimensão temporal do pensamento econômico; evolução das ideias econô- micas, que você irá caminhar neste trabalho. A partir do século XVIII, os filósofos estabeleceram que os humanos dife- rem-se da natureza graças ao pensamento, à linguagem, ao trabalho e à ação voluntária livre, conforme Chauí (2014). Sob a perspectiva histórica, nos pauta- mos na narrativadas “lutas reais dos seres humanos que produzem e reproduzem suas condições materiais de existência”. Em outras palavras, o trabalho é o que O Papel da História na Ciência Social Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 17 caracteriza o ser social. A interação dos seres humanos se dá, por conta de sua especificidade de realizar transformações concretas na natureza para ter condições de existência. É por meio da atividade laborativa que o homem se desenvolve de um estágio pré-hominídeo para a noção de humanidade (ENGELS, 2015, p. 215). A aplicação do esforço humano (trabalho), buscando obter, por meio de bens ou de serviços, a satisfação das necessidades, para Gastaldi (2006), é o que caracteriza a atividade econômica. Estamos tratando, portanto, do modo como, em condições determinadas e não escolhidas por eles, os homens produzem materialmente (pelo trabalho, pela organização econômica) sua existência e dão sentido a essa produção material. Temos aqui um ponto de chegada e partida. A partir da contextualização da importância da dimensão histórica temporal dos fatos; da diferenciação entre humanos e natureza; da noção da categoria trabalho, para a humanidade; e da relação trabalho/atividade econômica, podemos buscar o significado da pala- vra economia. O termo vem do grego oikonomikos e resulta da composição da palavra oikos (que significa casa ou unidade doméstica) com o radical semântico nom (que significa regulamentar, administrar, organizar). O sentido que essa palavra teve até meados do século XVIII foi estabelecido pela obra de Xenofonte (pensador grego que viveu entre 431 a.C. -355 a.C.) Ho oikonomikos, escrita na primeira metade do século IV a.C. é basicamente um tratado de ética. Para os gregos era inconcebível a ética fora da comunidade política (GENNARI, 2009). As considerações do autor não constituem uma análise econômica pro- priamente dita, pois não há, por exemplo, preocupação com os problemas da eficiência da produção ou da comercialização, mas apresenta noções de ges- tão dos bens, do domínio sobre o núcleo familiar e os escravos. Tem expressões objetivas de como se estruturava uma “unidade familiar” entre os gregos anti- gos. Trata-se de uma espécie de cartilha registrando noções de como ter uma vida boa. Com caminhos para o proprietário rural saber o que seria uma vida boa, a maneira correta de se utilizar a riqueza. Também identifica as virtudes e qualidades necessárias ao “senhor” para dirigir bem a sua casa e fornece orien- tações rudimentares de agronomia. Ainda aborda sobre a educação e as virtudes das mulheres e, além disso, como os escravos devem ser dominados e educados. ©shutterstock O PENSAMENTO ECONÔMICO NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E18 Esse conhecimento é relevante no entendimento da evolução do pensar eco- nômico. Isso pois, estamos tratando do primeiro registro acerca de assuntos, considerados hoje, pertinentes à área econômica. OS PRIMEIROS FILÓSOFOS Momento relevante do nosso trabalho: podemos imaginar que a partir daqui nossa trilha vai se tornando mais nítida, em que os pensadores apresentam contribuições próprias para o pensamento econômico. PLATÃO A abordagem de Platão (428-27 a.C.- 348 - 47 a.C.), con- temporâneo de Xenofonte, também trata da ética, mas sob o foco da pólis (é a cidade, não como conjunto de edifí- cios, ruas e praças, e sim como “espaço cívico”). Deve-se à Platão a primeira análise que atribui a divisão social do trabalho o papel de promover a coesão da comuni- dade. Chauí (2014) mostra que para o filósofo grego: “os sábios legisladores devem governar, os militares, subor- dinados aos legisladores, devem defender a cidade e, os membros da classe econômica, subordinados aos legisladores, devem assegurar a sobrevivência da pólis”. Para o filósofo, por meio da educação dos cidadãos (homens e mulheres) é que se poderia atingir a realização da “cidade justa”. Esta, sob a perspectiva platô- nica é governada pelos filósofos, administrada pelos cientistas, protegidas pelos guerreiros e mantida pelos produtores. Para a situação de uma cidade governada pelos proprietários (que não pensam no bem comum da pólis e lutariam por ©shutterstock Os Primeiros Filósofos Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 19 interesse próprios), ou na dos militares (que mergulharam a cidade em guerras para satisfazer seus desejos particulares de honra e glória) retrataria a situação de uma “cidade injusta”. Somente os filósofos apresentariam o interesse de cuidar do bem geral da pólis e somente eles podem governar com justiça (CHAUÍ, 2014). Se para Platão a preocupação era a educação e formação do dirigente polí- tico (o governante filósofo), para seu pupilo, Aristóteles (384 a.C. -322 a.C.) era a qualidade das instituições políticas (assembleias, tribunais, forma da coleta de impostos e tributos, distribuição da riqueza, organização do exército etc.) que assumia destaque, no que se referia à política de modo geral. ARISTÓTELES Podemos elencar, caro(a) leitor(a), como sendo esse um ponto fundamental do nosso entendimento sobre a importância do legado do pensamento grego, como berço do pensamento ocidental das ideias econômicas. Aristóteles formulou con- ceitos-chave que influenciaram todo o pensamento econômico produzido nos séculos seguintes. O filósofo se debruçou sobre as causas que levaram ao surgi- mento da pólis, as relações entre o cidadão e a cidade, tratou dos tipos de governo e das condições de sua conservação e subversão. A abordagem dos temas econô- micos aparece na obra quando ele trata das condições necessárias para a subsistência da família e da cidade (GENNARI, 2009). As relações de troca com a natureza e com a comunidade, em geral, é, para Aristóteles a arte da aquisição. Haja vista que essa transação é determinante para a sobrevivência de cada família em particular e da cidade como um todo. Segundo sua análise, existem dois tipos de arte da aquisição: a aquisição natural ou eco- nomia e a aquisição artificial. A agricultura, pastoreio, caça, saque, troca, compreendem o que Aristóteles chama de aquisição natural. Para o filósofo, esse conjunto de atividades não fazem relação com comércio e troca. E sim, representam a dinâmica desenvolvida pelas famílias (econo- mia doméstica) ou pela cidade (economia política) para obtenção O PENSAMENTO ECONÔMICO NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E20 dos meios necessários à vida. Para Aristóteles, os produtos obtidos diretamente da natureza, sem os quais a vida não é possível, constituem a verdadeira riqueza, e apenas eles são objetos da ciência econômica. A aquisição artificial ou especulativa é caracterizada como todo tipo de ativi- dade que elege o aumento da riqueza como um fim em si mesmo. Sem estabelecer limites de acumulação. Nessa perspectiva não se adquire coisa para consumir, mas sim, para voltar a trocar, comercializar. Nesse contexto, Aristóteles investi- gou a origem e desenvolvimento da troca (GENNARI, 2009). Ainda em Gennari (2009), entendemos que a troca advém do aparecimento da propriedade e do excedente econômico. As transações caracterizam a ocor- rência de sobra para uma família ou tribo, enquanto para outra havia a falta. Naturalmente, essas trocas envolviam o problema da proporção em que, os pro- dutos eram transacionados, istoé, implicavam relações de valor. As necessidades de consumo são caracterizadas como fundamento da natu- reza humana. No entanto, o comércio é uma modalidade de troca que consiste em comprar para vender mais caro, tem como meta o enriquecimento por isso contraria os fins da natureza. Ao mesmo passo da ampliação do intercâmbio, surgiu a necessidade de um meio para facilitar as trocas, a criação da moeda. A análise monetária de Aristóteles contempla o valor intrínseco da moeda, o valor de face (nominal). Ele também percebeu que ela assumiu outras funções à medida em que seu uso se generalizou. Além do meio de troca, tornou-se reserva de valor (riqueza) e meio de enriquecimento (capital usurário) (GENNARI, 2009). Essa análise associativa do dinheiro à dupla função (meio de troca e reserva de valor) pode ser utilizada para se obter mais riqueza, particulariza uma “aqui- sição inestimável no campo da análise econômica”, conforme Gennari (2009, p. 10), pois foi a primeira vez que se estabeleceu a diferença entre o dinheiro e o capital (dinheiro empregado para se obter mais dinheiro). Outra conclusão importante de seus estudos sobre a moeda, com decisiva influência no pensa- mento econômico posterior, foi o reconhecimento de que o papel desempenhado pela moeda não está associado às características naturais e físicas, sendo muito mais resultado de uma convenção fixada pelo costume entre os agentes envol- vidos na atividade de troca. Os Primeiros Filósofos Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 21 Podemos perceber em Gennari (2009) que à medida em que o filósofo con- sidera como “natural” obter a subsistência da família e da comunidade por meio da relação com a natureza, buscando obter os alimentos e os meios necessários à vida, subjetivamente, temos a noção de trabalho Aristóteles afirma que o “tra- balho” deve ser mais valorizado quanto mais arte e a habilidade humana possam modificar o estado em que se encontra na natureza (ao acaso). Podemos susci- tar, aqui, a ideia de que está posta a base de raciocínio para outros pensadores, que, na sequência, vão estudar a relação entre trabalho e valor das mercadorias. Vale o destaque, dentro do contexto do trabalho para a ideia grega, que o labor estava relacionado com a miséria humana, portanto, desprezado. O trabalho estava ligado com o campo da necessidade. Tratava-se de uma nítida separa- ção entre o mundo do “labor”, da “necessidade” e o mundo regido pela “razão”, tendo em vista que os sábios (como eram considerados os filósofos) tinham máxima importância para o pensamento grego. Assim, a única atividade digna dos homens livres era o “ócio”. Sobre o problema da distribuição da riqueza, Aristóteles admitia que uma desigualdade excessiva entre os cidadãos colocava em risco a estabilidade polí- tica e a coesão da comunidade, condições fundamentais para que ela pudesse atingir os seus fins mais elevados, isto é, a realização plena do cidadão. Para o pensador grego era de extrema importância evitar níveis extremos de desigual- dade na distribuição da riqueza. A estabilidade da cidade dependia também da existência de uma numerosa “classe média”, que teria o papel de mediar as rela- ções entre os ricos e os pobres, atenuando os conflitos e garantindo a coesão social (GENNARI, 2009). O PENSAMENTO ECONÔMICO NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E22 Figura 1 - Os filósofos gregos e a formação do conceito de comunidade cristã. Fonte: adaptada de Gennari (2009). É também merecedor de destaque o entendimento de que estamos tratando de satisfazer as necessidades humanas, como alimentação, vestuário, moradia etc. Os filósofos se ocuparam, também, em buscar a vida justa e feliz, dessa maneira, estamos tratando, prezado(a) aluno(a), propriamente da vida humana, digna de seres livres, então, é inseparável da ética. Você pode observar que Aristóteles desdobra a “economia”, tal como a entendemos, da política e da ética. Nesse sen- tido, o filósofo analisa o problema da justiça/injustiça, especialmente no âmbito do que ele chama da “justiça particular” e, como elas se manifestam nas rela- ções de troca. De acordo com sua abordagem, a “justiça particular” divide-se em distributiva e corretiva. À medida em que o sistema escravocrata é exigência para que o cidadão possa exercer as funções políticas; a troca representa uma obrigatoriedade para o bem-estar do cidadão e da pólis; a equivalência nas trocas naturais (realizadas com outros homens), uma questão de justiça; a submissão à lógica da acumu- lação, uma inversão entre meios e fins que se afasta da virtude; a distribuição equilibrada da riqueza e da propriedade, um requisito da coesão social da pólis. Apresenta-se um cenário em que a tradição passa a reconhecer as esferas de produção, troca ou comercialização, distribuição e consumo. Essas quatro áreas Os Romanos Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 23 representam a dinâmica da realização da participação política, da justiça, bem- -estar e ética (GENNARI, 2009). Analisada a questão para os filósofos, passamos para o momento em que se revela a importância de Roma, para a história mundial. OS ROMANOS Entre os romanos, os interesses estão relacionados, mais precisamente, com as questões de propriedades e riquezas dos cidadãos. Para tanto, vamos avançar na nossa investigação do pensamento econômico. É sobre a República aristocrática governada pelos grandes senhores de terras, os patrícios, e pelos representan- tes eleitos pela plebe, os tribunos da plebe, que se desenvolve o nosso trabalho. A contribuição de Chauí (2014) para nosso entendimento sobre a criação da República Romana (II a.C. a V d.C) é fundamental. Podemos caracterizá-la pelo poder atribuído ao “Senado” e ao “Povo Romano”. Essa instituição pode, em certas circunstâncias previstas na lei, receber “homens novos”, isto é, os ple- beus que, por suas riquezas, casamentos ou feitos militares, passam a fazer parte do grupo governante. Esse novo momento apresenta um deslocamento no papel da cidade e no sentido de vida comunitária nos termos em que foram formulados por Aristóteles. Em Gennari (2009), entendemos que há um novo tipo de associação que passa a enfati- zar a defesa de direitos e interesses comuns definidos em lei e garan- tidos pela justiça. O sentido ético se desprende em benefício de uma ©shutterstock O PENSAMENTO ECONÔMICO NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E24 inovadora concepção de cidade. Os cidadãos estão unidos por um conjunto de leis fundadas numa nítida e rígida separação entre res pública (coisa pública) e res privada (latim PRIVATUS, “colocado à parte, pertencente à si mesmo, antônimo da coisa pública) e, as instituições desempenham funções precisas de controle, justiça e operacionalização da vida na urbe (cidade). A lei é o “fio condutor” da comunidade, regula a economia, garante a autonomia e a liberdade do cidadão na esfera privada. Uma administração centralizada, deliberada a partir da conciliação entre as leis da cidade (o direito romano) e as tradições jurídicas dos territórios con- quistados, formaram a organização de um corpo jurídico comum, o jus gentium. Esse conceito é fundamental tanto na constituição jurídica e política do Ocidente quanto na formação do pensamento econômico moderno. Os juristas romanos foram os que mais tiveraminfluência na composição do pensamento econô- mico. Merecem destaque, dois elementos cruciais do jus gentium para a história econômica: 1. Um direito de propriedade quase sem limites (propriedade privada legal). 2. Liberdade contratual semelhante aos padrões que vigoram atualmente. Em Roll (1971, apud GENNARI, 2009) torna-se perceptível que os romanos consideravam o comércio e indústria, ocupações inferiores, dignas apenas de escravos, estrangeiros e plebeus, esses traços do direito romano são uma evidên- cia da importância do comércio e da expressão do interesse privado durante o período do Império. Essa contextualização estabelecida pelo direito romano promoveu a soberania do proprietário sobre seus bens e, por consequência, uma condição de entidade independente e autônoma. Dessa forma, à medida em que se potencializou a supe- rioridade do indivíduo, ficou estabelecida a base do individualismo moderno. A Teologia e a Análise Econômica Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 25 Figura 2 - O individualismo moderno como fruto do Direito Romano Fonte: adaptada de Gennari (2009). A TEOLOGIA E A ANÁLISE ECONÔMICA O poderio da Igreja cresce ao passo da deterioração e desmoronamento do Império Romano. Esse crescimento deve-se, primeiramente, à expansão do cristianismo pela obra de evangelização dos povos, realizada pelos padres nos territórios pertencentes ao poder de Roma e para além deles. E, um segundo motivo é o esfacelamento de Roma, que resultou numa formação socioeconô- mica que ficou conhecida como feudalismo. É aqui, estimado(a) leitor(a), que destacamos como início da Idade Média. Esse panorama é representado pela concentração de uma “classe”: [...] de camponeses ligada à terra e vinculada aos aristocratas pelas obrigações em espécie e em trabalho, como contrapartida pela prote- ção, produziu uma ordem social rigidamente hierarquizada e diferen- ciada. Ao mesmo tempo, as guerras, os saques frequentes e a violência indiscriminada aceleravam a desarticulação do poder central que até então ordenava a vida, a justiça, a produção e a troca, compondo um ©shutterstock O PENSAMENTO ECONÔMICO NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E26 quadro no qual o homem se via isolado, impotente e frágil, vítima fácil de circunstâncias sobre as quais não tinha o menor controle. GENNA- RI (2009, p. 18). No período medieval, a Igreja, encontra nos argumentos de Aristóteles a base para condenar a acumulação de riqueza pelo comércio e, principalmente, pela usura (aquisição artificial ou caráter especulativo). Com o crescimento de seu poder econômico, obtido com a aquisição de parcelas imensas de terras e com a proeminência que ela exercia no plano cultural e espiritual, a Igreja reuniu con- dições para exercer ampla hegemonia política na Europa Ocidental. Um dos pontos de vista decisivos dessa particularidade foi a grande empreitada dos seus principais teólogos, que realizaram um imenso esforço para tornar a religiosi- dade cristã uma referência que fosse além da vida espiritual e mostrasse uma nova visão de mundo integrando a filosofia, a conduta humana (a ética) e os fenô- menos da natureza e, que, inclusive, regulasse os processos da vida econômica. É apresentado um momento caracterizado pela falência de um modelo de civilização, de insegurança e de pessimismo em relação às possibilidades terrenas de realização humana. Do ponto de vista econômico, a ruralização que induziu à retração da agricultura mercantil e estimulou a produção destinada ao consumo a ponto de ela tornar-se hegemônica. No tocante à política, houve uma fragmentação do poder e da autoridade em uma infinidade de domínios que deram aos senhores feudais, na Europa Ocidental. Na esfera social, surgiu uma ordem rigidamente hierarquizada e desigual, reconhecida e aceita como natural e justificada por uma determinação divina, por meio dos ensi- namentos dos Evangelhos dos primeiros teólogos e da filosofia clássica, que era valorizada por oferecer um modelo sofis- ticado de articulação entre moral, ética e “análise econômica”. Nesse espaço temporal, Santo Agostinho elaborou sua teologia e formulou suas consi- derações sobre a “vida econômica”. A Teologia e a Análise Econômica Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 27 SANTO AGOSTINHO (354-430) Possivelmente, o mais destacado pensador cristão de toda a pri- meira fase da Idade Média foi Santo Agostinho. A história atribui a ele a primeira formulação teológica abrangente e orgânica refe- rente à fase de transição entre o mundo antigo e o medieval. A perspectiva agostiniana expressa uma profunda descrença no poder da cidade de promover as potencialidades humanas (visão grega) e de garantir a justiça e os interesses dos cidadãos (visão dos romanos). Ao pessimismo antropológico, em relação às possibilidades de realização humana elevada num ambiente terreno caótico e violento, correspondeu a potencialização das esperanças de realização espiritual, traduzida na possibilidade de salvação da alma. Para Santo Agostinho, a concepção de justiça verdadeira só se efetiva no âmbito do cristianismo, de modo que confere uma concepção teocrática de poder, em que a Igreja cristã tem toda a legitimidade sobre a Sociedade Política. Santo Agostinho pouco acrescentou às formulações dos juristas romanos. O comércio e o lucro comercial continuaram a ser condenados pelo teólogo, pois afastavam o homem do desejo de encontrar Deus. A atividade econômica deveria ser realizada atendendo aos requisitos do preço justo, como na análise de inspiração aristotélica. SÃO TOMÁS DE AQUINO (1225 - 1274) Você e eu sabemos que o poderio da Igreja foi determinante, no período Medieval, para o pensamento econômico. Não somente pela ideia de que recriminava o acúmulo de riquezas (por meio de empréstimo e juros), mas também pela con- tribuição inestimável da escolástica, e São Tomás de Aquino é responsável por um imenso empreendimento teológico. ©shutterstock O PENSAMENTO ECONÔMICO NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E28 A corrente tomista com orientação aristotélica contempla os atos huma- nos de acordo com uma lei natural que, segundo o filósofo, é a participação da criatura racional na lei eterna. Conclui-se daí que Tomás de Aquino relaciona o agir humano e a norma moral de maneira transcendental. A Suma Teológica do pensador apresenta a conjugação harmônica do natural e sobrenatural, a ordem social e a transcendência da pessoa, a lei natural e a liberdade humana, o bem comum e o bem privado. O pensamento econômico de Tomás de Aquino é inseparável da com- preensão do Direito Natural. Uma ética derivada da observação das normas fundamentais da natureza humana. Considerava a sociedade econômica como um sistema que deveria seguir os princípios da justiça cumulativa e distributiva e operar baseado na cooperação. Os componentes dessa sociedade eram consi- derados partes especializadas e interdependentes que, deveriam se submeter às regras, operar de maneira cooperativa e ser coordenados por associações ou grê- mios. O princípio fundamental para a sociedade econômica era preservar seu equilíbrio e respeitar o preço justo definido por Santo Tomás, tanto do ponto de vista formal quanto prático, e o Estado só deveria intervir no sistema em casos de absoluta necessidade. A influênciada tradição aristotélica em Santo Tomás vai se manifestar em vários outros aspectos de seu “pensamento econômico”, em especial na maneira como via a riqueza, as relações entre indivíduo e coletividade, a propriedade, o comércio e a usura. As transações econômicas, de acordo com o pensador, deveriam ser consideradas dentro de seu contexto, desde que aconteçam como tentativas humanas de obter as matérias que a natureza proporciona para alcan- çar certos fins. Para São Tomás, a riqueza e a propriedade poderiam trazer coisas boas mas também efeitos nocivos. Nessa perspectiva, o interesse individual deveria estar subordinado ao coletivo. Daí o repúdio à avareza, à cobiça, enfim, às prá- ticas que conduzissem à exploração e a desigualdade no interior da comunidade (GENNARI, 2009). A doutrina tomista avançou, à medida que expôs que a remuneração do comerciante pelo seu trabalho, numa proporção que garantisse a sua subsistência ©shutterstock A Teologia e a Análise Econômica Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 29 e a da sua família, não violava a justiça, estabelecendo, pela primeira vez, que a “troca desigual” não é necessariamente injusta. A ÉTICA PROTESTANTE: MARTINHO LUTERO E JOÃO CALVINO O desenvolvimento da economia de mercado também influenciou o pensamento dos teólogos reformadores. Sob essa ótica, tanto a teologia católica como as ideias de Martinho Lutero e João Calvino, considerados teólogos protestantes, tiveram que fazer um enfrentamento ao sistema econômico vigente face às formulações teológicas tradicionais (GENNARI, 2009). Martinho Lutero (1483-1546), no que se refere aos juros, assumiu as formula- ções dos mais tradicionais teóricos canônicos da Igreja, criticando as alterações e as inúmeras exceções que foram elaboradas para acomodar a doutrina aos novos tempos. O francês João Calvino (1509-1564), teólogo, também reformador do referido espaço temporal, defendeu a valorização do trabalho e o apego aos valores da vida simples e sem ostentação em detrimento do ócio. Calvino também acreditava que era possível identificar os seletos de Deus. Para ele, os destinados à salvação eram, necessariamente, portadores de uma graça divina que os diferenciava dos demais mortais e, esse “toque” divino se expressava por meio de uma vocação. Conforme Gennari (2009), o teólogo francês avaliou que os ganhos nos negócios, os lucros sob risco e as boas obras praticadas pelo cristão, podiam ser considerados expressão da vocação e, por consequência, a mate- rialização da graça divina. Mas Calvino fazia questão de ressaltar que os sinais da escolha deveriam ser desfrutados com discrição, sem ostentação, luxo ou consumo excessivo. Calvino aprovava a cobrança de juros desde que regula- das pelas autoridades públicas, estabelecendo limites nas taxas. Reconheceu ainda, a legitimidade do empréstimo desde que regu- lado pelos princípios da equidade (regras iguais para todos) e da caridade. O PENSAMENTO ECONÔMICO NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E30 Para finalizar essa breve abordagem da temática teológica, com sua pro- funda importância na história do pensamento econômico, faz-se pertinente evidenciar que há vinculação entre as ideias calvinistas e o processo de forma- ção do capitalismo. Sem fazer salto histórico, mas considerando a importância do entendimento desse movimento da Reforma da Igreja. O sociólogo ale- mão Max Weber apresentou uma visão aprofundada e precisa dessas relações nos seus ensaios publicados em 1904 e 1905 e, depois reeditados numa versão ampliada, em 1920, com o título de A ética protestante e o espírito do capita- lismo. Segundo o autor, a Reforma contribuiu decisivamente para a dissolução de uma série de valores religiosos, morais e éticos. Esse contexto foi fundamen- tal para “desobstruir” o caminho para as transformações econômicas e políticas que se sucederam ao final da Era Medieval. Figura 3 - Protestantes e a riqueza segundo Calvino Fonte: Rosa (2013). O Sistema Feudal e uma Análise Crítica Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 31 O SISTEMA FEUDAL E UMA ANÁLISE CRÍTICA Finalmente podemos entender que o sistema que passa a vigorar a partir do declínio do Império Romano, estava emoldurado em uma hierarquia feudal na qual o servo ou camponês era protegido pelos senhores feudais, que, por sua vez, deviam fidelidade e eram protegidos por senhores mais poderosos. Essa estrutura se estendia, indo até o rei. “Os fortes protegiam os fracos” (HUNT, 1989, p. 29), mas o faziam a um alto preço. Em troca de pagamento em moeda, alimentos, trabalho ou fidelidade militar, os senhores garantiam o feudo a seus vassalos. Como escora desse sistema, estava o servo, que cultivava a terra. Nesse contexto, a Igreja era muito forte e, maior proprietária de terras. A sociedade medieval era predominantemente agrária. A hierarquia social era baseada nos laços do indivíduo com a terra e a ordem social, na íntegra, era agrícola. No entanto, os aumentos da produtivi- dade agrícola constituíram o rompante para um encadeamento de profundas mudanças ocorridas ao longo de vários séculos e que resultaram na decompo- sição do feudalismo medieval e no início do capitalismo. O mais importante avanço tecnológico da Idade Média foi a substitui- ção do sistema de plantio de dois campos para o sistema de três cam- pos. Embora haja evidência de que o sistema de três campos tenha sido introduzido na Europa já no oitavo século, seu uso não se generalizou antes do século XI. O plantio anual da mesma área esgotava a terra e acabava por torná-la inútil. Assim, no sistema de dois campos, metade da terra era sempre deixada ociosa, de modo que se recuperasse do plantio do ano anterior. Com o sistema de três campos, a terra arável era dividida em três partes iguais. [...] dessa mudança aparentemente simples na tecnologia agrícola resultou um dramático aumento do pro- duto agrícola (HUNT, 1989, p. 32). O espaço temporal que estamos falando envolve melhoramentos na agricultura e, por consequência, crescimento do comércio. O avanço das vilas e cidades con- duziu ao desenvolvimento da especialização rural urbana. Outro importante ©IvAN O PENSAMENTO ECONÔMICO NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E32 elemento é a ampliação do comércio de longa distância. Iremos percorrer agora, um cenário de estabelecimento de cidades industriais e comerciais para ser- vir à essas transações. O crescimento dessas cidades, bem como seu crescente controle por capitalistas comerciantes, provocou importantes mudanças, tanto na agricultura quanto na indústria. Cada uma dessas áreas, particularmente a agricultura, teve enfraquecidos e, por fim, rompidos seus laços com a estrutura econômica e social feudal. Nessa trajetória do conhecimento histórico, estimado(a) leitor(a), a busca por aprender sobre a construção do homem e seu tempo está nos levando para um momento de expansão do comércio de longa distância. A partir do século XI, as cruzadas deram força a uma marcante expansão do comércio. Provavelmente você já conhece esse termo, mas vale lembrar, em breves linhas, a relevância desse movimento na história. A expressão “Cruzada” não era conhecida por esse nome no período em que ocorria. Os termos usados eram “Guerra Santa” e “Peregrinação” e faziam referência ao movimento de tentativa detomar a “Terra Santa” dos mulçumanos. Tratavam-se de tropas ocidentais enviadas à Palestina para recuperar a liberdade de acesso dos cristãos à Jerusalém. Dessa maneira, as Cruzadas não podem ser vistas como fator externo ou acidental no desenvolvi- mento da Europa. Elas oportunizaram o renascimento do comércio na Europa. Muitos cavaleiros, ao retornarem do Oriente, surrupiaram cidades e organizaram pequenas feiras nas rotas comerciais. Houve, portanto, um significativo reaque- cimento da economia no Ocidente. Em Hunt (1989), vemos que as indústrias que apareciam nas novas cidades eram basicamente indústrias de exportação, nas quais o produtor estava distante do comprador final. No sistema artesanal feudal, o produtor (o mestre artesão) era também o vendedor, eles vendiam seus produtos aos comerciantes que, por sua vez, os transportavam e revendiam. Outra diferença importante é a de que o artesão feudal, de modo geral, eram também fazendeiros. O novo artesão das cidades desistiu da terra para dedicar-se inteiramente ao trabalho com o qual ele poderia obter uma renda monetária que poderia ser usada para satisfazer suas outras necessidades. O Sistema Feudal e uma Análise Crítica Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 33 Conforme o comércio se desenvolvia e se expandia, aumentava a necessidade de manufaturados e mais confiança na oferta levava a um crescente controle do processo produtivo pelo capitalista comerciante. Aproximadamente no século XVI, o artesão que era proprietário de sua oficina, das suas ferramentas e maté- rias-primas e, funcionava como um pequeno produtor independente, teve seu papel modificado pelo sistema de trabalho doméstico. Nesse ponto, predomina- vam as indústrias de exportação, em outras palavras, o trabalhador já não vendia um produto acabado ao comerciante, vendia somente seu próprio trabalho. O trabalhador já não vendia um produto acabado ao comerciante. Ven- dia somente seu próprio trabalho. As indústrias têxteis estavam entre as primeiras em que o sistema de trabalho doméstico se desenvolveu. Tecelões, fiandeiros, tintureiros se encontravam numa situação em que sua ocupação e, portanto, sua capacidade de sustentar a si mesmo e suas famílias, dependia dos capitalistas comerciantes, que tinham que vender o que os trabalhadores produziam a um preço suficientemente alto para pagar salários e outras contas e ainda obter lucro (HUNT, 1989, p. 10). Dessa forma, o controle capitalista se apresentava à medida que foi estendido ao processo de produção. Simultaneamente, foi criada uma força de trabalho que possuía pouco ou nenhum capital e nada tinha a vender, a não ser sua força de trabalho. Para Hunt (1989), essas duas características marcam o surgimento do sistema econômico do capitalismo. Desse modo, o Capitalismo não era apenas um sistema de produção de mercadorias, mas um sistema de acordo com o qual a força de trabalho transformara a si própria em uma mercadoria e se vendia e comprava no mercado, como qualquer outro objeto de troca. É importante res- saltar a particularidade especial da força de trabalho: é a única mercadoria que cria outra mercadoria (IORI, 2014). Ao examinar a história do capitalismo, Dobb (1983) situa a fase inicial deste sistema no período da segunda metade do século XI e início do século XII, na Inglaterra. Apresenta-se, nesse momento, uma generalização do grande comércio. Sua penetração combinou-se com o crescimento da produção local, destinada ao mercado com a progressiva substituição das oficinas confiadas aos servos na reserva senhorial, para a fabricação de objetos de uso corrente pelas oficinas urbanas. O PENSAMENTO ECONÔMICO NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E34 Falar de “capitalismo” antigo ou medieval, porque haviam financistas em Roma e mercadores em Veneza, é um abuso de linguagem. Esses personagens jamais dominaram a produção social de sua época, asse- gurada em Roma pelos escravos e na Idade Média pelos camponeses, sob diversos estatutos da servidão (VILAR, 1975, p. 40). O capital começou a penetrar na produção em escala considerável, seja na forma de uma relação bem amadurecida entre capitalista e assalariados, em que pese, uma forma menos desenvolvida da subordinação dos artesãos domésticos, que trabalhavam em seus próprios lares, a um capitalista, própria do assim chamado “sistemas de encomendas domiciliar” (IORI, 2014). Com efeito, a crise geral do feudalismo, nos séculos XIV e XV, deixa que flutuam algumas ilustres prosperidades urbanas, algumas brilhantes fortunas mercantis, essa visão é mais uma aparência que uma realidade. É o tempo do luxo, das grandes construções, dos mecenas das artes. Mas não é o auge produ- tivo. As grandes burguesias enriquecidas vivem, daí em diante, de rendas, ou compram terras feudais, imitam os grandes senhores. Pode-se observar que são elas que sustentam sempre os senhores quando se produzem as guerras campo- nesas. No interior das comunidades, as lutas de classe agravam-se e os sistemas representativos, que sempre foram oligárquicos, transformam-se. Por último, as cidades que haviam realizado as mais importantes “repúblicas mercantis”, as do Mediterrâneo, caem em decadência, pelo menos relativa, devido ao fato da con- quista do Oriente pelos turcos e diante do próximo triunfo das rotas comerciais do Atlântico. Será agora em Flandres, na Inglaterra, em Portugal e Espanha onde aparecerão as novidades decisivas para a transformação do Ocidente europeu. De fato, a primeira etapa da formação do capitalismo, depois da crise dos séculos XIV e XV, não poderia fundar-se senão por um avanço das forças pro- dutivas: o que ocorreu entre meados do século XV e XVI. Foi precisamente ao longo da crise geral do feudalismo, que numerosas invenções vieram modificar o nível das forças de produção. O uso da artilharia obrigou a impulsionar a pro- dução de metal. A difusão do pensamento humano com a invenção da imprensa, os progressos da ciência e da navegação desempenharam um papel não menos importante. Observa-se que, pela primeira vez, técnicas industriais e técnicas de comunicação ultrapassam a técnica agrícola. É o começo de um processo que colocará a indústria no primeiro plano do progresso. Apresenta-se um impulso O Sistema Feudal e uma Análise Crítica Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 35 econômico para o momento que será interrompido pela injeção de riqueza externa oriunda da expansão marítima e colonial. A circunavegação da África, o desco- brimento da rota das Índias por Vasco da Gama, o da América por Colombo e a volta ao mundo por Magalhães elevaram o nível científico e ampliaram a con- cepção do mundo na Europa. O grande comércio de produtos exóticos, de escravos e metais preciosos, vol- tava a ser aberto e extraordinariamente ampliado. Uma nova era abria-se para o capital mercantil, mais fecunda que a das repúblicas mediterrâneas da Idade Média, porque dessa vez constituía-se um mercado mundial e seu impulso afe- tava todo o sistema produtivo europeu e, porque grandes Estados (e não mais simples cidades) iriam aproveitar-se daí, para se constituírem (VILAR, 1975). Ernest Mandel (1982) afirma que o modo de produção capitalista não se desenvolveu “em meio a um vácuo, mas no âmbito de uma estrutura sócio-e- conômica específica, caracterizada por diferenças de grande importância”, por exemplo, na Europa ocidental, Europa oriental, Ásia continental, Américado Norte, América Latina e Japão. O sistema mundial capitalista é, em grau conside- rável, precisamente uma função da validade universal da lei de desenvolvimento desigual e combinado. Caro(a) leitor(a), um requisito histórico era a concentração da propriedade dos meios de produção em mãos de uma classe, consistindo de apenas uma parte pequena da sociedade e o aparecimento consequente de uma classe destituída de propriedade, para a qual a venda de sua força de trabalho era a única fonte de subsistência. Mandel (1982, p. 29) descreve que: “O movimento efetivo do capital manifestamente começa a partir de relações não capitalistas e prossegue dentro do quadro de referência de uma troca constante, exploradora, metabó- lica, com esse meio não capitalista.” A atividade produtiva era por isso suprida por ela, não em virtude de compulsão ou obrigação legal, mas na base de um contrato salarial. Torna-se claro que tal definição exclui o sistema de produção artesanal inde- pendente, no qual o artesão possuía seus próprios e modestos implementos de produção e empreendia a venda de seus próprios artigos. Não existia qual- quer divórcio entre a propriedade e o trabalho, a não ser nos o artesão recorria em qualquer medida ao emprego de diaristas, era a venda e compra de artigos O PENSAMENTO ECONÔMICO NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E36 inanimados, e não da mão de obra humana, no que constituía sua preocupação primária. O que diferencia o uso dessa definição quanto às demais é que a exis- tência do comércio e do empréstimo de dinheiro, bem como a presença de uma classe especializada de comerciantes ou financistas, ainda que fossem homens de posses, não bastava para constituir uma sociedade capitalista. Os homens de capital, por mais aquisitivos, não bastam. É fundamental apreender que o capi- tal tem de ser usado na sujeição da força de trabalho à criação da mais-valia na produção (DOBB, 1983). Busca-se a definição de um sistema econômico na intenção de perceber que cada período histórico é modelado sob a influência preponderante de uma forma econômica única, mais ou menos homogênea e deve ser caracterizado de acordo com a natureza desse tipo predominante de relação socioeconômica. Cada etapa apresenta uma característica nas situações históricas que, simulta- neamente, propicia a homogeneidade de configuração a qualquer tempo dado, e torna os períodos de transição, quando existe um equilíbrio de elementos dis- cretos, inerentemente instáveis. Isto, pois, a sociedade se acha constituída de maneira que o conflito e interação de seus elementos principais, ao invés do crescimento simples de algum único elemento, formam o fator principal de movimento e mudança, pelo menos no que diz respeito às transformações prin- cipais. Se esse for o caso, uma vez que o desenvolvimento tenha atingido certo nível e os diversos elementos que constituem aquela sociedade estejam dispos- tos, de certo modo, os acontecimentos deverão marchar com rapidez incomum, não apenas no sentido de crescimento quantitativo, mas no de uma alteração de equilíbrio dos elementos constituintes, resultando no aparecimento de compo- sições novas e alterações ou mudanças mais ou menos abruptas na tessitura da sociedade. É como se em certos níveis de desenvolvimento, fosse acionado algo como reação em cadeia. A transformação da forma medieval de exploração do trabalho excedente para a moderna não foi processo simples que possa ser apresentado como uma tabela genealógica de descendência direta, mas ainda assim, entre os redemoinhos desse movimento a vista pode distinguir certas linhas de direção do fluxo. Tais linhas incluem não apenas modificações na técnica e o aparecimento de novos instru- mentos de produção, que aumentaram grandemente a produtividade do trabalho, O Sistema Feudal e uma Análise Crítica Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 37 mas uma crescente divisão do trabalho e, por consequência, o desenvolvimento das trocas, bem como uma crescente separação do produtor quanto à terra e aos meios de produção e seu aparecimento como um proletário. Dessas tendências orientadoras na história dos cinco séculos passados, Dobb (1983), assevera que uma importância especial se prende à última, não só porque foi tradicional- mente atenuada e decentemente encoberta por fórmulas acerca da passagem de status para contrato, mas porque no centro do palco histórico trouxe consigo uma forma de compulsão ao trabalho para outrem, que se mostra puramente econômica e “objetiva”, lançando assim uma base para aquela forma peculiar e mistificadora pela qual uma classe ociosa pode explorar o trabalho excedente dos outros e que é a essência do sistema moderno ao qual chamamos capitalismo. Na Inglaterra, a pequena propriedade e o gozo dos direitos contribuíram para desenvolver, a partir do século XIV, uma classe rural precocemente comprome- tida na produção artesanal e na comercialização dos produtos. Por essa mesma razão, a diferenciação entre aldeões ricos e pobres e o incentivo de grandes lucros conseguidos sobre os campos de pastagem, devido à extensão da indústria de lã, trouxeram, como consequência, uma expulsão em massa dos pequenos agri- cultores durante os séculos XV e XVI e uma apropriação sistemática de suas parcelas, concomitantemente a das terras comunais, pelos grandes proprietá- rios. A legislação foi impotente contra esse movimento, e foi contra os pobres, desocupados e vagabundos que a lei acabou voltando suas armas. A primeira “lei dos pobres”, no reinado de Elizabeth, preparou, sob o pretexto de ajuda obri- gatória, essas futuras “casas de trabalho” nas quais o pobre “que não tinha onde cair morto” seria colocado à disposição do produtor industrial (VILAR, 1975). Expropriação e proletarização são os dois termos da “acumulação primitiva” no estado puro, a perfeita separação, mediante a violência legalizada, do pro- dutor com seus meios de produção. Por isso, Marx elegeu o exemplo inglês dos séculos XV e XVI como símbolo. É no século XVIII que o processo é concluído e somente na Inglaterra apresenta-se de uma maneira radical. Vilar (1975) des- creve que a colonização europeia, em escala mundial, determina outro aspecto da acumulação primitiva. Ela se realiza por mecanismos bastante variados, a saber: O PENSAMENTO ECONÔMICO NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E38 Os saques - delicadas joias arrebatadas dos índios das ilhas, imensos tesouros dos príncipes mexicanos e incas; tudo foi diretamente transferido para a Europa. É correto que os “conquistadores” espanhóis e o imperador Carlos V dedicaram, essencialmente, esses primeiros lucros a suas empresas militares ou suntuárias, mas o ouro passou às mãos dos mercadores, dos banqueiros que, converteram- -se nos intermediários da aventura colonial. É imaginável, conforme Dobb (1983), que uma economia não pode basear- -se durante muito tempo no simples e puro saque, tampouco deve-se crer que se tratou de um breve episódio. Os holandeses, que difundiram uma versão das crueldades espanholas na América, não foram menos cruéis nas ilhas do Extremo Oriente, as quais ocuparam no século XVII e nem os ingleses na Índia (século XVIII). Além do que, desde o tempo de Elizabeth, uma das grandes fontes de enriquecimento da corte real inglesa foi a pirataria, a pilhagem direta dos car- regamentos espanhóis. A essa economia de pilhagem, a colonização acrescenta uma exploração contínua e sistemática. Historiadores constataram, na Europa do século XVI, uma chegadaem massa de ouro e de prata, isto vai desencadear uma “revolução nos preços”; o preço dos produtos europeus sobe, Dobb (1983) estima que o aumento seja na proporção de 1 para 4. Como os salários sobem muito menos, produz-se uma “inflação de lucros”, é o primeiro grande episódio de criação capitalista. No século XVI, a quantidade de ouro e prata em circulação na Europa aumentou por consequência do descobrimento das minas americanas, mas ricas e fáceis de explorar. O resultado foi que o valor do ouro e da prata diminui em relação ao de outros artigos de consumo. Continu- ava-se a pagar aos trabalhadores os mesmos salários por sua força de trabalho. Seu salário-dinheiro manteve-se estável, mas seu salário di- minuiu, porque em troca da mesma quantidade de dinheiro recebiam uma quantidade menor de bens. Este foi um dos fatores que favore- ceu o crescimento do capital e o Ascenso da burguesia no século XVI (DOBB, 1983, p. 80). Essa situação representa apenas um dos fatores que favoreceu o avanço produ- tivo no século XVI. Marx considera ainda que, nesse período, primeiramente, a quase totalidade da produção não é obtida sob o regime de assalariamento (a economia é feudal ou artesanal); é a alta dos preços que vai favorecer a instalação do assalariamento (fase preparatória do capitalismo, na acumulação “primitiva”). O Sistema Feudal e uma Análise Crítica Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 39 Uma segunda consideração é que o lucro capitalista é apenas facilitado, não é medido pela distância que se estabelece entre preços e salários; depende, com efeito, do tempo de trabalho incorporado numa determinada mercadoria, com- parado com o tempo de trabalho incorporado no salário do trabalhador que o produziu, mas esse tempo de trabalho depende de condições muito complexas (intensidade, organização, aparelhagem técnica) e não somente de variações monetárias; por último, os preços europeus não sobem no século XVI porque o ouro e a prata são “mais abundantes”, sobem porque o preço de custo do ouro e da prata diminuem; portanto, os lucros são extraídos mais do trabalho dos mineiros americanos que da exploração crescente dos trabalhadores europeus. Vilar (1975) descreve que o trabalho na América, em suas diferentes formas (escravismo, encomienda, mitas, compromisso entre esse trabalho forçado e um salário), foi extenuante; os índios das ilhas (São Domingos, Cuba) pereceram em massa; a população do México, por sua vez, também caiu; por isso, a partir de 1600, o preço de custo do metal precioso aumentou e, portanto, o preço das demais mercadorias começou a baixar na Europa. Os lucros eram então obti- dos com menos facilidades e, no século XVII a acumulação primitiva de capital foi menos intensa que no século XVI; voltou a subir no século XVIII, quando o Ascenso demográfico e a exploração colonial reorganizada permitiram nova- mente que fossem diminuídos os preços de custo da extração mineira (ouro do Brasil, minas mexicanas): desse modo, vemos que a intensidade da acumula- ção monetária na Europa, condição para a instalação do capitalismo, dependeu do grau de exploração do trabalhador americano. Isso não vale somente para as minas. O ouro e a prata são mercadorias. O açúcar, o cacau, o café, as madei- ras tintoriais podem provocar fenômenos análogos. A acumulação primitiva do capital europeu dependeu tanto do escravo cubano quanto do mineiro dos Andes. “O escravismo velado dos assalariados europeus, não podia instalar- -se senão sobre o escravismo sem disfarce dos trabalhadores do Novo Mundo” (KARL MARX, 1989, p. 91). Diante desse panorama, contextualiza-se o capital usurário e o capital mercan- til em que a acumulação monetária é obtida, a princípio por meio do empréstimo usuário para o consumo: no nível mais baixo, em cada aldeia, o homem que tem disponibilidades monetárias, pode emprestar, com juros muito elevados, ao O PENSAMENTO ECONÔMICO NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E40 camponês que não tem do que viver, o necessário para comprar a semente ou uma ferramenta, ou para pagar o imposto; no nível mais alto, os grandes mercadores ou banqueiros emprestam aos grandes senhores ou aos príncipes; é mais peri- goso; pode haver falências, confiscos, mas ao mesmo tempo é remunerador. A especulação sobre a escassez é outro modo de acumulação: as carestias são peri- ódicas, e aqueles que podem acumular grão, o vendem, no momento oportuno, a quem oferece mais. Esses “açambarcadores” são detestados, mas enriquecem. Uma terceira situação é a especulação comercial a partir dos produtos valiosos, que alimenta o capital mercantil propriamente dito, relacionando pontos do globo nos quais as condições de produção são completamente distintas e monopoli- zando pequenas quantidades de produtos de grande valor, o mercador da Idade Média realizava operações aventureiras, mas lucrativas. Os primeiros mercado- res portugueses e espanhóis, que colocaram Lisboa e Sevilha em relação com o Extremo Oriente e com a América, não fizeram outra coisa. Os conquistadores e colonos dos primeiros tempos estavam dispostos a dar muito ouro (lhes cus- tava pouco) em troca de azeite, vinho ou tecidos chegados da Europa. Foi esse primeiro contato entre condições coloniais e condições europeias o que, em pri- meiro lugar, causou a alta de preços. Todos os mercadores do continente afluíram às feiras da Península Ibérica. Foi o maior boom histórico do capital mercantil (VILAR, 1975). Mas um movimento de tal envergadura levava em si sua própria contradi- ção: em primeiro lugar, aqueles países onde os preços subiram demasiado foram eliminados pela concorrência; foi o caso da Espanha, onde o afluxo de dinheiro traduziu-se numa pirâmide de dívidas, rendas e censos tão perfeitamente para- sitários, que a economia espanhola atingiu seu auge e foi eliminada do processo capitalista, do qual fora o ponto de partida. Por outra parte, quanto mais dinheiro circula, mais difícil é exigir lucros usurários. Dobb (1983) é incisivo ao afirmar que a usura não morreu pelas inúteis condenações lançadas pela igreja; mor- reu devido à circulação de dinheiro. Por último, na medida em que a navegação progredia, o “mercado mundial” passava a ser uma realidade cotidiana e, con- sequentemente, desapareceram cada vez mais as oportunidades para a grande especulação comercial. Os preços tendem a igualarem-se. O Sistema Feudal e uma Análise Crítica Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 41 Apresenta-se um aspecto dialético do fenômeno: a acumulação primitiva de capital engendra sua própria destruição. Numa primeira fase, a alta dos preços, o aumento dos impostos reais, os empréstimos grandiosos estimulam os usurários e os especuladores, mas, no final, em graus diferentes, segundo os países, as taxas médias de juros e dos lucros tendem a igualar-se e a diminuir. Então, é necessá- rio que o capital acumulado busque outro meio de reproduzir-se. É preciso que os homens de dinheiro – que se haviam mantido relativamente à margem da sociedade feudal – invadam todo o corpo social e tomem o controle da produção. É no curso do século XVII, menos favorável aos lucros extraídos das colô- nias, que os mercadores, aproveitando as dificuldades do artesanato corporativo e o excesso de mão de obra existente no campo, põem-se a distribuir primeiro a matéria-prima e logo após instrumentos de produção (matérias têxteis), tanto a domicílio entre os camponeses, quantoàs grandes oficinas (em geral privi- legiadas pelo Estado). Dobb (1983), considera a época da “manufatura”, uma importante etapa em direção ao capitalismo. E classifica em três dimensões, a saber, primeiramente, porque realiza na indústria, a separação entre produtor e meio de produção; concorre a duras penas com o artesanato corporativo e, por último, organiza a divisão do trabalho, que aumenta de modo considerável a produtividade do trabalho individual. O domínio do capital mercantil corresponde, na Europa Ocidental, a uma nova estrutura do Estado. Às vezes, como na França, esse Estado favorece dire- tamente à manufatura. Os impostos, cuja importância aumenta, são cobrados geralmente mediante o sistema de fermes, ou seja, por companhias de financistas privados, que guardam para si grande parte dessas cobranças feitas a partir do produto nacional, é uma importante fonte de acumulação monetária. A organi- zação do crédito e o aparecimento dos primeiros bancos estatais se fazem baixar as taxas de juros usurários, em contrapartida, mobilizam o dinheiro dos “capi- talistas” nas mãos de grupos restritos e poderosos. Por último, o Estado protege a produção nacional por intermédio das aduanas e da marinha nacional, pelos “atos de navegação” (que lhe reservam os transportes). O PENSAMENTO ECONÔMICO NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E42 A finalidade de todas estas medidas é bastante consciente; é expresso amiúde pelos economistas “mercantilistas”, que representavam, como mostrou perfei- tamente Marx, a forma primitiva e ingênua, do capitalismo: a finalidade de qualquer atividade é “fazer dinheiro”, a nação é rica se tem um saldo positivo de metais preciosos; pouco importa como é distribuído esse saldo, confundem- -se “lucro nacional” e lucro dos comerciantes (que, por sua vez, se confundem com os industriais). O país mais característico dessa fase é a Inglaterra do final do século XVII. A evolução que sofreu desde o século XV – concentração da propriedade agrá- ria, proletarização da mão de obra, atividade marítima e colonial – permitiu-lhe superar definitivamente os países dos primeiros descobrimentos – Espanha e Portugal, paralisados pelo excessivo afluxo de dinheiro e o parasitismo das ren- das – e evoluir mais depressa que a Holanda (privada de recursos industriais) e a França (onde a estrutura agrária resistiu ao movimento de concentração das pro- priedades e de “cercamento” das terras comunais). Marx expressou esse avanço da Inglaterra com a seguinte frase: os diferentes métodos de acumulação primitiva, que a era capitalista faz aparecer, dividem-se, primeiro, por ordem mais ou menos cronológica, entre Portugal, Espanha, Holanda, França e Inglaterra, até que esta úl- tima combina-os todos, no último terço do século XVII, num conjunto sistemático que inclui por sua vez o regime colonial, o crédito público, as finanças modernas e o sistema protecionista (MARX, 1989, p. 71). Será também na Inglaterra que aparecerão, no curso do século XVIII, as novidades que caracterizam de forma decisiva a nova era, a era capitalista. O aparecimento do maquinismo: a partir de 1730, e, sobretudo a partir de 1760, ocorre uma série de invenções que irão substituir a [...] “manufatura” pela “maquinofatura”, ou seja, que permitirão por sua vez multiplicar a produtividade do trabalho humano, reduzir este mes- mo trabalho a um mecanismo cada vez mais abstrato, cada vez menos unido ao objeto produtivo (de forma contrária ao trabalho artesanal), e, por último, utilizar uma mão de obra de força reduzida: é a mobili- zação maciça do trabalho de mulheres e crianças. Estas invenções são as que concernem à metalurgia (fundição do carvão) e, por último, à máquina a vapor. Este avanço das forças produtivas é necessário para subverter as estruturas econômicas e sociais. Daí em diante, a produ- ção industrial em massa será a fonte essencial do capital, pela distância O Sistema Feudal e uma Análise Crítica Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 43 estabelecida entre o valor produzido pelo operário e o valor que lhe é restituído sob a forma de salário por aqueles que dispõem dos novos meios de produção (máquinas, fábricas). A era da “acumulação primi- tiva” terminou. Tudo irá tornar-se “mercadoria” e as relações sociais se estabelecerão exclusivamente em termos de dinheiro. Já não há mais “feudalismo” (VILAR, 1975, p. 47-48). As etapas finais da transformação desse período, portanto, abrangem o controle do capital mercantil sobre a produção industrial, o papel dos primeiros Estados nacionais e a acumulação primitiva e por último o novo avanço das forças de produção: produção industrial em massa e “nova agricultura” no século XVIII. A exploração cada vez mais acentuada do trabalho humano é sua consequ- ência e seu preço. Por uma parte, o século XVIII é um século de alta geral dos preços e, já falamos da fonte colonial desse fenômeno; é, ainda, o século das gran- des fortunas edificadas sobre o ouro do Brasil, da prata mexicana, do açúcar e do rum das ilhas, do algodão da América e da Índia, tudo isso extraído do trabalho dos povos colonizados. Na Europa, a alta dos preços tem como consequência uma diminuição do salário individual diário real, da qual o capital aproveita-se. Constata-se, contudo, que o século XVIII, especialmente nos países mais avan- çados como a Inglaterra, vê desaparecer senão a carestia e a falta de pão, pelo menos as fomes mortais. Como se explica isso? Deve-se em primeiro lugar, a que os operários trabalham mais (mais dias ao ano) e as mulheres e crianças são postas a trabalhar também. O salário familiar aumenta até o mínimo de subsis- tência, mas por uma quantidade de trabalho extraordinariamente aumentada. A revolução agrícola e a liberdade do comércio de grão, permitem que sejam alimentados um maior número de homens e com maior regularidade, nos paí- ses mais adiantados, suprime-se o pousio (descanso destinado à terra cultivada, interrompendo uma cultura até outra) e planta-se mais leguminosas e tubérculos. Isso faz com que diminuam os antigos lucros da especulação, quando se tirava proveito das crises de alimentação. O capital mercantil de tipo antigo ressente- -se, mas o capital industrial, cada vez que pode diminuir o conteúdo-valor da alimentação mínima do operário, assegura um lucro sempre maior. Vemos com clareza de que maneira, daí por diante, o capitalismo industrial, que nesse caso merece simplesmente o nome de capitalismo, substitui as modalidades primiti- vas de formação do capital. Mas ainda, nos países avançados como a Inglaterra, O PENSAMENTO ECONÔMICO NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E44 a agricultura, nas mãos dos capitalistas, adapta-se à produção em massa para a venda, ou seja, ao capitalismo. Deve-se esclarecer que nem todos os países entram desde o século XVIII nessa fase decisiva. Por diversas características, a França se encontra bastante atra- sada em relação à Inglaterra. A Europa oriental e meridional ainda irão demorar muito para criar as aglomerações urbanas dedicadas completamente à indús- tria, como Manchester, que durante bastante tempo será um símbolo. Somente no século XIX, o capitalismo industrial se propagará tal como havia nascido na Inglaterra a partir de 1760. Resta considerar que um regime social não está constituído, exclusivamente, por seus fundamentos econômicos. A cada modo de produção corresponde, não somente um sistema de relações de produção, como também um sistema de direito, de instituições ede formas de pensamento. Um regime social em decadência serve-se precisamente desse direito, dessas instituições e desses pensamentos já adquiridos, para opor-se com todas as suas forças às inovações que ameaçam sua existência. Isso provoca a luta das novas classes, das classes ascendentes, contra as classes dirigentes que ainda acham-se no poder e, determina o caráter revolucionário da ação e do pensamento que animam essas lutas. O regime feudal, conforme Vilar (1975), não morreu sem defender-se. E o ataque que ele sofreu não começou somente com as formas mais desenvolvidas dos novos modos de produção. Essas formas, com efeito, só puderam triunfar quando já tinham se liberado dos inconvenientes, dos entraves que as instituições de tipo feudal necessariamente lhes opunham. Isto é, a história das revoluções burguesas. É muito importante se atentar, caro(a) leitor(a), para a relevância do século XVI para a História Européia. Esse espaço cronológico representa a tênue linha divisória entre a ordem feudal decadente e o sistema capitalista que surgia. Mercantilismo Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 45 MERCANTILISMO Após 1500, importantes mudanças econômicas e sociais começaram a ocorrer: 1. A Classe Trabalhadora, sistematicamente privada do controle sobre o pro- cesso de produção, vendia força de trabalho para sobreviver. 2. A população da Europa Ocidental aumentou quase um terço, chegando a 70 milhões em 1600. 3. Movimento do cercamento. 4. O despertar intelectual que promoveu o progresso científico. 5. Entrada de ouro, extraída pelos portugueses da Costa do Ouro, na África. 6. Aumento dos preços entre 150 e 400%, dependendo do país ou região. Percebemos, aqui, uma série de modificações de ordem econômica e social que, juntas conduziram ao capitalismo. Hunt (1989) indica que a questão do aumento populacional foi acompanhado pelo movimento do cercamento, que começou na Inglaterra, já no século XIII. A nobreza feudal, cada vez mais necessitada de dinheiro, cercava ou fechava terras que antes eram usadas como pasto comum, utilizando-a, então, como pasto de ovelhas, para satisfazer à explosiva procura de © shutterstock O PENSAMENTO ECONÔMICO NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E46 lã pela indústria têxtil lanífera inglesa. As ovelhas davam bons lucros e exigiam um mínimo de trabalho nas pastagens. O movimento de cercamento atingiu seu ponto máximo nos séculos XV e XVI, quando, em algumas áreas, os habitantes foram expulsos do campo e forçados a buscar sustento nas cidades. Os cercamentos e o crescimento populacional destruíram os laços feu- dais remanescentes, criando uma grande e nova força de trabalho - uma força de trabalho sem terra, sem quaisquer instrumentos de produção, apenas com a força de trabalho para vender (HUNT, 1989, p.15). Esta migração representava: Figura 4 - A nova força de trabalho sem instrumentos de produção Fonte: a autora. A desorganização do feudalismo foi determinantemente marcada pela Guerra dos Cem Anos (1337-1453), a peste bubônica (1348), a fome e as revoltas cam- ponesas tiveram como consequência uma redução na esfera do poder privado da nobreza feudal, um enfraquecimento dos laços de servidão, a desurbaniza- ção e a retração das atividades comerciais que vinham se desenvolvendo desde o século XI. Mercantilismo Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 47 Nesse contexto, de maneira generalizada, com a nobreza feudal enfraque- cida, organiza-se uma nova forma de governar. Apresenta-se a convergência de esferas de poder para a figura de um monarca, expressão da unidade do reino. O primeiro instrumento de afirmação da autoridade real caracteriza-se pela força militar permanente, com poder suficiente para promover a ordem interna e a defesa dos domínios. No entanto, a população estava desacreditada em um poder que pudesse trazer uma nova coesão social. Daí, surge a ideia de forças mercenárias. Os exér- citos não mais iriam lutar por uma ideologia e sim objetivando pagamento. A necessidade de metais preciosos para remunerar as tropas, que eram o susten- táculo do poder real, da ordem interna e da defesa do reino, é fundamental para compreender o conjunto das análises e práticas econômicas que surgiram nessa etapa inicial da organização do Estado Moderno (GENNARI; OLIVEIRA, 2009). Algumas características são fundamentais à serem destacadas com relação ao novo formato de Estado: 1. Força militar permanente. 2. Sistemas centralizados de arrecadação. 3. Burocracia. Esse conjunto de transformações estruturou uma nova esfera de poder, que possibilitou uma nova linha de reflexão sobre os fenômenos da produção, da distribuição e do consumo, ou seja, da atividade econômica. Séculos depois, com o Estado Nacional mais forte, uma situação conflitante se apresenta, conforme afirma Gennari (2009), a moral cristã que é contra os juros, por exemplo, e o Estado com sua demanda financeira. Em síntese, estamos diante de um processo no qual a influência dos va- lores inspirados na moralidade cristã sobre a vida econômica começa- va a ser ameaçada, de forma irreversível, pelos valores comprometidos com o fortalecimento de uma nova forma de poder, o Estado moderno. (GENNARI, 2009, p. 33). O PENSAMENTO ECONÔMICO NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E48 Em 1515, Claude de Seyssel. Em La grande monarchie de France, apresenta a formulação metalista. Ela afirmava que o “poder do país depende das reservas de ouro e prata”. Anos depois, na Espanha, Luís Ortiz, na obra Para que a moeda não saia do reino, de 1558, defendia um conjunto de medidas buscando garantir o acúmulo de metais preciosos. Estamos diante de um ponto de vista histórico, em que o poder do Estado era função direta da riqueza do reino, cuja grandeza se definia pelo acúmulo de metais preciosos. No espaço cronológico que abrange fins do século XVI e início do século XVII, muitas das grandes cidades da Inglaterra, França, Espanha e dos Países Baixos (Bélgica e Holanda) haviam prosperado em economias capitalistas, dominadas pelos mercadores, que controlavam não só o comércio, mas também grande parte da indústria. Nas modernas nações-estado, coalizões de monarcas e capitalistas tinham retirado o poder efetivo da nobreza feudal de muitas áreas importantes, principalmente nas relacionadas com a produção e o comércio. Essa época do início do capitalismo é conhecida, geralmente como mercantilismo. Florescem as artes, a poesia e as ciências. O período, também conhecido por sistema mercantil, assenta-se em bases de análise econômica e do pensa- mento econômico de maneira autônoma, a partir desse movimento histórico. Entendemos, em conjunto com (Gastaldi, 2006), que a organização comercial passa a ser o centro da atividade econômica ou da vida econômica e a riqueza, o centro da vida social, por isso, a palavra latina mercator (mercador), pois o comércio era a base fundamental para o aumento das riquezas. A acumulação de moedas e de metais preciosos é o que vai definir, no mer- cantilismo, a arte de governar. Em linhas gerais, a finalidade básica do Estado, no entender mercantilista, deveria ser a de encontrar os meios necessários para que o respectivo país adquirisse a maior quantidade possível de ouro e prata. Nesse cami- nho, vários regulamentos foram estabelecidosobjetivando disciplinar a indústria e o comércio, impedindo ao máximo as importações e favorecendo as exporta- ções. A proposta dos mercantilistas era que a balança comercial (Exportações menos importações) fosse sempre a mais favorável possível. Isso porque, para eles, exportar mais que importar, representaria, uma compensação em ouro e prata. Mercantilismo Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 49 O mercantilismo prevaleceu até o início do século XVII, quando ocorreu uma reação contra os excessos de absolutismo e das regulamentações. Durante seu predomínio, apresentou-se como mercantilismo espanhol, também conhe- cido por bulionismo, mercantilismo inglês e o mercantilismo francês. Conforme quadro abaixo: Quadro 1 - Características do mercantilismo FORMA CARACTERÍSTICA DESCRIÇÃO mercantilismo espanhol (bulionismo) builionista Preconizava a proibição da exportação de lingotes de ouro para incremento da riqueza. mercantilismo inglês mercantilismo comercialista Preconizava o balanço mercantil favorável, pelo incentivo às exportações, por meio de contratos de importações com cláusula obrigando o país vendedor a adquirir certos volumes de mercadorias inglesas. mercantilismo francês mercantilismo industrialista Preconiza estimular a indústria interna, por meio de monopólios estatais. Fonte: a autora. O mercantilismo era um preceito e, por consequência, ação intervencionista que se dava entre os Estados Soberanos. Além disso, estendia essas relações aos seus respectivos domínios coloniais. À essa relação de dominação político-econômica entre as metrópoles e suas respectivas colônias, deu-se o nome de sistema colonial. Essa organização das metrópoles européias tinha várias formas, afinal os espanhóis, portugueses, ingle- ses ou franceses exerciam seus domínios de maneira peculiar. De qualquer modo, o objetivo principal de política mercantilista era a pro- moção do poder do Estado. No sentido de que a colônia desempenhava o papel de complementar a economia metropolitana, oferecendo metais preciosos ou O PENSAMENTO ECONÔMICO NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E50 produtos que reduzissem as importações e incrementassem as exportações para outras nações. Em outras palavras, exploravam os metais preciosos da colônia para enriquecer a metrópole, e a cidade central exercia monopólio sobre a colônia. O sistema era organizado visando transferir a maior parte do lucro co- mercial e do excedente econômico produzido na colônia para a me- trópole, potencializando a acumulação da burguesia mercantil e as re- ceitas do Estado, que patrocinava a reprodução do sistema. O Estado e o intervencionismo mercantilista constituíam-se, assim, em pressu- postos de uma política colonialista eficaz. Entretanto, como parte da acumulação proporcionada pela exploração colonial era apropriada pelo Estado e empregada na ampliação dos dispositivos naval, militar, burocrático e fiscal, o sistema contribuía para incrementar o poder e o intervencionismo estatal, integrando-se plenamente aos objetivos es- tratégicos da política mercantilista. (GENNARI, 2009, p. 43). As políticas portuguesas voltadas para o Brasil, nitidamente, caracterizam-se políticas mercantilistas. É bastante claro para nós, caro(a) leitor(a), que o Brasil- colônia foi influenciado pelo mercantilismo, o qual obrigava o comércio colonial exclusivamente por intermédio das metrópoles. Com a chegada de D. João VI ao Brasil foram eliminadas as restrições mercantilistas, permitindo a instalação de indústrias nativas e o comércio direto com as demais nações. A Escola Fisiocrática Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 51 A ESCOLA FISIOCRÁTICA Estamos, caro(a) aluno(a), cronologicamente em 1756 e, justamente nesse período que finaliza o pensamento mer- cantilista, surge na França, os fisiocratas, esse marco é caracterizado pela publicação do primeiro artigo de François Quesnay em 1758: Grande Encyclopedie. Fisiocracia é uma palavra formulada a partir do grego physis, “forma, ordem natural, origem”, mais krátos, “regra, força, valor”. Temos então um termo grego que podemos atribuir como “poder sobre a natureza”. Para os fisiocratas, as nações tiveram riqueza da natureza, por meio do setor agrícola. O expoente dessa escola econômica foi Quesnay, era cirurgião e médico, e seu modelo complexo da economia pode ser atribuído, de modo geral, à circulação do sangue no corpo humano. Os fisiocratas adotaram a visão contrária aos mercantilistas. Esses achavam que o Estado deveria se comportar como um comerciante, ampliando os negó- cios, comprando ouro e interferindo na economia com impostos, subsídios e privilégios monopolistas. Aqueles afirmavam que a economia regulava-se natu- ralmente e precisava apenas de proteção contra más influências. Eles defendiam o livre comércio, impostos baixos, direitos de propriedade garantidos e dívida pública baixa. Conforme Napoleoni (2000) o objeto de investigação dos fisiocratas é o sistema econômico em seu conjunto. Podemos, aqui, pensar que esses estu- diosos tinham uma preocupação com o sistema, de forma geral, focando no “macroeconômico”. Queriam explicar a organização da economia considerando unitariamente como um organismo regido por leis necessárias e, por isso mesmo, cientificamente relevantes. A proposição que baseia o discurso é a afirmação de que existe uma “ordem natural” para a sociedade à semelhança da ordem que rege a natureza física. O PENSAMENTO ECONÔMICO NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E52 Essa escola era formada por um grupo de reformadores sociais franceses, discípulos intelectuais de Quesnay. Estavam interessados em reformar a França, que estava passando por desordens econômicas e sociais, causadas principal- mente por uma combinação heterogênea de muitas das piores características do feudalismo e do capitalismo comercial. A tributação estava desordenada e era ineficiente, opressiva e injusta. A agricultura ainda usava a tecnologia feu- dal, feita em pequena escala, ineficiente, e continuava sendo uma fonte de poder feudal que inibia o avanço do capitalismo. O Governo era responsável por um intrincado complexo de tarifas, restrições, subsídios e privilégios nas áreas da indústria e do comércio. Nesse panorama, o resultado não poderia ser outro se não o caos econômico e social, conforme apresenta Hunt (1989). Por consequ- ência dessa desordem estrutural deu-se a Revolução Francesa. Com a intenção de demonstrar como uma sociedade deveria ser estrutu- rada, a fim de refletir a lei natural, os fisiocratas defendiam, de modo geral, uma reforma política pautada na: abolição das corporações de ofício e a remoção de todas as tarifas, impostos, subsídios, restrições e regulamentações existentes que prejudicassem a indústria e o comércio. Propuseram a substituição da agricul- tura em pequena escala e ineficiente, então vigente, pela agricultura capitalista em grande escala. Na prática, por conta desse princípio da prevalência da agri- cultura como fonte de riqueza, a principal reforma proposta foi o imposto único. Os fisiocratas são amplamente caracterizados, justamente por essa atribuição também conhecida por teoria do imposto único, na qual a recomendação era de que toda a renda do Governo fosse obtida por meio de um único imposto paratodo o país, sobre as atividades agrícolas. Esse imposto deveria incidir sobre a renda da terra, na modalidade de tributo territorial. Esses pensadores se dedi- caram de forma integral à análise dos problemas econômicos, formulando pela primeira vez, de forma sistemática e lógica, uma teoria econômica do libera- lismo: A Fisiocracia (governo da natureza). Difundiram a célebre frase: “Laissez faire, laissez passer”(deixar fazer deixar passar), que serviu de bandeira contra o intervencionismo estatal. A Escola Fisiocrática Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 53 O “quadro econômico” de Quesnay mostra a circulação da riqueza entre agricultores, proprietários e artesãos. Foi a primeira tentativa de explicar como funciona uma economia nacional. O sistema fisiocrático de circulação, apresentado no Quadro econômico de Quesnay, publicado e revisado várias vezes de 1758 a 1767, trata-se de um diagrama que ilustrava, com uma série de linhas cruzadas e ligadas, o fluxo de dinheiro e bens entre três grupos sociais: proprietários de terras, agricultores e artesãos. Os bens são produtos agrícolas e manufaturados (produzidos por agri- cultores e artesãos). Era o Tableau Économique. Embora tenha usado o milho como exemplo de produto agrícola, Quesnay disse que essa categoria poderia incluir qualquer coisa produzida na terra, inclusive minérios. Utilizando o exemplo encontrado em O Livro da Economia, podemos pensar que cada um dos três grupos comece com $ 2 milhões. Os proprietários de terra não produzem nada. Gastam seus $2 milhões igualmente com produtos agrí- colas e artesanais e os consomem por inteiro. Recebem $ 2 milhões de aluguel dos agricultores - estes podem pagar, visto que são o único grupo que produz um excedente - de modo que os proprietários voltam para onde começaram. Os agricultores são o grupo produtivo, de um ponto inicial de $ 2 milhões, eles pro- duzem produtos agrícolas no valor de $ 5 milhões, acima do que eles próprios consomem. Desses, $ 1 milhão é vendido aos proprietários para seu consumo. Eles vendem $ 2 milhões aos artesãos, metade para consumo e metade como maté- ria-prima, para os bens que os artesãos produzem. Isso lhes deixa $ 2 milhões para ser usados no cultivo no ano seguinte. Quanto à produção, eles voltaram ao ponto inicial, todavia, eles também têm três milhões das vendas, dos quais gastam $ 2 milhões em aluguel e $ 1 milhão nos produtos artesanais (ferramen- tas, implementos agrícolas etc). Portanto, Quesnay atribuiu à classe dos agricultores como único setor pro- dutivo, por produzir uma quantia que ultrapassa o consumo dos agricultores. Os fisiocratas consideravam esse excedente um presente da natureza e achavam que só por meio do contato direto com a natureza, na produção extrativa ou agrícola, é que o trabalho humano poderia produzir um excedente. Os agricultores eram, portanto, chamados de classe produtiva. Os produtores de mercadorias indus- trializadas eram chamados de classe estéril, não pelo fato de não produzirem, O PENSAMENTO ECONÔMICO NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E54 mas porque supostamente a produção era igual aos custos necessários de maté- rias-primas, mais os necessários salários de subsistência dos produtores. Não se achava que pudesse sobrar qualquer excedente ou lucro na atividade industrial. Havia, poranto, três classes: 1. Produtiva: capitalistas e trabalhadores dedicados à produção agrícola. 2. Classe estéril: capitalistas e trabalhadores ligados à indústria. 3. Classe ociosa: donos de terras que consumiam o excedente produzido pela classe produtiva. As ideias dos pensadores franceses sobre a produtividade e a improdutividade dos setores reapareceram ao longo da história do pensamento econômico. O modelo representado pelo Tableau Économique mostra os processos de produ- ção, circulação da moeda e das mercadorias e a distribuição da renda. O centro de atenção nesse sistema, como vimos, é a agricultura. Além disso, ilustra o fato de que a alocação de insumos e produtos requerem a circulação contínua da moeda. Os fisiocratas se anteciparam a T. R. Malthus, Karl Marx, J. M. Keynes e muitos outros economistas posteriores, os quais mostraram como o entesouramento da moeda ou, a criação de pontos de estrangulamento ou, ainda, desequilíbrios no processo de circulação monetária poderiam atrapalhar a alocação de insu- mos e de produtos, provocando crises ou depressões econômicas. Os conceitos de excedente e capital de Quesnay tornaram-se a chave do modo como os eco- nomistas clássicos analisavam o crescimento econômico. Um modelo clássico típico centra os três fatores de produção: terra, trabalho e capital. Os proprietá- rios recebem aluguéis e podem se permitir luxos, já os trabalhadores aceitam os salários disponibilizados no mercado e, se estes sobem, podem fazer mais filhos, por exemplo. Contudo, os empreendedores têm lucro e o reinvestem na indús- tria produtivamente. Assim, o lucro incentiva o crescimento, e o desempenho econômico depende de setores da economia que geram excedentes. Portanto, de maneira generalizada, Quesnay antecipou as ideias sobre o crescimento das eco- nomias. Gennari (2009) afirma que os fisiocratas apresentam um papel crucial na trajetória da economia enquanto Ciência. Como veremos na próxima unidade. A Escola Fisiocrática Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 55 O Livro da Economia da Editora Globo, 2013. É um excelente material di- dático como fonte de informações adicionais sobre o quadro esquemático construído pelos fisiocratas. Fonte: a autora. A teoria contemporânea tem as cicatrizes dos problemas do passado agora resolvidos, os erros do passado agora corrigidos e, não poderá ser comple- tamente entendida, exceto como um legado do passado. (Mark Blaug) O PENSAMENTO ECONÔMICO NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E56 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta extensa unidade, caro(a) aluno(a), foi possível realizar uma viagem tem- poral. Na Antiguidade, percebemos que a economia possui uma relação estreita com a ética. É relevante perceber que ética e economia são, respectivamente, mãe e filha. E à medida em que a filha vai crescendo, vai criando maturidade e cami- nhando com suas próprias pernas. É assim que podemos pensar a economia. Seu nascimento está associado à obra de Xenofonte, recebe uma atenção em Platão e, de forma especial, em Aristóteles. Na sequência, com a ascensão do Império Romano, a economia toma lugar em um ambiente pensado por meio das leis. Com um salto tempo- ral, vamos até à descrição do sistema feudal. Como você pôde perceber, tratou-se do processo de acumulação primitiva de capital, o qual, na sequência, se reve- lará no início de um novo sistema: o capitalismo. Podemos, aqui, associar o mercantilismo como representação do primeiro período do capitalismo, tempo de metais e ouro. Imaginem um mundo que era pequeno, relativamente e, se tornou grande. Isso porque as grandes navegações possibilitaram essa ampliação de horizontes, e a questão era enriquecer o estado. Tratava-se, como vimos, de um Estado Absoluto. Finalizando nossa unidade, vimos que a escola fisiocrata representou uma reação contra o empirismo e o estatismo mercantilista, defendendo a plena liber- dade da atividade econômica. Notava-se a necessidade de procurar a explicação científica para os fenômenoseconômicos. Em meados do século XVIII se afirma a reação científica, sob a forma de teoria, e, apresenta-se a primeira escola eco- nômica. Na França ela surgirá com o nome de fisiocrata. De qualquer modo, somente a terra ou natureza representavam um fator econômico produtivo. Nesse contexto, François Quesnay foi o expoente dessa escola que trabalhou com fatos e fenômenos econômicos propriamente científicos. Na próxima unidade, vere- mos como os fisiocratas foram importantes para a Escola Clássica. 57 1. As relações de troca com a natureza e com a comunidade, em geral, é, para Aris- tóteles a arte da aquisição. Haja vista, que essa transação é determinante para a sobrevivência de cada família em particular e da cidade como um todo. Segun- do sua análise, existem dois tipos de arte da aquisição: a aquisição natural ou economia e a aquisição artificial. A partir dessa contextualização, avalie as asserções a seguir e a relação proposta entre elas: I. Todo tipo de atividade que elege o aumento da riqueza como um fim em si mesmo é objeto da ciência econômica. PORQUE II. Trata-se da arte da aquisição natural, conforme Aristóteles, a busca da verda- deira riqueza, sem limites para a acumulação. A respeito dessas asserções, assinale a opção correta: a. As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justificativa correta da I. b. As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa correta da I. c. A asserção I é uma proposição verdadeira e a II é uma proposição falsa. d. A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição verdadeira. e. As asserções I e II são proposições falsas. 2. “Na história da civilização de Roma vamos encontrar muitos dos elementos que caracterizam o moderno capitalismo. Embora a história romana tenha se evi- denciado mais por lutas de conquistas, construindo em primeiro estágio uma República e depois um Império mundial, dominando toda a área do Mediterrâ- neo, incluindo Ásia Menor, norte da África, França (Gália), Espanha, abrangendo partes da Europa Central até o Rio Danúbio e chegando à Inglaterra e à Escócia, suas contribuições culturais, políticas e econômicas não podem ser subestima- das” (GASTALDI, 2006, p. 39). Com base nesse fragmento de texto e com o que você pôde apreender da Unidade I, infere-se que a sociedade romana: a. Teve uma expansão territorial pífia (pequena, insignificante). b. Atribui o poder à uma instituição chamada “Senado e Povo Romano”. c. Apresenta uma história irrelevante para a constituição jurídica e política do Ocidente. d. A queda de Roma, em nada relaciona-se com o contexto agrícola. e. A desestruturação do Império resultou na concentração de poder nas mãos da monarquia e se distanciou do poderio da Igreja. 58 3. Com base no seu conhecimento, discorra sobre as Cruzadas. 4. A fase do mercantilismo foi uma decorrência do crescimento do capitalismo co- mercial, representando, com o capitalismo industrial do início do século XVIII, a economia política pré-clássica. Com relação ao período que trata do mercan- tilismo, avalie as afirmações a seguir: I. O mercantilismo predominou até o início do século XVII, quando ocorreu uma reação contra os excessos do absolutismo e das regulamentações. II. Uma das características desse período era a relação: metrópole e colônia. III. O mercantilismo foi um regime de nacionalismo econômico. IV. A riqueza era o principal objetivo para o Estado. É correto o que se afirma em: a. I, apenas. b. II, apenas. c. I e III, apenas. d. II e III, apenas. e. I, II e III. 5. Discorra sobre a Escola Fisiocrática. 59 PARA UMA CRÍTICA DA ECONOMIA POLÍTICA O objeto a considerar em primeiro lugar é a produção material. Indivíduos que produ- zem em sociedade, ou seja, a produção de indivíduos socialmente determinada: eis na- turalmente, o ponto de partida. O caçador e o pescador individuais e isolados, com que começam Smith e Ricardo, fazem parte das ficções pobremente imaginadas do século XVIII; são robinsonadas que, pese embora aos historiadores da civilização, não expri- mem de modo nenhum uma simples reação contra um refinamento excessivo e um re- gresso aquilo que muito erradamente se entende como vida natural. O “contrato social” de Rousseau, que estabelece conexões e laços entre sujeitos independentes por natu- reza, tampouco se baseia em tal naturalismo. Esse naturalismo não é senão a aparência e, aparência puramente estética das grandes e pequenas robinsonadas. Na realidade, trata-se antes de uma antecipação da “sociedade civil”, que se preparava desde o século XVI e que no século XVIII marchava a passos de gigante para a maturidade. Nessa so- ciedade de livre concorrência, cada indivíduo aparece desligado dos laços naturais etc., que, em épocas históricas anteriores, faziam dele parte integrante de um conglomerado humano determinado e circunscrito. O indivíduo do século XVIII é produto, por um lado, da decomposição das formas de sociedade feudais e, por outro, das novas forças produtivas desenvolvidas a partir do século XVI. E, aos profetas do século XVIII, quanto mais recuamos na história, mais o indivíduo - e portanto o produtor individual - nos aparece como elemento que depende e faz parte de um todo mais vasto; faz parte, em primeiro lugar e, de maneira ainda in- teiramente natural, da família e essa família ampliada que é a tribo; mais tarde, faz parte das diferentes formas de comunidades provenientes do antagonismo entre as tribos e da fusão dessas. Só no século XVIII, na “sociedade civil”, as diversas formas de conexão social aparecem face ao indivíduo, como simples meios para alcançar os seus fins pri- vados, como uma necessidade exterior a ele. Contudo, a época que gera este ponto de vista, esta ideia do indivíduo isolado, é exatamente a época em que as relações sociais (universais, segundo esse ponto de vista) alcançaram o seu mais alto grau de desenvol- vimento. O homem é, no sentido mais literal, um zoon politikon (animal político), não simplesmente um animal social, é também um animal que só na sociedade se pode individualizar. A produção realizada por um indivíduo isolado, fora do âmbito da socie- dade - fato excepcional, mas que pode acontecer, por exemplo, quando um indivíduo ci- vilizado, que potencialmente possui já em si as forças próprias da sociedade, se extravia num lugar deserto - é um absurdo tão grande como a ideia de que a linguagem se pode desenvolver sem a presença de indivíduos que vivam juntos e falem uns com os outros. Por conseguinte, quando falamos de produção, trata-se da produção num determi- nado nível de desenvolvimento social, trata-se da produção de indivíduos que vivem em sociedade. Assim, poderia parecer que, para falarmos de produção, seria necessá- rio ou descrever o processo de desenvolvimento histórico nas suas diferentes fases, ou declarar de início que nos referimos a uma determinada época histórica bem definida, como por exemplo à produção burguesa moderna, que é na realidade o nosso tema 60 específico. Não obstante, todas as épocas da produção têm certos traços e certas de- terminações comuns. A produção em geral é uma abstração, mas uma abstração que possui um sentido, na medida em que realça os elementos comuns, os fixa e assim nos poupa repetições. Contudo, esses caracteres gerais ou esses elementos comuns, des- tacados por comparação, articulam-se de maneira muito diversa e desdobram-se em determinações distintas. Alguns desses caracteres pertencem a todas as épocas; outros, apenas a algumas. Certas determinações serão comuns às épocas mais recentes e mais antigas. São determinações sem as quais não se poderia conceber nenhuma espécie de produção. Certas leis regem tanto as línguas mais desenvolvidas como outras mais atrasadas; no entanto, o que constitui a suaevolução são precisamente os elementos não gerais e não comuns que possuem. Indispensável fazer ressaltar claramente as ca- racterísticas comuns a toda a produção em geral, isto porque, uma vez que são sempre idênticos o sujeito (a humanidade) e o objeto (a natureza), correríamos o risco de esque- cer as diferenças essenciais. Neste esquecimento, reside, por exemplo, toda a “sapiên- cia” dos economistas políticos modernos, os quais tentam demonstrar que as relações sociais existentes são harmoniosas e eternas. Um exemplo: não pode haver produção sem um instrumento de produção, nem que seja simplesmente a mão; não pode ha- ver produção sem haver um trabalho acumulado no passado, mesmo que esse traba- lho consista na habilidade que, pelo exercício repetido, se desenvolveu e concentrou na mão do selvagem. O capital também é um instrumento de produção, um trabalho passado, objetivado. Logo, o capital seria uma relação natural, universal e eterna, mas só o seria se puséssemos de parte o elemento específico que transforma “instrumento de produção” e “trabalho acumulado” em capital. Assim, toda a história das relações de produção aparece, como uma falsificação malevolamente organizada pelos governos. Se não existe produção em geral, também não há uma produção geral. A produção é sempre um ramo particular da produção, por exemplo, a agricultura, a criação de gado, a manufatura - ou uma totalidade. Fonte: Marx (1989, on-line)1. Material Complementar MATERIAL COMPLEMENTAR História do Pensamento Econômico Roberson de Oliveira e Adilson Marques Gennari Editora: Saraiva Sinopse: o livro apresenta a história do pensamento econômico desde o século V a.C até os dias atuais. Em uma linguagem de fácil compreensão acessível ao público em geral e não somente a economistas, mostra os autores mais importantes das principais escolas e suas infl uências na realidade brasileira. Odisséia no Espaço Ano: 1968 Sinopse: desde a “Aurora do Homem” (a pré-história), um misterioso monolito negro parece emitir sinais de outra civilização interferindo no nosso planeta. Quatro milhões de anos depois, no século XXI, uma equipe de astronautas liderados pelo experiente David Bowman (Keir Dullea) e Frank Poole (Gary Lockwood) é enviada à Júpiter para investigar o enigmático monolito na nave Discovery, totalmente controlada pelo computador HAL 9000. Entretanto, no meio da viagem HAL entra em pane e tenta assumir o controle da nave, eliminando um a um os tripulantes. REFERÊNCIAS BLAUG, M. La metodologia de la economia. Trad. Ana Martinez Pujana. Madrid: Alianza Editorial, 1985. CHAUÍ, M. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2014. DOBB, M. H. A evolução do capitalismo, Rio de Janeiro: Zahar, 1983. ENGELS, F. Anti-Duhring. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015. GASTALDI, J. P. Elementos de Economia Política. São Paulo: Saraiva, 2006. GENNARI, A. M.; OLIVEIRA, R. História do Pensamento Econômico. São Paulo: Sa- raiva, 2009. HUNT, E. História do Pensamento Econômico. 7. ed. Rio de Janeiro: Campus,1989. IORI, C. F. A. G. O sentido oculto do valor do trabalho e sua implicação no setor bancário: um estudo de caso para a cidade de Maringá-Pr e sua região metropoli- tana em 2000 a 2010. Dissertação, 140 f. Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste).Toledo, Paraná, 2014. MANDEL, E. O capitalismo tardio. São Paulo: Abril Cultural, 1982. MARX, K. O Capital: crítica da economia política: livro I: o processo de produção do capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1989. NAPOLEONI, C. Smith, Ricardo e Marx. Rio de Janeiro: Graal, 2000. ROLL, E. História das doutrinas econômicas. São Paulo: Nacional, 1971. ROSA C. S. M. O Livro da Economia. São Paulo: ed. Globo, 2013. VILAR, P. A transição do capitalismo ao feudalismo. In: SANTIAGO, Theo (org. e introd.) Capitalismo: Transição. São Paulo: Mora, 1975. REFERÊNCIAS ON-LINE 1 Em: <http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/criticadaeconomia.pdf>. Acesso em: 9 dez. 2016. GABARITO 63 1. E. 2. B. 3. As Cruzadas representaram a reação dos países católicos, que, a partir do ano 1096, objetivaram a reconquista da Terra Santa e a abertura do sul do Mediter- râneo aos povos ocidentais, fechado pelos islamitas, ou muçulmanos. Tiveram significativa importância, ampliando as possibilidades de comércio com a Ásia Menor e o norte da África possibilitando o retorno do medievalismo à economia urbana. 4. E. 5. Fisiocracia significa governo da natureza. Foi o primeiro sistema científico em economia a substituir o empirismo dos mercantilistas. Representa o individualis- mo econômico, gerador do liberalismo capitalista. ANEXOS 64 Figura 5 - Descrição dos impérios na antiguidade Fonte: a autora.antilismo Figura 6 - Quadro esquemático do período Mercantilista e Escola Fisiocrática Fonte: a autora. ANEXOS 65 Quadro 2 - Características econômicas da Antiguidade até o Período Medieval PERÍODO CARACTERÍSTICAS CONSEQUÊNCIAS ALGUNS PENSADORES Antiguidade Clássica - 1ª fase. (4000 a 1000 a.C) Trabalho escravo: ausência de moeda; comércio incipliente. Regimes teocráticos Ausência de um pensamento econô- mico Não há Antiguidade Clássica - 2ª fase. (1000 a.C ano 500 da era Cristã) Início da preocupa- ção pelos fatos eco- nômicos. Conceitos embionários sobre a riqueza, valor econô- mica e moeda. Fase inicial da eco- nomia agrária, se- guida da economia urbana. Gradativo desenvolvimento do comércio interna- cional e embriões da empresa. Queda do Império Romano do Ocidente, surgimen- to do feudalismo e retorno à economia agrária. Xenofonte (440- 355 a.C), Platão (427-347 a.C), Aristóteles (384- 322 a.C), Catão (234-149 a.C), Varrão (116-27 a.C), Plínio, o An- tigo (23-79 d.C), Columela (fl, c. 65 A.D.) etc. Idade Média (500 a 1500 d.C) Sistema feudal; economia artesanal e regime corporativo. Regime da servidão; economia fechada (sistema feudal). Perdurou até o século X. Ressurgi- mento das cidades; nascimento do ofício (trabalho ambulan- te). A partir do século XIII, início do regime corporativo. Regulamentos rigorosos sobre a produção e o consu- mo. Predominância da doutrina canô- nica (condenação ao empéstimo de riquezas). Subordinação da economia à moral (justo preço, justo salário, justo lucro). Economia a serviço do homem; ecomba- te à escravidão. Santo Tomás de Aquino (1225- 1274), Oresmo (1328-1382), Alberto Magno, Pennafort e outros. Fonte: a autora. U N ID A D E II Professora Me. Carla Fabiana de Andrade Gonçalves Iori A ESCOLA CLÁSSICA Objetivos de Aprendizagem ■ Compreender o papel fundamental da escola clássica como um todo para a ciência econômica. ■ Entender a teoria de Adam Smith. ■ Conhecer a teoria da população de Thomas Malthus. ■ Reconhecer a importância de David Ricardo até os dias atuais. ■ Verificar o processo de quantificar a questão da utilidade das diversas mercadorias para os utilitaristas. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ Visão geral da escola clássica ■ Adam Smith ■ Thomas Malthus ■ David Ricardo ■ Os utilitaristas e a utilidade Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 69 INTRODUÇÃO Caro(a) aluno(a)! A economia carrega consigo uma universalidade de situações que envolvem as mais diversas áreas: história, sociologia, matemática, psicolo- gia entre outras. Nesta unidade, caro(a) aluno(a), isso vai ficar muito nítido para você. Isso porque vamos tratar da Escola Clássica. Caracteriza-sehistória à medida que precisa fazer uso da dimensão tempo- ral e do registro dos fatos para que possa compreender os fenômenos sociais, faz uso da sociologia, principalmente no sentido de que estuda o trabalho e, tra- balho é um ato social. Faz uso da matemática, pois precisa de ferramenta para compreender de forma lógica as abstrações dos mais diversos raciocínios. E, par- ticularmente, nesta Unidade II, a psicologia. Mas por que a psicologia? A Escola clássica, como você poderá ver, caro(a) leitor(a), trata de assuntos que passam de ordem moral a comportamentos. Mais especificamente, você aprenderá que os indivíduos econômicos tomam decisões a partir da sua racionalidade. Agem de forma egoísta, como vai nos apresentar Adam Smith. Vamos aprender que a economia clássica racionaliza as práticas em que estava envolvida ao transformar as pessoas em empreendedores. Ela justifica a queda das restrições mercantilistas, que não eram mais úteis. E isso se deu mediante a noção de que o Governo deveria intervir o mínimo possível. A concorrência era um fenômeno crescente e a confiança nela como a grande reguladora da econo- mia era um ponto de vista sustentável. Os economistas clássicos forneceram a melhor análise do mundo econô- mico até a sua época, ultrapassando, de longe, as análises dos mercantilistas e dos fisiocratas. Eles lançaram a base da economia moderna como uma ciência social e, as gerações que se seguiram se beneficiaram de suas intuições e con- quistas. A doutrina clássica é normalmente chamada de liberalismo econômico. Seja muito bem vindo(a) à nossa trilha do pensamento econômico. Ótimo estudo! ©shutterstock A ESCOLA CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E70 VISÃO GERAL DA ESCOLA CLÁSSICA A escola clássica apresenta como marco o ano de 1776, quando Adam Smith publicou seu trabalho Uma investigação sobre a natureza e a causa da riqueza das nações (amplamente conhecido como A Riqueza das Nações), e terminou em 1871, quando W. Stanley Jevons, Carl Menger e Leon Walras, publicaram, independentemente, trabalhos expondo as teo- rias neoclássicas, como veremos nas próximas unidades. Neste momento do nosso trabalho, vamos nos ater ao con- texto precursor da escola clássica. O contexto relativo à escola clássica envolve a revolução na ciência. Em 1687, Isaac Newton (1642-1727) promo- veu significativamente leis científicas sobre o movimento dos planetas de Kepler e as leis matemáticas de Galileu, em relação aos movimentos dos corpos na terra. Newton apresentou a lei da gravitação universal - uma revolução científica que causou impacto incomensurável. O cientista que popularizou a ideia, já existente, de que o universo é governado por leis naturais. Estamos falando de um momento histórico em que os cientistas con- fiavam intensamente na evidência experimental. Newton e seus contemporâneos não acreditavam em conhecimento nato derivado somente de raciocínio e sim na experiência. Essas ideias, por consequência, modificaram substancialmente o pensamento econômico. A noção de “ordem natural”, suscitadas pela revolução científica, permite que “verdades inquestionáveis” possam ser discutidas, de modo que as pessoas passam a considerar a possibilidade de debaterem ideias até então tidas como incontroversas. Por exemplo, a questão de os juros serem pecados, ou a herança de seu status na vida. A sociedade seria melhor atendida se as pessoas fossem livres para seguir a lei natural do interesse próprio. O pensamento newtoniano, na economia clássica, propiciou uma ideologia que justificou as rendas da proprie- dade. Brue (2016) contribui para o entendimento da relação entre o pensamento clássico e a lei natural, à medida em que: Visão Geral da Escola Clássica Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 71 Uma lei natural é melhor quando deixada desobstruída e como a pou- pança privada e a moderação contribuem para o bem da sociedade, a renda, o juro e os lucros são apenas recompensas para a propriedade e o uso produtivo da riqueza (BRUE, 2016 p. 48). Nessa conjuntura de prevalência da ordem natural, a teoria clássica também é conhecida como liberalismo econômico. Muitos de nós já nos deparamos com o termo liberal... Ah! Fulano tem ideias liberais... Ciclano é neoliberal... No que consiste propriamente esse termo? O fundamento do liberalismo econômico encontra-se, basicamente, em cinco princípios: 1. Liberdade pessoal. 2. Propriedade privada. 3. Iniciativa individual. 4. Empresa privada. 5. Interferência mínima do governo. Conforme Brue (2016), o termo liberalismo não pode ser analisado fora do con- texto histórico: as ideias clássicas eram liberais, em contraste com as restrições feudais e mercantilistas sobre a escolha de profissões, transferências de terra, comércio e por aí vai. Uma pessoa que defende o liberalismo econômico pode ser chamada de “conservadora” nos dias atuais. Temos, nesse ponto, uma dimensão temporal importantíssima para a história do pensamento econômico: duas “revoluções”. Em Brue (2016, p. 46) temos que trata-se de “uma relativamente madura e a outra apenas no início”. A Revolução Científica à medida em que propiciou a contestação de “verdades”, abriu espaço para a segunda transformação econômica-social: a Revolução Industrial. Com o fim do feudalismo e o processo transitório do mercantilismo, o modo de pro- dução capitalista em ascendência passa a revelar claramente características sócio-econômicas intrínsecas na Revolução Industrial. A Inglaterra é o berço da Revolução Industrial, isso porque, entre 1700 e 1770, os mercados externos para os produtos ingleses cresceram muito mais rapidamente do que os mercados internos ingleses. Conforme Hunt (1989), entre 1700 e 1750, a produção das indústrias internas aumentou 7%, enquanto A ESCOLA CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E72 a das indústrias de exportação aumentou 76%. Para o período de 1750 a 1770, os respectivos aumentos foram de 7% e 80%. Esse crescimento acelerado sobre a demanda externa de produtos industrializados ingleses propiciou a Revolução Industrial. Ela, por sua vez, determinou uma das “transformações mais funda- mentais da História da vida humana”. (HUNT, 1989, p. 60). Tanto a Revolução Industrial como a Economia Política Clássica se desen- volveram inicialmente na Inglaterra. Smith e seus contemporâneos que viveram durante os primeiros estágios da Revolução Industrial, não puderam identificar de forma adequada a representatividade desse fenômeno e a direção que esse desenvolvimento tomaria. O crescimento substancial da indústria alterou profundamente a vida das pessoas. O crescimento do comércio, o aumento substancial da manufatura, e das invenções, além da divisão do trabalho, caracterizaram, a princípio, a Inglaterra do século XVIII, em uma economia de mercado bem desenvolvida. Nessa con- juntura, o preconceito tradicional contra o mercado capitalista, em termos de atitudes e ideologia, já estava muito enfraquecido. Na Inglaterra daquela época, maiores quantidades de produtos industrializados a preços mais baixos signifi- cavam lucros sempre crescentes. Deu-se um “surto” de atividades inventivas, à medida em que a procura externa crescia, os empresários viram as possibilida- des de maiores lucros, dessa maneira, era necessário inovar tecnologicamente. Nesse sentido, a mais relevante e marcante das inovações foi o desenvolvimento do motor a vapor. Em 1769, James Watt projetou um motor com especificações tão exatas, que o simples movimento de umpistão podia ser transformado em movimento giratório. Um fabricante de Birmingham, chamado Boul- ton, associou-se a Watt e, com os recursos financeiros de Boulton, eles conseguiram iniciar uma produção, em larga escala, de motores a va- por. No fim daquele século, o vapor estava substituindo rapidamente a água como principal fonte de energia na indústria. O desenvolvimento da energia a vapor levou a profundas mudanças econômicas e sociais (Hunt, 1989, p. 62). A partir dessa invenção, iniciou-se o estágio mais decisivo da Revolução Industrial. Isso porque, o vapor permitiu o abundante crescimento e desenvolvimento da Visão Geral da Escola Clássica Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 73 indústria em larga escala. Haja vista o vapor não dependia, como o uso da água, da localização geográfica das fábricas e dos recursos locais. Sempre que pudesse comprar carvão a preço razoável, poderia ser construído um motor a vapor. Houve uma multiplicação de fábricas. Originam-se as “escuras” cidades indus- triais (HUNT, 1989). Em 1776, como não poderia deixar de ser, a Inglaterra era o país mais eficiente e poderoso do mundo. Ela beneficiou-se, grandemente com o livre comér- cio internacional, em face do início da Revolução Industrial. Nesse ínterim, os empresários foram se fortalecendo e não mais precisavam contar com a ajuda do governo, com privilégios de monopólios, e com a proteção tarifária. Em conjunto ao desenvolvimento das fábricas, os artesãos perdiam sua vantagem competitiva. Essa situação os levou ao mercado de trabalho como trabalhadores assalariados. A alta taxa de natalidade e a taxa de mortalidade em queda aumentaram a população e os trabalhadores infantis e os campone- ses irlandeses falidos, que chegavam à Inglaterra, também aumentavam a oferta de mão de obra. Essa circunstância gerou empatia por parte dos empresários à doutrina laissez-faire. Os salários estavam baixos, por conta da oferta em dema- sia, o Governo não precisava intervir. No longo prazo, a economia clássica atendeu à toda sociedade, porque a aplicação de suas teorias promovia o acúmulo de capital e o crescimento econô- mico. Apresenta-se um novo tempo para os empresários. Agora, o status para os mercadores e industriais foi promovido ao que Brue (2016) chama de promoto- res da riqueza da nação. Eles estavam certos de que, ao buscar o lucro, estavam atendendo à sociedade. Ainda em Brue (2016), percebemos que essas doutri- nas, privilegiaram materialmente os proprietários e gerentes das empresas, pois as ideias clássicas ajudaram a promover o clima político, social e econômico que estimulou a indústria, o comércio e o lucro. Os economistas clássicos ofereceram a melhor análise do mundo econô- mico até a sua época. Essa escola é responsável pela base da economia moderna, ou seja, da economia enquanto ciência social. Abaixo, o quadro explicativo dos principais dogmas da escola clássica: A ESCOLA CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E74 Quadro 1 - Principais dogmas da escola clássica DOGMA DESCRIÇÃO Envolvimento Mínimo do Governo É o primeiro princípio da escola clássica. O melhor governo governa o mínimo. As forças do mercado livre e competitivo guiariam a produção, a troca e a distri- buição. A economia era considerada auto-ajustável caminhando na direção do emprego total sem inter- venção do governo. A atividade do governo deveria ser limitada à aplicação dos direitos de propriedade e ao fornecimento da defesa nacional e da educação pública. Comportamento Econômico de auto-in- teresse Os economistas clássicos supunham que o compor- tamento de auto-interesse é básico para a natureza humana. Os produtores e os mercadores forneciam bens e serviços para obter salários e os consumidores compravam produtos como uma maneira de satisfazer seus desejos. Harmonia de Interesses Com exceção importante de Ricardo, os clássicos enfatizavam a harmonia natural de interesses em uma economia de mercado. Ao correr atrás de seus inte- resses individuais, as pessoas atendiam aos melhores interesses da sociedade. Importância de todos os recursos e atividades econômicas Os clássicos notabilizam que todos os recursos econômicos - terra, mão de obra, capital e habilidade empresarial - , bem como as atividades econômicas - agricultura, comércio, produção e comércio interna- cional - contribuíam para a riqueza de uma nação. Os mercantilistas tinham dito que a riqueza derivava do comércio, os fisiocratas acreditavam que a terra e a agricultura eram as fontes de riqueza. Leis Econômicas A escola clássica deu grandes contribuições para a eco- nomia ao concentrar a análise em teorias econômicas explícitas ou “leis”. Exemplos incluem a lei da vantagem comparativa, a lei de rendimentos cada vez menores, a teoria da população de Malthus, a lei dos mercados (lei de Say), a teoria da renda de Ricardo, a teoria quantita- tiva da moeda e a teoria do valor-trabalho. Os clássicos acreditavam que as leis da economia são universais e imutáveis. Fonte: adaptado de Brue (2016). Adam Smith Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 75 Podemos listar aqui várias das “leis” clássicas que são ensinadas como “princí- pios” econômicos: 1. Lei dos rendimentos decrescentes. 2. Lei da vantagem comparativa. 3. Noção de soberania do consumidor. 4. Importância do acúmulo de capital para o crescimento econômico. 5. Mercado como mecanismo para reconciliar os interesses dos indivíduos com os interesses da sociedade. Conforme Gennari (2009), um aspecto essencial desse contexto precursor da escola clássica é a total liberdade da ação dos indivíduos no ambiente de mer- cado, de modo que as interferências externas ao mercado eram consideradas maléficas, principalmente aquelas oriundas do Estado. A partir da visão geral que circunda a chamada pré economia clássica é que vamos adentrar ao nascimento da economia como ciência social, propriamente. ADAM SMITH No começo dessa unidade comentamos que a Escola Clássica tem como funda- dor Adam Smith. Ele é considerado o Pai da Economia Política. O maior dos escoceses foi o primeiro economista, Adam Smith. Os economistas não têm grande fama de concordar uns com os outros - porém, numa coisa há unanimidade total. Se a economia teve um fun- dador, esse sem dúvida alguma foi Smith. Ele nasceu, ou pelo menos foi batizado, na pequena cidade portuária de Kirkcaldy, ao norte de Firth of Forth, no ano de 1723. O pai do homem cujo nome ficaria para sem- pre ligado à liberdade de comércio era um funcionário da alfândega (GALBRAITH, 1979, p. 4). A ESCOLA CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E76 Após completar seus estudos secundários, foi admitido na Universidade de Glasgow em 1737, onde estudou os clássicos, Teologia, Matemática e Filosofia. Após quatro anos, optou por prosseguir seu bacha- relado em Balliol College, Oxford. Após terminar os estudos, retornou à Escócia em 1746. O Iluminismo foi o período intelectual que ser- viu de panorama para o pensamento de Smith. Esse movimento intelectual geral da sua época, se ergueu sob dois pilares: a habilidade de raciocínio das pes- soas e o conceito de ordem natural, conforme tratado anteriormente. Outra influência importante para Smith foi dos fisiocratas. Ele elogiou o sistema fisiocrático “com toda a sua imperfeição” como“talvez o mais próximo da verdade que já tivesse sido publicado sobre o assunto da economia política”. O ataque dos fisiocratas ao mercantilismo e suas propostas para remo- ver as barreiras comerciais ganharam sua admiração. A partir desses pensadores, ele descreveu o tema da riqueza como “os bens de consumo produzidos anual- mente pelo trabalho da sociedade”, a desejável interferência mínima do governo na economia e o conceito do processo circular de produção e distribuição. Com Adam Smith, a história da economia deu seu maior passo. Eric Roll (1971 apud Gennari, 2009 p. 68) escreveu a seu respeito, “o apóstolo do libera- lismo econômico falou em termos lúcidos e persuasivos”, dirigindo-se a um público que estava pronto para receber sua mensagem e sua voz era a voz de industriais ansiosos por eliminar todas as restrições sobre o mercado e sobre a oferta de mão de obra – os resquícios do antiquado regime do capital mercantil e dos interesses dos proprietários de terras. (ROLL, 1971 apud GENNARI, 2009 p. 68). © sh ut te rs to ck Adam Smith Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 77 Várias são as razões que levaram o pensa- mento de Adam Smith ser considerado o fundador da ciência econômica, e o próprio Smith a ser considerado o “pai” da disci- plina. Pode ser que a mais importante seja o fato de que sua obra consolidou de forma espetacular a síntese do novo pensamento moderno, ou pensamento burguês, no campo da economia. Incorporou as idéias de Hobbes de que os homens em seu egoísmo inato seriam tragados a um estado bestial, caso não houvesse a força coerciti- va de um poder maior, que poderia ser o poder do Estado. Entretanto, no pensamento de Smith, o egoísmo e a competição generalizada assu- miram uma interpretação e uma importância inusitadas como aspectos benéficos e inatos ao homem (GENNARI, 2009, p. 60). O pensador quis saber como as ações de indivíduos livres resultavam em um mercado ordenado e estável, em que se pudesse fazer, comprar e vender o que quisesse. Nesse sentido, o pensador ressaltou que os participantes da economia tendem a ir atrás de seus interesses pessoais. Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse. Dirigimo-nos não à sua humanidade, mas à sua au- toestima, e nunca lhes falamos das nossas próprias necessidades, mas das vantagens que advirão para eles (SMITH, 1996, p. 74). A ESCOLA CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E78 Para o escocês, o Ocidente embarcara numa grande revolução antes do século XVIII, quando as sociedades agrárias ou agrícolas tornaram-se comer- ciais. Durante a Idade Média, as cidades se desenvolveram e aos poucos foram ligadas por estradas. As pessoas levavam mercadorias e produtos agrícolas fres- cos para as cidades e, os mercados – com sua compra e venda – tornaram-se parte da vida. A inovação científica criou padrões de medida confiáveis, junto com novos jeitos de fazer as coisas e da mistura de principados que pontilha- vam a Europa formaram-se Estados centralizados. O povo usufruía uma nova liberdade e passava a trocar bens para ganho pessoal, não só para o seu senhor. Em 1776, Smith publicou sua obra An inquiry into the nature and causes of wealth of nations (A Riqueza das Nações), que tinha iniciado na França, dez anos antes. A obra possui o significado de manifesto de uma nova ciência. O sucesso do livro foi imediato e isso estabeleceu definitivamente o prestígio de Smith. Um dos aspectos históricos mais relevantes dessa obra é sua atualidade em relação à economia capitalista moderna, haja vista que a dimensão temporal revelava um momento marcado por grandes transformações econômicas e sociais impulsio- nadas pela primeira revolução industrial, cujo epicentro foi o Reino Unido como já tratamos anteriormente. O texto cumpriu o singular papel de instrumento de uma ideologia triunfante no século subsequente, o liberalismo. Smith foi um daqueles pensadores que extraíram da noção de direito natu- ral (jusnaturalismo) uma particularidade sobre o fazer material do homem. De modo a associar tanto o apelo à razão e a inspiração nas descobertas newtonianas, quanto o afastamento da órbita do Estado, em contraposição ao conhecimento administrativo característico do mercantilismo, assim como a atenção aos pro- blemas correntes dos preços, câmbio e moeda. De modo geral, A Riqueza das Nações é uma síntese da temática típica da reflexão econômica dos séculos XVII e XVIII, reunindo, de modo original e em uma trama coerente, os fios antes dis- persos da cena material e cultural do capitalismo nascente. Em outras palavras, ele quis saber como as ações de indivíduos livres resul- tavam em um mercado ordenado e estável, de modo que a corrente Smithiana destaca que os participantes da economia tendem a ir atrás de seus interesses pessoais. O homem, com sua liberdade, rivalidade e desejo de ganhar, é guiado por uma: Adam Smith Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 79 [...] mão invisível a promover um objetivo que não fazia parte de suas intenções. Aliás, nem sempre é pior para a sociedade que esse objetivo não faça parte das intenções do indivíduo. Ao perseguir seus próprios interesses, o indivíduo muitas vezes promove o interesse da sociedade muito mais eficazmente do que quando tenciona realmente promovê- -lo (SMITH, 1996, p. 437). Em Smith, em vez da necessidade de um poder externo coercitivo do Estado, havia no próprio mecanismo de mercado uma força muito mais poderosa que orientaria o egoísmo de cada indivíduo ao bem-estar geral da sociedade: o poder da “mão invisível”. Desse modo, o livre mercado, com sua oferta e demanda (mão invisível), promoveria um estado de bem-estar para toda a sociedade. Tais ideias ganharam imediatamente um caráter revolucionário, num contexto que predominava o poder crescente de um Estado absolutista e a nova classe bur- guesa lutava e almejava mais liberdade para desenvolver novas formas de busca de riqueza: o comércio e a indústria nascentes, ou seja, a acumulação de capital. Tais ideias eram frontalmente contrárias à defesa da intervenção do Estado na atividade econômica preconizada pelos ideais mercantilistas. O raciocínio de Smith parte da ideia de que o aumento da riqueza e da pro- dutividade do trabalho tem início com os processos ligados à divisão social do trabalho. E, curiosamente o pensador vai usar o exemplo do alfinete! Sim, ao invés de iniciar sua grande obra tratando do ouro, terra, comércio internacio- nal ou bancos, ele vai falar do alfinete! Smith argumenta, que a principal fonte de aumento da riqueza reside no aumento da produtividade por meio de uma maior divisão do trabalho. Isso no sentido de tratar da divisão dos processos de produção, em partes menores, especializadas. Ele afirma que isso aumenta a produtividade de três maneiras: em primeiro lugar, ao repetirem as mesmas uma ou duas tarefas, os trabalhado- res melhoram mais rapidamente sua capacidade (“a prática leva à perfeição”). Em segundo lugar, ao se especializar, o trabalhador não precisa perder tempo se movimentando – física e mentalmente – entre diferentes tarefas (reduzindo os “custos de transição”). E, ainda, uma subdivisão mais detalhada do processo torna cada passo mais fácil de ser automatizado e, assim, ser realizado a uma velocidade próxima à mecanização (CHANG, 2015). A ESCOLACLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E80 Nas palavras de Smith (1996, p. 41): [...] esse grande aumento da quantidade de trabalho, que, em conse- qüência de sua divisão, o mesmo número de pessoas é capaz de realizar, explica-se por três circunstâncias distintas: em primeiro lugar, devido à maior destreza existente em cada trabalhador; em segundo, à poupança daquele tempo que, geralmente, seria costume perder ao passar de um tipo de trabalho para outro; finalmente, como resultado da invenção de um grande número de máquinas que facilitam e abreviam o trabalho, possibilitando a uma única pessoa executá-lo, que, de outra forma, te- ria de ser feito por muitas. Para o escocês, o avanço da produtividade tinha a capacidade de se espraiar para todos os ofícios e, assim, produzir uma riqueza universal que se estenderia às camadas mais baixas da população. A TEORIA DO VALOR PARA SMITH A teoria do valor de Smith é indispensável pois, entre outras coisas, possibilitou caminhos tanto para as análises neoclássicas, baseadas na teoria do valor-uti- lidade, quanto para o pensamento e para a escola relacionados a Karl Marx, baseados na teoria do valor-trabalho (GENNARI, 2009). Na discussão de Smith, o importante é observar que a palavra valor tem dois significados: às vezes designa a utilidade de um determinado objeto, e, outras, o po- der de compra que o referido objeto possui em relação a outras merca- dorias. O primeiro pode chamar-se valor de uso e o segundo, valor de troca (SMITH, 1996, p. 61). Smith examinou as regras que regulam o valor de troca das mercadorias. Primeiramente, qual é o critério ou a medida real do valor de troca ou em que consiste o preço real de todas as mercadorias. Em segundo lugar, quais são as diferentes partes ou componentes que constituem esse pre- ço real. Finalmente, quais são as diversas circunstâncias que, por vezes, fazem subir alguns desses componentes, ou todos eles, acima do natu- ral ou normal e, às vezes, fazem descer abaixo desse nível, ou seja, quais Adam Smith Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 81 são as causas que às vezes impedem o preço de mercado, isto é, o preço efetivo das mercadorias, de coincidir exatamente com o que se pode chamar de preço natural (SMITH, 1996, p. 61). É importante que possamos conhecer o conceito de preço natural para Smith; para entendê-lo, é preciso saber que “quando a quantidade colocada no mercado coincide exatamente com o suficiente e necessário para atender à demanda efe- tiva, muito naturalmente o preço de mercado coincidirá com o preço natural”. Segundo Smith todos os bens têm um preço natural, que reflete apenas o esforço para fazê-los. A terra usada para produzir um produto deveria ganhar sua renda natural. O capital utilizado na sua fabricação deveria auferir seu lucro natural. A mão de obra usada deveria ganhar seu salário natural. Os preços e margens de lucro do mercado podem diferir de seus níveis naturais em certos períodos, como na escassez. Nesse caso, as oportunidades de ganho surgirão e os preços aumentarão, mas só até a concorrência trazer novas empresas ao mer- cado e os preços caírem ao seu nível natural. Se a demanda em uma indústria começa a sofrer queda, preços e salários cairão, mas, com o aparecimento de outra indústria, essa oferecerá salários mais altos para atrair trabalhadores. No longo prazo, diz Smith, os preços de “mercado” e os “naturais” serão os mesmos – os economistas modernos chamam isso de equilíbrio. A concorrência é essencial para que os preços sejam justos. Smith atacou os monopólios que ocorrem no âmbito do sistema mercantilista, que exigiu dos governos o controle do comércio exterior. Quando há apenas um fornecedor de um bem, a empresa que o fornece pode segurar o preço permanentemente acima do nível natural. Consequentemente, para Smith (1996, p. 85): [...] o preço natural é como que o preço central ao redor do qual conti- nuamente estão gravitando os preços de todas as mercadorias. Contin- gências diversas podem, às vezes, mantê-los bastante acima dele e, nou- tras vezes, forçá-los para baixo desse nível. Mas, quaisquer que possam ser os obstáculos que os impeçam de fixar-se nesse centro de repouso e continuidade, constantemente tenderão para ele. Ele entendia que as coisas que tinham muito valor de uso possuíam frequen- temente pouco ou nenhum valor de troca e vice-versa. Menciona o famoso exemplo da água e do diamante para ilustrar tal idéia. A água possui muito valor de uso e pouco valor de troca, já com o diamante ocorre exatamente o contrário. A ESCOLA CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E82 Aqui, também é ponto de extrema relevância para a teoria do valor de Smith: a determinação do trabalho. Segundo Smith, o valor de qualquer mercadoria, para a pessoa que a possui, mas não tenciona usá-la ou consumi-lá, senão trocá- -la por outros bens, é igual à quantidade de trabalho que essa mercadoria lhe dá condições de comprar. Consequentemente, o trabalho é a medida real do valor de troca de todas as mercadorias (GENNARI, 2009). Smith, porém, faz notar a existência de graus diferentes de dificuldades e de engenho aplicados no trabalho, que geralmente são considerados quando se atri- bui valor a algo. Outro aspecto relevante apontado pelo autor é que, geralmente, é mais natural estimar o valor de troca de uma mercadoria pela quantidade de outra mercadoria do que com base no trabalho que ela pode comprar. Na ver- dade, a dificuldade apresentada por Smith (1996, p. 66) é que “o trabalho é o valor real das mercadorias; o dinheiro é apenas o preço nominal delas”. Ao buscar desembaraçar-se do problema, ele afirma que “pode-se dizer que o trabalho, da mesma forma que as mercadorias, têm preço real e um preço nomi- nal”. O preço real consiste na quantidade de bens necessários que se permutam em troca dele e o preço nominal, na quantidade de dinheiro. Sendo o trabalho a medida do valor de troca, Smith (1996, p. 77) entende que: [...] se, em uma nação de caçadores, abater um castor custa duas vezes mais trabalho do que abater um cervo, um castor deve ser trocado por – ou, então, vale – dois cervos. É natural que aquilo que normalmente é o produto do trabalho de dois dias ou de duas horas valha o dobro daquilo que é produto do trabalho de um dia ou uma hora. Concluindo, Smith (1996, p. 78) pensa que “fica, pois, evidente que o trabalho é a única medida universal e a única medida precisa de valor, ou seja, o único padrão pelo qual podemos comparar os valores de mercadorias diferentes, em todos os tempos e em todos os lugares”. Para Smith, as fontes originais de todas as rendas são o salário do trabalhador, o lucro do empresário e a renda da terra dos proprietários, e, desse modo, de todo valor de troca. Quanto ao lucro e à renda da terra, a análise de Smith apresenta a idéia de que “o trabalho mede o valor não somente daquela parte do preço que se desdobra em trabalho efetivo, mas também daquela representada pela renda da terra e daquela que se desdobra no lucro devido ao empresário” (Id., p.79). Adam Smith Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 83 O lucro, no entanto, é regulado por princípios específicos, ou seja, “é total- mente regulado pelo valor do capital ou patrimônio empregado, sendo o lucro maior ou menor em proporção com a extensão desse patrimônio” (Id., p.78) , já quea terra se tornou propriedade privada e os proprietários exigem uma renda para permitir que outros cultivem suas terras. Para o pensador, as economias de mercado geram rendimentos justos que podem ser gastos em bens, num “fluxo circular” sustentável, em que o dinheiro pago em salários volta para a economia quando o trabalhador paga pelos bens e será devolvido em salários, repetindo o processo. O capital investido em ins- talações de produção ajuda a aumentar a produtividade da mão de obra, o que implica os empregadores poderem arcar com salários mais altos. E, se puderem pagar mais, eles pagarão, porque têm de competir entre si pelos trabalhado- res. Quanto ao capital, Smith disse que o volume de lucro com que o capital pode esperar ganhar com investimentos é quase igual à taxa de juro. Isso por- que os empregadores concorrem para pedir recursos emprestados e investí-los em oportunidades lucrativas. Com o tempo, a taxa de lucro em qualquer área cai, pois o capital se acumula e as oportunidades de lucro se esgotam. Os alu- guéis aumentam aos poucos, à medida em que as rendas sobem e mais terra é usada. A concepção de Smith da interdependência entre terra, mão de obra e capital foi um avanço real. Ele observou que os trabalhadores e os proprietários tendem a consumir sua renda e os empregadores eram mais econômicos, inves- tindo sua poupança no estoque de capital. Ele percebeu que os salários variavam conforme os graus de “habilidade, destreza e discernimento” e que havia duas formas de mão de obra: produtiva (engajada na agricultura ou manufatura) e o que ele chamou de “improdutiva” (prestando serviços necessários para apoiar a mão de obra principal). Os resultados muito desiguais do sistema de mercado atual ficam a dever ao que Smith previu. Smith afirmou que a própria mão invisível estimula o crescimento econômico. A fonte de crescimento tem dois lados. Um é a eficiência obtida pela divisão do trabalho, conhecido entre os economistas como o “crescimento smithiano”. Como se produzem e consomem mais bens, a economia e os mercados crescem. Com a expansão dos mercados vêm oportunidades para a especialização do trabalho. A segunda força de crescimento é a acumulação de capital, movida pela poupança A ESCOLA CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E84 e pela oportunidade de lucro. Smith disse que o crescimento pode ser reduzido por fracassos comerciais, falta de recursos necessários para estabilizar o estoque de capital, um sistema monetário inadequado (há mais crescimento com papel moeda do que com ouro) e uma proporção alta de trabalhadores improdutivos. Ele alegou que o capital é mais produtivo na agricultura do que na indústria, que é mais alto que no comércio ou no transporte. Em última análise, a econo- mia vai crescer até atingir um estado rico, estacionário. Smith subestimou aí o papel da tecnologia e da inovação. Conforme discorda Schumpeter (1997, p. 47). Conforme Gennari (2009), para Smith o bem-estar humano sempre esteve presente em sua teoria. Para o fundador da economia política, o bem-estar eco- nômico estaria relacionado ao livre jogo das forças de mercado que comandaria, por meio de uma mão invisível, as ações egoístas dos indivíduos, que, buscando seus interesses individuais, atingiriam, como por derivação, o bem-estar geral da sociedade. Segundo Smith, todos os indivíduos estão empenhados em realizar da maneira mais vantajosa possível a aplicação de seu capital, ou seja, realizar sua atividade buscando como resultado o maior valor possível. Além disso, os indivíduos procuram empregar seu capital o mais próximo possível “de sua residência”, fomentando, assim, preferencialmente, a atividade nacional. Dessa maneira, guiado pela mão invisível, suas atividades individuais geram, assim como exter- nalidades, o bem-estar de toda a sociedade (GENNARI, 2009). A noção de bem-estar econômico faz relação à quantidade do produto do trabalho anual e do número dos consumidores de tal produto e dependeria fun- damentalmente de uma ética relacionada ao egoísmo. Smith, nas palavras de Napoleoni (2000, p. 46): [...] individualiza uma zona do proceder humano na qual um compor- tamento correspondente ao objetivo egoísta justifica-se tomando por base o próprio princípio da utilidade: trata-se da esfera na qual ocor- rem a formação e o desenvolvimento da riqueza, já que, quando um indivíduo se esforça por conseguir a maior vantagem pessoal na troca, vai mais além de sua própria vontade, de tal sorte que seja máxima a disponibilidade de bens para todos. A harmonia dos interesses dominou com um mercado livre e competitivo, for- çando cada indivíduo a servir a sociedade enquanto serve a si mesmo. ©shutterstock Thomas Malthus Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 85 Após a morte de Smith, três grandes nomes, todos praticamente contem- porâneos, um francês e dois ingleses, surgiram para aperfeiçoar e ampliar a sua obra: Jean Baptiste Say (1767-1832), Thomas Robert Malthus (1766-1834) e David Ricardo (1772-1823). Todos eles, de maneira especial Malthus e Ricardo, convi- veram com a Revolução Industrial já plenamente desabrochada e, refinando o que Smith fizera, buscaram trazer a economia a par dessa gigantesca transformação. Com eles nasceu a economia de ordem industrial. Smith foi, claramente, mais otimista sobre o futuro do que Thomas Malthus, tema do nosso próximo tópico. THOMAS MALTHUS Thomas Robert Malthus (1766-1834) era filho de uma família inglesa de posses. Foi educado na Universidade de Cambridge. Lá, obteve também extensa formação em letras clássicas e modernas. Em 1805, foi nomeado para o corpo docente da faculdade da Companhia das Índias Orientais. E ocupou a primeira cátedra de Economia Política da Inglaterra. Malthus desenvolveu suas reflexões numa época de intensos conflitos de classes e suas obras refletem sua posi- ção com relação à essas transformações econômicas e sociais. É importante destacar, caro(a) leitor(a), que esse cenário histórico e intelec- tual de controvérsias, na Inglaterra, aproximadamente em 1798, apresentava duas peculiaridades que chamavam a atenção de Malthus. A primeira foi o aumento da pobreza e controvérsia sobre o que fazer com isso. A segunda era sobre a lei dos cereais. A ESCOLA CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E86 A descrição sobre essas questões encontra-se no quadro abaixo: Quadro 2 - Características do contexto da teoria de Malthus CARACTERÍSTICA DESCRIÇÃO Aumento da pobreza Em 1798, alguns dos efeitos negativos da Revolução Indus- trial, bem como a urbanização crescente, estavam começan- do a aparecer. O desemprego e a pobreza já eram proble- mas, criando necessidades de tratamento reparador. Deu-se um debate caloroso. Sua principal preocupação era com a inquietação dos trabalhadores e com os esquemas que esta- vam sendo defendidos por intelectuais radicais, com relação à reestruturação da sociedade, a fim de promover o bem- -estar e a felicidade dos trabalhadores. No entanto, a classe proprietária inglesa negava qualquer responsabilidade pela pobreza e se opunha ativamente a leis que favoreciam a distribuição de renda. Lei dos cereais Quando Napoleão foi capturado, em 1813, os donos de terras ingleses, que dominavam o Parlamento, ficaram extre- mamente preocupados, imaginando que um novo surto de grãos importados desvalorizaria o preço dos bens agrícolas e reduziria enormemente a renda com aluguéis da terra. As- sim, eles determinaram que os preços mínimos vigentes de grãos importados fossemaumentados. Os interesses comer- ciais, no entanto, falavam contra tarifas mais altas sobre os grãos e eram a favor da anulação total das leis dos cereais. Fonte: a autora. A TEORIA DA POPULAÇÃO O cenário que ocupou o trabalho de Malthus era o de uma jornada de trabalho das crianças inglesas que durava de 14 a 18 horas, com direito a míseros vinte minutos para a refeição. Os protestos e motins se alastraram por toda a primeira metade do século XIX. Malthus, então, reservou para si a tarefa de refletir sobre como melhorar a sociedade, e, assim, colocou no centro de suas preocupações a questão da reprodução da população e da possibilidade de crise de superpro- dução na sociedade contemporânea, tornando-se referência clássica obrigatória nos estudos de população e da dinâmica do capitalista até os dias de hoje. Thomas Malthus Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 87 Para o pensador inglês, o progresso da sociedade fazia sentido à medida em que houvesse equilíbrio entre a população e os meios de subsistência. Para tanto, era imprescindível compreender quais os fatores que possibilitaram tal equilíbrio. Creio que posso razoavelmente colocar dois postulados. Primeiro que: o alimento é necessário à existência do homem. Segundo: que a paixão entre os sexos é necessária e permanecerá aproximadamente em seu presente estado (MALTHUS, 1982, p. 282). Desse modo, o economista britânico, defendia que o crescimento da população condena a sociedade à pobreza. Malthus dizia que o impulso sexual humano cau- sava o aumento, cada vez mais rápido, do povo. A produção de alimentos não o acompanharia. Contudo, há uma força contrária: Malthus achava que a má nutri- ção e as doenças causadas por uma oferta alimentar mais limitada ocasionaram uma mortalidade crescente e evitariam o descontrole do desequilíbrio. Menos alimento para o mundo também implicaria sustento menor para as crianças e o índice de natalidade cairia. Isso reduziria a pressão sobre a terra, restituindo os padrões de vida. Além de evitar a fome total, a mudança nos índices de natalidade e mortali- dade faz a população não mais se beneficiar de altos padrões de vida por longo tempo. Suponha que a economia tenha um golpe de sorte com a descoberta de terra. Mais terra dá um incentivo único à produção de mais alimento para cada pessoa, cada uma fica mais saudável, e o índice de mortalidade cai. Um padrão de vida mais alto permite mais filhos. Juntos, esses fatores fazem a população cres- cer. A produção de alimentos não segue o ritmo e a economia retoma o padrão de vida anterior, mais baixo. A isso chama-se armadilha malthusiana: padrões de vida mais altos são sempre sufocados pelo aumento da população. Assim, aconteça o que acontecer, a economia sempre volta a uma produção de alimen- tos que sustente uma população estável (HUNT, 1989). Malthus previa uma estagnação econômica, com o povo lutando para sobre- viver e seu crescimento sendo refreado por fome e doenças. Porém, esse modelo - uma economia de agricultores que labutam com ferramentas simples num lote imutável de terra - já estava defasado na virada do século XVIII. Novas técnicas já permitiam maior produção de alimentos com a mesma quantidade de terra e de mão de obra. Novas máquinas e fábricas proporcionavam uma produção A ESCOLA CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E88 maior de bens por trabalhador. O progresso tecnológico implicou padrões de vida cada vez mais altos para o povo. Em 2000, a população da Grã-Bretanha mais do que triplicou em relação à época de Malthus, com renda dez vezes maior (HUNT, 1989). Com o tempo, a tecnologia superou as restrições agrícolas e demográficas. Malthus não previu isso. Hoje, suas ideias se refletem no receio de que o nível populacional pressione a capacidade da Terra de um modo que a nova tecnolo- gia não consiga superar. Figura 1 - A teoria de Malthus de forma genérica Fonte: Rosa (2013). As ideias de Malthus inspiraram muitos economistas conservadores modernos na elaboração de suas teorias acerca da impossibilidade e inutilidade de uma política de bem-estar social que tivesse no seu cerne a distribuição de renda. Para que distribuir renda, se os pobres, vistos como imorais, gastariam todo o Thomas Malthus Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 89 acréscimo de renda em futilidades, vícios e orgias? Seria melhor manter a renda concentrada, pois pessoas frugais iriam poupar o excedente que mais tarde se transformaria em investimentos e progresso geral da sociedade. Nós, na periferia brasileira, conhecemos bem as teorias do crescimento do bolo, muito utilizadas nos anos 1970, segundo a qual não seria interessante para a sociedade proceder a uma distribuição equitativa da renda, pois, segundo essa tese, iria se distri- buir a pobreza, e não a riqueza. Desse modo, a teoria do crescimento do bolo advogava que o bolo, ou seja, a renda, deveria primeiro crescer para depois ser distribuído. O fato estarrecedor é que a economia brasileira figura, há muito, entre as dez primeiras economias do mundo, em termos de magnitude do pro- duto; entretanto, as classes desfavorecidas estão sempre na expectativa de uma política de rendas efetivamente redistributivas, ou seja, aguardam a chegada do momento da distribuição do “bolo”. Por fim o entendimento de Galbraith (1979, p. 24) sobre Malthus é bastante esclarecedor: Malthus deu-nos o Princípio da População. Afirmava esse princípio que, dada “a paixão entre os sexos” (coisa extremamente prejudicial que ele por vezes achou que poderia ficar sujeita à “restrição moral”, e contra a qual sugeriu que os pregadores admoestassem seus fiéis por ocasião do casamento), a população cresceria sempre numa propor- ção geométrica – isto é, 2, 4, 8, 16 e assim por diante. Enquanto isso, na melhor das hipóteses, a alimentação aumentaria apenas aritmetica- mente – ou seja, 2, 3, 4, 5... daí veio o resultado inevitável: em virtude da provável ausência de restrições morais, a população ficaria sujeita única e exclusivamente aos repetidos e medonhos impedimentos im- postos pela fome ou pela guerra ou por uma catástrofe natural. Re- fletindo sobre as recompensas oferecidas pela liberdade de comércio, a consequente defesa dos próprios interesses e a divisão do trabalho, Adam Smith, refletindo sobre as vantagens da liberdade de comércio, as resultantes da defesa do alto interesse e a divisão de tarefa, tinha uma concepção geralmente otimista quanto às perspectivas da humanidade. Não Malthus. Também David Ricardo jamais foi considerado um oti- mista. Foi graças a Malthus e Ricardo que a economia se transformou numa ciência triste e melancólica. A ESCOLA CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E90 DAVID RICARDO Smith é considerado o fundador da escola clássica, no entanto, David Ricardo (1772-1823), contemporâneo de Malthus, foi a figura principal na promoção do maior desenvolvimento das ideias da escola. Ricardo demonstrou as possibilidades de utilizar o método abstrato de raciocínio para formular as teorias econômicas. Ele ampliou o escopo da investigação econômica para a distribuição da renda. À sua volta, reuniu-se um grupo de estudiosos que, com entusiasmo, dissemi- naram suas ideias. Esses seguidores aperfeiçoaram e estenderam sua maneira de pensar a economia, direcionando-as para as idéias neoclássicas, motivo de tra- balhoda nossa Unidade IV. É peculiarmente importante a biografia de Ricardo, haja vista que foi o ter- ceiro de 17 filhos de imigrantes judeus que se mudaram da Holanda para a Inglaterra. Seus pais eram ricos. Aos 21 anos casou-se e abandonou as tradições judaicas. Antes dos seus 30 anos, Ricardo acumulou grande fortuna sendo acio- nista na bolsa de valores e fez riqueza maior que a de seu pai. As escolas Marxista e a Marginalista, receberam forte influência do pen- samento de Ricardo, principalmente no aspecto do valor - trabalho e valor - utilidade, respectivamente (GENNARI, 2009). © sh ut te rs to ck David Ricardo Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 91 Os gastos públicos devem ser financiados por empréstimos ou impostos? Essa questão foi abordada em detalhe primeiro pelo economista britânico durante as custosas Guerras Napoleônicas com a França (1803-15). Em seu livro de 1817, Princípios de economia política e tributação, Ricardo disse que o método de finan- ciamento não fazia diferença. Os contribuintes devem perceber que o empréstimo tomado hoje pelo governo levará a mais tributação no futuro. Em todo caso, eles serão tributados, de modo que devem poupar a quantia que seria cobrada hoje a fim de cumprir essa eventualidade. Ricardo afirmou que as pessoas compreen- dem as restrições, do orçamento público e continuam a gastar como sempre, seja a decisão, do governo tributar ou tomar emprestado, porque sabem que afinal lhes custará o mesmo. Essa ideia ficou conhecida como equivalência ricardiana. Imagine uma família com um pai viciado em jogos de azar, que tira dinheiro dos filhos. O pai diz aos filhos que os deixará ficar com o dinheiro neste mês, porque ele pegou emprestado do seu amigo Marcos. Caio, o caçula, sossegado, gasta seu dinheiro extra. O sagaz filho mais velho, Silvio, percebe que no mês seguinte o empréstimo terá de ser pago com juros, e é provável que seu pai lhe peça o dinheiro. Guarda o dinheiro extra de hoje, sabendo que terá de dá-lo ao pai em um mês. Silvio nota que sua riqueza não muda e não tem porque alte- rar seus gastos hoje. Ricardo estava teorizando e nunca disse que a equivalência ricardiana seria óbvia no mundo real. Ele achava que os cidadãos comuns sofrem da mesma ilusão fiscal que Caio, do nosso exemplo, e gastam todo o dinheiro que têm. No entanto, alguns economistas modernos afirmam que os cidadãos não têm essa ilusão. A ESCOLA CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E92 Figura 2 - Equivalência ricardiana Fonte: adaptado pela autora de Rosa (2013). David Ricardo é considerado por Galbraith (1979, p. 73) a figura mais obscura da história da sua disciplina. Isso se explica pelo fato de Ricardo não ter uma linguagem clara e acessível. Inclusive, aconselha o leitor: “ [...] após o exaustivo exercício de compreendê-la (a obra de Ricardo), pode sentir uma certa liber- dade de escolher no que ele prefere acreditar”. Essa consideração também é semelhante no manual de Hunt (1989), que destaca ser Ricardo, o mais rigoroso economista clássico. Em que a capacidade do pensador britânico de construção de um modelo abstrato de como funcionava o capitalismo e dele deduzir todas as suas implicações lógicas, foi, em sua época, insuperável. É tão representativa, caro(a) leitor(a), a contribuição de David Ricardo para história do pensamento econômico, que sua teoria econômica estabeleceu um estilo de modelo próprio que perdura na ciência econômica até os dias atuais. Napoleoni (2000 p. 85) atribui à Ricardo a seguinte definição para a Economia Política: David Ricardo Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 93 [...] a ciência que se ocupa da distribuição do produto social entre as classes nas quais se acha dividida a sociedade. [...] a Economia se ocupa com a distribuição do produto entre salários, lucros e renda fundiária (NAPOLEONI, 2005, p. 35). Para buscarmos o entendimento do pensador inglês, partimos da noção de que há, na teoria ricardiana, três elementos fundamentais, a saber: 1. Teoria do valor trabalho. 2. Teoria dos rendimentos decrescentes. 3. A teoria das vantagens comparativas. A TEORIA DO VALOR TRABALHO PARA RICARDO Para tratar da teoria do valor trabalho em Ricardo, é fundamental considerar a questão da utilidade das mercadorias. A utilidade, portanto, não é a medida do valor de troca, embora lhe seja absolutamente essencial. Se um bem não fosse de certo modo útil [...], seria destituído de valor de troca, por mais escasso que pudesse ser, ou fosse qual fosse a quantidade de trabalho necessário para pro- duzi-lo. Possuindo utilidade, as mercadorias derivam seu valor de troca de duas fontes: de sua escassez e da quantidade de trabalho necessária para obtê-las (RICARDO, 1982, p. 43). A noção inicial é a de que para que uma mercadoria tenha valor de troca, necessariamente deve ter valor de uso. A utilidade (satisfação subjetiva de uma necessidade) não é a medida de valor de permuta, embora seja essencial para ela. Possuindo utilidade, as mercadorias emanam seu valor de troca de duas origens: 1. Escassez. 2. Quantidade de trabalho exigida para obtê-las. Em que pese os trabalhos de arte raros, livros clássicos, vinhos de quali- dade peculiar, em que o único determinante é a escassez, a maioria das mercadorias é reprodutível. E é sobre esse contexto de mercadorias que Ricardo adotou sua teoria de valor do trabalho. A ESCOLA CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E94 De acordo com Ricardo: o valor de troca de uma mercadoria depende do tempo de trabalho necessário para produzi-la. O tempo de trabalho não inclui apenas o esforço empreendido na fabricação da própria mercadoria, mas tam- bém o trabalho incluído na matéria-prima e nos bens de capital consumidos no processo de produção. Você pode estar se questionando acerca de que essa teoria do valor não explica, por exemplo, o fato de um funcionário muito eficiente gastar menos tempo para a produção de uma mercadoria em relação a outro funcionário com menos habilidade. Ricardo reconheceu que nem toda mão de obra é de igual qua- lidade. Trabalhadores altamente eficientes podem produzir mais em uma hora de trabalho do que trabalhadores pouco eficientes. Diferentes mercadorias são produzidas com grandes variações nas combinações de tipos de mão de obra empregada. No entanto, no mercado, o valor relativo de troca é igual. TEORIA DOS RENDIMENTOS DECRESCENTES A modesta compreensão desse enigmático pensador britânico, passa, essencial- mente, por três considerações elementares, sobre a contextualização da sua teoria: 1. Aspecto essencialmente rural, ou seja, caráter fundiário do seu pensamento. 2. A lei dos cereais. Já citamos anteriormente sobre a proibição por parte da Inglaterra em importar grãos. Ricardo vai considerar inconveniente as restrições às importações. 3. O conceito de rendimentos decrescentes na agricultura remonta à fisio- cracia. Em 1815, Malthus, Ricardo e outros pensadores, reformularam o princípio e o aplicaram ao aluguel da terra. É a partir de Ricardo que a economia recebeu sua primeira formulação de um princípio marginal. Ao utilizar a ideia de rendimentos decrescentes, com seu alto nível de abstração, bom domínio da lógica e no uso de raciocínio dedutivo. Muito embora, a expressão teoria dos rendimentos decrescentes não pode ser encontrada literalmentena obra de Ricardo. Ela é derivada da interpretação de suas ideias pelos estudiosos, que dali, abstraíram tal conceito. David Ricardo Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 95 Em um país dotado de terras disponíveis ricas e férteis não seriam cobradas rendas da terra. A diferença de qualidade das terras dá origem à renda, regulada pela intensidade dessa diferença. Supondo-se a existência de três faixas de terras, em que o emprego da mesma quantidade de fatores produtivos, dá ensejo à produção de 100, 90 e 80 unida- des de cereais. Conforme a figura abaixo. 100 90 80 Figura 3 - Rendimentos decrescentes Fonte: Rosa (2013). A produção da terra marginal trará uma receita suficiente para cobrir todas as despesas da produção mais a taxa média de lucros sobre o investimento na mão de obra e no capital. Caro(a) leitor(a), a própria definição de Ricardo é a seguinte, segundo suas próprias palavras: é apenas [...] porque a terra não é limitada em sua quantidade nem uniforme em sua qualidade e porque, com o aumento da população, é preciso usar terra de qualidade inferior, que se paga renda pelo seu uso. Quando com o progresso da sociedade, se cultivam terras do segundo grau de fertilidade, a terra de primeira qualidade começa imediatamen- te a dar renda e o volume desta renda dependerá da diferença de qua- lidade das duas terras. Quando se começa a cultivar a terra de terceira categoria, a terra de segunda categoria começa logo a dar renda, que é determinada, como antes, pela diferença de sua capacidade produtiva. Ao mesmo tempo, a renda da terra de primeira categoria aumentará, pois terá sempre que estar acima da renda da segunda, por causa da diferença entre seus produtos com determinada quantidade de capital e trabalho. Toda vez que a população aumenta, o país é obrigado a recor- rer à terra de pior qualidade para poder aumentar a oferta de alimentos, e a renda de toda a terra mais fértil aumenta (RICARDO, 1982, p. 35). A ESCOLA CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E96 Segundo Ricardo, a razão pela qual há aumento no valor comparativo dos produtos agrícolas é o emprego de mais trabalho para produzir a última porção obtida e não o pagamento de renda ao proprietário da terra. Nessa perspectiva comparativa, Ricardo foi o primeiro economista a argu- mentar coerentemente que o livre comércio internacional poderia beneficiar dois países, mesmo que um deles produzisse todas as mercadorias comerciali- zadas mais eficientemente do que o outro. O pano de fundo desse período era de significativo desenvolvimento econô- mico capitalista na Inglaterra por conta da Revolução Industrial e das radicais transformações advindas com a Revolução Francesa. A indústria têxtil era respon- sável por significativa fração das exportações britânicas. Ricardo justificava que: [...] cada país naturalmente se especializa nos ramos em que tem maio- res vantagens, isto é, em que seus custos de produção são menores do que os de seus parceiros. Na divisão internacional de trabalho, cada país apresenta vantagens naturais (solo, clima, minério etc.) ou artifi- ciais (mais capital acumulado, melhor infraestrutura), que determinam os produtos que pode obter com menor custo. Dessa maneira, os gran- des beneficiados pelo comércio internacional são os consumidores dos países importadores, pois podem dispor de produtos do mundo inteiro pelos menores preços. (RICARDO, 1982, p. 103). A inquietação de Ricardo com o crescimento da taxa de lucro é constante. De forma especial, no tocante aos capitalistas industriais. Isso fica claro nas suas palavras: é tão importante para o bem da humanidade que nossas satisfações sejam aumentadas pela melhor distribuição do trabalho — produzin- do cada país aquelas mercadorias que, por sua situação, seu clima e por outras vantagens naturais ou artificiais, encontra-se adaptado, tro- cando-as por mercadorias de outros países — quanto aumentar nossas satisfações por meio de uma elevação na taxa de lucros. (RICARDO, 1982, p. 96). Para que haja o aumento da taxa de lucros, é necessário uma redução dos salá- rios. Para que haja essa queda, é necessário uma queda dos preços dos gêneros de primeira necessidade, nos quais os salários são gastos. Se, portanto, por uma ampliação do comércio exterior, ou por melhoramentos na maquinaria, David Ricardo Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 97 os alimentos e os bens necessários ao trabalhador puderem chegar ao mercado com preços reduzidos, os lucros aumentarão. Nesse sentido, Ricardo era contra a Lei dos Cereais. Ele defendia o livre comércio internacional, de modo que para aumentar os lucros dos capitalistas, seria necessário reduzir os salários e uma maneira de obter tal redução seria a importação de víveres ou bens para a classe operária com preços mais baixos do que os produzidos internamente. Assim, a vantagem do comércio internacional se daria principalmente para os capitalistas que teriam seus lucros aumentados, bem como para os operários que não teriam seus salários reduzidos, necessa- riamente, com tal aumento dos lucros (GENNARI, 2009). Dessa maneira, para Ricardo (1982, p. 97), “num sistema comercial perfeita- mente livre, cada país naturalmente dedica seu capital e seu trabalho à atividade que lhe seja mais benéfica. Essa busca de vantagem individual está admiravel- mente associada ao bem universal do conjunto dos países”. Ricardo vai utilizar como exemplo elucidativo a comparação entre a produ- ção de vinho em Portugal com a produção de tecidos na Inglaterra. Nas trocas entre vinho e tecidos, a ideia da troca determinada pela quantidade de traba- lho fica comprometida, pois trata-se de dois países com grau de produtividade e condições de trabalho desiguais. Dessa maneira, “a quantidade de vinho que Portugal deve dar em troca dos tecidos ingleses não é determinada pelas respec- tivas quantidades de trabalho dedicadas à produção de cada um desses produtos, como sucederia se ambos fossem fabricados na Inglaterra ou ambos em Portugal”. É sobre a quantidade relativa de horas de trabalho para a produção das merca- dorias objeto do comércio que repousa o aspecto crucial da teoria das vantagens comparativas, nas palavras de Ricardo (1982, p. 98): [...] em Portugal, a produção de vinho pode requerer somente o traba- lho de 80 homens por ano, enquanto a fabricação de tecido necessita do emprego de 90 homens durante o mesmo tempo. Será, portanto, vantajoso para Portugal exportar vinho em troca de tecidos. Essa troca poderia ocorrer mesmo que a mercadoria importada pelos portugueses fosse produzida em seu país com menor quantidade de trabalho que na Inglaterra. Embora Portugal pudesse fabricar tecidos com o trabalho de 90 homens, deveria ainda assim importá-los de um país onde fosse necessário o emprego de 100 homens, porque lhe seria mais vantajoso A ESCOLA CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E98 aplicar seu capital na produção de vinho, pelo qual poderia obter mais tecido da Inglaterra do que se desviasse parte de seu capital do cultivo da uva para a manufatura daquele produto (RICARDO, 1992, p. 98). Isto posto, a Inglaterra poderia exportar tecidos e importar vinho de forma mais vantajosa do que se dedicasse tempo de trabalho para a produção de vinho, des- perdiçando horas de trabalho, que de outro modo, como na produção de tecidos, tornariaa indústria têxtil mais produtiva e teria mais tecidos e vinho do que se produzisse ambos. Do mesmo modo, a indústria de Portugal seria benéfica para ambos os países se produzisse vinho e trocasse pelos tecidos ingleses. OS UTILITARISTAS E A UTILIDADE É muito comum nos tempos atuais desejarmos ao outro FELICIDADE. Gianetti (2002) entende como intrínseco ao ser humano o propósito de alcançar uma vida feliz. Isso porque queremos, também, ser felizes. Para alguns a felicidade é ter casa própria, um carro específico, ter saúde, ter paz de espírito, ganhar uma medalha olímpica... O fato é que estamos sempre em busca da tal FELICIDADE!!!! Não vamos discutir o que é ser FELIZ! Não é nosso objetivo agora... Embora entendo que isso seja muito particular... Sem conceito específico. Estamos aqui para tratar de economia. E o que economia tem relação com felicidade? Tem sim... E muito!!! Somos dotados do precioso dom da vida! Lutamos a cada instante pela sobre- vivência. Para que isso ocorra, precisamos satisfazer nossos desejos, nossas necessidades. Essas necessidades podem ser de alimenta- ção, vestuário, saúde, transporte etc. Para ©shutterstock Os Utilitaristas e a Utilidade Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 99 que possamos cuidar dessas questões, precisamos de recursos... De dinheiro! Ganhamos nosso dinheiro mediante a venda da nossa força de trabalho, ou da atividade produtiva que resolvo empreender, ou do aluguel de um imóvel da minha propriedade, ou do serviço que presto para a sociedade como gestor finan- ceiro, cabeleireira, como alfaiate, eletricista, economista etc.Tudo isso, lembro, em busca da felicidade, que passa, necessariamente pela satisfação dos meus desejos. Em economia, a felicidade esteve em pauta desde seus primórdios: “Bentham, Mill e Smith incorporaram a busca da felicidade em seus trabalhos” (Graham, 2005, p. 5 apud CAMPETTI, 2013, p. 5, on-line)1. Já estudamos a questão da moral e o autointeresse em Smith. Vamos, neste ponto do nosso trabalho, estu- dar Bentham (1984), Say (1983), e Mill (1996) como pensadores relevantes e que muito contribuíram para a Escola clássica. O nosso intuito, por ora, não é tratar de economia da felicidade, embora seja um assunto que ganhou novo tônus nas discussões econômicas. Vamos traba- lhar sobre os utilitaristas e a questão do hedonismo. JEREMY BENTHAM Na economia tradicional, bem-estar é compreendido no sen- tido utilitarista e hedonista, sendo equiparado às condições materiais de vida dos indivíduos (renda e consumo) ou, no caso de uma nação, à renda agregada gerada em deter- minado período. De acordo com esta visão, o bem-estar é medido por meio de indicadores objetivos (CONCEIÇÃO; BANDURA, 2008 apud CAMPETTI, 2013, p. 5). A concepção hedonista remete à ideia de que as pes- soas perseguem as coisas que dão prazer e evitam as que provocam dor ou sofrimento. Todos os indivíduos procu- ram alcançar seu prazer total. Nesse caminho é que nos colocamos, economicamente falando, para tratar do pen- samento de Jeremy Bentham (1748-1832). ©shutterstock A ESCOLA CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E100 O pensador tinha como tema central o chamado utilitarismo ou princípio da felicidade maior. O utilitarismo se sobrepôs ao hedonismo (doutrina ética que tratamos acima) à medida em que reconheceu uma função positiva para a sociedade e moderou a perspectiva hedonista de caráter extremamente indivi- dualista. Se um indivíduo persegue apenas o prazer pessoal, sua ação promoverá um bem geral? Não necessariamente, pensou Bentham. A sociedade, porém, tem seus próprios métodos de obrigar os indivíduos a promover a felicidade geral. A principal contribuição de Bentham para o desenvolvimento da econo- mia não está no nível de suas análises, mas sim no âmbito de sua filosofia moral que concebeu a ação humana como um cálculo de prazeres e sofrimentos e que trouxe o princípio da utilidade para o centro das discussões. O utilitarismo cons- titui uma doutrina ética de acordo com a qual o bem se identifica com o que é útil. Com J. Bentham, contudo, esse pensamento se consolida como um sistema filosófico, segundo o qual a felicidade consiste em se obter aquilo que é útil e, ao mesmo tempo, em se afastar do sofrimento, tornando-se próximo do prazer. A idéia principal é que os seres humanos buscam maximizar a utilidade de maneira que buscam o máximo de prazer e, ao mesmo tempo, o mínimo de dor. Segundo Bentham, “a natureza colocou a humanidade sob o domínio de dois mestres soberanos, a dor eo prazer. Só eles podem mostrar o que devemos fazer. O princípio da utilidade reconhece esta sujeição e a aceita como fundamento de sua teoria social” (BENTHAM, 1984, p. 10). Bentham argumentou que a riqueza é uma medida de felicidade, mas tem uma utilidade marginal decrescente à medida que aumenta. De duas pessoas que têm fortunas desiguais, aquela que tem a maior riqueza deve, por um legislador, ser considerada como tendo a maior felicidade. Mas a quantidade de felicidade não continuará aumentando, em qualquer coisa, quase na mesma proporção que a quantidade de ri- queza: dez mil vezes a quantidade de riqueza não trará com ela dez mil vezes a quantidade de felicidade. Será até mesmo assunto de dúvida, se dez mil vezes a riqueza em geral trará com ela duas vezes a felicidade. O efeito da riqueza na produção de felicidade continua diminuindo, enquanto a quantidade pela qual a riqueza de um homem excede à daquele outro continua a aumentar: em outras palavras, a quantidade de felicidade produzida por uma pequena parte da riqueza (cada parte Os Utilitaristas e a Utilidade Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 101 sendo da mesma magnitude) será menor em cada parte. O segundo produzirá menos do que o primeiro, o terceiro menos do que o segun- do e assim por diante (BENTHAM, 1948 apud BRUE, 2016, p. 125). Aqui, Bentham introduziu a ideia da utilidade marginal do dinheiro, da mesma forma que Ricardo tratou da ideia da produtividade marginal em sua teoria da renda. Essa noção é fundamental para nosso entendimento ao tratar dos mar- ginalistas na Unidade IV. É importante destacar que Brue (2016) assinala que, apesar dos seus aspec- tos positivos (no sentido de que a grande devoção de Bentham era para o bem da maioria das pessoas), a filosofia e o pensamento econômico do pensador sofre- ram muitas críticas. Haja vista que as estimativas de prazer e de sofrimento são subjetivas. Elas variam de pessoa para pessoa. No decorrer do nosso trabalho do pensamento econômico, descobriremos que a análise da economia contemporânea não depende do pequeno “cálculo da felicidade” de Bentham (cálculo sofrimento-prazer) como uma base filosófica. Atualmente, a teoria econômica considera outros motivos e outros padrões de comportamento. A maioria dos economistas modernos também rejeita as com- parações de utilidade interpessoal. Apesar disso, poucos observadores negariam que uma grande parte do pensamento econômico contemporâneo, com sua ênfase sobre a escolha racional feita pela comparação dos custos e dos benefí- cios, tenha suas raízes firmemente plantadas no conceito do comportamento humano desenvolvido por Bentham. De qualquer modo, a maioria dos econo- mistas modernos vê o comportamento humano como uma atividade intencional. O que tem acontecido, de fato, é um movimento, na disciplina, em analisar racio- nalmente áreas pouco comuns, tais como adiscriminação, o casamento, o crime e o vício. Bentham estava certo quando afirmou: “Mas, eu plantei a árvore da utilidade. Plantei-a profundamente e espalhei-a totalmente”. A ESCOLA CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E102 JEAN BAPTISTE SAY Jean-Baptiste Say (1767-1832) foi um francês que popularizou as ideias de Adam Smith no continente. Teve como principal trabalho A treatise on political economy, publicado em 1803. A carreira de Say foi temporariamente interrompida, pois Napoleão se irritou com suas opiniões exageradas sobre o lais- sez-faire. Depois de algum tempo da derrota de Napoleão em Waterloo, Say trabalhou como professor de Economia e criou o ensino dessa disciplina na França. Tentou separar a economia da política e se reconhecia como herdeiro das ideias dos mer- cantilistas, dos fisiocratas e das obras clássicas de Adam Smith. Segundo a definição de Say, a produção não é uma criação de matérias, mas uma criação de utilidades. Ele se opôs à teoria do valor do trabalho da escola clássica, substituindo-a pela oferta e demanda que, por sua vez, são reguladas pelos custos da produção e da utilidade. Sobre a teoria do valor, nas palavras de Say (1983, p.10): [...] a utilidade é o fundamento do valor. O preço é a medida da uti- lidade. Quando não existem obstáculos à livre concorrência, nem in- tervenções estatais, os preços do mercado refletem adequadamente os valores reais, ou seja, a utilidade dos diversos produtos. O custo da produção não é mais do que uma limitação imposta ao produtor, um limiar aquém do qual ele se absterá de produzir, mas que não determi- na, de modo algum, o valor dos produtos. [...] trata-se, aqui, de uma total rejeição da teoria do valor-trabalho, assim como, também, de toda a distinção entre o valor de uso e o valor de troca. O valor de Say é um valor mercante que só define pela troca. Para Say, em sua teoria da utilidade, é atribuída ao consumidor uma importân- cia essencial, pois a procura é determinante para o estabelecimento do equilíbrio econômico. A demanda é o que define o que deve ser produzido. Os indivíduos vão ao mercado com o objetivo de maximizar sua utilidade e trocam os bens necessários por seu trabalho ou serviço, terra ou seu capital. O empresário, por sua vez, ocupa um lugar de relevância na sociedade, na medida em que está sem- pre objetivando atender à oferta desejada pela demanda e, assim, maximizar seu ©JovSkie ©shutterstock Os Utilitaristas e a Utilidade Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 103 lucro. Nesse ambiente teórico, o Estado não tem papel determinante algum, ape- nas deve abster-se de intervir no livre jogo das forças de mercado, ou seja, da oferta e da procura, que, se deixadas livremente, irão necessariamente estabele- cer e manter o equilíbrio econômico (GENNARI, 2009). Say(1983) afirma que “a demanda dos produtos em geral é tanto maior quanto mais ativa for a produção” ou “os produtos criados fazem nascer deman- das diversas”. Nas palavras mais conhecidas pelos economistas acerca da lei de Say: “Toda oferta cria sua própria demanda”. A abordagem do pensador pressupõe que a economia esteja em equilíbrio, e, portanto, as crises econômicas são fenômenos passageiros ou desequilíbrios temporários em determinados mercados. O entesouramento parece- -lhe absurdo, pois, no seu entender, o objetivo da poupança é sempre o investimento. Assim, os desequilíbrios parciais possuem a capacidade de autocorreção. Em última instância, o que reestabeleceria o equilíbrio seriam condutas racionais dos agentes econômicos em busca da máxima satisfação de suas necessidades pessoais, ou sua maximização (GENNARI, 2009). JOHN STUART MILL John Stuart Mill (1806-1873) foi o último grande economista da escola clássica, para Brue (2016), não há dúvida que Mill foi o maior, depois de Ricardo (1823). A escola clássica já estava em declínio durante a maturidade de Mill e ele partiu de alguns dos concei- tos chave construídos na estrutura clássica por Smith e Ricardo. A grande obra de Mill, Principles of political economy, publicada pela primeira vez em 1848 foi o principal compêndio até a publi- cação de Principles of economics, de Alfred Marshall, em 1890. Mill declarou-se discípulo de Bentham e Ricardo. Podemos pensar também que Mill foi o principal continuador e difusor do pensa- mento de Bentham. Hunt (1989) apresenta Mill como precursor da escola econômica neoclássica marshalliana, de modo a defender reformas liberais e, de certo modo, a intervenção governamental. A ESCOLA CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E104 Podemos perceber que Mill, diferentemente de Bentham, não acreditava que todos os atos fossem motivados pelo interesse próprio. Só acreditava que a maioria das pessoas, cujas personalidades fossem moldadas por uma cultura capitalista concorrencial, é que agiria com base no interesse próprio, em seu com- portamento econômico. Nessa perspectiva, Hunt (1989) entende que, apesar de um ponto de vista utilitarista e o fato de que o utilitarismo influenciou signifi- cativamente suas ideias, ele não era, afirma, um utilitarista convicto. Pensamos que um motivo para essa questão da convicção utilitarista de Mill seja porque na primeira obra, ele parece defender a visão de que devamos sempre maximizar a felicidade geral para todas as pessoas; na segunda, por outro lado, sustenta que a sociedade pode interferir na liberdade dos indivíduos somente para prevenir danos a terceiros, ou seja, não deveria haver interferência mesmo quando tal tenha a possibilidade de produzir grandes ganhos globais em felicidade. Na filosofia moral e política de Mill, destaca-se a liberdade e a espontanei- dade humana. Nas palavras de Mill (1996, p. 268): Depois de assegurados os meios de subsistência, a necessidade pessoal mais forte dos seres humanos é a liberdade; e (ao contrário das neces- sidades físicas, as quais, à medida que a civilização progride, se tornam mais moderadas e mais fáceis de controlar) a necessidade de liberdade aumenta de intensidade, em vez de diminuir, à medida que a inteli- gência e as faculdades morais se desenvolvem mais. A perfeição tanto das estruturas sociais como da moral prática, consistiria em assegurar a todas as pessoas independência e liberdade completas de ação, não sujeitas a nenhuma outra restrição senão a de não causar dano a ou- tros; a educação que ensinou ou as instituições sociais que exigiram que as pessoas trocassem o comando de suas próprias ações por qualquer soma de conforto ou influência, ou abdicassem à liberdade em função da igualdade, privaram as pessoas de uma das características mais ele- vadas da natureza humana. A teoria do valor em Mill consistia simplesmente no trabalho transformando os recursos naturais, nesse sentido, muito próximo à concepção de Ricardo, até porque Mill se considerava discípulo de Ricardo. Mill propôs, sob o aspecto internacional, que a oferta e a procura exterior poderiam ser analisadas com base na premissa de que cada país sempre seria forçado a equilibrar seu balanço internacional de pagamentos. De modo que a receita das exportações deveria ser igual às despesas com as importações. Os Utilitaristas e a Utilidade Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 105 Como verifica Sen (2007), autores como Adam Smith, John Stuart Mill, Karl Marx, se preocuparam mais com questõeséticas do que os escritos de William Petty, François Quesnay, David Ricardo, que se concentraram nos assuntos de logística e engenharia na Economia. Temos que, Stuart Mill pode ser conside- rado um autor de transição, sob a perspectiva do pensamento que dá maior foco aos aspectos ligados à produção da riqueza (pensamento antigo) e o pensamento econômico moderno que tem como objetivo de pensamento os aspectos ligados à distribuição da riqueza. É diante desse cenário que vamos conhecer um pensa- dor fundamental para a análise do sistema capitalista de produção: Karl Marx. David Hume (1711-1776) nasceu na Escócia 12 anos antes de seu compa- triota e amigo Adam Smith. Quando Smith publicou The theory of moral sentiments, Hume, utilizando um humor sardônico, escreveu que sob o ponto de vista do lucro que o livro causaria, era um bom livro. Fonte: Brue (2016). As ideias são inerentemente conservadoras. Elas não recuam diante do ata- que de outras ideias, mas, sim, diante do ataque maciço de circunstâncias contra as quais não conseguem lutar. (J. K. Galbraith) A ESCOLA CLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E106 CONSIDERAÇÕES FINAIS Prezado(a) aluno(a)! Essa unidade apresenta uma peculiaridade explicativa da economia atual. O pensamento que vigora tradicionalmente está pautado na escola clássica. Por isso, foi fundamental nosso conhecimento no tocante aos diversos pensadores como Adam Smith, Thomas Malthus, David Ricardo, Bentham, Say e Mill. Você deve ter percebido, que Adam Smith foi o fundador da economia como ciência. É, talvez, o mais conhecido economista da história. Ele vai escrever em um cenário histórico com forte clima intelectual da época: o iluminismo. Esse movimento intelectual se ergueu sob dois pilares: a habilidade de raciocínio das pessoas e o conceito de ordem natural. Conforme vimos na unidade anterior, a revolução científica associada a Newton estabeleceu que a ordem e a harmonia caracterizavam o universo físico. É muito clara a influência de Quesnay em Smith, de modo que chega a elogiar o “sistema fisiocrático” “com toda a sua imperfeição”. Em Malthus, o cenário histórico era de aumento substancial da pobreza e a questão da lei dos cereais, de modo a impor tarifas aos grãos importados. Você deve ter compreendido que a teoria da população de Malthus implicava em con- trole preventivo da população e, sobre as questões políticas, teve que rever a lei dos pobres. Haja vista que publicou primeiramente que o governo não deveria oferecer ajuda aos pobres e, nas edições posteriores teve que se desculpar. Nosso trabalho tratou também de David Ricardo, figura importantíssima que tem um trabalho que perdura até os dias atuais. Com grande destaque para a teoria dos rendimentos decrescentes e da renda. Nos utilitaristas, apresenta-se a questão que vimos, do hedonismo. Em que temos que maximizar o prazer e minimizar a dor. Essa teoria foi a base do que trataremos na unidade IV ao abordar Alfred Marshall. Nesse momento, nossa dimensão temporal está cercada de crises e pobreza, nesse ínterim surge a escola socialista, motivo de estudo da nossa próxima unidade. 107 1. Discorra sobre o conceito de preço natural. 2. Qual a função do Estado em relação à economia no pensamento de Adam Smith? 3. Discorra sobre a teoria de Malthus. 4. Apresente as principais ideias da filosofia hedonista que inspiraram os utilitaris- tas. 5. A Ciência Econômica apresenta profunda inter-relação com outras ciências. Tra- ta-se de um campo autônomo que relaciona política, história, geografia, psico- logia, sociologia, matemática, estatística entre outras áreas. Sobre esse estudo, analise as afirmativas abaixo: I. Na chamada pré-economia, antes da Revolução Industrial do século XVIII, que corresponde ao período da Idade Média, a atividade econômica era vista como parte integrante da Filosofia, Moral e Ética. II. O início do estudo sistematizado da Economia coincidiu com os grandes avanços na área da Física e Biologia nos séculos XVIII e XIX. III. Adam Smith é considerado o pai da Economia Política. É correto o que se afirma em: a. I, apenas. b. II, apenas. c. I e III, apenas. d. II e III, apenas. e. I, II e III. 108 LIBERALISMOS E EDUCAÇÃO. OU PORQUE O BRASIL NÃO PODIA IR ALÉM DE MANDEVILLE Bernard Mandeville, nascido e educado em Filosofia e Medicina na Holanda, transferiu-se depois para Londres com o propósito de estudar inglês. Em 1688 ou 1689 decidiu fixar-se na Inglaterra. A Fábula das abelhas, que foi sendo construída por partes no pe- ríodo de 1705 a 1729, é sua obra mais conhecida. Duramente criticada e até abominada por uns, exerceu grande influência, embora raramente reconhecida de forma explíci- ta. O ponto de partida foi o livreto anônimo de 1705 intitulado The Grumbling Hive: or, Knaves Turn’d Honest (A colmeia barulhenta ou a redenção dos trapaceiros). Esquecido por cerca de 10 anos, esse texto reapareceu em 1714 como parte de um livro anônimo intitulado The Fable of the Bees: or, Private Vices, Public Benefits (A fábula das abelhas: ou vícios privados, benefícios públicos), o qual teve grande repercussão, suscitando inten- so debate. Uma grande colmeia, repleta de abelhas que viviam no luxo e no conforto, afamada por suas leis e por sua população, constituía-se num grande viveiro das ciên- cias e da indústria. As abelhas não eram escravas da tirania nem eram regidas por louca democracia, mas por reis cujo poder era limitado por leis. Esses insetos viviam como homens, realizando em pequeno todos os atos humanos. Cada parte (cada profissão: das menos conhecidas às dos advogados, dos médicos, dos sacerdotes, dos soldados, dos governantes, dos juízes etc.) estava cheia de vícios, mas o conjunto era um paraíso; os próprios pecados da colmeia contribuíam para a sua grandeza. Mas é vã a felicida- de dos mortais! Ignorando os limites da bem aventurança, esses bichos murmurantes não mais se contentaram com seus ministros e governo. Antes, a cada infortúnio, quais criaturas perdidas sem remédio, maldiziam seus políticos, exércitos e frotas, ao grito de “Morram os trapaceiros!”, até que finalmente Júpiter, movido de indignação, prometeu libertar da fraude a uivante colmeia. E assim o fez. Nesse mesmo instante, a fraude ces- sou e todos os corações se encheram de honradez. Foi grande e súbita a mudança. O preço da carne baixou em meia hora em toda a nação. Os tribunais ficaram sem serviço, porque todos passaram a pagar de boa vontade as dívidas, até mesmo aquelas de que os credores se haviam esquecido. Da mesma forma nas demais atividades, mesmo entre os grandes ministros e os pequenos funcionários do rei: todos haviam passado a viver dos seus soldos. Na gloriosa colmeia combinavam agora honradez e comércio. Mas os sóbrios que haviam restado queriam saber não mais como gastar, mas como viver. Na taberna, ao pagar a conta, decidiam não mais voltar. A saciedade matara a indústria. 109 Haviam restado na colmeia tão poucas abelhas que só podiam dar conta da centésima parte frente aos embustes das outras colmeias. Mesmo sem mercenários, lutaram com bravura pelo que era seu, obtendo a coroa da vitória. Mas a que preço: calejadas de tanto trabalho e exercícios, agora consideravam vício o próprio descanso. E, para evitar extravagâncias, repletas de contentamento e honradez, emigraram para um tronco oco (Mandeville, 2001, p. 11-21). A moral da fábula é clara: Deixai, pois, de queixar-vos: so- mente os idiotas se esforçam para fazer de uma grande colmeia uma colmeia honrada. Querer gozar dos benefícios do mundo e ser famosos na guerra e viver com folga, sem grandes vícios, é vã utopia assentada no cérebro. Fraude, luxo e orgulho devem viver en- quanto desfrutamos de seus benefícios: a fome é,sem dúvida, uma praga terrível, mas, sem ela, quem prospera ou se alimenta? [...] Segundo Kaye (apud Mandeville, 2001, p. 65-77), a influência da obra de Mandeville se deu em três campos. Na literatura, a influ- ência foi superficial. No domínio da ética, o impacto foi forte, figurando Mandeville entre os principais promotores do desenvolvimento do utilitarismo moderno. Foi no campo da economia que sua influência mais se destacou (embora raramente reconhecida de forma explícita!) e isso particularmente em dois pontos: “na formulação da famosa teoria da divisão do trabalho, que Adam Smith converteu numa das pedras angulares do pen- samento econômico moderno”, e “como uma das principais fontes literárias da doutrina do Laissezfaire”. Mandeville antecipa, por assim dizer, duas formulações importantes do liberalismo econômico clássico: a noção de divisão de trabalho e a noção de liberdade econômica ou liberalismo econômico. Aliás, muito provavelmente Smith deve a Mande- ville esses conceitos de divisão do trabalho e de liberdade econômica, tão centrais em sua obra A riqueza das nações, de 1776. É sumamente interessante. Fonte: Ravanello (2009, on-line)2. MATERIAL COMPLEMENTAR Queimada Sinopse: um provocador inglês enviado à ilha fi ctícia de Queimada para incitar uma revolta de escravos contra o colonialismo português. Os ingleses servem-se dos sentimentos independentistas dos escravos para se apropriarem, eles próprios, do comércio do açúcar, mas a revolta dos escravos ganha pernas próprias e prova-se difícil de controlar. Marlon Brando é irrepreensível no papel de William Walker, um cínico mercenário inglês que compreende demasiado bem à lógica do lucro e à desumanidade do colonialismo para lhes ser indiferente. A edição crítica das obras de Ricardo foi organizada por Piero Sraff a com a colaboração de Maurice Dobb: The Works and Correspondence of David Ricardo. Seus 11 volumes foram lançados entre o fi nal as décadas de 1950 e 1970. Disponível em: <http://www.pensamentoeconomico.ecn.br/economistas/david_ricardo.html>. REFERÊNCIAS 111 BENTHAM, J. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. São Paulo: Nova Cultural, 1984. BRUE, S. História do Pensamento Econômico. São Paulo: Cengage Learning, 2016. CHANG, H. Economia: modo de usar - um guia básico dos principais conceitos eco- nômicos. São Paulo: Portfólio-Penguin, 2015. GALBRAITH, J. A era da incerteza. São Paulo: Universidade de Brasília, 1979. GENNARI, A. M.; OLIVEIRA, R. História do Pensamento Econômico. São Paulo: Sa- raiva, 2009. GIANNETTI, E. Felicidade: diálogos sobre o bem-estar na civilização. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. HUNT, E. História do Pensamento Econômico. Rio de Janeiro: Campus,1989. MALTHUS, T. Ensaio sobre a população. São Paulo: Abril Cultural, 1982. MILL, J. Princípios de Economia Política. São Paulo: Abril Cultural, 1996. NAPOLEONI, C. Smith, Ricardo e Marx. Rio de Janeiro: Graal, 2000. RICARDO, D. Princípios de economia política e tributação. São Paulo: Abril Cultu- ral, 1982. ROLL, E. A History of Economic Thought. Nova York: Prentice-Hall, 1971. ROSA C. S. M. O Livro da Economia. São Paulo: Editora Globo, 2013. SAY, J. Tratado de economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1983. SCHUMPETER, J. Teoria do desenvolvimento econômico: uma investigação sobre lucros, capital, crédito, juro e o ciclo econômico. São Paulo: Abril Cultural, 1997. SMITH, A. A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. São Paulo: Abril Cultural, 1996. SEN, A. Sobre ética e economia. São Paulo: Schwarcz, 2006. REFERÊNCIA ON-LINE 1 Em: <http://www.ihu.unisinos.br/images/stories/cadernos/ideias/195caderno- sihuideias.pdf>. Acesso em: 26 set. 2016. 2 Em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v14n41/v14n41a09.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2016. GABARITO 1. Trata-se do preço no longo prazo, abaixo do qual os empresários não continua- riam a vender seus bens. Nas palavras de Smith: “Preço natural é como o preço central ao redor do qual continuamente estão gravitando os preços de todas as mercadorias”. 2. Para Smith o Estado não deve intervir na economia. De modo que a “mão invísi- vel” se ocupa em organizar o bem-estar para toda a sociedade. 3. Para Malthus, a população devia sempre ser mantida no nível dos meios de sub- sistência. Segundo Malthus, o progresso da sociedade dependia do equilíbrio entre a população e os meios de subsistência, e, desse modo, tornava-se primor- dial compreender quais o fatores que possibilitaram tal equilíbrio. 4. A ideia fundamental do hedonismo é a de que os homens estão sempre perse- guindo as coisas que provocam ou aumentam o prazer e sempre tentando evitar as coisas que provocam a dor ou sofrimento. 5. E U N ID A D E III Professora Me. Carla Fabiana de Andrade Gonçalves Iori ESCOLA MARXISTA Objetivos de Aprendizagem ■ Conhecer a teoria da história de Marx. ■ Compreender a teoria do valor do trabalho para Marx. ■ Estudar a questão da acumulação no sistema capitalista. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ A teoria da história de Marx ■ A teoria do valor - trabalho ■ A teoria da exploração ■ O acúmulo de capital ■ O acúmulo de capital e a crise ■ A centralização do capital e a concentração de riqueza ■ O conflito de classes INTRODUÇÃO Caro(a) aluno(a), nesta unidade você perceberá que a escola Marxista surgiu entre 1840 e 1860 e podemos pensar que seu início foi marcado pela publicação das obras de Marx. Esse pensador formulou ideias tanto sobre questões intelec- tuais quanto sobre questões práticas, poucos são os intelectuais que tenham tido impacto equivalente às ideias dele. Apresentou sistema intelectual integrado, com argumentação contextualizada. Para que Marx pudesse se debruçar sobre seus estudos, contou com o apoio, inclusive e, principalmente financeiro, de Friederich Engels. Em 1867, publica sua magnus opus O Capital. Desenvolveu uma ferrenha crítica ao sistema capi- talista de produção. Você verá que Marx tenta descrever a sociedade em seis estágios, a saber: comunismo primitivo, imperialismo escravocrata, feudalismo, capitalismo, socia- lismo e comunismo. Nessa escola, o objeto de estudo é a luta de classes, de modo que ele via o conflito de classes como a força central da história. Você poderá per- ceber que na sua teoria há uma abordagem sob o aspecto histórico. Conforme Chang (2015), Marx deu atenção ao trabalho como tal. No sentido de que é o trabalho que caracteriza o ato social. Dessa forma, a crítica de Marx se voltava, entre outras, à desumanização do ser humano. O que vale no sistema de mercado é a exploração do trabalho, o clima da concorrência, em detrimento da pessoa. Isso se apresenta à medida que o trabalho é mercadoria. Acontece que é uma mercadoria especial, pois gera valor para o capitalista. De modo a possibilitar a acumulação. E como você poderá perceber, esse processo gera uma tendência à queda da taxa de lucro proporcionando um cenário de alteração dessa tendên- cia por parte dos capitalistas. Trata-se de uma abordagem fundamental para o entendimento de forma crítica do modo de produção capitalista, em que pese a teoria de Marx e sofra críticas por vários pensadores. Vamos em frente. Bons estudos! Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 115 ESCOLA MARXISTA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E116 A TEORIA DA HISTÓRIA DE MARX Marx nasceu na Prússia, em uma família judaica que se converteu ao protestantismo durante sua infância.Estudou direito, história e filosofia nas Universidade Vonn, Berlim e Jena e, aos 23 anos, recebeu o grau de doutor em filosofia. Casou-se com Jenny von Westphalenm, filha de um barão que ocupava um alto cargo no governo. Ela foi a companheira devota de Marx durante todos os embaraçosos momentos de sua carreira. Os cargos universitários sempre estiveram fechados a Marx devido ao seu radicalismo. Assim, ele se tornou jornalista, exi- lou-se na Alemanha e foi para Paris, onde estudou socialismo francês e economia política inglesa. Durante seu exílio em Paris, conheceu Engels, estabeleceram uma estreita relação de amizade, na qual Engels passa a se tornar, inclusive, colaborador e protetor financeiro de Marx. Juntos, Engels e Marx escreveram o Manifesto do Partido Comunista, em 1848. No quadro 1, temos os detalhes da biografia, intensa, diga- -se de passagem, da vida do pensador. Quadro 1 - Biografia de Karl Marx ANO FATO HISTÓRICO 1818 Nascimento de Karl Marx em Trier, na Renânia. 1836 Ingressou na Universidade de Bonn e depois continuou seus estudos na Universidade de Berlim. 1842 Tornou-se redator chefe da Gazeta Renana. 1843 Emigrou para Paris. 1848 Publicação de O manifesto comunista. 1848 Caía a monarquia de Luís Filipe e foi proclamada a República com a participa- ção efetiva do movimento operário. 1848 Marx e Engels voltaram para a Alemanha e fundaram a Nova Gazeta Renana. 1849 Expulso da Alemanha, transferiu-se para a França, de onde também foi expul- so, estabelecendo-se em Londres e, ali, passou a frequentar o Museu Britâni- co e a estudar as obras clássicas de economia política. ©shutterstock A Teoria da História de Marx Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 117 ANO FATO HISTÓRICO 1852 Publicou O 18 Brumário de Luís Bonaparte, em que analisa os acontecimen- tos na França, entre 1848 e 1951, que culminaram com o golpe de Estado. 1864 Participou da fundação da Primeira Internacional em Londres com o lema “a emancipação da classe operária deve ser obra dos próprios operários”. 1866 Concluiu o primeiro volume de O capital. 1870 As tropas de Luís Bonaparte foram derrotadas por forças prussianas. Paris foi sitiada. A população proclamou a República e declarou-se em comuna, isto é, em governo autônomo, contando com o apoio dos operários. 1871 Em A guerra civil na França, Marx defendeu que a comuna era a forma política finalmente encontrada pelos trabalhadores. A comuna foi esmagada por outro governo burguês que fez um acordo com os prussianos. 1875 Marx participou do partido Social-Democrata Alemão. 1876 A Internacional dissolveu-se oficialmente. 1883 Falecimento de Marx. Fonte: a autora. A dimensão temporal em que Marx está contextualizado era meados do século XIX. Adam Smith, David Ricardo e seus seguidores afirmaram ser de ordem natu- ral uma sociedade econômica na qual os homens possuíssem as coisas – fábricas, maquinaria, matérias-primas, bem como a terra – com as quais os bens eram produzidos. Os homens possuíam o capital ou meios de produção. Nesse sen- tido Karl Marx rompe com a maioria desses pensadores. Constrói a mais famosa descrição da teoria do valor-trabalho em sua obra magna O Capital. Essa noção de trabalho será discutida adiante, por ora, o fato, é que essa teoria implica na manifestação da existência da propriedade. E se revela a separação entre pro- prietários dos meios de produção e forças produtivas, isto é, entre as condições e instrumentos do trabalho, e o próprio trabalho. O autor apresenta um sistema intelectual integrado e completo, que inclui concepções bem elaboradas sobre ontologia, e epistemologia, a natureza humana, a natureza da sociedade, a rela- ção entre o indivíduo e o todo social e a natureza do processo da História Social. É tamanha a relevância desse autor que Galbraith (1979, p. 71) trata da dissidên- cia de Karl Marx com os economistas anteriores nas seguintes palavras: ESCOLA MARXISTA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E118 empreguei a palavra maciça para descrever a sua furiosa investida. Se concordarmos que a Bíblia é uma obra coletiva, apenas Maomé rivaliza com Marx no número de professos e devotados seguidores recrutados por um único autor. E a competição não é realmente acirrada. Os se- guidores de Marx agora superam em muito os filhos do Profeta. Beluzzo (2013) nos apresenta, que para Marx a socialização dos indivíduos se dá mediante o mercado, mas, no capitalismo, o mercado não é uma relação paralela entre vendedores e compradores. Isso implica uma abordagem diferenciada dos economistas anteriores a ele, que acreditavam na Lei de Say que “toda oferta cria sua própria demanda”, (Unidade II). As relações econômicas fundamentais estão constituídas, dessa maneira, por uma assimetria de poder entre os que possuem os meios de produção e os que, para sobreviver, são obrigados a vender livre- mente sua força de trabalho. A história do capitalismo é a narração da crescente subordinação do trabalho e do “empobrecimento” do indivíduo. Marx era um admirador do caráter progressista da burguesia e do capitalismo, ao mesmo tempo em que é um crítico impiedoso de uma estrutura social que desenvolve formas de dominação econômicas cada vez mais abstratas e distan- tes do alcance do indivíduo despossuído, mutilado e cerceado em sua atividade criativa. A questão não é propriamente monetária, no sentido de ter mais ou menos dinheiro no bolso. O indivíduo é mais pobre, à medida que o desenvolvi- mento capitalista “cria” necessidades e as ajusta diante do contexto de ampliação do lucro, “a qualquer custo”, na troca de mercadorias e em outros aspectos, que veremos adiante. Nas palavras de Beluzzo (2013, p. 15): a automação crescente do processo de trabalho e a tendência à concen- tração e centralização das forças produtivas assumem diretamente, em sua forma material, o automatismo da acumulação e seu caráter auto referencial, determinando o “empobrecimento” e a submissão da sub- jetividade dos indivíduos “livres” e de seu mundo da vida. Ao contrário do prometido, eles não conseguem escolher o seu destino, mas são tan- gidos por forças que lhe são estranhas, senão hostis. Marx acreditava que a opressão das formas econômicas que se apresentam como “naturais”, entra frequentemente em conflito com as aspirações do indivíduo moderno e isso abre a possibilidade da ação transformadora. O pensamento original de Karl Marx causa assombro até os dias de hoje, tanto para os liberais e os defensores do capitalismo, quanto para os intelectuais e trabalhadores que A Teoria da História de Marx Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 119 se opõem ao status quo. Desde o século XIX, sua influência vem se estendendo a todos os campos das ciências humanas. Na sociologia, na economia, na psi- canálise, na teoria da administração, na antropologia entre outras. Podemos encontrar adeptos da escola marxista. Talvez o principal motivo esteja na pro- fundidade e agudeza da crítica empreendida e desenvolvida ao longo de toda a obra. Nenhum trabalho de filosofia, de ciência natural, literatura ou pensamento social escapou aos estudos e à avaliação crítica de Karl Marx. Karl Marx não se limitou a estudar e entender a realidade histórica com os olhos de seus contemporâneos. Foi além e criou seu próprio método de aborda- gem: o materialismo histórico e dialético. Por sua originalidade e contundência, o método criado por Marx é considerado revolucionárioaté nossos dias, sendo estudado e utilizado por todos os intelectuais que se consideram pertencen- tes à Escola Marxista. Diante da vasta obra e relevância do autor para a história econômica, nosso desafio é pontuar os traços mais característicos do desenvol- vimento do pensamento do autor. Para desenvolver sua teoria de história, Marx combinou a dialética e o mate- rialismo. Esses termos são fundamentais no estudo sobre Marx. Em cada época histórica, os métodos predominantes ou as forças de produção produzem um conjunto de relações de produção que os suportam. Porém, as forças materiais de produção (tecnologia, tipos de capital, nível de habilidade de mão de obra) são dinâmicas: estão em constante mudança. Essas forças contrastam com as rela- ções materiais de produção (regras, relações sociais entre as pessoas, relações de propriedade), que são estáticas e reforçadas pela superestrutura. Essa supe- restrutura consiste em arte, filosofia, religião, literatura, música, pensamento político etc. Todos os elementos da superestrutura mantêm a conjuntura. Para Marx, a história é um processo por meio do qual as relações estáticas de produ- ção entram em conflito com as condições dinâmicas de produção. O resultado? O conflito revoluciona o sistema, de modo que novas relações de produção pos- sam permitir maior desenvolvimento das forças produtivas. O mecanismo de deposição das antigas sociedades é o conflito de classes. tem-se, dessa forma, a teoria materialista. ESCOLA MARXISTA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E120 É importante observar com atenção que, a cada modo de produção, a cons- ciência dos seres humanos se transforma. Um exemplo clássico é que há apenas 128 anos foi abolida a escravatura no Brasil (Lei Áurea em 13 de maio de 1888). Antes disso, era normal comprar e vender pessoas, hoje, esse tipo de prática é con- siderado com toda razão, um absurdo. As transformações constituem a maneira como, em cada época, a consciência interpreta, compreende e representa para si mesma o que se passa nas condições materiais de produção e reprodução da existência. Sobre essa teoria materialista, nas palavras de Marx 1982, p. 14): “Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência. Nesse sentido, a contribuição de Chauí (2014) é esclarecedora, pois mostra que Marx e Engels, ao contrário do que se pode pensar, não são as ideias huma- nas que movem a história, mas são as condições históricas que produzem as ideias. Ainda em Chauí (2014, p. 481): Materialismo porque somos o que as condições materiais (as relações sociais de produção) nos determinam a ser e a pensar. Histórico porque a sociedade e a política não surgem de decretos divinos nem nascem da ordem natural, mas dependem da ação concreta dos seres humanos no tempo. O materialismo histórico consiste na afirmação de que a sociedade é constituída a partir de circunstâncias materiais de produção e da divisão social do trabalho. As mudanças históricas são determinadas pelas transformações naquelas condi- ções materiais e naquela divisão do trabalho. E, ainda, é necessário afirmar que a consciência humana é determinada a pensar as ideias que pensa por causa das condições materiais instituídas pela sociedade. Atente-se: Materialismo: não tem relação com o sentido ético à medida que se busca de forma de medida por bens materiais. A ideia de materialismo é que somos o que as condições materiais (as relações sociais de produção) nos determinam a ser e pensar. Histórico, porque a sociedade e a política não surgem do nada, dependem da ação concreta dos seres humanos no tempo. A Teoria da História de Marx Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 121 A história é dinâmica à medida que é caracterizada por um processo de trans- formações sociais determinadas pelas contradições entre os meios de produção (a forma da propriedade) e as forças produtivas (o trabalho, seus instrumentos, as técnicas). Para Karl Marx, uma questão fundamental é a luta de classes. Nesse contexto, é esse conflito expresso nas contradições sociais que é o motor da his- tória. Por afirmar que o processo histórico é movido por contradições sociais, o materialismo histórico é dialético. Em o manifesto comunista, Marx chega a afirmar que “a história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história da luta de classes” (Marx, 2000, p. 8). Nesse panorama de contradições (dialética), Marx via a sociedade envolvida em seis estágios, conforme Quadro abaixo: Quadro 2 - Os seis estágios da história para Karl Marx ESTÁGIO DA HISTÓRIA DESCRIÇÃO Comunismo primitivo Não havia classes antagônicas. As pessoas possuíam terras em propriedade comum e cooperavam para obter seu sustento básico da natureza. Imperialismo Escravocrata A eficiência da produção chegou a tal ponto que os trabalhadores poderiam produzir mais do que o necessário para a própria subsistência. Assim, o trabalho escravo tornou-se lucrativo e surgiram a exploração e os conflitos de classes. Feudalismo Os servos tinham permissão para trabalhar algumas horas da semana nas terras que lhe foram desig- nadas, mas eram forçados a trabalhar na terra do senhor durante os outros dias. Isso era exploração clara. Os servos tinham mais estímulo ao trabalho que os escravos e o feudalismo trouxe maior desen- volvimento para as forças produtivas da sociedade. Capitalismo Grande aumento na produtividade e na produção desencadeado por ele. As técnicas de produção tornam-se cada vez mais concentradas e centraliza- das e o sistema de propriedade privada de capital torna-se um obstáculo ao progresso. Tornam-se evidentes o aumento do desemprego e o empo- brecimento da classe trabalhadora, provocando a revolta dos trabalhadores. O Estado torna-se um instrumento de força utilizado pelo sistema contra os trabalhadores. ESCOLA MARXISTA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E122 ESTÁGIO DA HISTÓRIA DESCRIÇÃO Socialismo A propriedade privada das mercadorias é permiti- da, mas o capital e a terra pertencem ao governo central, às autoridades locais ou à cooperativas promovidas e controladas pelo Estado. A produção é planejada, assim como a taxa de investimento, Tendo a força motriz do lucro e o mercado livre eliminados como força orientadoras da economia. Comunismo Sociedade sem classes. O mundo se uniria para o bem comum. Fonte: a autora. Valendo-se dessa teoria da história como perspectiva, Marx se ocupou em “expor a lei de movimento econômico da sociedade moderna”. Ele não traçou um esboço do socialismo; esse não era seu objetivo. Pelo contrário, procurou analisar as for- ças variáveis de produção em uma sociedade capitalista. Em outras palavras, ele quis determinar o processo por meio do qual as forças de produção, no capita- lismo, produziram sua antítese e inevitável queda, assim, como aconteceu com a escravidão e o feudalismo no passado. Brue (2016) apresenta de forma ordenada os conceitos inter-relacionados para construir a teoria do capitalismo: 1. A teoria do valor - trabalho. 2. A teoria da exploração. 3. O acúmulo de capital. 4. O acúmulo de capital e a crise. 5. A centralização do capital e a concentração de riqueza. 6. O conflito de classes. Vamos procurar descrever cada um desses conceitos em uma modesta apresentação. © shutterstock Teoria do Valor - Trabalho Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e Lei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 123 TEORIA DO VALOR - TRABALHO É por meio da análise das “mercadorias” que Marx inicia seu Capítulo I, da obra O Capital (2012, p. 57): a riqueza das sociedades onde rege a produção capitalista configura- -se ‘imensa acumulação de mercadorias’, e a mercadoria, isoladamente considerada, é a forma elementar dessa riqueza. Por isso, nossa investi- gação começa com a análise da mercadoria. A mercadoria é, antes de mais nada, um objeto externo, uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz necessidades humanas, seja qual for a natureza, a origem delas, provenham do estômago ou da fantasia. Não importa a maneira como a coisa satisfaz a necessidade humana, se di- retamente, como meio de subsistência, objeto de consumo, ou indire- tamente, como meio de produção. Cada coisa útil, como ferro, papel etc., pode ser considerada sob duplo aspecto, segundo qualidade e quantidade. Cada um desses objetos é um conjunto de muitas propriedades e pode ser útil de diferentes modos. Constituem fatos históricos a descoberta dos diferentes modos, das diversas maneiras de usar as coisas e a invenção das medidas, social- mente aceitas, para quantificar as coisas úteis. A variedade dos padrões de medida das mercadorias decorre da natureza diversa dos objetos a medir e também da convenção. A utilidade de uma coisa faz dela um valor-de-uso. Mas essa utilidade não é algo aéreo. Determinada pelas propriedades materialmente inerentes à mercadoria, só existe através delas. A própria mercadoria, como ferro, trigo, diamante etc., é, por ESCOLA MARXISTA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E124 isso, um valor-de-uso, um bem. Esse caráter da mercadoria não depen- de da quantidade de trabalho empregado para obter suas qualidades úteis. [...] na forma de sociedade que vamos estudar, os valores de uso são, ao mesmo tempo, os veículos materiais do valor-de-troca. O valor de troca revela-se, de início, na relação quantitativa entre valores de uso de espécies diferentes, na proporção em que se trocam, relação que muda constantemente no tempo e no espaço. É importante aqui perceber que a mercadoria é um objeto externo ao homem, algo que pela suas peculiaridades satisfaz uma necessidade humana qualquer, material ou espiritual - a sua utilidade, determinada pelas suas propriedades, faz dela um valor de uso. A mercadoria é produzida por ter um valor de uso, mas que está destinada à troca. Se fosse produzida para autoconsumo, por exemplo: o móvel que um mar- ceneiro produz para sua própria casa, não são mercadorias. Somente, um bem que satisfaz uma necessidade. É nesse sentido que o valor de uso é o veículo do valor de troca. E o valor de troca, implica, necessariamente, na faculdade que uma mercadoria tem em ser trocada ou vendida. Assim, portanto, a mercado- ria é uma unidade que sintetiza valor de uso e valor de troca. Para que haja produção de mercadorias, é necessário que haja divisão social do trabalho e propriedade privada dos meios de produção. Para que as mercadorias sejam produzidas, faz-se necessário que o tra- balho seja repartido em diferentes homens, ou diferentes grupos de homens. Caracterizando a divisão social do trabalho. Essa é uma pré-condição para que haja produção no sistema capitalista. Mas não somente! Para Marx essa questão deve se articular à propriedade privada dos meios de produção. Ou seja, impre- terivelmente para que haja produção, é necessário a divisão social do trabalho e a propriedade dos meios produtivos. Historicamente, a produção mercantil é um fruto tardio do processo de constituição da sociedade humana- suas primeiras formas surgem quando a comunidade primitiva se desintegrou. Ela aparece no modo de produção escravista, fazendo com que em inúmeras sociedades assentadas sobre o escravismo exista um segmento, maior ou menor, de relações mercantis. No modo de produção feudal, esse segmento cresceu significativamente, em especial a partir do século XVIII (como vimos na Unidade I sobre as Cruzadas e o comércio). todavia , nem o escravismo, nem o feudalismo podem ser considerados modos de Teoria do Valor - Trabalho Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 125 produção de mercadorias; rigorosamente, apenas o modo de produção capitalista caracteriza-se como um modo de produção de mercadorias (NETTO, 2012, p. 93). Caro(a) leitor(a), agora você está num ponto importantíssimo para o entendi- mento da teoria do valor do trabalho para Marx. Eu e você vimos os conceitos de valor de uso e valor de troca. Mas o que determina o valor de uma mercadoria? A expressiva resposta de Marx: o tempo de trabalho socialmente necessário embu- tido na mercadoria. Ou seja, considerando-se as condições normais de produção, a competência média e a intensidade do trabalho no tempo. O tempo de traba- lho socialmente necessário inclui, o trabalho direto na produção da mercadoria, o trabalho embutido no equipamento e na matéria-prima utilizados durante o processo de produção e o valor transferido à mercadoria durante esse processo. Suponha que o tempo de trabalho médio contido em uma bicicleta seja de 10 horas. Esse trabalho socialmente necessário determinará o valor da bicicleta. Se um trabalhador for incompetente e precisar de 20 horas para produzir uma bicicleta, esse valor ainda será de 10 horas. Imagine que um trabalhador ou um funcionário lidere o campo da tecnologia e eficiência e produza uma bicicleta em cinco horas de trabalho. Seu valor, no entanto, é 10 horas, o custo médio do tra- balho para toda a sociedade, isto é, o tempo de trabalho socialmente necessário. Conforme Brue (2016) a teoria do valor do trabalho de Marx difere da teoria de Ricardo em um ponto importante: para Marx, o tempo de trabalho determina o valor absoluto de produtos e serviços; no caso de Ricardo, eram os valores rela- tivos de diferentes mercadorias proporcionais ao tempo de trabalho. Quando a teoria do valor-trabalho dominava o pensamento econômico, en- frentou uma série de críticas baseadas em questões paradoxais: se os caste- los de areia resultam de trabalho, por que não têm valor? A resposta de Marx foi que nem tudo feito pelo trabalho tem valor, o trabalho pode ser despen- dido em bens que ninguém quer. É claro que isso é uma exceção à regra. Fonte: Brue (2016). ESCOLA MARXISTA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E126 A TEORIA DA EXPLORAÇÃO Essa teoria tem relação com o aspecto da mercado- ria à medida em que ela possui valor de troca. Nesse sentido, como o capitalista obtém lucro? De acordo com Marx, a resposta é comprando aquela mercado- ria que possa criar um valor maior do que seu próprio valor. Brue (2016) contribui com sua afirmação: “essa mercadoria é a força de trabalho!”. Atente-se para o detalhe: força de trabalho apresenta um conceito diverso de tempo de trabalho. Força de trabalho → habilidade de um indivíduo em trabalhar e produzir mercadorias. Tempo de trabalho → é o processo e duração reais do trabalho. A força de trabalho é, por si só, uma mercadoria comprada e vendida no mer- cado; é elementar para que o capitalista possa auferir lucro. O que determina o valor da força de trabalho? Brue (2016, p. 179) nos apresenta a noção de que, para Marx, a resposta é o tempo de trabalho socialmente necessário para produzir as necessidades culturais de vida consumidas pelos trabalhadores e sua família. Se essas necessidades pudessem ser produzidas em quatro horas de tra- balho por dia, o valor da força de trabalhoda mercadoria seria quatro horas de trabalho por dia. Se a produtividade do trabalhador dobrasse, esses artigos de subsistência poderiam ser produzidos em duas horas por dia, e o valor da força de trabalho cairia 50% (BRUE, 2016, p.179). Destaque para dois pontos: 1. Os empregadores pagam aos trabalhadores salários equivalentes à força de trabalho do trabalhador, isto é, eles pagam o salário de mercado vigente. 2. Esse salário de mercado é suficiente apenas para comprar a subsistência cultural (entende-se aqui como subsistência não necessariamente fisio- lógica, mas o fruto de um “desenvolvimento histórico”, que incorporava A Teoria da Exploração Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 127 os hábitos a que o trabalhador estivesse acostumado) necessária para a sobrevivência e perpetuação da força de trabalho. Para Marx o motivo desse salário de subsistência não tem relação com o cresci- mento demográfico de Malthus (Unidade II). O autor defendia que o capitalismo produz um “exército industrial de reserva”. Esse excesso de força de trabalho impõe, ao longo do tempo, que o salário médio permaneça próximo ao nível cultura de subsistência. À medida em que o valor do trabalho é o custo da sobrevivência, ou seja, o salário é o preço da mercadoria força de trabalho, a exploração do trabalho acontece, da seguinte maneira: o capitalista paga ao trabalhador o equivalente ao valor de troca da sua força de trabalho e não o valor criado por ela na sua utilização (uso) - e este último é maior que o primeiro. Esse é o conceito de mais- -valia (NETTO, 2012). A exploração dos trabalhadores = a extração da mais-valia pelos capitalistas. ESCOLA MARXISTA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E128 O ACÚMULO DE CAPITAL É por meio da reprodução ampliada de capital que o capitalista realiza o acú- mulo de capital. Em linhas gerais, pari passu a apropriação da mais-valia pelo capitalista, uma parte é convertida para garantir seus gastos pessoais e a outra parte é reconvertida em capital. Isto é, utilizada para ampliar a escala da sua pro- dução de mercadorias (aquisição de novas máquinas, contratação de mais força de trabalho etc). O ACÚMULO DE CAPITAL E A CRISE Na produção capitalista de larga escala, o processo de troca torna-se M→C→M, em que as pessoas compram para vender, em vez de vender para comprar. O dinheiro é trocado por mercadorias, como força de trabalho, matéria-prima e equipamentos. Os produtos são vendidos, então, para a obtenção de dinheiro. No entanto, esse processo não faz sentido, se os dois Ms são iguais. Assim, a repre- sentação correta do processo capitalista é M→C→M’, em que M’ é maior que M pelo total da mais-valia obtida com trabalhadores produtivos. Esse é o processo de investimento expandido, nas palavras de Marx na crítica a Nassau Senior: “ Acumulai, acumulai! Eis Moisés e os profetas!” ©shutterstock O Acúmulo de Capital Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 129 Usando as palavras de Brue (2016, p. 186) para esclarecer a crise: O investimento rápido em capital e mão de obra aumenta temporaria- mente a demanda e eleva os salários que os capitalistas devem pagar. No entanto, esses salários maiores conduzem à uma redução das taxas de mais-valia e de lucro, encerrando a expansão e enviando a economia para a direção oposta. A depressão resultante destrói o valor monetá- rio do capital fixo, permitindo que os capitalistas maiores adquiram todas as empresas menores a preço de barganha. Além disso, algumas fábricas fecham, os preços das mercadorias caem, os créditos ficam li- mitados e os salários são reduzidos. As taxas de mais-valia e de lucro ficam, então, restauradas e o investimento aumenta novamente. ‘A es- tagnação atual da produção teria preparado uma posterior expansão da produção dentro dos limites do capitalismo.’ Cada um desses ciclos comerciais, de acordo com Marx, tem maior magnitude do que os an- teriores, contribuindo para as condições que produzem luta de classes e revolução social. A CENTRALIZAÇÃO DE CAPITAL E A CONCENTRAÇÃO DE RIQUEZA O processo de acumulação estimula e, simultaneamente, é estimulado por inova- ções tecnológicas, conforme essas medidas permitem aos capitalistas a redução de seus custos. Isso porque a acumulação de capital que incrementa a produção de mais-valia é o objetivo perseguido no modo capitalista de produção. Conforme Netto (2012, p.142): Todavia, esse objetivo é tanto da classe capitalista tomada em seu con- junto quanto de cada capitalista tomado singularmente; por isso, no processo de acumulação de capital, os capitalistas não têm apenas que explorar a força de trabalho; devem, ainda, competir entre si. De fato, a concorrência intercapitalista, que pode assumir formas mais ou menos agudas - mas que é constitutiva do modo de produção capitalista -, põe cada capitalista diante da alternativa: ou acumula capital ou desaparece. Por isso mesmo, também a acumulação é uma tendência e um processo permanentes no modo capitalista de produção; quando sua continui- dade é perturbada ou interrompida, sobrevêm as crises. ESCOLA MARXISTA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E130 A dinâmica do acúmulo de capital e a tendência a recorrentes crises comer- ciais centralizam a propriedade do capital e concentram a riqueza nas mãos de menos pessoas. O capital cresce em um determinado lugar para uma grande massa porque em outro lugar ele foi perdido por muitos. [...] a batalha da concorrência é disputada barateando-se as mercadorias. O preço baixo das mercadorias depende, coeteris paribus, da produtividade da mão de obra, que novamente depende da escala de produção. Portanto, os maiores capitais batem os menores. Lembremos ainda que, com o de- senvolvimento do modo de produção capitalista, há um aumento no total mínimo de capital individual necessário para que a comerciali- zação e a negociação ocorram em condições normais. Os capitalistas menores, portanto, insistem em esferas de produção que a indústria moderna dominou apenas esporadicamente ou de forma incompleta. Essa competição torna-se acirrada na proporção direta com o número e na proporção inversa com a magnitude dos capitalistas antagônicos. Ela sempre termina com a decadência de muitos pequenos capitalistas, cuja parte dos capitais passa para as mãos de seus conquistadores e parte desaparece. Fora isso, com a produção capitalista, uma nova força conjunta entra em cena - o sistema de crédito. No início, o sistema de crédito aparece como um modesto ajudante do acúmulo e retira, em montantes invisíveis, os recursos monetários espalhados pela superfície da sociedade nas mãos de capitalistas indi- viduais ou reunidos em associações. Mas, logo ele se torna uma nova e formidável arma na luta da concorrência e, finalmente, se transforma em um imenso mecanismo social para centralização de capital. (Marx, 2012, p. 686-687). Coeteris Paribus ou Ceteris Paribus é uma expressão latina muito utilizada em economia e quer dizer “tudo o mais constante”. Fonte: a autora. O Conflito de Classes Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 131 O CONFLITO DE CLASSES A concentração de riqueza nas mãos de cada vez menos capitalistas e o empobre-cimento absoluto e relativo dos trabalhadores definem o estágio para o conflito de classes. Karl Marx disse que as pessoas são movidas pelo desejo de se ligar a ou- tras e que isso as fazem felizes. Mostramos tal desejo por meio do trabalho. Quando uma pessoa faz um produto, ele representa a sua personalidade. Quando uma pessoa faz um produto, ele representa a sua personalidade. De modo que o produtor se compraz não apenas porque satisfez a necessidade de outra pessoa, mas também porque o comprador confirma a “bondade” da personalidade do produtor. O capitalismo destrói a essência da huma- nidade, declarou Marx, pois afasta o trabalhador daquilo que ele produz. As pessoas não mais controlam sua produção; são apenas contratadas para fazer algo a que elas deram pouca contribuição criativa e que muito pro- vavelmente não consumiram nem negociaram. A natureza cooperativa da sociedade se perde, porque as pessoas são isoladas na concorrência por em- prego. Marx afirmou que é esse distanciamento do nosso trabalho que nos deixa infelizes. Fonte: O Livro da Economia (2013). © shutterstock ESCOLA MARXISTA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E132 Todas as mercadorias, enquanto valores, são trabalho humano objetivado. (Karl Marx) Considerações Finais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 133 CONSIDERAÇÕES FINAIS Caro(a) aluno(a)! Nessa unidade caminhamos na trilha do conhecimento acerca da teoria Marxista. Vimos que a mercadoria é um objeto que tem um duplo valor: valor de uso e valor de troca, que é o valor propriamente dito. Adentramos num universo que nos permitiu perceber que o valor de troca, é o trabalho humano necessário para produzir essas mercadoria. Ou seja, a substância do valor da mercadoria está no trabalho humano e a grandeza desse valor é determinada pela grandeza do trabalho humano. Em outro momento, nós fizemos a pergunta: de que maneira nasce o capi- tal? E a resposta encontrada por Marx está em uma fórmula simples, mas cheia de subjetividade. A fórmula: M→C→M’ que expressa que os giros da mercadoria e do dinheiro representam um aumento progressivo. O capital precisa encontrar uma mercadoria que dê mais dinheiro do que se gastou em sua compra, para que ele possa acumular. E essa mercadoria singular é a força de trabalho. Se o trabalhador pudesse realizar por si mesmo o valor do próprio traba- lho, se ele não precisasse vender a sua força de trabalho, o modo de produção capitalista nem poderia existir, segundo Marx. Destarte, fomos apresentados ao que Marx considerava os seis estágios que envolviam os modos de produção da sociedade: comunismo primitivo, imperialismo escravocrata, feudalismo, capi- talismo, socialismo e comunismo. Por fim, o processo que ocorre entre a acumulação e a concentração de riqueza. Em que o processo de acumulação estimula e, simultaneamente, é esti- mulado por inovações tecnológicas. Conforme essas medidas permitem aos capitalistas a redução de seus custos. Isso gera a acumulação de capital que incre- menta a produção de mais-valia que é o objetivo perseguido no modo capitalista de produção. Agora que você já conhece um pouquinho mais desse pensador, ampla- mente conhecido na história econômica. Podemos avançar para conversarmos sobre a Escola neoclássica. 134 1. Discorra sobre o materialismo no contexto da teoria Marxista. 2. Marx via a sociedade envolvida em seis estágios. Discorra sobre eles. 3. “Acumular significa juntar, juntar, amontoar, amontoar riquezas, fazer fortuna. Tudo isso só é possível à acumulação de capital se ele se nutrir sempre mais e mais da mais-valia” (CAFIERO). Com base nesse fragmento de texto e, com a obra de Karl Marx, analise as afirmativas abaixo: I. Para Marx, a exploração dos trabalhadores é representada por meio da mais- -valia. II. O ponto de partida de Marx foi a análise das vantagens comparativas. III. Marx era adepto do liberalismo econômico. Está correto o que se afirma em: a. I, apenas. b. II, apenas. c. I e II, apenas. d. II e III, apenas. e. I, II e III. 4. Marx inicia sua análise, mediante o Capítulo I de O Capital, com a abordagem das mercadorias. Sobre elas, apresente os dois tipos de valores possíveis. 5. Por que, para Marx, havia conflito de classes? 135 O CAPITALISMO ONTEM E HOJE Texto extraído do site do partido comunista do Brasil. Referente ao XIV Congresso do Partido. Texto adaptado pela autora. Ao contrário do que sempre pregaram os economistas e filósofos liberais, o capitalismo não se caracteriza como um conjunto de práticas e hábitos resultantes de uma deter- minada “natureza humana”, de uma “inclinação natural” dos homens a comerciar, per- mutar e trocar. Segundo o modelo liberal e mercantil de explicação do surgimento do capitalismo, este teria nascido e se criado na cidade: qualquer cidade, com suas práticas de intercâmbio e comércio, era, por natureza, capitalista em potencial. Nas sociedades anteriores, ao pleno desenvolvimento do capitalismo, obstáculos externos à lógica de funcionamento da economia teriam impedido que qualquer civilização urbana desse origem ao capitalismo. A religião errada, o tipo errado de Estado, grilhões ideológicos, políticos ou culturais teriam servido como obstáculos à afirmação plena da “natureza humana” ao comércio e à troca. Marx rompeu com a tese liberal do surgimento do capitalismo, ao insistir na especifi- cidade do capitalismo e de suas leis de movimento, considerando que os imperativos específicos do capitalismo – sua fúria competitiva de acumulação por meio do aumento da produtividade do trabalho – eram muito diferentes da lógica ancestral da busca do lucro comercial e, não era possível identificar manifestações do capitalismo ao longo de toda a história humana. A diferença básica entre as sociedades pré-capitalistas e capitalistas tem a ver com as relações particulares de propriedade entre produtores e apropriadores, seja na agricul- tura ou na indústria: nas sociedades anteriores ao capitalismo, os produtores diretos (camponeses) permaneciam de posse dos meios de produção, particularmente a terra e, o trabalho excedente era expropriado por meio da coerção direta (meios extra econô- micos), exercida por grandes proprietários ou pelos Estados, que empregavam sua força superior – o poder militar, jurídico e político. Somente no capitalismo, o modo de apropriação passa a se basear na desapropriação dos produtores diretos legalmente livres, cujo trabalho excedente é apropriado por meios puramente econômicos: desprovidos de propriedade, os produtores diretos são obrigados a vender a força de trabalho para sobreviver, e os capitalistas podem apro- priar-se do trabalho excedente dos trabalhadores sem uma coação direta. Capital e trabalho são profundamente dependentes do mercado para obter as condi- ções mais elementares de sua reprodução: os trabalhadores precisam dele para vender a força de trabalho e adquirir os meios de sua subsistência; os capitalistas, para comprar a força de trabalho e os meios de produção, bem como para realizar seus lucros. O mer- cado passa a ser determinante e regulador principal da reprodução social, penetrando inclusive na produção da necessidade mais básica da vida: o alimento. Criam-se os im- perativos da competição, da acumulação e da maximização do lucro. 136 Na verdade, o capitalismo não nasceu na cidade, mas no campo, num lugar específico e numa época definida. As forças competitivas foram fatores fundamentais na expro- priação violenta dos produtores diretos (camponeses), conforme descreveu Marx, com riquezade detalhes, em A Assim chamada acumulação primitiva (Livro I, volume 2 de O Capital). Os cercamentos das terras comunais e dos campos abertos ingleses represen- taram, de fato, a extinção, com ou sem a demarcação física das terras, dos costumes em comum e dos direitos consuetudinários (costumeiros) dos trabalhadores e pequenos proprietários, buscando a criação extensiva de ovelhas ou o cultivo de terras aráveis com maior produtividade. Assim também nascia uma nova concepção de propriedade privada: a propriedade, no capitalismo agrário nascente, passava a ser, além de privada, absoluta e exclusiva, ao excluir grandes contingentes de indivíduos e comunidades do acesso à terra e aos meios de produção. A possibilidade de crise no capitalismo nasce da produção desordenada e do fato pelo qual a extensão do consumo, pressuposição necessária da acumulação capitalista, entra em contradição com outra condição, a da realização do lucro, já que a ampliação do con- sumo de massas exigiria aumento de salários, o que provocaria redução da taxa de mais- -valia. Tal contradição insanável faz com que o capital busque compensá-la por meio da expansão do campo externo da produção, isto é, da ampliação constante do mercado. Quanto mais a força produtiva se desenvolve, tanto mais entra em antagonismo com a estreita base da qual dependem as relações de consumo. Portanto, a crise periódica é inerente ao capitalismo, pois somente pode ser resultante das condições específicas criadas pelo próprio sistema. Segundo a teoria exposta originalmente por Marx no Livro III de O Capital, quanto mais se desenvolve o capitalismo, mais decresce a taxa média de lucro do capital. Esta ideia fundamenta-se no fato de que o processo de acumulação capitalista leva, necessaria- mente, ao aumento da composição orgânica do capital, a qual é apontada como sendo a relação existente entre o capital constante (o valor da quantidade de trabalho social utilizado na produção dos meios de produção, matérias-primas e ferramentas de tra- balho, ou seja, o “trabalho morto” representado, basicamente, pelas máquinas e pelos insumos necessários à produção) e o capital variável (valor invertido na reprodução da força de trabalho, o “trabalho vivo” dos operários). O processo de acumulação resulta na tendência à substituição do “trabalho vivo”, a única fonte de valor, por “trabalho morto”, que não incorpora às mercadorias nova quantidade de valor, mas apenas transmite às mesmas, a quantidade de valor já incorporada nos meios de produção. Fonte: O Capitalismo… ([2016], on-line)1. Material Complementar MATERIAL COMPLEMENTAR Tempos Modernos Ano: 1936 Sinopse: o Vagabundo tenta sobreviver em meio ao mundo moderno e industrializado. O Capital Karl Marx Editora: Civilização Brasileira Sinopse: malgrado o impacto que teve e continua a ter, com todos os méritos, nos debates da chamada “ciência econômica”, O CAPITAL — que não por acaso tem como subtítulo CRÍTICA DA ECONOMIA POLÍTICA — não é simplesmente um livro de economia. Graças ao emprego do método dialético, que privilegia o ponto de vista da totalidade, a obra tem como objeto a reconstrução das principais determinações da vida social global dos homens. Quando, numa carta a Engels, Marx chamou o seu livro de “um todo artístico”, não fazia com isso uma simples metáfora: buscava indicar o princípio metodológico que orienta seu trabalho e que lhe possibilita atingir aquela profunda unidade sistemática de conceitos que reproduz, no plano do pensamento, a unidade do próprio ser social na riqueza explicitada e concreta de todas as suas determinações. REFERÊNCIAS BELLUZZO, L. O capital e suas metamorfoses. São Paulo: Unesp, 2013. BRUE, S. História do Pensamento Econômico. São Paulo: Cengage Learning, 2016. CHANG, H. Economia: modo de usar - um guia básico dos principais conceitos eco- nômicos. São Paulo: Portfólio-Penguin, 2015. CHAUÍ, M. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2014. GALBRAITH, J. A era da incerteza. São Paulo: Universidade de Brasília, 1979. MARX, K. O Capital: crítica da economia política. 30. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. ________. Teses Sobre Feuerbach. In: MARX, Karl; ENGELS, F. A Ideologia Alemã. 3. ed. São Paulo: Ciências Humanas, 1982. ________. O manifesto do partido comunista. São Paulo: Martin Claret, 2000. NETTO, J. P, BRAZ, M. Economia Política: uma introdução crítica. São Paulo: Cortez, 2012. O Livro da economia. Vários autores (org.).Trad. Carlos S. Mendes Rosa. São Paulo: Globo, 2013. REFERÊNCIAS ON-LINE 1 Em: <https://pcb.org.br/portal/docs1/texto6.pdf>. Acesso em: 1 out. 2016 GABARITO 139 1. É por afirmar que a sociedade se constitui a partir de condições materiais de produção e da divisão do trabalho que as mudanças históricas são determinadas pelas modificações naquelas condições materiais e naquela divisão do trabalho; e, ainda, por afirmar que a consciência humana é determinada a pensar as ideias que pensa por causa das condições materiais instituídas pela sociedade, que o pensamento de Marx e Engels é chamado de materialismo histórico (CHAUÍ, 2014). 2. Comunismo primitivo, Imperialismo Escravocrata, feudalismo, capitalismo, so- cialismo e comunismo. 3. A. 4. Uma mercadoria possui valor de uso e valor de troca. 5. A concentração de riqueza nas mãos de cada vez menos capitalistas e o em- pobrecimento absoluto e relativo dos trabalhadores definem o estágio para o conflito de classes. Os crescentes estados de “miséria, opressão, escravidão, de- gradação, exploração” dos trabalhadores aumentam seu senso de solidariedade e disposição para se revoltar. U N ID A D E IV Professora Me. Carla Fabiana de Andrade Gonçalves Iori A ESCOLA NEOCLÁSSICA Objetivos de Aprendizagem ■ Conhecer a escola marginalista. ■ Compreender a relação entre a escola marginalista e a escola neoclassica. ■ Refletir a importância da escola neoclássica para a economia. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ Os marginalistas ■ A escola neoclássica INTRODUÇÃO Caro(a) aluno(a)! Nossa caminhada na história do pensamento econômico vai se situar temporalmente na Unidade IV por meio do marco do ano de 1871. Com o início da escola marginalista, o cenário histórico envolve graves problemas eco- nômicos e sociais que permaneciam sem solução desde a Revolução Industrial. Por conta desse panorama, caro(a) leitor(a), imagine o campo do pensamento econômico, como deveria estar! Em estado de agitação total! Os pensadores que- riam explicar os fenômenos sociais, por meio das mais diversas ideias. Nesse sentido, houve o que Gennari (2009) chama de “fissura” no pensamento eco- nômico representado, de um lado, pela Escola Marxista e, de outro, pela Escola Neoclássica. Iniciaremos a Unidade IV com a Escola Marginalista, representada pelos pensadores: Jevons, Menger e Walras. Você verá que a tendência seguida por eles baseou-se na teoria do valor-utilidade e trouxe a inovação da determinação do valor de troca, ou preço, pela utilidade marginal. Os marginalistas defendiam a harmonia social e, portanto, não a luta de classes. Defendiam, dessa maneira, a alocação e a distribuição de mercado e lamentavam a intervenção do governo. Desse modo, denunciavam o socialismo e procuravam desencorajar o sindica- lismo trabalhista como ineficaz ou nocivo. Esses pensadores representam o eixo intelectual do pensamento neoclássico até os dias atuais. Na sequência, será possível notar que o pensamento macroeconômico desen- volvido pelos marginalistas, acima comentado, transformou-se, gradualmente, no que chamamos hoje de economia neoclássica. Ficará explícita essa relação à medida que a tomada de decisões e a determinação dos preços eram analisadas “na margem” (com base nateoria utilidade - unidade adicional). No entanto, com Alfred Marshall a visão amplia os horizontes do campo da demanda, para o campo da oferta, assim, vamos aprender sobre determinação dos preços de equilíbrio. Sendo esse entendimento fundamental para a compreensão do estado atual da ciência econômica. Bons estudos! Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 143 A ESCOLA NEOCLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E144 OS MARGINALISTAS Em face da gigantesca revolução que o final do século XIX assistia, as escolas do pensamento econômico se polarizaram. Marx defendia a luta de classes e se ocu- pou em estudar o capitalismo enfatizando as classes sociais. Para os marginalistas, a ocupação era a teoria utilidade. Essa, faz elo com o hedonismo trabalhado em Bentham (visto na Unidade II). Nesse sentido, a primeira parte da nossa trilha na caminhada neoclássica vai perpassar a revolução Jevoniana. Essa, inovou na determinação do valor de troca, ou preço, pela utilidade marginal. A ideia de margem surgiu como uma tentativa de resolver questões que a análise da utilidade deixava indefinida, como o problema da sa- tisfação do agente econômico. Margem é o ponto no qual a utilidade se transmuta em desutilidade, ou o ponto onde o lucro passa a ser pre- juízo. Os valores são positivos num dos lados do ponto ou da linha, sendo negativos do outro lado. A análise marginalista estuda o último item consumido ou o último item produzido antes que essa linha seja cruzada; esse último item parece claro e determinado (BROCKWAY, 1995, p. 305). A seguir, um quadro amplamente explicativo com os principais dogmas e a des- crição deles sobre a escola marginalista: © sh ut te rs to ck Os Marginalistas Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 145 Quadro 1- Principais dogmas da escola marginalista DOGMA DESCRIÇÃO Foco na margem Essa escola direcionou sua atenção ao ponto de mudança em que as decisões são tomadas; em outras palavras, à margem de lucro. Os marginalistas ampliaram para toda a teoria econômi- ca o princípio marginal desenvolvido por Ricardo em sua teoria da renda. Comportamento econômico racional Os marginalistas supuseram que as pessoas agem racional- mente ao comparar prazeres e trabalho, ao medir a utilidade marginal de diferentes bens e ao equilibrar as necessidades presentes contra as futuras. Eles também supuseram que o comportamento intencional é normal e típico e que as anor- malidades aleatórias cancelaram umas às outras. O método empregado pelos marginalistas teve suas raízes em Jeremy Bentham, em que eles assumem que o controle dominante da ação humana é buscar a utilidade e evitar a desutilidade (utilidade negativa). Ênfase na microeconomia A pessoa física e a empresa assumem o centro do palco no drama marginalista. Em vez de considerar a economia agre- gada ou a macroeconomia, os marginalistas consideravam o processo de tomada de decisões individuais, as condições de mercado para um determinado tipo de bem, o resultado de empresas específicas e assim por diante. O uso do método abstrato e dedutivo O uso do método abstrato e dedutivo. Os marginalistas rejei- tavam o método histórico (Escola Alemã) em favor do método analítico e abstrato desenvolvido por Ricardo e outros clássi- cos. Ênfase na livre concorrência Os marginalistas normalmente baseavam suas análises na su- posição da livre concorrência. Esse é um mundo de empreen- dedores pequenos, individualistas e independentes, inúmeros compradores, muitos vendedores, produtos homogêneos, preços uniformes e nenhuma propaganda. Nenhuma pessoa ou empresa possui força econômica suficiente para influenciar os preços de mercado de forma perceptível. Os indivíduos podem adaptar suas ações à demanda, abastecimento e preço praticado no mercado, por meio da interação de milhares de pessoas. Cada pessoa é um operador tão pequeno em relação ao tamanho do mercado, que ninguém nota sua presença ou ausência. A ESCOLA NEOCLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E146 DOGMA DESCRIÇÃO Teoria do preço orientado pela demanda Para os primeiros marginalistas, a demanda tornou-se a prin- cipal força na determinação do preço. O economista clássico enfatizava o custo da produção (suprimentos) como fator determinante e significativo do valor da troca. Os marginalistas mais antigos passaram para o extremo oposto e enfatizaram a demanda para a virtual rejeição do abastecimento. Na sequên- cia, vamos ver que Alfred Marshall resumiu o abastecimento e a demanda no que podemos chamar de economia neoclássica. Esse tipo de economia é marginalista, com um reconhecimen- to criterioso sobre as contribuições da escola clássica. Ênfase na utilidade subjetiva De acordo com os marginalistas, a demanda depende da utili- dade marginal, que é um fenômeno subjetivo e psicológico. Os custos de produção incluem os sacrifícios e os aborrecimentos de trabalhar, gerenciar um negócio e economizar dinheiro para formar um fundo de capital. Os marginalistas acreditavam que as forças econômicas geralmente movem-se em direção ao equilíbrio - um balancea- mento entre forças opostas. Toda vez que os distúrbios causam desarticulação, ocorrem novos movimentos em direção ao equilíbrio. Fusão de terra e bens de capital Os marginalistas juntaram a terra e os recursos capitais em suas análises e referiam-se aos juros, rendimento e lucro como sendo o retorno para os recursos de propriedade. Tudo isso tinha suas vantagens analiticamente e também se opunha à conclusão demonstrada por alguns, de que o rendimento da terra é uma renda diferida e um pagamento desnecessário com a finalidade de garantir o uso da terra. Os marginalistas uniram o pagamento ao proprietário de terras à teoria dos juros. Mínimo envolvi- mento do governo Os marginalistas deram continuidade à defesa pelo envolvi- mento mínimo do governo na economia, apresentada pela escola clássica, como a política mais desejada. Em muitos ca- sos, nenhuma interferência nas leis econômicas naturais seria prescrita se fossem realizados grandes benefícios sociais. Fonte: adaptado de Brue (2016). O período entre meados da década de 1840 e 1873 apresentou duas conjunturas conflitantes: rápida expansão econômica e graves problemas econômicos e sociais. A primeira se deu por quase toda a Europa e a industrialização se manifestava Os Marginalistas Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 147 tanto na Europa continental quanto nos Estados Unidos. No entanto, conforme Hunt (1989), todo o circuito permeado pelo Atlântico Norte foi revelando um grau de concentração de capital, de poder industrial e de riqueza. A acumulação de capital, fruto de concorrência agressiva e destrutiva, eliminou os concorren- tes mais fracos. De modo que a pobreza espalhava-se, embora a produtividade estivesse aumentando drasticamente. Em outras palavras, uma distribuição extre- mamente injusta de riqueza e de renda criava muito descontentamento, embora o padrão geral de vida estivesse crescendo. A conjuntura na área rural também estava complicada. Os fazendeiros e os trabalhadores das fazendas tinham suas dificuldades:muitos se mudavam para a cidade, atraídos pelo incentivo de melhores oportunidades e impulsionados pela situação da pobreza rural. O contexto econômico social era permeado por distorções. Na década de 1870 o capitalismo assumiu uma forma inovadora. Essa dimensão temporal envolvia conflitos sociais, com greves, motins e o desenvolvimento do pensa- mento socialista. A luta da classe trabalhadora para conquistar seu espaço em termos de ganho de produtividade do capitalismo europeu se intensificou, resul- tando na Comuna de Paris. O fato é que se apresentava um sistema econômico dominado por centenas ou milhares de empresas gigantes, em esferas impor- tantes da indústria, finanças, transportes e comércio. O capitalismo apresentado modificou rapidamente as relações sociais. Na medida em que avança a competi- ção intercapitalista, cresce o controle das empresas sobre o trabalho na tentativa de intensificar o mesmo. As relações passam a ser hierárquicas e burocráticas e todo ato individual ou processo econômico passa a ser integrado e coordenado de modo racional, calculado. O final do século XIX assistiu uma colossal revolução no pensamento eco- nômico, enquanto Marx radicalizou os estudos da teoria do valor-trabalho e descobriu a categoria da mais-valia, representando uma robusta crítica ao capi- talismo. Apresentar-se-á a revolução Jevoniana, a qual se baseou na teoria do valor-utilidade. A escola marginalista apresenta seu marco temporal: 1871. Ano em que Jevons e Menger publicaram seus influentes livros sobre a teoria da utilidade marginal. Mais adiante você verá que essa escola se tornou parte da economia A ESCOLA NEOCLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E148 neoclássica ou da microeconomia contemporânea. Nas obras The Theory of Political Economy (Teoria da Economia Política), de William Stanley Jevons, Grundsätze der Volkswirtschaftslehre (Princípios de Economia), de Carl Menger – ambos publicados em 1871 – e, três anos depois, Eléments d’Économie Politique Pure (Elementos de Economía Política Pura), de Léon Walras, embora houvesse muitas diferenças entre as análises feitas por esses autores, as semelhanças de abordagem e de conteúdo desses livros eram impres- sionantes (HUNT, 1989). A teoria do valor-utilidade permanece até os dias atuais, como centro da ortodoxia neoclássica. A noção de utilidade marginal decrescente permitiu que Jevons, Menger e Walras (e seus sucessores que não trabalharemos nesse material) mostrassem como a utilidade determinava os valores (como vimos na Unidade II ao tratar sobre Bentham). O ponto principal da contribuição das ideias dos três autores estava em como eles mudaram a forma da economia utilitarista e não em qualquer grande mudança em seu conteúdo. O marginalismo permitiu que a visão utilitarista da natureza humana, que era considerada somente uma maximização racional e calculista da utilidade, fosse formulada em termos de cálculo diferencial. Conforme Hunt (1989), esse foi o verdadeiro começo da tendência à formulação matemática das teorias econômicas. Alguns economis- tas que apreciam o rigor matemático como um fim em si mesmo vêem Jevons e Walras como os mais importantes criadores da moderna teoria econômica. É, ainda importante comentar que, para Hunt (1989 p. 280) “apenas Walras - em sua teoria do equilíbrio geral- parece ter dado uma contribuição verdadeira- mente significativa para a tradição utilitarista da Economia”. Podemos entender, de modo geral, que os marginalistas defendiam a alocação e a distribuição de mercado, lamentavam a intervenção do governo, denuncia- vam o socialismo e procuravam desencorajar o sindicalismo trabalhista como ineficaz ou nocivo. Os Marginalistas Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 149 Já tratamos anteriormente sobre a relevância do prévio conhecimento da biografia dos diversos pensadores que por aqui trabalhamos. No caso específico dos marginalistas, montamos um quadro acerca desse assunto, haja vista, foram trabalhos publicados, quase que simultaneamente: Quadro 2 - Obras e biografias dos marginalistas AUTOR OBRA BIOGRAFIA William Stanley Jevons A teoria da Economia Política (1835-1882) nasceu em Liverpool, na Inglaterra. Passou cinco anos na Austrália como avaliador da Casa da Moeda, onde ganhou o suficiente para voltar à Inglater- ra e prosseguir seus estudos. Foi professor de lógica. Morreu afogado enquanto nadava. Carl Menger Princípios da Economia Política (1840-1921) nascido na Galícia (antigo ter- ritório que fazia parte do império Austro Húngaro (hoje sul da Polônia). Sua família era afortunada. Seu pai era advogado. Foi professor na Universidade de Viena. Dedicou longo tempo de sua vida para a sua obra. Léon Walras Elementos de Economia Política Pura (1834-1910) nascido em Evreux (comuni- dade francesa na região administrativa da Alta-Normandia). Seu pai, Auguste Walras exerceu forte influência sobre os trabalhos do controverso autor. Conhecido como criador da Teoria do Equilíbrio Geral. Fonte: a autora. A ESCOLA NEOCLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E150 JEVONS Um bom começo para tratar do trabalho de Jevons é observar que o principal pilar do seu trabalho está na teoria do valor. Para o pensador inglês, o valor é determinado e somente explicado pelo princípio da utilidade. Ele vai rejeitar de forma desdenhosa a definição de valor em Marx (valor como trabalho incorpo- rado a uma mercadoria). No prefácio da sua obra, Jevons (1996, p. 27) afirma que “[...] as idéias de Bentham, são adotadas como ponto de partida da teoria fornecida neste trabalho”. E ainda, no prefácio apresenta sobre Bentham 1984: Jeremy Bentham formula a teoria utilitarista da forma mais firme. De acordo com ele, o que quer que seja de interesse ou de importância para nós, deve ser a causa de prazer ou de sofrimento; e quando os termos são usados numa acepção suficientemente ampla, o prazer e o sofri- mento incluem todas as forças que nos conduzem à ação. São explícita ou implicitamente o objeto de todos os nossos cálculos e formam as principais magnitudes a serem tratadas em todas as ciências morais. As palavras de Bentham sobre esse tema podem requerer alguma ex- plicação ou qualificação, mas são demasiado importantes e repletas de verdade para serem omitidas (JEVONS, 1996, p. 27). É importante também apresentar a definição nas palavras do autor acerca da utilidade: [...] a reflexão detida e a pesquisa levaram-me à opinião, de alguma for- ma inédita, de que o valor depende inteiramente da utilidade. As opini- ões prevalecentes fazem do trabalho, em vez da utilidade, a origem do valor; e há mesmo aqueles que claramente afirmam que o trabalho é a causa do valor. Demonstro, ao contrário, que basta seguirmos cuidado- samente as leis naturais da variação da utilidade, enquanto dependente da quantidade de mercadorias em nosso poder, para que cheguemos a uma teoria satisfatória da troca, da qual as leis convencionais da oferta e da procura são uma consequência necessária [...]. Verifica-se que o trabalho determina o valor, mas apenas de maneira indireta, ao variar o grau de utilidade da mercadoria por meio de um aumento ou limitação da oferta (JEVONS, 1996, p. 29). É, pois, esclarecedor que o conceito utilidade é central para a determinação do valor para Jevons. E, dentro desse caminho percorrido pelo autor, suas reflexões foram se apresentando, segundo a qual o valor era relativizado. Como assim? Os Marginalistas Re pr od uç ãop ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 151 Era sempre abordada uma mercadoria em comparação à outra. Outro ponto que merece destaque nessa caminhada é observar que a Economia e a Ética para Jevons se relacionavam à medida em que: [...] A teoria que segue está baseada inteiramente sobre o cálculo do prazer e do sofrimento; e o objeto da Economia é a maximização da felicidade por meio da aquisição do prazer, equivalente ao menor custo em termos do sofrimento. A linguagem empregada pode dar margem a mal-entendidos e poderia parecer como se os prazeres e os sofrimentos de todo o tipo fossem tomados como motivos plenamente suficientes para guiar a mente do homem. Não hesito em aceitar a teoria utilitaris- ta da Moral, que toma o efeito sobre a felicidade da humanidade como o critério do que é certo ou errado. Porém, nunca percebi haver alguma coisa naquela teoria que nos impeça de propor as interpretações mais amplas e profundas a partir dos termos utilizados (JEVONS, 1996, p. 59). Aristóteles foi a primeira pessoa a observar que uma coisa útil em grande quanti- dade, perderia a utilidade. A ideia de que, quanto mais se consome um produto, menor é o aumento da satisfação que se tem, é cultuada na teoria econômica como a lei da utilidade marginal decrescente. Marginal refere-se à mudança no “limite”, como comer mais um biscoito, ou seja, o nível de satisfação a partir de um biscoito adicional. Utilidade é o “prazer ou a dor” da decisão de consumir. Jevons (1996) mostrou que a utilidade pode ser medida por correlação com a quantidade disponível do produto. O conceito de utilidade Marginal decrescente (UMD) tornou-se mais impor- tante à medida em que os economistas se empenharam para entender o que determina o preço dos produtos. Se todos costumam concordar que um bis- coito a mais gere menos utilidade, então é “lógico” que só faça sentido mais um biscoito se o preço cair, pois mais biscoitos dão menos prazer (unidades adicio- nais), então, só compraremos se custarem menos. A procura resultante tem uma relação negativa com o preço, o que, junto com a oferta, ajuda a definir o preço de equilíbrio ou natural de um biscoito. É claro que existem muitas exceções à lei da UMD, como encontrar a última peça de um quebra-cabeça, o que é muito prazeroso. Produtos viciantes, como drogas e álcool, também são exceções - quanto mais consumidos, mais apreciados. O princípio também faz certas suposições, como “o consumo deve ser contínuo”. A ESCOLA NEOCLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E152 Comer um pacote de biscoitos de uma só vez, por exemplo, demonstra mais apro- priadamente o princípio da UMD do que comê-los espaçadamente em um dia. A Figura I demonstra o conceito de UMD, à medida em que evidencia a rela- ção inversa de oferta e procura. Quanto mais uma pessoa tenha de certo produto, menos ela está disposta a pagar por cada unidade dele. Figura 1 - Utilidade total e marginal Fonte: Neves (2015). Por fim, Jevons entende que o prazer e o sofrimento são o objeto privilegiado do cálculo da Economia, na medida em que os indivíduos agem no sentido de buscar satisfazer ao máximo sua necessidade com o mínimo de esforço, ou seja, agem com o intuito de maximizar o prazer e minimizar a dor. ©shutterstock Os Marginalistas Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 153 CARL MENGER Carl Menger foi o precursor da Escola Austríaca e, tinha como objetivo mais amplo, produzir um traba- lho sistêmico sobre economia e um tratado abrangente sobre o caráter e os métodos das ciências sociais em geral. A base das ideias de Menger é de que o valor é essencialmente uma atribuição subjetiva. Tanto é que a primeira frase do Capítulo I de sua célebre obra: Princípios de Economia Política é que: “Todas as coi- sas são regidas pela lei da causa e do efeito”. E é assertivo em dizer que para essa regra não há exceção. E nesse caminho nos conduz ao que ele considera o con- ceito de “bem”. Desse modo, para que uma coisa qualquer possa ser considerada como um bem, é preciso que contenha as seguintes características: 1. A existência de uma necessidade humana. 2. Que a coisa possua qualidades que a tornem apta a ser colocada em nexo causal com a satisfação da referida necessidade. 3. O reconhecimento, por parte do homem, desse nexo causal entre a refe- rida coisa e a satisfação da respectiva necessidade. 4. O homem poder dispor dessa coisa, de modo a poder utilizá-la efetiva- mente para satisfazer à referida necessidade. O autor é incisivo em que, somente se os quatro critérios forem atendidos de forma simultânea, é que pode ser classificado como bens de primeira ordem, de forma que estão em relação direta e imediata com as necessidades humanas Nesse caso, podemos incluir, dentre outros, por exemplo, o pão e a água. Também temos os bens de segunda ordem, que, por sua vez, possuem nexo indireto e cau- sal com as necessidades humanas (matérias-primas). E, ainda, os bens de ordem superior ou os chamados meios de produção (GENNARI, 2009). A ESCOLA NEOCLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E154 Vimos em Jevons a importância do conceito de utilidade. Mas e para Menger? Qual o conceito abordado pelo autor? A resposta é que para Menger (1983, p. 286), a utilidade é: “[...] a aptidão que uma coisa tem para servir à satisfação de necessida des humanas, constituindo, portanto (a utilidade reconhecida como tal), um pressuposto básico para que uma coisa seja um bem”. Agora sim, a partir dessa contextualização, podemos adentrar no conceito central de sua teoria: a teoria do valor. A exposição de Menger sobre utilidade marginal decrescente e o equilíbrio das utilidades marginais, inclui um exemplo que será reproduzido na tabela abaixo. São valores hipotéticos da utilidade marginal para vários números de unidades de dez mercadorias ou classes de mercadorias (I até X). Os números seguintes de cada coluna representam sucessivas adições à satisfação total resultante do aumento de consumo da mercadoria especificada. Por exemplo, observe que o item de consumo mais importante é alimento, e assume-se que a primeira uni- dade de alimento consumida tenha uma utilidade igual a 10, como mostrado na coluna I. Se uma segunda unidade de alimento fosse consumida no mesmo dia, sua utilidade seria 9. Observe que na coluna I que uma 11° unidade de ali- mento não adicionaria nada à utilidade total dessa pessoa. O tabaco, uma necessidade menos urgente, é mostrado na coluna V. A pri- meira unidade consumida dá uma satisfação de apenas 6. Abaixo de seis unidades, os níveis mais elevados de consumo não aumentam a utilidade. Se um indivíduo obtivesse quatro unidades de alimento, a utilidade da pessoa por unidade cairia de 10 para 7. Essa pessoa, então, descobriria que uma quinta unidade de alimento provocaria a mesma satisfação (6) que a primeira unidade de tabaco (também 6). → Cada unidade de cada mercadoria representa o mesmo gasto de dinheiro ou de esforço ou sacrifício. → A economia individual é capaz de classificar as satisfações tanto ordinal como cardinalmente. Os Marginalistas Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 155 Nesse ponto cabe uma comparação entre as teorias de Jevons e Menger. Este chegoua uma conclusão interessante com base na sua tabela. Imagine que um indivíduo pudesse suportar apenas sete unidades de alimento. Esse indivíduo satisfaria somente essas necessidades alimentares, que variam de importância entre 10 e 4 unidades de utilidade marginal. As outras necessidades alimentícias, variando entre 3 e 1, ainda não seriam satisfeitas. Qual seria a utilidade das sete unidades de alimento para essa pessoa? Jevons adicionaria as utilidades margi- nais de cada unidade, da primeira até a sétima, para obter uma resposta de 49 (10+9+8+7+6+5+4). A resposta de Menger, no entanto, seria 28 (4x7), a utili- dade marginal da última unidade vezes o número de unidades. Por quê? Menger respondeu, todas as unidades são semelhantes; assim, cada uma possui a mesma utilidade que a unidade marginal. Se uma pessoa tivesse somente uma unidade de alimento por dia, seu estado de quase fome atribuiria um alto nível de utili- dade a essa unidade. Mas, se a pessoa tivesse sete unidades, nenhuma unidade de alimento lhe daria mais satisfação do que a utilidade marginal. Nesse sen- tido, Menger comparou o valor de troca com a utilidade total, diferentemente de Jevons, que comparou o valor de troca com a utilidade marginal. Das formula- ções dos dois economistas, os contemporâneos geralmente aceitam a perspectiva de Jevons sobre o assunto. Na avaliação de Menger, “o valor é por sua própria natureza algo totalmente subjetivo” (MENGER, 1983, p. 286). Por fim, Menger deu origem à ideia de imputação nos fatores de preço da produção. Os marginalistas enfatizaram a importância da demanda do consu- midor, especialmente em seus aspectos psicológicos subjetivos, na determinação de preços. Dessa forma, em sua teoria da imputação, sustentava a ideia de que os fatores de produção também produziam satisfação aos consumidores de forma indireta, ou seja, pela utilidade marginal do produto final a que deram origem. A ESCOLA NEOCLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E156 O conceito de Menger sobre a Utilidade Marginal Decrescente GRAU DE SATISFAÇÃO MARGINAL (Alimento) Tabaco Unidade Consumida I II III IV V VI VII VIII IX X 1º 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 2º 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 3º 8 7 6 5 4 3 2 1 0 4º 7 6 5 4 3 2 1 0 5º 6 5 4 3 2 1 0 6º 5 4 3 2 1 0 7º 4 3 2 1 0 8º 3 2 1 0 9º 2 1 0 10º 1 0 11º 0 Fonte: a autora. LEON WALRAS Léon Walras (1834-1910) nasceu em Evreux, França. A parte inicial de sua vida foi muito mal sucedida. Foi reprovado duas vezes no exame de admissão de Ecole Polytechnique, escreveu um romance que passou despercebido e fundou um banco que faliu. Num segundo momento, voltado ao estudo da economia, Walras foi nomeado professor de economia política em Lausanne, Suíça. Lá, ele fundou a Lausanne School of Economics, que enfatizava a aplicação da matemá- tica à análise econômica. A Escola Neoclássica Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 157 Walras desenvolveu e defendeu a análise do equilíbrio geral, que considera as inter-relações entre muitas variáveis da economia. Isso contrastava com a aná- lise do equilíbrio parcial utilizada por Jevons, Menger e como você verá mais adiante, com Marshall. A teoria do equilíbrio geral de Walras apresenta uma estrutura que con- siste no preço básico e nas inter-relações de produção para a economia toda, incluindo tanto mercadorias como fatores de produção. Seu objetivo é demons- trar, matematicamente, que todos os preços e todas as quantidades produzidas podem se ajustar a níveis mutuamente consistentes. Sua abordagem é estática, pois supõe que certos determinantes básicos permanecem inalterados, como preferências do consumidor, funções de produção, formas de concepção e pro- gramas de ofertas de fatores. Walras mostrou que os preços em uma economia de mercado podem ser determinados matematicamente, reconhecendo a inter- -relação de todos os preços. A ESCOLA NEOCLÁSSICA O pensamento microeconômico dos marginalistas, discutido anteriormente, foi gradualmente se transformando no que chamamos hoje de economia neoclássica. Etimologicamente neo significa “novo”, neoclassicismo implica uma nova forma de classicismo. Os economistas neoclássicos eram “marginalistas”, no sentido de que enfatizavam a tomada de decisões e a determinação dos preços na margem. Em Brue (2016) temos que o pensamento neoclássico salientava a oferta e a demanda para determinar os preços de bens, serviços e recursos no mercado, enquanto os marginalistas tendiam a reforçar somente a demanda. Outro elemento importante é que os economistas neoclássicos, por exemplo, Wicksell e Fischer, demonstraram maior interesse no papel da moeda na economia do que os antigos marginalistas. No sentido mercadológico, os neoclássicos expandiram a análise marginal para as estruturas do mercado, além da livre concorrência, do monopólio e do duopólio. A ESCOLA NEOCLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E158 O expoente da Escola neoclássica é Alfred Marshall (1842-1924). Seu pai era caixa do Banco da Inglaterra e desejava orientá-lo para uma carreira eclesiástica. Nesse sentido, tentou banir a matemática da vida do garoto, pois era desnecessá- ria, face os objetivos do pai. No entanto, o jovem Marshall recusou uma bolsa de estudos em Oxford, onde deveria fazer os cursos necessários para o desempenho das funções religiosas. Estudou em Cambridge, onde se dedicou à matemática, à física e, posteriormente, à economia. Ele foi ajudado por um tio abastado. Foi o teórico mais influente de sua época e, sem dúvida, o maior de sua geração. No ano de 1888, dizia-se que seus primeiros alunos ocupavam metade dos cargos econômicos do Reino Unido. Em 1890 publicou sua principal obra: Principles of economics (Princípios de Economia). Após a publicação, ela se tornou o prin- cipal manual de economia por décadas, influenciando a formação de gerações de economistas. Em 1906 ele escreveu: nos últimos anos, tive um sentimento cada vez maior em relação ao meu trabalho de que um bom teorema matemático que trata de hipó- teses econômicas dificilmente se transformaria em uma boa economia: e fui muito além das regras – (1) Use a matemática como um idioma taquigráfico, em vez de um mecanismo de investigação. (2) Guarde-os até que você termine. (3) Traduza para o inglês. (4) Depois, ilustre com exemplos que sejam importantes para a vida real. (5) Queime a mate- mática. (6) Se você não conseguir o item (4), queime o (3). Este último eu fiz com frequência (MARSHALL, 1996, p. 6). Marshall compilou o melhor da economia clássica com o pensamento margina- lista. Essa combinação resultou na economia neoclássica. Marshall (1996, p.77) começa o Capítulo I da sua Magnus opus (grande obra) assim: Economia Política ou Economia, é um estudo da Humanidade nas ati- vidades correntes da vida; examina a ação individual e social em seus aspectos mais estreitamente ligados à obtenção e ao uso dos elementos materiais do bem-estar. Assim, de um lado é um estudo da riqueza; e do outro, e mais importante, uma parte do estudo do homem. Pois o caráter do homem tem sido moldado pelo seu trabalho quotidia- no e pelos recursos materiais que busca por esse meio, mais do que por outra influência qualquer, à parte a dos ideais religiosos. Os dois grandes fatores na história do mundo têm sido o religioso e o econô- mico. Aqui e ali o ardor do espírito militar ou artístico predominou por algum tempo; mas as influências religiosas e econômicas nunca A Escola Neoclássica Re pr od uç ão p roib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 159 foram deslocadas do primeiro plano, mesmo passageiramente, e quase sempre foram mais importantes do que as outras todas juntas. Os mo- tivos religiosos são mais intensos do que os econômicos, mas sua ação direta raro se estende sobre uma tão grande parte da vida. Porque a ocupação pela qual uma pessoa ganha a vida marca geralmente os seus pensamentos, durante a maior parte das horas em que a sua mente está no melhor da atividade, durante as quais seu caráter se vai formando pela maneira como ela usa das suas faculdades no trabalho, pelos pen- samentos e sentimentos que este sugere, e pelas suas relações com os companheiros de trabalho, os seus patrões ou empregados. Assim como os cientistas coletam, organizam, interpretam e inferem fatos, os economistas, afirmava o autor, também o fazem. Cada causa tende a produzir um resultado definido se nada acontece para impedi-lo. A economia não é um corpo de verdade concreta, mas é como um mecanismo para se descobrir a ver- dade concreta. É preciso fazer essa abordagem caro leitor, pois a metodologia de Marshall para trabalhar a ciência econômica era mediante o desvendar as leis da econo- mia. Nesse sentido, qualquer lei é uma proposição genérica ou uma declaração de tendências mais ou menos certas, mais ou menos definidas. Nas palavras de Brue (2016, p. 275): As leis sociais são declarações de tendências sociais. As leis econômi- cas, ou declarações de tendências econômicas, são aquelas leis sociais relacionadas à conduta humana em que a força dos principais motivos pode ser medida por uma avaliação financeira. A economia é menos exata que as ciências naturais, mas o progresso é obtido por meio de muita precisão. É sob essa perspectiva que vamos conhecer de forma breve os seguintes tópi- cos em Marshall: ■ Lei da Demanda. ˚ Utilidade marginal. ˚ Escolha racional do consumidor. ˚ Lei da demanda. ˚ Elasticidade da demanda. A ESCOLA NEOCLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E160 ■ Lei da Oferta. ˚ Presente imediato. ˚ Curto prazo. ˚ Longo prazo. ■ Preço de Equilíbrio e quantidade. De acordo com Marshall, a demanda baseia-se na utilidade marginal decrescente. A utilidade marginal de uma coisa para um indivíduo diminui a cada aumento da quantidade que ele já possui dessa coisa. Há, porém, uma condição implícita nessa lei, que deve ser esclarecida: é preciso dar por admitido que o tempo não há de produzir nenhuma alteração no ca- ráter ou gosto da pessoa. Não constitui, portanto, uma exceção à lei de que quanto melhor música ouvir, mais forte se tornará o gosto por ela; que a avareza e a ambição sejam freqüentemente insaciáveis; nem que a virtude da limpeza e o vício da embriaguez aumentam igualmente à medida que se praticam. Pois em tais casos nossa observação se estende a certo período de tempo (MARSHALL, 1996, p. 166). A contribuição de Brue (2016) é extremamente relevante para o entendimento da questão da utilidade marginal. Diante do sistema de Marshall, temos que a utilidade está relacionada com prazeres e esforços, desejos, aspirações e incen- tivos para se tomar uma atitude. Mas como pode ser medida a utilidade de tais bens intangíveis? A resposta de Marshall é: “com dinheiro”. É nesse ponto que chegamos num questionamento importante: Qual é o melhor dispositivo para calcular os motivos psicológicos das pessoas? Nas pala- vras de Brue (2016, p. 276): Os primeiros marginalistas afirmavam que a força das preferências de uma pessoa determina o total de dinheiro que ela está disposta a gastar para adquirir um produto ou o total de trabalho que está disposta a sacrificar para atingir um determinado objetivo. No entanto, Marshall inverteu a relação para medir as preferências de acordo com a escala financeira de pagamentos. Os primeiros marginalistas diriam que, se os sapatos são duas vezes mais úteis a você do que um chapéu, você se dispõe a pagar o dobro pelos sapatos - por exemplo, $ 40 versus $20. Marshall diria que, como você está disposto a pagar o dobro pelos sa- A Escola Neoclássica Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 161 patos em relação ao preço do chapéu, podemos concluir que os sapatos produzem duas vezes mais utilidade para você. A medida exata em di- nheiro das preferências ou motivos na vida dos negócios torna a eco- nomia a mais exata das ciências sociais. É nesse panorama que os questionamentos sobre o comportamento do consu- midor, sob a perspectiva econômica, é envolto, inclusive nos dias atuais, com a ferramenta matemática. Isso porque, para Marshall, o dinheiro, mede a utili- dade na margem, o ponto em que as decisões são tomadas. Escolha racional do consumidor, sob o aspecto da escolha racional do con- sumidor, a análise de Marshall também inclui a noção de escolha racional do consumidor. Isso implica que cada pessoa conseguirá observar constantemente se está gastando muito em algo que ela ganharia mais satisfação se ela tirasse desse “algo” e colocasse em outra coisa. Em outras palavras, a decisão é cons- ciente, de modo que o consumidor percebe que está gastando muito em objetos de decoração e deixando de viajar. Assim, por exemplo, o consumidor que precisa decidir entre comprar objetos decorativos ou viajar está medindo as utilidades marginais de dois tipos diferentes de gastos. LEI DA DEMANDA As noções de utilidade marginal decrescente e escolha racional do consumidor resultam na lei da demanda de Marshall. Esta, por sua vez, relaciona preço e con- sumo. Um exercício interessante para entender essa lei é o seguinte: imagine que suas despe- sas estão equilibradas de tal modo que o último real gasto em cada um dos diversos bens e ser- viços possam gerar utilidade marginal idêntica. Ou seja, está tudo certo, tudo constante nas suas finanças. De que forma você vai reagir caso o preço de um dado produto X cair? Nesse nosso exer- cício, o preço dos outros bens permaneceram ©shutterstock A ESCOLA NEOCLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E162 constantes. Marshall entende que você vai comprar mais do bem X. Isso é expli- cado por meio do raciocínio que implica que: uma queda do preço do bem X, faz a razão explicativa da utilidade marginal crescer. Ou seja, em condições de equilíbrio a UMx/Px =UMy/Py...-=UMn/Pn (A utilidade marginal do bem X com relação ao seu preço é constante em tal ponto que é igual para os produtos Y… até N). Quando o preço do bem X cai, essa relação UMx/Px essa relação aumenta com relação às outras dos outros bens. Para recuperar o equilíbrio das despe- sas, o consumidor substituirá mais de X por menos de Y, Z e assim por diante. Quando essa substituição ocorre, a utilidade marginal de X, agora mais baixa em relação ao preço mais baixo de X, produzirá uma razão igual a UMy/Py e UMz/Pz. Assim, o equilíbrio será recuperado. Nas palavras de Marshall(1996): “a quanti- dade demandada aumenta com a queda no preço e diminui com o aumento do preço”. Essa é a conhecida Lei da demanda decrescente. Elasticidade Marshall foi o criador do conceito de elasticidade. Trata-se de um conceito que quantifica o efeito da variação de uma variável em outra. Nosso autor analisou esse assunto verbal, matemática e diagramaticamente. Para o nosso trabalho, o importante é observar que a elasticidade da demanda nos diz se a diminuição do desejo é lenta ou rápidaconforme a quan- tidade aumenta. Como assim? Ela relaciona a queda da porcentagem no preço ao aumento da porcentagem da quantidade demandada, que, obviamente, baseia-se na utilidade marginal decrescente do bem. Desse modo, conforme Brue (2016), o coeficiente numérico da elasticidade da demanda (Ed) é a alteração da porcentagem na quantidade dividida pela alteração da porcentagem no preço. A demanda é elástica quando a alteração da porcentagem na quantidade excede a alteração da porcentagem no preço; a demanda é inelástica quando a alteração da porcentagem na quantidade é menor que a alteração da porcentagem no preço ©shutterstock A Escola Neoclássica Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 163 e, a demanda apresenta elasticidade unitária, quando as alterações de porcen- tagem são iguais. Em valores absolutos, se Ed > 1, a demanda é elástica; se Ed < 1, a demanda é inelástica; e se Ed =1, a demanda apresenta elasticidade unitária. OFERTA Para Marshall a oferta é controlada pelo custo da produção. Nesse sentido, nosso pensador inovou, à medida que introduziu o conceito de oferta por meio de conceitos simétricos aos utilizados para a análise da demanda. Ainda renovou o tratamento pelo lado da oferta por ter incorporado o fator tempo na análise econômica, de modo que dividiu o tempo em três períodos: (1) o presente ime- diato (curtíssimo prazo); (2) o curto prazo e o (3) o longo prazo. Nessa perspectiva, temos que o presente imediato representa aquela circuns- tância em que o período de mercado pode ter a duração de um dia. É definido como o período durante o qual a quantidade fornecida não pode crescer como resposta a um repentino aumento da demanda. De modo inverso, nem a quan- tidade fornecida pode ser diminuída imediatamente em resposta a uma queda na demanda, pois leva um tempo para a produção ser restringida e os estoques reduzidos. Um exemplo citado em Brue (2016) é o seguinte: uma empresa pode preferir vender peixes frescos a um pequeno valor do que deixá-los estragar. Mas se um bem não é perecível, os vendedores possuem preços de reserva, abaixo dos quais não venderão. No entanto, alguns vendedores, por terem contas a pagar pode ser que venha a vendê-los a preços abaixo do custo de produção. Para analisar o que Marshall chamou de curto prazo, devemos seguir o racio- cínio do nosso pensador e dividir os custos em dois tipos: Custos suplementares: são aqueles que hoje são conhecidos como custos fixos. Por exemplo: a depreciação. A ESCOLA NEOCLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E164 Custos variáveis: custos principais. Por exemplo: trabalho e matéria-prima. Nesse ponto, uma reflexão relevante é que o curto prazo é definido como o período durante o qual os insumos variáveis podem ser aumentados ou dimi- nuídos, mas os custos fixos da fábrica não podem ser alterados. Já os custos variáveis podem mudar a curto prazo e, a longo prazo, todos os custos são variáveis e devem ser cobertos, se a empresa deseja continuar no negócio. Se o preço aumentar a tal nível que a receita total exceda o custo total de produção, o capital ingressará na indústria, normalmente por meio de novas empresas, e a oferta de mercado aumentará. PREÇO DE EQUILÍBRIO E QUANTIDADE O que determina o preço de mercado? Marshall afirmava que a oferta e a demanda. Dessa maneira, temos que o modelo analítico utilizado por Marshall con- sidera que os agentes econômicos, consumidor e produtor, ambos atuam para maximizar, respectivamente, a utilidade e o lucro num sistema de concorrên- cia perfeita no qual todas as demais variáveis externas à análise permaneciam constantes (ceteris paribus). A representação dessa dinâmica entre os agentes foi apresentada em uma tabela baseada em um hipotético mercado de trigo, numa pequena cidade do interior da Inglaterra no século XIX. A tabela abaixo apresenta os preços que os consumidores estavam dispos- tos a pagar por determinada quantidade de trigo e a que preços os produtores comerciantes estavam propensos a ofertar para uma dada quantidade do cereal. Podemos inferir pelo Quadro 3 que, a 35 xelins, os produtores estavam dispostos a ofertar 600 quarters de trigo e os consumidores dispostos a adquirir 900 quar- ters. Ao aumentar o preço de 35 para 37 xelins, a quantidade que os vendedores estavam dispostos a ofertar era de 1000 quarters, mas diminui a quantidade que os demandantes se propuseram a comprar. À medida em que os preços caiam, A Escola Neoclássica Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 165 ocorria o inverso. Marshall apresentou que, ao longo de um dia, a dinâmica entre oferta e a procura tendia a levar o preço para o nível de 36 xelins, pois esse preço expressava a identidade entre a quantidade que os produtores estavam dispostos a ofertar e os consumidores dispostos a adquirir. → Ponto de Equilíbrio. Quadro 3 - Mercado hipotético de trigo AO PREÇO DE PROPRIETÁRIOS DISPOSTOS A VENDER (UNIDADES) COMPRADORES DISPOSTOS A COMPRAR (UNIDADES) 37 xelins 1.000 quarters 600 quarters 36 xelins 700 quarters 700 quarters 35 xelins 600 quarters 900 quarters Fonte: Brue (2016). Graficamente, o equilíbrio entre preço e quantidade, segundo Marshall, é apre- sentado no quadro anterior. Temos a quantidade no eixo horizontal porque a considerava como a variável independente. Hoje, os economistas consideram a quantidade como a variável dependente [Q=f(P)], embora continuem a colocar o preço no eixo vertical e a quantidade no eixo horizontal. Com efeito, eles se curvam à tradição de Marshall, em vez de à convenção matemática. Vários autores classificam o pensamento de Walras contextualizando-o na escola matemática. Ele foi sucedido por Vilfredo Pareto, que muito contri- buiu para a economia por meio da ferramenta conhecida como as curvas de indiferença. Fonte: Brue (2016). A ESCOLA NEOCLÁSSICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E166 Definitivamente, o grande número dos eventos com os quais a economia lida, afeta, em proporções quase iguais, todas as diferentes classes da so- ciedade. Assim, se as medidas em dinheiro da felicidade causada por dois eventos são iguais, é razoável considerar o total da felicidade nos dois casos como equivalente. (Alfred Marshall) Considerações Finais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 167 CONSIDERAÇÕES FINAIS Caro(a) aluno(a), procuramos abordar nessa unidade, a relevância da escola marginalista e da escola neoclássica. Buscamos demonstrar a relação entre as duas escolas. Dessa maneira, você pode perceber que os primeiros marginalistas abordavam a questão da utilidade pela ótica da demanda. A grande contribui- ção de Marshall foi sintetizar os dois pontos: oferta e demanda. Quando Marshall morreu em 1924, John Maynard Keynes o proclamou “o maior economista do mundo por cem anos”. Embora isso possa ser discutido, poucos discordariam que Marshall foi o teórico mais influente de sua geração. Seu Principles of economics apresentou a análise econômica a milhares de econo- mistas que o seguiram. O fato de seu livro ter atingido a circulação máxima 40 anos após a publicação de sua primeira edição atesta sua importância duradoura. Conforme Brue(2016), praticamente todos os economistas contemporâneos incluiriam Marshall com Adam Smith, David Ricardo e John Stuart Mill, como uma das quatro figuras mais importantes das escolas clássica e neoclássica. Para Galbraith (1979), Marshall “reunia a reputação de um profeta com a aura de um santo”. Foi o pai da escola neoclássica que dominou o mundo da economia anglo-americana de maneira quase incontestável por muitos anos. É por esse motivo, que resolvemos intitular essa unidade como Escola Neoclássica ao invés de Marginalista, por exemplo. Em outras palavras, é por conta da capacidade de Alfred Marshall em enfrentar os problemas práticos da economia real e fornecer instrumentos relevantes para a gestão econômica do livre mercado. Foi necessário esperar até a crise de 1929, conforme Gennari (2009), para que essa convicção sofresse um abalo consistente. Em que, a realidade objetiva, no caso a acumulação de capital e a própria prosperidade do capitalismo, ques- tionou o credo neoclássico. De fato, ninguém poderia prever as proporções que essa crise ocasionou no contexto econômico mundial. É o que veremos na pró- xima unidade. 168 1. Qual o significado da “revolução” jevoniana para a ciência econômica? 2. Para Menger, quais as características necessárias para que algo possa ser consi- derado um “bem”? 3. Discorra sobre a teoria do equilíbrio de Walras. 4. Sobre a incontestável contribuição de Marshall para a microeconômica, discorra sobre o que considera mais relevante do seu ensinamento. 5. Discorra sobre o conceito de elasticidade da demanda. 169 A PSICANÁLISE FACE AO HEDONISMO CONTEMPORÂNEO Observa-se, em relação às novas formas de subjetivação na atualidade, uma negação do sofrimento acompanhada da busca incessante de felicidade. A subjetividade é hoje ca- racterizada pelo hedonismo, pelo imperativo de gozo que se associa ao dever de ser fe- liz. O sujeito atual nega a dor, seja na relação que mantém com o próprio sofrimento ou naquela que interage com o sofrimento do outro. Esse modo de se posicionar frente à dor é marca do nosso tempo, circunscrito às concepções que descrevem a contempora- neidade por meio do que Lasch (1979) denominou de “cultura do narcisismo” e Debord (2000) de “sociedade do espetáculo”, regida pelo triunfo do individualismo associado ao consumo e à demanda incessante de prazer. Constata-se que, na contemporaneidade, ocorreu uma mudança nas formas de subje- tivar-se, sendo uma dessas modificações observada no modo de o sujeito relacionar-se com a dor como algo a ser evitado. Portanto, falar do sofrimento hoje é tocar em uma questão crucial, pois o que caracteriza o homem na atualidade é o hedonismo, o impe- rativo de ter prazer e evitar o sofrimento. Ao imperativo de gozo, associa-se o dever de ser feliz. A regra vigente é não sofrer e a proposta que reina soberana é a de “pensar positivo”, ou seja, ter a felicidade como o horizonte de todos os acontecimentos da vida. Assim, se no século XIX a figura do spleen, certo ar de tristeza e melancolia, tinha o seu charme, principalmente entre os poetas (ver, por exemplo, Eça de Queiroz em Os Maias), hoje a tristeza não está na moda. Outra relação com o sofrimento, que estava longe de ser a da negação, também podia ser observada nos teóricos do existencialismo, no romantismo ou na cultura beat. Até mesmo na bossa nova, os poetas sempre cantaram com suas músicas que a “tristeza não tem fim, felicidade sim”. Hoje, aquele que não con- segue ser feliz é visto como uma pessoa fraca e merecedora de culpa. Nos nossos dias “toda tristeza é vergonhosa, injustificada e daqui por diante patológica” (Silvestre, 1999, p. 115). A negação da dor não leva a que exista, de fato, menos dor. Ao contrário, a dor excluída é, ela mesma, fonte de dor. Uma das marcas do nosso tempo é o desamparo. Vivemos em uma era de incertezas que mudou a relação do sujeito com as garantias quanto ao seu futuro. Isso conduz à sensação de vazio e de desproteção, à descrença na política, à fragilidade dos laços sociais e ao enfraquecimento da figura da alteridade nas nossas vidas. Assim, o sujeito atual organiza-se a partir do eixo individualista-hedonista, e o sofredor não se encaixa nos moldes atuais de exaltação do eu e exibicionismo. Vemo-nos acossa- dos pela obrigação de ser feliz. As propagandas publicitárias reificam, a todo momento, essa exigência. Seja nos anúncios de cigarro, nos quais todos estão sempre atléticos, sorridentes e felizes; seja no slogan “Mc Donald’s: gostoso como a vida deve ser”, a men- sagem que se passa é que a felicidade é um bem a ser adquirido nas prateleiras dos supermercados. 170 Com efeito, a cultura do hedonismo está intrinsecamente associada à sociedade do con- sumo. Nosso dever é ser feliz e a felicidade implica o consumo. Como salienta Baudrillard (1981), a aquisição dos objetos na nossa sociedade traduz-se pela ilusão de que o con- sumo pode preencher a demanda de felicidade. Os objetos neste registro simbólico são marcados por uma equivalência entre possuir bens e usufruir a felicidade. Deste ponto de vista, a referência à felicidade articula-se com a ideologia igualitária-individualista do bem-estar, na qual o conforto e o bem-estar passam a ser sinônimos de felicidade, assim como permitem uma espécie de mensuração da igualdade. A democracia burguesa pas- sou a mascarar as desigualdades sociais ao tornar os objetos de bem-estar acessíveis a todos, apesar de esta pretensa igualdade não ter se mostrado de modo algum real, aca- bando por mascarar ao invés de permitir a problematização e o encontro das possíveis soluções para as desigualdades sociais. Nesta lógica, há uma redução absoluta da figura da alteridade, pois mesmo outro ser humano pode tornar-se objeto de consumo, servindo assim como mero instrumento para o prazer egóico do sujeito. Neste contexto, o outro só existe enquanto reforçar a auto exaltação narcísica do sujeito, como meio para alimentar o eu, e não como rela- ção de alteridade. Como um objeto de consumo qualquer, o outro da relação pode ser também rapidamente descartável. Há, assim, uma relação predatória do outro, que só existe de forma “útil”, na medida em que é fonte de prazer para o eu, afirmando-se aqui o utilitarismo nas relações interpessoais, que prega que o outro pode ser reduzido a mero objeto de troca. É, no contexto da fragilidade, que assola o homem de nossos dias que podemos também compreender o circuito consumista. A obsessão de comprar é certamente a expressão dos instintos hedonistas, mas pode ser vista, por outro lado, como forma de paliativo frente às inseguranças e incertezas que inquietam o homem atual. A compulsão con- sumista não é apenas o extravasamento da busca incessante de sensações prazerosas, mas constitui-se também numa espécie de compensação diante do vazio da própria subjetividade: “o comprar compulsivo é também um ritual feito à luz do dia para exorci- zar as horrendas aparições das incertezas que assombram as noites” (Bauman, 2001, p. 96). Os objetos coloridos, cheirosos e brilhantes expostos nas vitrines das lojas atendem à busca incessante e imediata do êxtase hedonista, mas denunciam também o lado da vulnerabilidade que busca ser compensada por este tipo de prazer. O consumo faz com que os sujeitos tentem “escapar da agonia que se chama insegurança”. Como vimos no utilitarismo hedonista, os princípios individualistas não somente são valorizados, como são dados como aquilo que deve ser a própria ética, ou seja, o signo da felicidade perfeita. Fonte: adaptado de Fortes (2009, on-line)1. Material Complementar MATERIAL COMPLEMENTAR Roger e eu Ano: 1989 Sinopse: no fi m da década de 1980, o fechamento de onze fábricas da General Motors em Flint, Michigan, deixou cerca de trinta mil pessoas desempregadas. Michael Moore tenta encontrar o presidenteda empresa, Roger Smith, para ouvir o que ele tem a dizer sobre isso. Aprende Economia Paul Singer Editora: Brasiliense Sinopse: aprender economia hoje é uma necessidade. Todo mundo anda preocupado com a infl ação, desemprego, com a dívida externa. Este livro trata a economia numa linguagem acessível e didaticamente transmite conhecimentos indispensáveis ao exercício do aprendizado de economia e cidadania. Se saber economia é hoje uma necessidade, nada melhor do que um livro preocupado com as pessoas comuns que na maioria das vezes não conseguem entender o ‘economês’, que ouvem ou lêem por aí. REFERÊNCIAS BENTHAM, J. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. São Paulo: Nova Cultural, 1984. BROCKWAY, G. A morte do homem econômico. São Paulo: Nobel, 1995. BRUE, S. História do Pensamento Econômico. São Paulo: Cengage Learning, 2016. GALBRAITH, J. A era da incerteza. São Paulo: Universidade de Brasília, 1979. GASTALDI, J. P. Elementos de Economia Política. São Paulo: Saraiva, 2006. GENNARI, A. M.; OLIVEIRA, R. História do Pensamento Econômico. São Paulo: Sa- raiva, 2009. HUNT, E. História do Pensamento Econômico. 7. ed. Rio de Janeiro: Campus,1989. JEVONS, W. S. A teoria da economia política. São Paulo: Nova Cultural, 1996. MARSHALL, A. Princípios de Economia. Tratado introdutório. São Paulo: Nova Cul- tural, 1996. MENGER, C. Princípios de economia política. São Paulo: Nova Cultural, 1983. NEVES, F. O marginalismo: Jevons e Menger(Blog). In: A (Minha) História do Pen- samento Econômico. 2015. Disponível em: <http://filipeneves1973.blogspot.com. br/2015/03/11-o-marginalismo-jevons-e-menger.html> Acesso em: 18 dez. 2016. WALRAS, L. Compêndio dos elementos de economia política pura. São Paulo: Nova Cultural, 1996 REFERÊNCIAS ON-LINE 1 Em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pd=S1518-61482009 000400004>. Acesso em: 13 dez. 2016. GABARITO 173 1. A revolução jevoniana baseou-se na teoria utilidade e inovou na determinação do valor de troca, ou preço, pela utilidade marginal. 2. Segundo Menger, para que uma coisa qualquer possa ser considerada como um bem, é preciso que contenha as seguintes características: • A existência de uma necessidade humana. • Que a coisa possua qualidades que a tornem apta a ser colocada em nexo cau- sal com a satisfação da referida necessidade. • O homem pode dispor dessa coisa, de modo a poder utilizá-la efetivamente para satisfazer à referida necessidade. 3. A teoria do equilíbrio geral de Walras apresenta uma estrutura que consiste no preço básico e nas inter-relações de produção para a economia toda, incluindo mercadorias como fatores de produção. Seu objetivo era demonstrar matema- ticamente que todos os preços e todas as quantidades produzidas podem se ajustar a níveis mutuamente consistentes. 4. A determinação do preço de equilíbrio é, possivelmente, o ponto alto do traba- lho de Marshall. De modo que ele considera tanto a oferta como a demanda, as forças responsáveis para determinação do preço de equilíbrio de mercado. 5. A elasticidade da demanda nos diz se a diminuição do desejo por um determi- nado bem é lenta ou rápida, conforme a quantidade aumenta. Trata-se de um coeficiente numérico que apresenta a alteração da porcentagem na quantidade, dividida pela alteração da porcentagem no preço. U N ID A D E V Professora Me. Carla Fabiana de Andrade Gonçalves Iori A ESCOLA KEYNESIANA E OS DIAS ATUAIS Objetivos de Aprendizagem ■ Refletir a relevância da Teoria Keynesiana. ■ Reconhecer os conceitos apresentados na teoria keynesiana. ■ Conhecer a escola de Chicago. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ Contexto histórico e biografia de Keynes ■ A Teoria de Keynes ■ Neoliberalismo ■ Escola de Chicago INTRODUÇÃO Caro(a) aluno(a), nesta unidade vamos refletir sobre a conhecida Revolução Keynesiana. Assim, é tratado esse ponto do estudo, por conta das profundas transformações a partir da publicação da Teoria Geral de John Maynard Keynes em 1936. Nesse sentido, será compreensível, por exemplo, a questão da dinâmica eco- nômica no sentido monetário na qual, até então, a moeda era tida como neutra. Você poderá perceber que nosso pensador vai resgatar o papel do Estado, de modo que vai propor uma representatividade do governo para estabilizar a eco- nomia em um nível de emprego da renda nacional. Para combater o alto índice de desemprego sua proposta é aumentar as despesas agregadas. Por exemplo, o governo deveria estimular os investimentos privados durante um período de recessão, forçando a queda na taxa de juros, o que seria realizado por meio de uma política do Banco Central. Nesse caso, os limites da diminuição da taxa de juros a certo ponto, poderá demonstrar que a política monetária não se torna uma maneira efetiva de redu- zir as taxas de juros e de aumentar os gastos com investimentos durante um grande período de recessão. Também está em Keynes a questão da política fis- cal como possibilidade de superar a recessão (política expansionista). Por certo, chegaremos ao ponto central da discussão de Keynes, segundo a qual quanto mais rica se torna uma sociedade, mais ela poupa e mais difícil se torna manter o emprego e, nesse sentido, retoma-se o papel do Governo. Uma crítica de Brue (2005) ao tratamento de Keynes é o pensamento estático de curto prazo, que o levou a exagerar a tendência à estagnação secular. Por fim, trataremos, de forma modesta, a questão do neoliberalismo e a escola de Chicago, representando um novo classicismo nos dias atuais. E a fim de sedimentar o conteúdo de maneira satisfatória, apresentaremos um quadro com as características principais dessa escola. Ótimo estudo! Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 177 A ESCOLA KEYNESIANA E OS DIAS ATUAIS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E178 CONTEXTO HISTÓRICO E BIOGRAFIA DE KEYNES Até 1930 não havia qualquer preocupação, por parte dos eco- nomistas do mundo ocidental, com o estudo dos problemas da economia como um todo, em particular em relação ao nível de emprego. Isso ocorria porque o pensamento predominante, à época, (os clássicos, como já vimos anteriormente) era de que não havia desemprego signifi cativo na economia que não fosse temporário. Os economistas clássicos acreditavam que, se houvesse um mercado descompensado, no caso o mercado de trabalho, em que oferta (de trabalhadores) excedesse a procura (por trabalhadores), o preço em tal mercado cairia causando o equilíbrio entre a oferta e procura (VICECONTI, 2010). A partir do trabalho de Keynes houve um desenvolvimento signifi cativo da Teoria Macroeconômica, em que a ciência econômica passa a se preocupar com o desemprego, por exemplo. Nesse contexto, vamos primeiramente conhe- cer a biografi a de Keynes e na sequência entender melhor esse desenvolvimento diante dessa dimensão temporal (1936). John Maynard Keynes (1883 - 1946) era britânico, fi lho de pais intelectuais, que viveram mais do que ele. Seu pai era John Neville Keyne, ilustre economista lógico e político. Sua mãe, foi juíza de paz, conselheira municipal e prefeita de Cambridge. Estudou com ilustres professores, entre eles Marshall e Pigou, que reconheceram seu brilhantismo. Fez fortuna principalmente por meio de tran- sações em moedas e mercadorias estrangeiras. Era um profícuo especulador. O currículo de Keynes é vasto e extremamente relevante para a história econômica. Ocupou cargos públicos como autoridade, por exemplo, em 1940,juntou-se ao Ministério da Fazenda para orientar a Inglaterra durante as difi cul- dades fi nanceiras da guerra. Enfi m, nos cabe afi rmar a unanimidade da classe acadêmica em considerá-lo como um grande economista. Podemos, inclusive, colocá-lo, em termos de representatividade para o estudo da economia, ao lado de Smith e Marx. Segundo Dillard (1982, p. 3), um estudiosos das ideias de Keynes: A Teoria de Keynes Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 179 [...] do mesmo modo que A riqueza das nações, de Adam Smith, no século XVIII, e O Capital de Karl Marx, no século XIX, A Teoria geral de Keynes, tornou-se o centro da polêmica entre os escritores, quer profissionais ou não profissionais. O livro de Smith é um vibrante repto ao mercantilismo; o de Marx, uma crítica demolidora do capitalismo, e o livro de Keynes é um repúdio dos fundamentos do laissez -faire. A TEORIA DE KEYNES A dimensão temporal de fins do século XIX e o início do XX indiscutivelmente ,foi representativa da hegemonia absoluta do pensamento econômico neoclás- sico, que tinha como arcabouço a segurança de que, deixado por sua própria conta, ou seja, sem nenhuma interferência, o mercado seria capaz de promover um equilíbrio estável e duradouro. Tal crença fundamentava-se na proposição de que as interferências, princi- palmente no que fazia relação com as regulações do Estado ou de interferências relacionadas às pressões sindicais por aumento nos salários, seriam nocivas por interferir na “mão invisível” (lembre-se de Adam Smith!), capaz de promover o equilíbrio de pleno emprego. Foi um bom tempo (bom no sentido de longo) de hegemonia do laissez-faire, da Lei de Say, enfim, de convicção na existência de um mercado capaz de se auto-regular. O programa de ideias apresentado por Keynes, em 1936, começou com a publicação de The general theory of employment, interest and money. Trata-se de uma estrutura de raciocínio que começou com a escola neoclássica (por ter sido aluno de Alfred Marshall, seguia, a tradição marshalliana). Embora Keynes cri- ticasse severamente certos aspectos da economia neoclássica, ele utilizou muito de seus postulados e métodos. A escola keynesiana é uma das escolas mais signi- ficativas do pensamento econômico. Seu sistema baseava-se em uma abordagem psicológica subjetiva e foi permeado por conceitos marginalistas, incluindo a economia de equilíbrio estático. Keynes desassociou-se dos ataques à teoria neo- clássica sobre o valor e a distribuição. Nas palavras de Gennari (2009, p. 245): A ESCOLA KEYNESIANA E OS DIAS ATUAIS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E180 A principal preocupação de Keynes era explicar qual o determinante do emprego. Nesse sentido, busca demonstrar que a situação normal do capitalismo do laissez-faire em seu estágio atual de desenvolvimento é uma situação flutuante da atividade econômica que pode percorrer toda a gama que vai do pleno emprego até o desemprego amplo. O fato é que a acumulação de capital e o progresso do capitalismo, não tardou a contestar a doutrina neoclássica. Nas circunstâncias, nenhum economista, empresário ou intelectual da época, pôde dimensionar a proporção que a crise que teve no final da década de 1920. Assim, a crise de 1929 desencadeou tam- bém uma crise da hegemonia da Escola Neoclássica. Keynes vai tratar, principalmente, de um problema urgente de seus dias: a depressão e o desemprego. Para a Escola Neoclássica, o fato das pessoas não estarem empregadas era uma questão voluntária, ou seja, os trabalhadores, ao intervirem no arranjo das forças de mercado, seja com os sindicatos, greves e reivindicações salariais, provocariam o aumento do desemprego à medida que não aceitavam o salário de mercado. De forma que, ao aceitar, seriam todos empregados, na medida em que os salários estariam de acordo com as forças de oferta e demanda de mão de obra. Já em Keynes, o pleno emprego poderia ocorrer “abaixo do pleno emprego”, ou seja, poderia haver desemprego involun- tário. (GENNARI, 2009). Keynes critica de forma incisiva alguns postulados dos fundamentos da Escola Neoclássica (Pigou, Marshall e outros a denominam como clássica), no que toca à visão microeconômica, pautada nas relações entre compradores e vendedores individuais. Sua crítica vai além e ataca alguns pilares centrais das teorias hedo- nistas (falamos de hedonismo ao tratarmos do pensador Bentham, Unidade II. Lembre-se sobre prazer e sofrimento), que, segundo Paul Hugon (1982), indi- vidualizam ainda mais os problemas econômicos. [...] trata-se, para Keynes, de combater e ultrapassar esse ponto de vista microeconômico, para considerar o problema em termos mais gerais de ‘rendimentos globais’, ‘procura global’, ‘emprego global’, ou seja, ra- ciocinar com base em dados de conjunto” (HUGON, 1959 apud GEN- NARI, 2009, p. 245). A Teoria de Keynes Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 181 Keynes entende que o emprego depende da demanda efetiva e ela está relacio- nada ao volume de investimento e ao poder de compra ou consumo efetivamente existente. No entanto, os investimentos em novas fábricas e novos empreendi- mentos, isto é, em formação bruta de capital fixo, só se darão se as expectativas de lucros dos empresários excederem o prêmio pago pelo dinheiro emprestado, isto é, a taxa de juros. Ocorre que, [...] quando o preço a pagar pelo dinheiro se eleva, muitos tipos de negócios novos, que se poderiam empreender a taxas de juros mais baixas, não serão realizados. Por conseguinte, um aumento das taxas de juros tende a reduzir a procura efetiva e, em tempos normais, a oca- sionar desemprego (DILLARD, 1982, p. 5). Os proprietários de riquezas tenderão a evitar o quanto possível os riscos e pode- rão optar por acumular riquezas na forma de dinheiro, obtendo, assim, a taxa de juros. Apresentamos a divergência de Keynes com a escola neoclássica, principal- mente no tocante à questão do desemprego. E porque a questão do emprego era tão importante para Keynes? O cenário das ideias de Keynes envolvia a Grande Depressão dos anos 30. Segundo Brue (2016, p. 417) “a pior que o mundo ociden- tal já conheceu”. A quebra da bolsa de Nova York, em 1929 e, a Grande Depressão que se espalhou pelo mundo, foram determinantes para Keynes se libertar de seu raciocínio habitual (vinculado à escola neoclássica). O colapso financeiro de Wall Street aprisionou as economias do mundo num ciclo de produção decrescente - nos EUA, ela caiu 40%. Em 1931, a renda nacional americana caíra dos US$87 bilhões de antes da quebra para US$ 42 bilhões; em 1933, 14 milhões de ameri- canos estavam sem emprego. As pessoas depauperadas formavam uma paisagem inquietante. A rápida queda dos padrões de vida estava nítida nas imagens da pobreza e do desespero da época. Ao assistir essa devastação, Keynes elaborou um sistema de ideias que revolucionou o pensamento da época. Podemos sintetizar a dinâmica teorizada por Keynes em Brue (2016, p. 419): O aumento da demanda agregada compensava a redução nos mercados de trabalho e permitia que os sindicatos negociassem melhores salários e condições de trabalho com menos medo do desemprego. Os contra- tos do governo beneficiavam os juros e estimulavam o governo a tirar A ESCOLA KEYNESIANA E OS DIAS ATUAIS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E182 a economia da recessão ou depressão. Quando os banqueiros tiveram reservasexcessivas nos anos 30, encontraram uma vasta e lucrativa área para investimento nos títulos do governo e o controle governamental deu ao sistema bancário liquidez, segurança e estabilidade. Os refor- mistas e os intelectuais desfrutaram de aumento do nível de emprego no serviço público e puderam executar com grande fervor as reformas moderadas, seguras e racionais que surgiram do pensamento keyne- siano. Keynes engrenou a teoria econômica com o processo de criação de políticas. As guerras mundiais, as recessões mundiais e as crescentes complicações da vida moderna enfraqueceram o laissez-faire. O papel dos economistas e da análise econômica na determinação da direção da política do governo, era, por assim dizer, maior. A economia contemporânea está repleta de elementos pensados por Keynes. E, mais, pode ser uma combinação da microeconomia neoclássica com a macro- economia inspirada no keynesianismo. Apresentamos uma lista de conceitos utilizados, nos dias de hoje, nos livros didáticos de economia, que nasceram na teoria keynesiana: ■ Função do consumo. ■ Propensão marginal a consumir. ■ A função das poupanças. ■ A propensão marginal a poupar. ■ A eficiência marginal do capital. ■ As demandas de transação, preventivas e especulativas de moeda. ■ O multiplicador. Abaixo um quadro explicativo dos diversos conceitos utilizados em Keynes: A Teoria de Keynes Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 183 Quadro 1 - Conceitos utilizados em Keynes Função do consumo Relação entre consumo e renda: “A lei psicológica fundamental [...] os homens tendem, como regra e na média, aumentar seu consumo à me- dida em que a renda aumenta, mas não tanto quanto o aumento da renda”. C=f(Y) Propensão marginal a consumir A razão entre a mudança no consumo e a mudança na renda é positiva e menor que um. PMC=C/Y A função das poupanças S=f(Y) Propensão marginal a poupar PMS=S/Y Eficiência marginal do capital Taxa de desconto que torna o valor da série de retornos esperados exatamente igual ao preço da oferta do ativo de capital. Matematicamente: Ks=R1(1+r)+R2(1+r)2+...+Rn(1+r)n Ks é o preço da oferta de capital. Ré o retorno esperado em um ano específico. Ré a eficiência marginal do capital. As demandas de transação, preventi- vas e especulativas de moeda A preferência pela liquidez depende de três motivos para se poupar moeda e da relutância em se desfazer dela, exceto quando a taxa de juros age como uma persuasão efetiva. O primeiro motivo é o de transação, a necessi- dade de dinheiro em caixa para pagar as compras atuais de consumo e as exigências dos negócios. O segundo motivo preventivo, o desejo de ter algum dinheiro dis- ponível para emergências. E, por fim, o motivo especu- lativo, o desejo de ter dinheiro enquanto se espera que as taxas de juros aumentem, que os preços das ações ou títulos diminuam ou o que o nível geral de preços caia. A liquidez permite que as pessoas agarrem rapidamente as oportunidades de investimentos financeiros e econômi- cos à medida que eles aumentem. Multiplicador O multiplicador mede o efeito de uma mudança nos gas- tos sobre a renda; é a mudança na renda dividida pela mudança nos investimentos. A ESCOLA KEYNESIANA E OS DIAS ATUAIS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E184 Poupanças e investi- mentos ex post e ex ante A dimensão ex-post está associada à função que repre- senta o volume de gastos, que variam para cada nível de renda associado com cada nível de emprego, enquanto que a dimensão ex-ante refere-se às estimativas que as empresas fazem em relação aos gastos de consumo e investimento para determinar assim o valor de N e o volume de produção. Segundo Lima (2003), esta última dimensão é realmente a fundamental, uma vez que os gastos efetivos dos consumidores e empresas só se tornam importantes quando a produção for realizada ou vendida. Nesse momento, se as estimativas que os empresários fizeram não forem corretas, estas podem ser revisadas determinando um novo nível de produção. Fonte: adaptado de Brue (2016). Keynes observou que uma economia não consome tudo o que produz, conforme afirma Chang (2015). É fácil perceber que a teoria de Keynes está submetida à uma análise de um processo contínuo de produção, circulação e consumo. Como uma firma, que, em determinado período de produção, gera um determinado valor em dólares de mercadorias. Com a receita da venda dessas mercadorias, a firma paga seus custos de produção, que incluem salários, ordenados, aluguéis, materiais e matérias-primas, além dos juros pelo dinheiro tomado emprestado, de forma que, o que sobra, após esses custos terem sido pagos, é o lucro. Nesse sentido, para Keynes, as economias capitalistas eram tidas como eco- nomias empresariais ou economias monetárias de produção. Caro(a) leitor(a), o caráter essencial de uma economia monetária é que a moeda não é apenas um meio de troca. Trata-se de um ativo apto a resguardar as alterações nas expecta- tivas dos agentes, isso porque reserva valor do presente para o futuro, de modo que possuindo liquidez máxima, pode saldar tanto transações à vista quanto pagamentos futuros. Isso vai depender da forma pela qual a preferência pela liquidez dos empresários for pautada pelas expectativas deles sobre o futuro. Esse panorama, envolve, fundamentalmente a questão da incerteza. À medida em que essas expectativas são movidas por fatores psicológicos, e não por cál- culos racionais, pois o futuro é cheio de incertezas. A Teoria de Keynes Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 185 Em um mundo incerto, os investidores podem ficar subitamente pes- simistas sobre o futuro e reduzir seus investimentos. Em tal situação haverá mais dinheiro guardado do que o necessário - termos técnicos, um ‘excesso de poupança’. [...] Keynes argumentou que [...] quando o investimento cai, os gastos gerais também caem, o que então reduz a renda, já que o gasto de uma pessoa é a renda de outra. Uma redução na renda, por sua vez, reduz a poupança, já que a poupança é basicamente o que sobra após o consumo (e tende a não mudar muito devido a uma queda na renda, sendo determinada pelas nossas necessidades de so- brevivência e nossos hábitos). No final, a poupança vai se contrair para se igualar à demanda de investimentos, agora menor. Se o excesso de poupança for reduzido dessa maneira, não haverá pressão para baixar os juros, e, portanto, nenhum estímulo adicional para o investimento. (CHANG, 2015, P. 28). Conforme Chang (2015), em Keynes apresenta-se uma teoria econômica mais adequada, face à economia capitalista avançada do século XX em relação à escola clássica ou a neoclássica. A teoria keynesiana baseia-se na verificação de que há um distanciamento estrutural entre poupadores e investidores, dificultando a realização do pleno emprego. A seguir, um quadro explicativo, baseado na contribuição de Brue (2016) para o entendimento da teoria Keynesiana e seus dogmas. Quadro 2 - Principais dogmas da teoria keynesiana DOGMA DESCRIÇÃO Ênfase macroeconômica Keynes e seus seguidores preocuparam-se com os determinantes das quantias totais ou agregadas de consumo, poupança, renda, produção e emprego. Estavam menos interessados, por exemplo, em como uma empresa individual decide sobre seu nível de emprego que maximiza o lucro do que na relação entre gastos totais na economia e o conjunto de taisdecisões. A ESCOLA KEYNESIANA E OS DIAS ATUAIS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E186 DOGMA DESCRIÇÃO Orientação pela demanda Os economistas keynesianos reforçavam a importân- cia da demanda efetiva como o determinante imedia- to da renda nacional, da produção e do emprego. Os gastos agregados, diziam esses economistas, consis- tem na soma dos gastos de consumo, de investimen- tos, do governo e da exportação líquida. As empresas produzem coletivamente um nível de produção real que esperam vender. Mas, às vezes, os gastos agrega- dos são insuficientes para comprar toda a produção. À medida em que os bens se acumulam, as empresas demitem funcionários e reduzem a produção. Isto é, a demanda efetiva estabelece a produção real da economia que, em alguns casos, é menor que o nível de produção que existiria se houvesse emprego pleno (produção potencial). Instabilidade na economia De acordo com os keynesianos, a economia tende a aumentos rápidos recorrentes, porque o nível de gastos planejados com investimentos é irregular. As alterações nos planos de investimentos fazem com que a renda e a população nacional mudem em quantias maiores do que as mudanças iniciais nos investimentos. Os níveis equilibrados de investimento e poupança - aqueles que existem depois de todos os ajustes- são alcançados por meio de mudanças na renda nacional, em oposição às mudanças na taxa de juros. Os gastos com investimentos são determinados pela taxa de juros e pela eficiência marginal do capital ou pela taxa de retorno esperada acima do custo so- bre novos investimentos. A taxa de juros depende das preferências das pessoas por liquidez e da quantidade de dinheiro. A eficiência marginal do capital depende da expectativa de lucros futuros e do preço de oferta de capital. A taxa de lucro esperada dos novos inves- timentos é instável, e, portanto, uma das causas mais importantes das flutuações econômicas. A Teoria de Keynes Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 187 DOGMA DESCRIÇÃO Inflexibilidade nos salários e preços Os keynesianos apontavam que os salários tendem a ser inflexivelmente decrescentes, devido a fatores institucionais como os contratos com os sindicatos, as leis de salário mínimo e os contratos implícitos (enten- dimentos entre os patrões e seus empregados de que os salários não serão reduzidos durante os períodos de quedas temporárias). Em períodos de queda na demanda agregada por bens e serviços, as empresas respondem às vendas mais baixas com a redução de preços e a demissão de empregados, sem insistir nas reduções salariais. Os preços também caem; a queda na demanda efetiva causa inicialmente reduções na produção e no emprego em vez de queda no nível de preços. A deflação ocorre somente em condições de recessão extremamente grave. Políticas Fiscais e monetárias ativas Os economistas keynesianos defendiam que o gover- no deveria intervir ativamente por meio de políticas fiscais e monetárias adequadas, a fim de promover o pleno emprego, a estabilidade dos preços e o crescimento econômico. Para combater a recessão ou depressão, o governo deveria aumentar os seus gastos ou reduzir os impostos, sendo que essa opção aumentaria os gastos com consumo privado. Ele deveria aumentar também a oferta de moeda para baixar as taxas de juros, na esperança de que isso encorajasse os gastos com investimentos. Para conter a inflação causada por gastos agregados excessivos, o governo deveria reduzir seus próprios gastos, aumen- tar os impostos para reduzir os gastos com consumo privado ou reduzir a oferta de moeda para elevar as taxas de juros, o que refrearia os gastos excessivos com investimentos. Fonte: adaptado de Brue (2016). Diversos economistas importantes ajudaram com suas versões da abordagem de Keynes para a transformação da tendência atual da teoria macroeconômica. E a partir desse ponto temos muitos trabalhos de diversos economistas, que interligados foram deixando seu legado para o estágio atual da ciência econômica. A ESCOLA KEYNESIANA E OS DIAS ATUAIS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E188 NEOLIBERALISMO Por fim, mas não menos importante, vamos falar de neoliberalismo. Trata-se de um termo bastante conhecido. Conforme Gennari (2009), é um fenômeno sui generis (peculiar). Suas raízes remontam ao liberalismo clássico. Porém, enquanto o alvo do liberalismo clássico era, em grande medida, o Estado Absolutista e o velho mundo feudal, o neoliberalismo se insurge contra o Estado, mais especificamente o totalitarismo, o nazismo, e o comunismo, e fundamentalmente o Estado de bem-estar social, visto em conjunto, como formas de cercear as liberdades individuais. Um grande nome da escola neoliberal é Friederich Hayek. O marco foi a publicação de seu texto: The road to serfdom (o caminho da servidão) publi- cado em 1944. ESCOLA DE CHICAGO Nesse contexto, é válido apresentar a contribuição da escola de Chicago (Novo Classicismo), que tem Milton Friedman como grande pensador. Abaixo, um quadro com os principais dogmas dessa escola. Escola de Chicago Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 189 Quadro 3 - Principais dogmas da Escola de Chicago DOGMA DESCRIÇÃO Comportamento ideal Os membros da escola de Chicago reforçam o princípio neoclássico de que as pessoas tendem a maximizar seu bem-estar; a unidade econômica básica é o indivíduo. Preços e salários controlados tendem a ser uma boa estimativa dos preços e salários da concorrência a longo prazo Os preços e salários refletem custos de oportunidade para a sociedade na margem. Orientação matemática A escola de Chicago confia muito na orientação matemática, utilizando o método de equilíbrio Marshaliano e a abordagem de equilíbrio geral de Walras (abordado na unidade IV), Rejeição do Keynesianismo A economia é auto-ajustável e re- guladora, com pequenas flutuações auto-restritivas. Governo limitado. O governo é inerentemente ineficiente como um agente para atingir os objeti- vos que podem ser satisfeitos por meio de trocas privadas. Fonte: adaptado de Brue (2016). Temos por fim, em Friedman, um ideário monetarista. Sua tese é que as pres- sões inflacionárias decorrem, em geral, do desregramento por parte do Estado, que, ao gastar mais do que arrecada, produz um desequilíbrio. Nesse sentido, o monetarismo é um ataque frontal às ideias keynesianas. Para Keynes, a “mão invisível” do mercado não funciona adequadamente sem o complemento da “mão visível do Estado”. Fonte: Keynes (1996). A ESCOLA KEYNESIANA E OS DIAS ATUAIS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E190 Homens práticos, que se julgam absolutamente imunes a quaisquer influ- ências intelectuais, em geral, são escravos de algum economista já falecido. (John Maynard Keynes) Considerações Finais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 191 CONSIDERAÇÕES FINAIS Caro(a) aluno(a)! Nesta unidade refletimos sobre a conhecida revolução Keynesiana. De modo que caminhamos no conhecimento/reconhecimento das profundas transformações a partir da publicação da Teoria Geral de JohnMaynard Keynes em 1936. Diante do panorama apresentado, foi possível verificar a dinamicidade econô- mica, principalmente no tocante à questão monetária. Nesse sentido, você pôde perceber que a moeda tem um tratamento representativo a desempenhar na eco- nomia. O nosso pensador diz que a moeda afeta motivos e decisões. Destarte, a moeda é concebida como sendo não neutra tanto no curto quanto no longo prazo. Keynes também trabalha com a questão da incerteza, atribuindo aí a importân- cia da dimensão temporal na economia. Vimos também sobre o neoliberalismo e a escola de Chicago. Essa escola se apresenta na fase moderna da economia e tem seu marco em 1946. Quando Milton Friedman ingressou na escola de Chicago. Essa doutrina segue as prin- cipais tradições clássicas-neoclássicas. Nesse sentido, está amplamente ligada ao termo neoliberalismo, por conta das aspirações da escola, implicando na retomada da questão da maximização do bem-estar, com um viés matemático significativo como explicativo das variáveis econômicas. Sob esse ponto de vista, os defensores das ideias de Chicago ajudaram a con- vencer a população em geral e os oficiais eleitos de que o sistema de mercado concorrente, se deixado relativamente livre da intervenção governamental, pro- duz liberdade econômica máxima. Na medida em que essa proposição é válida, o pensamento de Chicago beneficiam toda a sociedade. É importante destacar que Brue (2016) afirma que essa escola beneficiou amplamente muitos interesses corporativos. De fato, algumas pessoas, inclusive, conforme o autor, ajudaram com patrocínio a defesa desse ideário. 192 1. Discorra sobre a preocupação central do trabalho de Keynes. 2. Keynes utilizou o termo preferência por liquidez para atribuir à procura por mo- eda. Nesse sentido, apresente os três motivos para a demanda por moeda. 3. Diferencie a escola clássica da escola keynesiana. 4. Discorra sobre as características fundamentais da escola de Chicago. 5. Correlacione as seguintes alternativas com a coluna contendo as afirmativas e assinale a alternativa correta: A. Função consumo. B. Investimento. C. Preferência pela liquidez. D. Eficiência marginal do capital. ( ) “Lei psicológica fundamental” que tratava da relação entre consumo e renda. ( ) Compra de bens de capital. ( ) Taxa de desconto que torna o valor atual da série de retornos esperados exa- tamente igual ao preço de oferta do ativo de capital. ( ) A liquidez permite que as pessoas agarrem rapidamente as oportunidades de investimentos financeiros e econômicos à medida que eles aumentem. a. A-B-C-D. b. A-B-D-C. c. A-D-B-C. d. D-C-A-B. e. D-A-B-C. 193 AS CONSEQUÊNCIAS ECONÔMICAS DA PAZ Para quem viveu em Paris a maior parte dos seis meses que sucederam o armistício, uma visita ocasional a Londres era uma experiência estranha. A Inglaterra ainda se encontra fora da Europa, cujos tremores silenciosos não a alcançam. A Europa está afastada e a In- glaterra não é parte do seu corpo e da sua alma. Mas a Europa continental é una: França, Alemanha, Itá lia, Áustria, Holanda, Rússia, Romênia e Polônia vibram juntas - têm uma só estrutura e civilização. Floresceram juntas, juntas foram sacudidas por uma guerra em que nós, ingleses, a despeito da enorme contribuição e dos grandes sacrifícios que fizemos (embora em grau menor do que os Estados Unidos da América) ficamos de fora economicamente. Assim, esses países podem decair juntos. Este é o sentido destrutivo da Paz de Paris. Se a guerra civil européia deve terminar com a França e a Itália usando abusivamente o poder momentâneo da sua vitória para destruir a Alemanha e a Áustria- -Hungria, que jazem prostradas, estão convidando a sua própria destruição, por estarem tão profunda e indissoluvelmente ligadas às suas vítimas, por vínculos econômicos e espirituais ocultos. De qualquer forma, um inglês que participou da conferência de Paris e durante aqueles meses pertenceu ao Conselho Econômico Supremo das Potências Aliadas, deveria tornar-se um europeu nos seus cuidados e na sua visão (uma experiên- cia nova para ele). Ali, no centro nervoso do sistema europeu, suas preocupações bri- tânicas em boa parte desapareceriam, e ele seria perseguido por outros aspectos, mais assustadores. Paris foi um pesadelo, e todos estavam envolvidos por uma atmosfera de morbidez. Um sentido de catástrofe iminente assombrava o frívolo cenário: a futilidade e mesquinharia do homem diante dos grandes eventos que o confrontavam; o signifi- cado ambíguo e o irrealismo das decisões; a ligeireza, a cegueira, a insolência, os gritos confusos de ira - havia ali todos os elementos da tragédia antiga. Sentado ao lado das decorações teatrais dos salões oficiais franceses, podia-se especular se os rostos pecu- liares de Wilson e Clemenceau, com sua cor fixa e caracterização imutável, eram de fato rostos e não as máscaras tragicômicas de algum estranho drama ou de um espetáculo de marionetes. Os procedimentos em Paris tinham todos esse ar de extraordinária relevância e ao mes- mo tempo de pouca importância. As decisões tomadas pareciam prenhes de conse- qüências para o futuro da sociedade humana; contudo, o contexto insinuava que as palavras não tinham peso - eram fúteis, insignificantes, sem efeito, dissociadas dos fatos. Sentia-se fortemente a impressão, descrita por Tolstoy em Guerra e Paz e por Thomas Hardy em Os Dinastas, de acontecimentos que caminhavam para a sua conclusão sem sofrer qualquer influência das celebrações dos estadistas reunidos em conselho: O Espírito dos Anos Vê como essa gente enlouquecida Abandona toda visão larga e toda contenção Em troca de uma negligência imanente. 194 Nada resta além da vingança entre os fortes e Entre os fracos uma ira impotente. o Espírito da Piedade Que dá força a essa vontade Para agir de forma tão insensata ? o Espírito dos Anos Já te disse que é inconsciente, ela opera Sem julgar, como um ser possuído. Fonte: Keynes (2002, on-line)1. Material Complementar MATERIAL COMPLEMENTAR Teoria geral do emprego do juro e da moeda John Maynard Keynes Editora: Nova Cultural Sinopse: obra clássica para entendimento da revolução do pensamento econômico. Publicado em 1936. Trabalho Interno Ano: 2010 Sinopse: em 2008, uma crise econômica de proporções globais fez com que milhões de pessoas perdessem suas casas e empregos. Ao todo, foram gastos mais de US$ 20 trilhões para combater a situação. Por meio de uma extensa pesquisa e entrevistas com pessoas ligadas ao mundo fi nanceiro, políticos e jornalistas, é desvendado o relacionamento corrosivo que envolveu representantes da política, da justiça e do mundo acadêmico. Acesse o site do World Bank (Banco Mundial) e conheça os dados sobre países em desenvolvimento. Disponível em: <www.worlbank.org/data>. A Associação Keynesiana Brasileira (AKB) é uma sociedade civil, sem fi ns lucrativos, que tem como objetivo desenvolver o conhecimento da teoria e da economia Keynesiana. Acesse e confi ra! Disponível em: <http://www.akb.org.br>. REFERÊNCIAS BRUE, S. História do Pensamento Econômico. São Paulo: Cengage Learning, 2016. CHANG, H. Economia: modo de usar - um guia básico dos principais conceitos eco- nômicos. São Paulo: Portfólio-Penguin, 2015. DILLARD, D. A teoria econômica de John Maynard Keynes. São Paulo: Livraria Pio- neira Editora, 1982. GENNARI, A. M.; OLIVEIRA, R. História do Pensamento Econômico. São Paulo: Sa- raiva, 2009. HUGON, P. História das doutrinas econômicas. São Paulo: Atlas, 1982. KEYNES, J. M. Teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Nova Cul- tural, 1996. LIMA, G. T. O Império Contra – Ataca: A Macroeconomia de Keynes e a Síntese Neo- clássica. In: Macroeconomia do emprego e da renda: Keynes e o Keynesianismo. Orgs. LIMA, G. T.;SICSÚ, J. São Paulo: Editora Manole Ltda., 2003. VICECONTI, P.; NEVES, S. Introdução à Economia. São Paulo: Editora Frase, 2010. REFERÊNCIAS ON-LINE 1 Em: <http://funag.gov.br/loja/download/42-As_Consequencias_Economicas_da_ Paz.pdf> Acesso em: 1 out. 2016. GABARITO 197 1. A principal preocupação de Keynes era explicar o que determinava o emprego. O autor entende que o emprego é dependente da demanda efetiva e ela está relacionada ao volume de investimento e ao poder de compra ou consumo efe- tivamente existente. 2. A preferência pela liquidez depende de três motivos para se poupar moeda e da relutância em se desfazer dela, exceto quando a taxa de juros age como uma persuasão efetiva. O primeiro motivo é o de transação, a necessidade de dinhei- ro em caixa para pagar as compras atuais de consumo e as exigências dos negó- cios. O segundo motivo preventivo, o desejo de ter algum dinheiro disponível para emergências. E, por fim, o motivo especulativo, o desejo de ter dinheiro enquanto se espera que as taxas de juros aumentem, que os preços das ações ou títulos diminuam ou que o nível geral de preços caia. A liquidez permite que as pessoas agarrem rapidamente as oportunidades de investimentos financeiros e econômicos à medida que eles aumentem. 3. A escola keynesiana construiu uma teoria econômica mais adequada para a eco- nomia capitalista avançada do século XX do que a escola clássica ou neoclássica. Keynes apresenta a separação estrutural entre poupadores e investidores, que, dificultou a equalização entre poupança e investimento e, portanto, a realização do pleno emprego. Além disso, a escola keynesiana destaca o papel 4. A escola de Chicago tinha como princípios fundamentais: ■ Comportamento pautado no princípio neoclássico de maximização do bem estar. ■ Os preços e salários refletem custos de oportunidade para a sociedade na margem. ■ A escola de Chicago possui uma orientação matemática, utilizando, por exemplo, o método de equilíbrio marshalliano e a abordagem de equilíbrio geral de Walras. ■ Rejeição do Keynesianismo de modo que o mercado é auto-regulável. ■ Por fim, o papel do governo é limitado. 5. B. CONCLUSÃO Querido(a) aluno(a), foi uma imensa satisfação promover este trabalho. por meio dele, pude ver a economia com um olhar inovador. Possibilitou-me perceber a im- portância dessa ciência social, principalmente nos dias atuais. Essa caminhada nos facilitou perceber que o pensamento econômico apresenta um significativo grau de continuidade durante os séculos. Em que os fundadores de uma nova teoria podem recorrer às ideias de seus predecessores e expandi-las, ou ainda, reagir em oposição, como por exemplo Karl Marx e a escola clássica. Amplas generalizações sobre as escolas clássica, marxista, neoclássica e keynesiana foram apresentadas. Isso foi possível à medida em que consolidamos serem essas escolas os pilares das tantas outras que não conseguimos abordar. São exemplos: a escola histórica alemã, a qual podemos associar um pensador já conhecido, Max Weber, e outras escolas que não estão contidas nesse trabalho de forma direta, como a escola institucionalista, a desenvolvimentista e, tantos pensadores impor- tantes que por questão lógica não foi possível abordar. Vale lembrar que a questão do liberalismo econômico estava presente desde a esco- la fisiocrática, passando pela Escola Clássica com Smith, Ricardo, Say, Bentham, Mill. Com Marx, a abordagem toma outra direção e o papel do governo é central em sua teoria. Na Unidade IV, começamos com os trabalhos dos marginalistas, que foram considerado uma revolução para o pensamento econômico vigente, e conhecemos Alfred Marshall, como pai da economia neoclássica. Por fim, tornou-se possível conhecer a teoria Keynesiana e o seu papel transforma- dor diante do cenário de crise a partir da década de 1930, na qual, por intermédio de Keynes, a macroeconomia passa a ter uma representatividade inovada. E, por fim, a Escola de Chicago que, via de regra, pode ser associada ao ideário de neoliberalismo que vigora nos dias atuais. Fica registrado aqui a minha gratidão a você, motivador(a) central desse trabalho. Meus sinceros votos de agradecimento. Até a próxima! CONCLUSÃO