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Fascículo - Antropologia Filosófica

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Mario Cruz

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Prévia do material em texto

ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA
José carlos dantas
São Luís
2011
Edição 
Universidade estadUal do Maranhão - UeMa
núcleo de tecnologias para edUcação - UeManet
Coordenador do UemaNet
prof. antonio roberto coelho serra
Coordenadora de Design Instrucional
profª. Maria de fátiMa serra rios
Coordenadora do Curso de Filosofia, a distância
profª. leila aMUM alles barbosa
Responsável pela Produção de Material Didático UemaNet
cristiane costa peixoto
Professor Conteudista
José carlos dantas
Revisão
liliane Moreira liMa
lUcirene ferreira lopes
Diagramação
JosiMar de JesUs costa alMeida
lUis Macartney sereJo dos santos
tonho leMos Martins
Designer
lUciana vasconcelos
Universidade estadUal do Maranhão
Núcleo de Tecnologias para Educação - UemaNet
Campus Universitário Paulo VI - São Luís - MA
Fone-fax: (98) 3257-1195
http://www.uemanet.uema.br
e-mail: comunicacao@uemanet.uema.br
Proibida a reprodução desta publicação, no todo ou em 
parte, sem a prévia autorização desta instituição.
Governadora do Estado do Maranhão
roseana sarney MUrad
Reitor da UEMA
prof. José aUgUsto silva oliveira
Vice-reitor da UEMA
prof. gUstavo pereira da costa
Pró-reitor de Administração
prof. Walter canales sant’ana
Pró-reitora de Extensão e Assuntos Estudantis
profª. vânia loUrdes Martins ferreira
Pró-reitora de Graduação
profª. Maria aUxiliadora gonçalves de MesqUita
Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação
prof. porfírio candanedo gUerra
Pró-reitor de Planejamento
prof. antonio pereira e silva
Chefe de Gabinete da Reitoria
prof. raiMUndo de oliveira rocha filho
Diretora do Centro de Educação, Ciências Exatas e Naturais - CECEN
profª. andréa de araúJo
Dantas, José Carlos
Antropologia filosófica / José Carlos Dantas. - São 
Luís: UemaNet, 2011.
229 p.
ISBN: 978-85-63683-14-4
1. Antropologia filosófica. I. Título.
CDU: 141.319.8
ATIVIDADES REFERÊNCIAS SUGESTÃO DE FILME
íCONES
Orientação para estudo
Ao longo deste fascículo serão encontrados alguns ícones utilizados 
para facilitar a comunicação com você.
Saiba o que cada um significa.
 SAIBA MAIS GLOSSÁRIO ATENÇÃO PENSE
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
UNIDADE 1
FENOMENOLOGIA HUMANA ........................................... 23
O QUE É O HOMEM? É PONTO DE PARTIDA DA ANTROPO-
LOGIA FILOSÓFICA ........................................................... 25
Premissa Fundamental: o homem como ser 
multidimensional ...................................................... 27
TRAÇOS DA FENOMENOLOGIA HUMANA ...................... 29
O homem como ser material e natural .......................... 29
O homem como ser racional ....................................... 33
O homem como ser sociopolítico ................................. 40
O homem como ser ético-moral .................................. 45
O homem como ser de práxis ...................................... 59
O homem enquanto ser estético ................................... 62
O homem como ser religioso e transcendente ............. 67
A PESSOA E SUAS MARCAS FUNDAMENTAIS ............. 82
UNIDADE 2
CONSTITUIÇÃO CIENTÍFICA DA ANTROPOLOGIA NO 
OCIDENTE ............................................................................... 95
O CAMPO DAS CIÊNCIAS HUMANAS E A ANTROPOLOGIA 
FILOSÓFICA ............................................................................. 96
O TERMO, A LEGITIMIDADE E BREVES TRAÇOS 
HISTÓRICOS DA ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA .. 99
AS QUESTÕES DO ESTATUTO E DA METODOLOGIA 
NA ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA ......................... 106
UNIDADE 3
CONCEPÇÕES ANTROPOLÓGICAS À LUZ DA FILOSOFIA 
NO OCIDENTE ........................................................................ 111
A CONCEPÇÃO CLÁSSICA DE HOMEM ......................... 114
O homem na Grécia arcaica ...................................... 114
 Teológico ou religioso ........................................... 115
 Cosmológico ........................................................ 115
 Antropológico ....................................................... 115
A antropologia sofística ............................................. 116
A transição socrática .................................................. 117
Antropologia platônica .............................................. 118
Antropologia aristotélica ............................................ 119
CONCEPÇÃO BÍBLICA E PATRÍSTICA DE HOMEM ........ 121
CONCEPÇÃO MEDIEVAL DE HOMEM ............................ 123
CONCEPÇÃO MODERNA DE HOMEM ............................. 124
Concepção humanístico-racionalista de homem ........ 125
A imagem de homem na época da Ilustração ............ 127
Compreensão kantiana de homem ............................. 129
O HOMEM NA FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA ............... 130
Concepção de homem no Idealismo Alemão e em 
Rousseau ................................................................... 130
O homem na perspectiva hegeliana ............................ 131
Antropologia pós-hegeliana: Feuerbach e Marx .......... 132
Modelos de Antropologia Contemporânea ................. 134
UNIDADE 4
DIMENSÕES FUNDAMENTAIS DO HOMEM ..................... 149
FENOMENOLOGIA DA LINGUAGEM: conceitualizações e 
relevância ........................................................................... 151
Aspectos estruturais da linguagem: divisão, essência e 
níveis ......................................................................... 154
A origem e trajetória da linguagem ............................ 155
A CULTURA ........................................................................ 167
Conceitualizações ...................................................... 168
Natureza e Cultura .................................................... 170
Cultura e Sociedade .................................................. 172
Cultura como bem de produção e bem de consumo .. 173
A liberdade: a perspectiva sartreana ........................... 177
UNIDADE 5
DUAS PERSPECTIVAS HUMANISTAS: o marxismo e o 
existencialismo ............................................................................ 193
O HOMEM NO MARXISMO ........................................................ 195
O HOMEM NO EXISTENCIALISMO ........................................... 200
 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................ 214
 REFERÊNCIAS ................................................................... 217
PLANO DE ENSINO
DISCIPLINA: Antropologia Filosófica
Carga horária: 60 h
EMENTA
Antropologia Filosófica e Filosofia. O homem, o tempo e a história: 
o projeto histórico. O homem e os valores: o projeto ético. O 
homem e o Estado: o projeto político. O homem e a educação: o 
projeto pedagógico. O homem e a libertação: a proposta marxista, 
existencialista e a proposta cristã.
OBJETIVOS
Geral 
Proporcionar reflexões, conhecimento e entendimento sob o homem à 
luz da Antropologia Filosófica.
Específicos
¡	Favorecer reflexões e debates em torno de aspectos básicos do 
fenômeno humano;
¡ Destacar conceitos antropológicos básicos;
¡	 Identificar elementos fundamentais da constituição científica da 
Antropologia;
¡	Compreender criticamente elementos do ser humano: 
linguagem, cultura e liberdade;
¡	Abordar sucintamente as propostas humanísticas de Karl Max e 
Jean-Paul Sartre.
CONTEÚDO PROGRAMÁTICO
UNIDADE 1
FENOMENOLOGIA HUMANA
UNIDADE 2
CONSTITUIÇÃO CIENTÍFICA DA ANTROPOLOGIA NO 
OCIDENTE
UNIDADE 3
CONCEPÇÕES ANTROPOLÓGICAS À LUZ DA FILOSOFIA NO 
OCIDENTE
 
UNIDADE 4
DIMENSÕES FUNDAMENTAIS DO HOMEM
UNIDADE 5
DUAS PERSPECTIVAS HUMANISTAS: o marxismo e o 
existencialismo
METODOLOGIAO desenvolvimento e a avaliação da disciplina serão realizados de 
acordo com as diretrizes e orientações para a Educação a Distância.
AVALIAÇÃO
A avaliação se dará em função dos objetivos propostos, levando em 
consideração: a leitura dos textos sugeridos; o desenvolvimento das 
atividades propostas; as anotações e os questionamentos levantados e 
a participação nas discussões nos momentos presenciais.
Caro estudante,
A Antropologia Filosófica, podemos dizer, é uma disciplina fundante, 
por isso, de praxe, os cursos de graduação em filosofia a introduzem 
entre os primeiros períodos exatamente na intenção fundamental de 
favorecer uma reflexão básica sobre o fenômeno humano.
A antropologia é assim fascinante, porque, enquanto “estudo do 
homem” sob luzes filosóficas, nos faz imaginar uma espécie de espelho 
pelo qual buscamos desvelar ou compreender feições de nós mesmos. 
Mas ao mesmo tempo desafiante, porque a imagem revelada é apenas 
parte do que somos. 
Assim, entre empolgações e limites, convido você a acompanhar 
as cinco unidades que compõem o presente curso de Antropologia 
Filosófica. A primeira unidade aborda traços da fenomenologia 
humana: natureza, razão, política, ética, práxis, estética e religião. A 
segunda explicita brevemente a constituição científica e a trajetória 
histórica da disciplina. A terceira trata da imagem ocidental de homem 
dos gregos arcaicos aos tempos atuais. A quarta unidade reflete 
três dimensões humanas fundamentais: a linguagem, a cultura e a 
liberdade. A quinta discorre sobre duas perspectivas humanistas: o 
marxismo e o existencialismo (sartreano).
APRESENTAÇÃO
No princípio de cada unidade apresentamos motivações, objetivos 
e roteiro principal de estudos. No final, sugerimos filmes, textos e 
músicas que complementam o conteúdo proposto. Encerramos cada 
unidade indicando algumas questões relativas ao assunto estudado. 
De sua parte o esforço, o disciplinamento e a ampliação de leituras 
caracterizarão sua seriedade e sua responsabilidade acadêmica cujo 
reflexo posterior será o nível de sua atuação profissional. Isso não 
significa, obviamente, eliminar outros aspectos da vida, apenas orientar 
certa prioridade para esta fase acadêmica ora vivenciada. 
Oxalá este fascículo dedicado à Antropologia Filosófica mediante 
suas leituras, reflexões e debates críticos possa contribuir para um 
razoável entendimento sobre o homem e, mais que isso, nos incitar ao 
compromisso e responsabilidade histórica de cada um nós na esfera 
ou no contexto em que atuarmos.
Por fim, é importante ressaltar que estamos juntos nesta caminhada 
antropológica. Saiba que você poderá contar com uma série de 
profissionais envolvidos e dispostos a interagir continuamente.
Um grande abraço! Muito sucesso nos estudos!
“Em busca do primeiro homem” é uma matéria da jornalista Kate 
Wong na Scientific American Brasil (Nº 37 – junho 2010), que trata da 
pesquisa do paleontólogo Michel Brunet e sua equipe da Universidade 
de Poitiers, o qual apresentou em julho de 2002 o Sahelantropus 
tchadensis (Toumai – “esperança de vida”), desenterrado no deserto 
de Djurab, no Chade, como sendo “o mais antigo hominídeo”, datando 
de aproximadamente 7 milhões de anos, tempo em que, segundo o 
pesquisador, a linhagem dos chimpanzés e a nossa teriam se separado. 
A Era do Vazio é um livro que aborda o individualismo contemporâneo 
demarcado conforme o autor, o filósofo francês Gilles Lipovetsky 
(1993, p. 1-3) pela prevalência da sedução a qual “se tornou um 
processo geral com tendências a regrar o consumo, as organizações, a 
informação, a educação, os costumes. [...]. De agora em diante, o self-
service e o atendimento à la carte designam o modelo geral da vida 
nas sociedades contemporâneas...” as quais caracterizadas conforme 
o sociólogo Zygmunt Bauman, pela liquidez, tal como ele afirma em 
seu recente livro Vida Líquida (2009, p.7): “‘Líquido-moderna’ é uma 
sociedade em que as condições sob as quais agem seus membros 
mudam num tempo mais curto do que aquele necessário para 
consolidação, em hábitos e rotinas, da formas de agir.”
Controvérsias à parte envolvendo essas teses, o fato é que no horizonte 
do extenso arco do tempo entre homem primitivo o homem hodierno, 
permanece o que diz Wong ao encerrar sua reportagem: “Muitos 
de nós passamos a melhor parte da vida procurando nós mesmos.” 
INTRODUÇÃO
Encontrado no Chade, África, 
em 2001, supostamente o 
hominídeo mais antigo. Apesar 
de ser encontrado apenas 
o crânio e a mandíbula, há 
pesquisadores que asseguram 
que detalhes do crânio 
sugerem o bipedismo.
(WONG, 2010, p. 15). Uma frase como que reverberada do eco da 
eterna máxima precípua de Sócrates: “Conhece-te a ti mesmo.” Esta 
busca incessante do homem por ele mesmo é, com efeito, a anima, por 
excelência, da Antropologia, principalmente quando tomada à luz da 
Filosofia tal como bem expressa na assertiva de Cassirer (2001, p. 9): 
“Que o conhecimento de si mesmo é a mais alta indagação filosófica 
parece ser geralmente reconhecido.”
Consideremos, entretanto, o seguinte: se questionamos a certeza da 
verdade afirmada pelo conhecimento de maneira geral, a partir daquela 
indagação de se os objetos do mundo efetivamente se manifestam 
com clareza, um tanto mais instigante é o desafio da Antropologia: 
desvelar o homem. Podemos, com efeito, interpor questões como 
estas: O homem realmente se revela? Como e em que nível o homem 
se manifesta? Sob quais parâmetros ou critérios aprendê-lo? Haveria 
uma autarquia antropológica uma vez que o investigador é também 
simultaneamente o objeto investigado? Que validade científica teriam 
então as assertivas antropológicas?
Mas estas questões podem ser sintetizadas naquela que é o problema 
essencial da Antropologia Filosófica: o que é o homem? Rabuske (2001; 
p. 13) lembra a afirmação de Heidegger segundo a qual “nenhuma 
época teve noções tão variadas e numerosas sobre o homem como a 
atual. [...]. Mas também é verdade que nenhuma época soube menos 
que a nossa o que é o homem. Nunca o homem assumiu um aspecto 
tão problemático como atualmente.”
De fato, atualmente devemos colocar aquela admirável inquietação 
levando em conta a diversidade de paradigmas científicos pelos quais 
se espelham as interfaces do homem, convergentes numa dimensão 
de totalidade humana, como diz Edgar Morin. 
Tendo, pois, em mente esta perspectiva de multidimensionalidade, 
nosso curso esquematicamente divide-se, como já dissemos, em cinco 
unidades.
Começaremos refletindo alguns traços da fenomenologia humana. 
Marx, Arendt, Morin, Buzzi, entre outros pensadores, convergem 
na tese fundamental de que o homem primeiramente enraiza-se no 
mundo, articula a vida, as experiências e a história junto com seus 
semelhantes no contexto do mundo real. “O homem é um campo de 
relações [...]. Isso o faz ser-no-mundo e como-o-mundo” (BUZZI, 1987, 
p. 246). Todavia, tal como assinala o helenista Vernant, referindo-se 
à sobrepujança do logos ao mito, a razão é a referência definitiva da 
história da civilização humana, demarcada, por conseguinte, pela 
socialidade e pela política como já afirmava Aristóteles. De fato, 
apesar de frisar experiências políticas ocidentais frustrantes, Arendt 
diz claramente que não existe ação nem “milagres” fora da esfera 
política, a rigor, efetivada segundo Habermas, concordando com a 
filósofa, num espaço em que se entrelaçam democracia e ética. Sobre 
isso Perine afirma que todo homem, em princípio, é portador de um 
“um saber ético-moral”; embora tensionado o acerto e o erro, pois 
o homem pode e o faz com frequência, trair regras e valores. Não 
obstante,Kant fundamenta a moralidade na boa vontade do sujeito 
cujas máximas de ação atrelam-se a uma moral universal.
Permanece, entretanto, o problema básico do contentamento. Que 
princípios orientariam a satisfação coletiva? Aquilo que é útil como 
afirma Bentham? O que é justo como defende Rawls? É a atribuição 
de responsabilidade holística como pensa Jonas? Para Habermas, 
a adoção de qualquer perspectiva de contentamento requer, 
primeiramente, que princípios, normas e axiologias sejam discutidas 
e avalizadas livre e racionalmente pelos envolvidos. Significa afirmar, 
assim, que o homem reflete, discute e encaminha suas práticas. É um 
ser de práxis. A práxis é, assim, um distintivo do homem consciente de 
seu lugar no mundo.
Todavia, como nota o teólogo Boff, o homem transcende ao próprio 
mundo, por exemplo, pela arte e pela religião. Do ponto de vista da 
arte, podemos mencionar a alusão de Cotrim a uma feliz expressão de 
Schiller em defesa da estética: “a arte é filha da liberdade e quer ser 
legislada pela necessidade do espírito, não pela carência da matéria.” 
Quanto à religião, mesmo um ateu assumido como Feuerbach, 
assegura que só o homem produz religião. Esta é co-extensiva à cultura. 
O historiador das religiões Mircea Eliade, nos mostra que em todas as 
sociedades encontramos traços hierofânicos e distinção entre sagrado 
e profano. Além disso, a religião une espantosamente os mundos 
imanente e transcendente – o “cá em baixo” ao “lá em cima,” afirma 
Explica Perine, é relativo à vida 
boa, à felicidade (eudaimonia) 
como dizia Aristóteles, 
localizada, numa confluência 
(muitas vezes conflituosa) entre 
o indivíduo e a coletividade.
Berger. Porém, para críticos radicais como Marx, Freud e Nietzsche – “ 
os mestres da suspeita” como os alcunhou Paul Ricoeur, em vez desse 
suporte civilizatório, ela é alienante, neurótica e desumanizante e, 
portanto, um obstáculo removível enquanto condição de possibilidade 
da emancipação humana.
Tratando-se de emancipação, os antropólogos espanhóis Stork e 
Echevarría, consideram-na impossível, sem o devido realce à dignidade 
e à pessoalidade de cada um de nós. Com efeito, violências incidentes 
sobre o indivíduo contradizem qualquer progresso civilizatório
Talvez já tenhamos percebido que o tino da antropologia é seguir o 
encalço da humanidade. Neste sentido, a segunda unidade aborda 
ainda que brevemente sua constituição científica: natureza, importância 
e suas metodologias. Sendo uma disciplina pulsante, a Antropologia é, 
obviamente, tecida por muitas mentes e mãos. 
Um dos pensadores indispensáveis em torno da trajetória humana, 
sobretudo no Ocidente, é o padre Lima Vaz. Na terceira unidade vamos 
acompanhar o fluxo de suas reflexões antropológicas desde a Grécia 
arcaica à contemporaneidade. Perceberemos que houve um tempo 
mítico-cosmogônico, em que o homem submetia-se às prescrições 
divinas. Mas a partir da virada cosmológica e mais ainda desde os 
sofistas, Sócrates, Platão e Aristóteles, ressalvando-se as importantes 
distinções programáticas entre eles, “as coisas humanas” passaram a 
pautar as discussões teóricas. Tanto, que Lima Vaz mostra claramente 
como a herança clássica incidiu contundente e até dogmaticamente 
sobre as interpretações antropológicas posteriores, especialmente 
nos tempos patrístico e medieval, mesmo que as revelações bíblicas 
e as doutrinas teológico-eclesiásticas relevantes sejam doravante 
indispensáveis. Uma célebre expressão desse contexto teocêntrico – 
porque Deus é o Alfa e o Ômega – é pronunciada por santo Agostinho: 
“o homem é um itinerante para Deus.”
Entretanto, acompanhando Lima Vaz, perceberemos entre os 
séculos XV e XVIII, quando ocorrem complexas transformações 
e fatos históricos importantes como a Ilustração e o Renascimento, 
transitamos, então, para novos tempos onde ideais como humanidade, 
civilização, tolerância e revolução passam a interferir nas questões 
antropológicas. De Nicolau de Cusa a Sartre, passando por Pico della 
Mirandòla, Maquiavel, Descartes, Pascal, Hobbes, Locke, Rousseau, 
Hegel, Kant, Feuerbach, Marx, Kierkegaard, o homem é interpretado 
além daqueles ideais supracitados, por traços realmente inovadores: 
pluralidade cultural, realismo político, racionalismo, materialismo, 
alienação etc. Estes e outros caracteres desembocam na antropologia 
contemporânea, acalorando mais ainda os debates agora sob um 
panorama pluriversal, para dizer, portanto, que o homem é atualmente 
considerado em espraiadas direções.
Nos limites do presente curso, vamos abarcar apenas três direções 
específicas: a linguagem, a cultura e a liberdade. Estas formam as 
reflexões da terceira unidade intitulada Dimensões Fundamentais do 
Ser Humano. Claro que poderiam ser outras. Pensamos, porém que 
elas traduzem elementos humanos fundamentais. A linguagem, por 
exemplo, é a epifania do ser, assevera Heidegger; ou ainda como 
diz Cassirer, é um dos meios fundamentais do espírito: é por ela que 
transitamos do mundo da sensação ao mundo da representação; é por 
ela certamente que entramos no mundo, afirma com razão Gusdorf, 
e Rousseau completa acertadamente ao notar que não se sabe de 
onde é um homem, antes que ele fale. A Linguagem, portanto, é um 
sistema sígnico e abstrato; um fenômeno articulado e universal, que 
torna o homem um homo loquens, diferenciado dos demais seres, 
ainda mais na esfera da competência pragmático-discursiva, onde se 
localizam homens que se preocupam e debatem desafios e propostas 
emancipatórias em nosso complexo tempo, tal como veremos na 
análise de Habermas.
Ora, a linguagem é, evidentemente, inseparável da cultura. Mas o 
que é cultura? O que uma reflexão sobre cultura pode revelar sobre 
o homem? Pode-se dizer, em tese, que tal revelação depende do 
paradigma pelo qual se pretende enxergar uma cultura. Num teor 
nitidamente crítico, discutiremos como o professor Álvaro Vieira Pinto 
pensa a cultura no seu livro Ciência e Existência.
Uma das coisas que notaremos bem é que a cultura, assim como a 
história, é uma construção humana. O homem é assim o artífice do 
mundo e de seu destino. Podemos adiantar que nada nos é dado a 
priori, isto é, antes da existência propriamente dita. Considerando 
estas afirmações, já estamos no campo de discussão sobre a liberdade 
pensada por Sartre no texto O Existencialismo é um Humanismo. E 
assim encerramos nossa quarta unidade.
Nossa quinta e última unidade retoma dois autores – Marx e Sartre –, 
para nos oportunizar uma discussão mais específica sobre suas leituras 
humanísticas, designadas como materialismo e existencialismo. Ambas 
razoavelmente tratadas pelo jesuíta francês Auguste Etcheverry em 
O Conflito Atual dos Humanismos. Em que pese certa superação de 
algumas teses de Marx, não há como negar suas afirmações sobre o 
lugar do homem no mundo e na história e muito menos suas radicais 
críticas ao capitalismo enquanto sistema contraposto por natureza a 
um projeto de mundo melhor para se viver. Sartre, por outro lado, 
pensa no homem emancipado como aquele que superou entraves 
subjetivos e objetivos que o impediam de traçar as histórias pessoal e 
coletiva. Seria então a plenitude do protagonismo humano.
Convenhamos, realmente, que no atual estágio científico-tecnológico 
a sensação de determinação humana nos destinos pólis – enquanto 
sociedade globalizada – parece muito mais à mão, através dos 
poderes conexos das ciências e das tecnologias. Não obstante toda 
esta sofisticação desperta críticas e preocupações sérias, fazendo-nos 
requerer, consequentemente, cada vez mais os auspícios da ética para 
que não entremos numa rota de cientificismos desgovernados.Munidos dessas motivações iniciais e perspectivas de boas leituras, 
reflexões críticas e debates animados, assumamos juntos a expectativa 
de podermos no final de nossa jornada visualizar melhor o que vem a 
ser o homem ou de forma mais calorosa e íntima, quem, afinal, somos 
nós mesmos.
1
UNIDADE
OBJETIVOS DESTA UNIDADE:
Compreender o homem 
enquanto ser complexo e 
pluridimensional;
Analisar criticamente 
alguns traços 
fundamentais do homem; 
Refletir sobre sentido 
fundamental do conceito 
de pessoa.
FENOMENOLOGIA HUMANA
PALAVRA INICIAL.... 
Estimado companheiro de reflexão...
Estimada companheira de reflexão...
Primeiramente seja bem-vindo (a) nesta alegre empreitada 
ou neste feliz desafio que ora assumimos de abordar, refletir e 
tentar compreender criticamente o homem, pelos caminhos da 
Antropologia sob a luz da Filosofia.
A intenção básica desta primeira unidade é expor inicialmente 
a complexidade e o desafio de responder à pergunta: o que é o 
homem? Ora, esta, como você bem sabe, é uma questão sempre 
antiga e sempre nova. Quem de nós em algum momento não já 
se flagrou indagando-se a si mesmo: quem eu sou? O que me faz 
igual e diferente aos outros seres? Aliás, consideremos algumas 
situações fenomenais: um crime bárbaro, um assalto ousado 
e surpreendente, ações corruptas repugnantes; mas também 
relevantes trabalhos científicos, sofisticadas invenções tecnológicas, 
FILOSOFIA24
fantásticas expressões de artes, emocionantes conquistas esportivas, 
superações sensacionais de certos desafios. Pois bem, diante de 
situações como estas, quem de nós já não pensou por um momento: o 
homem, de fato, é estranho, surpreendente e fabuloso. 
De fato, a complexidade humana parece inesgotável. Na esfera 
específica da Antropologia Filosófica, nas próximas páginas, tomando 
como referência importantes teorias, teremos a oportunidade de 
discutir, analisar e criticar, pelo menos, algumas marcas humanas 
interessantes: o homem é em primeiro lugar um ser natural e um ser 
de corpo, mas, sobrepondo-se à naturalidade o homem é dotado 
de complexa racionalidade, que o faz um ser reflexão e ação, isto é, 
de práxis, e, enquanto tal, ele articula seus mundos social e político. 
Assim, o mundo tem efetivamente a marca humana. Ao mesmo 
tempo, porém, o homem transcende sua materialidade por conta das 
suas crenças e, por isso, o homem projeta-se e espera um mundo para 
além deste e traduz ou exprime essa dimensão, através de simbologias, 
rituais e celebrações religiosas. 
Considere, ainda, caro estudante, o aspecto da pessoa humana enquanto 
tal. Neste caso, você terá oportunidade de refletir sobre essa questão 
tomando por base as ideias de dois antropólogos espanhóis. Eles dizem, 
por exemplo, que a pessoa humana é fonte de toda dignidade. A partir 
deste conceito se pode pensar o nível ou alcance do tratamento dado 
às pessoas, inclusive em nosso país e, mais precisamente, aos mais 
pobres. Portanto, a Antropologia Filosófica nos incita a tentarmos no 
espelho de suas teorias, nos incita tertarmos ou, ao menos, termos uma 
compreensão razoável de quem somos nós mesmos.
ITINERÁRIO DE ESTUDOS
Compreensão crítica de alguns caracteres básicos do ser humano: 
material/natural, racional, sociopolítico, ético-moral, práxis e religioso;
O conceito antropológico de pessoa humana.
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 25
O qUE é O HOMEM? é PONTO DE PARTIDA DA 
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA
É interessante que se comece considerando que a Antropologia 
Filosófica é a disciplina que, por natureza, assume-se, primordialmente, 
com a pergunta “O que é o homem?”, porque esta é, precisamente, 
a questão que traduz ou explicita o objeto ou telos principal de sua 
pesquisa. Convém advertir, todavia, que a preocupação demarcada 
na pergunta reflete muito mais a complexidade deste objeto, isto é, o 
próprio homem, do que perspectiva de desvelamento ou definição do 
mesmo.
O professor Edvino Rabuske, na sua obra Antropologia Filosófica, 
precisamente na Introdução, apresenta algumas célebres expressões 
sintéticas sobre o homem.
Houve, por exemplo, quem ressaltasse, efetivamente, num contexto 
histórico específico, a relevância do homem tal como o italiano 
Giordano Bruno ao afirmar: “o homem se situa no limite entre 
eternidade e tempo, participando de ambos.” Esta ideia de “dupla 
cidadania”, embora com outra conotação, reaparece em Kant ao 
considerar o homem como fenomênico e noumênico. Para Blaise 
Pascal, o homem é a implicação da dignidade e do limite de si próprio 
ao dizer que “o pensamento é, portanto, a nossa suprema dignidade. O 
homem transcende infinitamente o homem.” Para outros, entretanto, o 
homem circunscreve-se, fundamentalmente, na sua própria realidade, 
parece que é o que Karl Marx quer dizer quando assegura que “o 
homem não passa de um conjunto de relações sociais.” Traduzir o 
homem fora da teia de relações seria desenraizá-lo de sua realidade, 
portanto, conduzi-lo para além de sua própria humanidade.
Observe que justamente a aura, por assim dizer, da Antropologia 
Filosófica advém deste paradoxo: fascínio e desafio sintetizados 
no próprio homem. Aliás, neste campo específico e apropriado da 
antropologia ele é, simultaneamente, sujeito e objeto de estudo. 
Portanto, a responsabilidade e o encanto dessa disciplina, consistem, 
Em Kant, de modo geral, 
fenômeno é relativo ao 
mundo sensível e noumeno 
ao mundo inteligível. Em 
se tratando do homem, 
este pertence ao mundo 
sensível e só pode conhecer, 
efetivamente, os fenômenos. 
Por outro lado, o homem não 
sendo preso às sensibilidades 
pode fundamentar, por 
exemplo, sua moralidade em 
categorias transcendentais. 
Consequentemente, é um ser 
livre, isto é, não dependente 
de interesses e condições 
imediatas.
FILOSOFIA26
literalmente, em instigar, compreender, descrever o homem à luz da 
filosofia. Notemos, a propósito, a seguinte afirmação de Rousseau:
O mais útil e o menos avançado de todos os 
conhecimentos humanos parece-me ser o do homem 
e ouso afirmar que a simples inscrição do templo de 
Delfos continha um preceito mais importante e mais 
difícil que todos os grossos livros dos moralistas...” 
(ROUSSEAU, 1973, p. 233).
De fato, o homem é a realidade mais profunda e mais complexa que 
se conhece no mundo natural. Pico della Mirândola afirma ter lido 
que um antigo escritor árabe, Abdala, ao ser questionado sobre o que 
considerava mais admirável neste mundo, respondera imediatamente: 
o homem. Pico (s/d, p. 37-38) completa afirmando que “o homem, 
na verdade, é reconhecido e consagrado, com plenitude de direitos, 
por ser, efetivamente, um portentoso milagre.” O homem que somos 
parece, pois, fascinante, mas, ao mesmo tempo, nas palavras do 
filósofo Jaspers, a mais enigmática dentre as coisas.
No século XX, uma gama de conhecimentos lançou, certamente, mais 
luz sobre o ser humano no universo, insuficientes, inclusive, porque 
compartimentados ou fracionados para abarcar a complexidade do 
homem. Observe, com efeito, o que o pensador francês, Edgar Morin 
(2001, p. 47-48), ressalta nas seguintes palavras:
Os progressos concomitantes da cosmologia, das 
ciências da Terra, da ecologia, da biologia, da pré-
história, nos anos 60-70, modificaram as ideias sobre o 
Universo, a Terra, a Vida e sobre o próprio homem. Mas 
estas contribuições permanecem ainda desunidas. O 
humano continua esquartejado, partido como pedaços 
de um quebra-cabeça ao qual falta uma peça.
E numa crítica aberta às “ilhas” departamentais, logo fragmentárias, 
das ciências sobre o homem, continua Morin (2001, p. 48):
Aqui se apresenta um problema epistemológico: 
é impossível conceber a unidadecomplexa do ser 
humano pelo pensamento disjuntivo, que concebe 
nossa humanidade de maneira insular, fora do cosmos 
que a rodeia, da matéria física e do espírito do qual 
somos constituídos, bem como o pensamento redutor, 
que restringe a unidade humana a um substrato 
puramente bio-anatômico. [...]. Paradoxalmente 
assiste-se ao agravamento da ignorância do todo, 
enquanto avança o conhecimento das partes.
Edgar Morin - 1921
Fonte: http://www.google.com.br
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 27
Destarte, você percebe bem que a marca primordial do homem é 
exatamente a complexidade em função da sua multidimensionalidade. 
É uma condição sine qua non para um sério enfoque antropológico.
Premissa Fundamental: o homem como ser multidimensional
O homem não pode ser visto perspectivamente de um ou outro ângulo, 
exatamente porque nenhum ângulo ou parte exprime a totalidade 
do homem. Com efeito, o homem apresenta dimensão somática, 
psíquica, racional, individual, social, econômica, política, sapiencial, 
erótica, estética, técnica, informacional, ética etc. Ora, estas faces são 
interconexas e não excludentes.
É claro que se pode privilegiar ou sublinhar qualquer um destes aspectos 
numa determinada análise, desde que se evite o reducionismo 
antropológico. A especialidade deixa de ser legítima à medida 
que pretenda um teor de totalidade. Ressalte-se que cada dimensão, 
exprime não uma fração, mas o homem global. Neste sentido, vejamos 
o que o antropólogo Arduini (1989, p. 19) afirma:
A dimensão impregna a globalidade do existir humano 
e, consequentemente, do seu agir. É o homem 
todo e não só uma parte, que é pensante, efetivo, 
temporalizado, dialogal, criador, sexual, imanente 
e transcendente. Uma dimensão não contém a 
totalidade do ser humano, mas marca-lhe a totalidade 
do ser.
Deste modo se vê claramente que a partir deste princípio, se for 
possível captar o homem – claro, como observa Cassirer, nunca será 
nos moldes das coisas físicas, pois estas podem ser compreendidas em 
suas propriedades objetivas, mas o homem só pode ser descrito em 
termos de natureza – então isto só será possível em termos dialógicos. 
Isto quer dizer que o tema do homem é, por natureza, interdisciplinar 
e que, portanto, Antropologia sintoniza-se, ininterruptamente, com as 
várias disciplinas – biologia, genética, filosofia, psicologia, sociologia, 
economia, política, teologia, entre outras, que abordam ou tomam o 
homem como objeto de estudo sob algum aspecto interessante.
Lima Vaz observa, por 
exemplo, que o reducionismo 
economicista que ocorre em 
certas interpretações marxistas, 
inviabiliza uma compreensão 
globalizante de homem.
FILOSOFIA28
Aliás, um oportuno contraponto desta multidimensionalidade humana 
configura-se na denúncia de Marcuse sobre a razão unidimensional 
pela qual geralmente se orienta a moderna sociedade industrial e 
seu consequente atrofiamento do homem. Nas palavras do pensador 
alemão:
[...] essa sociedade é irracional como um todo. Sua 
produtividade é destruidora do livre desenvolvimento 
das necessidades e faculdades humanas; [...]. As 
aptidões (intelectuais e materiais) da sociedade 
contemporânea são incomensuravelmente maiores 
do que nunca dantes – o que significa que o alcance 
da dominação da sociedade sobre o indivíduo é 
incomensuravelmente maior do que nunca dantes. 
A nossa sociedade se distingue por conquistar as 
forças sociais centrífugas mais pela Tecnologia do 
que pelo Terror, com dúplice base numa eficiência 
esmagadora e num padrão de vida crescente. [...]. 
Quanto mais racional, produtiva, técnica e total se 
torna a administração repressiva da sociedade, tanto 
mais inimagináveis se tornam os meios pelos quais os 
indivíduos administrados poderão romper sua servidão 
e conquistar sua própria libertação (MARCUSE, 1978, 
p. 14-28).
A Antropologia Filosófica, neste sentido, assume a perspectiva de 
que embora se considere os aperfeiçoamentos especializados sobre o 
homem, este só pode ser compreendido numa abordagem integrativa, 
inclusive quando tomado por algum ramo da Antropologia: biológica, 
linguística, social, política, cultural, teológica etc. 
Perceba, então, neste sentido, caro estudante, que a própria 
Antropologia deve, portanto, precaver-se, como já observamos, dos 
estudos fragmentários ou reducionistas. Como ressalva Laplantine, 
(2007, p. 16): “só pode ser considerada como antropológica uma 
abordagem integrativa que objetive levar em consideração as 
múltiplas dimensões do ser humano em sociedade. [...] uma das 
maiores vocações de nossa abordagem (antropológica) consiste em 
não parcelar o homem...”
De igual modo, Jaspers observa que o homem foi definido como ser de 
palavra e pensamento (zoon logon echon), que estabelece legislação 
à cidade (zoon politikon), que fabrica e trabalha com utensílios (homo 
faber e laborans) e que assegura comunitariamente sua subsistência 
(homo laborans). O que essas definições ratificam, afirma Jaspers, 
Quando se percebe em nossos 
dias as faculdades, o tempo 
e mesma a vida do homem 
administradas em função da 
racionalidade produtiva e a 
consequente a perda do livre 
desenvolvimento humano, não 
é a permanência da servidão 
denunciada por Marcuse?
Marcuse nos anos 60 
integrou o movimento da 
“Contracultura” nos Estados 
Unidos e que se espraiou em 
outras partes do mundo, como 
forte manifestação contraposta 
à exploração capitalista.
Movimento Contracultura
Fonte: http://www.google.com.br
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 29
é que na perspectiva antropológica a imutabilidade é inconcebível. 
Ao contrário, “a essência do homem é mutação: o homem não pode 
permanecer como é. [...]. Contrariamente aos animais, ele não é um 
ser que se repete de geração para geração.” (JASPERS, 2006, p. 47).
É exatamente nesta perspectiva de pluridimensionalidade, portanto, 
na encruzilhada da interdisciplinaridade que se pode abordar e, por 
conseguinte, compreender, ainda que limitadamente, aspectos do 
fenômeno humano.
TRAÇOS DA FENOMENOLOGIA HUMANA
O homem como ser material e natural
Conhecer o homem, conforme Edgar Morin, significa, primeiramente, 
colocá-lo no universo e separá-lo dele. É uma conclusão básica que se 
absorve do moderno progresso científico das ciências naturais, entre elas 
a biologia e a ecologia. Com efeito, ressalta Morin (2001, p. 48):
[...] é impossível conceber a unidade complexa do ser 
humano pelo pensamento disjuntivo, que concebe 
nossa humanidade de maneira insular, fora do cosmos 
que a rodeia, da matéria física e do espírito do qual 
somos constituídos, bem como pelo pensamento 
redutor, que restringe a unidade humana a um 
substrato puramente bio-anatômico.
Considere, neste sentido, que o homem não é mais filho de um 
Universo perfeitamente constituído, mas encontra-se no Cosmos 
complexo e expansivo composto de bilhões de galáxias e estrelas, 
como minúsculo passageiro da epopeia cósmica, precisamente, no 
restrito espaço da terra, que, por sua vez, organizada na dependência 
do Sol, torna-se um sistema biofísico que comporta a biosfera na 
qual inclui-se esse diminuto broto de existência denominado homem. 
Havemos, portanto, de concordar com Morin, quando realça que o 
homem é simultaneamente cósmico e terrestre.
FILOSOFIA30
Enquanto terreno o homem tal como figura hoje é resultado de 
uma desenvoltura hominídea de milhões de anos – australopiteco, 
homo habilis, homo erectus, neandertal e homo sapiens, em que 
numa dinâmica evolutiva se resgistram bipedização, erguimento do 
corpo, manualização, cerebralização, complexificação linguístico-
cultural com seus saberes, fazeres, mitos, crenças, artes etc. Então, a 
interconexão entreo bio-físico e psico-cultural é um princípio fundante 
da hominização.
Pense, então, na epopeia evolutiva do homem. Sob este ponto de 
vista do processo evolutivo, o homem atual representa a passagem 
das formas inferiores às mais complexas. Teilhard de Chardain nota o 
seguinte: “O homem, não mais o centro estático do Mundo - como por 
muito tempo ele se acreditou; mas como eixo e flecha da Evolução -, 
o que é muito mais belo (CHARDIN, 2006, p. 28).
De fato, enquanto ser corpóreo o homem é matéria viva e 
complexamente organizada, subordinada às mesmas leis que 
governam as demais matérias. Lima Vaz observa que em primeiro lugar 
considera-se que pelo seu corpo o homem presentifica-se no mundo. 
“Ter o corpo próprio (eu corporal) significa transcender as totalidades 
física e biológica (como nos animais) mediante a intencionalidade.” 
O corpo, diz Arcângelo Buzzi (1987; p. 243), é “extensão em todas 
as direções, uma multiplicidade com um único sentido, uma guerra e 
uma paz. [...]. O corpo é forma visível, densa resistente, compacta de 
poder, toda feita para buscar e procurar, para encontrar e estar junto. É 
ponte que busca e aproxima. É corda.” Nietzsche tem neste sentido 
uma arguta asserção:
O homem é corda estendida entre o animal e o 
Super-homem: uma corda sobre um abismo; perigosa 
travessia, perigoso caminhar; perigoso olhar para trás, 
perigoso tremer e parar. (NIETZSCHE, 1999, p. 26).
A dimensão da materialidade humana é marcantemente talhada 
por Marx, a partir, entretanto, da perspectiva de expor a realidade 
econômico-política do homem. Note, então, que à luz de uma 
interpretação marxiana, o homem é primordialmente natural. Precisa 
da natureza para sobreviver e, ao mesmo tempo, age reflexivamente 
sobre ela para sobreviver e, nessa dinâmica, traduz-se como ser de 
No aforisma 40 de Humano 
Demasiado Humano 
(1886), Nietzsche denuncia 
o cerceamento moral da 
animalidade humana, quando 
afirma o seguinte: “Sem 
os erros que se acham nas 
suposições da moral, o homem 
teria permanecido animal.
[...]. Por isso ele [o homem] 
tem ódio aos estágios que 
ficaram mais próximos da 
animalidade...” (NIETZSCHE, 
Friedrich, 2000, p. 49).
Efetivamente, não temos sido 
“educados” num sistema 
moral que em nome de certos 
valores nos têm treinado a 
sufocar ou a negar nossos 
traços mais naturais?
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 31
práxis, à medida que exerce atividade externamente modificando a 
natureza e desenvolvendo faculdades latentes.
Para Marx, a organização corporal é que condiciona a produção 
de meios para sua subsistência, e assim o homem distancia-se dos 
animais. Esta concepção natural de homem subjaz nos pensamentos 
de Marx e de seu amigo Engels, os quais inspirados, nas ideias de 
Feuerbach, assumem o primado da materialidade. Por exemplo, na 
Ideologia Alemã (1845-46), o afirmam explicitamente:
Podemos distinguir os homens dos animais pela 
consciência, pela religião, por tudo o que quiser. Mas 
eles começam a distinguir-se dos animais assim que 
começam a produzir os seus meios de vida, passo 
este que é condicionado pela sua organização física. 
Ao produzirem os seus meios de vida, os homens 
produzem indiretamente a sua própria vida material 
(MARX: ENGELS, 1984, p. 15).
E ainda:
A produção das ideias, as representações, da 
consciência está a princípio diretamente entrelaçada 
com a atividade material e o intercâmbio material 
dos homens, linguagem da vida real. O representar, o 
pensar, o intercâmbio espiritual dos homens aparecem 
aqui ainda como efluxo direto de seu comportamento 
material (MARX: ENGELS, 1984, p.22).
Convém, entretanto, que notemos que em Marx este materialismo 
– como se sabe –, é essencialmente dialético, como bem observa 
Etcheverry (1975, p. 145):
A evolução, ou melhor, a revolução, está no âmago 
da natureza e da história. O mundo revela-se com um 
sistema de contradições superadas.
Está claro, pois, que não há dissociação entre pensamento e ação – 
que é luta contra as misérias da vida e as resistências do universo.
Agora observe que esta complexidade humana – ação e pensamento 
–, pode-se compreender como aquilo que Hannah Arendt chamou de 
vita activa, onde o labor e o trabalho constituem os níveis básicos da 
condição humana. Ela assim explicita o que é labor:
Práxis - de maneira elementar 
e sucinta, pode-se falar da 
práxis como a prática da teoria 
e a teorização da prática. 
À frente do presente texto, 
abordar-se-á especificamente 
sobre a dimensão humana da 
práxis.
Atividade - o trabalho faz o 
homem, afirma o pensador 
francês Roger Garaudy em 
A Teoria Materialsita da 
Consciência.
Trabalho escravo
Fonte: http://www.google.
com.br
Professora em atividade
Fonte: http://www.google.com.br
FILOSOFIA32
O labor é a atividade que corresponde ao processo 
biológico do corpo humano, cujo crescimento 
espontâneo, metabolismo e eventual declínio têm a ver 
com as necessidades vitais produzidas e introduzidas 
pelo labor no processo da vida. A condição humana 
do labor é a própria vida (ARENDT, 2008, p. 15). 
Em gradação ascendente, o trabalho refere-se à categoria de 
artificialidade da existência humana. De fato, Marx já havia ressaltado a 
relevância do trabalho no processo de realização humana. Em Hannah 
Arendt (2008, p. 15), “o trabalho produz um mundo ‘artificial’ de 
coisas nitidamente diferentes de qualquer ambiente natural. [...]. A 
condição humana do trabalho é a mundanidade.”
Todavia, a partir desse mundo material, o homem transcende para 
outros níveis em função da desenvoltura de outras competências. Com 
razão observa a mesma autora:
[...] as condições da existência humana – a própria 
vida, a natalidade e a mortalidade, a mundanidade, a 
pluralidade e o planeta Terra jamais podem ‘explicar’ 
o que somos ou responder a pergunta sobre o que 
somos, pela simples razão de que jamais somos 
condicionados de modo absoluto. [...] embora 
vivamos agora, e talvez tenhamos que viver sempre, 
sob condições terrenas, não somos meras criaturas 
terrenas (ARENDT, 2008, p. 19).
De outra maneira, Erich Fromm ressalta que o animal se adapta 
geralmente da mesma forma e caso a sua composição instintivo-
biológica não se adequar a transformações possíveis a espécie tende 
ao ocaso. Com efeito, denota-se ausência de luta entre o animal e seu 
meio. Ou ele se ajusta ao meio ou perece. A configuração humana no 
cosmo é radicalmente diferente. Nas sábias palavras de Fromm:
O aparecimento do homem pode ser definido como 
tendo ocorrido no ponto do processo da evolução 
em que a adaptação instintiva atingiu seu mínimo 
(FROMM, 1983, p. 43).
Considere agora a respeito desta escalada evolutiva do homem, esta 
pertinente observação do paleontólogo e pensador francês, o padre 
Teilhard de Chardain:
Hannah Arendt: 1906 - 1975
Fonte: http://www.google.com.br
O dicionarista Silveira Bueno 
explica que Paleontologia 
significa tratado ou ciência 
dos animais e vegetais fósseis 
e que inclui a Paleozoologia e 
a Paleobotânica; além disso, 
constitui uma relação entre a 
Biologia (restos orgânicos) e a 
Geologia (formações rochosas 
que podem abrigar esses 
restos).
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 33
Se queremos resolver essa questão [...] de 
‘superioridade’ do homem aos animais, eu não vejo 
senão um meio: por decididamente de lado, no feixe 
dos comportamentos humanos, todas as manifestações 
secundárias e equívocas da atividade interna e encarar 
bem de frente o fenômeno central da Reflexão. [...], 
por sermos reflexivos, não somos apenas, mas outros. 
Não só simples mudança de grau, - mas mudança de 
natureza – que resulta de uma mudança de estado 
(CHARDAIN, 2006, p. 186-187).
Assim, nos introduzimosnum terreno fundamentalmente humano: a 
racionalidade que a seguir trataremos.
O homem como ser racional
Em um sentido elementar e superficial pode-se afirmar que o homem 
sobressai-se em relação a outros seres, fundamentalmente em função 
da razão, porque parece que só ele está habilitado para refletir, analisar, 
ajuizar, criticar, propor, afirmar, negar, manipular, transformar etc. Com 
efeito, os atos humanos têm a marca essencial do conhecimento como 
exímio reflexo da racionalidade.
Rabuske (2001, p. 73) refere-se, neste sentido, à interessante observação 
da antropóloga Grace Laguna, que afirma o seguinte:
A racionalidade do homem não é uma faculdade mais 
alta acrescentada a ou imposta de cima à natureza 
animal; pelo contrário, pervade todo o seu ser e 
manifesta o mesmo em tudo que ele faz como naquilo 
que ele crê ou pensa...
Uma compreensão antropológica de razão no ocidente volve-se para os 
regos arcaicos. Quando se fala, como diz Husserl, numa razão consciente 
de si mesma e de suas exigências peculiares, retorna-se, necessariamente, 
à mutação intelectual ocorrida no século VI a.C., numa conjuntura em que 
se registrou o denominado “milagre grego”, entendendo-se com esta 
expressão não uma irrupção brusca da razão, mas uma cosmologia, como 
explica Vernant, que não pretende relatar sequências de nascimentos mas 
estabelecer os princípios das coisas que são. “Uma forma de reflexão 
Etimologicamente a palavra 
razão remonta-se ao termo 
grego Logos que designa 
cálculo (proporção de grandezas 
diferentes); sobretudo, porém, por 
um lado significação articulada, 
discurso e, por outro, dimensão 
intelectual expressa em termos 
como noûs – intelecto: princípio 
de organização e compreensão 
do mundo; noésis – exercício 
da razão e dianoia – aplicação 
da razão discursiva. No latim, a 
acepção etimológica refere-se 
às ideias de cálculo, ordem e 
organização. Ultrapassando a raiz 
etimológica, a contemporânea 
teoria do agir comunicativo de 
Habermas define racionalidade 
enquanto “pretensão de validez” 
responsavelmente requerida por 
falantes recíprocos, no interior do 
discurso.
Expressão adotada, 
principalmente, pelo helenista 
inglês John Burnet, para quem 
a racionalidade filosófica grega 
emergente, precisamente, na 
Jônia pelos fins do século VII 
implica uma ruptura radical 
com a mitologia; em vez dessa 
concepção, o helenista francês 
Francis M. Cornford defende 
a perspectiva de continuidade 
entre mito e razão.
FILOSOFIA34
nova e inteiramente positiva sobre o mundo natural. [...]. Mais do que 
uma mudança de atitude intelectual [...], tratar-se-ia de uma revelação 
decisiva e definitiva: a descoberta do espírito.” (VERNANT, 1990, p. 441-
442). De fato, Lacroix (2009, p. 26) ressalta que doravante “a natureza é 
dessacralizada e se esvazia do divino que a animava; este a impulsiona e 
a regula, certamente, mas do exterior.”
Imaginemos a discussão que certamente na altura daquele século 
VI a.C., deve ter provocado entre os que viam no logos – na razão 
a superação do mito – narrativas (talvez) imaginárias, flutuantes e 
aqueles que, inversamente, não renunciavam sua pia confiança nas 
tradicionais “histórias” divinas. Talvez algo semelhante ao intenso 
debate entre fé e razão nos tempos primordiais do cristianismo.
Na verdade, a razão, por um lado, é certa continuação do mito, por 
outro, entretanto, ruptura, em função de sua lógica própria. O mito 
é uma narrativa e não a solução de um problema; a razão toma a 
forma de um problema adequadamente formulado. “O espaço do 
questionamento não pode ser liberado senão a partir do processo de 
laicização do discurso que envolve o da constituição e desenvolvimento 
das cidades.” (LACROIX, 2009, p. 25). O mito confunde os planos 
divino natural e humano; à luz da razão as questões políticas começam 
a ser realmente discutidas. O mito concebe os elementos naturais como 
realidades físicas e divinas; desde a cosmologia dos jônicos aqueles 
elementos são abstratamente definidos.
Em Parmênides, o Ser, não tendo forma visível e sensível da 
multiplicidade das coisas, não pode ser abordado pela opinião (doxa), 
mas pelo logos – pensamento e discurso que se fundamentam. Ainda 
Lacroix (2009, p. 28) ressalta que “o que o pensável e dizível é apenas 
a eterna presença do Ser; em compensação o devir e sua expressão no 
discurso sob a forma de contradição são o impensável e o irracional.” 
Nos fragmentos II e III Parmênides afirma: 
[...] tu porém, auscultando a palavra, cuida que os 
caminhos únicos do procurar são dignos de serem 
pensados: um que é e que não-ser não é; é o único 
caminho da obediência, [...]. O único, que não é, e 
que necessariamente não-ser é; este caminho eu te 
digo em verdade ser totalmente insondável como 
algo inviável; pois não haverias de conhecer o não-
ente [...] ...pois o mesmo é pensar e ser (LEÃO: 
WRUBLEWSKI, 1999, p. 45).
E você, advogaria para quem? 
Para a tese de Burnet que 
defendia a ruptura entre mito 
e razão ou para Conford que, 
ao contrário, via continuidade 
entre mito e logos?
O helenista Sir Moses Finley 
frisa que na literatura arcaica 
grega mitos e logos significam 
exatamente expressão 
oral contrastando com 
ação. Entretanto, Hecateu 
(predecessor do historiador 
grego Heródoto) afirmava 
serem suas narrações 
(mytheitai) verdadeiras 
enquanto outros gregos tinham 
narrativas (logoi) falsas. Já em 
Píndaro os mythoi são relativos 
à falsidade e logos à verdade.
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 35
E Heráclito, como compreende o logos? Lacroix (2009, p. 35), explica:
[...] de um lado, a razão de ser, o princípio de explicação 
do devir universal da natureza, este princípio não 
sendo aquilo que escapa ao devir, mas a necessidade 
imanente a este; de outro lado, a capacidade humana 
de expressar no discurso essa razão de ser das coisas 
da qual ela própria é um elemento ou expressão...
No fragmento 30 o filósofo sublinha este eterno espírito do devir: “ 
O mundo, o mesmo em todos, nenhum dos deuses em nenhum dos 
homens o fez mas sempre foi, fogo sempre vivo, acendendo segundo 
a medida e segundo a medida apagando.” (LEÃO; WRUBLEWSKI, 
1999, p. 67). 
Sócrates, Platão e Aristóteles convergem, segundo Gilles-Gaston 
Granger, neste ponto, pois para ambos razão refere-se ao pensamento 
correto oposto ao efêmero e ao incorreto; a razão, ao contrário dos 
sentidos, é universal e exige justificação. Com efeito, o conhecimento 
racional é autêntico e comprovado que ultrapassa as aparências para 
atingir a realidade. 
Para Platão no Sofista (263e), a razão discursiva é o discurso interior da 
alma consigo própria, o pensamento articulado em juízos encadeados, 
como uma demonstração matemática. Mas, além da função epistêmica, 
a razão tem uma dimensão prática como sabedoria e prudência, tal 
como afirma Aristóteles na Ética a Nicômacos. A virtude da prudência 
consiste em considerar que o homem pode realizar o melhor, à luz 
da razão. Ainda segundo Aristóteles, ninguém será razoável em suas 
ações sem ser virtuoso.
A partir da idade média o tema da razão é paralelo ao da fé. Para São 
Bernardo, São Boaventura, Duns Escoto, entre outros, o conhecimento 
racional – puramente humano – se subordina ao conhecimento 
místico. São Tomás de Aquino, como assinala, advoga que a razão 
natural exerce uma jurisdição autônoma. “Raciocinar é passar dum 
objeto de inteligência a outro, a fim de compreender a verdade 
inteligível....”(GRANGER, s/d, p. 17). Ora, esta razão discursiva 
pertence não aos anjos mas aos homens.
FILOSOFIA36
Andemos agora para os tempos modernos. Aqui encontramos o filósofo 
René Descartes, que, sobretudo em seu Discurso do Método, demarca 
umanova era da razão. Criticando a matemática Escolástica, ele 
afirma que é inútil ocupar-se de números vazios e figuras imaginárias; 
por outro lado, entretanto, defende uma matemática mais profunda 
como instrumento de análise e pensamento. Ela, a matemática, 
oferece verdades bem encadeadas e certas. O processo que vai da 
dúvida à intuição perfeita, porque essencialmente certa do “penso, 
logo existo”, conduz à convicção de Descartes de que razão é a base 
irredutível do conhecimento verdadeiro, cuja garantia é a existência de 
Deus enquanto fonte de toda perfeição.
Em resumo, afirma Granger (s/d, p. 19):
Contrariamente à razão tradicional, enredada num 
aparelho lógico demasiado verbal, a razão cartesiana 
partirá à conquista do mundo. Tratará de elaborar 
uma ciência eficiente, suscetível de aplicações; o 
conhecimento teórico dos corpos e das funções da 
alma prolongar-se-á numa ciência do engenheiro, 
numa medicina, na arte moral de controlar as 
paixões.
Granger observa que ao contrário do alargamento cartesiano da razão, 
Kant pretende impor limites. Diante da teoria das ideias inatas e daí à 
crença de verdades absolutas e, com efeito, constituição da metafísica 
presentes em Descartes, Leibniz e Wolff, Kant reconhece a advertência 
do filósofo empirista inglês David Hume: “[...] me despertou do meu 
sono dogmático e incutiu minhas pesquisas no domínio da filosofia 
especulativa orientação inteiramente diferente.” (PASCAL, 2005, p. 
30). Desde então, é claro no pensamento kantiano que a razão é incapaz 
de pensar a priori, e por meio de conceitos uma relação necessária, tal 
como é a conexão entre causa e efeito. Por outro lado, entretanto, a 
razão não pode limitar-se à experiência e então problemas como a 
existência de Deus, da imortalidade da alma, da liberdade do homem 
não podem ser indiferentes. “A razão humana tem um destino singular 
em certo gênero de seus conhecimentos: sente-se importunada por 
questões a que não pode esquivar-se.” (PASCAL, 2005, p. 31). É 
por isso que Kant efetivou uma revolução análoga à de Copérnico, 
sintetizada por Pascal (2005, p. 36), dessa forma:
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 37
[...] a revolução copernicana de Kant é a substituição, 
em teoria do conhecimento, de uma hipótese idealista 
à hipótese realista. O realismo admite que uma 
realidade nos é dada, que seja de ordem sensível 
[...] ou de ordem inteligível [...], e que o nosso 
conhecimento deve modelar-se sobre essa realidade.
Ora, observe que conhecer é dar forma a uma matéria dada, esta 
é a posteriori e a forma é a priori. A primeira é variável, mas a 
segunda imposta pelos sujeitos ao objeto será encontrada em todos os 
cognoscentes (sujeitos).
É neste sentido que Kant analisa a racionalidade humana de forma 
fundamentalmente crítica. Na Crítica da Razão Pura (1781– 87, 2. ed.), 
busca na própria razão as regras e os limites de sua atividade, para que 
se saiba até onde se pode confiar na razão; Na Crítica da Razão Prática 
(1788) estabelece crítica à razão enquanto fundamento de nossas 
ações morais, evidenciando, como se sabe, o protagonismo moral do 
indivíduo e, na Crítica do Juízo (1790), centra a crítica racional aos 
nossos juízos estéticos e teleológicos.
Enfim, o filósofo, afirmando a Razão como a “faculdade dos 
princípios”, lança sua luz crítica à razão em todos os sentidos, 
motivado, essencialmente, pela autarquia indispensável ao pensador 
como ele exigira na obra de 1784, “Resposta à pergunta: o que é 
Esclarecimento?”
Gaston-Granger observa que, de modo geral, a filosofia de Kant 
influenciou substancialmente a concepção de razão em Hegel, justamente 
numa época em este assistiu o semifracasso das revoluções burguesas e 
que decaía também a ideia de um sistema definitivo e universal da razão. 
De fato, a grande descoberta hegeliana, segundo Granger, é o caráter 
histórico da razão, isto é, seu comportamento de criação contínua, por 
isso Hegel afirma que a história universal é apenas a manifestação da 
Razão e, assim, tudo que é racional é real e tudo que é real é racional. A 
razão subjetiva é a razão objetiva que atingiu a consciência de si.
Mas a realização progressiva da razão se efetiva através da dialética. 
A partir de qualquer tese – ideia, fato da cultura, momento histórico 
–, o movimento da razão extrai o aspecto negativo; depois a oposição 
resolve-se numa síntese.
Immanuel Kant: 1724-1804
Fonte: http://www.google.com.br
FILOSOFIA38
Lembremo-nos que esta perspectiva dialética da razão de Hegel inspira 
ou até orienta a compreensão marxiana de razão, tomada, porém, sob 
um paradigma radicalmente oposto. Se a dialética hegeliana embasa-
se num caráter idealista, Marx a localiza efetivamente nas estruturas 
sociais caracterizadas pelas correlações de forças em torno do sistema 
capitalista de produção. Konder (2007, p. 36) diz que “para a dialética 
marxista, o conhecimento é totalizante e a atividade humana, em 
geral, é um processo de totalização, que nunca alcança uma etapa 
definitiva e acabada.” Deste modo, não se conhece o homem pela 
ciência, religião ou arte, mas como realmente constitui suas formas de 
vida. Com efeito, não é a razão que produz o mundo, mas este é que 
de fato produz a razão. Os conceitos, as ideologias, as alienações e as 
transformações são configuradas a partir da realidade material e do 
trabalho no mundo capitalista.
Dialética é também a perspectiva pela qual pensadores como Polock, 
Horkheimer, Adorno, Marcuse, Benjamin, Fromm, Habermas, entre 
outros, que fundaram na Alemanha o Instituto de Pesquisa Social, 
formando daí a conhecida Escola de Frankfurt ou Teoria Crítica 
desde as primeiras décadas do século passado, analisam a razão. 
Resumidamente, pode-se se afirmar que, particularmente, Adorno e 
Horkheimer têm visão pessimista da racionalidade. Fatos históricos 
como as duas guerras mundiais, os totalitarismos italiano e alemão e 
suas respectivas crueldades – especialmente os campos de Auschuwitz e 
proliferação do consumismo norte-americano – motivaram a decepção 
dos frankfurtianos. Em obras como Conceito de Iluminismo e Dialética 
do Esclarecimento, expressam toda sua descrença ou desesperança no 
contributo da razão para a emancipação civilizatória.
Horkheimer, particularmente, em O Eclipse da Razão exprime sua 
frustração em trechos como: “A razão jamais dirigiu verdadeiramente 
a realidade social, mas hoje está tão completamente expurgada de 
quaisquer tendências ou preferências específicas que renunciou, 
por fim, até mesmo à tarefa de julgar as ações e o modo de vida do 
homem.”(HORKHEIMER, 2002, p. 18). E mais à frente (p. 29): “Tendo 
cedido em sua autonomia, a razão tornou-se um instrumento. [...].A 
razão tornou-se algo inteiramente aproveitado no processo social. Seu 
valor operacional, seu papel no domínio dos homens e da natureza 
tornou-se o único critério para avaliá-la.”
Dialética em grego 
originalmente quer dizer 
“arte do diálogo”. Platão a 
compreende primeiramente 
como ascendência do sensível 
ao inteligível e depois como 
dedução racional pela qual 
se discriminam as Ideias. 
No sentido hegeliano, 
grosso modo significa o 
movimento racional das 
ideias – tese, antítese e síntese. 
Todavia, o sentido dialético 
mais recorrente deriva da 
concepção de Marx, o qual, ao 
contrário de Hegel, assegura 
que as relações de produção 
determinam a realidade: as 
classes e, consequentemente, 
as formas de pensamento, isto 
é, a ideologia.
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 39
Rabuske exprime o presságio dessa crise cultural na declaração a 
seguir:
A nossa cultura está em crise. Como sintomas desta 
crise podemos apontar: a insatisfação psicológica,a 
criminalidade, consumo de álcool e drogas, as tensões 
sociais [...] ...uma das raízes da crise ou, pelo menos 
um dos seus aspectos, reside na desconfiança na razão. 
Critica-se a razão, a consciência, as suas pretensões 
e também o mundo ‘feito’ a partir da consciência. ” 
(RABUSKE, 2001, p. 83).
Entretanto, olhe agora atentamente para a filosofia de Jürgen 
Habermas que insere a razão num horizonte otimista. Atualmente 
com pouco mais de 80 anos de vida, em sua trajetória este sociólogo 
e filósofo alemão, embora tenha assimilado e assumido o teor crítico 
dos seus mestres de Frankfurt, inclusive porque dirigiu o Instituto 
(1971-1981), afasta-se, porém, deles exatamente por não despedir-se 
da razão. Aliás, ele indaga onde estaria a condição de emancipação 
fora razão? Para ele, o grande problema é que a consciência solipsista 
até agora tem orientado, de modo geral, os intelectuais e a filosofia, 
especialmente e, além disso, o agir humano em vários sentidos. No 
Discurso Filosófico da Modernidade de 1985, ele diz claramente que o 
paradigma da consciência está esgotado, e então propõe o paradigma 
do agir comunicativo, onde o discurso é essencialmente o espaço 
democrático em que problemas, desafios e soluções envolvendo 
questões simples ou complexas, locais ou universais, sejam discutidos 
e encaminhados. Cada um dos concernidos, neste sentido, à luz da 
racionalidade discursiva, torna-se protagonista da construção histórica 
de uma sociedade emancipada: justa, fraterna, livre e democrática.
Uma das sínteses do conceito habermasiano de razão é bem expresso 
nas seguintes palavras:
Uma pessoa se exprime racionalmente na medida em 
que se orienta performativamente por pretensões de 
validade; dizemos que ela não apenas se comporta 
racionalmente, mas que é racional, quando pode prestar 
contas de sua orientação por pretensões de validade. 
Também chamamos esse tipo de racionalidade de 
plena responsabilidade (HABERMAS, 2004, p. 102).
Jürgen Habermas: 1929
Fonte: http://www.google.com.br
FILOSOFIA40
Portanto, vejamos que de acordo com o paradigma habermasiano, um 
espaço público democrático é lugar apropriado para que os homens 
realizem-se como seres racionais especialmente nos campos da 
socialidade e da política e, assim, se reconheçam como reais artífices 
da história.
O homem como ser sociopolítico
Tratando-se da socialidade e da política, pensemos, inicialmente, 
nesta maneira singela, porém bem compreensível, com a qual Batista 
Mondin inserta este tema duplo. 
O homem é essencialmente sociável. Sozinho não 
pode vir a este mundo, não pode crescer, não pode 
educar-se; sozinho não pode nem ao menos satisfazer 
suas necessidades mais elementares nem realizar as 
suas aspirações mais elevadas; ele pode obter tudo 
isso apenas em companhia dos outros (MONDIM, 
1980, p. 155).
Perceba, estudante, com o que está dito em primeira instância que 
o homem associa-se, inclusive, por uma condição de sobrevivência. 
Neste mesmo sentido, há uma importante asserção de Eric Weil: “O 
indivíduo sabe que é incapaz de resistir à natureza e, mais ainda, 
empreender a luta contra ela. A luta é do grupo organizado, e essa 
organização é a sociedade.” (WEIL, 1990, p. 79). O antropólogo inglês 
Jean Beattie (1980, p. 69) ressalta também que para o funcionalismo 
britânico de Radcliffle-Brawn e, sobretudo, de Malinowski, “sociedade 
e cultura humana são melhor entendidas como um conjunto de 
artifícios para a satisfação das necessidades biológicas e psicológicas 
dos organismos humanos que constituem a sociedade.” 
Retornemos a Aristóteles. Ele inicia sua célebre obra Política explicando 
a premência e a relevância da socialidade humana, nas seguintes 
palavras:
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 41
As primeiras uniões entre pessoas, oriundas de uma 
necessidade natural, são aquelas entre seres incapazes 
de existir um sem o outro...[...]. A comunidade 
construída a partir de vários povoados, é a cidade 
definitiva; [...] assim, ao mesmo tempo que já tem 
condições para assegurar a vida de seus membros, ela 
passa a existir também para lhes proporcionar uma 
vida melhor. Estas considerações deixam claro que a 
cidade é uma criação natural, e que o homem é por 
natureza um animal social, e um homem que por 
natureza, e não por mero acidente, não fizesse parte 
de cidade alguma, seria desprezível ou estaria acima 
da humanidade. [...]. É claro, portanto, que a cidade 
tem precedência por natureza sobre o indivíduo. 
(ARISTÓTELES, 1997, p. 14-15).
Veja, então, que o homem é inconcebível fora da sociedade. Ampliando 
o instinto gregário enquanto condição primária de sobrevivência, o 
homem estabelece elos cooperativos como fundamento das instituições 
sociopolíticas, demarcadas por valores e legislações que orientam e 
regulam, cuja finalidade última, em tese, é o bem-estar individual e 
coletivo. Portanto, o homem, porque é sociável, é eminentemente 
político. Hannah Arendt (2007, p.23) é enfática ao explicar esta 
correlação (socialidade-política): “zoon politikon como se no homem 
houvesse algo político que pertencesse à sua essência [...]. A política 
surge no entre-os-homens; portanto, totalmente fora dos homens. 
[...]. A política surge no intraespaço e se estabelece como relação.” 
Aliás, a autora já havia ressaltado em A Condição Humana em 1958, 
que a vida política é uma ação que por excelência sobrepõe-se ao 
labor – dinâmica biológica do corpo e ao trabalho – artificialidade da 
existência, dizendo o seguinte:
A ação, única atividade que se exerce diretamente entre 
os homens sem a mediação das coisas ou da matéria, 
corresponde à condição humana da pluralidade 
[...].Todos os aspectos da condição humana tem 
relação com a política...[...]. Só a ação é prerrogativa 
exclusiva do homem; nem um animal nem um deus 
é capaz de ação, e só a ação depende inteiramente 
da constante presença dos outros.”(ARENDT, 2008, 
p. 15-31).
De fato, entre os gregos a política designava atividade humana 
relativa à cidade, ao Estado, à administração pública. Manfredo 
observa acertadamente, neste sentido, que:
Na Ética Nicômacos (1097b), 
Aristóteles também afirma 
esta condição do homem, ao 
dizer: “Quando falamos em 
autossuficiente não queremos 
aludir àquilo que é suficiente 
apenas para um homem 
isolado, para alguém que leva 
uma vida solitária, mas para 
seus pais, filhos, esposa e, 
em geral, para os amigos e 
concidadãos, pois o homem 
é por natureza um animal 
social.” (ARISTÓTELES, 2001, 
p. 23).
Convém notar que para 
Rousseau a associação e os 
consensos derivados entre os 
homens devem fundamentar-
se imprescindivelmente na 
liberdade consciente.
A palavra política deriva do 
termo grego polis – literalmente 
“cidade”. No contexto do 
encontro cultural com os 
romanos, “polis” será traduzida 
no latim como “civittas” – termo 
do qual se aproximaria a palavra 
“cidadania”, portanto, também 
exercício da política. Voltando aos 
gregos, é ainda importante frisar 
que eles opunham polis (cidade) 
à oikos (casa), numa nítida e 
sábia distinção entre o público e 
o privado.
FILOSOFIA42
[...] a polis é a obra fundamental do homem, pois é 
através do debate, da legislação da jurisdição, que 
se dá sua universalização. A polis é livre, enquanto 
[...] comunidade capaz de regras de sua convivência, 
através de leis criadas pelos cidadãos, cuja finalidade 
é exatamente a vida boa. [...]. O ético é, então, o que 
pertence ao ‘etos’ ao mundo institucional da polis 
(OIVEIRA, 1996, p. 15).
Todavia, esta compreensão antropológica de política, isto é, a 
política como espaço apropriado de realização humano, transfigura-
se na modernidade como legado iluminista e, sobretudo,desde os 
desvelamentos de Maquiavel, seguido de Locke e Hobbes em arena do 
poder. De fato, a política passa a traduzir-se, então, como exercício do 
poder do homem sobre outros homens. Para o cientista político Julien 
Freund, como salienta Lebrun (2004, p. 11), a política é “atividade 
social que se propõe a garantir pela força, fundada geralmente no 
direito, a segurança externa e a concórdia interna de uma unidade 
política particular.” Na mesma compreensão, Weber define a política 
como “conjunto de esforços feitos visando a participar do poder ou a 
divisão do poder, seja entre os estados, seja no interior de um único 
Estado.” (WEBER, 2001, p. 60). E ainda Libânio num artigo sobre 
fé e política esclarece que, “uma ação política é aquela que visa a 
obtenção do poder, a conquista do Estado ou a sua manutenção, caso 
já o possua.” (PINHEIRO, 2006, p. 256).
Segundo Bobbio, o poder pode apresentar-se em três interfaces: 
econômica, ideológica e política. Ele explica que elas “contribuem 
conjuntamente para instituir e manter a sociedades de desiguais 
divididas em fortes e fracos com base no poder político, em ricos e 
pobres com base no poder econômico, em sábios e ignorantes com 
base no poder ideológico” (BOBBIO, 1999, p. 83).
Todavia, observe que o poder político é o mais relevante, porque sua 
posse espelha em toda sociedade quem é o grupo dominante. Como 
explica Dallari (2005, p. 51): “o poder político é em toda sociedade de 
desiguais, o poder supremo, ou seja, o poder ao qual todos os demais 
estão de algum modo subordinados.”
O poder político encarna-se essencialmente no Estado? Então qual é 
a função deste? Para Rousseau, pode-se afirmar que ele, o Estado, é o 
Quando na vida política do 
nosso país aqueles que no 
exercício de algum cargo 
público misturam o público e 
o privado, não já deveriam ter 
aprendido com os gregos que 
esta é uma prática perniciosa? 
Acaso não deveriam ser 
punidos pela Justiça legal e, 
não deveriam estes “políticos” 
serem rejeitados pelos eleitores 
quando cinicamente se 
recandidatam?
O professor Lebrun ressalva 
que “força não significa 
necessariamente a posse 
de meios violentos de 
coerção, mas de meios que 
me permitam influir no 
comportamento de outra 
pessoa.” (LEBRUN, 2004; 
p. 12).
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 43
grande mediador, um magno sistema capaz de harmonizar os conflitos 
sociais. Entretanto, como se sabe, numa perspectiva marxista o Estado 
é uma instituição que interfere nas lutas de classes e, geralmente, em 
favor das classes dominantes. De fato, Engels, o amigo de Marx, diz 
que o Estado é um organismo que protege os que possuem contra 
os que não possuem. O marxista francês Louis Althusser afirma o 
seguinte:
O Estado é uma “máquina de repressão que 
permite às classes dominantes [...] assegurar a 
sua dominação sobre a classe operária, para 
submetê-la ao processo de extorsão da mais-valia... 
(ALTHUSSER,1985, p. 62).
Decorre então que a política é uma instituição degenerada? Da 
compreensão grega de realização humana a política tornou-se o 
inferno? Enfim, pode o homem esquivar-se, omitir-se da esfera política?
Não. E com isso de novo retornamos aos gregos, especificamente a 
Aristóteles: o homem é essencialmente político. Realiza-se na política. 
Maquiavel afirmará depois, num trocadilho contraposto à Igreja, que 
não há salvação fora da política. João Ubaldo Ribeiro (1986, p. 22) 
quando diz que “queiramos ou não estamos imersos num processo 
político que penetra todas as nossas atitudes, toda nossa maneira de 
ser e de agir, até mesmo porque a educação, tanto a doméstica quanto 
a pública, é também uma formação política.” Ubaldo acaba dizendo 
que alguém quando afirma que “não liga para a política”, está sendo, a 
rigor, uma espécie de político conservador. Ora, não existe o apolítico, 
no máximo a ausência de consciência sobre o papel e o sentido da 
política. Não nos parece muito certo o que ele afirma?
Notemos a propósito e atentamente, como Bertolt Brecht – poeta e 
dramaturgo alemão - sublinha lucidamente, a relevância da política nos 
seguintes trechos do seu célebre poema: “O analfabeto político”.
O pior analfabeto é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, não participa dos 
acontecimentos políticos. 
[...].
Não sabe o imbecil que da sua ignorância política 
nascem a prostituta, o menor abandonado, o assaltante 
e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, 
pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e 
multinacionais (SOUZA, 1995, p. 154).
Que prejuízos, principalmente 
sociais e políticos, podem ser 
gerados a partir do descaso, da 
alienação, da omissão, frutos 
da despolitização do povo?
FILOSOFIA44
Como se pode perceber, o protagonismo político dos indivíduos 
localiza-se, principalmente, na sociedade civil enquanto campo das 
relações sociais onde perpassam problemas políticos, econômicos, 
culturais etc. Hoje, diga-se de passagem, em escala planetária, bem 
articulados ou não, através de suas organizações e movimentos civis, 
que assim, podem legitimamente encaminhar, reivindicar ou até 
confrontar-se com o Estado quanto às demandas em geral atreladas a 
políticas públicas.
Consideremos, neste sentido, que só se realizam as vocações humanas 
de política e cidadania, quando segundo Habermas, se constituam 
um espaço público ou democrático em que sejamos otimizados os 
discursos intersubjetivos. Mesmo na democracia representativa não 
se pode inviabilizar a potencialidade político-discursiva dos indivíduos 
associados. Vejamos esta interessante afirmação de Habermas:
Uma soberania popular interligada internamente com 
as liberdades subjetivas, entrelaça-se, por seu turno, 
com o poder politicamente organizado, de modo que 
o princípio ‘todo poder político parte do povo’ vai se 
concretizado através dos pressupostos comunicativos 
através de uma formação institucionalmente 
diferenciada de opinião e vontade. No Estado de 
direito delineado pela teoria do discurso, a soberania 
do povo não se encarna mais na reunião de cidadãos 
autônomos facilmente identificáveis (HABERMAS, 
1997, p. 172).
À luz da reflexão habermasiana, como se percebe, a condição de 
possibilidade da prática da política é o campo democrático onde 
prevaleça a discursividade aberta e compromissada e não mecanismos 
de força e violência. Aliás, caro estudante, observe a contundente 
defesa que Hannah Arendt faz de política: “se o sentido da política 
é a liberdade, então isso significa que nós, nesse espaço, e em nem 
um outro, temos de fato de ter expectativa de milagres [...] porque os 
homens enquanto puderem agir, são aptos a realizar o improvável e o 
imprevisível...” (ARENDT, 1993, p.122).
Com efeito, onde, senão no encontro com seus semelhantes o homem 
manifestaria convincentemente princípios e fundamentos éticos? 
Ora, a política é essencialmente intersubjetiva e, por isso, ela liga-se 
indissoluvelmente à moral e à ética.
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 45
O homem como ser ético-moral
Comecemos esta seção nos reportando novamente a Aristóteles. Ele 
na Política (1997, p. 15), afirma que “a característica específica do 
homem em comparação com os outros animais é que somente ele 
tem o sentimento do bem e do mal, do justo e do injusto e de outras 
qualidades morais...”
Assim, é razoável então assegurar que o mundo humano é perpassado 
cotidianamente por questões que envolvem problemas e decisões 
pessoais, deliberações atitudinais diante da natureza, da sociedade e 
das pessoas, posturas intelectuais ou político-religiosas, acatamento 
ou não de costumes, valores, regras e leis, problemas da justiça 
e da injustiça, enfim, escolha entre o bem e o mal. No bojodestas 
situações, é que se encontram perguntas como a que, segundo Kant, 
subjaz a todo comportamento prático: “que devo fazer?” ou na forma 
inquiridora expressa por Bernard Williams: “Por que eu deveria fazer 
alguma coisa?” Simples ou complexas, particulares ou universais, estas 
questões vinculam-se à moral ou à ética.
De fato, de acordo com Perine (1988, p. 24):
[...] existe uma dimensão ética no homem [...], que 
aparece na banalidade da vida dos grupos humanos, 
nos costumes mais triviais como, por exemplo, os 
relativos à alimentação e à reprodução, que são os 
mais diretamente ligados à própria sobrevivência. O 
fato moral é um fato banal e imediato à via de todos 
os grupos humanos: não existe comunidade humana, 
por primitiva que seja, que não conheça regras e que 
não distinga um bem de um mal.
O homem, então, uma vez dotado de senso ético e consciência moral, 
faz juízos de valor sobre o modo de agir de si mesmo e dos demais. 
Tugendhat (1996, p. 12) afirma “que não podemos desconsiderar 
que tanto no âmbito das relações humanas quanto no político, 
constantemente julgamos de forma moral.” Isto implica dizer que os 
comportamentos morais aprováveis ou reprováveis são inseparados 
historicamente, das comunidades humanas. Vázquez (1982, p. 7) tem, 
Convém distinguir juízos de 
realidade de juízos de valor. 
“juízos de realidade, quando 
partimos do fato [...], mas 
juízos de valor, quando lhes 
atribuímos uma qualidade 
que mobiliza nossa atração ou 
repulsa.” ARANHA, Maria L. 
de Arruda & MARTINS, Maria 
H. Pires. Filosofando. São 
Paulo: Moderna, 2009, p.213
FILOSOFIA46
portanto, razão ao assegurar que “o comportamento humano prático-
moral, ainda que sujeito a variação de uma época para outra, remonta 
até as origens do homem como ser social.”
Originalmente o termo moral remete-nos a mos-mores – que em latim 
significa costume e valores de uma determinada cultura. Ética, por sua 
vez, é uma palavra derivada de ethos, que no grego também significa 
costumes e valores de um povo. Com efeito, explica Perine (1988; p. 
25), que “tanto em latim quanto em grego refere-se aos costumes, ao 
caráter, às atitudes humanas em geral e, particularmente, às regras de 
conduta e à sua justificação.”
Considere, entretanto, a ressalva que certos autores, 
sublinham quanto à diferença entre os dois termos. 
Para Leonardo Boff, por exemplo, dizer que uma 
pessoa não possui ética significa dizer que essa 
pessoa não possui princípios, age mobilizado pelas 
vantagens circunstanciais. Por outro lado, uma 
pessoa é imoral porque engana clientes, rouba 
o dinheiro público, explora os trabalhadores, é 
agressor onde convive. Isto é, pode até ter ética – 
princípios e valores fundamentais, mas age contrariamente a estes.
Em um nível mais teórico, Vázquez esclarece da seguinte forma: “a 
moral não é ciência, mas objeto da ciência; e neste sentido, é por ela 
estudada e investigada. A ciência não é a moral e, portanto, não pode 
ser reduzida a um conjunto de normas e prescrições; sua missão é 
explicar a moral efetiva e, neste sentido, pode influir na própria moral.” 
(VAZQUEZ, 1982, p. 13-14). Isto quer dizer que os homens não só 
agem moralmente, mas refletem sobre esse comportamento prático, 
ou seja, tomam-no como objeto de seu pensamento. Nesse sentido, 
denota-se a transição da moral efetiva para a moral reflexa.
No contexto de emergência da ética na Grécia, especialmente desde 
Sócrates (para Aristóteles o fundador da ética), o Ethos – enquanto 
repetição de costumes é a constância do agir oposta ao impulso 
(órexis). A forma de ação do indivíduo exprime sua personalidade 
ética, reflete, com efeito, a conexão entre ethos como caráter e ethos 
como hábito. É importante acrescentar ainda a esta primeira disposição 
Importante explicar que os 
gregos davam dois sentidos 
ao termo ethos. Quando 
grafado ethos (eta incial – “e 
pequeno”) designa moradia 
de maneira geral dos 
animais ou dos homens. Esta 
metáfora da morada e do 
abrigo quer dizer que a partir 
do ethos o mundo se torna 
habitável para o homem. 
Quando escrito Ethos (epsilon 
incial – “E grande”) refere-se 
ao comportamento resultante 
da repetição dos mesmos 
atos. Nesse nível assinala-se 
que o habitual opõe-se ao 
natural. Note-se, contudo, 
que ao fundo, os dois sentidos 
se interligam: quando o 
homem constrói sua moradia, 
estabelece, ao mesmo tempo, 
certos costumes.
Não seria antiético uma 
pessoa que se orienta pelo 
princípio de levar vantagem 
em tudo (lei dos ditos mais 
espertos)? E não seria imoral 
porque, apesar de reconhecer 
o valor da honestidade, da 
sinceridade, da verdade etc., 
porém, de modo geral age sem 
respeito aos outros? Quantas 
situações dessas flagramos 
no cotidiano da família, das 
relações sociais, das empresas, 
da política, da religião, para 
citar algumas!
Leonardo Boff (1938)
Fonte: http://www.google.
com.br
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 47
de caráter para agir, o termo hexis para indicar o hábito espontâneo 
e plenamente assumido pelo agente e, portanto, manifestação da 
autarquia (autárkeia) individual, isto é, domínio de si mesmo. Assim, o 
ethos, é por excelência, o espaço próprio da práxis humana. Decorre, 
então, uma eloquente conclusão de Lima Vaz:
[...] a universalidade abstrata do ethos como costume 
inscreve-se na particularidade da práxis da vontade 
subjetiva, e é na universalidade concreta [...] no ethos como 
hábito ou virtude. O ethos é princípio da ação ética e fim 
realizado na forma do existir virtuoso (VAZ, 1993, p. 45).
Ora, quando se dá a passagem do costume para a lei, se estabelece 
definitivamente o princípio da universalidade, exprimindo assim, a 
excelência do ethos, porque reflete a práxis humana enquanto ação 
realmente livre. Ethos em forma de lei é a expressão da liberdade humana.
Aristóteles na Ética a Nicômacos explica que enquanto as virtudes 
intelectuais são adquiridas por ensinamentos, as virtudes morais 
procedem do Ethos como costume e se fortalecem como o desempenho. 
Assim, há que se afirmar o enraizamento da ética na tradição, que 
pode inclusive, preceder ao código do legislador, como bem podemos 
observar na seguinte da passagem da Antígona de Sófocles:
CREONTE – [...] ousaste transgredir minhas leis?
ANTÍGONA – Não foi, com certeza, Zeus que as 
proclamou, nem a Justiça com trono entre os deuses 
dos mortos as estabeleceu para os homens. Nem 
eu supunha que tuas ordens tivessem o poder de se 
superar as leis não-escritas, perenes, dos deuses, visto 
que és mortal. Pois elas não são nem de ontem nem 
de hoje, mas sempre são vivas, nem se sabe quando 
surgiram. Por isso, não pretendo, por temor às decisões 
de algum homem, expor-me à sentença divina. Sei 
que vou morrer (SÓFOCLES, 1999, 450-460).
Perceba, caro estudante, que a religião se apresenta assim como uma 
das mais importantes portadoras do ethos, de modo que ambos – ethos 
e religão são homólogas quanto à universalidade. Ora, a sacralização 
das normas éticas, pela qual se tornam transcendentais, asseguram-
lhes, pois, eficácia no tempo axiológico do dever-ser histórico. Para 
Lima Vaz, trata-se de um fenômeno comum em todas as culturas.
Conforme Lima Vaz, o desengate da conexão passado-presente, 
por conta de uma projeção utilitarista de futuro que recusa lições da 
Antígona é a irmã de Ismene, 
Etéocles e Policinice. Etéocles, 
segundo Creonte rei de 
Tebas, era digno de honras 
funerais por ter sido morto 
em favor da cidade; quanto 
a Polinice, porém, incidia 
acusação de haver traído a 
pátria e os deuses, por isso 
o rei lhe proibe lágrimas e 
sepultamento. Antígona paga 
com a morte seu repúdio 
ao decreto casuístico do 
rei, precisamente, porque 
contradiza lei tradicional do 
sepultamento, remontada, 
inclusive, aos deuses. 
O tradutor Donaldo Schuler 
enfatiza na Apresentação do 
presente texto o seguinte: 
“Antígona é uma peça de 
fortes contrastes. [...]. Sófocles 
coloca em cena uma mulher 
sem partidários, sem exército, 
sem nada. Antígona abala 
a tirania sozinha. E isso 
numa sociedade em que a 
vida pública era exclusiva 
competência masculina. [...]. 
O homem é terrível no crime 
e na virtude [...], na opressão 
e na luta pela liberdade. 
Antígona é uma aventura de 
lealdade, dignidade, linguagem 
e vida.”
SÓFOCLES. Antígona. Porto 
Alegre: LP&M, 1999, p. 35-36
De acordo com Peter Berger 
(O Dossel Sagrado), os 
precários mundos social e 
humano são sempre guindados 
e, portanto, legitimados pelo 
mundo perfeito do Ser Divino, 
intermediado pela religião. 
Esta força, observa Rubem 
Alves (O Enigma da Religião), 
é cimentada pela antiguidade 
religiosa específica.
FILOSOFIA48
tradição, implica como efeito dessa ruptura, crises e niilismos éticos 
como atestariam os individualismos modernos.
Todavia, a socialidade enquanto estrutura axiológica e normativa – 
exatamente o ethos, significa justamente o espaço onde cada sujeito 
adquire sua autarquia e, por essa mesma dimensão, exigente do ethos, 
a realidade não é experimentada pelo indivíduo como um destino 
cego e oprimente, mas como um campo de possibilidades. Ao aspecto 
externo da moral constituída, contrapõe-se à adesão do sujeito, o que 
implica dizer que “o ato só é propriamente moral se passar pelo crivo 
da aceitação pessoal da norma. A exterioridade da moral pressupõe, 
portanto, a necessidade da interioridade, da adesão mais íntima.” 
(ARANHA; MARTINS, 2009, p. 215). Trata-se, pois, do conflito entre a 
moral constituída – herança educativa e a moral constituinte – atualidade 
da experiência vivida. Podemos, a propósito, lembrar de Ney Matogrosso 
quando canta: “Eu juro que é melhor não ser um normal....” Ou ainda do 
roqueiro Raul Seixas: “Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que 
ter aquela velha ideia formada sobre tudo....”
Estamos, pois, diante do paradoxo ético: as regras morais inerentes a 
todos os grupos humanos, trazem consigo a possibilidade da recusa às 
mesmas. Isto porque, segundo Perine (1983, p. 26), “o homem é um 
ser moral-imoral, moral porque imoral, imoral porque pode e deve 
ser conduzido à moral..” O homem enquanto natural age movido por 
tendências, necessidades e instintos, podendo revelar-se violento. Mas 
ele é também razão, e como ser pensante, isto é, dotado de sentido 
moral pode pôr a questão do bem no fim de sua ação. “Dizer que o 
homem possui uma espécie de sentido moral quer simplesmente dizer 
que só um ser que possui a consciência do bem pode possuir a do mal, 
e que ele possui uma em relação à outra.” (PERINE, 1983, p. 27).
Esta dupla natureza humana – vontade do lícito e violência do ilícito explicita 
que o indivíduo é o cruzamento entre a moral objetiva e a moral subjetiva. 
Para Franklin Leopoldo, trata-se não apenas da liberdade, porém do 
significado e da força dos valores, e consequentemente da tensão individual 
de escolha e repúdio. Assim, explica Leopoldo (2010, p. 48-51):
A diferença entre o bem e o mal, o certo e o errado 
não é representado de modo claro e definitivo, 
permanecendo sempre um resíduo de incerteza e 
obscuridade que, no entanto, não pode impedir ou 
mesmo postergar a decisão.
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 49
E o homem porque livre na condição, não pode não agir. Não obstante, 
Lima Vaz adverte que o conflito moral não implica uma contraposição 
estéril, um “permissismo anômico”, isto é, uma sabotagem arbitrária 
e individualista à revelia de regras e valores. Ao contrário, um 
enfrentamento de dogmatismo e determinismo reflete-se numa 
rearticulação ou reinvenção saudável da moral, verifica-se um no 
interior de um processo explicado por Henri Bérgson.
Há uma moral estática, que existe em dado momento, em dada 
sociedade. Ela fixou-se nos costumes, nas idades, nas instituições; seu 
caráter de obrigatoriedade reduz-se em última análise, à exigência pela 
natureza da vida em comum. Há, por outro lado, uma moral dinâmica, 
que é impulso, e que se liga à vida em geral, criadora da natureza 
que criou a exigência social. A primeira obrigação, na medida em que 
pressão, é infarracional. A segunda, na medida em que aspiração, é 
suprarracional.
Conforme Lima Vaz, Jesus, Buda e Ghandi (poderíamos acrescentar 
Mandela, Luther King, Che Guevara etc.) são exemplos de homens 
que radicalizaram a recusa da moral da “moral de pressão” em favor 
de uma “moral de aspiração.”
Considerando o tortuoso histórico da moralidade, atinge-se o cerne 
do problema histórico de todas as morais: a definição do conteúdo do 
contentamento. 
Esta foi sempre a cruz de todas as morais históricas, até 
que a reflexão sobre a moral e sobre a possibilidade 
da moral chegou à consciência de que nenhum sistema 
verdadeiramente moral pode impor ou mesmo visar 
a uma felicidade materialmente definida, mas que 
toda moral só tem sentido na possibilidade da não-
infelicidade que ela oferece, e na esperança da felicidade 
que ela pode legitimar (PERINE, 1988, p. 35).
Pela escassez do espaço em função do propósito dos subunidades do 
texto, atente, querido estudante, para a abordagem que faremos sobre 
algumas marcantes respostas teórico-práticas acerca do que possa ser 
a substancialidade do contentamento.
Reportemo-nos à Grécia pré-classica onde encontramos o homem 
inserido no cosmos regido inexoravelmente pela Justiça imposta pelas 
Individualista - Lima Vaz 
argumenta que o não-
individualismo é o critério 
e a medida de toda práxis 
humana.
Valores - Lima Vaz, discorda 
ainda da tese nietzscheana de 
que a educação ocidental é 
caracterizada por uma moral 
sistematicamente cerceadora. 
Para o autor brasileiro, 
é preferível um sistema 
orientador de valores a um 
niilismo ético.
Nietzsche afirma em 
Genealogia da Moral que 
temos sido educados, isto é, 
pressionados, para sermos 
animais prometedores, sob o 
preço do sacrifício; exaltado, 
principalmente, pelo discurso 
cristão.
FILOSOFIA50
divindades. Num tempo posterior, sobretudo, a partir do século V 
a.C., assenta a virtude (arete) na racionalidade humana. Ainda que a 
reconhecendo, a vida ética compreendida à luz da racionalidade natural, 
como bem concebem Sócrates e Platão numa sofisticada explicação 
teórica em que opõe os mundos transcendente e imanente, sendo 
este último demarcado pelas contingências, o Bem só pode localizar-
se, portanto, no primeiro. Todas as boas virtudes, superando o mundo 
terreno, inspiram-se e espelham vínculo à Ideia do Bem. Aristóteles, 
numa perspectiva naturalista afirmou ser a felicidade (eudaimonia) o 
mais alto dos bens, visto que todo mundo a aspira “tanto a maioria 
dos homens quanto as pessoas mais qualificadas dizem que este bem 
supremo é a felicidade, e consideram que viver bem e ir bem equivale 
a ser feliz...” (ARISTÓTELES, 1095a, 2001, p. 19). Todavia, Vázquez 
ressalta que ele desprezando o trabalho físico considera que a felicidade 
está na razão enquanto faculdade essencialmente humana. De fato, 
o filósofo grego afirma: “as pessoas mais capazes de exercerem a 
atividade contemplativa fruem mais intensamente da felicidade, [...] a 
contemplação é preciosa por si mesma. A felicidade, portanto, deve ser 
alguma forma de contemplação. [...] O sábio é o homem mais feliz. 
(ARISTÓTELES, 1178b/1179a, 2001, p. 205-206)” Enfim, Aristóteles 
(2001-1180b, p. 209) ressalta que este caminho da felicidade atravessa 
a política quando diz que “certamente uma pessoa que deseja [...]tornar as outras melhores [...] deve tentar capacitar-se para legislar, na 
presunção de que podemos tornar-nos melhores graças às leis.”
Avancemos para o tempo patrístico-medieval, onde o discurso cristão 
assegura que o mundo e o homem sendo criações divinas, Deus, 
consequentemente, é o Alfa e o Ômega de tudo, exceto do mal, adverte 
Santo Anselmo. Assim, há uma lei eterna que suporta toda moral e toda 
ética. De fato, Santo Agostinho afirma que o homem é um “peregrino 
para Deus,” - razão última do excelente contentamento. O homem, 
porém, é responsável pelo mal do mundo. Marcondes (2007, p. 57), 
cita uma interessante afirmação agostiniana na obra Livre-Arbítrio:
Todo bem vem de Deus, não há nada que possa ter 
outra origem. De onde, portanto, poderia vir aquele 
impulso de afastamento que reconhecemos ser a fonte 
do pecado? Sendo um defeito, e todo defeito origina-
se do não ser, poderíamos sem dúvida afirmar que não 
vem de Deus. Contudo, se este defeito é voluntário, 
está sujeito à nossa vontade.
No Fédon Platão pela boca 
de Sócrates (entre amigo na 
iminência da morte), afirma, 
por exemplo, que o corpo é 
mal e, por isso, um ônus ou 
mesmo um enguiço em relação 
à alma (inclusive imortal). 
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 51
Na Suma Teológica Tomás de Aquino, por sua vez, afirma: 
[...] o que é bom sem ter o mal misturado em si é 
melhor. Mas Deus, mais do que a natureza, faz o que 
é melhor. Logo, na criação divina não há nenhum 
mal. [...]. O livre-arbítrio é causa do movimento, pois 
é através dele que o homem se move para agir. [...]. A 
escolha está em nós, mas pressupõe o auxílio de Deus. 
(MARCONDES, 2007, p. 66).
Em tempos modernos pós-iluministas, marcados pelo giro 
antropocêntrico, o homem, consequentemente, é a referência 
fundamental da moral e da ética. O filósofo alemão Kant, como um 
herdeiro de ideias iluministas sublinha bem o homem como autárquico 
e autolegislador. Para ele, um contentamento razoável reside no bom 
incondicionado, isto é, imune aos condicionamentos. Mas o que pode 
ser bom independentemente das circunstâncias e consequências? Ele 
responde:
Neste mundo, e até fora dele nada é possível pensar 
que possa ser considerado bom sem a limitação a não 
ser uma só coisa: a boa vontade. [...]. A boa vontade 
não é boa por aquilo que promove ou realiza, pela 
aptidão para alcançar qualquer finalidade proposta, 
mas tão-somente pelo querer, isto é, em si mesma... 
(KANT, s/d, p. 21-23).
Ora, como a vontade humana naturalmente pode ser coagida pelas 
contingências e interesses particulares, Kant enfatiza a necessidade da 
coordenação da força do dever sobre a ação. Por isso ele é enfático: 
“[...] o dever é uma ação por respeito à lei” (KANT s/d, p. 31). Para 
Kant (s/d, p. 23) uma lei moral universal, exige ser traduzida no célebre 
princípio: “[...] devo proceder de maneira que eu possa querer que 
minha máxima se torne uma lei universal.” Ora, observe que esta lei 
objetiva precisa superar as imperfeições subjetivas, por isso em vez de 
imperativos hipotéticos – condicionados pela matéria dos interesses, 
exige-se um imperativo categórico – princípio e forma que fundamenta 
uma ação em si mesma necessária. Com efeito, “este imperativo pode 
chamar-se o imperativo da moralidade.”(KANT, s/d, p. 52).
O princípio categórico da moralidade assenta-se na vontade livre 
submissa às leis. “Todo ser que não pode agir senão sob a ideia de 
liberdade, é por isso mesmo em sentido prático, verdadeiramente 
Dever - Marcelo Perine, 
sublinha que o dever é a 
categoria que contém a 
totalidade do problema moral; 
é o princípio a partir do qual 
se determinam historicamente 
todos os sistemas morais 
positivos.
Forma - A lei assumida 
enquanto forma é ratificada 
na tese básica anunciada no 
terceiro teorema da Crítica 
da Razão Prática (1788): “se 
um ente deve representar 
suas máximas como leis 
universais práticas, então ele 
somente pode representá-las 
como princípios que contêm 
o fundamento determinante 
da vontade, não segundo a 
matéria, mas simplesmente 
segundo a forma.” (KANT, 
2002; p. 45).
FILOSOFIA52
livre...” (KANT, s/d, p. 95). Destarte, o homem é legislador de si 
próprio e assim atinge-se o Reino do Fins – relação sistemática entre 
seres racionais livres submetidos a leis comuns.
Entre os críticos dessa moral formal de Kant, está Hegel para quem o 
caráter puramente formal expresso na força do imperativo categórico 
exige que se abstraia os conteúdos particulares das máximas de 
condutas e deveres. Para Habermas, o problema central da ética 
kantiana é a prioridade individualista.
O utilitarismo é uma outra perspectiva de resposta ao contentamento. 
Jeremy Bentham e John Stuart Mill, principais expoentes dessa 
concepção, advogam que algo é bom conforme a utilidade. Luiz 
Baraúna ressalta que teoria utilitarista é uma contraposição à doutrina 
do direito natural.
Para Bentham, a doutrina do direito natural é insatisfatória por duas 
razões: primeiro porque não é possível provar historicamente a 
existência de tal contrato; segundo, porque [...] subsiste a pergunta 
sobre os homens estão obrigados a cumprir compromissos em geral. 
[...] a única resposta possível reside nas vantagens que o contrato 
proporciona à sociedade. [...]. A felicidade geral, ou interesse da 
comunidade em geral, deve ser entendida como cálculo hedonístico, 
isto é, a soma dos prazeres e dores dos indivíduos (BARAÚNA, 
1984, p. IX).
Notemos que a afirmação acima dissipa a ideia comum sobre o 
egoísmo ético do Utilitarismo. Ao contrário como destaca Vázquez 
(1982, p. 146), “de acordo com esta posição, o bem seria o útil para 
os outros, ainda que esta utilidade entrasse em contraposição com 
meus interesses pessoais. [...] um altruísmo ético. [...] o bom é o útil ou 
vantajoso ‘para o maior número de homens’, cujo interesse também 
inclui o meu pessoal.” Denota-se, com efeito, não apenas confluência, 
mas predominância dos interesses coletivos sobre os individuais, 
traduzido concretamente no sentido do dever reflexo enfatizado por 
Perine (1988, 31): “O dever de ser feliz, que é dever para consigo 
mesmo, é primeiro mas sua captação é reflexa. O homem moral nunca 
está isolado porque, isolado, ele não seria moral.” 
Jeremy Bentham (1748-1832)
Fonte: http://www.google.com.br
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 53
O próprio Bentham explica a natureza do princípio da utilidade:
O termo utilidade designa aquela propriedade existente 
em qualquer coisa, propriedade em virtude da qual 
o objeto tende a produzir ou proporcionar benefício, 
vantagem, bem ou felicidade; [...] se esta parte for 
a comunidade em geral, tratar-se-á da felicidade da 
comunidade, ao passo que em se tratando de um 
indivíduo particular, estará em jogo a felicidade do 
mencionado indivíduo (BENTHAM, 1984, p. 4).
Mas o modelo utilitarista anglo-saxônico que fundamentou o 
pensamento ético-político contemporâneo por muitos anos, foi 
interrompido pela alternativa proposta pelo professor de Harvard, o 
norte-americano John Rawls, sobretudo em sua obra Uma Teoria 
da Justiça, no começo dos anos 70. Sua proposição diversa é 
destacada por Pegoraro (2008, p. 124) da seguinte forma:
Cada pessoa tem sua inviolabilidade fundada na 
justiça, que mesmo em nome do bem-estar do 
conjunto da sociedade, não pode ser violada. Por 
este motivo, a justiça proíbe que a perda da liberdade 
de alguns possa ser justificada pela obtenção de um 
maior bem para todos os outros.
Na perspectiva de Rawls as pessoas nascem numa sociedade já 
constituída. Entretanto, há necessidade do que ele chama de sociedade 
bem-ordenada regulada por princípios da justiça publicamente 
reconhecidos.“Estes princípios seriam autonomamente instituídos 
pelos indivíduos que a compõem, que os reconhecem como expressões 
da racionalidade e da liberdade de cada um, considerado como uma 
pessoa moral” (SILVA, 2003, p. 49), capaz de convergir o justo e o bem 
porque capaz de conceber o bem e de propor e aceitar acordos justos.
Os justos acordos derivam de princípios justos e regulamentariam 
uma sociedade baseada na cooperação mútua que, porém, pode 
ser perturbada por interesses divergentes. Mas o papel da Justiça 
seria justamente mostrar a vida boa a partir da participação social 
cooperativa.
Para tanto, segundo Rawls, precisa-se primeiramente entender que a 
política não é um mecanismo de controle social, mas um processo de 
regulagem de co-operação social partindo de princípios equitativos. 
Pegoraro observa como Rawls 
destaca o objetivo da obra: o 
estudo limita-se “aos princípios 
da justiça destinados a servir 
de regras para uma sociedade 
bem ordenada na qual se 
supõe que cada cidadão age 
com justiça e contribui para a 
manutenção das instituições 
justas”
John Rawls (1921-2002)
Fonte: http://www.google.com.br
FILOSOFIA54
É neste sentido que ele propõe um roteiro hipotético denominado 
posição original. Esta posição ideal supõe que cada participante seja 
livre, consciente e isento de influências de instituições grupos e pessoas; 
pelo “véu da ignorância” desconheçam as diferenças sociais. Assim, 
ninguém proporia acordos baseados em vantagens econômicas, 
posição social ou convicções filosófico-políticas nem moral-religiosas. 
Silva (2003, p. 61-62) escreve sobre a justificação Rawls, neste sentido:
O fato de ocuparmos uma posição social particular 
não é uma boa razão para propor, ou esperar que 
os outros aceitem uma concepção de justiça que 
favoreça os que se encontram numa posição. O fato 
de professarmos uma doutrina religiosa, filosófica 
ou moral abrangente, com a concepção de bem, 
associada a ela, não é uma boa razão para propor ou 
esperar que outros aceitem uma concepção de justiça 
que favoreça as pessoas que concordam com essa 
doutrina.
Como você percebe, na teoria rawlseana, esta seria, então, a condição 
básica para o contrato social projetado essencialmente para a justiça 
numa sociedade bem-ordenada (democrática). A justiça, segundo 
Rawls, assenta-se sobre dois princípios: o princípio da igualdade, pelo 
qual afirmam-se direitos humanos fundamentais: participação nas 
esferas política, religiosa, conjecturais etc.; o segundo é o princípio da 
desigualdade referente à distribuição equilibrada de encargos públicos, 
bens primários, deveres e vantagens sociais, priorizando os mais 
desfavorecidos.
Para Rawls, enfim, “parece razoável que os participantes optem pelos 
dois princípios da justiça como equidade, que garantem a todos a 
todos a total liberdade, os bens primários básicos e a posição social 
segundo sua qualificação, formação e capacidade”(PEGORARO, 
2008; p. 129).
E se pensarmos cada pessoa assumindo-se co-legislador e co-artífice 
de um projeto de mundo melhor? É nessa direção que se orienta o 
pensamento de Habermas. 
Assim, o problema do contentamento é compreendido de forma 
ampliadamente inovadora quando interpretado na moldura da ética 
discursiva habermasiana (Diskursethik). O fundamento essencial é a 
Na teoria moral da justiça 
rawlseana racional e 
razoável são distintos, porém 
interligados, explica Silva. “O 
Racional é a faculdade que 
articula os meios eficientes 
para atingir os fins. [...]. 
O Razoável expressaria 
a capacidade de aceitar 
restrições para a sua própria 
concepção e implementação 
do seu bem.” (SILVA, 2003, p. 
65-66).
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 55
racionalidade comunicativa, porque segundo Habermas (2000, p. 414), 
“o que está esgotado é o paradigma da consciência. Se procedermos 
assim, certamente devem se dissolver os sintomas de esgotamento na 
passagem para o paradigma do entendimento recíproco.”
Neste sentido, vejamos o que Habermas afirma seu conceito de 
racionalidade: “Uma pessoa se exprime racionalmente na medida em 
que se orienta performativamente por pretensões de validade...” 
(HABERMAS, 2004, p. 102). Ou ainda nas palavras de um estudioso 
de Habermas, David Ingram (1987, p. 40-41): “Para ser plenamente 
racional, uma ação precisa ser moral e legalmente certa; precisa 
exprimir sinceramente os sentimentos e desejos autênticos do agente 
e orientar-se pelos valores compartilhados pela comunidade” Como 
se percebe, em Habermas a Razão traduz-se pela linguagem. De fato, 
motivado por este paradigma ele faz amplas leituras críticas de grandes 
teóricos da linguagem como Frege, Wittgenstein, Austin, Searle, 
Chomsky, entre outros, para demonstrar que mais do que parâmetros 
semântico, sintático e de sentido a linguagem deve ser considerada 
pela sua função pragmática. Assim, é impossível propor uma ética 
abstraindo-se da discursividade.
A partir deste paradigma, Habermas, contra o ceticismo moral, acredita 
que a mesma pode ser validada desde que fundamentada no discurso. 
E por isso à diferença da ética formalista kantiana, a ética discursiva 
de Habermas tem uma natureza essencialmente intersubjetiva, 
precisamente, porque “garante a generalidade das normas admissíveis 
e a autonomia dos sujeitos ativos apenas através da capacidade de 
redenção discursiva....” (HABERMAS, 1980, p. 114).
Percebamos que normas válidas são aquelas em que os envolvidos 
ou afetados por elas podem dar seu assentimento. Da mesma forma, 
a durabilidade de um corpo de normas depende da possibilidade de 
razões que legitimem a pretensão de validez entre os concernidos, 
isto é, a justificação das normas é processo contínuo no âmbito da 
discussão democrática sobre as mesmas.
Observemos, pois, que a forma do imperativo categórico kantiano 
é transfigurado no que Habermas denomina Princípio de 
Universalização, pelo qual a justificação e a validade de uma ética 
John Austin distingue 
três tipos de atos de fala: 
locucionários – dizem respeito 
propriamente à locução da 
fala; os ilocucionários são 
relativos às interlocuções: 
pedido, solicitação, ordem, 
comando, desculpas etc. e 
os perlocucionários são os 
que refletem as reações do 
interlocutor diante de falas de 
tipo ilocucionárias.
No texto “Teorias da Verdade”, 
1972, Habermas já definia o 
discurso como uma forma de 
argumentação onde se testam 
as pretensões de validade e a 
legitimidade dos argumentos. 
Vinte anos depois, 1992, 
em Direito e Democracia I 
ele reafirma seu conceito: 
“discurso racional é toda 
tentativa de entendimento 
sobre pretensões de validade 
problemáticas, na medida 
em que ele se realiza sob 
condições de comunicação 
que permitem o movimento 
livre de temas e contribuições, 
informações e argumentos 
no interior de um espaço 
público constituído através de 
obrigações ilocucionárias.” 
(HABERMAS, 1997, p. 142).
FILOSOFIA56
dependem da aceitação consensual sem coações, que pode ser 
sintetizado no Princípio D (Discurso) pelo qual Habermas (2004, 
p. 16) diz claramente que “as únicas normas que têm o direito de 
reclamar validade são aquelas que podem obter anuência de todos 
os participantes envolvidos num discurso prático,” cuja consistência 
exige pelo menos uma regra básica proibitiva: “Não é lícito impedir 
falante algum, por uma coerção exercida dentro ou fora do discurso, 
valer-se dos seu direitos...” (HABERMAS, 1989; p. 112), que neste 
caso incluem participação no discurso, introdução e problematização 
de asserção e até manifestação de atitudes, desejos e necessidades. Ou 
dito de outra forma em Inclusão do Outro: “A comunicação deve ser 
isentade coações internas ou externas de forma que os posicionamentos 
[...] sejam motivados somente pela força de convencimento das 
melhores razões” (HABERMAS, 2002, p. 58). Esta condição, segundo 
Habermas, aproxima-se da plena liberdade dos sujeitos falantes, daquilo 
que ele chama de situação de fala ideal exatamente porque “quando 
argumentam os intervenientes tem a partir do princípio de que, em regra, 
todos os indivíduos em questão tomam parte, enquanto sujeitos livres e 
iguais numa busca cooperante da verdade, na qual apenas interessa a 
força do melhor argumento.” (HABERMAS, 1999, p.17). 
Portanto, compreende-se, nitidamente, à luz da teoria moral de 
Habermas construída junto com seu amigo Karl Otto-Apel, que 
nenhuma estilização moral de vida, nenhum sistema ético, nenhum 
código legislante, nenhum conteúdo de contentamento pode ser 
articulado fora do âmbito do discurso onde cada participante inclui-
se como co-legislador. Consequentemente, todo sistema normativo é 
resultado de uma empreitada cooperativa. 
Pense agora na relevância desse interesse coletivo em termos 
de preservação planetária da vida. Pois bem, em se tratando de 
problemas e desafios humanos e ambientais os quais suscitam 
debates e participação coletiva em escala global, esta reflexão 
sobre a dimensão moral e ética não poderia omitir uma breve 
alusão à premente ética da responsabilidade do pensador alemão 
contemporâneo, Hans Jonas.
O Princípio da Responsabilidade é uma obra de 1979, na qual 
Jonas leva em conta que as sofisticadas tecnologias atuais permitem 
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 57
intervenções radicais sobre a natureza exterior e sobre a própria 
natureza humana, exigindo, com efeito, proporcional a este poder 
de ação tecnológica do homem hodierno, uma normatização 
ética embasada numa práxis coletiva cujo princípio essencial é a 
responsabilidade.
Giacóia Junior, num livro organizado por Manfredo de Oliveira (2000, 
p. 197), escreve que o advento da técnica moderna altera o tipo de 
ação humana; por outro lado, provoca consequências perigosas de tal 
forma que exige uma nova ética, uma ética global da responsabilidade, 
pois segundo ele:
[...] se torna manifesto que não somente a biosfera 
do planeta, mas a natureza como um todo passa 
a ser implicada nas esferas do agir humano e da 
responsabilidade que daí decorre, e isso em razão da 
extensão e a periculosidade que dela decorre, e isso 
em razão da extensão desmedida do poder que a 
tecnologia o investe.
Diante deste novo cenário, há segundo Jonas o perigoso descompasso 
entre a previsibilidade e o poder da ação. Este desequilíbrio, sublinha 
Giacóia, implica admitir prognósticos ruins entre as concorrências 
de ação, configurando o que Jonas chama de heurística do medo e 
implica na proposta ética do pensador alemão.
Este traço de medo decorre, sem dúvida, ao se considerar que 
ação humana atualmente investida de poderes tecnológicos pode 
resultar em danos irreparáveis à biosfera, por isso o autor apregoa 
a necessidade de inserir a natureza no campo de responsabilidade da 
ação. Ora, enfatiza Giacóia (OLIVEIRA, 2000, p. 199), “reconhecer 
à natureza o direito próprio de uma significação ética autônoma [...] 
significa abandonar a postura tradicional que considerava o homem 
como ápice da natureza e coroa da criação.” É um princípio que 
praticamente altera, inclusive, o imperativo kantiano “age de maneira 
tal que possas também querer que a máxima do teu agir se transforme 
em lei universal da natureza”, para o enunciado jonasiano que diz: 
“age de maneira tal que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com 
a permanência de autêntica vida sobre a terra...” (OLIVEIRA, 2000, 
p. 199).
Biosfera, parte da terra, e de 
sua atmosfera em que pode 
existir vida. (Dicionário Barsa 
de Língua Portuguesa I. Rio de 
Janeiro, 1981, p. 170).
FILOSOFIA58
Observe que Leonardo Boff (2000, p. 115), comentando a ética da 
responsabilidade, frisa que realmente este é um paradigma atualmente 
imprescindível. Como realça o teólogo brasileiro:
Trata-se da sobrevivência de todos, seres humanos, 
demais seres vivos e da Terra como sistema integrador 
de subsistemas. O ser humano faz-se co-responsável, 
juntamente com as forças diretivas do universo e da 
natureza, pelo destino da humanidade e de sua casa 
comum, o planeta Terra.
Ora, quando se fala da intervenção do homo faber em tempos de 
civilização tecnológica, não se omite, igualmente, o problema da 
relações do homem consigo mesmo, vista sob pelo menos três aspectos: 
prolongamento da vida humana, que para Jonas ultrapassa princípios 
da éticas tradicionais, porém “há que se discuti-las, eticamente, e 
segundo princípios, e não sob a pressão dos interesses.” (OLIVEIRA, 
2000, p. 201). Segundo, controle do comportamento que hoje é uma 
real possibilidade através do progresso da medicina psicossomática. 
Jonas diz que se trata entre outra coisas, “[...] considerar como um 
risco abissal o deslocamento de níveis entre as descobertas tecnológicas 
da biomedicina e sua utilização sociopolítica para fins de controle e 
manipulação social de comportamentos desviantes (OLIVEIRA, 2000, 
p. 201). Em terceiro lugar a manipulação genética reflete um poder 
superlativo do homem nas áreas de ciências como a biomedicina, 
engenharia genética e psicologia que o faz “tomar realmente seu 
destino nas próprias mãos, de não apenas garantir a conservação 
da espécie, mas de intentar sua modificação e melhoria segundo um 
projeto....” (OLIVEIRA, 2000, p. 202).
Enfim, diante do poder do homo faber considerado entre a “ameaça 
de catástrofe pelo sucesso excessivo e a dialética de poder sobre a 
natureza e a compulsão de exercitá-lo”, Giacóia, referindo-se a Jonas, 
assegura que “nossa tragédia contemporânea é a de não poder 
ressuscitar nenhuma categoria do sagrado, que pudesse ancorar 
e tornar subsistente nossas representações normativas e nossas 
estimativas éticas.” (OLIVEIRA, 2000, p. 206). A partir desta situação 
é que a ética da responsabilidade acentua a autêntica vida humana 
na terra. Trata-se, portanto, de “nova e paradoxal de humildade [...] 
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 59
que decorre não da consciência de que o poder humano é ínfimo 
e insignificante em relação à incomensurável potência natural, que 
produz um excesso, uma desmesura excessiva de nosso poder de agir 
sobre o poder de prever, valorar e agir.” (OLIVEIRA, 2000, p. 206).
As éticas do discurso e da responsabilidade juntam-se a outras vertentes 
éticas do cuidado, da solidariedade, da compaixão e libertação e da 
holística todas pulsantes e preocupadas com a razoável e universal 
felicidade planetária, afinal é preciso “reconhecer que todos os seres 
são interligados e cada forma de vida tem valor, independentemente 
do uso humano” (BOFF, 2000, p. 151), lembra Leonardo Boff 
reportando-se à célebre Carta da Terra.
Ora, toda a tarefa ético-moral humana é indissoluvelmente pessoal 
e social, isto é, intrinsecamente política. Afinal, a política é a moral 
em marcha, lembra Perine, reportando-se a Eric Weil. De fato, Perine 
(1988, p. 35), lucidamente adverte: “Quando o descompasso entre a 
moral e o curso do mundo é muito acentuado, é preciso temer que a 
barbárie já tenha se estabelecido no interior dos muros da cidade.”
A substancialidade do contentamento, isto é, vida boa ou felicidade 
(eudaimonia) humana, como dizia Aristóteles, só pode ser concebida 
a partir dos compromissos éticos e políticos do próprio homem, que 
afinal é um ser de práxis, como veremos a seguir.
Antes, porém, admitamos que esta abordagem pode ser encerrada 
afinando-se ao anseio de Boff expresso nas últimas palavras doseu 
livro Ethos Mundial. Reflitamos, portanto, nestas palavras do autor: 
“que nosso tempo seja lembrado pelo despertar de uma nova 
reverência diante da vida, por um compromisso firme de alcançar a 
sustentabilidade, pela rápida luta pela justiça, pela paz e pela alegre 
celebração da vida.” (BOFF, 2000, p. 164).
O homem como ser de práxis
Sintonizados no que acabamos de abordar, podemos nos perguntar: 
De fato, é possível um mundo mais humano e mais justo para se 
viver? Sim! Um mundo melhor para se viver tanto para esta geração 
Carta da Terra é o documento 
elaborado por uma comissão 
internacional de estudiosos nos 
primeiros anos deste século 
(XXI) sob os auspícios da 
ONU, considerado um código 
ético planetário no qual se 
destacam princípios e valores 
éticos que incluem integridade 
ecológica, justiça social e 
democrática, a democracia e 
a paz.
Não seria razoável que 
documentos desta natureza, 
fosse introduzido em 
instituições de educação, 
para que se pudesse 
motivar racionalmente a 
responsabilidade humana pela 
preservação da vida?
FILOSOFIA60
como para as vindouras como expressa a perspectiva esperançosa do 
teólogo Leonardo Boff, é possível porque justamente o homem não 
sendo biologicamente determinado, não sendo meramente adaptável 
às condições naturais dadas, e nem sendo movido apenas pelos 
instintos egocêntricos, é dotado de possibilidades de ação consciente, 
teleológica, livre e responsável. Isto significa dizer que o homem é, por 
natureza, um ser de práxis.
Há que se ressaltar, inicialmente, que se toda práxis é atividade, 
nem toda atividade é práxis. Atividade humana pode ser entendida 
como ato ou atos, pelos quais um sujeito modifica algo, uma matéria-
prima. Assim, atividades simplesmente biológicas ou instintivas, isto 
é, que não transcendam o nível natural, não são consideradas ações 
tipicamente humanas. Ao contrário, ações humanas embasam-se na 
consciência refletida em dois tempos: resultado ideal e produto real. É 
por isso que a ação do homem é transformadora. De fato, se o homem 
se harmonizasse ou se conciliasse absolutamente com sua realidade 
presente, não se projetaria conscientemente para uma realidade 
utópica, isto é, inexistente.
Com efeito, a atividade humana, enquanto práxis é cognoscitiva, 
teleológica e revolucionária. Sánchez Vázquez (1977, p. 194) salienta, 
neste sentido, a concepção de Marx.
Marx ressalta o caráter real, objetivo, da práxis na 
medida em que transforma o mundo exterior que é 
independente de sua consciência e de sua existência. 
O objeto da atividade prática é a natureza, a sociedade 
ou os homens reais. A finalidade dessa atividade é 
a transformação real, objetiva, do mundo natural 
ou social para satisfazer determinada necessidade 
humana.
Pensemos agora: quais seriam as faces ou representações da práxis? 
Sem dúvida multifacetada, ressalte-se pelo menos quatro delas. A 
primeira manifestação de práxis está na atividade produtiva, haja 
vista que por ela o homem humaniza o mundo, ou seja, os objetos 
relevantes às necessidades humanas são demarcados pelas finalidades 
humanas. Além disso, enquanto produz, o homem transforma-se a si 
mesmo. Marx referindo-se ao trabalho humano transformador afirma: 
“Ao mesmo tempo que desse modo atua sobre a natureza exterior a 
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 61
ele e transforma [...] transforma sua própria natureza desenvolvendo 
as potências que nele dormitam e submetendo o jogo de suas forças a 
sua própria disciplina.” (VAZQUEZ, 1977, p. 198).
A segunda forma de práxis é artística, agora, porém, orientada por 
uma necessidade de expressão e objetivação. Por esta via, se verifica 
a arte como criação de uma nova realidade e, consequentemente, 
à medida que amplia e agrega valores à realidade já humanizada é 
indispensável ao homem. Enfim, a arte não é mera produção material 
ou espiritual, mas realizadora e transformadora. 
A práxis social é aquela na qual o homem é simultaneamente sujeito e 
objeto porque atua sobre si mesmo. Neste nível de práxis não se toma 
um indivíduo isolado, mas uma comunidade, grupos ou a sociedade 
inteira como objeto. Dito de outra maneira, com Vazquez (1977, p. 
200): “a práxis social é a atividade de grupos ou classes sociais que 
leva a transformar a organização e direção da sociedade, ou realizar 
certas mudanças mediante a atividade do Estado.” Esta forma de 
práxis vincula-se imediatamente à práxis política. 
A práxis política inserta-se num contexto social dividido em classes 
rivais onde o poder e a respectiva direção e estruturação social, 
conformados aos interesses e finalidades correspondentes, demarcam 
 as lutas políticas internas. Assim, a política é prática porque as lutas 
entre grupos caracterizam-se por organizações reais como os partidos; 
é prática porque mesmo considerando as influências programático-
ideológicas exigem-se métodos e meios concretos e é prática porque 
projeta-se para a conquista, conservação e direção do Estado.
A força transformadora da práxis política é assinalada por Vázquez 
(1977, p. 201) da seguinte maneira:
A práxis política, enquanto atividade prática 
transformadora, alcança sua forma mais alta na práxis 
revolucionária como etapa superior da transformação 
prática da sociedade. Na sociedade dividida em 
classes antagônicas, a atividade revolucionária permite 
mudar radicalmente as bases econômicas e sociais em 
que se baseia o poder material e espiritual da classe 
dominante, e instaurar assim uma nova sociedade.
FILOSOFIA62
Percebe-se, então, que nesta perspectiva de práxis advogada por 
Vázquez à luz dos escritos de Marx e Engels, atividade teórica em si 
mesma não é práxis. A vida contemplativa aristotélica é incompatível 
com este conceito de práxis marxiano. Vásquez ressalta a propósito um 
trecho da Sagrada Família quando Marx e Engels afirmam: “[...] As 
ideias nunca podem executar coisa alguma. Para a execução das ideias 
são necessários homens que ponham em ação uma força prática.” E 
depois Marx na Tese XI (Sobre Feuerbach) contrapõe a filosofia como 
interpretação, ou seja, como teoria desvinculada da prática e a filosofia 
conscientemente preocupada com a transformação do mundo. Uma 
teoria que não modifica o mundo não é, consequentemente, legítima 
práxis.
Todavia, não há práxis quando a atividade reduz-se à materialidade, 
ou seja, sem a correlação de conhecimentos e finalidades típicas da 
atividade teórica. Com efeito, o sentido da práxis pode ser localizado 
entre os campos da teoria e da prática.
Assim, é enquanto ser de práxis que o homem interfere no processo 
histórico, renovando e inovando as formas de vida pessoal e coletiva, 
à medida que transforma o mundo e a si mesmo através de sua ação 
embasada no tripé racionalidade, liberdade e intencionalidade. O 
homem alia sua práxis historicamente à arte, como uma dimensão 
que lhe é inerente. Refletiremos, pois, a seguir, ainda que brevemente, 
sobre esta bela relação: o homem que faz arte é também feito por ela, 
enquanto a faz.
O homem enquanto ser estético 
Veja você os seguintes versos de Fernando Pessoa: “A beleza é o 
nome de qualquer coisa que não existe/ Que dou as coisas em troca 
do agrado que me dão.” Agora os de Caetano Veloso em Beleza 
Pura: “Não me amarra dinheiro não/ Mas formosura/Dinheiro não/ A 
pele escura/Dinheiro não/A carne dura/Dinheiro não/Moça preta do 
Curuzu/Beleza pura/Federação/Beleza Pura/Boca do Rio...”
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 63
Estes versos, como podemos ver, enfocam uma questão específica: o 
belo. O belo é um tema da arte. Arte é uma dimensão essencialmente 
humana. Só o homem, a rigor, produzarte porque sabe que faz, como 
faz e porque faz. Susanne Langer (2004, p. 248), ressalta:
Um tema que possua significado emocional para o 
artista, pode, destarte, prender-lhe a atenção e induzi-
lo a ver sua forma com olhos ativos, discernidores 
e manter a referida forma presente na sua excitada 
imaginação, até que seus alcances mais altos de 
significação lhe tornem evidentes; então ele terá, e 
pintará, uma concepção profunda e original daquele.
É claro que os homens sempre fizeram arte, mas esta só passou a ser 
expressa com o termo estética no século XVIII, precisamente por volta 
de 1750, quando o alemão Alexander Gottlieb Baumgarten, em sua 
obra Aesthética na qual a questão do gosto e de experiências ligadas 
à arte. Na verdade, tentou articular uma lógica da imaginação. Mas 
como observa Cassirer, a lógica da imaginação nunca se equalizaria à 
dignidade lógica do intelecto puro.
O também alemão Immanuel Kant retoma o termo estética, para 
designar os juízos de valor sobre a beleza tanto na arte como na 
natureza. Aliás, segundo Cassirer (1994, p. 225), o primeiro a apresentar 
uma prova clara e convincente da autonomia da arte.” Numa de suas 
obras Crítica do Juízo, interpreta o problema do belo e da arte sob 
o parâmetro da sensibilidade; além disso, trata dos fundamentos dos 
nossos juízos estéticos.
Três problemas envolvem imediatamente a estética. Primeiro as 
relações entre natureza e arte, que, por sua vez, geram três concepções 
de arte: como imitação, como criação e como construção. No primeiro 
caso, trata-se da subordinação da arte à natureza e à realidade 
e, ademais, a arte reproduz fielmente o que pertence ao mundo e 
ao homem; enquanto criação, arte reflete além da inspiração e da 
genialidade do artista, as experiências, os sentimentos e as emoções 
vividas. Hegel afirma que tudo que vem do espírito é superior ao que 
existe na natureza; a arte como construção desvela a realidade a partir 
das relações dialéticas entre o artista e mundo que o cerca. Segundo 
problema: relações entre a arte e o homem, que também incluem três 
concepções: arte torna-se conhecimento quando facilita o saber sobre 
FILOSOFIA64
o mundo, Deus, verdade etc.; arte enquanto prática pensou Aristóteles, 
na medida em que a retidão de raciocínio orienta a fabricação humana 
e a arte como sensibilidade pela qual se formam juízos sobre produção 
artística, como enfatizou Kant. O terceiro nível de relações é relativo à 
função da arte, quando pedagógica, social e politicamente ela se insere 
numa determinada conjuntura e a partir desta torna-se instrumento de 
crítica, transformação e libertação. 
Destas relações depreende-se que, em sentido restrito, podemos afirmar 
a estética como um conjunto de caracteres formais que a arte assume 
num determinado período ou contexto, isto é, um estilo particular. 
Perante esta perspectiva de estilização artística, surge então uma questão 
essencial na arte: o belo e o feio. O que é a beleza? O que é o feio? Trata-
se de questões objetivas ou subjetivas? De fato, existem duas vertentes.
Para os filósofos idealistas, cuja tradição remonta-se a Platão, à beleza 
subjaz uma forma ideal, isto é, modelo suprassensível, de modo que no 
mundo sensível, belo é o que se assemelha à ideia de beleza existente 
em nossa alma. Num trecho do Banquete ele diz o seguinte: “Beleza 
[...] que existe por si mesma e por si mesma, sempre idêntica, da qual 
participam todas as demais coisas belas.” Por outro lado, os filósofos 
materialistas-empiristas, entre eles Hume, afirmam que a beleza é 
relativa no sentido de que está no gosto de cada um. Cassirer (1994, 
p. 245) nota a tese deste filósofo inglês: “A beleza não é uma qualidade 
das coisas em si; existe apenas na mente de quem a contempla.” O 
valor estético, podemos ver claramente, depende, na verdade, do 
sujeito situado numa determinada cultura.
A interpretação de Kant orienta-se para um meio termo. O princípio do 
juízo estético é um sentimento do sujeito e não o conceito do objeto em 
si mesmo. Porém este juízo pode universalizar-se, isto é, as condições 
de juízos são as mesmas em todo ser racional. Para Kant, não há ideia 
de belo como em Platão, mas aquilo que agrada independentemente 
do interesse sensível ou racional, cujo critério básico é o prazer que 
desperta. É produto da faculdade subjetiva comum a todos os homens, 
o que, de fato, assegura a universalidade do belo. E o feio? Existe? 
Sim. Se compreendido como artes malfeitas e inautênticas. A rigor, 
praticamente uma negação da arte.
A beleza da obra de arte 
(literatura, pintura, arquitetura, 
música, cinema etc.) se orienta 
por uma referência ideal ou é 
relativa, depende do gosto de 
cada um?
O feio se correlaciona com 
o mau gosto. E o que é mau 
gosto (kitsch) “artístico”? Trata-
se de imposição de efeitos pré-
concebidos. Alguns exemplos 
de kitsch: cores (abuso de 
cores fortes contrastantes 
– pinturas carnavalescas); 
empilhamento (demasia de 
enfeites e adornos desconexos 
– quadros/desenho, adornos 
amontoados e sem inter-
relação); materiais (disfarces 
para simular ou falsear algo 
original); inadequação (formas, 
estilos, funções conforme 
as circunstâncias – imagens 
reluzentes); deslocamento 
(distanciamento do sentido 
original – objetos em forma 
humana).
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 65
À luz da interpretação fenomenológica, algo é belo à medida que realiza 
sua finalidade e é autêntico, ou seja, conforme sua forma particular de 
ser e desse modo seu significado é apreendido conforme a experiência 
estética.
Neste sentido, afirma o filósofo austríaco Ernst Fischer (1977, p. 17):
Toda arte é condicionada pelo seu tempo e representa 
a humanidade [...] e as esperanças de uma situação 
histórica particular. [...]. Mas ao mesmo tempo, a arte 
[...] cria também um momento de humanidade que 
promete constância no desenvolvimento.
Há que se ressaltar, assim, a fenomenologia social da arte na medida em 
que o artista é um ser social e por isso ele busca refletir na sua produção 
artística os problemas e as esperanças do seu momento histórico. Com 
razão, Lukács afirma que há uma influência recíproca entre o artista e 
a sociedade. Dessa maneira compreendemos, por exemplo, as músicas 
regionais e as músicas críticas e subversivas de certos momentos 
históricos. Por outro lado, há sempre de alguma maneira a repercussão 
social de uma obra de arte. De novo, Lukács ressalva que em todos os 
tempos a repercussão social é inseparável da arte. 
Neste sentido, arte e cultura se interligam. Do ponto de vista 
antropológico, cultura diz respeito ao que o homem faz: pensa, imagina, 
inventa, justamente porque ele é um ser simbólico, cultural. Ampliando 
este conceito, a cultura reflete ou repercute os anseios, as necessidades 
e expectativas da sociedade em geral e então, é plural e histórica, com 
efeito, patrimônio da humanidade. É por isto que o Estado através 
de Ministérios, Institutos, Secretarias e Fundações, precisa implementar 
políticas de incentivo, proteção e difusão da arte.
Todavia, convém ressaltar pelo menos duas distinções entre cultura e 
arte. A cultura é uma necessidade de sobrevivência: língua, costumes, 
valores etc. A arte não é tão necessária assim, alguém pode viver sem 
arte. A cultura tem a finalidade social de estabilizar os indivíduos; a 
arte, ao contrário, pode incomodar, desequilibrar e provocar mudanças 
sociais. Como percebemos, a arte tem especificidades, inclusive 
funções singulares, entre elas: a pragmatista, cujo interesse maior é a 
finalidade da obra de arte; a naturalista prioriza o conteúdo em vez da 
forma; a formalista justamente volve-se para a forma e composição da 
obra de arte.
A ConstituiçãoFederal 
(1988, art. 216) afirma que 
patrimônio são “os bens de 
natureza material e imaterial, 
tomado individualmente ou 
em conjunto, portadores de 
referência à identidade, à 
ação, à memória dos diferentes 
grupos formadores da 
sociedade brasileira...”
O Instituto do Patrimônio 
Histórico e Artístico Nacional 
(Iphan), criado em 1937, deve 
assumir a responsabilidade 
de zelar pelos bens culturais 
do país, sobretudo, os 
tombados, isto é, produções 
histórico-artísticas de grande 
relevância. Entretanto, 
até 1967 representações 
culturais indígenas, africanas 
e populares não eram 
oficialmente reconhecidas. 
E na verdade, só por volta 
de 1975, intelectuais ligados 
ao Iphan, “se deram conta” 
que o Instituto não englobava 
a pluralidade cultural do 
país, desde então abriu-se a 
política de mapear, registrar e 
reconhecer expressões culturais 
importantes em todo território 
nacional.
FILOSOFIA66
Ainda nessa correlação arte e cultura, enfatizemos agora um problema do 
nosso tempo: a massificação. Nesse mundo de imperialismo economicista, 
os interesses econômicos incidem destrutivamente sobre o espírito e 
a idealidade da obra de arte. Vivemos um mundo em que a demanda 
do mercado e o retorno lucrativista, acabam infelizmente, impondo o 
sentido e a função da obra de arte.
Esse fenômeno contemporâneo da mercantilização da arte foi 
sabiamente denominado por Adorno de indústria cultural. Ele alertou 
a partir de suas observações, principalmente nos Estados Unidos, que 
artes, como o cinema, acabam sendo telas de propagandas de vários 
produtos: carros, roupas, bebidas, máquinas etc. Como uma espécie 
de rolo compressor essas “produções culturais-mercadológicas” através 
de revistas, shows, modas, ritmos, gírias, cenas, vão superpondo-se 
sobre as consciências de forma colonizadora, cujo prejuízo mínimo é o 
enfraquecimento da criatividade, da reflexão e da crítica.
Habermas diz claramente que à medida que o dinheiro e o poder 
incidem sobre uma grandeza humana como a arte, a tendência é que 
perda de sentido e empobrecimento do espírito sejam consequências 
naturais.
Paradoxalmente, entretanto, Adorno acredita que o capitalismo não 
asfixia totalmente a arte, aliás, ela mesma pode tornar-se uma reação 
a este sufocamento e pode tornar-se margem de liberdade, crítica e 
transformação, de modo que afinal ela, a arte, signifique tradução da 
realização humana. Habermas, por sua vez, especificamente sobre 
arte, assegura que apesar do perigo de corrosão, ela conserva uma 
condição de possibilidade de resgate da liberdade e de emancipação 
humana. 
Este sentido sui generis da arte, de modo geral, nos parece bem 
realçado nas seguintes palavras de Cassirer:
A arte nos propicia uma imagem mais rica, mais viva e 
mais colorida da realidade, e uma compreensão mais 
profunda de sua estrutura formal. É característico da 
natureza do homem não estar limitado a uma única 
forma de abordagem específica da realidade, mas 
pode escolher seu próprio ponto de vista e assim passar 
de um aspecto das coisas para o outro (CASSIRER, 
1994, p. 279).
Acaso não vemos e 
consumimos “enxurradas” 
de banda de forró, grupos 
de pagodes, os estilos 
“bregas”, demais estilos e, 
inclusive, tendência religiosa 
com suas letras medíocres, 
repetitivas, alienadas 
ou descompromissadas 
justamente conforme 
exigências das agências e 
empresários, preocupados 
basicamente em satisfazer 
muitas vezes o “simplório” 
gosto da massa, que 
reciprocamente é alimentada 
por esta arte pobre?
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 67
Assim, mais que construir o mundo como sua casa, o homem mediante 
a arte projeta-se, articula outros horizontes, numa clara manifestação 
de anseios ou esperanças e possibilidades, além do seu mundo real, 
sem que seja covarde fuga. Ora, essa transcendentalidade humana 
explicita-se, mais incisivamente, em suas experiências religiosas (não 
necessariamente doutrinárias e/ou eclesiásticas).
O homem como ser religioso e transcendente
Vamos indagar inicialmente, acompanhando a inquietação semelhante 
do professor Rubem Alves, no início do texto O Enigma da Religião: Por 
que os homens fazem religião? Podemos incorporar outras questões: 
Deus existe? A vida tem algum sentido? A morte é minha irmã? 
Existe um outro lado do cosmos?
Pois bem, estas são perguntas cujas respostas possíveis são captáveis 
– se for o caso, pela afeição da alma religiosa. Alves ressalta que as 
respostas, diz ele, são variadas e contraditórias. Não obstante “o que 
torna a religião mais enigmática ainda é o fato de que, apesar de não 
entendermos suas origens – ou talvez precisamente por não entendê-
las – o homem não consegue se desvencilhar do seu fascínio.” (ALVES, 
1988, p. 33).
Cassirer, lembrando que Pascal declarou que a obscuridade e 
incompreensibilidade integram a religião e que Kierkegaard a 
compreendia demarcada essencialmente pela paradoxalidade, ressalta 
que:
[...] ela [a religião] é um engima não só no sentido 
teórico mas no sentido ético. Está repleta de 
antinomias teóricas e contradições éticas. Promete-
nos uma comunhão com a natureza, com os homens, 
com os poderes sobrenaturais e com os deuses. [...] 
ela se torna fonte das mais profundas dissensões 
e lutas fanáticas entre os homens. A religião alega 
estar de posse de uma verdade absoluta; mas a sua 
história é uma história de erros e heresias. Oferece-
nos a perspectiva de um mundo transcendente [...] e 
permanece humana demasiada humana (CASSIRER, 
2001, p.122).
Há um recente debate entre 
o teólogo Joseph Ratzinger 
(Papa Bento XVI) e o filósofo 
ateu Paolo Flores d’Arcais, 
exatamente intitulado: “Deus 
Existe?” (Editora Planeta, São 
Paulo: 2009)
FILOSOFIA68
É por isso que o próprio Cassirer assegura que a religião e o mito são, 
entre os fenômenos humanos, os mais resistentes a uma análise lógica. 
O mito, por exemplo, observa Cassirer (2001, p. 122), é um desafio às 
conceitualizações. “Sua lógica – se é que tem alguma – não pode ser 
medida por nenhuma de nossas concepções de verdade empírica ou 
científica.”
Por outro lado, tem razão o mitólogo Mircea Eliade quando adverte 
que não se pode compreender um fenômeno religioso fora de sua 
modalidade, ou seja, da própria categoria de religiosidade. Com 
efeito, diz ele: “sendo a religião uma coisa humana, é também de fato, 
uma coisa social, linguística e econômica [...]. Mas seria vão querer 
explicar a religião por uma dessas funções fundamentais que definem 
o homem.” (ELIADE, 2002, p. 1). 
Então estejamos certos de um fato: não se pode negar a universalidade 
do fenômeno religioso. Batista Mondin assinala que todas as tribos 
e todas as populações em qualquer situação cultural estabeleceram 
alguma forma de religião. E Rubem Alves (1988, p. 33) diz igualmente 
que “não se tem notícia de cultura alguma que não tenha produzido 
religião de uma forma ou de outra.” Ambos coadunam-se a Plutarco 
que, na Antiguidade, já afirmava não haver povo sem Deus, sem 
oração, sem juramentos, sem ritos religiosos, sem sacrifícios.
É neste sentido, que histórico e universalmente, o fenômeno religioso, 
explica Eliade, opõe o sagrado e o profano. “Todas as definições do 
fenômeno religioso apresentadas até hoje mostram uma característica 
comum: à sua maneira, cada uma delas opõe o sagrado e a vida 
religiosa ao profano e à vida secular.” (ELIADE, 2002, p. 7). Em 
outro lugar ele observa que “a partir da mais elementar hierofania – 
por exemplo, a manifestação do sagrado num objeto qualquer, uma 
pedra ou uma árvore – e até a hierofania suprema, que é, para um 
cristão, a encarnação de Deus em Jesus Cristo, não existe solução decontinuidade. Encontramo-nos diante do mesmo ato misterioso: a 
manifestação de algo de ‘ordem diferente’.” (ELIADE, 2001, p. 17).
Lembremo-nos que realmente no decurso de muito tempo, sublinha 
Alves (2003, p. 9), “os descrentes, sem amor a Deus e sem religião, eram 
raros. Tão raros que eles mesmos se espantavam com sua descrença e 
Mircea Eliade (1907-1986)
Fonte: http://www.google.com.br
Literalmente do grego: 
hieros = sagrado; fania = 
manifestação. Modos simples 
ou complexos pelos quais o 
Sagrado pode se manifestar.
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 69
a escondiam, como se ela fosse uma peste contagiosa.” Ou como diz 
Eliade (2001, p. 19), “o mundo profano na sua totalidade, o Cosmos 
totalmente dessacralizado, é uma descoberta recente na história do 
espírito humano.” Tanto que, de modo geral, a educação orientava-
se, ou inspirava-se no paradigma religioso, ratificado por relatos de 
milagres, aparições, experiências divinas ou demoníacas, de modo que 
se acreditava que seres, fenômenos e eventos revelavam ou escondiam 
um poder espiritual.
Mas adveio um outro tempo em que Deus e as experiências religiosas 
perderam a força centrípeta. Atravessou-se de uma época em que 
no cenário aromático da fé nada acontecia fora do poder sagrado e 
que Deus protegia os crentes e castigava severamente os incrédulos, 
para uma época demarcadamente antropocêntrica na qual razão 
passa a ser a luz autossuficiente. Habermas (2000, p.3) observa 
que Max Weber “descreveu como ‘racional’ aquele processo de 
desencantamento na Europa que, ao destruir as imagens religiosas do 
mundo, criou uma cultura profana.” Numa palavra, chegamos a um 
tempo da modernidade racional. “O homem aprendeu a lidar com 
todas as questões de importância sem recorrer a Deus como hipótese 
explicativa”, escreveu Bonhoeffer em Cartas da Prisão no começo dos 
anos 50. 
Vejamos como Rubem Alves assinala bem a transição para o cenário 
da modernidade:
Onde os homens antes viam poderes miraculosos em 
operação, a ciência constatava apenas a presença 
de leis fixas e imutáveis. O universo que se abria 
para o transcendente e o divino fechou-se sobre si 
mesmo, e tudo passou a ser explicado em termos de 
leis imanentes à própria natureza. A ciência criou um 
problema habitacional para Deus. Na medida em que 
ela penetrava em novos domínios, Deus se tornava 
supérfluo e obsoleto, e era despojado. A realidade 
foi ‘desencatada’: não mais necessitava de hipóteses 
teológicas para se explicar (ALVES, 1988, p. 36).
Neste mundo moderno, de acordo com Battista Mondin, o 
homem, entre outros caracteres, é antimetafísico, antidogmático, 
livre, pragmático, massificado, alienado e, principalmente, 
secularizado. A partir da secularização, Deus deixa de ser 
Habermas observa que a 
descoberta do novo mundo, 
o renascimento e a reforma 
protestante, fatos registrados 
no limiar do século XVI, 
demarcam a fronteira entre 
tempos medieval e moderno.
FILOSOFIA70
explicação e intervenção necessária sobre o mundo e sobre o 
homem. Tornando-se senhor do passado e do futuro, ele assumiu 
a providência de si mesmo.
[...] a partir do início da modernidade, [...] ele [o 
homem] excluiu sistematicamente Deus da política, 
da ciência, arte, moral, direito e um pouco também 
de todas as manifestações da vida social, limitando 
a religião quando muito à esfera particular. Lançou-
se a mesmo tempo a descoberta e a conquista do 
mundo através da ciência e da técnica (MONDIN, 
1986, p. 50).
Considere, então, o fato que desde os meados do século XV, filósofos 
cientista e artistas aderem de forma lenta, depois mais explícita e 
célere, ao paradigma antropocêntrico. Pico della Mirândola afirma 
que “[...] o homem é artífice do próprio destino, a sua natureza é a 
articulação ou realização de sua essência.” (CHORÃO, 1989, p. 140). 
Nicolau Copérnico inaugura a teoria heliocêntrica. Francis Bacon, em 
Novum Organum defendendo a separação entre ciência e religião, 
defende a independência e a relevância do método científico. Galileu 
radicalizou o heliocentrismo e metodologia científica. Referindo-
se a Galileu, Japiassu (1978, p. 29) é enfático: “sua ciência veio 
destruir o esquema de um Cosmos organizado hierarquicamente 
no interior de um espaço fechado e impregnado de ressonâncias 
mítico-religiosas.” Maquiavel defendera a dicotomia entre os poderes 
eclesiástico e político. Hobbes, Locke e Rousseau compartilham a 
tese de que a sociedade é uma construção humana e que o poder 
emana do povo e não de Deus. Para o materialista Feuerbach, a 
religião resume-se a invenção e projeção de um homem pusilâmine. 
Comte, o pai do positivismo, garante que era fruto da ignorância 
infantil da humanidade. Darwin publica A Origem das Espécies em 
1859, para deixar claro que o homem em vez de criado, é resultado 
de um processo evolutivo. Por outro lado, para o linguista Carnap, 
as afirmações teológico-religiosas são abusos linguísticos.
Diante do que está dito, você certamente já percebeu que entramos 
numa conjuntura ideológica cuja antipatia pela religião é sintomática. 
Todavia, o teor de ojeriza pela religião se consolida ainda mais 
explicitamente nas concepções dos “mestres da suspeita”: Marx, 
Freud e Nietzsche. Estes assumem uma postura radicalmente crítica. 
Rudolf CARNAP, um dos 
expoentes da Escola de 
Oxford - crítico radical da 
Metafísica, advoga em 
favor do que designa como 
proposições protocolares, isto 
é, enunciados por natureza e 
por princípio experimentáveis. 
Os demais seriam, segundo 
Carnap, vazio de sentido, 
tais como: Deus existe/Deus 
não existe; alma do homem, 
vida transcendente etc. A 
professora Ouelbani, ressalta 
para o Círculo de Viena, que 
a tarefa dos filósofos deveria 
ser de esclarecimento e não 
de informação. “A filosofia se 
transforma em uma atividade 
de elucidação e não pode mais 
ser um sistema de enunciados 
‘de significação duvidosa’” 
(OUELBANI, 2009, p. 21).
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 71
Acompanhemos, então, ainda que brevemente suas linhas de 
pensamento.
Para Marx, em princípio inspirado pelo materialismo feurerbchiano, 
a totalidade do ser consiste nisto: o homem é um ser real, diante de 
objetos reais que formam o mundo das suas relações. Existiria algum 
ser fora dessa realidade concreta? Não! Responde Marx. “Um ser não-
objetivo é um não-ser.” (STACONNE, 1989; p. 98).
Quem criou o mundo e o homem? Para Marx, é uma pergunta 
tipicamente abstrata que, aliás, desconhece a realidade humana. Ora, 
se não há criação, não há criador; logo a afirmação da autonomia 
existencial do homem (por si e para si) exclui automaticamente Deus, 
no caso, enquanto criador. A propósito, Staconne (1989, p. 109) alude 
a Parinetto que, por sua vez, refere-se ao seguinte argumento de Marx: 
“Aquilo que eu me represento realmente (realiter) é uma representação 
real e ativa sobre mim; neste sentido todos os deuses, tanto pagãos 
como cristãos, não têm existência real,” (grifos em Staconne).
Assim, segundo Marx Deus só é real na imaginação humana. Com 
efeito, o conteúdo da religião é autoconsciência do homem.
A religião não faz o homem, mas ao contrário, o homem 
faz a religião: este é o fundamento da crítica irreligiosa. 
A religião é autoconsciência e o autoconsentimento do 
homem que ainda não se encontrou ou já se perdeu.
[...]. O homem é o mundo dos homens, o Estado, 
a sociedade. [...] A religião é a teoria geral deste 
mundo...[...] sua razão geral de consolo e justificação. 
É a realização fantástica do homem, porque a essência 
humana carece de realidade concreta (MARX, 2005, 
p. 85).
Decorre, então, que a religião é essencialmente alienação. Marx (2005, 
p. 86) acentua a facealienante da religião nestas célebres palavras: 
“a miséria religiosa é, de um lado, a expressão da miséria real, e de 
outro, o protesto contra ela. A religião é o soluço da criatura oprimida, 
o coração de um mundo sem coração, o espírito de uma situação sem 
espírito. É o ópio do povo.”
A religião torna-se, pois, um dos maiores obstáculos à realização de uma 
nova sociedade, porque, por um lado, é uma invenção da sociedade 
FILOSOFIA72
capitalista e, por outro, evasão da realidade; por isso mesmo a 
crítica e a luta radicais contra a religião, são premissas indispensáveis 
a qualquer ação emancipadora da humanidade. As palavras de 
Marx (2005, p. 86) são incisivas:
A verdadeira felicidade do povo exige que a religião 
seja suprimida, enquanto felicidade ilusória do 
povo. A exigência de abandonar as ilusões sobre sua 
condição é a exigência de abandonar uma condição 
que necessita de ilusões. Por conseguinte, a crítica da 
religião é o germe da crítica do vale de lágrimas que a 
religião envolve numa auréola de santidade.
Convém ressalvar que paradoxalmente no interior do próprio 
cristianismo, principalmente na igreja católica há uma vertente 
em que textos, teólogos, agentes de pastoral, pastorais (como as 
sociais, incluindo aí as Comunidades Eclesiais de Base), atualizam 
ou reinterpretam a crítica marxiana (em parte pelo menos) tanto 
em relação à estrutura capitalista opressora como à própria forma 
alienada de religiosidade. Portanto, “unem” a crítica e a proposta 
de Marx ao grito profético bíblico, especialmente na “Boa Nova” de 
Jesus Cristo, em favor da libertação e da emancipação do homem. 
Há, inclusive, quem diga que se Marx tivesse conhecido propostas 
da Teologia da Libertação, ações das pastorais sociais e das Ceb’s 
e ações similares de outras religiões cristãs, teria certamente uma 
compreensão diferente daquela que celebrizou sobre a religião.
Pois bem, assim como Marx, Sigmund 
Freud também relegava a religião ao mundo 
da realização fantástica principalmente em O 
Futuro de uma Ilusão (1927). 
Para Freud, toda civilização humana expressa 
tudo aquilo em que a vida do homem elevou-
se acima de sua condição animal, em função 
da capacidade de controlar as forças naturais 
e de regulamentar as relações intersubjetivas. 
Entretanto, todo indivíduo é virtualmente inimigo da civilização, 
embora esta se constitua objeto de interesse universal. A ciência e a 
O livro de Otto Maduro – 
Religião e Lutas de Classes 
(Ed. Vozes), explicita bem a 
correlação de religião e luta 
de classes. Onde a religião – e 
seus elementos, tanto pode 
aliar-se aos opressores como 
pode assumir a luta em favor 
dos oprimidos. A análise do 
autor dirige-se, sobretudo, à 
América Latina.
Excluindo-se a “raiva” entre 
marxistas e religiosos, será que 
as críticas severas de Marx 
contra a exploração do homem 
no sistema capitalista, não se 
tocaria num certo sentido com 
semelhantes denúncias de 
Jesus Cristo contra semelhantes 
desumanismos em sua época? 
Há um livro de E. Morin, “Jesus 
e a estruturas do seu tempo” 
(Ed. Paulinas), que aborda 
justamente as acusações de 
Cristo aos opressores e seus 
aliados, inclusive, judeus 
ostensivamente religiosos e 
austeros.
Sigmund Freud (1856-1939)
Fonte: http://www.google.com.br
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 73
tecnologia podem ser utilizadas para aniquilar a mesma civilização. É 
por isso que medidas de coerção se destinam a reconciliar os homens 
com a civilização e recompensá-los por seus sacrifícios. Incluem-se 
entre medidas a frustração – a não satisfação de um instinto; proibição 
– regulamento proibitivo e a privação – efeito da proibição. Com efeito, 
afirma Freud, a coação externa gradativamente internaliza-se, porque 
o superego – agente mental – é assumido como mandamento pelo 
homem.
Neste contexto, qual a significação psicológica das ideias religiosas? 
Para Freud (1997, p. 40), “são ensinamentos sobre fatos e condições da 
realidade externa (ou interna) que nos dizem algo que não descobrimos 
por nós mesmos e que reivindicam nossa crença.” E em que se fundam 
os ensinamentos religiosos? Segundo Freud em três alegações básicas: 
eram acreditados por nossos antepassados; possuímos provas desde 
os primevos e é proibido questioná-los. Conclusão:
[...] todas as informações proporcionadas por nosso 
patrimônio cultural, as menos autenticadas constituem 
precisamente os elementos que nos poderiam ser 
da maior importância, ter a missão de solucionar 
os enigmas do universo e nos reconciliar com os 
sofrimentos (FREUD, 1997, p. 43).
Pensemos agora, com Freud, a seguinte questão: Apesar da 
inautencidade, de onde vem a eficácia das ideias religiosas? Para ele, 
as ideias religiosas são ilusões. E o que são ilusões? Desejos fortes e 
prementes dos seres humanos. Não se confundem com o erro, nem 
com a contradição à realidade. Ora, uma crença ilusória implica uma 
realização de um desejo como motivo, desprezando-se, por isso, 
relações com a realidade e verificabilidade. Além disso, mesmo que se 
soubesse que a religião não tem a verdade, dever-se-ia ocultar tal fato 
e manter a prescrição filosófica do “como se”.
De qualquer forma, Freud reconhece que a religião ajudou a refrear os 
instintos associais, mas não o suficiente. De fato, se houvesse tornado 
mais feliz a maioria da humanidade, não se desejaria alterar as 
condições existentes. Então o que se vê? Grande número de pessoas 
decepcionadas com a civilização.
FILOSOFIA74
Ora, o espírito científico suscita uma forma inovadora de compreender 
os assuntos do mundo. Por isso, Freud (1997, p. 61) diz que:
[...] quanto maior é o número de homens a quem 
os tesouros do conhecimento se tornam acessíveis, 
mais difundido é o afastamento da crença religiosa, 
a princípio somente de seus ornamentos obsoletos e 
objetáveis, mas, depois também de seus postulados 
fundamentais.
Convicto das forças decrépitas da religião, ele radicaliza ressaltando 
que a “religião seria a neurose obsessiva da humanidade; tal como a 
neurose obsessiva das crianças, ela surgiu do complexo de Édipo, do 
relacionamento com o pai [...], o afastamento da religião está fadado a 
ocorrer com a fatal inevitabilidade de um processo de crescimento...” 
(FREUD, 1997, p. 69). Tem-se que dizer, argumenta Freud, que as 
verdades religiosas são tão deformadas e disfarçadas que a massa não 
pode tomá-las como verdade. A ciência, ao contrário, afirma Freud 
(1997; p. 85), “através de seus numerosos e importantes sucessos, 
já nos deu provas de não ser uma ilusão” e seus inimigos mais 
intransigentes são os que manifestam ou secretamente temem que a 
fé religiosa seja esclarecida e depois suprimida pelo saber científico.
Freud encerra o texto sublinhando que se ele e os partidários posteriores 
de suas ideias estiverem iludidos as expectativas serão abandonadas. 
Ao contrário, as ilusões religiosas não admitem correções. Além disso, 
as falhas de sua crítica não implicariam afirmação da religião. Se os 
objetivos da razão são históricos, os da religião se esperam em Deus e 
depois da morte; porém, a longo prazo, a própria religião não escapará 
à sobrepujança científica. 
Pensemos, enfim, nesta assertiva com a qual Freud encerra seu livro: 
“Não, nossa ciência não é uma ilusão. Ilusão seria imaginar que aquilo 
que a ciência não nos pode dar, podemos conseguir em outro lugar.” 
(FREUD, 1997, p. 40).
Portanto, para Freud a ciência será a única força terapêutica capaz 
de expurgar essa “neurose obsessiva da humanidade”, a religião, cujos 
fundamentos são essencialmente psicológicos.
Battista Mondin observa que 
já em Totem e Tabu, Freud 
afirmara que no complexo 
de Édipo acham-sejuntos 
os princípios da religião, da 
moral, da sociedade e da arte. 
A religião é, pois, neurose e 
delitos coletivos. 
No livro O Antricisto (1895) 
- aforismo 49, Nietsche 
aproximar-se-ia de Freud 
neste sentido, ao afirmar: “O 
sacerdote conhece apenas um 
grande perigo: a ciência – a 
sadia noção de causa e efeito.”
Desde que Freud (em O 
Futuro de uma Ilusão, 1927) 
defendeu a superação da 
religião pela ciência, se esta 
realmente avançou sobre a 
religião, em que nível estaria 
este avanço em nossos tempos? 
Ou ao contrário, a religião 
conserva margem de autarquia 
perante evoluções científico-
tecnológicas?
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 75
Friedrich Nietzsche é o terceiro grande ateu do século XIX. 
Thrower (s/d, p. 131) frisa que para Nietzsche “a estabilidade política 
e o desenvolvimento da época não valiam nada, comparadas com o 
único fato que para ele contava, mas que seus contemporâneos se 
recusavam a aceitar: Deus tinha morrido.”
Depois de uma década numa solidão montanhosa, Zaratustra decide 
descer para o meio dos homens e, entre estes, encontra um velho à 
procura de raízes na floresta. Ao velho, Zaratustra pergunta:
E que faz o santo no bosque? O santo respondeu: - Faço 
cânticos e canto-os, e quando faço cânticos rio, choro, 
murmuro. Assim louvo a Deus. [...]. Zaratustra, porém, 
ao ficar sozinho falou assim ao seu coração: Será possível 
que este santo ancião ainda não ouviu no seu bosque 
que Deus já morreu? (NIETZSCHE, 1999, p. 24-25).
Em A Gaia Ciência (2003, p. 115) Nietzsche afirma que o anúncio da 
morte e dos assassinos de Deus é feito por um louco.
Nunca ouviram falar de um louco que em pleno meio 
dia acendeu sua lanterna e pôs-se a correr na praça 
pública sem cessar: Procuro Deus! Procuro Deus! 
Como lá se encontravam muitos que não acreditavam 
em Deus, seu grito provocou uma grande hilaridade. 
Ter-se-á perdido? perguntou um. [...]. Ou estará 
escondido? Terá medo de nós? Terá partido? O louco 
saltou em meio a eles e trespassou-os com o olhar. 
Para onde Deus foi? – bradou. – Vou lhes dizer: Nós o 
matamos, vós e eu! Nós todos somos assassinos!
Com isto, ainda em Gaia Ciência, ele propala que a morte do Deus cristão 
é a magna notícia dos últimos tempos e que, portanto, a crença em Deus, 
já indefensável, espraia-se pela Europa. A morte de Deus para Nietzsche, 
implica o fim de todo idealismo assimilado e apregoado pelo cristianismo.
Na verdade, a crítica cortante de Nietzsche à religião cristã e à moral, 
descendente desta, configura-se praticamente em todas as obras do 
filósofo. Mas o livro O Anticristo publicado originalmente em 1895, 
explicita, particularmente, sua contundente aversão.
Observe, por exemplo, o que ele declara no aforismo 18:
O conceito cristão de Deus – Deus como deus dos 
doentes, Deus como aranha, Deus como espírito 
– é um dos mais corruptos conceito de Deus que já 
foi alcançado na Terra; [...] Deus degenerado em 
contradição da vida, em vez de ser transfiguração 
e eterna afirmação desta! Em Deus a hostilidade 
declarada à vida, à natureza, à vontade de vida!
Friedrich Nietzsche (1844-1900)
Fonte: http://www.google.com.br
Aforismo, etimoligicamente, 
significa proposição ou 
sentença. A genialidade de 
Nietzsche lhe faculta escrever 
de forma, digamos, seccionada, 
aparentemente desconexa aos 
incautos. A rigor, entretanto, a 
veia do discurso subjaz à forma 
livre da sistematicidade formal 
ou condensada. Enfim, o que 
Nietzsche pronuncia tem certo 
teor de sentença! Esta é sua 
forma particular de filosofar, 
como se diz, com martelo!
FILOSOFIA76
Na concepção nietzscheana, o cristianismo é detestável porque sempre 
esteve implicado na tarefa de tornar homem o prometedor e cumpridor 
de promessas, cuja memória foi sempre marcada pelo sacrifício. Vejamos 
o que ele assevera na segunda seção de Genealogia da Moral:
Jamais deixou de haver sangue, martírio e sacrifício 
quando o homem sentiu a necessidade de criar em 
si uma memória; [...]. O castigo teria o valor de 
despertar no culpado o sentimento da culpa, nele se 
vê o verdadeiro instrumentum dessa reação psíquica 
chamada ‘má consciência’ ou ‘remorso’ (NIETZSCHE, 
1998, p. 51-70).
É por isso que sobre a doutrina cristã pesa para Nietzsche a acusação 
de inversão de valores – “não existem fenômenos morais, apenas uma 
interpretação moral dos fenômenos...” (NIETZSCHE, 2000, p. 73) 
– logo, o cristianismo articula seu triunfo sobre as falsas promessas, 
ao preço do sacrifício da humanidade do homem. É por isso que ele 
radicaliza sua crítica quando em O Anticristo (2007, p. 23), Aforismo 
5, destaca o seguinte:
Não se deve embelezar nem ataviar o cristianismo: 
ele travou uma guerra de morte contra esse tipo mais 
elevado de homem, ele proscreveu todos os instintos 
fundamentais desse tipo, ele destilou desses instintos o 
mal, o homem –mau – ser forte como o tipicamente 
reprovável, o ‘réprobo’. O cristianismo tomou partido 
de tudo o que é fraco, baixo, malogrado, transformou 
em ideal aquilo que contraria os instintos de 
conservação da vida forte; corrompeu a própria razão 
das naturezas mais fortes de espírito, ensinando-lhes a 
perceber como pecaminosos, como enganosos, como 
tentações os valores supremos do espírito. [grifos do 
tradutor]
Sua abominação prossegue no aforismo seguinte onde 
peremptoriamente observa que “o cristianismo é chamado de religião 
da compaixão. – A compaixão se opõe aos afetos tônicos que 
elevam a energia do sentimento de vida: ele tem efeito depressivo.” 
(NIETZSCHE, 2007, p.7).
Notemos que, segundo Nietzsche, nada é mais patético e patológico 
do que a piedade cristã, haja vista que esta é deprimente porque 
reprime as paixões, as sensações impregnadas na vida, em vez disso 
o homem contagiado pela piedade assume e dissemina o sofrimento, 
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 77
enfim, sobrepõe o sacrifício à energia vital. No quarto artigo da “Lei 
Contra o Cristianismo”, registrado no epílogo de o Anticristo (2007, p. 
81), repudia, particularmente, o cânone da castidade, nestes termos:
A pregação da castidade é uma incitação pública à 
antinatureza. Todo desprezo da vida sexual, toda 
impurificação através da mesma, através do conceito 
de ‘impuro’ é o autêntico pecado contra o sagrado 
espírito da vida.
Veja esta constatação semelhante em “Para Além do Bem e do Mal”: 
“Onde quer que a neurose religiosa tenha aparecido na terra, nós a 
encontramos ligada a três prescrições dietéticas perigosas: solidão, 
jejum e abstinência sexual...” (NIETZSCHE, 2000, p. 53).
Assim, o cristianismo histórico, mais que deturpação, é sabotagem à 
vida através da força sistêmica do moralismo. Na verdade, Nietzsche 
afirma que no “fundo houve apenas um cristão, e ele morreu na 
cruz. O ‘evangelho’ morreu na cruz. O que desde então se chamou 
‘evangelho’, já era o oposto daquilo que ele viveu; uma má nova, um 
disangelho (NIETZSCHE, 2007, p. 45). E Paulo de Tarso é o grande 
deturpador do evangelho, entre outras coisas, porque inventou um 
Deus que reduziu a nada a sabedoria do mundo, para ele, Paulo, 
sombra das vaidades. Com efeito, “o pecado, diga-se mais uma vez, 
esta forma de autoviolação humana par excellence, foi inventado 
para tornar impossível a ciência, a cultura, toda elevação e nobreza 
do homem, o sacerdote domina mediante a invenção do pecado.” 
(NIETZSCHE, 2007, p. 59).
A partir dessas razões, Nietzsche, em O Anticristo (2007, p. 79-80), 
apresenta seu veredicto sobre o cristianismo:
Eu condeno o cristianismo, faço à igreja cristã a mais 
terrível das acusações que um promotor já teve nos 
lábios. Ela é, para mim, a maior das corrupções 
imagináveis... [...]. Quero inscrever essa perene 
acusação ao cristianismo em todos os muros,onde 
quer que existam muros – eu tenho letras que os cegos 
enxergarão... Eu declaro o cristianismo a grande 
maldição, o grande corrompimento interior, o grande 
instinto de vingança, para o qual meio nenhum é 
suficiente venenoso, furtivo, subterrâneo, pequeno – 
eu o declaro a perene mácula da humanidade...
FILOSOFIA78
O que significa a declaração da morte do Deus cristão? O nascimento de 
um novo homem – o super-homem. Assim, Nietzsche anuncia solene e 
explicitamente o novo homem no Assim Falou Zaratustra (1999, p. 23):
Eu vos apresento o Super-homem! O Super-homem é 
o sentido da terra. Diga a vossa vontade: seja o Super-
homem, o sentido da terra. Exorto-vos, meu irmãos, a 
permanecer fiéis à terra e em não acreditar em quem 
vos fala de esperanças supraterrestres.
E, ainda à frente, ele ratifica a necessária morte de Deus e a consequente 
aurora de uma humanidade nova. O princípio de um tempo de liberdade.
[...]. Mas agora esse Deus morreu! Homens superiores, 
esse Deus foi o vosso maior perigo. Ressuscitaste desde 
que ele jaz na sepultura. Só agora torna o Grande 
Meio-Dia; agora torna-se senhor o homem superior. 
[...]. Homens superiores! Só agora vai dar à luz a 
montanha do futuro humano. Deus morreu: agora nós 
queremos que viva o Super-homem (NIETZSCHE, 
1999, p. 217).
Denota-se, pois, a invenção e a inversão da existência humana dada 
pela tradição religiosa e moral. Como sublinha Bernhard Welte (1981, 
p. 71), “...trata-se de o homem pretender eliminar toda forma de 
alienação e heteronomia, isto é, de não deixar comandar, de não dobrar 
os joelhos diante de ninguém, de não seguir cegamente a ninguém. 
O que se quer à autonomia do homem.” Como escreve em recente 
artigo “O Jesus sem culpa”, o Professor Renato Bittencourt (Faculdade 
de Comunicação CCAA – RJ), sobre as violentas críticas de Nietzsche ao 
cristianismo: “não significam necessariamente uma negação do valor da 
experiência religiosa, quando esta se pauta em valorações imanentes e 
extramorais.” O Reino de Deus, para Nietzsche, ressalta Bittencourt, não 
é algo escatológico, apocalíptico, em algum lugar fora do mundo e após 
a morte, mas é um “estado de coração” uma experiência interior “um 
sentimento de júbilo e de bem-estar íntimo na vida do indivíduo que 
compreende intuitivamente a existência de uma unidade que perpassa 
todos os seres humanos.”(BITTENCOURT, 2010, p. 15-17.)
Assim, a nova era habitada pelo homem superior é marcada 
essencialmente pela transvalorização. Scarlett Marton (2000, p. 62), uma 
grande estudiosa no Brasil do pensador alemão, explica: “Transvalorar, 
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 79
[...] é criar novos valores. Aqui Nietzsche pretende realizar obra análoga 
à dos legisladores: estabelecer novas tábuas de valores”.
O falecido padre Lima Vaz – outro importante pensador brasileiro –, 
retomando esta tese de Nietzsche da formação para o ethos como 
submissão da animalidade humana e da orientação moral, enquanto 
interditos e sanções e seus castigos correspondentes, contrargumenta 
o seguinte:
A explicação nietzscheana da origem do ethos deixa, 
no entanto, sem resposta a questão decisiva sobre 
as razões que impelem a humanidade a trilhar esse 
imenso e doloroso caminho e a empreender esse 
inenarrável esforço para escalar dolorosamente as 
escarpadas alturas da moralidade. A ideia de uma 
prioridade dialética do ethos sobre o indivíduo 
empírico [...] oferece uma resposta infinitamente 
mais aceitável à interrogação fundamental em torno 
da presença constitutiva do ethos na estrutura da 
socialidade humana (VAZ, 1993, p. 28).
Não obstante, se concordarmos com as palavras de Marton, Nietzsche 
permanece um mensageiro indispensável, porque transvalorar é 
demolir valores fixados; permanece um iconoclasta necessário, porque 
transvalorar implica demolir ídolos e fundamentos. Numa palavra final, 
é neste sentido que se torna ininterrupta a incisiva crítica de Nietzsche 
à metafísica, à religião, à moral.
Agora convém perguntar o seguinte: a religião desapareceu? Se você 
pensou imediatamente não, sua resposta condiz com a de Rubem Alves. 
Ele diz:
A religião não se liquida com abstinência dos atos 
sacramentais e a ausência de lugares sagrados.[...]. a 
religião fala sobre o sentido da vida. Ela declara que 
vale a pena viver.[...]. E o que todas elas propõem é 
nada mais que uma série de receitas para a felicidade. 
Aqui se encontra a razão por que as pessoas continuam 
fascinadas pela religião, a despeito de toda crítica....” 
(ALVES, 2003, p.12-119).
De modo semelhante, Durkheim argumenta que as religiões de formas 
particulares respondem às condições existenciais do homem.
Aceite o desafio de entrar 
nesta polêmica: Por um 
lado, se tem visto que para 
Nietzsche nossa educação 
não passa de um sistema 
impostor de regras e valores 
conformados a uma tradição 
doentia. Por outro, Lima Vaz, 
que a educação é o emblema 
do esforço de inscrever o 
homem e no homem valores e 
regras necessárias. Entre estes 
lados, qual sua postura? 
FILOSOFIA80
Qual a natureza da vivência ou da experiência religiosa? Segundo 
Rubem Alves a experiência religiosa é essencialmente relação. Assim 
como na experiência estética, trata-se de um estado de sensibilidade, e 
não uma situação em que o sujeito – crente – apreende o objeto sagrado. 
A experiência religiosa não se reflete essencialmente no esquema da 
institucionalização. Rubem Alves (1988, p. 40), reportando-se Rudolf 
Otto, ressalta que:
[...] o erro de se tomarem as formas institucionalizadas, 
reificadas de religião, como o objeto religioso, se deve 
ao fato de que nada garante ‘a priori’ que as instituições 
que se batizaram a si mesmas como religiosas 
realmente desempenhem, para a consciência, uma 
função religiosa.
Destarte é notório que a experiência religiosa transcende a toda moldura 
sistêmica. E então o que caracteriza a experiência religiosa? Para Alves 
(1988, p. 40), “a consciência religiosa é uma expressão da imaginação” 
[grifos do autor]. E em que consiste a imaginação? Ele responde 
contundentemente: “Através da imaginação o homem transcende a 
facticidade bruta da realidade que é imediatamente dada e afirma que o 
que é não deveria ser, e o que ainda não é, deverá ser.” (ALVES, 1988, 
p. 40).
A religião, nesta perspectiva, procura tornar o mundo significativo. 
Certo dia Albert Einstein (1981, p. 13), escreveu algo intrigante: 
“Tem um sentido minha vida? A vida do homem tem um sentido? 
Posso responder a tais perguntas se tenho o espírito religioso.” 
Entretanto, Riolando Azzi argumenta: “A função da crença, porém, 
não se esgota como uma maneira de tornar o mundo significativo. 
Em via de regra a religião, ao dar sentido à existência humana, 
exige também uma nova postura diante da própria vida.” (AZZI, 
1993, p. 22).
Ora, esta é uma atitude peculiar àquela vocação humana da 
transcendentalidade. Aliás, um tema lucidamente abordado pelo 
teólogo Leonardo Boff em Tempo de Transcendência. O que é a 
Transcendência? Boff (2000, p.28) explica: é “essa dimensão de 
abertura, de romper barreiras, de superar os interditos, de ir para além 
de todos os limites.[...]. Esta é uma estrutura de base do ser humano.”
Sobre a imaginação, convém 
lembrar que Freud em Totem 
e Tabu a vincula à neurose, 
portanto, um estado de 
anormalidade. À luz da 
consciência objetiva da 
ciência, a imaginação é um 
passe de fantasia. Porém, 
Rubem Alves pergunta: onde 
haveria esta objetividade 
“pura”? Não seria um mito? 
O fato é que se constata que a 
imaginação subjaz, inclusive, 
na consciência do cientista e 
na produção científica.
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 81
A transcendência permite a liberdadecriativa, isto é, capacidade de 
protestar e transigir toda forma de opressão sistemática: educação, 
família, política, religião etc., por isso, Boff (2000, p. 39) alerta: “Não 
nos deixemos mediocrizar, mantenhamos nossa grandeza, nossa 
capacidade de voo, nossa capacidade de transcendência.”
Entretanto, existem a mídia, o cinema, a arte e a religião que podem 
promover as pseudotranscendências à medida que permitem uma 
viagem fantástica, isto é, como álibi, como fetichização de modo que 
se negue o mundo em que se vive. Ora, estas ultrapassagens artificiais 
podem destruir a liberdade e a vida.
Julgo que o critério para saber se a transcendência é 
boa, se potencia o ser humano ou diminui, está na 
resposta que damos a essa pergunta: em que medida 
tal experiência ajuda a enriquecer e a assumir o 
cotidiano? (BOFF, 2000, p. 55).
Estas pseudotranscendências podem, dessa forma, manobrar a 
dimensão humana do desejo, canalizando-a para algo limitado, 
tomado, porém, na totalidade. Como alguém que se imagina 
plenamente realizado na conquista de bem de consumo ou como 
alguém preso numa sistemática religiosa, pensa ter adquirido como 
que uma “senha” para o céu. Sem perder suas raízes – dos desejos, 
inclusive –, o homem não pode restringir-se, porém, aos limites.
O ser humano é assim aberto ao infinito, à totalidade e “aquele Deus 
ex maquina pregado por religiões ou anunciado por dogmas não 
preenche, necessariamente, essa busca humana, porque vem de fora 
para dentro e de cima para baixo.” (BOFF, 2000, p.69). Neste sentido, 
para Boff não há caminho errante, cada um deles leva à fonte, de 
modo que todas as religiões falam de Deus, dos mistérios, da felicidade.
É claro que a integração da transcendência no homem em tempos 
hodiernos é atropelada, sedada, deturpada ou encoberta pela nuvem 
ou atmosfera do materialismo exacerbado, unilateral e desumano, não 
obstante, não é demais lembrar que essa contracorrente não liquida a 
capacidade humana de protestar, enfim, de transcendê-la. Boff lembra 
que Jesus, por exemplo, morreu na cruz por conta de um processo 
FILOSOFIA82
de insurgência no qual assume o lado dos excluídos. Ou seja, é o 
filho de Deus que assume a condição de imanente para anunciar a 
possibilidade e a necessidade de transcendência.
A PESSOA E SUAS MARCAS FUNDAMENTAIS
Consideremos em princípio que, quando se reflete sobre sentido 
essencial de pessoa, afirma-se primordialmente que “a fonte última 
da dignidade do homem é sua condição de pessoa.” (STORK: 
ECHEVARRÍA, 2005, p 81). E Carl Rogers (1997, p. 122) ratifica 
dizendo: “o que o indivíduo mais pretende alcançar, o fim que ele 
intencionalmente ou inconscientemente almeja, é o de tornar-se ele 
mesmo.” Pela relevância do significado de pessoa, é então correto 
ressaltar que o homem é inviolável, ou seja, agressões ao homem são 
sempre desordem, portanto, atitudes caóticas.
De acordo com Stork e Echevarría, existem algumas marcas que 
definem a pessoa. A primeira delas é a intimidade. A segunda é a 
expansão (manifestação). A terceira é a liberdade. A quarta é a 
dialogicidade.
Os dois autores supracitados demonstram como na pessoa essas 
marcas, caracteres ou elementos se entrelaçam, partindo do conceito 
nuclear de intimidade. De fato, eles ilustram que:
A intimidade indica um dentro que só a própria 
pessoa conhece. O homem tem um dentro, é para si, 
e se abre ao seu próprio interior, na medida em que se 
atreve a conhecer-se, a introduzir-se na profundidade 
de sua alma.[...]. Possuir interioridade, um mundo 
interior aberto para mim e oculto para os demais, é 
intimidade: uma abertura para dentro.” (STORK: 
ECHEVARRÍA, 2005, p. 83).
Você talvez se pergunte agora: o que é mesmo o íntimo da intimidade? 
Esta é realmente uma área tão nuclear que se busca protegê-la através da 
vergonha ou pudor. É o sentimento que surge quando os outros veem 
o que não se quer mostrar. “A vergonha surge não por se ter feito algo 
A partir da mitologia grega, 
entende-se Kaos – desordem, 
indistinção, confusão, 
anomia exatamente oposto 
ao Kosmos – ordem, nomia, 
organização, resultado do 
trabalho do reinado Zeus 
após sobrepor-se a todos 
os seus adversários. Edgar 
Morin, atualizando o conceito, 
afirma, por sua vez, que 
delega-se comumente à 
ciência ordenar e simplicar o 
que está difuso e confuso.
Expansão - Hannah Arendt 
na já referida obra A Condição 
Humana, afirma que a palavra 
e o ato exprimem a inserção 
humana no mundo, como um 
segundo nascimento.
Dialogicidade - Carl 
Rogers traça os seguintes 
elementos envolvidos no 
processo do tornar-se pessoa: 
abertura às experiências 
orgânicas; desenvolvimento 
da confiança em seu próprio 
sistema orgânico enquanto 
instrumento de vida sensível; 
admite autoavaliação porque 
centra-se em si mesma e 
assimila a vida como processo 
fluído no qual descobre novos 
aspectos de si mesmo no fluxo 
de suas experiências.
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 83
errado, mas, sim, porque se publica algo que por definição não é público.” 
(STORK: ECHEVARRÍA, 2005, p. 85). A intimidade é diversificada, pois 
“nenhuma intimidade é igual à outra. [...]. A pessoa é única e irrepetível, 
porque é um alguém; não é apenas um que, mas sim um quem. [...]. A 
pessoa é um absoluto, no sentido de um único, irredutível a qualquer 
coisa.” (STORK: ECHEVARRÍA, 2005, p. 86-87) [grifos do tradutor].
O corpo, a linguagem e a ação são manifestações da intimidade. E a 
apresentação social da pessoa dá-se através da cultura. Retornando ao 
corpo, ressalta-se que ele é condição de possibilidade da manifestação 
humana, sobretudo, através do rosto e das ações expressivas. Mas 
também o corpo exprime tanto a proteção da intimidade pessoal 
através da roupa ou da maquiagem, como, por outro lado, a renúncia 
mediante a pornografia ou o sexualismo.
A fala é outro elemento pelo qual o homem se publiciza, manifesta 
sua intimidade. Por natureza, o homem é dialógico, portanto, social 
e comunitário. É neste sentido que expressa o encontro da expansão 
e da reciprocidade. E o diálogo é o campo onde se fertilizam estas 
dimensões. Realmente, a formação da personalidade humana exige 
a intersubjetividade, porque é por ela que se consolida identidade e 
consciência próprias. 
A partir dessas marcas, denota-se que a pessoa, pelo que significa, já 
atrai sobre si o devido respeito. Por isso Stork e Echevarría (2005, p. 95) 
asseveram que “respeitá-la é a atitude mais digna do homem, porque ao 
fazê-lo respeita a si mesmo; e ao contrário: quando uma pessoa agride 
a pessoa, se prostitui a si própria, se degrada.” Consequentemente, 
manipular, condicionar, dirigir alguém é profundamente imoral; é o 
não reconhecimento da dignidade inerente em cada indivíduo. 
O reconhecimento não é uma declaração jurídica abstrata, mas um tipo 
de comportamento prático com os outros. Todas as pessoas devem ser 
reconhecidas como pessoas concretas, como uma identidade própria 
e diferente das outras, nascida de sua biografia, de sua cultura e do 
exercício de sua liberdade. (STORK: ECHEVARRÍA, 2005, p. 97).
Há que se ressaltar, ainda, que a pessoa tem sua existência configurada 
essencialmente no espaço e no tempo. Viver se expressa no verbo estar no 
mundo, instalar-se nas coordenadas da realidade mundana, no mundo 
fenomênico, para usar uma expressão kantiana. Todavia, “o homem 
Na Fundamentação da 
Metafísica dos Costumes, Kant 
afirma o princípio racional 
do qual decorre seguinte 
imperativo prático universal: 
“Age de tal maneira que 
uses a humanidade, tanto na 
tua pessoa como na pessoa 
de qualquer outro, sempre 
e simultaneamente como 
fim e nunca simplesmente 
como meio.” Assim, Kant 
adverte, claramente, que 
instrumentalizaruma pessoa é 
não considerá-la livre.
FILOSOFIA84
luta contra o tempo, trata de deixá-lo pra trás, de estar acima dele. Esta 
luta não seria possível, se não existisse no homem algo de efetivamente 
atemporal, imaterial e imortal.” (STORK: ECHEVARRÍA, 2005, p. 97). 
Preservação da memória, retenção de algo significante do presente e 
antecipação do futuro seriam mecanismos humanos de superação da 
temporalidade. Ademais, a estrutura da vida humana tem um traço 
de renovação constante, isto é, a vida é sempre nova porque há nela 
a iminência constante (simbolicamente falando, como que sucessão de 
gravidezes) de projeções e novidades.
Daquilo que foi dito até aqui e do que já se sabe, entretanto, há que se 
repetir, enfim, que o homem é em essência um ser finito e inacabado. 
Lembremo-nos de Ferreira Gullar, o que inicia seu famoso poema. 
Traduzir-se dizendo eloquentemente: “Uma parte de mim é todo mundo; 
outra parte é ninguém: fundo sem fundo.” E superar-se a si mesmo e ao 
mundo, projetar-se para além, transcender, é o desafio eterno do homem.
Para o conhecido filósofo alemão Martin Heidegger, o homem é um ser-
para-a-morte. Aliás, ele ratifica essa tese numa frase lapidar na qual afirma 
que “assim que o homem começa a viver, tem a ideia suficiente para a 
morte.” Peter Berger, afirma que a morte é a máxima situação marginal, 
haja vista ser a ruptura definitiva, um desafio implicado e encaminhado 
no discurso doutrinário da maioria das religiões, embora na prática, 
obviamente, eternamente insolúvel.
José Luis Maranhão sublinha três argumentos célebres sobre a morte. 
O primeiro é de Heidegger para quem a morte pertence à estrutura 
fundamental da existência. Ela não é acidental. Caminha-se para 
ela. A hora da morte é a hora em que acaba-se de morrer. A morte 
sendo intransferível, o enfrentamento dessa possibilidade é sinal de 
autenticidade e libertação, inclusive da angústia a partir e em torno da 
morte. Sartre, em segundo lugar, pensa ao contrário. A morte, para 
ele, revela o absurdo da vida humana, porque interrompe projetos 
e sentidos da vida. É a destruição de toda possibilidade, sendo ela 
puramente externa, aliena o homem. Gabriel Marcel, em oposição 
a ambos pensadores, pensa a morte não como princípio destruidor, 
um estado de desespero, mas uma passagem de esperança absoluta, 
uma transição do tempo para a transcendência (MARANHÃO, José 
Luis de Sousa. O que é a Morte. São Paulo: Brasiliense, 1985).
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 85
Mas, apesar da morte, ou justamente por causa dela, o homem está 
sempre buscando algo mais enquanto atravessa ou trafega pela 
existência. Maranhão (1985, p. 64), argumenta justamente que “à 
medida que nos conscientizamos de nossa condição de mortais, 
percebemos mais a mais, que não temos o direito de desperdiçar o 
pouco tempo da nossa existência.” Neste sentido, é que o homem 
aspira ao infinito, pretende alcançá-lo através dos aperfeiçoamentos 
ininterruptos.
Entre as formas de perfeição, ainda se verifica, de modo geral nas 
culturas a ideia de vida após a morte. De fato, como se disse acima, 
uma bandeira comum na maioria das religiões. Por essa razão, o 
homem adora, cultua, referencia seres divinos, enfim, nutre uma 
espiritualidade na expectativa de uma transcendência ou completude 
final.
Pensemos, enfim, neste fato interessante: apenas o homem sabe da 
sua finitude, que está situada no arco da existência do começo para 
o fim – como se simbolicamente se pudesse dizer: viajante consciente 
entre o ventre e o túmulo. Mas a crença e a esperança na “superação” 
da morte são diversamente emblemáticas em culturas e religiões 
pelo mundo afora, de modo que a epopeia humana se tensiona, 
surpreendentemente, entre o imanente e transcendente.
CONCLUSÃO
Ao fim desta primeira unidade, convém reiterar alguns tópicos. 
Primeiramente, reafirmar que a questão “o que é o homem?” situa-
se no centro das pesquisas, análises, desafios e proposições da 
Antropologia Filosófica. Ao mesmo tempo sujeito e objeto, o homem 
não se exprime por unilateralidades, menos ainda numa época 
pluriversal e tecnocientífica como a nossa.
Contudo, alguns traços caracterizam o fenômeno humano. 
Primordialmente natural e material, enquanto corpo o homem 
radicaliza-se no mundo: natureza, cultura, trabalho, relações. Nós o 
FILOSOFIA86
conhecemos através dos meios pelos quais produz a vida, diz Marx. 
Mas o homem é também razão e logos; essencialmente humano é 
prognóstico, edificante e problemático, refletido, por excelência, nas 
articulações políticas. A política é propriamente a ação humana, diz 
Arendt. Cerceamento de liberdades, corrupções e protecionismos 
do Estado tendem a desvirtuá-la; não obstante, ela é condição de 
emancipação social. Embora não expurgue a corruptibilidade, a ética, 
resumida na Justiça, permanece sendo referência da política. A partir 
desse vínculo, ética e política, é que são possíveis contentamentos 
coletivos.
Esta aposta no homem é intrépida porque é um ser de práxis: reflexão 
e ação, inclusive, pela política e pela arte. Esta, além de expressão 
de sensibilidade e veículo de conhecimento, quando prático-
pedagógica a arte é transcendente e transformadora. Além da estética, 
as experiências religiosas, inerentes em todas as culturas, atestam 
os sonhos e esperanças humanas. Entretanto, quando induzem a 
desumanismos e alienações, são substancialmente falsas.
De fato, por nenhuma ideologia, menos ainda religiosa, se justifica 
intolerâncias e desrespeitos aos semelhantes. Manipulações, 
impiedades, insensibilidades contrapõem-se à configuração humana: 
intimidade, manifestação, liberdade e dialogicidade.
Imagine-se envolvido numa pesquisa em Antropologia 
Filosófica. Discuta com seus colegas e comente brevemente 
sobre a importância e o desafio de sua pesquisa, levando 
em conta o fato singular que você é ao mesmo tempo 
pesquisador e objeto de pesquisa. 
Considerando a compreensão multidimensional do 
homem, reflita e comente sobre a seguinte afirmação 
do antropólogo francês, François Laplantine: “só pode 
ser considerada como antropológica uma abordagem 
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 87
integrativa que objetive levar em consideração as múltiplas 
dimensões do ser humano em sociedade. [...] uma das 
maiores vocações de nossa abordagem (antropológica) 
consiste em não parcelar o homem...” (LAPLANTINE, 
François. Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense, 
2007, p. 16).
Tomando como premissa a complexidade humana, 
explicite brevemente algumas ideias básicas em torno dos 
seguintes caracteres humanos:
a) o homem como ser natural/material e racional;
b) o homem como sociopolítico;
c) o homem enquanto ético-moral 
d) o homem com ser de práxis
e) o homem como ser estético
Marx, Freud e Nietzsche, como percebemos, são críticos 
incisivos da religião, principalmente do cristianismo. 
Escolha um deles e destaque tópicos de sua crítica.
 Sugestão: discussão em pequenos grupos ou duplas.
Em termos ainda de religião ou experiência religiosa, como 
Leonardo Boff distingue experiência entre transcendência 
verdadeira e pseudo-transcedência? Se possível, apresente 
alguns exemplos. 
Discuta com um colega seu antes de redigir sua resposta.
Pelo fato mesmo da nossa condição de pessoa, a dignidade 
está impregnada em cada um de nós. Neste sentido, 
comente a seguinte frase pronunciada por Martin Luther 
King: “Quero que um dia meus filhos sejam respeitados 
pelo seu caráter, não pela cor de sua pele.”
4
5
6
FILOSOFIA88
Comente brevemente os seguintes aspectos sui generis 
de cada pessoa: intimidade, manifestação, liberdade e 
dialogicidade.1. Hominização
• A guerra do fogo (França/Canadá, 1981 – direção Jean-Jacques 
Annaud).
Filme sobre o processo de hominização e os primeiros tempos da 
humanidade
• 2001 – uma odisséia no espaço (Inglaterra, 1968 – direção: Stanley 
Kubrick)
Filme que mescla temas como mitologia, hominização e tecnologia.
• O enigma de Kaspar Hauser (Alemanha, 1974 – direção Werner 
Herzog)
Um jovem distante da convivência humana inclusive sem domínio de 
fala, aparece numa praça, daí começa seu processo de formação
• Blade Runner, o caçador de andróides (EUA, 1982 – direção: 
Ridley Scott)
Uma ficção sobre a vida terrestre no século XXI, à medida que questiona 
o que é o ser humano, dada a semelhança entre este e os andróides
2. Problema da razão
• Matrix (EUA, 1999 – direção: Lary Wachowski e Andi Wachowski)
Trilogia interessante sobre projeções da em torno da artificialização da 
razão.
7
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 89
3. Problema sociopolítico
• O menino selvagem (França, 1969 – direção François Truffaut).
França século XVIII, encontra-se uma criança selvagem. Um professor 
encarrega-se de educação social.
• Fahrenheit 9/11 (EUA, 2004 – direção: Michael Moore). 
Documentário sobre a invasão de tropas americanas sobre o Iraque, 
motivada por falsas alegações políticas e ideológicas capitaneadas pelo 
então Presidente Georg W. Bush.
• O que isso, companheiro? (Brasil, 1997 – direção: Bruno Barreto).
Aborda a organização de movimentos clandestinos durante o regime 
militar. Baseado no livro de mesmo título do jornalista e político carioca 
Fernando Gabeira. 
• O quarto poder (EUA, 1998, direção: Costa-Gravas.
O filme retrata em estilo de suspense o poder e a manipulação da 
mídia.
4. Problema ético-moral
• Pulp Fiction (EUA, 1994 – direção: Quentin Tarantino).
O filme retrata a banalidade da violência, colocando em pauta a perda 
dos valores morais na sociedade atual.
• Mississipi em chamas (EUA, 1988 – direção: Alan Parker).
 O filme narra os problemas do racismo e da intolerância nos EUA.
• Crimes e pecados (EUA, 1989 – Woody Allen).
Reflexão sobre traição, desejo e culpa envolvida na relação conjugal.
• A letra escarlate (EUA, 1995 – direção: Roland Joffé).
O filme apresenta o problema da vergonha, do preconceito e da 
exclusão social, por conta do adultério de uma mulher casada (Demi 
Moore).
FILOSOFIA90
• Eternamente Pagú (Brasil, 1987 – direção: Norma Bengell)
Patrícia Galvão, a Pagú, musa dos intelectuais das décadas de 20 e 30 
como sua forma de pensar, de ser e de amar, escandalizou a burguesia 
de sua época.
• Uma verdade inconveniente (EUA, 2006 – direção: Davis 
Guggenhein)
Documentário em que Al Gore ex-presidente dos EUA, alerta sobre as 
mudanças climáticas e as ameaças consequentes.
5. O homem como ser estético
• Minha amada imortal (EUA, 1994 - direção: Bernard Rose)
Sobre a biografia de Beethoven, além de realçar a beleza do romantismo.
• Vinte dez (Brasil, 2007 – direção: Francisco César Filho e Tata 
Amaral)
Documentário sobre o hip-hop paulista
• Camille Claudel (1988 – direção: Bruno Nuytten)
Filme sobre o envolvimento da escultora Camille com o escultor 
Auguste Rodin, suscitando, pois, um debate entre a fragilidade humana 
e o poder da arte
6. Religião e transcendência
• Excelente documentário (legendado) “O poder do mito.” O 
jornalista Bill Moyers entrevista o historiador das religiões Joseph 
Campbell, sobre mitos, religião, mitos, simbologias etc.
Um cd acompanha o livro de Leonardo Boff – Tempo de Transcendência. 
Excelente sugestão para ler e ouvir reflexões do teólogo sobre os 
sentidos e os tipos de transcendências.
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 91
TEXTO COMPLEMENTAR
A relação homem-mundo
Edvino A. Rabuske
Os seres vivos têm um princípio interno de unidade. É o princípio de 
sua identidade que nos faz manterem-se os mesmos através das fases 
da vida; e também é princípio de uma totalidade, isto é, origem das 
partes, de sua regeneração e de sua solidariedade. O que aqui nos 
interessa mais é a relação entre o ser vivo e o outro. Esta relação com 
o outro pertence ao ser vivo: trata-se de uma “presença”, em que tanto 
ele mesmo (no sentimento), quanto o outro (na percepção) podem ser 
para ele.
No animal o fundamento dinâmico desta presença é o instinto, que 
se manifesta em necessidades ou carências em energias de excesso. 
Pelo instinto o animal está relacionado dinamicamente com elementos 
do seu meio-ambiente, que pertencem, como outros, à vida mesma 
do animal. A referência ao outro se mostra anatomicamente nos 
órgãos sensoriais, sexuais, motores etc. Também o animal é sujeito. 
Podemos definir: sujeito é um ente que se relaciona consigo enquanto 
se relaciona com outro. [...].
Pode-se falar dum “mundo-fechado” dos animais, fechado e pouco 
modificável. Quando se dá um desastre ecológico, muitas espécies 
de animais desaparecem, porque não consegue adaptar-se ao novo 
ambiente. A especialização pode ser um beco sem saída. Não se deve 
esquecer, que cada espécie de animais tem seu ambiente específico, 
que corresponde ao seu aparato instintivo. As coisas e os fatos não 
entram neste esquema inato não são percebidos; percebido é somente 
o que tem relevância biológica. Aqui os pesquisadores apresentam 
fenômenos interessantes (Jacob von UEXKULL). [...]. Mais conhecidas 
são as incríveis façanhas das abelhas da comunicação entre si e na 
construção de favos.
O animal não percebe tudo como os homens. Só percebe o que lhe 
é de proveito biológico, que desencadeia uma reação instintiva. [...]. 
FILOSOFIA92
Considerada como operação subjetiva, é um funcionamento instintivo, 
inato, invariável, que lembra mais o automatismo das máquinas do 
que a criatividade humana.
Consideremos a relação do homem com o mundo. Já afirmamos o 
sujeito e seu outro são correlativos. Um sujeito como tal não se torna 
manifesto, quando indico suas propriedades puramente “coisas” 
[...], mas apenas quando conheço algo sobre suas relações, os seus 
interesses, o ambiente de sua vida. [...]. Também devo saber o que ele 
ama, de que gosta, como se relaciona etc. [...].
Os outros, porém, não aparecem isolados. Aparecem num contexto 
que fornece o horizonte para a experiência particular. Este horizonte 
se chama mundo. O que concretamente fazemos, suportamos, 
planejamos, sentimos etc. nunca é um fato isolado. [...]. A partir 
deste mundo com suas múltiplas referências de significação, resulta 
a significação do ato correto. O mundo dum professor é diferente do 
mundo dum barbeiro ou do mundo dum proprietário de uma empresa 
de ônibus. [...].
O homem não é originalmente um sujeito puro, sem mundo e sem 
história. [...], nos encontramos no outro: na unidade dialética de 
autorrealização e hetero-realização, de autocompreensão e hétero-
compreensão. [...]. A nossa existência está condicionada de diversas 
maneiras também no seu desenvolvimento espiritual. O que eu sou, 
como me experiencio e compreendo, é o resultado dum permanente 
intercâmbio entre mim e o meu mundo.
O termo “mundo” não é tomado aqui no sentido cosmológico como 
a totalidade dos entes.... [...]. O conceito transcendental de Kant 
procura dar conta do caráter apriórico: o mundo significa para ele o 
“conjunto de todas as aparências” [...], isto é, a totalidade projetada 
a priori de todos os possíveis objetos da experiência. [...]. Ao invés 
desta concepção formal e estática compreendemos o mundo como 
a apriori concreto, pois os conteúdos da experiência entram na 
nossa concepção do mundo e a modificam continuamente. [...]. O 
mundo é a totalidade do nosso espaço de vida e o horizontede 
nossa compreensão. E o homem é “ser-no-mundo” – usando uma 
expressão de HEIDEGGER. [...].
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 1 93
A experiência humana sempre está penetrada pela compreensão 
racional, pela avaliação volitiva e emocional, pela recordação do 
passado e pela antecipação do futuro. No nosso mundo da experiência 
nos encontramos, antes de tudo, como homens entre homens. O ser-
no-mundo é inseparável do ser-com-outros. A compreensão do mundo 
é social: somente pela relação com os outros homens participamos 
dum mundo histórico-cultural. [...].
O homem é um animal extraordinário. [...]. Por natureza o homem é 
um ser cultural. Não consegue viver no imediato, em virtude de não-
especialização dos seus órgãos e dos seus instintos.
RABUSKE, Edvino A. Antropologia Filosófica. Petrópolis: Vozes, 
2001, p. 34-39.
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UNIDADE
PALAVRA INICIAL...
Caro estudante,
Seguindo a trajetória desse nosso estudo antropológico vamos 
agora, neste segundo unidade, tomar como interesse principal de 
compreensão a constituição científica da antropologia ocidental. A 
intenção fundamental é que, a partir de uma abordagem que se 
segue, por sinal, não muito longa possamos acompanhar os fatos 
e os passos relevantes que fundaram a antropologia filosófica. 
A rigor, um pouco de história da Antropologia Filosófica. Como 
todos nós sabemos, ou vamos perceber o estatuto científico da 
Antropologia Filosófica de fato é consolidado na modernidade, 
mas, é claro, as inquirições, debates e teorias antropológicas 
retroagem bastante; remontam-se aos gregos arcaicos.
Neste sentido, vamos situar brevemente a antropologia no quadro 
das ciências humanas; em seguida, vamos perceber algumas 
divisões internas da antropologia e, em terceiro lugar, destacar a 
relevância e a metodologia desta disciplina.
OBJETIVOS DESTA UNIDADE:
Compreender a natureza 
e a especifidade da 
Antropologia Filosófica; 
Destacar teorias e 
autores fundamentais 
para a sistematização 
científica da Antropologia 
Filosófica; 
Sublinhar metodologias e 
técnicas mais apropriadas 
neste campo de pesquisa.
2
CONSTITUIÇÃO CIENTíFICA DA 
ANTROPOLOGIA NO OCIDENTE
FILOSOFIA96
INTINERÁRIO DE ESTUDOS
A particularidade da Antropologia Filosófica entre as ciências 
humanas;
Autores importantes na história da Antropologia Filosófica;
Elementos metodológicos apropriados à pesquisa em 
antropologia filosófica.
O CAMPO DAS CIÊNCIAS HUMANAS E A ANTROPOLOGIA 
FILOSÓFICA
Talvez você se pergunte: Antropologia Filosófica é mesmo ciência? 
Sendo considerada ciência, o que lhe assegura legitimidade?
Questões como estas se tornaram prementes em tempos modernos, 
principalmente desde que Galileu reivindicou para qualquer produção 
científica séria um suporte metodológico. O que ocorre é que por um 
lado há os que afirmam que o método das ciências exatas e naturais 
é a referência fundamental para qualquer pesquisa científica; por 
outro, estão os que dizem que o fenômeno humano é tão singular 
que exige um método absolutamente diferente, portanto, específico. 
De acordo com Pedro Demo, o que parece razoável é uma postura 
intermediária, ou seja, métodos para pesquisa natural podem também 
servir para coisas humanas. Regras lógicas do conhecimento, por 
exemplo, valem para as duas esferas. Ademais, vejamos que em certas 
questões, estas duas áreas científicas entrecruzam-se nitidamente. A 
chamada medicina pública ou social leva em conta questões sociais e 
as condições psicológicas dos doentes; a psicologia, por sua vez, pode 
vincular-se em certos meios às ciências da saúde. Mais ainda: se um 
agrônomo, por exemplo, considera informações antropológicas sobre 
uma determinada comunidade da baixada ou do sertão maranhense 
seu trabalho, além de politicamente correto, tem maior possibilidade 
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 2 97
de êxito e, reciprocamente, o sucesso da pesquisa ou atuação de 
um antropólogo pode ser facilitada se ele levar em conta dados 
agronômicos relativos aos regimes de estilos e trabalhos agrícolas de 
uma determinada comunidade rural daquelas mesmas regiões tomadas 
como exemplo. Em tese, portanto, ciências exatas e naturais e ciências 
sociais e humanas não se excluem mutuamente. Pelo contrário, frisamos 
acima que o homem é, a rigor, um objeto de pesquisa razoavelmente 
inteligível se tomado sob o critério da interdisciplinaridade. 
Não obstante, Demo (2006, p. 13) ressalve que “[...] justifica-se uma 
metodologia relativamente específica para as ciências humanas, 
porque o fenômeno humano possui componentes irredutíveis às 
características da realidade exata e natural.”
Assim, existem particularidades que “demarcam” o campo das ciências 
humanas e sociais, entre elas, obviamente, a Antropologia Filosófica. 
Em primeiro lugar, a historicidade. Os objetos destas ciências são 
efetivamente históricos. “A provisoriedade processual é a marca básica 
da história, significando que as coisas nunca ‘são’ definitivamente, 
mas ‘estão’ em passagem, em transição.” (DEMO, 2006, p. 15). Isto 
quer dizer que um antropólogo ou um sociólogo não pode analisar 
como objeto estático um movimento social, uma organização sindical 
rural ou urbana, festas como bumba-meu-boi, do divino espírito santo, 
tambor de crioula: rituais religiosos.
Em segundo lugar, a consciência histórica. Na esfera das ciências 
naturais, não se verifica nenhuma consciência nos objetos, ao passo 
que no mundo das ciências sociais e humanas nós fazemos história, 
mesmo considerando os condicionamentos. A história pode ser “feita”, 
isto é, nós a planejamos e a articulamos. 
Em terceiro lugar, ressalta-se a identidade sujeito e objeto, no sentido 
de quando estudamos objetos sociais e humanos estudamos, a rigor, 
nós mesmos. Um estudo sobre psicopatologias, exclusão social, 
expressões folclóricas etc. pode suscitar no pesquisador uma projeção 
de estar no lugar do outro (objeto de estudo). Uma situação diferente 
é o cientista analisando uma pedra ou uma ameba sob o microscópio. 
Como afirma Demo (2006, p. 16), “[...] nenhum objetopode ser 
totalmente estranho e exterior, porquanto é possível imaginá-lo como 
FILOSOFIA98
parte nossa em outras circunstâncias. Tal identidade não precisa ser 
confusão ou excessivo envolvimento. [...], o que se pode dizer é que tal 
envolvimento pode ser maior no caso dos objetos sociais.”
Em quarto lugar a qualidade sobreposta à quantidade, no sentido da 
mensuração, não do critério primordial das ciências humanas. Isto não 
quer dizer menos rigor metodológico ou cuidado analítico. O que se 
afirma é que fenômeno como movimento social ou ritual não pode ser 
mensurado à semelhança de processos químicos num laboratório de 
Química.
Em quinto lugar, o caráter ideológico está impregnado no interior das 
ciências humanas, isto é, no seu objeto. A ideologia pode incidir sobre 
as ciências naturais, porém de forma extrínseca. A análise da água em 
si não é ideológica. “Enquanto o cientista natural pode abstrair [...] do 
uso que pode fazer do conhecimento gerado, o cientista social que se 
coloque tal pretensão já é nisto ideológico, porquanto faz parte de suas 
ideologias mais baratas a pretensão de não ser ideológico.” (DEMO, 
2006, p. 18).
Finalmente, a dimensão da prática. Pedro Demo explica esta 
diferença entre ciências naturais e ciências sociais e humanas, 
ilustrando que o químico pode interessar-se em analisar uma 
molécula somente para acumular informações ou conhecimento. 
Ora, na sociologia como na antropologia o distanciamento para 
com a prática significa alienação.
Lima Vaz (1993, p. 11) ressalta que na classificação de Jean Ladrière, 
“as ciências humanas constituem o grupo das ciências hemenêuticas, 
na medida em que nelas o fato (p. ex. o comportamento do indivíduo 
ou as aspirações do grupo) traz em si próprio interpretação e nunca se 
apresenta como fato neutro.”
Nos parece claro, então, que cientistas naturais e cientistas sociais e 
humanistas se assemelham por seguirem procedimentos, critérios e 
metodologias exigíveis numa produção científica, mas se distinguem 
pelo envolvimento com fatores axiológicos específicos de cada área. O 
esclarecimento de Demo não deixa nenhuma dúvida:
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 2 99
O cientista natural tem seu desenvolvimento inevitável 
como cidadão que é: mas isto não faz parte intrínseca 
de seu objeto de estudo, embora faça parte extrínseca. 
Políticos somos todos nós, pelo simples fato de 
ocuparmos uma posição qualquer na sociedade, 
dominante ou dominada. Não precisa ser posição 
partidária. O cientista social tem tal imbricação no 
próprio objeto de estudo, com o qual em última 
instância se identifica (DEMO, 2006, p. 19).
O TERMO, A LEGITIMIDADE E BREVES TRAÇOS 
HISTÓRICOS DA ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA
A pergunta “o que é o homem?” pode se dizer que se origina de um 
sentimento, como diz Rabuske, de uma espécie de percepção não clara, 
porém abrangente e afetuosa. Podemos dizer que aquela pergunta tem 
as matizes da admiração clássica e da inquietação hodierna. Sófocles, 
em Antígona, enaltece as habilidades do homem para dominar 
os desafios e os inimigos. Para ele, os limites são a morte e as leis 
(moralidade) da pólis. Estas últimas, é claro, ele pode recusar. Com 
efeito, conclui o poeta: nada é mais terrível que o homem. No contexto 
da modernidade prevalece a inquietação, porque a posição do homem 
no cosmos é tanto de construir como de destruir, espantosamente de 
forma cada vez mais planetária e célere e por estas façanhas, inclusive, 
ele se torna objeto de uma pluralidade de ciências.
Do ponto de vista histórico, retornemos, todavia, à Antiguidade, 
onde, segundo Lima Vaz, na cultura ocidental, desde seus primórdios 
(convencionalmente século VIII a.C. – Grécia), a interrogação 
fundamental “o que é o homem?” permanece impregnada nas várias 
expressões da cultura: mito, filosofia, ciência, religião, literatura, ethos, 
política etc. Da reflexão sobre o fenômeno humano decorre o fato 
peculiar de que ao interrogar-se sobre si mesmo o homem torna-se 
simultaneamente sujeito e objeto, abrindo-se, com efeito, ao mundo 
externo.
A natureza da interrogação, considerada, particularmente, na 
perspectiva das tradições filosóficas – greco-romana e bíblico-cristã 
FILOSOFIA100
– compreende o homem como portador de razão universal e de 
liberdade de escolha, originando, com efeito, a Metafísica e a Ética 
como sublimes saberes humanos. A Antropologia Filosófica absorverá, 
então, estas duas expressões da razão: a teorética e a prática.
Em tempos modernos, a interrogação sobre o homem adquire 
relevância célebre nas quatro questões de Kant:
• o que posso saber? - teoria do conhecimento;
• o que posso fazer? - teoria da ação ética;
• o que posso esperar? - filosofia da religião;
• o que é o homem? – antropologia filosófica.
Observemos que, desde os fins do século XVIII, as questões sobre o 
homem se complexificaram com o advento das ciências do homem 
e da biologia humana e de novas disciplinas que abordam sobre o 
homem de alguma forma. Por isso, exigiu-se um estatuto próprio para 
a Antropologia enquanto disciplina específica e depois sua correlação 
com as demais ciências. A questão sobre o homem na modernidade 
retesou-se entre a tendência naturalista e a culturalista. A primeira 
representada pelo antropólogo Claude Lévi-Strauss, e o biólogo 
compreende que o homem deve ser explicado a partir da sua natureza 
material; a segunda assumida, sobretudo, pelo filósofo Wilhelm Dilthey, 
assegura a necessidade de separar no homem os aspectos natural e 
cultural, daí advém, consequentemente, a separação entre as ciências 
da cultura (espírito) e as da natureza. Assim, a compreensão de homem 
estende-se entre os polos da cultura e da natureza.
Vejamos então que esta situação problemática do homem aponta pelo 
menos duas tarefas básicas para a Antropologia Filosófica:
a) elaboração de uma ideia de homem que considere tanto temas e 
questões permanentes ao longo da história da filosofia como as 
contribuições recentes fornecidas pelas ciências do homem;
b) sitematização filosófica dessa ideia de homem, na intenção de 
constituir uma ontologia humana que possa responder à questão 
essencial: “O que é o homem?”
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 2 101
A fase atual de conhecimentos, diante da complexidade de saberes 
que envolvem o homem-objeto e, consequentemente, suscita uma 
variedade de abordagens sobre o homem confluídas naquela pergunta 
“o que é o homem”? A Antropologia Filosófica assume o desafio 
de sistematizar e sintetizar as diversas explicações sobre o homem, 
buscando constituir, enfim, o discurso filosófico sobre o homem ou, de 
outro modo, um discurso antropológico de teor ontológico.
De acordo com Lima Vaz, em nossos tempos se ampliaram os 
paradigmas, ou melhor, as orientações epistemológicas, à luz das quais 
se elaboram, desenham-se ou “formatam-se” as imagens do homem. 
Da perspectiva da formas simbólicas, localizam-se as ciências da 
cultura; da perspectiva da subjetividade, as ciências do indivíduo e do 
agir individual e sócio-histórico, e da perspectiva da natureza as ciências 
naturais do homem. A escolha de uma destas perspectivas implica, 
consequentemente, a escolha do método científico correspondente: 
culturalista e dialético ou fenomenológico – ciências hermenêuticas; e 
naturalista – ciências naturais.
Lima Vaz (1993, p. 13) resume da seguinte maneira:
Uma Antropologia integral deve tentar uma articulação 
entre esses três polos que não ceda ao reducionismo 
e não se contente com simples justaposição, mas 
proceda dialeticamente, integrando os três polos 
da natureza, do sujeito e da forma na unidade das 
categorias fundamentais do discurso filosóficosobre o 
homem.
Convém ressaltar, entretanto, que na filosofia existem duas fontes das 
quais ela recebe seus problemas: a experiência natural e a ciência cujas 
compreensões são, respectivamente, pré-compreensiva e compreensiva. 
Mas na Antropologia Filosófica, essas duas fontes confluem no homem 
que é ao mesmo tempo sujeito e objeto na interrogação antropológica.
Interessante realçar ainda que na esfera das ciências naturais, incluem-
se os problemas de gênese e estrutura. No primeiro caso, “a questão 
fundamental gira em torno da possibilidade de se alcançar uma 
compreensão adequada da essência do homem seguindo-se a linha 
dessa sua derivação natural.” (VAZ, 1991, p. 14). No segundo, trata-
se do clássico problema da estrutura dupla do homem: alma e corpo.
FILOSOFIA102
Na esfera das ciências hermenêuticas, lugar das ciências humanas, 
localiza-se, obviamente, a Antropologia Filosófica e seus problemas 
fundamentais. Pelo menos cinco deles, são os seguintes:
a) cultura. Para Hegel, é o campo do espírito objetivo; para Cassirer 
das formas simbólicas. Abre-se o debate entre o entendimento das 
formas enquanto expressões humanas do mundo e de si mesmo 
ou do sujeito como “genitor” intencional das formas. Tomando 
a ótica das formas, relevam-se a origem e a evolução da cultura 
como reflexos do homem ou a originalidade da cultura enquanto 
oposta ao mundo natural.
b) sociedade. Considerando o desenvolvimento das ciências sociais 
e econômicas desde o século XIX e as mudanças na sociedade 
ocidental, desde a guinada da modernidade, impõem-se problemas 
relativos às estruturas sociais, às inter-relações e ao trabalho, 
desembocando, inclusive, em reducionismos como o econômico 
em Marx;
c) psiquismo. Entre os séculos XIX e XX formalizaram-se e 
desenvolveram-se as ciências psicológicas e a estas somaram-se 
as ciências da linguagem, no interior das quais movimenta-se o 
debate sobre o conceito de homem dotado de razão e corpo;
d) histórico. Trata-se da historicidade do homem, isto é, sua natureza e 
seu destino, sempre presente nas reflexões filosóficas da Antropologia. 
Nesta perspectiva, elementos como tempo histórico e tempo físico, 
origem e meta da história, história como evento e história como 
narração, incrementam a especificidade da discussão.
e) ethos. É a dimensão que abrange ações individual e social, 
presentes na normatividade e no dever-ser. “Sendo co-
extensivo à cultura, o ethos é objeto, desde os inícios da 
história da filosofia ocidental, de saberes específicos: a Ética, 
tendo por objeto o agir individual e o Direito e a Política, o 
agir social.” (VAZ, 1991, p. 17).
Assim, o campo ou a esfera das ciências do homem é lugar privilegiado 
para a apresentação de antigos e atuais problemas antropológicos, 
tematizados, debatidos e sistematizados abertamente à luz da reflexão 
filosófica.
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 2 103
Battista Mondin (1980, p. 6) retoma uma interessante observação de 
Max Scheler, sobre a importância da Antropologia Filosófica que diz 
o seguinte: 
É uma ciência fundamental acerca da essência e da 
estrutura eidética do homem; sua relação com os 
reinos da natureza [...] e com o princípio de todas 
as coisas; da sua origem essencial metafísica e ao 
seu início físico, psíquico e espiritual do mundo; das 
forças e potências que agem sobre ele e aquelas sobre 
as quais ele age; das direções e das leis fundamentais 
do seu desenvolvimento biológico, psíquico, espiritual 
e social, consideradas nas suas possibilidades e 
realidades essenciais.
Pedro Dalle Nogare chama atenção para uma observação de Jean-
Paul Sartre, na qual este diz que “é humanista, filosoficamente, toda 
doutrina que atribui ao homem algo de característico, de específico em 
relação aos outros seres do universo.” (NOGARE, 1978, p. 14). Neste 
sentido, é que o humanista alemão Otto Casman, em 1596, numa obra 
intitulada Psychologia anthopologica propõe um estudo sobre a alma 
e corpo do homem. O termo “antropologia” consolidou, entretanto, 
somente no final século XVII, precisamente em 1798, quando Kant 
entendeu-o como “uma doutrina do conhecimento do homem 
ordenada e sistematicamente,” num tempo em que, efetivamente, já se 
havia transitado dos paradigmas clássico-medievais para os modernos.
Para o antropólogo brasileiro Mércio Gomes, a Antropologia enquanto 
ciência é fruto do contexto fértil do Iluminismo, quando Filosofia 
favorece especulações sobre o homem e suas alternativas de ser e agir. 
O autor faz, neste sentido, uma importante reflexão:
Apesar de sua etimologia [anthropos = homem; logia/
logos = razão, lógica, estudo; – literalmente, estudo 
sobre o homem] não foram os geniais gregos criadores 
da filosofia que inventaram a Antropologia. Eles se 
consideravam tão superiores aos povos e nações 
vizinhos, seus contemporâneos, a quem chamavam 
de ‘bárbaros’, que mal tinham olhos para os ver e os 
apreciar. Para surgir a Antropologia [...] seria preciso 
um tempo de dúvidas e ao mesmo tempo de abertura 
ao reconhecimento do valor próprio de outras culturas. 
Tal tempo só surgiria depois, quando a Europa [...] 
pôde assim olhar e conceber outros povos, ao menos 
teoricamente, como variedades da humanidade, 
cada qual com seus próprios valores e significados 
(GOMES, 2009, p. 11).
FILOSOFIA104
A partir de então, seguiu-se uma série de autores, sobretudo, desde 
o século passado, focados em problemas humanistas ou imagens do 
homem. Entre outras pode se destacar as seguintes:
• o homem econômico: Karl Marx
• o homem instintivo: Sigmund Freud
• o homem angustiado: Sören Kierkegaard
• o homem ex-istente: Martin Heidegger
• o homem falível: Paul Ricoeur
• o homem hemenêutico: Georgs Gadamer
• o homem cultural: Arnold Gehlen
• o homem religioso: Thomas Luckmann.
Não obstante as abordagens em torno do homem que se estendem 
desde a Grécia arcaica, a estrutura da antropologia enquanto ciência é 
recente e, de modo geral, estas imagens do homem ajustam-se em três 
segmentos ou orientações antropológicas: 
a) antropologia física – estudo físico-somático do homem. Esta 
abordagem pretende, inicialmente, apresentar uma tipologia das 
raças, para isso lançava mão de procedimentos antropométricos 
tais como craniometria e osteometria e métodos fisiológicos, 
análise sanguínea, por exemplo. Nesta categoria podemos 
localizar também a Antropologia Biológica que para Mércio 
pretende entender a ordem escalar da evolução humana e o 
quanto de animal (natural, orgânico) permanece no homem 
atual.
b) antropologia cultural – estudo sobre o homem numa perspectiva 
histórica. “O objeto próprio é a pesquisa particular, com vistas 
à conexão interna de suas dimensões (sistema de parentesco, 
direito, religião, técnica, forma de economia etc.).”(RABUSKE, 
2001, p. 15).
É importante notar que as antropologias supracitadas incluem a 
Arqueologia, a Linguística e a Etnologia que, por sua vez, engloba 
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 2 105
a Etnografia e a Antropologia Social. A Arqueologia, ligada à 
Antropologia Física, analisa uma cultura antepassada através de 
vestígios deixados em objetos, moradias, artes etc. Escavação é uma 
das técnicas mais usadas nesse tipo de pesquisa; a Linguística volta-se 
para a compreensão do sistema linguístico de povo e, por extensão, 
axiomas, costumes, regras etc., e a Etnologia, como o termo induz, 
analisa ou estuda a identidade de um povo em seus vários aspectos, 
sobretudo o cultural. O método comparativo é comum neste tipo de 
pesquisa.
c) antropologia filosófica – reflexões sobre os princípios essenciais e 
últimos do homem. É este enfoque que sem desconsiderar aspectos 
particularestoma o homem numa perspectiva globalizante.
Todavia, não seria supérflua uma disciplina filosófica que trata 
especificamente do homem? A antropologia experimental e as 
disciplinas científicas não são suficientes para conhecer o homem? 
Ora, a legitimidade da antropologia filosófica justifica-se porque as 
disciplinas científicas apresentam visões parciais e superficiais do 
homem.
Por sua vez o filósofo, por que é filósofo, se empenha em 
buscar uma resposta total, completa, exaustiva, última, 
uma resposta em condições de esclarecer plenamente 
o que seja o homem tomado globalmente, em seu 
todo, o que ele efetivamente além e sob as aparências, 
o que seja em si mesmo afora as diferenças causadas 
pelo ambiente, pela idade, pela educação, pelo sexo 
(MONDIN, 1980, 14).
Ou na explicação de Rabuske (2001, p. 17):
[...] as ciências particulares pressupõem uma pré-
compreensão do que é o homem. Só assim o 
conhecimento empírico-particular pode selecionar 
o que é antropologicamente relevante. Portanto, 
as ciências particulares não oferecem um ponto de 
partida filosoficamente legítimo para a Antropologia 
Filosófica.” [grifos do autor].
FILOSOFIA106
AS qUESTõES DO ESTATUTO E DA METODOLOGIA NA 
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA
Dilthey distingue, segundo Mondin, os conceitos de explicar (erklären) 
e compreender (versterhen), no interior dos debates filosóficos. Assim, 
a compreensão histórica do homem contrapõe-se à explicação física 
dos fenômenos. De fato, enquanto a natureza é explicada, a vida é 
compreendida; com efeito, antropologia filosófica é fundamentalmente 
um saber explicativo e, por isso, o estatuto epistemológico científico 
dessa disciplina distancia-se do da ciência e assemelha-se aos da 
religião e da história.
Ora, o problema epistemológico da Antropologia conduz imediatamente 
à questão do método. Mondin ressalta que o objeto da Antropologia 
Filosófica, o homem, pode ser enfocado por paradigmas diferentes, isto 
é, por métodos como o empírico-formal, o dialético, fenomenológico 
assumido por Husserl; o existencialista por Heidegger e demais autores 
existencialistas; o hermenêutico por Ricoeur; o transcendental por 
Marcel; o estrutural por Lévi-Strauss; 
Entretanto, se concordarmos com Mondin (1980, p. 16), a 
antropologia exige, a rigor, um método complexo que incluiu os 
estágios fenomenológico e transcendental. “Na fase fenomenológica se 
recolhem os dados relativos ao ser do homem, na fase transcendental 
se busca revelar o significado desses últimos dados, o significado 
profundo que lhes dá um sentido e os torna possíveis.” Rabuske diz a 
mesma coisa de outra maneira:
O fenômeno como aquilo que se mostra já que sempre 
é interpretado a partir dum horizonte. Por isto uma 
fenomenologia que compreende sua própria essência 
deve retornar às condições prévias, deve perguntar de 
modo transcendental pelas condições de sua própria 
possibilidade. A reflexão transcendental exige um 
ponto de partida fenomenológico: algo perguntado, 
que mostra como condicionado e exige a pergunta por 
sua condição (RABUSKE, 2001, p. 17-18).
Destarte da perspectiva da fenomenologia, mesmo quando a 
antropologia busca compreender objetivamente o fenômeno humano, 
sua objetivação à diferença das ciências experimentais não pretende 
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 2 107
mensurar, controlar e manipular, mas busca compreender as 
interpretações, o pensamento sobre o objeto em pesquisa. Há neste 
sentido uma coligação com o método transcendental, haja vista que 
este “move-se a partir dos fenômenos e os estuda profundamente 
com a finalidade de descobrir as raízes últimas. No caso do homem, 
ele busca uma justificação última de todos os seus comportamentos, 
inferindo as condições que os tornam possíveis.” (MONDIN, 1980, 
p. 17).
CONCLUSÃO
Daquilo que explicitamos nesta unidade, as ciências humanas, 
inclusive a Antropologia Filosófica, precisam, por conta da exigência 
acadêmica de praxe, orientar suas pesquisas por regras metodológicas, 
considerando, obviamente, os limites dos métodos e a especificidade 
científica. As ciências humanas, conforme Pedro Demo, se caracterizam 
basicamente pela historicidade, consciência histórica, sobreposição 
da qualidade sobre a quantidade, ideologia e prática. Ademais, os 
cientistas se orientam por axiologias cientificamente particulares, isto 
porque todos somos políticos à medida de nossas posturas sociais.
A antropologia Filosófica consolidada desde Kant em 1798, enquanto 
conhecimento sistemático sobre o homem, assume hoje o desafio 
de considerar simultaneamente a pluriversalidade de saberes sobre 
o homem e a escusa aos reducionismos. De fato, a Antropologia 
consagrou-se, conforme Mércio Gomes, quando pensadores 
reconheceram a diversidade de culturas e, com efeito, interpretações 
variadas de homem: econômico (Marx), instintivo (Freud), angustiado 
(Kierkegaard), cultural (Gehlen), religioso (Luckman).
Enfim, como percebemos, o objeto da Antropologia Filosófica, o 
homem, pode ser visualizado por ângulos diversos, logo utiliza-
se métodos diferentes: fenomenológico (Husserl), existencialista 
(Heidegger/Sartre), hermenêutico (Ricoeur), estruturalista (Lévi-
Strauss).
FILOSOFIA108
Destaque alguns caracteres específicos da esfera das 
ciências sociais e humanas.
Seja a interrogação fundamental “o que é o homem?”, ou 
a eterna recomendação socrática “conhece-te a ti mesmo”, 
constitui compromisso básico da Antropologia Filosófica. 
Discuta e discorra brevemente sobre este desafio 
antropológico. 
Entre os problemas de alçada da Antropologia Filosófica, 
estão os da cultura, da sociedade, do psiquismo, da história 
e do ethos. 
Descreva brevemente o sentido de cada um deles.
Que tipos metodológicos são apropriados à pesquisa 
antropológica?
4
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 2 109
TEXTO COMPLEMENTAR
Legitimidade da Antropologia Filosófica
 Battista Mondin
Até que Kant não pôs em dúvida a possibilidade de uma investigação 
metafísica das coisas, não havia aparecido uma suspeita sobre a 
legitimidade de um estudo do homem de caráter filosófico. Hoje, 
depois do empurrão dado pelo autor da Crítica da Razão Pura, na 
especulação sobre a “coisa em si”, esta legitimidade não é mais tida 
como dada. Antes muitos se perguntam se a investigação filosófica do 
homem não é supérflua; se não bastam as disciplinas científicas, as 
várias antropologias experimentais para fazer-nos conhecer quem é o 
homem.
A essa pergunta muitos estudiosos responderam que não basta 
reivindicar a legitimidade da antropologia filosófica, seja quando a 
filosofia venha a ser concebida como disciplina aporética ou como 
disciplina teórica. No primeiro caso, a antropologia filosófica se propõe 
desmarcar a autossuficiência do saber científico e mostra que a realidade 
humana traz problemas que a razão de per si não consegue resolver. 
No segundo caso, ela tem por objetivo o levar avante e completar 
o conhecimento do homem empreendido mas desenvolvido apenas 
setorialmente pelas várias ciências.
Com efeito, cada uma das disciplinas científicas nos oferece só um 
conhecimento parcial e superficial do homem. Nenhuma abarca o 
quadro completo e nenhuma se propõe responder à pergunta: “Quem 
é o homem enquanto tal?” É certo que também o biólogo, o fisiólogo, 
o médico, o antropólogo, o historiador interrogam-se a respeito do 
homem. Mas nenhum deles tem a pretensão de dar uma resposta 
completa. Por sua vez o filósofo, justamente porque é filósofo, se 
empenha em buscar uma resposta total, completa, exaustiva, última, 
uma resposta em condições de esclarecer plenamente, em seu todo, o 
que ele seja efetivamente além e sob as aparências, o que sejaem si 
mesmo afora as diferenças causadas pelo ambiente, pela idade, pela 
educação e pelo sexo.
FILOSOFIA110
“O homem nos interessa na sua totalidade, não por esse ou aquele 
de seus aspectos. As ciências especializadas (antropologia, linguística, 
fisiológica, medicina, psicologia, economia, ciências políticas), 
malgrado os seus esforços, tendem a limitar a totalidade do indivíduo, 
considerando-o do ponto de vista de uma função ou de um impulso 
particular. O nosso conhecimento do homem resulta fragmentado: 
muito frequentemente tomamos uma parte pelo todo. É esse erro que 
nos propomos evitar”
Portanto, existe lugar para uma pesquisa diferente, independente 
da científica, de caráter filosófico, que tem por objetivo responder à 
questão: “quem é o homem?”. 
MONDIN, Battista. O homem, quem é ele? 5. ed. São Paulo: 
Paulinas, 1980, 13-14. 
DEMO, Pedro. Introdução à Metodologia da Ciência. 2. ed. 
São Paulo: Atlas, 2006.
GRECETHUYSEN, Bernad. Antropologia Filosófica. Lisboa: 
Presença, s/d.
LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. São Paulo: 
Brasiliense, 2007.
MONDIN, Battista. O Homem, quem é ele? São Paulo: Paulinas, 
1980.
PELTO, Perti J. Iniciação ao Estudo da Antropologia. Rio de 
Janeiro: Zahar, 1975. 
RABUSKE, Edvino R. Antropologia Filosófica. Petrópolis/RJ: 
Vozes, 2001.
VAZ, H. C. de Lima. Antropologia Filosófica I. São Paulo: Loyola: 
1991.
UNIDADE
CONCEPÇõES ANTROPOLÓGICAS À LUZ 
DA FILOSOFIA NO OCIDENTE
OBJETIVOS DESTA UNIDADE:
Explicitar as etapas e 
os esforços principais 
pelos quais perpassou o 
processo de construção 
científica da Antropologia 
Filosófica;
Destacar contribuições 
decisivas para 
compreensão universal 
de homem;
Demarcar caracteres 
que explicam o homem 
em suas diversas fases 
históricas;
Analisar o permanente 
desafio antropológico 
diante da ininterrupta 
complexidade humana.
3
PALAVRA INICIAL...
Caro estudante,
Esta terceira unidade é relevante, porque poderemos acompanhar, 
ainda que com certos limites, compreensões antropológicas 
retesadas entre os gregos arcaicos e os nossos tempos. Seguindo 
basicamente as primorosas reflexões do filósofo brasileiro Padre 
Henrique Cláudio de Lima Vaz na sua valiosa obra Antropologia 
Filosófica (2 vol.), de 1993, poderemos perceber com nitidez as 
diversas interpretações, por conseguinte, as multifaces pelas quais 
o homem vem denotado ao longo dessa trajetória histórica, cerca 
de 29 séculos.
No mundo arcaico, Lima Vaz ressalta o homem – esse animal que 
fala e é político, tensionado entre a imanência e a transcendência: 
distinto essencialmente dos deuses; situado num cosmos que lhe 
é superior e paradoxal porque composto de alma e corpo. Ora, 
os sofistas em vez dessa compreensão cosmológica, definirão o 
homem a partir de suas realidades naturais e sociopolíticas, estas 
últimas caracterizadas pelas convencionalidades.
112 FILOSOFIA
A guinada socrática, demarcada pela crítica aos sofistas, privilegia a 
essência íntima do homem (o daimon socrático), cuja preocupação 
principal é a alma: sede de toda sabedoria e virtuosidades. A filosofia 
de Platão substancializa definitivamente a sobreposição da vida da 
alma às demais experiências humanas. Embora mais realista que 
o mestre, porque afirma a inerência da natureza, da política e da 
paixão, Aristóteles, ratifica, contudo, a superioridade da alma e da 
vida contemplativa, como está explicito no Livro X da sua Ética a 
Nicômacos. Nos séculos posteriores entre a Patrística e a Idade Média, 
encontramos repercussões das teorias dos três mestres gregos, agora, 
porém, dialetizadas com a incidência da Revelação. A filosofia e a 
Bíblia, a razão e a fé provocam debates e polêmicas acaloradas. A 
rigor, entretanto, o significado de homem, dessa época de certo modo 
teocêntrica, pode ser resumido, grosso modo, na frase de Agostinho: O 
homem é um itinerante para Deus.
Um novo homem se manifesta na modernidade que começa se 
esboçar no final do século XII e se consolida finalmente nos século 
XVIII e XIX, um tempo assinalado pela antropologia pluralista. 
A concepção moderna de homem enraíza-se no humanismo 
renascentista dos fins do século XIII até o século XV, quando a ação 
em lugar da contemplação, identidade na diferença em lugar da ideia 
de igualdade e a concepção mecanicista da realidade. Francisco 
Petrasca, Nicolau de Cusa, Giordano Bruno, Bartolomeu de las 
Casas, Pico de Mirândola, Maquiavel, entre outros, são intelectuais 
envolvidos nessa transição que desembocará no racionalismo de 
Descartes onde o homem está traçado entre a subjetividade do 
espírito (res cogitans) e a mecânica corpórea (res extensa). Pascal 
nessa época compara o cosmo - infinitamente grande e o homem 
– o infinitamente pequeno, cuja grandeza está basicamente na 
moralidade.
A antropologia moderna adquire contornos indeléveis com a 
Ilustração no século XVIII, quando sob as luzes da razão e do progresso 
pautam-se em temas como humanismo, civilização, progresso e 
revolução. Neste contexto, Hobbes explica a passagem do estado 
de natureza ao estado civil. Entretanto, o Idealismo na Alemanha, 
numa crítica aberta ao racionalismo, realça as sensibilidades e as 
paixões humanas e Rousseau, por sua vez, afirma que a cultura 
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 3 113
degenera valores humanos e a propriedade privada é a matriz das 
injustiças espraiadas na civilização.
Ainda neste cenário moderno, nos fins do século XVIII, Kant escreve 
um texto sobre antropologia no qual ressalta as dimensões histórica, 
política e pedagógica e no interior destas a educação, a política e 
a liberdade civil. Hegel, como perceberemos, afirma que o homem 
é matéria, forma e figura, portanto, objeto, respectivamente, da 
antropologia, da fenomenologia e da psicologia.
No caminho para a contemporaneidade, vamos nos deparar com 
as reflexões dos pós-hegelianos Feuerbach e Marx. Inspirado no 
materialismo feuerbachiano – para o qual tudo restringe-se à 
materialidade, Marx localiza a dialética de Hegel nas condições 
econômico-políticas nas quais o homem produz sua sobrevivência. 
Ele é crítico radical do capitalismo, porque é essencialmente 
desumanizante, portanto, absolutamente incompatível com a 
emancipação humana. Esta depende decisivamente da superação 
das alienações social e espiritual e, em seguida, de uma guerra 
intensa contra o capitalismo e seus aliados, entre eles, a ciência, o 
Estado e a religião. 
Este horizonte de pensamentos descortina, obviamente, 
interpretações pluridimensionais do homem em tempos 
contemporâneos. Várias correntes, teorias e autores o focalizam 
pelos mais diversos ângulos, constatando, com efeito, aquilo que 
disse Heidegger: nenhuma outra época como a nossa teve tantas 
informações sobre o homem, porém, nenhuma outra, igualmente, 
soube menos sobre o homem que a atual, realçando, pois, o alto 
nível de complexidade humana, justamente porque se raramente 
na natureza um dado ou uma ocorrência se evidencia totalmente, 
quanto mais o fenômeno humano que, como afirmou Pascal, 
transcende infinitamente a si mesmo.
Assim, caro estudante, o que veremos a seguir são pontos de vista 
sobre o homem que, para repetir, nunca se revela suficientemente 
sob um ponto de vista.
114 FILOSOFIA
ITINERÁRIO DE ESTUDOS
Concepções de homem na Grécia arcaica, na Sofística e na 
Grécia clássica de Sócrates, Platão e Aristóteles;
O conceito de homem na Patrística e na Idade Média;
Interpretações e comparações antropológicas na Modernidade, 
passando pela Renascença e pela Ilustração;
Reflexões sobre a compreensão pluriversal do homem 
contemporâneo.A CONCEPÇÃO CLÁSSICA DE HOMEM
O homem na Grécia arcaica
As bases da compreensão antropológica expressas na filosofia clássica 
remontam-nos principalmente à cultura grega arcaica florescida entre 
os séculos VIII e VII antes de Cristo.
Conforme Lima Vaz, (1991, p. 27), “a cultura clássica elabora 
uma imagem de homem no qual são postos em relevo dois traços 
fundamentais: o homem com o animal que fala e discorre (zoôn 
logikón) e o homem como animal político (zoôn politikón)”. Enquanto 
dotado de logos o homem pode entrar numa relação de consenso com 
seu semelhante e instituir a comunidade política. Ora, esta vida política 
(bios politikós) – que traduz a excelência da vida humana conforme 
a concepção clássica se exerce mediante a livre submissão ao logos 
codificado em leis justas (nomoi). Por outro lado, o homem discursivo 
e o homem político, traduzem duas específicas atividades humanas: 
respectivamente contemplação (theoria), ação moral e político (práxis).
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 3 115
A imagem do homem na Grécia Arcaica, tem, pelo menos, três níveis 
fundamentais.
Teológico ou religioso
Refere-se à nítida separação entre o mundo dos deuses (theoí) e mundo 
dos humanos mortais (thanatoí). Os homens são efêmeros e infelizes, os 
deuses imortais e bem-aventurados. Quando eventualmente homens 
ousam assemelhar-se aos deuses, estes os respondem com o decreto 
do destino implacável (moira). Daí as sentenças sapienciais: “conhece-
te a ti mesmo” e “nada em excesso.”
Cosmológico
Implica a contemplação diante da natureza sistematicamente ordenada. 
Assinala-se uma admiração (thauma) pela ordem e beleza que fazem do 
universo visível todo bem adornado (kosmos). Além disso, propugna-
se uma homologia entre a ordem da natureza (physis) e a ordem da 
cidade (polis) norteada por leis justas. Todavia, esta compreensão 
cosmológica de mundo cruza-se com a teológica mediante o conceito 
de necessidade (anánke), que submete homens e deuses. Ora, conciliar 
esta necessidade cósmica com a necessidade humana será um desafio 
permanente para a filosofia.
Antropológico
A condição humana é expressa na oposição entre o apolíneo e o 
dionisíaco, como explicitam Ésquilo nas Eunêmidas e Eurípedes nas 
Bacantes. O apolíneo é a dimensão ordenadora que orienta para a 
claridade o pensar e o agir humanos. O dionisíaco representa o lado 
116 FILOSOFIA
turvo ou terreno (ctônico), onde prevalecem as forças do eros, do 
desejo e da paixão. Ora, esta concepção desencadeará a “eterna” 
discussão ocidental entre alma e corpo e os destinos consequentes na 
assunção de uma das posturas.
É interessante ressaltar ainda que do ponto de vista sociopolítico 
na visão da Grécia arcaica, a “excelência” – virtude (arete) demarca 
primeiramente o homem guerreiro e depois o herói fundador da cidade. 
Depois, essa ideia de areté transfere-se para a figura do sábio (sophós), 
no momento em que se organizam as formas democrática e participativa 
da sociedade. Neste contexto, o conceito de areté estende-se ao conceito 
de justiça (dikê), de modo que em vez do herói fundador, celebram-se 
os heróis legisladores (nomotéthes), tais como Sólon, Péricles etc.
Enfim, convém dizer que o homem grego arcaico está acima de tudo 
submetido ao destino em dois sentidos. Primeiro um pessimismo 
radical, pelo qual o homem encontra-se frágil e desamparado, e depois 
o moralismo fundado na responsabilidade pessoal, pela qual imputa-
se o mérito ou demérito de sua escolha.
A antropologia sofística
No século V a.C., em Atenas, o pensamento antropológico alcança seu 
pleno desenvolvimento, porque os Sofistas tomaram o problema da 
cultura (paideia) como mais importante da filosofia. De fato, sophistês 
designa saber teórico e habilidades práticas, revelando, pois, o homem 
e suas competências como objeto principal da filosofia.
Dentre outras diretrizes da ilustração sofística ateniense, podemos 
destacar as seguintes:
• o conceito de natureza humana (anthropinê physis) com seus 
atributos e exigências próprias;
• oposição entre convenção (nomos) e a natureza (physis) na 
organização da polis e nas normas do agir subjetivo, originando, 
assim, teorias do convencionalismo jurídico;
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 3 117
• individualismo relativista como reflexo das primeiras articulações 
ceticistas em relação à verdade;
• compreensão de homem como de necessidade e carência 
e, portanto, responsável pelo suprimento cultural daquelas 
deficiências naturais;
• ideia de homem dotado de logos - palavra e discurso, por isso 
capaz de demonstrar e convencer.
A transição socrática
Segundo o helenista Werner Jaeger, a concepção filosófica de Sócrates 
exerce uma influência decisiva sobre o pensamento antropológico 
ocidental, uma vez que, situado no centro da crise ateniense do século 
V, ele pensa o homem a partir da essência interior, ou seja, a alma 
(psyché).
Na visão socrática, o “humano” só tem sentido e 
explicação se referido a um princípio interior ou a uma 
dimensão de interioridade presente em cada homem 
e que ele designou justamente com o antigo termo 
de “alma” (psyché), mas dando-lhe uma significação 
essencialmente nova e propriamente socrática (VAZ, 
1991, p. 34).
E o que é a alma para Sócrates? É a sede da arete (virtude), pela 
qual o homem escolhe o justo ou o injusto; e isto implica a grandeza 
humana. Introduz-se a ideia de personalidade moral que irá embasar 
concepções da Ética e do Direito de nossa civilização.
Entre outros aspectos antropológicos socráticos, convém destacar, 
seguindo Lima Vaz, os seguintes:
• teleologia do bem e do melhor como necessários à compreensão 
de homem;
• valorização do indivíduo expressa na fórmula “conhece-te a ti 
mesmo”, resultando na cura e zelo pela alma através da ironia, 
indução e maiêutica;
118 FILOSOFIA
• primazia da intelectualidade humana ao exaltar o lógos como fonte 
da virtude-ciência projetada para o finalismo moral.
Antropologia platônica
A filosofia de Platão é indiscutivelmente marcante na concepção 
ou na imagem do homem em nossa civilização. Basta lembrar que, 
historicamente, quando se aborda qualquer aspecto ou dimensão 
humana, atualiza-se Platão de alguma maneira. Tem razão Lima Vaz 
(1991, p. 36) quando afirma:
A antropologia platônica pode ser considerada uma 
síntese na qual se fundem a tradição pré-socrática da 
relação do homem com o kosmos, a tradição sofística 
do homem como ser de cultura (paideia) destinado à 
vida política, e a herança dominante de Sócrates do 
“homem interior” e da alma (psyché).
O homem platônico tensiona-se, pois, entre a vida da alma e a vida 
terrena. Grecethuysen (s/d, p. 38) afirma que em Platão “o problema 
humano não se coloca a partir do homem como tal, mas por um lado, 
da alma, da experiência que o homem tem da sua alma ao filosofar, 
e, por outro, do Estado, dos fins que o legislador tem em vista.” Além 
disso, o logos (Apologia, Críton, Menon, Fédon), sob a luz da Teoria 
das Ideias, reflete o destino, reminiscência e purificação da alma; 
noutro polo, pensa-se o eros como representação da pulsão amorosa 
a dimensão do corpo e da beleza sensitiva. O Banquete as unifica na 
tese da contemplação do Bem absoluto.
Na República (IV), a tese da alma dividida racional, irascível e 
concupiscível e respectivamente orientada pelas virtudes sabedoria, 
coragem e moderação transpõe-se para o campo da paideia na medida 
que a formação do indivíduo para a vida política justa pretende unir 
eros e logos através contemplação das ideias do Belo e do Bem. Platão 
ressalta, no Timeu, por outro lado, que embora o homem seja duplo 
pela conjunção decorpo e alma, prevalece, contudo, o finalismo 
inteligível próprio da alma racional.
Platão
Fonte: http://www.google.com.br
Sócrates
Fonte: http://www.google.com.br
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 3 119
Enfim, ressalta Lima Vaz, em vários dos seus Diálogos célebres, Platão 
enfoca temas humanos, influenciando, definitivamente, a imagem de 
homem em nossa civilização:
• logos verdadeiro e destino/imortalidade da alma (Críton, Fédon);
• educação e formação política (República);
• desejo amoroso/estética e movimento da alma (Banquete, Fedro); 
• lugar do homem no cosmos (Timeu e Leis-X);
• relação do homem com o divino (Fédon, Leis).
Antropologia aristotélica
Não obstante a influência de Sócrates, Platão e Sofistas, a antropologia 
aristotélica enquanto “filosofia das coisas humanas”, cujo enfoque 
centra-se entre a investigação sobre a natureza à qual o homem se 
insere à ciência das coisas primeiras e divinas à qual o homem pode 
elevar-se. 
Há uma distinção considerável que Grecethuysen (s/d, p. 50-51) 
ressalta entre as antropologias de Platão e Aristóteles. Vejamos:
No mundo platônico, o homem não se confina no 
seu próprio mundo. Não podia aí permanecer; esse 
mundo não lhe oferecia uma pátria; aí só podia 
perder-se ou esforçar-se por ultrapassá-lo. No mundo 
aristotélico, pelo contrário, o homem sente que habita 
em si. As coisas falam aí sua língua, a língua que ele 
compreende; as palavras revestem um sentido no 
contato com as coisas. [...]. Em Aristóteles, efetiva-se 
o retorno do homem a si próprio. O homem torna-se 
algo de positivo.
Lima Vaz demarca a antropologia aristotélica assinalando o seguinte:
O centro da concepção aristotélica de homem é, assim, 
a physis, mas animada pelo dinamismo teleológico da 
forma (entelécheia) que lhe é imanente, e que, como 
forma ou eidos, é o seu núcleo inteligível. Aristóteles 
transpõe desta sorte para o horizonte da physis o telos 
120 FILOSOFIA
ou o fim do ser e do agir do homem, que Platão situara 
no horizonte do mundo ideal. [...]. Aristóteles celebra 
também no homem a capacidade de passar além das 
fronteiras do seu lugar no mundo e elevar-se, pela 
theoría, à contemplação das realidades transcendentes 
e eternas.” [grifos do autor] (VAZ, 1991, p. 39).
Seguindo Lima Vaz, podem-se destacar os seguintes traços 
fundamentais do homem em Aristóteles:
• homem biopsíquico. Como os demais seres, o homem compõe-se 
de psyché e soma (alma e corpo), sendo a alma perfeição e, logo, 
definição do corpo organizado;
• homem como zôon ligikón, uma vez que distingue-se pela sua 
racionalidade; dotado de logos o homem não é, pois, meramente 
um “ser natural.” Neste sentido, destacam-se três aspectos: 
primeiro, enquanto psyché o homem eleva sua atividade intelectual 
(nous) acima dos sentidos; segundo, finalismo explícito no saber 
objetivizado seja na contemplação (theoría) – busca da verdade: 
Física, Matemática e Teologia; ação (práxis) – busca do bem ou 
da virtude: Ética e Política e fabricação (poíesis) – artificialidades 
prazerosas como a linguagem na Poética e Retórica; e terceiro, os 
processos formais como na ciência lógica em que a codificação 
da forma do pensamento implica tradução simbólica do saber 
científico. Portanto, ressalta Lima Vaz (1981, p.40), reportando-se 
a Eric Weil (L’Anthropologie d’Aristote),“que enquanto ser dotado 
de logos (da fala e do discurso), o homem transcende de alguma 
maneira a natureza e não pode ser considerado simplesmente um 
ser ‘natural’”.
• homem ético-político. Como sistematizador da Ética e da Política 
ocidentais, Aristóteles atrela a racionalidade humana à polis, onde 
se exercem virtudes herdadas ou adquiridas. Na ética e na política 
se manifesta a finalidade do homem. Referindo-se a Aristóteles, 
Lima afirma que “o homem tal como ele considerava na sua 
expressão acabada, isto é, o homem helênico, é essencialmente 
destinado à vida em comum na polis e somente aí se realiza como 
ser racional.” (VAZ, 1981, p. 42). 
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 3 121
• homem passional e desejante. Aspectos incluídos tanto na psyché, 
sede das paixões (pathê), e desejo (órexis), como na própria ação 
“irracional” que intervém na ética, na política e no fazer humano.
Há que se dizer, enfim, que indiscutivelmente a antropologia 
aristotélica é um dos fundamentos da compreensão de homem no 
mundo ocidental, uma vez que problemas e categorias humanas, 
embora abordadas por ela, ainda que no contexto do mundo grego do 
seu tempo, repercutem nas reflexões filosóficas sobre o homem desde 
então.
CONCEPÇÃO BíBLICA E PATRíSTICA DE HOMEM
Convém ressaltar, inicialmente, que duplos temas gregos clássicos como 
o homem e o divino, o homem e o universo, o homem e o destino etc. 
aparecem também na antropologia bíblica, porém, neste caso, à luz da 
linguagem religiosa da revelação, supondo-se, com efeito, uma origem 
transcendente ao homem.
No Antigo Testamento, a tese da imago Dei – o homem considerado 
como imagem de Deus, é o ponto central da antropologia 
veterotestamentária, porque de acordo com Mondin o homem, por 
assemelhar-se ao criador, é o ápice da criação e depois é o representante 
de Deus no universo e o governante principal do que é criado. Em que 
consistiria então a imago Dei?
Segundo a maioria dos intérpretes antigos e modernos, 
a semelhança resulta da capacidade de o homem agir 
como Deus; como Deus, cria e ordena o mundo, assim 
o cultiva e o governa. Por isso a semelhança não está 
em nível antológico, mas dinâmico; não está no ser, 
mas no agir (MONDIN, 1982, p. 94).
“A concepção cristão-medieval do homem procede, assim, de duas 
fontes: a tradição bíblica, vetero e neotestamentária, e a tradição 
filosófica grega.” (1982, p. 59). De fato, num importantíssimo texto 
sobre este cruzamento, Jaeger afirma:
122 FILOSOFIA
Desde o despertar da consciência histórica moderna, 
na segunda metade do século XVIII, que os estudiosos 
teológicos estão cientes [...] de que, entre os fatores 
que determinaram a forma final da tradição cristã, a 
civilização grega exerceu uma profunda influência na 
mente cristã. [...]. Com a língua grega, todo um mundo 
de conceitos, categorias de pensamento, metáforas 
herdadas e sutis conotações de sentido entra no 
pensamento cristão. [...]. É claro que este processo 
da cristianização do mundo de língua grega dentro do 
Império Romano não foi de forma alguma unilateral, 
pois significou ao mesmo tempo a helenização. [...]. 
Ao chamar ao Cristianismo a paideia de Cristo, o 
imitador acentua a intenção do apóstolo de apresentar 
o Cristianismo como a continuação da paideia grega 
clássica...” (JAEGER, s/d, p.14-17-26).
A partir dos testamentos bíblicos, qualquer dualismo ontológico 
no homem é compreendido não como oposição natural, mas 
confronto entre as vicissitudes humanas e as iniciativas salvíficas 
de Deus. Lima Vaz fala de dois traços que unem a teologia bíblica 
do homem e a antropologia cristã. O primeiro a unidade radical 
do ser do homem, definida pela escuta da palavra de Deus. Esta 
unidade soteriológica implica dom de Deus, aceitação ou recusa 
do homem.
Assim, no homem entrecruzam-se traços paradoxais: carne (ruah/sarx) 
– dimensão frágil e transitória da existência; alma (nefesh/psyché) – 
vigor de sua vitalidade e dimensão de transcendentalidade; espírito 
(ruah/pneuma) – aspecto superior da vida e via de relação com Deus e 
coração (leb/kardía) – intimidade humana de afetos, paixões, pecados 
e conversão a Deus.
Enfim, a concepção bíblica de homem não é um discurso demonstrativo 
como em filosofia, mas uma história da salvação onde o Antigo 
Testamento consuma-se no Novo Testamento – profunda novidadeem 
relação ao antigo, porque Jesus Cristo, além próprio Deus manifesto 
(hierofania máxima no cristianismo), torna-se arquétipo de vínculo do 
humano com Deus, por isso mesmo, absoluta referência da concepção 
cristã de homem.
Hellenismos substantivo 
do verbo hellenizo (falar 
grego), originalmente o uso 
correto da língua grega livre 
solecismo e barbarismo. 
O conceito parece ter sido 
usado pela primeira vez pelos 
professores de retórica.
Soteriologia, teologicamente 
doutrina relativa à salvação 
realizada por Jesus Cristo em 
prol da humanidade.
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 3 123
CONCEPÇÃO MEDIEVAL DE HOMEM
As inspirações básicas dos temas medievais remontam-se a três fontes 
principais:
a) a Sagrada Escritura, enquanto palavra revelada, é incontestável 
autoridade maior;
b) os Padres da Igreja, dentre os quais Santo Agostinho é a referência 
principal;
c) os filósofos gregos e latinos, sobretudo Aristóteles, a partir do 
século XIII é destacado como o principal filósofo.
Observe-se que não obstante a estereotipa visão de atraso medieval, 
este foi um tempo de evoluções complexas e crises estruturais, 
destaque-se, no plano intelectual, a célebre querela entre os partidários 
do aristotelismo e os do agostinismo, cujo equilíbrio encontra-se na 
tradição bíblico-cristã.
Neste contexto, Santo Agostinho ressalta duas questões antropológicas 
interessantes: a historicidade onde o destino do homem é definido 
pelos acontecimentos salvíficos e a corporalidade, pela qual se 
compreende o corpo humano vinculado ao mistério da Encarnação 
do Verbo. De fato, segundo Grecethuysen a antropologia agostiniana 
pensa um homem marcado pela tensão ao inacessível, ele é desejo de 
ultrapassagem, de aspiração a um objetivo transcendente.
Todavia, segundo Lima Vaz (1981, p. 68), “a síntese mais bem-
sucedida da antropologia medieval encontra-se no pensamento de 
Santo Tomás de Aquino (1225-1274). Nela convergem as grandes 
teses da antropologia clássica e da antropologia bíblico-crsitã, 
encontrando finalmente seu ponto de equilíbrio.” São Tomás assume 
com Aristóteles a unidade hilemórfica do homem, considerando, 
entretanto, que alma criada por Deus transcende, essencialmente, 
a matéria. Dessa conexão de razão e alma emanam as faculdades 
humanas de agir e fazer. Lima Vaz (1981, p. 70) observa ainda que “o 
rationale como diferença específica do homem designa primeiramente 
a razão discursiva (ratio), forma do conhecimento intelectual inferior à 
Hilemorfismo (do grego – hilê 
= matéria e morphê = forma), 
conforme Jolivet, é a “doutrina 
filosófica em virtude da qual 
os corpos são o resultado 
de dois princípios distintos e 
complementares, chamados 
matéria e forma, que são 
fontes, respectivamente, das 
propriedades quantitativa e 
qualitativa pelas quais o corpo 
se impõe à experiência e à 
ciência.” (JOLIVET, 1975, p. 
109).
124 FILOSOFIA
inteligência propriamente dita (intellectus) que é própria dos espíritos 
puros, mas da qual também o homem participa.” Em segundo lugar, 
a partir da racionalidade como especificidade, o homem localiza-se na 
natureza e busca seu telos e, por fim, o tema bíblico da imago Dei em 
Tomás implica a perfeição relativa do homem partícipe da perfeição 
absoluta de Deus. É em torno desse tema que na antropologia tomásica, 
“se articulam os três planos da natureza, da graça e da glória, que são 
os três estados da existência humana considerada filosoficamente na 
sua essência e teologicamente na sua história.” (VAZ, 1981, p. 70-71).
Por fim, convém lembrar que na Idade Média registra-se paulatinamente 
o restabelecimento do homem artífice sacrificado pela relevância da 
contemplação na tradição clássica. A escola de São Vítor na França 
(Paris) é uma referência nessa reconfiguração e, sem dúvida um traço 
marcante na transição para a aurora da antropologia moderna.
CONCEPÇÃO MODERNA DE HOMEM
Na aurora da antropologia moderna, convém que ressaltemos o 
nome de Francisco Petrarca, não que ele tenha sido um subversivo 
inovador, entretanto, como acentua Grecethuysen, a partir dele o 
homem começa a explicar sua vida a partir da vida, pois “a razão não 
se coloca além da vida, mas que pertence ao próprio conjunto da vida. 
[...] os valores estáveis do conhecimento tornam-se os valores instáveis 
da vida” (GRECETHUYSEN, s/d, p. 131). Para Petrarca, males do 
seu tempo como corrupções e impiedades, não poderiam ser curados 
por exercícios dialéticos ou abstrações metafísicas, mas através do 
conhecimento de si mesmo e o método para tal sabedoria encontra-se 
nas artes liberais.
 A concepção moderna de homem no contexto da cultura ocidental 
emerge, a rigor, por volta do século XII, desenvolvendo-se entre os 
séculos XIII e XV, completando seus traços completados no século 
XVIII, quando o chamado homem moderno já alcançou considerável 
relevância e, portanto, referência para as formulações antropológicas 
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 3 125
dos séculos XIX e XX. Nessa época, as concepções se complexificam 
em decorrência da “pluralidade antropológica” que, por conseguinte, 
dissipa aquela unidade cultural (grega) ou religiosa (medieval) em torno 
da imagem do homem, a qual doravante “é desfeita pela descoberta 
da imensa diversidade das culturas e dos tipos humanos e pelo próprio 
avançar das ciências do homem que submetem o seu objeto a uma 
análise minuciosa e, aparentemente, desagregadora de sua unidade.” 
(VAZ, 1981, 77).
Concepção humanístico-racionalista de homem
Entre os séculos XIV e XVI as múltiplas mudanças ocorridas na Europa 
ocidental favorecem o nascimento da Renascença, demarcada pela 
relevância da literatura clássico-latina graças às elaborações filológicas 
e do livro impresso; pela permanência do humanismo cristão num 
novo cenário sócio-político e religioso.
Nesse contexto renascentista, se destacam as ideias antropológicas do 
nominalista Cardeal Nicolau de Cusa, que Lima Vaz (1981, p. 79) 
explica desta forma:
O que desaparece sob a crítica nominalista é a posição 
de um mundo ideal, identificado com o Intelecto 
divino e assegurando a inteligibilidade intrínseca 
dos seres que permitia, por sua vez, a aplicação 
do procedimento analógico ao conhecimento da 
existência e da transcendência de Deus.
Nicolau, ao contrário da metafísica clássica que privilegiava a 
transcendência divina, enfatiza a imanência do divino, embora não o 
ponha em questão. A inalcançável infinitude de Deus e do cosmos incita 
no homem, segundo Nicolau, uma ansiedade de infinito conhecimento 
de ambos. “Nicolau de Cusa, pode ser, assim, considerado um 
precursor da concepção moderna e é como tal que ele se situa como 
um pensador tipicamente de transição, mas poderosamente original.” 
(VAZ, 1981, p. 79).
Mudanças - A Europa foi 
revitalizada nos últimos 
séculos da Idade Média, pelo 
reaquecimento do comércio e 
da vida urbana. [...] o homem 
moderno deixou de olhar tanto 
para o alto, em busca de Deus, 
passando a prestar mais atenção 
em si mesmo. O homem se 
redescobre como centro de 
preocupações intelectuais e 
sociais, como criatura e criador 
do mundo em que vive. Tudo se 
refletiu nas artes, na filosofia e 
nas ciências.” (COTRIM, 1997, 
p. 212).
Renascença - Renascimento 
pode ser definido como o 
movimento intelectual e cultural 
que marcou a mudança de 
mentalidade medieval para a 
moderna, no interior da qual 
humanismo, racionalismo 
e individualimo sinalizam 
revolução axiológica.
126 FILOSOFIA
Nesta conjuntura renascentista – solo fértil para o nascimento da 
antropologia filosófica – a dignidade é o traço característico do 
novo humanismo.Entretanto, não mais a dignidade volvida para a 
contemplação (theorein), mas para o agir transformador do homem; 
não mais as particularidades (civil, servo, cristão, pagão etc.), mas a 
universalidade humana abstrata; não mais igualdade e unidade, mas a 
identidade na diferença nas esferas política, jurídica e religiosa. Marsílio 
de Ficino, Pico della Mirandola, Bartolomeu de las Casas, Nicolau 
Maquiavel, Jean Bodin são exemplos de homens que assumem e 
advogam este novo humanismo.
A partir dessa antropologia de ruptura e transição, abre-se o horizonte 
do racionalismo predominante entre os séculos XVII e XVIII, cujo teor 
é esclarecido lucidamente por Lima Vaz (1981, p. 81): “A antropologia 
racionalista prolongará a tradição do zoon logikón, mas dando-lhe 
um novo conteúdo, pois nela o esquema mecanicista (ou primazia do 
modelo da máquina) se estenderá à explicação da vida e do homem.”
René Descartes é, neste sentido, a referência obrigatória porque parte 
do método e suas regras dirigidas ao objeto do saber, considerando 
o fundamento da certeza. O Cogito é o fundamento evidente, cuja 
verdade e certeza opõe-se à verdade e certeza do mundo externo, 
desembocando, assim, na exigência da existência veraz de Deus 
explicitada a priori pela imanência da ideia de infinito na mente 
humana. Ou seja, a partir da Metafísica erige-se a Física e daí repõe-se 
a situação de relação entre alma e corpo. Com efeito, decorrem dois 
elementos importantes: a subjetividade do espírito – como res cogitans 
e a exterioridade (mecânica corpórea) – como res extensa.
A antropologia dualista cartesiana, explica Lima Vaz, bifurca, 
consequentemente, a metafísica do espírito e a física do corpo, ambas 
clara e distintamente completas e independentes. “O corpo humano 
é integrado no conjunto dos artefatos e das máquinas e só a presença 
do ‘espírito’, manifestando-se sobretudo na linguagem, separa o 
homem do ‘animal-máquina’”. (VAZ, 1981, p. 84).
De fato, a revolução cartesiana na filosofia e a galileiana na ciência –, 
impregnam uma nova racionalidade, capaz de favorecer um campo 
epistemológico apropriado à constituição das ciências humanas. 
Interessante notar que a 
res cogitans separa-se da 
res extensa, não para a 
contemplação como na teoria 
platônica, mas para conhecer 
e controlar o mundo, como 
diz Descartes no Discurso do 
Método.
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 3 127
Na segunda metade daquele século XVII, o pensamento de Blaise Pascal 
é tensionado, por um lado pela ordem eterna da natureza contemplada 
nos abismos do infinitamente grande e do infinitamente pequeno e, 
por outro, pela miséria bem expressa na corrupção da natureza e das 
faculdades humanas. Para Lima Vaz, o Cogito pascalino também ressalta 
a importância do homem; porém à diferença de Descartes, não se volta 
para o domínio do mundo, mas para a dimensão moral. O mais importante 
em Pascal não é a ciência, mas a situação cósmica do homem: demasiado 
pequeno supera pelo pensamento, compreende o universo cuja dimensão 
absorve-o. O homem pascalino encontra-se, pois, num dilema trágico: 
nem se abriga na ordem cósmico-teológica da compreensão cristã-
medieval, nem se apossa do mundo como em Descartes. 
Para Thomas Hobbes, ao contrário de Pascal o homem e a sociedade se 
explicam a partir do racionalismo mecanicista. De acordo com Lima Vaz 
(1981, p. 86), “seu materialismo é radical e integral. Só o corpo ocupando 
o espaço existe, e Deus mesmo é corporal, sendo compreendido no 
universo cuja totalidade e unicidade abrangem todas as ordens existentes.” 
O homem, especificamente, se realiza, conforme Hobbes, na transição do 
estado de natureza para o estado civil e, precisamente, pela instituição 
do Estado enquanto força prepotente que ordena, coage, organiza 
a vida social. Neste mesmo contexto, o também inglês John Locke 
contra Hobbes afirma a socialidade natural, enquanto possibilidade de 
convivência pacífica dos indivíduos no estado de natureza. Além disso, 
contra as ideias inatas cartesianas, defende as disposições humanas 
naturais para conhecer a Deus, a natureza e a si mesmo como ser moral e, 
neste sentido, numa crítica às esgrimias religiosas de seu tempo, defende 
fervorosamente a tolerância religiosa. Enfim, apesar de seu naturalismo 
otimista Locke também admite que o indivíduo, embora soberano, delega 
ao Estado e à lei a coordenação da vida social. Logo, sociedade política e 
estado de natureza recaem em situação paradoxal.
A imagem de homem na época da Ilustração
De forma geral, pode-se dizer que a Ilustração na Europa do século 
XVIII, foi um movimento ideológico ou um “espírito de saber” em 
128 FILOSOFIA
várias esferas: política, religião, filosofia, ciência, literatura e artes. 
Assim:
[...] o próprio conceito de Ilustração, expresso por uma 
metáfora luminosa (Lumières, Aufklärung) encontra 
na ideia de progresso assim definida o espaço de 
irradiação. [...], algumas características fundamentais 
[...] se desenvolve no interior de duas coordenadas 
que definem esse espaço: as luzes da Razão e do 
progresso (VAZ, 1981, p. 93).
Deste mundo animado pelo espírito da Ilustração, decorrem algumas 
ideias referenciais para nossos tempos:
a) humanidade: “o sentido que esse termo assume já é nitidamente 
secularizado e seu matiz é marcadamente axiológico, em 
contraposição à humanidade objeto do universalismo salvífico 
cristão.” (VAZ, 1981, p. 93). A primazia das relações humanas 
supera as relações com Deus ressaltada nas antropologias 
precedentes;
b) civilização: sendo um fato e um valor designa essencialmente ideal 
de progresso e de otimismo na vida futura é, portanto, o signo da 
passagem do estado de natureza ao estado de cultura, ao estado 
de civilização propriamente dito; 
c) tolerância: defendida no contexto dos conflitos religiosos XV por 
Nicolau de Cusa, tornar-se-á um estandarte da Ilustração em favor 
dos discriminados: mulheres, crianças, judeus, negros e índios das 
colônias americanas. Além disso, Locke defendeu a tolerância civil 
e César Becarria traça fundamentos do Direito moderno em Dos 
Direitos e das Penas, em 1764.
d) revolução: da origem astronômica, sobretudo, relativo a Copérnico, 
o termo indicará desde então transformações sociais e políticas 
que anunciam um mundo melhor.
Portanto, humanidade, civilização, tolerância e revolução são ideias 
impregnadas nas motivações fundamentais de luzes e progresso no 
contexto da Ilustração, onde o homem, efetivamente, é o centro da 
inteligibilidade.
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 3 129
Compreensão kantiana de homem
A Antropologia, fundamentada nos ideais da Ilustração é criticamente 
acolhida por Immanuel Kant. Como Lima Vaz observa, entre 1772 
e 1773 ele leciona Antropologia como disciplina independente, 
resultando, então, no texto Antropologia desde o Ponto de Vista 
Pragmático de 1798, onde afirma a praticidade da filosofia, como a 
que ajuda ao homem tomar atitudes razoáveis diante das situações 
que se apresentem. “A Antropologia... corresponde, assim, a uma 
intenção [...] de tornar a filosofia útil, para a vida, [...] sem dúvida um 
dos aspectos fundamentais da concepção kantiana de homem, aquele 
pelo qual ele participa do movimento pedagógico da Aufklärung.” 
(VAZ, 1981, p. 97).
Neste sentido, alguns tópicos presentes na ideia de homem em Kant, 
são os seguintes:
a) sensitivo-racional. No homem enquanto cognoscente convergem 
dois polos: ser de natureza, porque situado no tempo e no espaço 
e ser racional porque capaz de articular o ideal de razão pura e de 
ideias transcendentais como mundo, alma e Deus;
b) físico-pragmático. Implica dizer que o homemé primeiramente 
mundano, natural e depois que sendo livre o homem, pelo “fato 
da Razão”, assume ou não a moral internalizada;
c) histórico. O destino assumido pelo homem, Kant o compreende 
pela perspectiva religiosa onde explica que o mal radical é superável 
pelo princípio do bem, aliás, segundo ele, sinal do reino de Deus 
e em segundo lugar, pela perspectiva pedagógico-política pela 
qual cruzam-se questões como educação, experiências políticas e 
liberdade civil.
As ideias de Kant, com efeito, fornecem, sem dúvida, uma orientação 
indelével para o tratamento filosófico sobre o homem em tempos 
hodiernos. 
130 FILOSOFIA
O HOMEM NA FILOSOFIA CONTEMPORâNEA
O pensamento de Kant demarca, justamente, a fronteira do debate 
filosófico que se desenvolveu entre os séculos XIX e XX designado 
geralmente como filosofia contemporânea da deriva dos contornos 
antropológicos hodiernos.
Concepção de homem no Idealismo Alemão e em Rousseau
O século XVIII é marcado pelo Idealismo Alemão designado, em geral, 
como a corrente que inicia a filosofia contemporânea e, vinculado 
ao Idealismo, destaca-se o Pré-Romantismo como movimento que 
contrapõe o sentimento à razão; o eu sensível sobre o Cogito racional. 
E no fim daquele século passa-se, como nota Lima Vaz (1981, p. 113) 
para o Romantismo “como projeto global de cultura e, mesmo, de 
civilização, que caracteriza-se pela sua rejeição do Classicismo, do qual 
a Ilustração se mostra uma exacerbação racionalista.”
A antropologia no estilo romântico, ao contrário da clássica, destaca as 
sensibilidades, as paixões e as emoções humanas. Ressalta Lima Vaz 
(1981, p. 113):
O individualismo romântico é, assim, profundamente 
diferente do individualismo racionalista: neste o 
indivíduo se define pelo seu Cogito que o une à 
razão universal; naquele o indivíduo se define pelo 
sentimento do Eu que o leva a comungar como o 
Todo orgânico ou com o uno que é, ao mesmo tempo, 
o todo: o ‘uno e o todo’ [...] será um dos lemas do 
pensamento romântico.
Convém sublinhar brevemente, ainda neste contexto, reflexões 
antropológicas de Rousseau. Para este pensador francês, por um lado, 
a consciência moral implicada no sentimento, e por outro, a estrutura 
racional e axiomático-dedutiva são imprescindíveis para a compreensão 
de homem. No Discurso sobre as ciências e as artes ele assinala que 
as corrupções do indivíduo e da sociedade decorrem da 
cultura. Esta é a sobreposição humana à natureza, mas também pelo 
Paulinho da Viola canta 
um samba “Chico Brito” 
(de Wilson Batista e Afonso 
Teixeira), que reflete o 
pensamento de Rousseau: 
“Quando menino esteve na 
escola/ era aplicado, tinha 
religião/ quando jogava bola/ 
era escolhido capitão/ mas a 
vida tem os seu reveses/ diz 
sempre Chico defendendo 
teses/ se o homem nasceu 
bom/ e bom não se conservou/ 
a culpa é da sociedade/ que o 
transformou”.
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 3 131
distanciamento da vida natural, caminho de vida infeliz. No Discurso 
sobre a Origem da Desigualdade estabelece as razões da desigualdade 
e da injustiça social. Com efeito, homem natural e sociedade integram-
se, essencialmente.
Enfim, Vaz observa que a antropologia de Rousseau é marcada pela 
“rejeição de toda transcendência, seja ideonômica como no platonismo 
seja teonômica como Cristianismo, imanência absoluta da Natureza 
como fonte de todo bem e de todo valor, enfim crítica da cultura 
existente e da sua moral, fonte do mal e da corrupção do homem.” 
(VAZ, 1981, p.115).
O homem na perspectiva hegeliana
O pensamento hegeliano é entrelaçado por aspectos como da natureza, 
do espírito subjetivo, espírito objetivo e Absoluto. Nessa dialética 
denotam-se influências do racionalismo, romantismo, herança clássica 
e herança cristã.
Estas influências repercutiram na concepção de homem em Hegel, de 
modo que ele destaca os seguintes traços antropológicos:
a) dialética fundamental entre o mundo natural e o mundo humano;
b) a relação do homem com a cultura, pela qual a humanização 
propriamente ocorre à medida que o homem integra o movimento 
constitutivo da história;
c) relação entre homem e história, na qual se pensa não o tempo 
físico, mas tempo dialético, onde na cadência histórica se revelam 
o sentido da vida humana e do Absoluto;
d) o Absoluto é ápice do Espírito Objetivo traduzido na Arte, na 
Religião e na Filosofia e que o homem através da intuição (Arte), 
da representação (Religião) e do conceito (Filosofia) manifesta o 
Espírito como absoluto.
132 FILOSOFIA
Vaz (1981, p. 123), resume lucidamente compreensão de Hegel da 
seguinte maneira:
A concepção hegeliana do homem abrange, 
efetivamente, estes três momentos, pois o Espírito 
subjetivo – o indivíduo – passa necessariamente pra 
o Espírito objetivo – a cultura ou a história – no qual 
tem a sua verdade, e este passa necessariamente para 
o Espírito absoluto – a Ideia, exprimindo-se como 
Arte, Religião e Filosofia – no qual tem sua verdade 
absoluta.
Portanto, a pergunta “o que é o homem?” desde Hegel se desdobra 
entre os constitutivos do ser do homem e o tornar-se homem, mediante 
três níveis: o da matéria (em si, como alma – Espírito natural) objeto da 
Antropologia; o da forma (para si – particularidade como consciência) 
objeto da Fenomenologia e o da figura (determinando em si e para 
si – subjetividade) objeto da Psicologia.
Antropologia pós-hegeliana: Feuerbach e Marx
Depois da morte de Hegel, em 1831, seus seguidores separaram-
se entre “hegelianos de direita” – que primavam pela fidelidade ao 
pensamento do mestre –, e “hegelianos de esquerda” – voltados para 
uma crítica sociopolítico, sua filosofia contrapunha-se, com efeito, 
à filosofia do próprio Hegel. Entre estes últimos, pode-se destacar 
Ludwig Feuerbach e Karl Marx.
Pode-se afirmar, sucintamente, que em Feuerbach apresenta-se um 
antropocentrismo radical, pois rejeitando-se a homologia microcosmo-
macrocosmo afirma-se um materialismo que define o homem como 
ser sensível, desembocando, consequentemente, num antropoteísmo, 
porque o homem é o único deus para o homem e atributos de Deus 
relevados na teologia convertem-se me discurso antropológico. Enfim, 
os caracteres divinos nada mais são que projeções humanas. Deus 
seria, pois, uma invenção humana.
Inspirado mas ao mesmo crítico de Feuerbach, Marx concebe o 
homem em princípio a partir de sua relação com a natureza por meio 
Ludwig Feuerbach (1804-1872)
Fonte: http://www.google.com.br
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 3 133
da qual produz sua vida, empregando-se neste processo elementos 
como: intencionalidade, linguagem, instrumentos e cooperação 
intersubjetiva.
As necessidades pluriformes (biológicas, psicossociais, culturais etc.) 
e as buscas respectivas de satisfação, constituem, segundo Vaz, um 
problema essencial na antropologia marxiana. Por outro lado, há o 
problema da alienação em dois sentidos: espiritual e social. A primeira 
reflete-se, sobretudo, na coisificação, isto é, à proporção que os 
objetos (coisas) predominam sobre o indivíduo que, portanto, não se 
autorrealiza, e a segunda implica o domínio do produto sobre aquele 
que produz. 
É importante ainda ressaltar dois elementos interrelacionados na 
compreensão de homem em Marx, bem assinalados por Lima Vaz 
(1981, p.124):
Natureza humana definida pelas suas carências ou 
necessidades e pela dialética da satisfação dessas 
necessidades, desdobrando-se seja na relação do 
homem com a natureza exterior pelo trabalho, seja na 
sua relação com os outros homens pela sociedade.
E em segundo lugar,
[...] a situação histórica definido pelo estágio das forças 
e relações de produção e pelo fenômeno daalienação 
social que resulta da inadequação deste estágio 
às exigências de realização da natureza humana. 
Tal fenômeno se verifica de maneira exemplar no 
capitalismo, onde se pode identificar explicitamente 
o fenômeno da fetichização das relações sociais 
alienadas que aparecem como propriedades naturais 
das coisas (VAZ, 1981, p. 131).
Como se sabe, o fetichismo se configura como alienação efetivamente 
detectada na estrutura do capitalismo, onde pode representar-se 
em várias situações: econômica, política, cultural, religiosa. Nelas o 
homem produz entidades reais ou imaginárias que passam a dominá-
los e, desta forma, inviabiliza sua vocação emancipatória.
Ora, parece que o pensamento de Marx tem um horizonte escatológico 
no sentido em que afirma uma plena emancipação humana no reinado 
comunista, em que não mais se verifica homens oprimidos e alienados. 
Intencionalidade - Marx diz 
que o homem mais estúpido 
sobrepõe-se à eximia abelha, 
porque aquele premedita, isto é, 
intencionaliza sua ação.
Intersubjetiva - A cooperação 
se dá fundamentalmente pelo 
trabalho que para Marx é um 
meio de humanizar o homem 
à medida que ele humaniza a 
natureza. Mas o trabalho no 
mundo capitalista é a explícita 
manifestação da expropriação e 
da alienação humana.
134 FILOSOFIA
O caminho para esta civilização feliz exige uma revolução capaz de 
destruir o monstro do capitalismo e seus aliados: principalmente o 
Estado e a religião.
Modelos de Antropologia Contemporânea
Reflexões antropológicas desde a segunda metade do século XX 
remontam-se, necessariamente, ao pensamento de alguns importantes 
filósofos, sobre os quais é oportuno breves alusões.
Um destes autores é o dinarmaquês Sören Kierkegaard (1813-
1855), que para Lima Vaz é mais um pensador solitário, um teólogo 
de profissão, que propriamente um filósofo. Não obstante, seu 
pensamento é situado nos primórdios do existencialismo concebido 
como uma crítica direta ao sistema hegeliano, uma vez que para ele a 
existência humana e suas implicações não pode ser emoldurada num 
sistema lógico. Os tradutores de Kierkegaard: Carlos Marinho, Maria 
José Monteiro e Adolfo Casais (1979, p. VIII), ressaltam a seguinte 
observação de Sartre: “A vida subjetiva, na própria medida em que é 
vivida, não pode jamais ser objeto de saber [...] Essa interioridade que 
pretende afirmar-se contra toda filosofia [...] para além da linguagem, 
face aos outros e de Deus, eis o que Kierkegaard chamou de existência.” 
Isto porque para Kierkegaard, os sistema filosóficos e seus conceitos, 
particularmente os de Hegel, esvaziam a existência humana de todo 
caráter efetivo da existência humana, cuja ação depende não do que 
se compreende mas do que se quer. A escolha é, assim, o núcleo 
existencial.
Ainda no pensamento kierkegaardiano, há que ressaltar que a vida 
humana fundada na escolha é atravessada por absurdos estéticos, 
éticos e religiosos e, consequentemente, com experiências pessoais 
como o tédio, a angústia, o desespero, o medo etc. No nível estético 
predomina o hedonismo romântico e sofisticado; o campo ético situa 
o homem no campo das regras universais e tarefas incondicionais, que 
podem ser contrariadas na passagem para o campo religioso, onde a fé 
significa um salto para o absurdo. Kierkegaard toma como exemplo o 
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 3 135
caso de Abraão, cuja prova de obediência a Deus para matar o próprio 
filho Isaac ultrapassa os códigos éticos.
Numa palavra final, em Kiekegaard o homem é uma espécie de resumo 
de finito e infinito, de tempo e eternidade, de necessidade e liberdade.
A presença de Friedrich Nietzsche (1844-1900) é sem dúvida 
indispensável quando se pensa o homem atual. À pergunta o que é o 
homem? Nietzsche a desdobra em três segmentos: o que foi o homem 
– como ele aparece na natureza e na vida; o que o homem não é – 
sua descaracterização derivada da doença cultural-religiosa e o que o 
homem pode e deve ser – tematizado na passagem do homem para o 
super-homem.
No estágio da crítica radical à cultura, Nietzsche ressalta que os 
sistemas morais e religiosos erigidos no ocidente, isto é, de Sócrates ao 
cristianismo europeu do seu tempo, passando pelos tempos patrístico-
medievais, são fundamentalmente perversos, hipócritas, desumanos, 
retrógados e, como tais, incidentes em todas as esferas da civilização, 
por isso, essencialmente, se opõem à vida e ao advento do super-
homem.
O incisivo espírito crítico de Nietzsche – como um profeta que 
simultaneamente denuncia e anuncia – aparece em todos os seus 
escritos. Assim Falou Zaratustra, Para Além do Bem e do Mal, Humano 
Demasiado Humano, Genealogia da Moral, Gaia Ciência, O Anticristo, 
Crepúsculo dos Ídolos, Vontade de Potência são algumas das célebres 
obras caracterizadas comumente pela ojeriza de seu autor aos sistemas 
e esquemas – religiosos, morais e racionalistas – articulados para domar, 
controlar, educar, enfim, reprimir o homem, ao preço de sacrifícios 
desde os físicos aos da própria alienação de consciência.
Portanto, para Nietzsche no mundo ocidental instituições e doutrinas 
convergem na missão comum de inviabilizar a humanidade do 
próprio homem à medida que estabelecem e impõem valores e regras 
puramente convencionais e tendenciosas. Ele apregoa diante desta 
tradição a necessidade de demolição dos fundamentos envolvidos na 
formação humana até então, como condição sine qua naon para o 
aparecimento consequente do homem novo: o super-homem.
136 FILOSOFIA
Jean-Paul Sartre (1905-1979) é outro autor que trata em seus 
textos romanescos, teatrais, políticos e filosóficos problemas éticos e 
políticos, tomados a partir do enfoque existencialista. Textos como O 
Existencialismo é um Humanismo e O Ser e o Nada, centram-se nas 
estruturas fundamentais da existência humana.
Em Sartre, é importante dizer brevemente, o homem não se define 
como ser-em-si porque não é um objeto maciçamente acabado, mas 
com ser-para-si, enquanto consciência de si próprio, sobretudo no 
sentido da autoconstrução. De fato, quando ele enfatiza que a existência 
precede a essência, pretende negar qualquer determinação a priori ao 
homem, haja vista que este é projeto de si mesmo; o homem é, sendo. 
Não há, pois, força alguma externa que o prescreva, de maneira que, 
para ele, se Deus existisse – e para ele não existe (Sartre assume seu 
ateísmo), nada mudaria quanto à responsabilidade humana sobre sua 
história e da humanidade. Assim, na inesquecível frase de Sartre, o 
homem é condenado à liberdade.
Ainda neste contexto contemporâneo, substancialmente antropocêntrico, 
são importantes dois enfoques da ciência antropológica: o personalismo 
e o materialismo. Na primeira corrente, sobressai-se o conceito de 
pessoa nos diversos níveis: ontológico, ético, político, pedagógico. Há, 
inclusive, o personalismo de inspiração cristã cuja característica comum 
“é a afirmação de Deus pessoal transcendente como paradigma e fim 
último da pessoa.” (VAZ, 1981, p. 139). Nesta categoria destacam-se 
Jacques Maritain (1882-1973) – onde se conexam a inspiração tomista 
e os temas humanos atuais e Emmanuel Mounier (1905-1950) que 
juntou o personalismo ao movimento político-cultural sob orientação 
de sua vivência católica em meados do século XX.
O segundo enfoque materialista prioriza a Natureza como polo de 
explicação básica sobre o homem, de modo que fatores naturais 
superam os fatores simbólicos. Neste sentido, além da tradição marxista, 
alinham-se ciências como Psicanálise, Linguística, Biologia Humana, 
Ecologia, Paleontologia etc., estas últimas geralmente inspiradas na 
teoria da Evolução.
Estas diversasfaces da antropologia ocidental inteligível à luz da tradição 
filosófica, por um lado, afluem para a ideia invariante do homem como 
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 3 137
espelho convergente de intencionalidade de toda a realidade e, por 
outro, abrem a polêmica sobre essa centralidade humana em função 
da diversidade das ciências da natureza e do próprio homem.
De fato, Lima Vaz (1981, p.141), observa o seguinte:
As antropologias contemporâneas preferem reco- 
nhecer a pluridimensionalidade dos sentidos que 
a experiência do seu próprio ser revela ao homem 
e procuram situar-se numa perspectiva que lhes 
pareça privilegiada, para, a partir dela, construir um 
discurso englobante e coerente sobre a totalidade da 
experiência humana.
A rigor, portanto, à perene pergunta o que é o homem? se descortina no 
cenário contemporâneo a versão antropológica da pluriversalidade: o 
homem é o ser que inquire-se a si mesmo e daí expande as interrogações 
em todas as dimensões. Três delas serão tratadas a seguir: a linguagem, 
a cultura e a liberdade.
CONCLUSÃO
Ao final desta unidade, em que fizemos um ligeiro percurso 
pelas linhas antropológicas no ocidente, alguns tópicos merecem 
destaque. Vimos que na chamada Grécia arcaica entre os séculos 
VII e VIII a. C. prevalece uma imagem de homem marcada por 
três caracteres: religioso – consciência da separação entre imortais 
(deuses) e mortais (humanos); cosmológico - onde há leis supremas 
que regem a natureza e os homens e conceito de homem traçado 
pelo apolíneo (correto/bom/celeste) e o dionisíaco (desorientado/
pervertido/terreno). Mas os sofistas, interessados pelo homem 
situado no contexto social defendem o relativismo e as convenções 
das regras, leis e axiomas. Ora, para Sócrates esta postura banaliza 
a humanidade do homem por isso, contrariamente, defende com 
força a dimensão interior (daimon) do homem – o “conhece-te a 
ti mesmo” alcançado pelo processo da ironia, indução e maiêutica. 
Esta teoria é definitivamente sistematizada por Platão, para quem, 
138 FILOSOFIA
como sabemos, a alma enraizada no mundo superior das ideias 
é adversária do corpo – “essa coisa má”, como ele diz no Fédon. 
Assim, política, arte, educação, religião e filosofia devem servir para 
qualificá-la e, com efeito, restituí-la ao Olimpo. A antropologia de 
Aristóteles é mais realista e discorda, inclusive, dessa rivalidade entre 
corpo e alma; não obstante, ele ratifica a excelência da alma, tal 
como na vida do contemplador (filósofo).
Durante a Patrística e a Idade Média, vimos que essa dualidade é 
reconfigurada entre as iniciativas salvíficas de Deus e a recusa possível 
do homem. Em Santo Agostinho a historicidade humana tem como 
referência a Encarnação do Verbo e a Salvação Final. Em Tomás de 
Aquino, a alma superando o corpo, é acolhimento e reflexo da graça 
e da glória divinas. Para ambos, podemos afirmar, o homem é um 
peregrino para Deus.
A partir da modernidade fundamentalmente antropocêntrica, 
acompanhamos de maneira geral a sobrepujança da racionalidade. 
Rupturas e fatos históricos roturantes tais como Renascença, 
Ilustração, Revoluções Protestante e Industrial motivam ou são 
motivados pelo espírito humanista da época. Pluralidade cultural, 
tolerância, criticidade, laicização, progresso, liberdade, revolução, 
pragmatismo, são conceitos consequentes e, doravante comuns 
entre os humanistas, filósofos, cientistas e, de modo geral, quando se 
pensa o mundo sócio-humano.
Esse progresso histórico desaguou na fase atual polemicamente 
designada como “pós-moderna” e até “pós-humana”, parece-nos, 
contudo, demarcada por uma situação paradoxal: ramificações e 
especializações científicas agregam ininterruptamente informações 
sobre o homem; entretanto, ele, ao mesmo tempo, permanece, 
surpreendentemente, objeto instigante, motivador desafiante para 
quem por alguma perspectiva pretende responder à perene questão: 
o que é o homem?
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 3 139
Que tipo de mudança conceitual sobre o homem se 
verifica na sofística em relação à conceitos antropológicos 
da Grécia arcaica?
Assinale alguns traços semelhantes e divergentes entre as 
antropologias de Sócrates, Platão e Aristóteles?
O homem ocidental, depois da herança grega é fortemente 
influenciado pelo cristianismo patrístico-medieval. 
Destaque algumas dessas marcas que resistem ao tempo 
apesar da chamada era moderna “dessacralizado”.
Que mudança de paradigma antropológico verificamos a 
partir da Ilustração? 
Como Hobbes e Rousseau compreendem o homem? 
Depois de ver o filme Tempos Modernos de Charles 
Chaplin e ler o tópico sobre a crítica de Marx ao capitalismo 
opressor, discuta com seus colegas e aponte brevemente 
até que ponto a crítica marxista pode ser atualizada. 
Discuta com seus colegas e discorra brevemente a 
complexidade e o consequente desafio de representar o 
homem contemporâneo.
4
5
6
7
140 FILOSOFIA
• Odisseia 
Interessante filme sobre a mitologia grega, retratando, precisamente, a 
relação entre o homem e os deuses na dramática volta de Ulisses para 
Ítaca, após ter vencido a guerra de Troia.
• A marvada carne (Brasil, 1984 – direção: André Koltzel).
Abordagem sobre mitos atuais.
• Sócrates (Itália/França/Espanha, 1971 – direção: Roberto 
Rossellini).
O filme trata do processo, defesa, condenação e morte o filósofo grego.
• Agostinho (Alemanha/França, 1986 – direção: Roberto Rosselini.
O filme destaca a importância do filósofo durante a decadência do 
Império Romano, perpassam temas como teologia, ética, estética etc.
• Giordano Bruno (Itália/França, 1973 – direção: Giuliano Montaldo).
O filme aborda a condenação de G. Bruno à fogueira, por haver 
defendido ideias sobre universo contrárias às doutrinas eclesiásticas.
• O Nome da Rosa (Alemanha/França, 1986 – direção: Jean-Jacques 
Arnaud).
O filme ocorre num mosteiro medieval, retratando questões éticas, 
religiosas e, sobretudo, científicas emergentes.
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 3 141
TEXTO COMPLEMENTAR
A crise do conhecimento de si do homem
Ernst Cassirer
Que o conhecimento de si mesmo é a mais alta indagação filosófica 
parece ser geralmente reconhecido. [...]. Nem os pensadores mais 
céticos negam a possibilidade e a necessidade de autoconhecimento. 
[...] O autoconhecimento – declara – é o requisito da autorrealização. 
Devemos tentar romper as cadeias que nos ligam ao mundo exterior 
para podermos desfrutar nossa verdadeira liberdade.[...]
A filosofia moderna teve início com o princípio de que a evidência 
de nosso próprio ser impregnável e inatacável. [...] Poucos psicólogos 
modernos admitiriam ou recomendariam um simples método de 
instrospecção. [...]. Estão convencidos de que uma atitude behaviorista 
estritamente objetiva é a única abordagem possível para uma psicologia 
científica. Sem a introspecção, sem uma consciência imediata dos 
sentimentos, não poderíamos sequer definir o campo da psicologia 
humana. No entanto, [...] a introspecção revela-nos aquele pequeno 
segmento da vida humana acessível à nossa experiência individual.
[...] Aristóteles declara que todo conhecimento humano tem origem 
em uma tendência básica da natureza humana que se manifesta 
nas ações e reações mais elementares do homem. [...]. Em Platão, a 
vida dos sentidos está separada da vida do intelecto por uma brecha 
ampla e insuperável. O conhecimento e a verdade pertencem a uma 
ordem transcendental – ao reino das ideias puras e eternas. O próprio 
Aristóteles estava convencido de que o conhecimento científico não 
é possível unicamente através do ato da percepção. Mas fala comoum biólogo ao negar a separação platônica entre o mundo ideal e o 
empírico. [...].
Nas primeiras explicações mitológicas do universo encontramos 
sempre uma antropologia primitiva lado a lado com uma cosmologia 
primitiva. A questão da origem do mundo está inextrincavelmente 
entrelaçada com a questão da origem do homem. A religião não 
142 FILOSOFIA
destrói essas primeiras explicações mitológicas. [...]. A partir de 
então, o autoconhecimento não é mais concebido como um interesse 
meramente teórico. Deixa de ser apenas um tema de curiosidade ou 
explicação; é declarado como obrigação fundamental do homem. 
Os grandes pensadores religiosos foram os primeiros a afirmar essa 
exigência moral. [...]. “Conhece-te a ti mesmo” é vista como um 
imperativo categórico, como uma lei religiosa e moral suprema.[...]
Em seus primeiros estágios, a filosofia grega parece ocupar-se 
exclusivamente do universo físico. [...]. Para além da filosofia física da 
escola de Mileto, os pitagóricos descobrem uma filosofia matemática, 
enquanto os pensadores eleáticos são os primeiros a conceber uma 
filosofia lógica. Heráclito posta-se na fronteira entre o pensamento 
cosmológico e o antropológico. [...]
É no problema do homem que se encontra o marco que separa o 
pensamento socrático do pré-socrático. [...]. Sócrates sustenta e 
defende sempre o ideal de uma verdade objetiva, absoluta e universal. 
Mas o único universo que ele conhece e ao qual se referem todas 
as suas indagações, é o universo do homem. [...] Sócrates oferece-
nos uma análise detalhada e meticulosa das qualidades e virtudes 
humanas. Procura determinar a natureza dessas qualidades e defini-
las: bondade, justiça, temperança, coragem e assim por diante. Mas 
nunca arrisca uma definição de homem.
[...] A filosofia que fora até então concebida como um monólogo 
intelectual é transformada em um diálogo. Só por meio do pensamento 
dialógico ou dialético podemos abordar o conhecimento da natureza 
humana. [...]. É impossível – diz Platão na República – implantar a 
verdade na alma de um homem [...]. Por natureza, a verdade é fruto 
do pensamento dialético. Logo, só pode ser obtida mediante constante 
cooperação dos sujeitos em mútua interrogação e resposta. [...]. 
Podemos otimizar o pensamento de Sócrates dizendo que o homem 
é definido por ele como o ser que, quando lhe fazem uma pergunta 
racional, ele dar uma resposta racional. [...]
Sócrates e Marco Aurélio [imperador romano] têm em comum a 
convicção de que para encontrar a verdadeira natureza ou essência 
do homem, devemos primeiro remover dele os traços externos ou 
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 3 143
incidentais. Não chamai do homem nenhuma daquelas coisas que 
não lhe cabem como homem... [Marco Aurélio]. [...]. Riquezas, 
posição, distinção social, até mesmo a saúde e os dotes individuais – 
tudo isso torna-se indiferente. Tudo o que interessa é a tendência, a 
atitude interior da alma; e tal princípio não pode ser perturbado. [...] 
Aquele que vive em harmonia consigo mesmo, com seu demônio, vive 
em harmonia com o universo; [...]. A própria vida está mudando e 
flutuando, mas o verdadeiro valor da vida deve ser buscado em uma 
ordem eterna que não admite qualquer mudança. [...]
A declarada independência absoluta do homem, que na teoria estoica 
era considerada como virtude fundamental do homem, na teoria cristã 
torna-se o seu vício e erro fundamentais. [...]. A luta entre essas duas 
visões conflitantes durou muitos séculos e no início da era moderna 
– na época da Renascença e no século XVII – sentimos ainda a sua 
força. Aqui podemos apreender um dos traços característicos da 
filosofia antropológica.
 [...]. Segundo Agostinho, toda a filosofia anterior ao aparecimento de 
Cristo padecia do mesmo erro fundamental e estava infectada por uma 
única e mesma heresia. [...] o que o homem jamais poderia ter sabido, 
até ser iluminado por uma revelação divina especial, é que a própria 
razão é uma das coisas mais questionáveis e ambíguas do mundo. 
[...]. Para Agostinho, a razão não tem uma natureza simples e única, 
mas antes dupla e dividida. [...] Assim é a nova antropologia, tal como 
é entendida por Agostinho, e mantida em todos os grandes sistemas 
de pensamento medieval. Até Tomás de Aquino [...] não aventura a 
desviar-se desse dogma. Ele concede à razão humana um poder muito 
mais alto que o concedido por Agostinho; mas está convencido de 
que a razão não pode usar corretamente esses poderes a menos que 
seja guiada e iluminada pela graça de Deus. O que outrora parecia 
ser o mais alto privilégio do homem revela-se como seu perigo e sua 
tentação; o que surgia como seu orgulho torna-se sua mais profunda 
humilhação. [...]
Nos tempos modernos apareceu um pensador que deu a essa 
antropologia um novo vigor e um novo esplendor. [...]. Pascal parece 
aceitar os pressupostos do cartesianismo e da ciência moderna. Não 
há na natureza nada que possa resistir ao esforço da razão científica, 
144 FILOSOFIA
pois não existe nada que possa resistir à geometria. [...] Mas nem 
todos os objetos são passíveis de serem tratados desse modo. [...]. 
O que caracteriza o homem é a riqueza e sutileza, a variedade e a 
versatilidade de sua natureza. [...]. É ridículo falar do homem como se 
fosse uma proposição geométrica. [...]. Todas as chamadas descrições 
do homem não são mais que especulações visionárias se não forem 
baseadas em nossa experiência de homem, e por ela confirmadas. 
[...]. A contradição é próprio da existência humana. [...].
Existe, portanto, apenas uma abordagem para o segredo da natureza 
humana: a da religião. A religião mostra-nos que há um homem duplo 
– o homem antes e depois da queda. [...]. A religião não pode ser clara 
e racional. A religião, portanto, nunca pretende esclarecer o mistério 
do homem. [...]. A religião não é nenhuma “teoria” do Deus e do 
homem e de sua relação mútua. [...], a religião que não diga que Deus 
é oculto não é verdadeira. [...]. Portanto, por assim dizer, a religião é 
uma lógica do absurdo, pois só assim pode apreender o absurdo, a 
contradição interna, o ser quimérico do homem. [...].
Ao mesmo tempo, porém, tem início um lento desenvolvimento 
intelectual pelo qual a questão “O que é o homem?” é transformada 
e, por assim dizer, elevada a um nível superior. [...] A busca agora é 
por uma teoria geral do homem baseada em observações empíricas 
e em princípios lógicos gerais. [...] A nova cosmologia, o sistema 
heliocêntrico introduzido na obra de Copérnico, é a única base 
sólida e científica para uma nova antropologia. [...]. A pretensão 
do homem a ser o centro do universo perdeu o seu fundamento. 
[...]. É compreensível, e foi necessário que a primeira reação a essa 
nova concepção de mundo só pudesse ser negativa – uma reação 
de dúvida e medo. [...]. A filosofia e a ciência [...] tiveram o que a 
nova cosmologia, longe de enfraquecer ou obstruir o poder da razão 
humana, estabelece e confirma este poder. [...] Giordano Bruno foi o 
primeiro pensador a enveredar por esse caminho, que, de certo modo, 
tornou o caminho de toda metafísica moderna. [...]. No pensamento 
grego clássico, a infinidade é um conceito negativo. O infinito é o sem 
limites ou indeterminado. [...]. Na doutrina de Bruno [...] significa a 
imensurável e inesgotável abundância da realidade e o poder irrestrito 
do intelecto humano. É neste sentido que Bruno entende e interpreta 
a doutrina copernicana. [...]
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 3 145
Foram necessários os esforços combinados de todos os metafísicos do 
século XVII para superar a crise intelectual provocada pela descoberta 
dosistema copernicano. [...]. Galileu afirma que, no campo da 
matemática, alcança o ápice de todo conhecimento – conhecimento 
que não é inferior ao do intelecto divino. [...]. Descartes começa sua 
dúvida universal que parece encerrar o homem nos limites de sua 
própria consciência. [...]. Mas mesmo neste caso, porém, a ideia do 
infinito acaba sendo o único instrumento para a derrubada da dúvida 
universal. Só por meio desse conceito podemos demonstrar a realidade 
de Deus e, de maneira indireta, a realidade do mundo material. Leibniz 
combina essa prova metafísica a uma nova prova científica. Pelas regras 
desse cálculo [infinitesimal] o universo físico torna-se inteligível. [...]. É 
Spinoza quem se aventura a dar o último passo, decisivo, nessa teoria 
matemática do mundo e da mente humana. [...], concebe uma nova 
ética, uma nova teoria das paixões e afetos, uma teoria matemática do 
mundo moral. [...]. A razão matemática é a chave para uma verdadeira 
compreensão das ordens cósmica e moral. [...].
Em 1754 Denis Diderot [...] declarou que a superioridade da 
matemática no domínio da ciência não é mais inconteste. [...] Diderot 
é um dos grandes representantes da filosofia do Iluminismo. [...]. De 
acordo com Diderot, superestimamos demais nossos métodos lógicos 
e racionais. [...]. Na ciência do século XIX, deparamos com a marcha 
triunfal de novas ideias e novos conceitos matemáticos. Não obstante, a 
previsão de Diderot continha um elemento de verdade. [...] Uma nova 
força começa a surgir. O pensamento biológico toma a precedência 
sobre o pensamento matemático. [...], após a publicação da obra de 
Darwin A Origem das Espécies [...] o verdadeiro caráter da filosofia 
antropológica parece ter fixado de uma vez por todas. [...]. O nosso 
problema é simplesmente colher as evidências empíricas que a teoria 
geral da evolução colocou à nossa disposição em uma medida rica e 
abundante. [...]. Um dos principais objetivos da obra de Darwin foi 
livrar o pensamento moderno dessa ilusão de causas finais. Devemos 
procurar entender as estrutura da natureza orgânica unicamente por 
causas materiais, ou não podemos entendê-la. [...].
A teoria da evolução havia destruído os limites arbitrários entre as 
diferentes formas de vida orgânica. [...]; há apenas uma contínua e 
ininterrupta corrente de vida. [...]. Será o mundo cultural, tal como o 
146 FILOSOFIA
mundo orgânico, formado por mudanças acidentais? [...] Hippolyte 
Taine em sua Filosofia da Arte disse não temos mais que um problema 
mecânico... [...]. É o mesmo círculo de ferro de necessidade que 
encerra tanto a nossa vida física como a cultural. [...] Mas neste 
ponto surge outra questão. Poderemos contentar-nos em contar de 
modo meramente empírico os diferentes impulsos que encontramos 
na natureza humana? [...] A meta principal de todas as teorias era 
provar a unidade e a homogeneidade da natureza humana. Mas, se 
examinarmos as explicações que tais teorias foram concebidas para 
dar, a unidade da natureza humana parece extremamente duvidosa. 
[...] Cada pensador individual nos oferece a sua própria imagem da 
natureza humana. [...]. Nietzsche proclama a vontade de potência, 
Freud analisa o instinto sexual, Marx entroniza o instinto econômico. 
[...]. Em virtude desse desenvolvimento, nossa teoria moderna perdeu 
seu centro intelectual. [...]. O fator pessoal tornou-se cada vez mais 
prevalecente, e o temperamento do escritor tendia a ter um papel 
decisivo. [...]
No pensamento filosófico recente, Max Scheler foi um dos primeiros 
a perceber e assinalar esse perigo. “Em nenhum outro período 
do conhecimento humano”, declara ele, o homem tornou-se mais 
problemático para si mesmo que em nossos dias. [...]. A multiplicidade 
cada vez maior das ciências particulares que se dedicam ao estudo 
do homem confundiu e obscureceu muito mais que elucidou o nosso 
conceito de homem. [...]. Comparado à nossa própria abundância, o 
passado deve parecer muito pobre. Nossa riqueza de fatos, contudo, 
não é necessariamente uma riqueza de pensamentos. A menos que 
consigamos achar um fio de Ariadne que nos conduza para fora deste 
labirinto, não teremos qualquer compreensão real do caráter geral da 
cultura humana; continuaremos perdidos em uma massa de dados 
desconexos e desintegrados que parecem carecer de toda unidade 
conceitual.
CASSIRER, Ernst. Ensaio Sobre o Homem: introdução a uma 
filosofia da cultura humana. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 9-43.
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 3 147
GRECETHUYSEN, Bernard. Antropologia Filosófica. Lisboa: 
Presença, s/d.
JAEGER, Werner. Paideia. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
NOGARE, Pedro Dalle. Humanismos e Anti-Humanismos. 
Petrópolis/RJ: Vozes, 1978.
RABUSKE, Edvino A. Antropologia Filosófica. Petrópolis/RJ: 
2001.
VAZ, H. C. de Lima. Antropologia Filosófica I. São Paulo: Loyola, 
1991.
OBJETIVOS DESTA UNIDADE:
Possibilitar compreensões 
básicas sobre o fenômeno 
humano da linguagem: 
sua estrutura, trajetória 
e, principalmente, suas 
funções, destacando 
neste caso a teoria 
habermasiana do 
discurso;
Explicitar de maneira 
clara o conceito de 
cultura, especialmente no 
sentido abordado pelo 
professor Álvaro Vieira 
Pinto;
Contribuir para reflexões 
críticas em torno do 
conceito satreano de 
liberdade responsável e 
engajada.
4
UNIDADE
DIMENSõES FUNDAMENTAIS DO 
HOMEM
PALAVRA INICIAL...
Caro estudante,
Nesta quarta unidade descortinam-se para nossas leituras, 
reflexões e discussões três dimensões fundamentais do ser 
humano: a linguagem, a cultura e a liberdade. Poderiam 
ser outras como o conhecimento, a socialidade, a religião, 
a estética etc. Elegemos estas três porque as consideramos 
radicalmente inerentes à condição humana e ao mesmo 
tempo acompanham indiscutivelmente a desenvoltura da 
humanidade do homem.
A linguagem, disse muito bem Ernest Cassirer, é um dos 
recursos do espírito graças ao qual transitamos da sensação 
para a representação. O homem é o que é pela linguagem, 
disse Humboldt. De fato, a linguagem manifesta o homem 
ao mundo. É ela que o identifica: sua cultura, sua língua, 
sua religião, sua arte, seu conhecimento, suas habilidades e 
criatividades, sua postura política diante da história e diante 
do mundo. Como está na epígrafe abaixo, Rousseau teve 
150 FILOSOFIA
muita lucidez ao afirmar que quando um homem fala se sabe a 
que mundo ele pertence.
Partindo, pois, desta premissa de que a linguagem é o produto mais 
importante da mente humana, como afirma Susanne Langer, neste 
tópico vamos nos volver para a fenomenologia, os aspectos estruturais 
e a trajetória histórica da linguagem, na intenção fundamental de 
ressaltar que as diversas perspectivas teóricas - do estruturalismo 
de Saussure à pragmática transcendental de Habermas, discutem e 
teorizam sobre um sentido básico: a função comunicativa da linguagem. 
A linguagem entrelaça-se intimamente com a cultura. Esta como 
Herskovits, é o mundo feito pelo homem, engloba todas as suas 
criações. Neste sentido, vamos perceber com Rabuske que a 
cultura é inerente ao homem, é produção e produto e é teleológica. 
Estudaremos mais detidamente a propósito o conceito de cultura 
situado por Álvaro Vieira Pinto dentro da estrutura de produção, para 
demonstrar que juízos, interpretações, distorções, preconceitos, numa 
palavra: ideologias, em torno da cultura vinculam-se necessariamente 
ao sistema de produção e manutenção da existência.
Ao mesmo tempo que o homem culturalmente é “condicionado” pelo 
sistema de produção no qual se insere, é também capaz de ultrapassar 
ou romper estruturas porque pode articulare efetivamente negar 
uma situação. A liberdade exprime o sentido de homem. O homem 
é o autor de si próprio. Nenhuma vontade, nenhum projeto a prori 
determina sua direção. O homem é, enquanto se faz. Vamos assim 
pautar nossas reflexões sobre a liberdade conforme a orientação das 
ideias de Sartre escritas principalmente no texto “O Existencialismo 
é um Humanismo” de 1946, como objetivo de expor as correlações 
entre liberdade e responsabilidade, escolha e engajamento social. 
Neste sentido, cruzaremos em certo momento o conceito de liberdade 
do sujeito em Sartre como o de liberdade política em Hannah Arendt.
Destarte, vamos perceber que a linguagem é a condição fundante 
de qualquer realização humana, destacadamente a cultura 
enquanto marca distinta da artificialidade humana, esta tornada 
possível porque a liberdade é a recusa expressa da tese de qualquer 
determinismo.
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 4 151
ROTEIROS PARA ESTUDOS
Leituras sobre a fenomenologia da linguagem;
Teorias básicas sobre a origem e aspectos estruturais da 
linguagem;
A teoria da linguagem no paradigma discursivo de Habermas;
Aspectos da cultura: natureza e sociedade;
Cultura e sistema de produção;
A liberdade na teoria de Sartre.
FENOMENOLOGIA DA LINGUAGEM: conceitualizações 
e relevância
Não se sabe de onde um homem é, antes que ele tenha falado.
(Rousseau)
A importância da linguagem aparece sublinhada logo nas primeiras 
páginas da célebre obra Política de Aristóteles, quando o filósofo 
grego enfatiza que o homem é um animal político (zoon politikón), 
porque, por propósito natural, ele é o único entre os animais que tem 
o dom da fala (zoon echón); para além da voz que indique a dor e o 
prazer, a fala do homem tem a finalidade de indicar o conveniente e 
o nocivo e, portanto, também o justo e o injusto; somente o homem 
tem o sentimento do bem e do mal, do justo e do injusto e de outras 
qualidades morais. Ora, exprimir e possuir em comum esses valores é 
o que possibilita a vida social e política, para qual só os homens são 
capazes.
De fato, hoje se admite que o homem como ser falante – homo loquens, 
é uma definição bem apropriada porque realmente a categoria da fala 
estabelece nitidamente a fronteira entre o homem e os outros animais, 
acentuando, assim, a particularidade daquele sobre estes últimos.
152 FILOSOFIA
Mondin retoma alguns juízos interessantes a respeito da linguagem. 
Huxley à pergunta sobre o que faz do homem o que ele é, responde 
que a linguagem é a resposta por excelência. O que senão o poder 
da linguagem dá a capacidade de registrar a experiência humana e 
tornar, assim, cada geração mais sábia do que a precedeu? Cassirer 
(2001, p. 180), observa que “a linguagem é dos meios fundamentais 
do espírito, graças ao qual se realiza nossa passagem do mundo da 
sensação ao mundo da representação.” Por sua vez, como ressalta 
Mondin (1980, p. 136), Gusdorf diz: “A invenção da linguagem é a 
primeira das grandes invenções, a que contém em estado embrionário 
todas as outras, talvez menos sensacional que a domesticação do 
fogo, mas mais decisiva.” Heidegger, lembra Mondin (1980, p. 137), 
assegura que “falamos de um jeito ou de outro. Falamos porque falar 
nos é natural. Falar não provém de uma vontade especial. Costuma-se 
dizer que por natureza o homem possui linguagem. Falamos porque o 
falar nos é inato. O falar não nasce de um particular ato de vontade.” 
Convém lembrar, ainda, o destaque de Marilena Chaui sobre o que 
disse Hjelmslev acerca da linguagem: o instrumento graças ao qual 
o homem modela seu pensamento, seus sentimentos, suas emoções, 
seus esforças, sua vontade e seus atos, o instrumento graças ao qual 
ele influencia e é influenciado, a base mais profunda da sociedade 
humana.
A força da linguagem se manifesta contundentemente quando 
correlacionada com os mitos e a religião. Cassirer (2001, p. 181) 
afirma que “a linguagem e os mitos são parentes muito próximos. 
Nos primeiros estágios da cultura humana, sua relação é tão íntima 
e sua cooperação tão óbvia que é quase impossível separar um do 
outro.” A palavra mythos, significando narrativa, portanto, linguagem, 
narra a origem dos deuses, do mundo, dos homens, das técnicas, da 
vida social e comunitária. Mais que isso “os mitos são a maneira pela 
qual, através das palavras, os seres humanos organizam a realidade e 
a interpretam.” (CHAUI, 1994, p. 138).
A força realizadora da linguagem aparece nas liturgias mítico-religiosas 
enquanto capacidade para reunir o sagrado e o profano, de “seduzir” 
e trazer os deuses à terra, integra o homem ao mundo cósmico 
transcendental. Cassirer (2001, p. 183) explica que “para mente 
primitiva o poder social da palavra, experimentado em inúmeras 
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 4 153
ocasiões, torna-se uma força natural, e até sobrenatural.” Não obstante 
acreditarmos ou não em palavras mágicas e místicas atribuídas à 
linguagem,
[...] este poder decorre de que as palavras são núcleos, 
sínteses ou feixes de significações, símbolos e valores 
que determinam o modo como interpretamos as forças 
divinas, naturais, sociais e políticas e suas relações 
conosco (CHAUI, 1994, p. 139).
É por isso que Heidegger (2003, p. 7), sabiamente, afirma que “a 
linguagem se encontra em toda parte. [...], tão logo o homem faça uma 
ideia do que acha ao seu redor, ele encontra imediatamente também 
a linguagem, de maneira a determiná-la numa perspectiva condizente 
como que a partir dela se mostra.”
Assim, pode-se dizer, fundamentalmente, que o homem ingressa ou 
integra propriamente seu mundo pela mediania da linguagem. É 
pela linguagem, por outro lado, que o mundo passa propriamente a 
existir, porque é restritamente por ela que toda coisa, qualquer coisa, é 
identificada, portanto, por assim dizer, presentificada ou pelo menos é 
explicitada pelo homem. 
Esta magnitude da linguagem é realçada por Susanne Langer, quando 
lucidamente ela diz:
A linguagem é, sem dúvida, o produto mais 
momentoso e ao mesmo tempo mais misterioso da 
mente humana. Entre o mais claro grito de amor, ou de 
advertência, ou ira, e a mínima e mais trivial palavra 
de um homem, permeia um dia inteiro da Criação – 
ou numa frase moderna, um unidade da evolução. 
Na linguagem, temos o uso livre e consumado 
do simbolismo, o registro do pensar conceitual e 
articulado; sem a linguagem parece não existir nada 
semelhante ao pensamento explícito. Todas as raças 
de homens [...] dispõem de sua linguagem completa e 
articulada (LANGER, 2004, p. 111).
Com efeito, percebe-se que a linguagem e o homem inseparam-se de 
tal forma que a personalidade, o espaço natural, os objetos, o país, a 
humanidade, enfim, a vida, se traduz efetivamente por ela, a linguagem. 
Neste sentido, a professora Sonia Souza (1995, p. 107) frisa o que 
Hjelmslev observa: “possível indagar-se se ela não passa de um simples 
154 FILOSOFIA
reflexo ou se ela não é tudo isso: a própria fonte do desenvolvimento 
dessas coisas.” Torna-se, então, conveniente penetrar, ou melhor, 
abordar ao menos nocionalmente alguns elementos implicados na 
estrutura da linguagem.
Aspectos estruturais da linguagem: divisão, essência e níveis
Os autores Cleverson e Kleber sublinham que a linguagem é sistêmica, 
é estrutural, independe, assim, da situação cultural ou manifestação 
individual. Eles lembram que Saussure assinalou a linguagem como 
capacidade humana de se comunicar com seus semelhantes através de 
signos, por isso ela é tanto matéria do pensamento – nível do conteúdo, 
como realidade do pensamento – nível da expressão. Portanto, é 
ao mesmo tempo física, fisiológica, psíquica ede domínio social. A 
língua é a manifestação cultural da linguagem, tanto que é um código 
sígnico articulado e utilizado por uma comunidade humana particular 
(franceses, chineses, africanos, brasileiros, etc). Neste sentido, dizem os 
autores que “a língua pressupõe um grupo social e esse não é concebível 
sem aquela. [...]. A língua é ao mesmo tempo, um produto social da 
linguagem e um conjunto de convenções normativas, necessárias, 
arbitrárias adotadas pelo corpo social que regula o exercício dessa 
faculdade pelos indivíduos.” (BASTOS: CANDIOTTO, 2007, p.15-
16). É importante ressaltar que a língua é dinâmica, isto é, está aberta 
às alterações ou reconfigurações decorrentes do processo sociocultural 
e histórico. A fala, tal como diz Mondin, é forma concreta e individual 
do sistema, conforme os significados pessoais. É a execução psicofísica 
da linguagem. Ademais, “é uma práxis individual, manifesta em 
um ato momentâneo, fruto e função de necessidades psicológicas, 
comunicação e expressão.” (BASTOS: CANDIOTTO, 2007, 16).
Estes elementos – linguagem, língua e fala refletem alguns níveis 
importantes. Em primeiro lugar o referente, enquanto situações do 
mundo correspondentes, por sua vez, ao conteúdo sinalizado que 
determinam as condições de significação e verdade; ou ainda é 
Signo “sentido mais geral, 
designa, assim como o 
símbolo, o índice, ou o sinal, 
um elemento A – de natureza 
diversa, substituto de um 
elemento .” (DUBOIS 2004, 
p. 541). Signo refere-se, pois, 
a índice, sinal e símbolo. 
Indica, portanto, algo diverso 
de si mesmo como a pomba 
que remete à ideia de paz ou 
o punho erguido e fechado 
indicando luta.
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 4 155
o designado por uma expressão quando a linguagem se refere aos 
estados de mundo. A sintaxe refere-se à análise da estrutura interna 
dos signos em níveis de conteúdo e expressão. Todavia, convém 
ressalvar que normatividade, hierarquização e prescrição de uma 
língua dependem de fatores (ideologias, poderes, juízos de valores 
etc.) externos à sintaxe. A semântica, terceiro lugar, representa o signo 
linguístico em relação aquilo que ele se refere. Trata-se, portanto, de 
uma mediação homem-mundo e homem-homem e, neste sentido, 
a semântica não sendo neutra pode, consequentemente, reproduzir 
traços ideológicos. Por fim, no aspecto pragmático considera-se a 
dinamicidade do signo linguístico, isto é, uma cadeia de interpretantes 
põe em ação ou exercitam a complexidade sígnica.
É conveniente que, a partir destes elementos, se indague: em que 
consiste propriamente a essência da linguagem? Rabuske responde 
reportando-se a Eugenio Coseriu que em sua obra Homem e sua 
Linguagem afirma a linguagem primeiramente como atividade 
cognoscitiva efetivada mediante símbolos. E enquanto atividade ela é 
repetida e repetível diversamente, por isso, liga-se ao produto (língua), 
porém vai além dele; além disso, a linguagem é uma atividade criadora 
a partir da herança linguística. Em segundo lugar, a linguagem é 
expressão com significado objetivo.
Battista Mondin explica a distinção entre o significante, que se refere 
a uma realidade tal qual denotada e estruturada pela linguagem, e o 
significado, que diz respeito ao modo parcial e histórico pelo qual a 
língua falada atualiza o significante. (Exemplo: a palavra terra é um 
significante que tem sentido aferido por uma estrutura de linguagem 
particular onde o significado tem conotação sociopolítico, cultural e 
religiosa).
A origem e trajetória da linguagem
Uma questão inicial é a seguinte: como se originou a linguagem? 
Existem pelo menos quatro teorias básicas, a rigor, não excludentes: 
a primeira diz que a linguagem foi recebida de Deus ou da Natureza. 
156 FILOSOFIA
Defensor desta tese, Humboldt argumenta que se o homem é o 
que é pela linguagem, logo ele não pode ser o autor da mesma. A 
segunda, atualmente mais comum, é que ela se origina da evolução, 
sendo esta, para alguns, determinada pela onomatopeia e, para 
outros, pela convenção. No primeiro caso, as palavras possuiriam 
sentido necessário; no segundo o sentido das palavras seria 
arbitrário. Desta discussão, conforme Marilena Chauí, chegou-se à 
conclusão de que enquanto a linguagem é natural, em função da 
predisposição físico - anatômica e nervosa – do homem para a 
palavra a língua é cultural em decorrência das condições histórico-
geográficas e econômico-políticas, portanto, é convencional. A 
terceira teoria argumenta que a linguagem surge da necessidade: 
fome, sede, abrigo, segurança, afeto etc. A partir de um vocabulário 
rudimentar a linguagem tornou-se complexa, transformando-se em 
língua. Enfim, a quarta afirma que a linguagem surgiu das emoções: 
grito (medo, surpresa, alegria), choro (dor, medo) e do riso (bem-
estar felicidade). Chauí refere-se, neste caso, a Rousseau que no 
seu Ensaio sobre a Origem das Línguas, diz: “[...] as primeiras 
línguas foram cantantes e apaixonantes antes de serem simples e 
metódicas.”
Historicamente, a reflexão mais remota da cultura ocidental é a crítica 
da linguagem desenvolvida por Platão no Crátilo, onde, segundo 
Manfredo Oliveira, o filósofo imprime uma “discussão entre o 
naturalismo e o convencionalismo linguístico.” Embora admitindo que 
haja razões nos segmentos, não adota, contudo, nenhum deles. Sua 
tese básica é de que pela linguagem não se atinge a verdade, o real é 
conhecido sem a mediação da linguagem. A contemplação das ideias 
– diálogo da alma consigo mesma independe das palavras. Com efeito, 
a linguagem tem função posterior, ou seja, enquanto instrumento, 
ela é designativa: designa em sons o que o intelecto percebeu sem 
ela. Os estoicos no século I a.C. elaboraram uma importante teoria 
da linguagem quando afirmavam que as sensações, a memória e a 
experiência formam as ideias racionais. Deste processo surgem os 
conceitos. “A representação, sendo intelecção pela qual se reconhece 
a verdade das coisas, permite que haja assentimento, compreensão 
e pensamento.” (LACERDA, 2004, p. 20). Mais tarde em Agostinho, 
a linguagem serve para ensinar ou recordar; além disso, serve à fala 
Onomatopeia é uma unidade 
léxica criada a partir de 
um som natural, como o 
cocoricó que imita o canto 
do galo. Jean Dubois et.all 
observa já Saussure tratava 
a onomatopeia como 
situação marginal. Os autores 
ressalvam ainda o seguinte: 
“A teoria da arbitrariedade do 
signo opõe-se radicalmente a 
uma concepção onomatopaica 
da origem das línguas.” 
(DUBOIS, 2004, p. 441).
Cleverson Bastos e Kleber 
Candiotto, em seu livro 
Filosofia da Linguagem 
(Ed. Vozes, 2007), tem uma 
unidade que trata exatamente 
das bases genética, 
anatômica e evolutiva da 
linguagem, especialmente da 
sistematização cerebral.
Escola Estoica ou Estoicismo 
(as lições eram dadas sob os 
pórticos - stoá, de Atenas) 
foi um movimento filosófico 
registrado entre os séculos IV 
a.C e III d.C, representado 
por Zenão, Epícteto, Sêneca e 
Marco Aurélio. Uma afirmação 
básica desta escola é que a 
felicidade humana depende 
da prática da virtude e, 
consequentemente, da recusa 
radical aos sentimentos e 
paixões.
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 4 157
interior, ou seja, ao pensamento de palavras aderidas à memória, o 
que implica absorção das coisas pela mente. As palavras são sinais das 
coisas.
Ainda no tempo medieval, o problema dos universais impõe o debate 
sobre a relação entre os conceitos e as coisas. Para nominalistas como 
Guilherme de Ockam reais são os entes particulares, os universais 
estão na mente apenas como formas e não como substâncias.
Na aurora dos tempos modernos, René Descartes assegurou queo 
pensamento independe das línguas; aliás, a linguagem à medida que 
intermedeia a relação entre o ser e o pensamento pode ofuscar o 
conhecimento claro e distinto do seres. Esta tese cartesiana influenciou 
a teoria de Lancelot e Arnauld e sua Gramática de Port-Royal, onde a 
língua é um sistema de signos e as palavras um “envoltório” das ideias. 
Subjacente aos signos, há um sistema lógico de ideias e juízos. Ora, como 
estes se relacionam com a realidade, é o que demonstra a Gramática. 
O inglês John Locke, com seu empirismo, atribui à linguagem um papel 
mais relevante e complexo, de modo que ela transmite pensamentos 
mediante sinais que são, a rigor, marcas externas de ideias internas. 
Ora, o significado traduz uma ideia que advém da experiência, sem a 
qual a mente é apenas uma folha em branco. Também Hobbes nota 
que a linguagem é a mais nobre e útil invenção humana, tanto que 
por ela é que existem homens, Estado, sociedades e contratos. Com 
efeito, sinais servem para registrar, aconselhar, expressar vontades. 
Além disso, seguindo princípios nominalistas, ele afirma que verdade 
e falsidade são atributos não das coisas, mas da linguagem. 
Entremos agora em tempos contemporâneos, onde a diversidade 
de perspectivas analíticas sobre a linguagem atesta a relevância e a 
complexidade do assunto. Tem razão Ghiraldelli quando afirma: 
“Assumindo que o século XVIII foi o século da razão e o século XIX, o 
século da história, então podemos dizer que o século XX foi o século da 
linguagem.” (JUNIOR, 2008, p. 7). Manfredo (1996, p. 11), reporta-
se a uma afirmação de Karl-Otto Apel, segundo a qual “a linguagem 
se transformou em interesse comum em todas as escolas e disciplinas 
filosóficas da atualidade.”
Certos linguistas como Chomsky 
e Pinker, advogando em favor 
dos universais linguísticos, têm 
em comum entre outras teses, 
a seguinte: “Todos os idiomas 
possuem elementos estruturais 
básicos comuns: assim como 
cada idioma possui suas regras 
de geração (gerativas), também 
existem regras gramaticais 
gerais, que se aplicam a todos 
os idiomas, como sujeito, verbo, 
objeto direto. Fenômeno que só 
pode ser explicado se houver 
componente inato significativo 
para o desenvolvimento 
da linguagem.” (BASTOS; 
CANDIOTTO, 2007, p. 114). 
Pinker, particularmente, assegura 
que a linguagem surgiu por 
uma reestruturação e adição de 
circuitos vocais nos cérebros dos 
primatas. A propósito, observam 
Cleverson e Kleber, que esta é 
uma tese inerente à unidade 
da chamada virada biológica 
da linguagem no estudo do 
desenvolvimento da linguagem.
158 FILOSOFIA
Contudo, pouco antes da metade do século XIX, o grande linguista e 
filósofo alemão, Wilhelm von Humboldt, interessando-se por traços 
fundamentais dos fenômenos linguísticos, já observava que a fala 
humana não poderia reduzir-se uma coleção de palavras. “A verdadeira 
diferença entre as línguas não é de sons ou sinais, mas de perspectivas 
de mundo. Uma língua não é um simples agregado mecânico de 
termos. [...]. A linguagem não é uma coisa pronta, mas um processo 
contínuo; é o esforça reiterado da mente humana no sentido de usar 
sons para expressar pensamentos.” (CASSIRER, 2001, p. 200). Aliás, 
é neste século que surge a linguística, enquanto estudo científico da 
linguagem.
A análise da linguagem contemporânea necessariamente pelo 
estruturalismo nas primeiras décadas do século XX na Europa, é 
pertinente a nota de Cassirer quando frisa: “Para o estruturalismo [...] 
cada linguagem não é um simples agregado de sons e palavras; é um 
sistema. [...]. Cada idioma tem sua estrutura própria, tanto no sentido 
material como no formal.”(CASSIRER, 2001, p. 205). Neste sentido 
estrutural, Ferdinand Saussure, um dos pioneiros, assegura que o 
objeto da linguística é a análise do signo que é arbitrário, isto é, a 
relação entre significante e significado. Para ele, “o signo linguístico 
é uma entidade psíquica de duas faces: uma imagem acústica 
(significante) de um conceito (significado). Esquematicamente:
SIGNO = CONCEITO + IMAGEM ACÚSTICA VINCULADA
SIGNIFICADO SIGNIFICANTE
Outra relevante distinção saussuriana, é a seguinte: linguagem é a 
soma da língua e da fala; enquanto instrumento tem um lado social. 
A língua é o conjunto de regras: fonológicas sons; morfológicas 
formação, estrutura e classificação; sintáticas palavras, orações, 
período, discurso e semântica evolução e significado e fala é a 
parcela concreta , individual, da língua que é posta em ação por um 
falante é uma situação real de comunicação.
A teoria de Saussure influenciou o estruturalismo posterior de teor 
funcionalista, refletido principalmente em dois movimentos: o Círculo 
De acordo com Bárbara 
Weedwood, o termo linguística 
a partir de meados do século 
XIX designa um novo estudo 
da língua em relação à 
filologia tradicional.
Imagem acústica, correlato 
psíquico do som material 
que evoca um conceito.” 
(Cleverson e Kleber).
Estruturalismo - Cleverson 
e Kleber observam que 
Estrutura é um conjunto de 
elementos entre os quais 
existem relações de forma 
que toda modificação de um 
elemento ou de uma relação 
acarreta modificação dos 
outros elementos e relações. 
Especificamente, no campo 
da linguagem, estruturalismo 
é a tentativa de descobrir 
atrás das aparências, além 
da organização aparente do 
objeto, estruturas inteligíveis 
que expliquem certo 
funcionamento, e isso num 
campo que se relaciona com a 
atividade humana, individual 
ou coletiva. A referência ao 
estruturalismo é a publicação 
em 1916 do Curso de 
Linguística Geral de Sausurre, 
obra póstuma fruto das 
anotações de seus alunos.
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 4 159
de Praga e o Círculo de Copenhague. Da primeira Escola, 
destacam-se Trubetzkoy e Jakobson. O primeiro, distingue fonética 
como ciência dos sons da fala de fonologia – ciência dos sons da 
língua. Esta última só considera um som que tem determinada 
função numa língua. “O fonema é a soma das particularidades 
fonológicas pertinentes que uma imagem fônica comporta” e 
“os sons concretos que figuram na linguagem são antes simples 
símbolos materiais dos fonemas.” O segundo, Jakobson, destacou, 
entre suas contribuições, que os signos enquanto elementos 
distintivos de uma língua possuem doze oposições binárias. Nove 
delas quanto à sonoridade: vocálico/não vocálico, consonantal/
não-consonantal, compacto/difuso, tenso/frouxo, sonoro/surdo, 
nasal/oral/descontínuo/contínuo, estridente/doce e brusco/fluente 
e três quanto à tonalidade: grave/agudo, rebaixado/sustentado 
e incisivo/raso. E ainda: que a comunicação linguística envolve 
fatores fundamentais: remetente (emotivo), contexto (referência), 
contato (fato), destinatário (conato), código (metalinguagem) e 
mensagem (poética). À segunda Escola pertence Hjelmslev, o qual 
afirma, basicamente, que a língua é um sistema a partir do qual 
se elaboram textos que possibilitam outros. E neste contexto, o 
signo é fundamental porque funciona, designa, significa.
O linguista norte-americano Noam Chomsky, por sua vez, critica 
tanto o behaviorismo de Bloomfield (para quem o significado 
implicaria relação entre estímulo e reação verbal), como o 
estruturalismo vigente. Em contrapartida, assegura a tese da 
distinção fundamental entre o conhecimento que um indivíduo 
tem de uma língua (competência) e o uso ou desempenho 
concreto da mesma (performance). Neste sentido, comenta 
Weedwood (2002, p. 133): “os falantes usam sua competência 
para ir muito além de suas limitações de qualquer corpus, sendo 
capazes de criar e reconhecer enunciados inéditos, e de identificar 
erros de desempenho.”A competência é vista, com efeito, como 
a capacidade psicológica do homem. Portanto, lembra a autora 
que, para Chomsky, o estudo da linguagem não deveria se limitar 
à descrição da competência.
Noam Chomsly (1928)
Fonte: http://www.google.com.br
De fato, a fala de cada pessoa 
não implica um desempenho 
ou nuance particular de 
expressão, no interior de sua 
própria língua?
160 FILOSOFIA
Consideremos, agora, uma outra relevante perspectiva de abordagem 
que adveio com o Pragmatismo e seu paradigma Semântico. Neste 
vertente, a semiótica de Peirce acentua as referências sígnicas. Um 
signo é um símbolo se aquilo que ele apresenta lhe é convencionalmente 
associado. Um signo é um índice quando a(s) ocorrência(s), liga(m)-se 
àquilo que ele é índice (fumaça-fogo; sintoma-doença) e o signo é ícone 
quando em parte remonta-se àquilo de que é signo (signo icônico das 
maquetes dos arquitetos, as fotografias), por isso é um tipo “degenerado”.
Frege, em sua teoria da significação, atribui à semântica, duplo sentido: 
denotação e sentido. Todo nome designa algo e possui um sentido. Para 
ele, observa Manfredo, a linguagem possui três dimensões: signativa 
(sinais linguísticos), objetiva (objeto designado) e significativa (sentido). 
Frege introduz, assim, a capital distinção entre sentido e referência. “A 
referência é o próprio objeto de que se fala por meio de uma expressão 
linguística. A referência é algo extralinguístico. É nada menos que o 
mundo exterior, ao qual, em última instância, concerne a linguagem. 
(ARMENGAUD, 2006, p. 33).” O clássico exemplo, “estrela da manhã” 
e “estrela da tarde” tem a mesma referência – Vênus, porém, tem 
sentidos diferentes. “Para Frege, o pensamento que a frase expressa é 
o que se modifica. ‘A Estrela da Tarde é Vênus’, é um enunciado que 
expressa uma ideia que é diferente daquela mostrada pelo enunciado ‘A 
estrela da Manhã é Vênus’.” (JÚNIOR, 2008, p. 91). Entretanto, Russel 
desconsidera a distinção fregueana entre sentido e referência. Para ele 
as descrições que não possuem referências são símbolos incompletos. 
Russel ensinava que “a forma lógica da proposição se mostraria como 
é o fato, sem que se ficasse perdido e embaraçado nos problemas 
gramaticais dos enunciados, exatamente aqueles que gerariam 
problemas filosóficos.” (JÚNIOR, 2008, p. 93). 
Rudolf Carnap é outro importante semanticista, pertencente ao Círculo 
de Viena. Assumindo o paradigma comum nesta corrente, admitia a ideia 
de que a reabilitação da filosofia consistia em torná-la rigorosamente 
atividade científica, rechaçando, com efeito, a metafísica que, para ele, 
não conduzia a nenhum conhecimento verdadeiro. Daí a articulação 
de uma linguagem artificial capaz de suprir qualquer falta de sentido, o 
que ele a designou de sintaxe lógica. Por outro lado, Manfredo Oliveira 
(1996, p. 84), ressalta que, para Carnap:
Pragmatismo - Amengaud, 
sublinha duas definições de 
Pragmática: Charles Morris 
que afirma que é a parte da 
semiótica que trata da relação 
entre signos e os usuários dos 
signos.” E Anne-Marie Diller 
e François Récanati dizem 
que ela “estuda a utilização 
da linguagem no discurso 
e as marcas específicas 
que, na língua, atestam 
sua vocação discursiva.” A 
pragmática, neste sentido, 
frisa a relevância do signo 
linguístico no seus aspectos 
semântico – enquanto relação 
entre signos, palavras e 
frases e sintático – estudo das 
relações entre signos entre 
si, das palavras nas frases ou 
das frases nas sequências de 
frases (ARMENGAUD, 2006, 
p. 11-12).
Semiótica - De acordo com 
Lúcia Santaella (PUC-SP), 
Semiótica vem do termo grego 
semeion, que literalmente 
significa signo. Semiótica 
é ciência dos signos. “A 
Semiótica é ciência que tem 
por objeto a investigação de 
todas as línguas possíveis 
[...], o exame dos modos 
de constituição de todo e 
qualquer fenômeno como 
fenômeno de produção, de 
significação e de sentido.” 
(SANTAELLA, 1994, p. 13.)
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 4 161
[...] uma semântica se apresenta quando as regras 
sintáticas são completadas por regras de designação 
que especificam as coisas à quais as expressões 
linguísticas se relacionam e as regras de linguagem 
explicitam as condições de verdade. Além disso, para 
Carnap numa frase a intensão é a proposição e a 
extensão é o objeto designado.
Convém ainda mencionar o Wittgenstein do Tratactus Lógico 
Philosophicus, onde o autor assegura que os pensamentos não são 
processos mentais, mas sentenças e proposições projetadas no 
mundo real. Assim, “o pensamento poderia ser totalmente expresso 
em linguagem, e então a tarefa da filosofia seria a de estabelecer os 
limites das expressões linguísticas do pensamento.” (JÚNIOR, 2008, p. 
97). Nesta dimensão, preocupado com os problemas da relação entre 
linguagem e mundo, ele desenvolveu sua teoria do significado que 
a denominou “teoria da figuração”, cuja tese básica é resumida por 
Ghiraldelli (2008, p. 101), da seguinte forma:
[...] a linguagem consiste de proposições que figuram 
ou representam o mundo. As proposições expressam 
pensamentos, e estes nada são senão quadros (figuras) 
lógicos dos fatos. As proposições e pensamentos 
espelham o mundo na medida em que compartilham 
algo em comum, que uma ‘forma lógica.
A chamada Reviravolta Pragmática do século vinte, de acordo com 
Manfredo descortina um novo horizonte e uma imagem da linguagem 
a partir do problema do critério do sentido. Inês Lacerda observa o 
seguinte sobre a pragmática:
Considerada como inabordável tanto científica como 
epistemologicamente pelos linguistas mais ‘puristas’, 
- aqueles cujos métodos se tornaram prática corrente 
tanto para a sintaxe, cujo limite é a frase gramaticalmente 
bem construída, como para a semântica, cujo limite é 
uma leitura da sentença que a traduz em termos de 
verdade enquanto função exclusiva dos componentes 
frasais - , a pragmática teve que fundar e explorar 
seu próprio território. [...] A virada pragmática traz 
como novidade o fator hermenêutico (interpretação e 
leitura em situação), sem o qual os papéis tão óbvios 
e enaltecidos do contexto e do falante ficam soltos, 
vagos, são chamados para resolver todas as questões 
e, com isso, perdem em força explicativa (LACERDA, 
2004, p. 202-203).
162 FILOSOFIA
Certamente, esta versão do pragmatismo ou neopragmatismo tem uma 
referência primordial no segundo Wittgenstein, o das Investigações 
Filosóficas, cujo propósito único, sublinha Inês Araújo (2004, p. 105), 
é “mostrar que a linguagem deve ser vista com um comportamento, 
como uma forma de vida, que falar é uma entre as formas possíveis 
de agir sobre o meio.” Ora, a linguagem enquanto ferramenta pública, 
é um jogo que implica uma variedade de usos: prometer, ordenar, 
descrever, sugerir, ironizar etc., numa palavra, “formas de vida.” A 
propósito deste jogo linguístico em Wittgenstein, Guiraldelli Júnior 
(2008, p. 106) frisa o seguinte: “Para se nomear algo não bastaria 
confrontar esse algo com a emissão de um som, porque solicitar e dar 
nomes são atividades que só podem se realizar no contexto de um 
jogo de linguagem.”
Ademais, dado que os jogos ou usos linguísticos são públicos e não 
podem ser amarrados num fio único, Wittgenstein ataca o que seria 
uma “linguagem privada.” A língua não se restringe a um conjunto 
de regras da mente de um falante. Com efeito, a conclusão é clara: 
“não pode haver uma linguagem cujas palavras se refiram àquilo que 
só pode ser conhecido pelo falante da linguagem.” (JÚNIOR, 2008, 
p. 106).
Tal como este argumento wittgensteiniano, Willard V. O. Quine, 
situando-se entre a analítica e o pragmatismo, com sua tese da 
indeterminabilidade dosignificado, entende “a linguagem como 
interação social que pressupõe um grupo organizado em que 
os falantes adquirem seus hábitos linguísticos. Desse modo, o 
significado não é uma entidade psíquica. É, sim, uma propriedade 
do comportamento – do comportamento social linguístico, social.” 
(JÚNIOR, 2008, p. 107). Para Quine, não se deve admitir as 
traduções na perspectiva de correlações de termos, como se se 
constatasse o significado universal dos termos na mente humana 
capaz de mediar a linguagem, aceitando-se, com efeito, a ideia de 
“semânticas acríticas”.
A fluidez histórica das articulações teóricas da pragmática atingiram 
um estágio diferenciado com teria dos atos de fala, cujo primórdio é 
a seguinte convicção: “a unidade mínima de comunicação humana 
não é nem a frase nem qualquer outra expressão. É a realização 
A propósito, Guiraldelli 
exemplifica que a palavra 
“dor” não depende de 
uma definição solitária da 
sensação, mas integra-se, 
essencialmente, num jogo de 
linguagem comunitário.
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 4 163
(performance) de alguns tipos de ato.” (ARMENGAUD, 2006, p.99). 
O pioneiro dessa concepção é o filósofo de Oxford, John Langshaw 
Austin.
Compreendamos que, partindo do princípio de que a teoria dos atos 
de fala é um estudo sistemático entre os signos e seus intérpretes, 
Austin distingue os enunciados constatativos (os de pura constatação) 
dos performativos (dos inglês to perform) que a rigor executam uma 
ação. Neste caso, uma fala implica alguma ação: afirmar, perguntar, 
ordenar, prometer, descrever, felicitar, sugerir, culpar-se, suplicar, 
desafiar, autorizar etc. É por isso que Manfredo (1996, p. 157), ressalta 
que, para Austin, cada ato de fala é uma realidade complexa e, por 
isso, “para tentarmos captar a ação linguística em sua totalidade, 
faz-se necessário, em primeiro lugar, tentar analisar suas diferentes 
dimensões.”
Austin distingue, então, os atos de fala em: locucionários – “totalidade 
da ação linguística em todas as suas dimensões, [...] cada procedimento 
linguístico é, pois, um tipo de ação humana, isto é, um ato locucionário.” 
(OLIVEIRA, 1996, p. 157). Quem diz: “este cachorro é perigoso”, 
diz algo analisável foneticamente; exprime uma frase num idioma 
particular (comunidade linguística) e afirma algo sobre um animal. 
Ilocucionários quando a fala implica ação, “é aquele que se executa 
na medida em que se diz algo. [...]. Trata-se da determinação não 
do significado, mas do papel exercido pela expressão na linguagem.” 
(OLIVEIRA, 1996, p. 159). Quem disse: “este cachorro é perigoso”, 
quis informar? Fazer um juízo? Advertir? Perlocucionários quando 
expressões provocam sentimentos, pensamentos e ações de outras 
pessoas. Quem disse “este cachorro é perigoso” teve a intenção de 
afastar as pessoas do animal. Mas também ficar convencido, irritado, 
intimidado, emocionado etc. são também efeitos perlocionários.
Enfim, convém destacar que em sua teoria dos atos de fala e, 
chamando atenção, particularmente, para os atos ilocucionários, 
Austin destaca cinco categorias e seus respectivos verbos: veriditivos 
– pronunciam veredictos oficiais e não-oficiais (avaliar, estimar); 
exercitivos – proferem decisões favoráveis ou não (ordenar, suplicar, 
aconselhar); compromissivos – comprometem o falante com uma ação 
(aderir, prometer, jurar); expositivos – explanam concepções (afirmar, 
De fato, a obra capital de 
Austin sobre o assunto tem o 
apropriado título: “Quando 
Dizer é Fazer”.
Poderíamos dizer que nossa 
formação institucional 
ocidental (família, igreja, 
escola), nossa vivência social 
(Estado, Justiça, Entidades, 
Igreja) e as nossas relações 
sociais, teriam uma prática 
exaustiva de verbos de 
comando e obediência, 
refletindo, com efeito, uma 
tradição de moralismos 
e poderes do centro às 
terminações sociais, como diz 
Michel Foucault?
164 FILOSOFIA
objetar, aceitar) e comportativos – incluem reações/atitudes antes os 
outros (aplaudir, contestar).
Filiado também a essa teoria dos atos de fala, o filósofo norte-americano 
John Searle, ressalta Manfredo (1996, p. 172), entende que uma 
filosofia da linguagem “pretende chegar a descrições esclarecedoras 
de determinadas características universais da linguagem, como por 
exemplo: referência, verdade, significação etc.” Por isso, ele também 
é um autor situado nesta área da pragmática voltada para os atos 
de fala. De fato, Searle (2000, p. 127), afirma: “[...] sempre que eu 
emitir uma dessas rajadas acústicas em situação de linguagem normal, 
pode-se dizer que realizei um ato de fala. [...]. Faço uma afirmação, 
uma pergunta, dou uma ordem ou faço um pedido, explico algum 
problema científico ou prevejo um evento.” Assim, Manfredo (1996, p. 
173) frisa que para Searle, “aprender uma língua e dominá-la significa 
aprender a dominar as regras desse tipo de comportamento.” Com 
efeito, a linguagem é um comportamento intencional regrado.
Embora reconheça a relevância do estudo de Austin, Searle (1995, p. 
18) destaca certos limites na teoria desse autor, na seguinte crítica:
A taxionomia de Austin depara-se como (no 
mínimo) seis dificuldades inter-relacionadas; em 
ordem crescente de importância: há uma confusão 
constante entre verbos e atos, nem todos os verbos 
são verbos ilocucionários, há sobreposição demais 
entre as categorias, muitos dos verbos catalogados 
nas categorias não satisfazem a definição dada para a 
categoria, e, o que é mais importante, não há princípio 
consistente de classificação.
Searle propõe então a seguinte taxionomia alternativa: assertivos – 
comprometem o falante com a proposição expressa (reclamar, concluir, 
deduzir); diretivos – induzir o ouvinte a fazer algo (pedir, permitir, 
desafiar); compromissivos – Searle assume a definição austiniana; 
expressivos – expressam situação psicológica de sinceridade (agradecer, 
condoer) e declarativos – exitosa correspondência proposições-
realidade (palavra-mundo).
As perspectivas abertas desde Wittgenstein II até Searle, como 
se percebe, impuseram à Pragmática como telos principal, os 
entendimentos subjetivos.
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 4 165
Ora, este paradigma contraiu atualmente maior notabilidade e, 
consequentemente, amplos debates por conta de Habermas, o 
herdeiro vivo da Escola de Frankfurt. Ele redimensiona a linguagem, 
sobretudo teoria dos atos de fala no sentido da Pragmática Universal. 
Realmente a guinada pragmática habermasiana situa-se num 
programa que reconfigura, inclusive, o conceito de racionalidade. No 
princípio da década de 80, Habermas (1987, p. 16) já assinalava que 
por “racionalidade antes de tudo, a disposição de sujeitos capazes de 
falar e agir para adquirir e aplicar um saber falível.” Recentemente ele 
o ratifica da seguinte forma: Uma pessoa se exprime racionalmente 
na medida em que se orienta performativamente por pretensões de 
validade...” ( HABERMAS, 2004a, p. 102).
Entretanto, a partir de sua compreensão de Pragmática, Habermas 
ressalva que as teorias da semântica formal (Frege, Russel, Wittgenstein 
I e Carnap), do significado (Wittgenstein II e Quine) e dos atos de 
fala (Austin e Searle) à medida que se embasam no empirismo e 
priorizam as estruturas lógicas da linguagem, localizam-se numa 
tradição analítica que “se interessam antes de tudo pela função 
representativa da linguagem e pela estrutura propositiva de sentenças 
afirmativas simples, enfocando assim a relação entre a sentença e o 
fato.” (HABERMAS, 2004b, p. 51-52).
Observe esta afirmação de Habermas: muito mais do que traduzir 
o mundo, a linguagem tem uma vocação intersubjetiva. E é neste 
sentidoque ele situa conceito e função Pragmática Universal: [...] 
pleiteia a pretensão de reconstruir a capacidade dos falantes de insertar 
de tal sorte orações em referência a realidade, que essas orações 
podem assumir as funções pragmáticas de exposição, autoexposição 
e estabelecimento de relações interpessoais (HABERMAS, 1989, p. 
332). De modo mais explícito ele argumenta que quando um falante 
pela pretensão de validez aduz razões em prol da validade do ato 
de fala, “o ouvinte que reconhece as condições de aceitabilidade e 
compreende o que é dito, é desafiado a tomar uma posição, baseado 
em motivos racionais..” (HABERMAS, 1990, p. 82).
Então, é assim na possibilidade do entendimento universal, que 
Habermas acentua pelo menos quatro pretensões básicas de validez 
incluídas nos atos de fala: compreensibilidade (mensagem), verdade 
Flávio Beno Siebeneichler (um 
dos tradutores de Habermas 
no Brasil), explica que com 
a Pragmática Universal, 
Habermas pretende “reconstruir 
sistematicamente as estruturas 
presentes em toda e qualquer 
situação de fala possível...” 
(SIEBENEICHLER, 1989, p. 
90). Ou seja, a Pragmática trata 
de expressões específicas que 
situam os falantes em realidades 
igualmente específicas de fala. 
Assim, ordenar, pedir, concordar, 
reagir, indagar, negar, afirmar 
etc. situam-se em interlocuções 
específicas.
166 FILOSOFIA
(conteúdo), correção e justeza (conteúdo normativo) e sinceridade 
(subjetividade/expressividade). O local privilegiado de exercício, 
legitimidade e aferição dessas pretensões, é exatamente o discurso ao 
qual Habermas (1997, p. 42) dá a seguinte definição:
‘Discurso racional’ é toda tentativa de entendimento 
sobre pretensões de validade problemáticas, na 
medida em que ele se realiza sob condições de 
comunicação que permite o movimento livre de 
temas e contribuições, informações e argumentos no 
interior de um espaço público constituído através de 
obrigações ilocucionárias.
Compreendamos então que, para Habermas, o discurso se 
constitui, assim, na teoria habermasiana, o espaço legítimo onde 
a linguagem sob a égide da liberdade e da democracia envolve 
os sujeitos e seus processos discursivos. É neste campo que se 
pode operacionalizar os consensos racionais e, ao mesmo tempo, 
detectar os pseudo-consensos. Para tanto, Habermas propõe o que 
ele chamou de situação de fala ideal, onde “as comunicações não 
somente não vêm impedidas por influxos externos e contingentes, 
senão tampouco pelas coações que se seguem da própria estrutura 
da comunicação. A situação de fala ideal exclui as distorções 
sistemáticas de comunicação.” (HABERMAS, 1979, p. 153). Embora 
contrafáticas, por isso ideais, seus quatro postulados são: igualdade 
comunicativa; igualdade de fala; igualdade de expressão subjetiva; 
e igualdade de correções regulativas.
Podemos encerrar este tópico sobre a linguagem reforçando 
que com Habermas, à luz da sua racionalidade comunicativa o 
paradigma da linguagem traduzido numa Pragmática Universal em 
que se elege o discurso e neste, precisamente, as condições ideais 
de fala, constituiu-se, efetivamente, uma possibilidade legítima, 
científica e politicamente correta de propor, analisar, avaliar, criticar 
e reconstruir questões que envolvam os diversos mundos. Desta 
forma, portanto, não há como negar que a linguagem cumpre 
sua magnânima natureza de comunicabilidade e, principalmente, 
suportar a atuação do homem no processo emancipatório da 
civilização.
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 4 167
A CULTURA 
A cultura é como uma lente através da qual o homem vê o mundo.
(Ruth Benedict) 
Diante desta epígrafe, a princípio, podemos levantar algumas questões: 
a) Poderia ter existido por acaso algum povo desprovido da lente 
dessa cultura pela qual enxerga-se o mundo?
b) Um tipo de lente (pense numa orientação ideológica) pela qual 
determinado povo interpreta o mundo, não poderia gerar exata-
mente uma visão distorcida do mundo? 
c) No mundo hodierno, chamado pós-moderno, que categorias ou ti-
pos de lentes fornecem ou alimentam, sobretudo ideologicamente, 
nossa compreensão de mundo?
A rigor compreendamos que todo homem nasce numa estrutura 
complexa de formas, práticas, linguagens, simbologias e instituições; 
numa palavra: num ethos específico. Ora, a essa herança do recém-
nascido dá-se nome de cultura. E neste sentido, é procedente o que 
Ullmann (1990; p.85), afirma:
As gerações humanas surgentes são plasmadas e 
moldadas pelas gerações que as antecederam ou 
com elas convivem. [...]. Assim, forma-se um elo de 
continuidade, não invariável e rígido, mas mutável, de 
acordo com as circunstâncias do momento histórico, 
dentro do princípio já aludido, de que o homem 
aprende a viver e pode aprender a viver melhor.
Na verdade, como afirma o antropólogo brasileiro, José Luís, o 
desenvolvimento da humanidade é demarcado por contatos e conflitos 
impregnados nas diferentes maneiras de constituir a socialidade, de 
apoderar-se dos recursos da natureza e transformá-los em prol da 
manutenção da vida e de compreender e traduzir de alguma forma a 
realidade circundante. “A cultura diz respeito à humanidade como um 
todo e ao mesmo tempo a cada um dos povos, nações e sociedades e 
Quando escreviam com E 
(Ethos) os gregos diziam 
literalmente “costume”.
168 FILOSOFIA
grupos humanos.” (SANTOS, 1984, p. 8). E é neste sentido, que estudos 
sobre a cultura devem ajudar a compreender o complexo universo da 
cultura e, com efeito, a combater os preconceitos e, ao mesmo tempo, 
estabelecer uma orientação para respeito e dignidade das relações 
humanas. Evitando, assim, comportamentos etnocêntricos e daí as 
xenofobias.
Conceitualizações
Enquanto realidade complexa, a cultura pode ser sublinhada por 
diversos conceitos.
Mércio Gomes observa que em 1950 Alfred Kroeber catalogou 
mais de 250 definições de cultura.
Edward Tylor por volta de 1871 teria elaborado o primeiro conceito 
científico de Culture - cultura, compreendendo-a “como complexo 
que inclui conhecimento, fé, arte, moral, lei, costume e outras 
capacidades e hábitos, adquiridos pelo homem enquanto membro 
duma sociedade.” (RABUSKE, 2001, p. 46).
Régis de Morais (1992, p. 23) destaca que para Herskovits, “a cultura 
é a parte do ambiente feito. Vele dizer, tudo, absolutamente tudo que 
em nosso mundo nasceu da inteligência, da intencionalidade e da 
habilidade do ser humano se objetiva em algo que é cultura.”
Jean Ladrière, por sua vez, admitindo à luz da antropologia cultural a 
cultura como conjunto de instituições funcionais e normativas que, por 
conseguinte, impõem modelos de personalidade e esquemas de vida, 
afirma precisamente, o seguinte:
A cultura, desse ponto de vista, não é outra coisa 
senão a sociedade mesma, tomada em sua realidade 
objetiva, enquanto impõe aos indivíduos que dela 
fazem parte certo estilo de existência. [...] como a 
Etnocentrismo, para o 
antropólogo Everardo Rocha, 
“é uma visão do mundo 
onde nosso próprio grupo 
é tomado como centro de 
tudo e de todos os outros são 
pensados e sentidos através 
dos nossos valores, nossos 
modelos, nossas definições do 
que é existência.” (ROCHA, 
Everardo, P. G. O que é 
Etnocentrismo. 5ª ed. São 
Paulo: Brasiliense, 1984).
Xenofobia – aversão a 
coisas e pessoas estrangeiras” 
(Dicionário Ilustrado Barsa), 
portanto, ao que é diferente 
do meu grupo da minha 
sociedade, da minha cultura.
Culture - Roque Laraia frisa 
que “no final do século XVIII 
[...] o termo germânico Kultur 
era utilizado para simbolizar 
todos os aspectos espirituais 
de uma comunidade, 
enquanto a palavra francesa 
Civilzation referia-se 
principalmenteàs realizações 
materiais de um povo. Ambos 
os termos foram sintetizados 
por Edward Tylor (1832-
1917) no vocábulo Culture.” 
(LARAIA, 1992, p. 25).
Preconceitos, desrespeitos, 
conflitos, violências, guerras, 
não são geradas justamente 
de pensamentos e atitudes 
etnocêntricas?
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 4 169
ciência e a tecnologia, e os valores que encerram, 
podem situar-se, em definitivo, em relação aos 
sistemas culturais? [...]. Por um lado, deve permitir ao 
ser humano encontrar-se no mundo e interpretar-se 
a si mesmo como ser humano. [...]. Por outro, dever 
permitir-lhe orientar-se tanto em sua vida individual 
quanto em sua vida coletiva, congregar suas atividades 
numa visada unificadora capaz de conferir um sentido 
aceitável em seus empreendimentos (LADRIÈRE, 
1979, p. 77 e 2002).
Este sentido de cultura como construção sintoniza-se com aquele 
proposto pelo antropólogo brasileiro Mércio Gomes (2009, p. 36): a 
“cultura é o modo próprio do ser humano em coletividade, que se 
realiza em parte consciente, em parte inconsciente, constituindo um 
sistema mais ou menos coerente de pensar, agir, fazer, relacionar-se, 
posicionar-se perante o Absoluto, e enfim, reproduzir-se.”
Ademais, conforme José Luís dos Santos, duas concepções de cultura 
devem ser consideradas. A primeira compreende cultura como tudo 
que caracteriza a existência social de um povo ou ainda grupos dentro 
de uma sociedade. Quando falamos de cultura chinesa ou cultura 
guajajara estamos nesse conceito. A segunda refere-se às ideias, às 
crenças e ao conhecimento bem como às formas de existência social. 
Neste caso, ao falarmos da cultura guajajara, estamos falando da 
língua, da política, das relações de gênero, da religião, das festas, 
das táticas de caça etc. Enfim, de aspectos que compõem o nível de 
conhecimento desse povo indígena.
Ora, quando ajuizamos a cultura alheia a partir dos paradigmas da 
nossa, tendemos a considerar exótico o que nos é diferente e partir 
disso, num eventual encontro de culturas, achamos que o outro 
precisa adequar-se ao nosso sistema cultural - aculturar-se, porque nos 
julgamos superiores. Este fenômeno antropológico inadmissível, como 
já vimos, é a típica postura etnocêntrica, isto é, “julgar a cultura do 
‘outro’ nos termos da cultura do grupo do ‘eu’” (ROCHA, 1984, p. 13). 
A partir dessas ideias, nós agora podemos admitir as orientações de 
Rabuske, sobre alguns caracteres gerais inerentes à cultura:
a) Todos os homens tiveram e têm cultura. Nenhum povo pode ser 
considerado desprovido de cultura;
170 FILOSOFIA
b) A cultura é produção e produto. É atividade de cultivar e o resultado 
desta atividade;
c) O sujeito da cultura é o homem, mas também é objeto. A rigor, 
entenda-se sujeito como o universo dos membros de uma 
sociedade;
d) A cultura é uma estrutura. Há uma diversidade de segmentos 
culturais que não podem ser menosprezados;
e) A cultura é teleológica. Conforme diferentes perspectivas a cultura 
tem diferentes finalidades
f) A cultura é plural. Há tantas culturas tanto quanto são os povos.
Natureza e Cultura
Régis de Morais (1992, p. 29) acentua a seguinte ideia de natureza do 
pensador russo V. Mezhúiev: “natureza é tudo que surgiu e existe por si 
mesmo, por via natural, independentemente da vontade e dos desejos 
dos homens; cultura é aquilo que foi criado, elaborado e aperfeiçoado 
pelo homem, acomodado a ele por suas necessidades e exigências.” 
De inspiração marxista, este pensador realça que a cultura se diferencia 
da natureza, porém, simultaneamente, a pressupõe, de modo que a 
fronteira entre ambas não é absoluta, mas relativa. 
De fato, em Marx encontramos a ideia dessa correlação natureza-
cultura através, obviamente, do homem, como bem explicita, a partir 
de Marx, o pensador francês Auguste Etcheverry (1975, p. 145), nas 
seguintes palavras:
O homem encontra a natureza não só em si próprio, 
mas também no exterior. A sua dependência em 
relação a ela é radical, no ato de conhecimento e para 
a satisfação das suas tendências e necessidades. [...] 
Uma análise profunda da práxis revela um diálogo 
contínuo entre o homem e a natureza. A natureza 
enriquece evidentemente o homem e forma-o; 
contudo, o homem, por sua vez, domina a natureza 
e transforma-a.
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 4 171
Na sua Ideologia Alemã, Marx (1984, p. 15), diz que “[...] os homens se 
distinguem dos animais assim que começam a produzir os seus meios 
de vida, passo este que é condicionado pela sua organização física.” É 
neste sentido, que também Marx afirma que o homem à medida que 
humaniza a natureza, humaniza-se também, indicando com isso que 
a partir e sobre o mundo natural, o homem ergue o próprio mundo 
humano.
Saindo um pouco dessa linha mais próxima de Marx, Rabuske retoma 
a relação natureza-cultura, isto é, impulso natural e tendência cultural, 
a partir da vida sexual e da nutrição. No primeiro caso, ele toma como 
referência a proibição do incesto e afirma que a causa da proibição 
não se embasa no pavor de que crianças de pais consanguíneos sejam 
defeituosas, porém que a aversão por relações sexuais em tais situações 
já reflete internalização de regras ou valores culturais. Do ponto de 
vista da alimentação, o autor frisa que a nutrição não se restringe a 
uma satisfação simplesmente biológica. Neste sentido, vejamos então 
que rituais, proibições, seletividades, hábitos, etiquetas, gastronomias, 
culinárias particulares e sofisticadas etc. em torno do alimento 
demonstram bem que “a cozinha é um lugar de manifestação da 
passagem da natureza à cultura.” (RABUSKE, 2001, p. 52). Ademais, 
o autor cita oportunamente as palavras de Levi-Strauss, as quais 
concluem bem esta parte: “Todas as tentativas que empreendemos para 
reduzir explicativamente fenômenos culturais a fenômenos naturais de 
modo causal ou mecânico, se mostraram como más soluções, que não 
levaram avante a Etnologia.” (RABUSKE, 2001, p. 53).
Batistta Mondin observa que as relações entre natureza e cultura 
foram interpretadas em algumas épocas em termos de exclusões 
recíprocas. Nos períodos clássico, medieval, renascentista e romântico, 
considerava-se a natureza como centro e a cultura como sua extensão 
mediada pelo homem. Inversamente, o racionalismo posterior passa a 
considerar natureza como campo caótico ou confuso de possibilidades, 
a partir do qual o homem opera autonomamente para artificializar a 
cultura. 
Podemos admitir estas perspectivas unilaterais? Não parece coerente 
admiti-las. Aliás, Rabuske afirma que a superação desta unilateralização 
possível entre natureza e cultura parece, efetivamente, mais razoável. 
172 FILOSOFIA
Em semelhante conclusão, convergem os autores Morais e Mondin. 
Para o primeiro, “ao mesmo tempo em que há uma visível separação 
entre o mundo da natureza e o da cultura, há uma tal interdependência 
entre ambos que acaba por evidenciar sua unidade essencial.” 
(MORAIS, 1992, p. 31). Por sua vez, Mondin (1980, p. 172), ressalta 
que “hoje prevalece a tendência de interpretar as relações entre cultura 
e natureza como uma espécie de diálogo, o qual comporta um recíproco 
dar e receber: por meio da cultura o homem humaniza a natureza; e 
vice-versa: mediante os seus recursos, o mundo naturaliza o homem.”
Cultura e Sociedade
Você sabe que a sociedade, obviamente, diz respeito a um conjunto 
de indivíduos que vivem em grupos e em geral partilham de situações 
comuns de existência. Estas situações se representam como instituições 
e categorias sociais. Família, local de vivência – zona rural ou urbana, 
trabalho, educação, etc. – são exemplos evidentes de que asatitudes 
dos indivíduos são influenciadas pelas expectativas que se tem em 
relação a eles conforme se integrem nelas. Ora, quando se fala em 
visões de mundo e atitudes, já se fala de cultura, porque esta é o 
espelho do modo de ser partilhado por seus membros. A cultura é 
assim uma dimensão da sociedade, diz Mércio Gomes.
Este autor ressalva que na grande maioria das sociedades hodiernas 
a participação dos indivíduos nos bens materiais e simbólicos não é 
equitativa, logo tem-se uma situação óbvia de desigualdade social, 
evidenciando no mundo capitalista, principalmente, a categoria 
classe social que, por sua vez, sobrepõe-se instituições e dimensões 
sociais. Com efeito, um dos caracteres básicos das classes sociais é 
o conflito, este motivado pela diversidade de participação qualitativa 
dos indivíduos, definida, por sua vez, conforme nível ou situações 
econômicas.
A cultura, na verdade, observa Gomes, é um modo de ser da sociedade 
e que uma de suas funções é estabelecer a coesão ao que está dividido. 
Especificamente, numa sociedade de classes desiguais, apesar do 
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 4 173
desequilíbrio haveria uma cultura com força agregadora, que favoreça, 
dessa forma, uma identidade comum.
Conclui, então, o autor: “A cultura seria uma vivência que mantém 
o todo, que produz a unidade daquilo que é desigual. Seria uma 
categoria de conservação.” (GOMES, 2009, p. 46).
Cultura como bem de produção e bem de consumo
Para começarmos nossas reflexões sobre este tópico, façamos 
inicialmente a seguinte questão: as expressões culturais humanas só 
são compreendidas no interior da estrutura socioeconômica, ou ao 
contrário, a cultura independe da conjuntura econômica?
O cientista social brasileiro Álvaro Vieira Pinto, à luz de uma leitura de 
inspiração notadamente marxista teoriza a cultura sob a compreensão 
de que esta é simultaneamente produzida e consumida pelo homem, 
no interior da conjuntura socioeconômica capitalista, demarcada, por 
natureza, pela divisão de classes. Portanto, seu conceito de cultura 
sendo essencialmente realista é levar em conta a inserção conjuntural 
e, consequentemente, os limites da conceitualização.
Vamos tomar doravante como referência para o conceito de cultura o 
que escreve Vieira Pinto, em sua importante obra, Ciência e Existência 
de 1979.
Ele começa dizendo que a cultura é uma criação humana, decorrente 
da complexidade das operações que ascendentemente este animal 
precisa desenvolver para assegurar a própria existência. Deste modo, 
a cultura está intimamente vinculada ao processo de hominização, 
no sentido de que a partir do contato inventivo com o mundo natural 
o homem processualmente vai inserindo contornos mais definidos de 
seu pensamento, consequentemente, destacando o mundo cultural do 
mundo natural.
Hominização é um termo de 
cunho antropológico para 
designar, de modo geral, o 
processo de evolução humana 
em todas dimensões.
174 FILOSOFIA
Vieira Pinto (1979, p. 123), neste sentido, afirma:
Desde os primórdios a cultura tem esses dois 
componentes: os instrumentos artificiais, fabricados 
para prolongar e reforçar a ação dos instrumentos 
orgânicos de que o corpo é dotado a fim de opor-se 
à hostilidade do meio; e as ideias que correspondem 
à preparação intencional, sempre social, e à antevisão 
dos resultados de tal ação.
Neste contexto de relação produtiva do homem sobre o mundo natural, 
a cultura na dupla situação bem de consumo e bem de produção, 
como bem explica o autor nestes termos:
[...] bem de consumo enquanto resultado, 
simultaneamente materializado em coisas e artefatos 
e subjetivado em ideias gerais, da ação produtiva 
eficaz do homem na natureza; e de bem de produção 
no sentido em que a capacidade, crescentemente 
adquirida, de subjugação da realidade pelas ideias 
que a representam, constitui a origem de nova 
capacidade humana, a de realizar em prospecção 
os possíveis efeitos de atos a realizar, de conceber 
novos instrumentos e novas técnicas de exploração do 
mundo, e criar ideias que significam finalidades para 
as ações a empreender (PINTO, 1979, p. 124).
Entretanto, em sociedades desiguais estes dois bens são, por 
conseguinte, desequilibradamente distribuídos, de maneira tal que 
apenas uma parte minoritária enquanto detentora dos bens culturais, 
formando assim a classe dos privilegiados – os “cultos”, enquanto as 
massas que somente manejam os bens de produção e só raramente 
consomem os bens de consumo, por isso adquirem, ideologicamente, 
a aparência de parte “inculta” da sociedade.
Ora, quando se toma o conceito de cultura exclusivamente como 
complexo de conhecimentos científicos, criações artísticas, operações 
técnicas, enfim, como infinitas produções da inteligência humana, 
descuida-se intencionalmente ou não do paradigma da lógica dialética, 
pela qual se pode apreender a cultura fundamento-a no processo de 
produção. De fato, diz Vieira Pinto (1979, p 126): “o homem produz a 
cultura por uma necessidade existencial, para se apropriar dela, pois é 
por meio dela que chega a postular as finalidades da sua ação.”
O conceito de massa para o 
filósofo espanhol Ortega y 
Gasset é o seguinte: “A massa 
é o conjunto de pessoas não 
especialmente qualificadas. 
[...] é o monstrengo social, é 
o homem enquanto não se 
diferencia de outros homens, 
mas que repete em si um tipo 
genérico. [...] é todo aquele 
que não se valoriza a si 
mesmo – no bem ou no mal – 
por razões especiais, mais que 
se sente ‘como todo mundo’, 
e, entretanto, não se angustia, 
sente-se a vontade ao sentir-
se idêntico aos demais.” 
(GASSET, 1971, p. 51-2).
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 4 175
Num trecho seguinte de forma eloquente o autor explica a dialética em 
que se entrelaçam homem, produção, cultura e alienação.
Quando dizemos que o homem é um bem de 
produção queremos entender com isso que deve ser 
um bem de produção de si mesmo, para si mesmo, 
ou seja, que sua ação sobre a realidade deve ser 
utilizada apenas em benefício de cada homem, para 
torná-lo mais humanizado na sua compreensão de 
mundo e nas relações com seus semelhantes. Se, 
porém, como de fato acontecerá, o homem se torna 
um bem de produção não para si exclusivamente, mas 
para o outro, e portanto se converte em instrumento 
de utilização alheia, desaparece a dignidade que 
o caracterizava como produtor de si mesmo pela 
mediação da cultura que fora criando e acumulando, 
e se estabelece um regime de convivência injusto e 
desumano.” (PINTO, 1979, p. 126).
Como se percebe, a cultura não se explica em termos idealistas como 
um mundo abstrato de ideias e produções artísticas afluídas de um 
espírito especulador e reflexivo. Ao contrário, é a realização do homem 
por si mesmo mediante a ação produtiva localizada numa estrutura 
social concreta. Realmente a base da separação de classes, em 
decorrência da posição do sujeito no sistema de produção de bens, 
enraíza-se na dualidade da cultura que em suas formas materiais e 
objetivas são ao mesmo tempo bem de consumo e bem de produção. 
À medida que o saber aumenta a produção, ocorrem as especializações 
na criação e apropriação da cultura, resultando, então, na divisão 
social do trabalho. Assim, “o processo de distribuição da cultura [...] 
se vê corrompido pela introdução da desigualdade na apropriação 
do conhecimento e dos bens materiais dele resultantes entre grupos 
sociais, que se destacam, divergem e a seguir se contrapõem uns aos 
outros.” (PINTO, 1979, p. 127).
Observemos, então, que neste cenário, como salienta Vieira Pinto, por 
um lado verificamos um grupo minoritário e dominante, que apropria-
se da parte ideal de criação cultural,enquanto a imensa maioria se vê 
forçada a apenas operacionalizar os produtos materiais da cultura; por 
outro, percebemos que o mesmo grupo dominante além de absorver os 
produtos de fabricação mas o próprio homem enquanto instrumento 
produtivo. Chega-se, portanto, à extrema forma de apropriação 
distorcida da cultura.
176 FILOSOFIA
Ora, percebamos que esta distorção reforça uma suposta aura sobre os 
homens de “conhecimento puro” porque produzem, por exemplo, as 
teorias científicas. Realmente, a classe trabalhadora, nesta compreensão 
é considerada incapacitada, porque é privada da capacidade de 
conhecer as propriedades dos corpos que manuseiam e de definir a 
finalidade das coisas que produz. Este tipo de interpretação conduz a 
constatação a seguir:
O trabalho manual [...] fica votado a um plano inferior 
de dignidade. Se os produtos que a classe trabalhadora 
elabora são consumidos pela outra, torna-se 
compreensível que esta valorize soberanamente sua 
qualidade de consumidora, depreciando as massas, 
que permanecem estigmatizadas pela obrigação de 
produzir. A classe superior [...] não se julga ociosa; 
muito ao contrário, acredita que se entrega à mais 
valiosa de todas as formas de produção, a mental, a 
das ideias (PINTO, 1979, p. 131).
Historicamente, observa o autor, o trabalho intelectual sempre 
prevaleceu sobre o manual ou prático, pelo menos até a Renascença 
(séculos XV e XVI) e a Revolução Industrial (século XVIII), quando 
então, embora continuasse a desvalia do trabalho produtor de bens 
começou-se a perceber que “não havia outra forma de arrancar da 
natureza o segredo de suas forças, para serem postas a serviço dos 
grupos sociais poderosos, senão manipulando-a diretamente, tal como 
milenarmente o faziam os escravos e os artesãos.” (PINTO, 1979, p. 
133).
Não é que se eliminou aquela divisão das categorias de trabalho e no 
campo especificamente da cultura sobressaiu-se a chamada “cultura 
tecnológica”. De fato, quando os operários, por exigências técnicas 
adquirem competências e habilidades para manusear as máquinas 
menos ou mais sofisticadas, partem sempre de baixo para cima e 
geralmente monitorados pelos guardiões do saber abstrato. Não 
obstante, acompanha-se nos tempos modernos o fortalecimento 
inovador de uma dialética pela qual passa-se a compreender a cultura 
como mediadora de toda realização. Com efeito, nesta perspectiva de 
aproximação do pensador teórico e do trabalhador prático, ressalta 
Vieira Pinto (1979, p. 134), o seguinte:
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 4 177
A cultura é simultaneamente operação inteligente 
exercida no mundo material e ideação operatória na 
esfera do pensamento.[...]. A cultura é um produto do 
existir do homem, resulta de vida concreta do mundo 
que habita e das condições, principalmente sociais, 
em que é obrigado a passar sua existência.
Destarte, à medida que o homem atua sobre a realidade mediando 
as relações entre ele mesmo e o mundo, possibilitando sua existência, 
então ele, o homem, encorpa ou realiza sua vocação de artifex, de 
construtor. Pela sua práxis, portanto, como diz Lima Vaz, é efetivamente 
um fazedor de obras (ergon/opus), sobrepondo-se, em certo sentido, 
sobre o mundo natural (physis). Nas sábias palavras de Vieira Pinto 
(1979, p.136):
Só o homem na sua atividade construtiva cria cultura, 
porque só ele, ao mesmo tempo em que opera sobre 
a natureza e obtém produtos do engenho, cria no 
pensamento ideias que representarão a realidade, a 
ação que pratica, e que por isso podem tornar-se guias 
e princípios para a organização dessa atividade.
Enfim, a cultura, enquanto ideia, axiologias, conceitos e teorias 
científicas, gera-se a si mesma através de operações práticas, da 
descoberta de propriedades fenomênicas e da produção econômica 
dos bens indispensáveis para a vida social.
A liberdade: a perspectiva sartreana
 
Consideremos inicialmente o seguinte trecho da canção “Viagem” 
(disco “Vê Luz”) interpretada pelo cantor maranhense Carlinhos Veloz:
Não há nada que me impeça de sempre seguir
Cruzar a estrada não deixar ninguém me confundir
Falando sério eu não me importo como que vão 
pensar
Eu sei meu rumo só não sei que dia vou chegar.
[...] 
Não me disfarço das vontades que estou afim,
A carne é fraca e eu sou assim;
Por isso eu me perdoo antes de você.
Por que me necessito pra sobreviver.
[...]
Deixa eu viajar....Deixa eu viajar..
178 FILOSOFIA
A poesia da música não estaria de certa forma afinada como esta 
expressão célebre de Sartre: o homem é condenado a ser livre [...], 
porque uma vez lançado no mundo, é responsável por tudo quanto 
fizer? 
É agora no campo da liberdade que vamos nos permitir pensar e 
discutir criticamente o que seja o homem livre. Inicialmente é importante 
acentuarmos que o problema da liberdade põe imediatamente duas 
perspectivas opostas: há os que não acreditam na possibilidade de 
escolha e há que os que a identificam com a ausência de qualquer 
constrangimento.
Segundo o biblista P. Grelot (1986; p. 9), o homem real, imerso 
no processo histórico, experimenta inevitavelmente três tipos de 
dependências. A dependência cósmica “porque estamos imersos no 
cosmos e dele dependemos.” Dependência sexual, “porque ninguém 
pode escolher entre ser homem e ser mulher, entre nascer e não nascer, 
e, no entanto, isso pode condicionar toda nossa experiência concreta”. 
Dependência histórica “porque pertencemos ao gênero humano e 
somos condicionados pelos que nos precederam e por aqueles com os 
quais convivemos.”
Entretanto, tomando como premissa o fato de que a liberdade é 
uma condição essencialmente humana tal com aparece à luz da 
compreensão de Sartre, não há determinismos a priori incidindo sobre 
o homem.
De fato, o homem livre (eleuteria) para os gregos é o não escravizado, 
que possui o espírito de liberdade. Conforme esta compreensão, 
liberdade significa decisão e ação sem nenhuma determinação causal, 
seja externa (ambiente em que se vive), seja interior (motivações 
psicológicas ou emotivas). Ser livre é, portanto, ser incausado.
Não obstante, Ferrater Mora diz que, de modo geral a liberdade pode 
ser considerada em três sentidos: liberdade natural, entendida como 
a “possibilidade de furtar-se (pelo menos parcialmente) a uma ordem 
cósmica predeterminada e invariável, a qual se apresenta como uma 
‘forçosidade.’” (MORA, 1994, p. 407). Em segundo lugar, na esfera 
social ou política a liberdade fundamentalmente como autonomia ou 
independência. Claro, fala-se aqui de uma noção de relação muito 
Pode o homem ser 
absolutamente livre ou a 
liberdade sem a presença de 
determinações é impossível?
Na Grécia, a eleutéria 
opunha-se à douléia (servidão 
do escravo). Trata-se da 
liberdade social e política que 
gozava o cidadão ateniense. 
Por exemplo: direitos à palavra 
em assembleia, a pedir contas 
ao magistrado, de ser julgado 
por um tribunal sem temer 
pressões. A rigor, “o ateniense 
era livre a vida cotidiana como 
bem entendesse, educar seus 
filhos [...] trabalhar ou ser 
ocioso, viajar, etc.” (MOSSÉ, 
2004, p. 117).
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 4 179
superficial entre liberdade e política. De passagem, é conveniente notar 
que para Hannah Arendt, por exemplo, a razão de ser da política é a 
liberdade. As experiências totalitárias a levaram a questionar, porém, se 
política e liberdade não se excluiriam: “[...] com as formas de governo 
totalitárias [...], surge a questão de saber se política e liberdade são, 
de algum modo, conciliáveis, [...] se a liberdade, de certa maneira, 
não começa apenas lá onde a política termina...” (ARENDT, 1993, p. 
118). Apesar dessa explícita frustração, relembremosque, para ela, a 
liberdade e a política condicionam-se simultaneamente. Em terceiro 
lugar, Ferrater Mora destaca que a liberdade pode chamar-se pessoal ou 
autônoma, neste caso, entretanto, como “independência das pressões 
ou coações procedentes da comunidade, quer como sociedade, quer 
como Estado.” (MORA, 1994, p. 408).
Neste sentido, do conceito de liberdade do sujeito é que se pretende 
acentuar exatamente como Jean-Paul Sartre o propõe no texto “O 
Existencialismo é um Humanismo”, de 1946.
A célebre frase sartreana, “o homem está condenado à liberdade”, 
significa justamente que o homem não é dado por natureza, mas é o 
que se faz no processo da existência.
“[...] quando declaro que a liberdade, através de cada 
circunstância concreta, não pode ter outro objetivo 
senão o querer-se a si própria, quero dizer que, se 
algum homem reconhecer-se que está estabelecendo 
valores [...] ele não poderá mais desejar outra coisa 
a não ser a liberdade como fundamento de todos os 
valores...” (SARTRE, 1978, p. 19).
O homem não efetiva nenhum conceito predeterminado pela 
inteligência divina. A liberdade proposta por Sartre exclui a existência 
de Deus, pois “não há natureza humana visto que não há Deus para 
a conceber. [...]; o homem não é mais que o que ele faz.” (SARTRE, 
1978, p. 6). O homem livre apropria-se de sua vida e, por isso, é 
responsável pelo que lhe aconteça. Para Sartre, a existência precede 
a essência. Ele aparece no mundo e depois é que se define. Como 
bem observa Borheim (2007, p. 32), “a liberdade não tem essência, 
instaura-se desprovida de qualquer necessidade lógica. [...], pois a 
liberdade se explica como fundamento de todas as essências.”
180 FILOSOFIA
Observemos esta afirmação encontrada em Sartre: Nada é dado a priori 
ao homem. Logo, não há nenhuma projeção prévia sobre o homem, 
como do artífice sobre sua obra. Reagindo aos que o acusavam de 
existencialista pessimista, ele responde: “Não existe nenhuma doutrina 
mais otimista, tendo em vista que o destino do homem está em suas 
próprias mãos, [...]; o existencialismo diz-lhe que a única esperança 
está em sua ação e que só o ato permite ao homem viver.” (SARTRE, 
1978, p. 15). Assim, mesmo em situações mais adversas possíveis o 
homem está ininterruptamente em ação de escolha. É neste sentido, 
pois, a condenação à liberdade. [...]. Condenado porque não se criou 
a si mesmo, e como, no entanto, é lançado ao mundo, é responsável 
por tudo que faz.” (SARTRE, 1978, p. 9).
Ora, sendo a liberdade um fazer-se, Sartre afirma que em sua natureza 
é criativa. Nessa atualização da escolha, o homem engaja-se. 
Gilles (1975, p. 33), comentando esta afirmação sartreana, diz o 
seguinte:
[...] a primeira condição da ação é a liberdade, que 
permite à consciência tomar distância face ao mundo 
do qual é consciência e face a seu próprio passado, 
[...]. E sabemos que o homem é livre porque não é a 
não ser presença a-si, e que a liberdade é precisamente 
esse nada no cerne da realidade humana, que o obriga 
a se fazer, em vez de ser.
De fato, para Sartre, o homem é, sendo projeto de si próprio durante 
sua vida no mundo e isso o engaja na responsabilidade. “[...] é em face 
dos outros que escolhemos e nos escolhemos a nós.” (SARTRE, 1978, 
p. 19). Entretanto, à medida que o homem foge à liberdade, adota 
uma conduta de má-fé, que Sartre (1978, p. 19) explica claramente:
Se definimos a situação do homem como uma 
escolha livre, [...] quem inventa um determinismo é 
um homem de má-fé. [...] A má-fé é evidentemente 
uma mentira, porque dissimula a total liberdade do 
compromisso. [...] direi também que há má-fé, escolho 
declarar certos valores existentes antes de mim...
Mas o homem que assume sua condição de escolha, assume-se 
como livre e, consequentemente, tendo que decidir e por isso vive 
constantemente um estado de angústia que, para Sartre, não mais 
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 4 181
significa senão “o homem ligado por um compromisso e que se dá 
conta que não é apenas aquele que escolhe ser, mas de que é também 
um legislador pronto a escolher, ao mesmo tempo que a si próprio, a 
humanidade inteira...” (SARTRE, 1978, p. 7).
Para quem imagina que a liberdade como Sartre a prega seja 
individualista, equivoca-se totalmente. Como ele mesmo frisa, a 
liberdade responsável implica engajamento que reconhece a 
consciência do semelhante. Ele é, portanto, enfático quando diz o 
seguinte:
Ao querermos a liberdade, descobrimos que ela 
depende inteiramente da liberdade dos outros, e que a 
liberdade depende da nossa. Sem dúvida, a liberdade 
como definição do homem não depende de outrem, 
mas uma vez que há ligação de um compromisso, [...] 
só posso tomar a minha liberdade como um fim se 
tomo igualmente a liberdade dos outros como fim. 
(1978; p. 19)
Neste aspecto o conceito satreano aproximaria-se do pensamento de 
Arendt quando ela escreve em Entre o Passado e o Futuro (1954), 
a unidade “Que é Liberdade?” para afirmar que a liberdade só 
existe na esfera da política. Sem esta, aquela fica impossibilitada de 
se manifestar. Com efeito, há uma inequívoca reciprocidade entre 
liberdade e política. “Sem ela [a liberdade], a vida política como tal seria 
destituída de significado. A raison d´être da política é a liberdade, e seu 
domínio de experiência é a ação”, diz Arendt (2001, p. 192). Assim, 
para ela nem o conceito antigo de liberdade como fuga do mundo 
(vida contemplativa), nem conceito cristão de livre-arbítrio enquanto 
cruel dialética entre equívocos e impotências do coração presentes em 
São Paulo e Santo Agostinho expressam, essencialmente, a liberdade. 
Porque a liberdade se faz representar pela ação do homem na polis, 
realizam-se ao mesmo tempo: “A liberdade como fato demonstrável 
e a política coincidem e são correlacionadas uma à outra como dois 
lados de uma mesma matéria.” (ARENDT, 2001, p. 195).
Portanto, a liberdade compreendida sob a luz do pensamento sartreano, 
e também em Arendt, como acabamos de ver, nos conduz a uma 
conclusão clara: o homem é basicamente protagonista de seus projetos 
assumidos na perspectiva da humanidade. E mesmo que haja uma 
Parafraseando Sartre, um 
individuo que decida fumar 
diante de um tanque inflamável 
não é livre, mas um insensato 
ou aloprado.
Alguém que decida aleatória 
e futilmente depredar bens 
públicos (escolas, praças, 
prédios, hospitais, telefones 
etc); passar trotes na polícia 
ou serviços de saúde 
(ambulâncias) ou atitudes do 
genêro, pode ser considerada 
um pessoa livre? Ou antes, 
é um permissivo cujas ações 
negam o sentido real da 
liberdade?
182 FILOSOFIA
prova da existência de Deus, em nada se altera esta sua angustiante 
responsabilidade, que apenas em condição de má-fé poderia recusá-
la, entretanto, já não seria um ser condenado à liberdade.
CONCLUSÃO
As reflexões que acabamos de tratar sobre a linguagem, a cultura e 
a liberdade intentaram basicamente explicitá-las como dimensões 
fundantes da natureza humana.
Ressaltamos com Susanne Langer, que a linguagem é a invenção 
mais importante e misteriosa da mente humana. De fato, dos tempos 
arcaicos mitológicos aos “pós-modernos” cibernéticos, a linguagem 
revela-se como um “médium” entre o homem, o mundo e o tempo. A 
fala identifica o homem, disse Rousseau, e é também, para Gusdorf, a 
senha para o mundo, que é campo de cultura e espaço de liberdade.
Historicamente o fenômeno da linguagem envolvendo, principalmente, 
sua origem, estrutura e funções suscitam importantes teorias e 
debates. Já em Platão a encontramos como instrumento designativo 
do intelecto; Para Agostinho ela é, sobretudo, um sinal das coisas 
e um diálogointerior. Entre Descartes e Hobbes é assumida como 
intermediária, portanto, funcional, seja entre o ser e o pensamento ou 
entre as relações e contratos sociais. Todavia, a partir do advento da 
Linguística – “ciência que estuda a língua com métodos próprios”, com 
Ferdinand de Sausurre, behavioristas, estruturalistas, semanticistas, 
pragmatistas, entre outras correntes, são travados complexos e 
frutuosos debates resultando em mais informações e questões em torno 
dos elementos fenomenológicos da linguagem. Especialmente desde 
a virada pragmática, autores como Wittgenstein (II), Austin, Searle, 
Apel e Habermas, entre outros, tomando-a na perspectiva do discurso, 
estimulam os debates. Em Habermas, como frisamos, a discursividade 
racional condiciona qualquer proposta emancipatória.
Ora, a linguagem é co-extensiva ao mundo cultural. Este, afirma 
Herkovitz, é “a parte do ambiente feito”, ou como diz José Luis Santos, 
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 4 183
é tanto a existência social como o conhecimento complexo de um 
povo. Com efeito, universalidade, estrutura, teleologia e pluralidade 
culturais são subconceitos agregados e, portanto, inerentes às culturas; 
importantes, inclusive, para precaver ou advertir atitudes etnocêntricas. 
Todavia, além dessa compreensão, é importante perceber a cultura 
inserida num contexto de relações de produção como nos mostrou 
Vieira Pinto, onde podemos apreendê-la em níveis de produção, 
distribuição, equalização, fragmentação, hierarquização, alienação no 
interior de uma comunidade específica.
A autarquia dos indivíduos no interior de um mundo cultural se exprime 
na condição de liberdade. Sartre nos mostrou que não há mundo 
a priori, nem qualquer força externa determinante. Cada indivíduo 
apropria-se de sua vida assumindo escolhas que incluem os outros 
e, por conseguinte, angústias e abandonos. Omitir-se ou subjugar-
se é vergonhosa atitude de má-fé. Ora, um sujeito livre é também 
responsável. Enfim, política e liberdade são categorias recíprocas, 
aprendemos com Hannah Arendt.
Para Susanne Langer a linguagem é o produto mais 
importante da mente humana. A partir desta ideia, realce 
o papel decisivo da linguagem para civilização humana. 
Antes de responder, veja, se puder, o filme nacional 
“Narradores de Javé.”
Em que os pragmatistas diferem dos estruturalistas em 
termos de função da linguagem?
Discuta com seus amigos e comente a importância e os 
limites da teoria do discurso de Habermas envolvendo 
questões locais ou universais. Se possível, aponte alguns 
exemplos de êxito ou fracasso do discurso. 
184 FILOSOFIA
Invertendo a frase de Ruth Benedict, estaria certo dizer 
que o mundo vê (ou conhece) o homem pela lente de sua 
cultura?
É comum percebermos associação do termo cultura a 
produções artísticas e conhecimentos. Para além destas 
restrições, Vieira Pinto relaciona o conceito de cultura às 
condições de trabalho e sobrevivência, logo à divisão de 
classes. 
Converse com seus amigos e exponha seu ponto de vista 
sobre esta correlação.
Discuta com alguém e interprete a famosa frase de Sartre 
“a existência precede da essência.”
Após ter estudado a tese sartreana da liberdade, que 
aspectos você considera importantes e que outros (se for o 
caso) você considera inconvenientes ou críticos?
Se você conseguiu algum dos filmes sugeridos, explicite 
brevemente a relação com o respectivo assunto ao qual se 
refere.
4
5
6
7
8
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 4 185
1. Dimensão da linguagem
• Narradores de Javé. (Brasil, 2003 – direção: Eliana Café)
Filme relata de forma humorística o desafio de uma comunidade 
(Javé) narrar sua história para registro de um funcionário dos correios
2. Cultura 
• A encantadora de baleias (Nova Zelândia, 2003 – direção: Niki 
Caro)
Excelente reflexão sobre cultura, questão de gênero, diversidade e 
preconceito
• A marvada carne (Brasil, 1985 – direção: André Klotzel)
Filme pode ser visto da perspectiva da cultura popular e globalizada
• A caminho de Kandahar (Irã, 2001 – direção: Mohsen Makhmalbaf)
Filme retrata questões como a diversidade cultural e de gênero e 
política.
3. Liberdade
• Um grito de liberdade (Inglaterra, 1987 – direção: Richard 
Attenborough)
Excelente abordagem sobre os temas da liberdade e da discriminação
• Um sonho de liberdade (EUA direção: Tim Hobbes)
Excelente filme sobre o problema e o desafio da liberdade humana.
186 FILOSOFIA
TEXTOS COMPLEMENTARES
Estudo da linguagem e teoria da linguagem
 Louis Trolle Hjelmslev
A Linguagem – a fala – é uma inesgotável riqueza de múltiplos valores. 
A linguagem é inseparável do homem e segue-o em todos os seus 
atos. A linguagem é o instrumento graças ao qual o homem modela 
seu pensamento, seus sentimentos, suas emoções, seus esforços, sua 
vontade e seus atos, o instrumento graças ao qual ele influência e é 
influenciado, a base última e mais profunda da sociedade humana. Mas 
é também o recurso último e indispensável do homem, seu refúgio nas 
horas solitárias em que o espírito luta com a experiência, é quando o 
conflito se resolve no monólogo do poeta e na meditação do pensador. 
Antes mesmo do primeiro despertar de nossa consciência, as palavras 
já ressoavam à nossa volta, prontas para envolver os primeiros germes 
frágeis de nosso pensamento e a nos acompanhar inseparavelmente 
através da vida, desde as mais humildes ocupações da vida cotidiana 
até os momentos mais sublimes e mais íntimos dos quais a vida de todos 
os dias retira, graças as lembranças encarnadas pela linguagem, força 
e calor. A linguagem não é um simples acompanhante, mas sim um fio 
profundamente tecido na trama do pensamento; para o indivíduo, é o 
tesouro da memória e a consciência vigilante transmitida de pai para 
filho. Para o bem e para o mal, a fala é a marca da personalidade, 
da terra natal e da nação, o título de nobreza da humanidade. O 
desenvolvimento da linguagem está tão inextricavelmente ligado ao 
da personalidade de cada indivíduo, da terra natal, da nação, da 
humanidade, da própria vida, que é possível indagar-se se ela não 
passa de um simples reflexo ou se ela não é tudo isso: a própria fonte 
do desenvolvimento dessas coisas. 
HJELMSLEV, Louis Trolle. Prolegômenos a uma Teoria da 
Linguagem. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978 p. 
179.
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA | UNIDADE 4 187
Agir Comunicativo versus Agir Estratégico
Jurgen Habermas
O entendimento através da linguagem funciona da seguinte maneira: 
os participantes da interação unem-se através da validade pretendida 
de suas ações de fala ou tomam em consideração os dissensos 
constatados. Através de ações de fala são levantadas as pretensões 
de validade criticáveis, as quais apontam para um reconhecimento 
intersubjetivo. A oferta contida num ato de fala adquire força 
obrigatória quando o falante garante, através de sua pretensão de 
validez, que está em condições de resgatar essa pretensão, caso seja 
exigido, empregando o tipo correto de argumento. O agir comunicativo 
distingue-se do agir estratégico, uma vez que a coordenação bem 
sucedida da ação não está apoiada na racionalidade teleológica dos 
planos individuais de ação, mas na força racionalmente motivadora de 
atos de entendimento, portanto, numa racionalidade que se manifesta 
nas condições requeridas para um acordo obtido comunicativamente.
HABERMAS, Jurgen. Pensamento Pós-Metafísico. Rio de Janeiro: 
Tempo Brasileiro, 2002, p. 71
Teoria da Cultura
Álvaro Vieira Pinto
 A cultura é uma criação do homem, resultante da complexidade 
crescente das operações que

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