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ESTÉTICA Rosa de Lourdes Aguilar Verástegui São Luís 2012 Universidade Estadual do Maranhão Núcleo de Tecnologias para Educação - UemaNet Campus Universitário Paulo VI - São Luís - MA Fone-fax: (98) 3257-1195 http://www.uema.br http://www.uemanet.uema.br Central de Atendimento 0800-280-2731 http://ava.uemanet.uema.br e-mail: comunicacao@uemanet.uema.br Proibida a reprodução desta publicação, no todo ou em parte, sem a prévia autorização desta instituição. Governadora do Estado do Maranhão Roseana Sarney Murad Reitor da UEMA Prof. José Augusto Silva Oliveira Vice-reitor da UEMA Prof. Gustavo Pereira da Costa Pró-reitor de Administração Prof. Walter Canales Sant’ana Pró-reitora de Extensão e Assuntos Estudantis Profª. Vânia Lourdes Martins Ferreira Pró-reitora de Graduação Profª. Maria Auxiliadora Gonçalves Cunha Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação Prof. Porfírio Candanedo Guerra Pró-reitor de Planejamento Prof. Antonio Pereira e Silva Chefe de Gabinete da Reitoria Prof. Raimundo de Oliveira Rocha Filho Diretora do Centro de Educação, Ciências Exatas e Naturais - CECEN Profª. Andréa de Araújo Verástegui, Rosa de Lourdes Aguilar. Estética / Rosa de Lourdes Aguilar Verástegui. - São Luís: UemaNet, 2012. 116 p. 1. Estética. I. Título. CDU: 111.852 Edição Universidade Estadual do Maranhão - UEMA Núcleo de Tecnologias para Educação - UemaNet Coordenador do UemaNet Prof. Antonio Roberto Coelho Serra Coordenadora de Tecnologias Educacionais Profª. Maria de Fátima Serra Rios Coordenador de Design Instrucional Prof. Mauro Enrique Carozzo Todaro Coordenadora do Curso de Filosofia, a distância Profª. Leila Amum Alles Barbosa Responsável pela Produção de Material Didático UemaNet Cristiane Costa Peixoto Professora Conteudista Rosa de Lourdes Aguilar Verástegui Revisão Liliane Moreira Lima Lucirene Ferreira Lopes Diagramação Josimar de Jesus Costa Almeida Luis Macartney Serejo dos Santos Tonho Lemos Martins Designer Aerton Oliveira Rômulo Santos Coelho íConES orientação para estudo Ao longo deste fascículo serão encontrados alguns ícones utilizados para facilitar a comunicação com você. Saiba o que cada um significa. ATIVIDADES ATEnÇÃo SAIBA MAIS PEnSE GLoSSÁRIo REFERÊnCIAS SUGESTÃo DE FILME SUGESTÃo DE LEITURA SUMÁRIo APRESEnTAÇÃo InTRoDUÇÃo UnIDADE 1 O SENTIDO DO TERMO ESTÉTICA .................................................... 17 A experiência estética ............................................................... 17 A estética e o gosto .................................................................... 19 A sensibilidade versus a razão ................................................... 23 A sensibilidade e o prazer na antiguidade ........................... 23 A sensibilidade e o prazer na arte medieval ........................ 25 A sensibilidade e o prazer no iluminismo ............................. 26 A sensibilidade e o prazer na contemporaneidade .............. 27 A poiesis, a mimese, a catarse ................................................... 29 A empatia ..................................................................................... 35 UnIDADE 2 CONCEITO E OBJETO DA ESTÉTICA ................................................. 41 A estética e a arte ......................................................................... 41 Os critérios e o valor estético da obra de arte ............................... 43 O belo .......................................................................................... 48 O sublime .................................................................................... 55 O feio .......................................................................................... 60 UnIDADE 3 NOÇÕES HISTÓRICAS SOBRE ESTÉTICA ........................................ 69 A poética .................................................................................... 69 A estética ........................................................................ 72 A crise da arte ............................................................ 75 A finalidade da arte ......................................................... 77 A função moral da arte .......................................................... 77 A função expressionista da arte ............................... 79 UnIDADE 4 ESTÉTICA E VERDADE ...................................................................... 89 A verdade da arte ..................................................................... 89 Hegel, estética, ideia e verdade .............................................. 90 Heidegger, estética, ser e verdade .......................................... 93 UnIDADE 5 ESTÉTICA E TECNOLOGIA ................................................................ 101 Da arte para a técnica ............................................................... 101 Heidegger, a crítica, à técnica e à poesia ................................. 103 Benjamim, a técnica e a aura ................................................... 104 Adorno, a arte e a técnica ......................................................... 107 REFERêNCIAS ................................................................................... 115 PLAno DE EnSIno DISCIPLInA: Estética Carga horária: 60 horas EMEnTA Sentido do termo estético. Conceito e objeto da estética. Noções históricas sobre estética: o pensamento estético antigo, medieval, moderno e contemporâneo. Estética e verdade. Estética e tecnologia. oBJETIVoS Geral Introduzir ao estudo da estética. Específicos ¡ Abordar conceitos e teorias fundamentais da estética. ¡ Incentivar a refletir sobre a importância da estética na vida pessoal e social. ¡ Desenvolver habilidades e competências necessárias ao exercício da docência. ConTEÚDo PRoGRAMÁTICo UnIDADE 1 SEnTIDo Do TERMo ESTÉTICo A experiência estética. A estética e o gosto. A sensibilidade versus a razão. A sensibilidade e o prazer na antiguidade. A sensibilidade e o prazer na arte medieval. A sensibilidade e o prazer no iluminismo. A sensibilidade e o prazer contemporânea. A poiesis, a mimese, a catarse. A empatia. UnIDADE 2 ConCEITo E oBJETo DA ESTÉTICA A estética e a arte. Os critérios e o valor estético da obra de arte. O belo. O sublime. O feio. UnIDADE 3 noÇÕES HISTÓRICAS SoBRE ESTÉTICA A experiência moral e a reflexão ética. Origem da experiência moral. As determinações históricas e as experiências morais. A unificação das experiências morais como progresso moral. UnIDADE 4 ESTÉTICA E VERDADE A verdade da arte. Hegel, estética, ideia e verdade. Heidegger, estética, ser e verdade. Diálogo entre arte e ciência. UnIDADE 5 ESTÉTICA E TECnoLoGIA Da arte para a técnica. Benjamim: a técnica e a aura. Adorno: a arte e a técnica. METoDoLoGIA Os objetivos propostos serão alcançados mediante a leitura das unidades, assistir videoaulas e do desenvolvimento das atividades do fascículo. Estas ações possibilitarão a compreensão do conteúdo das unidades através de debates, de realização de seminários e de trabalhos coletivos ou individuais. AVALIAÇÃo A avaliação ocorrerá em três momentos: o primeiro consistirá em trabalhos desenvolvidos junto aos tutores, com discussões individuais e coletivas; o segundo será a realização de seminários; e no terceiro, acontecerá a avaliação escrita individual. Caro estudante, Estética é uma disciplina que permitirá a você ter uma visão geral dos problemas relativos à arte, aos juízos estéticos e à produção das emoções pelosfenômenos estéticos. É necessário ter uma visão crítica e ampla sobre o status da arte, sobre suas condições e problemas, sobre a beleza e o trajeto da estética, através da história. O texto pretende motivar a leitura e discussões, assim como seu aprofundamento. Desta maneira, você estará mais seguro para participar dos debates sobre questões estéticas da atualidade. Para isto, escolhemos alguns filósofos que abordam os conceitos e teorias estéticas mais relevantes, embora tenhamos excluído outros tão importantes quanto os citados. Dividimos o livro em unidades, que seguem os pontos essenciais da ementa da disciplina Estética. A leitura e o desenvolvimento das atividades lhe permitirão assimilar conceitos e perceber as teorias fundamentais da estética, ademais, incentivará a reflexão sobre a importância do tema na vida pessoal e social. Acreditamos que o texto também ajudará no desenvolvimento de habilidades e competências necessárias ao exercício da docência. Bom estudo! Rosa de Lourdes Aguilar Verástegui APRESEnTAÇÃo Falar de estética é falar de filosofia da arte. A necessidade da arte é tão antiga como a própria humanidade, porém a preocupação por seu status nem sempre foi um tema central na filosofia. A necessidade de expressar os sentimentos, assim como projetar a vida em direção à eternidade, podem ser algumas das motivações que fazem surgir a arte. Neste texto tentaremos observar a importância da arte para a vida humana e o papel que esta cumpre na sociedade. A arte tem relação com o gosto e o prazer, mas nem tudo o que dá prazer é arte. Observarmos que por muito tempo a arte esteve relacionada à beleza, no entanto, esta não é a única característica que persegue o artista. A arte não pode ser reduzida à contemplação e ao seguimento de cânones ou técnicas. Neste fascículo observamos, também, o status da obra de arte e sua necessidade em nossas vidas. Para esta tentativa, aproximamos a visão de vários filósofos que tentam explicar a natureza da arte e sua função. Algumas propostas consideram a arte como uma aproximação à moral, devendo ser regulada e direcionada para conseguir esse papel pedagógico. Outros consideram que a arte é uma manifestação necessária e livre, que não pode ser padronizada nem limitada, porque é a mais pura expresão da liberdade. E quem nos diz quais são as características da arte? Existem padrões a seguir para entrar nessa categoria? Quem classifica o que é arte e ou o que não é? A sociedade expõe arte em lugares específicos, museus, galerias, salas de concertos, e publica literatura. Aparentemente, este fato os consagra automaticamente como obras de arte, mas, e aqueles que não têm essa exposição, não são arte ou têm um status inferior? Podemos colocar hierarquia de valores estéticos? InTRoDUÇÃo Sobre o valor estético também queremos refletir. O valor está relacionado à resposta da aceptação acadêmica, de uma elite social ou popular? O valor estético da obra de arte estará relacionado ao tempo, ela torna-se mais valiosa quanto mais antiga, e assim, é um investimento que se valoriza com o passar dos anos? E neste caso, como ficam as improvisações musicais, que se perdem na memória e são irrepetíveis, e as obras que se perderam, que nunca foram exposta publicamente, aquelas que não levam assinatura, as que nunca foram avaliadas no mercado, elas são esteticamente inferiores? Se queremos nos aproximar da arte é fundamental saber o que procuramos, para ter um senso crítico e saber o que queremos. Para tal, veremos a importância da obra de arte, da beleza, do sublime, da verdade, da técnica, entre outros. Escolhemos alguns filósofos que discorrem sobre os temas, deixando de lado outros, não menos importantes, o que dificultou muito nosso trabalho. Para a abordagem do texto, elegemos desenvolver a ementa de ética, assim: 1. No sentido do termo estético, abordamos experiência estética e o gosto, assim como sua relação com a sensibilidade e a razão. 2. No conceito e objeto da estética, abordamos a relação de estética e arte e sua manifestação no belo, no sublime e no feio. 3. Nas noções históricas sobre estética, tratamos do desenvolvimento da estética. 4. Na relação de estética e verdade, abordamos a visão de Hegel e de Heidegger. 5. Na relação da arte e da técnica, tratamos as críticas de Benjamim e de Adorno. Cada unidade possui uma atividade. Desenvolver a atividade proporcionará reflexões e decisões nas questões da estética. A Estética deve partir do exame das sensações de prazer, sabendo que nem todo prazer é estético. Só sabemos que ela produz uma sensação de satisfação ao comunicar o inefável. Nesta procura por manifestar- se, a arte passou por muitas tentativas de controle e regulação, mas a história nos mostra que sempre surgem vanguardas, que impõem novas formas de expressão, e que, obviamente, são rejeitadas pela censura política, moral, religiosa, técnica, erudita etc. A arte muitas vezes é rejeitada por não ser compreendida, porque sua mensagem não está no título da obra, e muitas vezes é abstrata. O público não se identifica e não gosta porque “não entende”. Mas qual é o intuito da obra de arte: decorar, atrair os sentidos para enfeitar uma mensagem? Ela vai além da linguagem natural, não precisa explicação formal, ela não diz, ela mostra os sentimentos. A arte pode estar ligada à harmonia da beleza, à magnitude do sublime, ou à dor ou escândalo do feio. A arte mostra a realidade, mas, qual realidade? A arte não é uma imagen frugal, nem uma contemplação superficial, ela está relacionada a uma visão profunda do humano. 1 UnIDADE oBJETIVo DESTA UnIDADE: Observar o sentido do termo estética. A experiência estética. A estética e o gosto. A sensibilidade versus a razão. A sensibilidade e o prazer na antiguidade. A sensibilidade e o prazer na arte medieval. A sensibilidade e o prazer no iluminismo. A sensibilidade e o prazer contemporâneo. A poiesis, a mimese, a catarse. A empatia. o SEnTIDo Do TERMo ESTÉTICA Experiência estética A estética está relacionada ao sentimento, ao gosto estético. Este sentimento está ligado ao sujeito expectador e ao objeto da arte. Por estar vinculada ao sentimento do gosto, a estética sempre foi um tema com o qual a filosofia teve dificuldade em lidar, assim como o gosto é algo pessoal ligado à subjetividade, portanto, difícil de ser julgado. A experiência estética é única e trata-se de um prazer pessoal. Sendo assim, cada indivíduo experiência o fenômeno estético a sua maneira. Esta experiência é inefável, não pode ser expressada com palavras ou verbalmente. A sensação estética envolve sentimentos que não conciliam facilmente com a razão e manifestam-se quando o sujeito consegue estabelecer elos com a obra, com sua determinada realidade artística e com o seu autor, de tal maneira, que chega a partilhar da intenção do autor e coloca sua própria colaboração ou apreciação pessoal. FILoSoFIA18 Por estas razões, a obra de arte não é experienciada sempre da mesma forma, porque ela não produz sempre o mesmo impacto, ela tem diversas interpretações, muitas vezes nem o próprio autor pode imaginar a reação que sua obra produzirá. Estas reações diferem de pessoa para pessoa, devido a que cada um tem uma visão pessoal, valores, gostos, tempos e o lugar e o tempo em que é fruída ou analisada A história do termo “estética” refl ete a pugna entra a sensibilidade e a razão. Nessa história, muitas vezes, a estética foi considerada como uma disciplina independente que ofusca o papel da razão, porque a estética instala a ordem da sensualidadecontra a ordem da razão e aspira à liberação dos sentidos. A sensualidade é o termo mediador, que nomeia os sentidos como fonte de conhecimento, mas os sentidos não são exclusivamente a origem do conhecimento, eles são regidos pelo princípio de prazer. A refl exão sobre a estética supõe que o objeto ao qual se aplica seja defi nido de forma precisa. A palavra arte, herdeira desde o século XI da origem latina ars (atividade, habilidade), designa até o século XV um conjunto de atividades ligadas à técnica, ao ofício, a habilidades essencialmente manuais. A estética, no sentido moderno, aparece no século XVIII no momento em que a arte é reconhecida como uma atividade intelectual, irredutível a qualquer tarefa puramente técnica. A teoria da beleza e da arte do fi lósofo alemão Alexander Baumgarten (1714-1762) criou o termo “estética”, no seu uso moderno, como ciência do sensível: A estética (como teoria das artes liberais, como gnoseologia inferior, como arte de pensar de modo belo, como arte do análogo da razão) é a ciência do conhecimento sensitivo (BAUMGARTEN, 1993, p. 95). Assim surge a mudança de signifi cado de "pertencente aos sentidos" para "pertencente à beleza e arte". Isto tem um signifi cado muito relevante, porque a disciplina de estética estabelece a ordem da sensualidade contra a ordem da razão. Introduzida na fi losofi a, a estética liberta os sentidos e os revaloriza, aumentando consideravelmente sua potencialidade. Filósofo e educador alemão que cunhou o termo estética e estabeleceu esta disciplina como um campo distinto de investigação fi losófi ca . Como um estudante em Halle, Baumgarten foi fortemente infl uenciado pelos trabalhos de GW Leibniz e Christian Wolff . O trabalho mais signifi cativo de Baumgarten, escrito em latim, foi Aesthetica, 2 vol. (1750-1758). ESTÉTICA | UnIDADE 1 19 Antes do Renascimento, a palavra estética tinha apenas o signifi cado de “sensibilidade” ou “faculdade de responder aos estímulos dos sentidos”. Com o desenvolvimento da arte, como uma empresa comercial ligada ao surgimento dos burgueses ricos em toda a Europa, a compra de arte inevitavelmente leva à pergunta: “como saber que algo é arte?” e “como saber que é arte boa?”. Ante estas questões, Baumgarten desenvolveu o signifi cado do termo estético, como o estudo do bem e do mal “gosto”. Tentando ajudar na resposta sobre como avaliar arte, originou um debate fi losófi co em torno do novo signifi cado da estética. Surge o debate sobre a estética e sobre os critérios a partir dos quais se poderia desenvolver um argumento objetivo para avaliar as obras de arte. Baumgarten muda o signifi cado de estética, que desde os gregos antigos signifi cava a capacidade de receber estimulações de um ou mais dos cinco sentidos. Este autor defi niu o gosto como a capacidade de julgar de acordo com os sentidos, em vez de acordo com o intelecto. Tal juízo de gosto é baseado em sentimentos de prazer ou desprazer. A ciência da estética seria, para Baumgarten, uma dedução das regras ou princípios da beleza artística ou natural do “gosto”. A estética e o gosto Para David Hume as regras fundamentais para defi nir o que é arte seguem um padrão estabelecido socialmente. Essas regras consideram a beleza, a delicadeza, o gosto e a estética. Mas, mesmo tendo tais regras culturais, o padrão de gosto é variado, assim como os juízos sobre a arte. E é esse padrão do gosto que estabelece os critérios de beleza, os quais são subjetivos. Essa subjetividade origina diferentes concepções de gosto, que implicam diferentes entendimentos acerca do juízo sobre o belo e difi culta a conciliação entre as diversas opiniões. Hume não acredita que exista uniformidade possível quanto aos gostos. Ele planteia que a grande variedade de gostos, assim como de opiniões, que prevalece no mundo, nos leva a renunciar a uma ideia de norma geral: o princípio a priori do gosto. Assim temos entre as culturas A relação entre arte e estética muda. Para observar como não existe unanimidade no gosto assistir o fi lme: Van Gogh, do diretor Maurice Pialat. Neste fi lme podem-se observar as difi culdades do pintor ante a rejeição da crítica e do público da sua época. David Hume (1711 —1776) fi lósofo escocês célebre por seu empirismo radical e seu ceticismo fi losófi co. Considerado um dos mais importantes pensadores do iluminismo escocês e da própria fi losofi a ocidental. FILoSoFIA20 que mutuamente diferem em matéria de apetências, a impossibilidade de decidir quem tem razão a respeito dos princípios da beleza. Pois a razão fica impedida para fixar a verdade com critério em terrenos tão diversos. Hume sustenta que em boa parte dos idiomas conhecidos existe uma designação para o belo, mas as experiências e as formas em que essa beleza se experimenta e se materializa, diferem substancialmente umas das outras. Parece que Hume resolve o problema das discrepâncias em matéria do gosto através de uma solução individualista ou subjetivista. Não obstante, estes argumentos se referem à ineficaz universalização dos juízos do gosto que pretendiam estabelecer normas sobre o gosto, sem passar por acordos coletivos. Hume ressalta que, apesar de todos os esforços por lograr estabelecer uma norma do gosto e reconciliar as valorações discordantes, existem ainda fortes discrepâncias que impedem estabelecer normas universais do gosto. Esses impedimentos são os diferentes temperamentos e hábitos particulares das pessoas em cada época. Assim: Se analisarmos as hipóteses já concebidas pela filosofia ou pela razão comum para explicar a diferença entre a beleza e a deformidade, veremos que todas se reduzem a esta: que a beleza é uma ordenação e estrutura tal das partes que, pela constituição primitiva de nossa natureza, pelo costume, ou ainda pelo capricho, é capaz de dar prazer e satisfação à alma (HUME, 2001, p. 333). Se existe uma melhora do gosto e da sensibilidade, segundo Hume, este se logra através da percepção dos detalhes e das variações que se conseguem através da experimentação sensitiva e do aprimoramento da sensibilidade, graças a seu exercício e prática contínua. Assim, se Hume não reconhece a preexistência de uma norma do gosto, universal e abstrata, tampouco admite a preexistência de condições que façam um gosto mais apurado que o outro. Portanto, o gosto chega a apurar- se ou refinar-se graças à prática e disciplina. A constância é experiência e é ela que ajuda a “refinar” o gosto, em outras palavras, a acostumar- se com as expressões artísticas e a visualizar detalhes técnicos. Ainda que, quando esse processo se ordene em juízos, se comunique em expressões, se faça objeto de discussão, debate ou ostentação, sempre surgem discrepâncias: ESTÉTICA | UnIDADE 1 21 Os indivíduos percebem a beleza de modo distinto, por isso a "beleza não é uma qualidade das próprias coisas, existe apenas no espírito que as contempla, e cada espírito percebe uma beleza diferente. É possível mesmo que um indivíduo encontre deformidade, onde outro só vê beleza, e cada um deve ceder a seu próprio sentimento, sem ter a pretensão de controlar o dos outros" (HUME, 2004, p.372). Por conseguinte, tentar estabelecer uma beleza universal é improdutivo. Segundo Hume, o fundamento da composição artística é a experiência, portanto, não pode ser dado a priori e nem por uma conclusão abstrata do entendimento. Todas as regras gerais da arte se fundamentam na experiência e nos sentimentos, por isso, os gostos não se discutem. Em 1781, Immanuel Kant declarou que a estética de Baumgarten não poderia conter regras objetivas, leisou princípios da beleza natural ou artística. Baumgarten esperava estabelecer no julgamento do belo princípios racionais, e situar tal julgamento no status de uma ciência. No entanto, esse esforço foi inútil, pois essas regras ou critérios são empíricos e não podem servir para determinar leis a priori, que determinem o juízo de gosto. Por isso, é aconselhável reservar o nome de estética para a doutrina da sensibilidade que é a verdadeira ciência. Nove anos mais tarde, na Crítica do Juízo, Kant usou a palavra “estética” para signifi car o juízo de gosto ou a estimativa do belo. Para Kant, um juízo estético é subjetivo, pois diz respeito à sensação interna de prazer ou desprazer e não a qualquer qualidade em um objeto externo, e defi ne gosto assim: Gosto é a faculdade de ajuizamento de um objeto ou de um modo de representação mediante uma complacência ou descomplacência independente de todo interesse. O objeto de uma tal complacência chama-se belo (KANT, 2002, p. 55). Para Kant, a estética é o compromisso entre a natureza e a liberdade. Na Crítica da Razão Prática, a “natureza” a que Kant se refere é a “natureza humana”, Embora para Kant o gosto estético seja algo de subjetivo, existe um componente racional na estética. Não existe gosto sem razão, a própria subjetividade é uma forma interpretativa da realidade objetiva; quando dizemos que “isso é subjetivo”, estamos a considerar implicitamente uma escala de valores na análise em relação a uma realidade objetiva e passível de ser racionalizada. Immanuel Kant (1724 -1804) fi lósofo prussiano, considerado um dos pensadores mais infl uentes. famoso sobretudo pela elaboração do denominado idealismo transcendental. FILoSoFIA22 Na Crítica do juízo, a dimensão estética e o correspondente sentimento de prazer aparecem como o meio através do qual a natureza chega a ser susceptível à liberdade, à necessidade e à autonomia. Para Kant, a percepção estética está situada entre a sensualidade e a moral, os dos polos da existência humana. A dimensão estética deve conter princípios válidos para ambos os campos. A experiência estética é sensual antes que conceptual, e devido a sua relação intrínseca com a sensualidade, a função estética assume uma posição central. Essa percepção está acompanhada do prazer, derivado da percepção da forma pura de um objeto, independentemente de sua matéria e de seus propósitos. A percepção estética é sensual, produz prazer e, portanto, é essencialmente subjetiva. Mas, como o prazer estético é constituído pela forma pura do próprio objeto, isso o faz necessariamente universal para qualquer sujeito que percebe. Ainda que sensual, e portanto receptiva, a imaginação estética é criativa, universal como faculdade e particular como experiência. Figura 1 - O gosto depende da cultura. Venus de Willendorf e Angelina Jolie. Fonte: http://fasdeangelinajolie.blogspot.com/2010/07/angelina-jolie-na-premiere-de-salt-com.html Fonte: http://www.arthistoryarchive.com/arthistory/prehistoricart/ ESTÉTICA | UnIDADE 1 23 A sensibilidade versus a rezão Segundo Hans Robert Jauss, a relação de estética e gosto sempre foi difícil de ser aceita, e trouxe muitos problemas. O prazer ligado à sensibilidade é observado com desconfi ança, e a possibilidade da arte produzir gozo ou prazer não é bem vista. Para esclarecer essa problemática tentaremos observar a relação da estética com o prazer, através de alguns fi lósofos. A sensibilidade e o prazer na antiguidade Na antiguidade a estética estava ligada à lógica, à retórica e à poesia. Observamos que Platão faz duras críticas à poesia, assim como também condena a tragédia, porque se limitam à imitação e se afastam da verdade: “Ora, exatamente como ele encontra-se o poeta trágico, por estar, como imitador, três graus abaixo do rei e da verdade, o que, aliás, se dá com todos os imitadores” (PLATÃO, 2000, 597e). A preocupação de Platão é procurar a verdade, assim continua criticando e condenando a arte porque ela não é fonte de verdade, pelo contrário, os poetas criam fantasmas, que afastam a realidade: “Só criam fantasmas, não o verdadeiro ser” (PLATÃO, 2000, 599a). Platão observa que os artistas são imitadores, os poetas contam façanhas, não podem fazer as façanhas, eles só as descrevem e muitos descrevem aquilo que escutaram. Com isso, se convertem em copiadores da cópia, que é esse mundo sensível. Ante esta realidade Platão opta pela proibição e censura: Porém, se aceitares as Musas açucaradas, ou seja na lírica ou seja na epopeia, o prazer e a dor passarão a governar tua cidade, em lugar da lei e do princípio racional que em todos os tempos foram consideradas pela comunidade como o melhor” (PLATÃO, 2000, 607a). Esta censura justifi ca-se na tentativa de evitar a dor, porque o prazer e a dor devem ser evitados na cidade. Platão está preocupado por manter a ordem na república ideal, e a estética libera os sentidos. Isso Hans Robert Jauss (1921 –1997) teórico da estética alemão, fundamenta suas bases na própria crítica literária alemã. FILoSoFIA24 pode ser um perigo para manter a harmonia da cidade, visto que ele é um regulador de uma república sempre controlada. Mas nessa cidade deve existir ritmo e harmonia: Quer o ouçam discorrer com metro, ritmo e harmonia acerca da arte de fazer sapatos, quer sobre a estratégia militar ou o tema que for, tal o natural fascínio que exerce com seus recursos. Porém, se despirmos as criações dos poetas desse colorido musical e as apresentarmos em expressões comuns, bem sabes, tenho certeza, a que ficam reduzidas (PLATÃO, 2000, 601b). Alo falar de metro, ritmo e harmonia, Platão alude a uma beleza quase matemática, onde deve primar a ordem e a regularidade, que mantêm tudo sob controle. O ritmo e a harmonia não devem estar unicamente na música, senão no cotidiano, na vida dos militares e artesãos, por exemplo. Essa ordem e essa medida devem ser sempre respeitadas. Por essa razão, os artistas são mal vistos porque desvirtuam essa concepção. Eles não se acolhem a esse conceito de harmonia, sua arte está corrompida pela cor e os ornamentos, que pretendem despertar gozo. Platão não aceita a sensualidade como fonte de prazer, os sentidos só podem ser aceitos como um termo mediador na procura de conhecimento, na procura da verdade. A função cognitiva da sensibilidade deve prevalecer sob a função estimulante dos apetites, eles são erógenos e estão governados pelo princípio do prazer. A repressão da razão fez que o conhecimento se tornasse a preocupação máxima das faculdades “superiores”, que não são sensuais. Nesse contexto, a estética foi absorvida pela lógica e metafísica, e a sensualidade passa a ser considerada uma faculdade “inferior”, destinada unicamente a proporcionar matéria prima para o conhecimento. O conteúdo e a validade da função estética foram diminuídos, por estar sempre ligadas à sensualidade. Não havia uma estética, como a ciência da sensualidade, que corresponda à lógica como a ciência da compreensão conceitual. O prazer como sensação ou sentimento agradável, harmonioso, que atende a uma inclinação vital, passou por diferentes observações desde censuras até aceitação, assim veremos qual é sua relação com a arte. ESTÉTICA | UnIDADE 1 25 Sobre o prazer Aristóteles diz na Metafísica: “o prazer é um estado da alma, e para cada homem é agradável aquilo que ele ama: não só um cavalo ao amigo de cavalos e um espetáculo ao amador de espetáculos, mas também os atos justos ao amante da justiça e, em geral, os atos virtuosos aos amantes da virtude” (1099a). Para Aristóteles, na Poética, o prazer estéticoestá próximo da imitação. A experiência estética não se esgota na cognição nem num reconhecimento perceptivo. Existe prazer na criação e na apreciação, a arte não imita o mundo sensível, senão o mundo do espírito. Aristóteles une o conhecer e o fazer, na imitação. Para Aristóteles a catarse que produz a tragédia é um processo de purifi cação, neste sentido, resgata a importância da arte e do prazer estético para o desenvolvimento humano. A sensibilidade e o prazer na arte medieval Já em Agostinho encontramos outro sentido do prazer estético. Em Confi ssões menciona o uso dos sentidos para o prazer e para a curiosidade. O bom uso do prazer dos sentidos é quando está voltado para Deus e o mau uso do prazer dos sentidos quando está voltado para o mundo. Assim sendo, os prazeres da visão devem estar dirigidos à beleza da criação divina. Agostinho também mostra rejeição ao prazer, nas Confi ssões ele mostra arrependimento por ter sentido prazer: Os sentidos não querendo colocar-se humildemente atrás da razão, negam-se a acompanhá-la. Só porque, graças à razão, mereceram ser admitidos, já se esforçam por precedê-la e arrastá-la! Deste modo peco sem consentimento, mas advirto depois [...] Assim fl utuo entre o perigo do prazer e os salutares efeitos que a experiência nos mostra. Portanto, sem proferir uma sentença irrevocável inclino-me a aprovar o costume de cantar na igreja, para que pelos deleites do ouvido, o espírito, demasiado fraco, se eleve até os afetos de piedade. Quando, às vezes, a música me sensibiliza mais do que as letras que se cantam, confesso com dor que pequei. Neste caso, por castigo, preferiria não ouvir cantar (SANTO AGOSTINHO, 1999, p.293). Santo Agostinho (354 - 430), bispo de Hipona, fi lósofo e teólogo, Padre latino e Doutor da Igreja Católica. Uma das fi guras mais importantes no desenvolvimento do cristianismo no Ocidente. Infl uenciado pelo platonismo e neoplatonismo, particularmente por Plotino. FILoSoFIA26 O prazer dos sentidos não deveria seduzir o espírito, segundo Agostinho. O prazer está proibido, deve ser evitado e compensado com a procura Divina. Assim Deus alivia essa necessidade de prazer: “A vossa palavra é a minha alegria. A vossa voz é mais deleitosa do que toda a afluência de prazeres.” (SANTO AGOSTINHO, 1999, p.312). Desta maneira, Agostinho tem cuidado para não cair no gozo sensual da experiência estética, porque esta leva ao pecado e toda experiência grata ou que produz deleite deve ser produzido por um encontro com Deus, ou sua palavra. O prazer estético senão é vinculado a uma experiência espiritual, é pecaminosa. Na poesia religiosa do século XVII gozar aludia a “participar de Deus” em um ato, no qual o crente tem certeza da presença de Deus. A sensibilidade e o prazer no iluminismo A doutrina de Kant sobre o prazer oferece elementos para a diferenciação entre o prazer estético e os prazeres sensíveis. Trata- se, sim, da possibilidade de uma espécie de complacência pelo fato de poder sentir o prazer estético a qualquer momento. Este prazer não está ligado ao corpo, é um prazer via intelecto. A comunicabilidade universal de um prazer já envolve em seu conceito que o prazer não pode ser um prazer do gozo a partir de simples sensação, mas um prazer de reflexão; e assim a arte estética é, enquanto arte bela, uma arte que tem padrão de medida a faculdade do juízo reflexiva e não a faculdade de juízo sensorial (KANT, 2002, p.151). Kant diferencia entre o belo e o útil, entre o belo e o agradável. A beleza é a primeira experiência perceptiva e estética, que produz um prazer por ela mesma, mas não um prazer sensorial, senão de outro tipo: Ora, a arte tem sempre uma determinada intenção de produzir algo. Se este, porém, fosse uma simples sensação (algo simplesmente subjetivo) que devesse ser acompanhado de prazer, então este produto somente agradaria no ajuizamento mediante o sentimento sensorial. Se a intenção estivesse voltada para a produção de um determinado objeto, então, no ESTÉTICA | UnIDADE 1 27 caso dela ser alcançada pela arte, o objeto aprazeria somente através de conceitos. Em ambos os casos, porém, aprazeria no simples ajuizamento, isto é, no enquanto arte bela, mas como arte mecânica (KANT, 2002, p.152). Para Kant o prazer estético não é sensorial nem a arte tem a fi nalidade de produzir algo, senão ela seria uma atividade mecânica. A arte não vale porque produz objetos, senão porque nos leva a refl etir. A partir do Iluminismo inicia-se a decadência da experiência prazerosa da arte. Segundo Schiller trata-se da alienação da sociedade industrial com as consequências da divisão social do trabalho. No Fausto de Goethe, o conceito de goze se pode estender a todos os níveis da experiência, até o mais elevado anseio de conhecimento. Posteriormente, Marx destacaria que o prazer no trabalho é uma necessidade vital e um meio da autorrealização. A sensibilidade e o prazer na contemporaneidade Atualmente a experiência estética está mais ligada à refl exão estética do que, propriamente, ao prazer estético. Adorno critica o prazer estético na arte, como uma reação burguesa, sendo o pressuposto para a indústria cultural que serve ao poder. A crítica contemporânea mais aguda ao prazer na arte se encontra na Teoria estética de Theodor Adorno. Ele considera que buscar prazer na obra de arte é banal; as palavras como “um regalo para os ouvidos” delatam esta situação. Ele compara a satisfação estética com a satisfação que a matemática produz: A estética da satisfação, expurgada uma vez da crua materialidade, coincide com as relações matemáticas no objeto artístico, de que a mais célebre, na arte plástica, é a secção de ouro, que tem o seu equivalente nas relações dos harmônicos simples da consonância musical (ADORNO, 1970, p. 62). http://www.dominiopublico. gov.br/pesquisa/ DetalheObraForm.do?select_ action=&co_obra=2650. http://pt.scribd.com/ doc/11954648/Adorno-Teoria- Estetica FILoSoFIA28 Desde a Antiguidade, a seção áurea é empregada na arte. É frequente a sua utilização em pinturas renascentistas, como as do mestre Giotto. Este número está envolvido com a natureza do crescimento. Phi (não confundir com o número Pi π), como é chamado o número de ouro, pode ser encontrado na proporção das conchas (o nautilus, por exemplo), dos seres humanos (o tamanho das falanges, ossos dos dedos, por exemplo) e nas colmeias, entre inúmeros outros exemplos que envolvem a ordem do crescimento. Adorno acredita que tirando o prazer da obra de arte, ela fi ca mais pura e poderá ser apreciada com maior plenitude. Assim entendemos quando afi rma: “Na realidade, quanto mais se compreendem as obras de arte, tanto menos se saboreiam.” (ADORNO, 1970, p. 24). A obra de arte, afi rma Adorno, deve por si mesma ser importante, o que ela proporciona é a verdade. Sendo assim, as obra de arte não são um meio de prazer, se a consideramos assim, as convertemos em um produto, em mercadoria: Enquanto que a obra de arte excita aparentemente o consumidor pelo seu caráter sensual, ela torna-se-lhe estranha, alienada: transforma-se em mercadoria, que lhe pertence e que ele receia constantemente perder. A falsa relação à arte encontra-se intimamente ligada à angústia da posse. A representação feiticista da obra de arte como propriedade que é possível ter e que se pode destruir pela refl exão corresponde estreitamente à representação feiticista do bem utilizável na economia psicológica (ADORNO, 1970, p. 25). Aquele que não seja capaz de desprender-se do gosto prazenteiro na arte fi ca à altura dos produtos culinários ou da pornografi a, segundo Adorno.O prazer artístico não seria outra coisa que uma reação burguesa contra a espiritualização da arte e, com isso, o fundamento para a indústria cultural de nosso tempo, a qual serve aos ocultos interesses dominantes. Numa sociedade onde a arte já não tem nenhum lugar e que está abalada em toda a reação contra ela, a arte cinde-se em propriedade cultural coisifi cada e entorpecida e em obtenção de prazer que o cliente recupera e que, na maior parte dos casos, pouco tem a ver com o objecto (ADORNO, 1970, p. 27). ESTÉTICA | UnIDADE 1 29 A crítica de Adorno está vinculada com a crítica social. A arte burguesa é vista como arte de entretenimento. A indústria cultural transforma a arte em diversão, em especial a música, que perde todo seu valor em meio a um universo de mercadorias. O impacto dessa desvalorização é medido pelo fetichismo da mercadoria. Ante isso Adorno apela a erradicar o prazer da obra de arte: A felicidade produzida pelas obras de arte é uma fuga precipitada e não um fragmento daquilo a que a arte se subtraiu; é sempre acidental, mais inessencial para a arte do que a felicidade do seu conhecimento. O conceito deleite artístico enquanto constitutivo deve ser eliminado (ADORNO, 1970, p. 27). A virtualidade cognoscitiva do gozo estético, que desempenha um papel no Fausto de Goethe frente ao saber conceitual abstrato, só foi abandonada no século XIX com o trânsito em direção à autonomia da arte. A arte antiga, que transmitia normas para a ação de diversos modos, desempenhava uma função comunicativa, que fica sob a suspeita de afirmar os interesses dominantes ou de ser una mera justificação do existente. A poiesis, a mimese, a catarse Poiesis, no sentido aristotélico, corresponde à “faculdade poética”, seria o prazer que o sujeito tem diante da obra. O que para Santo Agostinho é voltar-se a Deus, e que no Renascimento era base do sujeito autônomo. A Poiesis corresponde à visão de Hegel sobre a arte, segundo a qual o indivíduo pode “sentir-se em casa no mundo” pela criação artística. Poiesis é etimologicamente derivada do grego e significa “fazer”. Desta palavra surge “poesia”. No diálogo o Banquete, Diotima descreve como os mortais se esforçam para aproximar-se da imortalidade em relação ao poiesis. “E pois aqui, segundo o mesmo argumento que lá, a natureza mortal procura, na medida do possível, ser sempre e ficar imortal.” (PLATÃO, 2001, 207e). A poiesis surge numa tentativa de negação da finitude, da mortalidade, da vontade de ir além da temporalidade do FILoSoFIA30 nascimento e da morte. Nesta tentativa ocorrem três tipos de poiesis: a poiesis natural através da procriação sexual; a poiesis na cidade através da realização de fama heroica e, fi nalmente, e a poiesis na alma através do cultivo da Virtude e do conhecimento. A poética, para Aristóteles, refere-se a todo trabalho produtivo, abarcando desde a composição de tragédias, comédias e epopeias, como também a agricultura, a tecelagem entre outras formas de produção. Martin Heidegger explicou a poiesis como o desabrochar da fl or, a transformação de uma borboleta em um casulo, a queda de uma cachoeira quando a neve começa a derreter. As analogias de Heidegger apontam um momento de êxtase quando algo vai além de sua posição, quando algo se torna outro. Este fi lósofo conduziu suas refl exões ontológicas para a linguagem. Segundo Heidegger, a poesia é arte em forma de linguagem e é anterior às outras formas de arte. A poesia torna a linguagem possível. Poesia para Heidegger é um jogo com a linguagem, inventando um reino de imagens para habitar, sem decisões que incorram em culpa. Segundo Heidegger toda a arte é na sua essência poesia. Este fi lósofo admirava os poetas Rilke, Goethe, mas, o seu favorito era Hölderlin, a quem atribui o fundamental papel da recuperação do Ser. Tanto Heidegger como Höderlin dividiam-se entre dois amores a cultura grega e a cultura alemã. CANTO DO DESTINO DE HIPERÍON No mole chão andais Do éter, gênios eleitos! Ares divinos Roçam-vos leve Como dedos de artista As cordas sagradas. Como adormecidas Criancinhas, eles Respiram. Floresce-lhes Resguardado o espírito Em casto botão; Martin Heidegger (1889-1976) fi lósofo alemão, recoloca o problema do ser ao refundar da Ontologia. Friedrich Höldelin ESTÉTICA | UnIDADE 1 31 E os olhos felizes Contemplam em paz A luz que não morre. Mas, ai! nosso destino É não descansar. Míseros os homens Lá se vão levados Ao longo dos anos De hora em hora como A água, de um penhasco A outro impelida, Lá somem levados Ao desconhecido. (Trad. de Manuel Bandeira) Jauss ressalta a Poiesis como a capacidade poética, que designa a experiência estética fundamental, na qual o homem mediante a produção da arte pode satisfazer sua necessidade universal de encontrar-se no mundo como em casa, privando ao mundo exterior de sua estranheza, fazendo da obra algo próprio, e obtendo nesta atividade um saber que se distingue tanto do conhecimento conceptual da ciência como da práxis instrumental do ofício mecânico. Quando falamos de mimese, temos que levar em conta que Platão e Aristóteles a consideravam como a imitação, representação da natureza. Sobre a tragédia e a epopeia, Aristóteles (1979, 1447a) afirma: A epopeia, a tragédia, assim como a poesia ditirâmbica e a maior parte da aulética e da citarística, todas são em geral, imitações. Diferem, porém, umas das outras, por três aspetos: ou porque imitam por meios diversos ou porque imitam objetos diferentes ou porque imitam por modos diversos e não da mesma maneira. [...] A epopeia e a tragédia concordam, somente, em serem, ambas, imitação de homens superiores, em verso; mas difere a epopeia da tragédia, em seu metro único e a forma narrativa. Para Platão toda a criação era uma imitação, até mesmo a criação do mundo material era a imitação do mundo das ideias. Por isso, toda representação artística é uma cópia. Entendemos que para ele a cópia nunca terá o valor do original. FILoSoFIA32 A mimese, que significa imitação, é um conceito importado da Poética, mais tarde, no Renascimento, foi também estendido às artes plásticas. A mimese, como a poética, deve imitar a vida real. Para Aristóteles a tragédia era a imitação de uma ação, a qual era executada mediante personagens. O drama considerado como a imitação da vida, a partir da tragédia pode levar a uma catarse. É pois a tragédia imitação de uma ação de caráter elevado, completa e de certa extensão, em linguagem ornamentada e por várias espécies de ornamentos distribuídas pelas diversas partes [do drama]. [imitação que se efetua] não por narrativa, mas mediante atores, e que, suscitando o terror e a piedade tem o efeito a purificação de tais emoções (ARISTÓTELES, 1979,1449ba). Se para Platão a mimese e a tragédia têm um caráter negativo, para Aristóteles é o contrário. A mimese, traduzida como imitação, tem um caráter positivo e uma importância maior na sua obra, e a catarse, traduzida como purgação ou purificação, são termos fundamentais quando explica a tragédia no capítulo III da Poética. A catarse, segundo Aristóteles, é o efeito moral e purificador da tragédia clássica, cujas situações dramáticas de extrema intensidade e violência trazem à tona os sentimentos de terror e piedade dos espectadores, proporcionando- lhes o alívio, ou purgação, desses sentimentos. A mimese trágica provocava catarse no expectador, através da exposição do problema ou conflito que a tragédia traz. Aristóteles tenta equilibrar através da catarse os excessos nos sentimentos de piedade e terror, provocando um direcionamento rumo à virtude. A catarseé às vezes retratada como um jogo, que acontece para um ou mais dos personagens, outras vezes, como parte da experiência do público. Ela descreve uma mudança extrema provocada pela emoção ou ao experimentar fortes sentimentos. Aristóteles usa o termo catarse com referência às emoções – em sua obra Poética. Nesse contexto, refere-se a uma sensação ou efeito literário, que seria experimentada pelos personagens em um jogo, ou ser feito em cima do público no final de uma tragédia o que produz a liberação das emoções. Em suas obras anteriores à Poética, Aristóteles tinha usado o termo catarse no sentido médico. Na poética emprega o sentido médico metaforicamente. A tragédia é uma forma de corretivo através da qual o público se corrige ESTÉTICA | UnIDADE 1 33 ou se alivia, proporcionando um equilíbrio saudável dos sentimentos. A catarse também pode se referir a qualquer purga da emoção vivida por uma audiência, em relação ao drama que produz terror ou dor: Porque o reconhecimento com peripécia suscitará terror e piedade, e nós mostraremos que a tragédia é imitação de ações que despertam tais sentimentos (ARISTÓTELES, 1979, 1452b). Catarse corresponde à função social das artes, inaugurando e mediando as regras de ação, buscando libertar o observador dos interesses práticos e de suas implicações, a fi m de levá-lo ao encontro com a liberdade estética de sua capacidade de julgar através do prazer de si no prazer do outro. Pelo contrário, os grandes puritanos na longa tradição da fi losofi a da arte, entre eles Platão, Agostinho, Rousseau e Adorno, viram a experiência artística como algo próximo do perigo, longe de equilibrar ou conduzir em direção da virtude. Não é casual que a estética não se fundara como ciência autônoma até a Ilustração, século XVIII. A teoria da arte, que precedeu à estética, limitou-se à ontologia da antítese estética e remeteu quase sempre à pergunta pela práxis da experiência estética à poética normativa ou à subordinada doutrina dos afetos. Jauss observa que o platonismo legou à tradição europeia uma dupla orientação. De um lado a mais alta dignidade ao trato com o belo, de outro um descrédito moral. Segundo Platão, a dignidade deve-se a que a visão da beleza material desperta a lembrança perdida do belo e verdadeiro do mundo das ideias, e a defi ciência radical na ligação ao sensível. A percepção do belo pode encontrar sua satisfação no prazer da aparência sensível ou do mero jogo; quem goza do belo não é conduzido necessariamente a uma perfeição, própria do ideal. A dignidade do trato com o belo está, para Platão, subordinada à teoria do fi losofar. Assim observamos a célebre crítica aos poetas e, sobre tudo, o rigor ao qual são submetidas as artes na República. Os efeitos negativos da mimese são argumentados por Rousseau, que em nome da razão ilustrada, em sua Carta a D'Alembert sobre espetáculos, diz que o teatro que se limita a refl etir os costumes dominantes tem que ser subestimado pela razão prática. Esse teatro leva ao público Jean-Jacques Rousseau (1712- 1778) fi lósofo, teórico político, escritor e compositor suíço. Considerado um dos principais fi lósofos do iluminismo e um precursor do romantismo. FILoSoFIA34 a afi rmação da má situação social estabelecida e fomenta diversões vazias em lugar da alegria que corresponde à verdadeira necessidade da natureza humana. A sedução do espetáculo distrai o espectador e o transporta a um mundo imaginário, lhe dá prazer e o faz esquecer seus deveres imediatos. A experiência estética induz à identifi cação com as paixões dos personagens do drama, corroendo os sentimentos morais do espectador. Neste contexto, o espectador da comédia é induzido ao riso do ridículo, fomentando nele aquele vício secreto, que está nas entranhas de seu prazer pelo cômico. A ambivalência entre a dignidade e a imperfeição do belo retorna, sob uma nova forma, no idealismo alemão. A arte, e com ela a faculdade do juízo estético, assume a tarefa de recuperar a sensibilidade estética da subjetividade. Kant, que tinha elevado o juízo estético a uma instância mediadora entre a natureza e a liberdade, entre a sensibilidade e a razão, negou a função cognoscitiva deste juízo, que está fundado na subjetividade. A forma mais recente da ambiguidade platônica do belo pode-se voltar a encontrar, por um lado, na contraposição fundamental entre a experiência artística como “acontecer da verdade” e, por outro, na “consciência estética” como subjetividade, com Hans Georg Gadamer que transforma a fi losofi a da arte de Heidegger em uma ontologia hermenêutica. E fi nalmente, Theodor Adorno, que nos dá uma ideia de até que ponto se manifesta a infl uência platônica do belo. A teoria estética de Adorno confi a em que a arte possa restabelecer a “dignidade da natureza” frente ao domínio abusivo do sujeito autônomo e encontrar na manifestação da beleza natural. Por outro lado, Adorno desconfi a tanto da experiência prática da arte na era da indústria cultural que nega toda função comunicativa na sociedade, e desterra o público à solidão de uma experiência na qual o receptor olvida-se de si mesmo. Segundo Jauss, a experiência estética é sempre liberação de e liberação para, como se põe de manifesto na doutrina aristotélica da catarse. Ao colocar um destino imaginário requerido pela tragédia, ela também libera o espectador dos interesses práticos e dos laços afetivos da vida, para ativar os afetos puros de compaixão e temor (catárticos). Os afetos Hans-Georg Gadamer (1900 –2002) fi lósofo alemão, um dos maiores expoentes da hermenêutica fi losófi ca. Sua obra de maior impacto foi Verdade e método de 1960. ESTÉTICA | UnIDADE 1 35 são uma condição prévia para a identifi cação com o herói, que levam ao espectador a desejável disposição de ânimo para compreender o exemplar do proceder humano. Parece que a época em que se exercia hostilidade com a arte é coisa do passado. Se observarmos o número de publicações desses últimos anos, veremos um crescente interesse pela refl exão teórica sobre a arte. Esse renascimento pode ser explicado pelas mudanças na arte. Como diz Gadamer, parece ser próprio da experiência da arte o fato que a obra artística sempre tem sua própria atualidade e que só muito limitadamente se fi xa no seu horizonte histórico; a obra de arte é atemporal. Aí radica sua universalidade, a obra de arte não está completamente limitada pela história, ela está aberta a novas integrações ou a produzir novas experiências. A empatia Já tratamos a arte como um perigo que afasta da virtude e a arte como um método terapêutico que equilibra e conduz em direção à virtude. Agora podemos falar também da arte que pode produzir empatia, como a resposta afetiva, vicária ante a situação do outro, ou seja, uma resposta afetiva que nos coloca no lugar do outro, nos pode tornar solidários, ou no mínimo mais conscientes da realidade do outro. O termo foi usado nesse sentido pela primeira vez no início do século XX, pelo fi lósofo alemão Theodor Lipps (1851-1914), um dos mais infl uentes professores da universidade alemã de sua época, preocupado com as concepções da arte e da estética, concentrando grande parte de sua fi losofi a em torno de tais questões. Considerado como o criador da primeira teoria científi ca de Einfühlung ("sentimento em", "empatia"), embora o termo já havia sido inventado por Robert Vischer em 1873. Ele usou a noção de Einfühlung para explicar não apenas como as pessoas experimentam objetos inanimados, mas também como compreender os estados mentais de outras pessoas. A arte foi muito utilizada comfi ns morais. Procurar a empatia através da arte é um forma de procurar moral através da arte. FILoSoFIA36 Robert Vischer (1847-1933), fi lósofo alemão, foi o primeiro a discutir de maneira signifi cativa o conceito de Einfühlung (estética simpatia, mais tarde traduzido para Inglês como empatia). Inteligência emocional: conceito em Psicologia que descreve a capacidade de reconhecer os próprios sentimentos e os dos outros, assim como a capacidade de lidar com eles. O prazer da arte pode estar na empatia de comunicar-se através da obra de arte. Lipps pensou que cada estado tinha o seu nível de consciência e que o riso era associado a aspectos negativos escondidos. Ele adotou de Robert Vischer noções de empatia ou simpatia estética (Einfühlung). Mais tarde, Lipps adotou algumas ideias de Husserl. Lipps utiliza a empatia para indicar a relação que se estabelece entre o artista e o espectador, ao projetar-se este último na obra de arte. Na psicologia e nas neurociências contemporâneas a empatia é considerada uma manifestação da inteligência emocional e pode ser dividida em dois tipos: a cognitiva - relacionada à capacidade de compreender a perspectiva psicológica das outras pessoas; e a afetiva - relacionada à habilidade de experimentar reações emocionais por meio da observação da experiência alheia. RESUMo 1. A estética está relacionada ao sentimento, ao gosto estético e no sentido moderno, aparece quando a arte é reconhecida como uma atividade intelectual. 2. Hume não acredita que exista uniformidade possível quanto aos gostos. Não reconhece a preexistência de uma norma do gosto, universal e abstrata. 3. Para Kant não existe gosto sem razão, a própria subjetividade é uma forma interpretativa da realidade objetiva. 4. Platão não aceita a sensualidade como fonte de prazer, a função cognitiva da sensibilidade deve prevalecer sob a função estimulante dos apetites. 5. No período medieval, o prazer dos sentidos não deveria seduzir o espírito, Deus alivia essa necessidade de prazer. O prazer estético se não for vinculado a uma experiência espiritual, é pecaminoso. 6. Para Kant o prazer estético não é sensorial nem a arte tem a fi nalidade de produzir algo, ela vale porque nos leva a refl etir. 7. Para Adorno a obra de arte não é um meio de prazer, se a consideramos assim, as convertemos em um produto, em mercadorias, objetos do desejo. ESTÉTICA | UnIDADE 1 37 8. A Poiesis é a capacidade de criar, experiência estética fundamental, ligada inicialmente à poesia. 9. A mimese, traduzida como imitação, imita ou representa a vida. Inicialmente ligada à tragédia, e a partir do Renascimento às belas- artes. A mimese trágica provocava catarse no expectador, através da exposição do problema ou confl ito que a tragédia traz. Falando de gosto Diz-se que ante esta escultura é comum que as pessoas se emocionem. Os detalhes da obra parecem dar vida à pedra, o que leva a experimentar a sensação de admiração. Falando de gosto, essas sensações descritas poderiam ser experimentadas por homens de outras culturas, como por exemplo, um morador de uma isolada tribo indígena ou um conservador religioso puritano etc. Isto nos leva a refl etir sobre o gosto de que depende, é universal natural ou cultural? Figura 2 - “Plutão e Prosérpina” escultura de Gian Lorenzo Bernini Fonte: gian_lorenzo_bernini_046_plutone_e_proserpina_1621 A mesma pergunta fazemos sobre a Síndrome de Stendhal. O gosto é universal natural ou cultural? Será que esta síndrome acomete a todos ou apenas aqueles que compartem o gosto pela cultura ocidental? FILoSoFIA38 Síndrome de Stendhal É uma síndrome da sobredose de beleza. É um estado mórbido caracterizado por um conjunto de reações psicossomáticas, como: aceleração do ritmo cardíaco, vertigens, falta de ar e até mesmo alucinações. Estes sintomas são produzidos por um excesso de exposição do indivíduo a obras de arte, sobretudo em espaços fechados. O nome da síndrome se deve ao escritor francês Stendhal (pseudônimo de Marie-Henri Beyle), que em 1817 foi acometido por tais sinais e sintomas. Stendhal descreve detalhadamente os seus sintomas, posteriormente publicados no livro Nápoles e Florença: uma viagem de Milão a Reggio. Segundo relata, estes aconteceram após observar por muito tempo alguns afrescos. http://raulealiteratura.blogspot.com/2012/01/sindrome-de-stendhal. html Conta a lenda que Henri-Marie Beyle, alguns dias antes de completar 28 anos, em 1811, diante dos afrescos que estão na igreja de Santa Croce, em Florença, teve uma espécie de desfalecimento. Segundo o seu relato no livro Roma, Nápoles e Florença, publicado em 1817, ele atingiu o grau supremo de sensibilidade em que as “sugestões divinas” da arte se mesclam com a sensualidade apaixonada da emoção. Intérpretes mais modernos desse episódio, utilizando-se das ferramentas teóricas fornecidas pela psicologia e pela psicanálise, dizem que (diante da beleza plástica das artes religiosas) o homem que alguns anos depois adotaria o pseudônimo de Stendhal, não conseguiu se conter e teve um orgasmo. E esse acontecimento atingiu tal força e potência que a perda da consciência foi resultado natural. Beyle, que naqueles tempos ainda não se chamava Stendhal, escreveu que quando saí de Santa Croce, fui tomado de palpitações... A fonte da vida secou dentro de mim e caminhei com medo de cair no chão. Se isso tem algum sentido, ou não, pouco importa, pois havendo divergência entre os acontecimentos e a lenda, a lenda ganha com vários corpos de vantagem. De qualquer forma, o futuro autor de ESTÉTICA | UnIDADE 1 39 dois dos mais importantes romances do século XIX, O vermelho e o negro (publicado em 1830) e A cartuxa de Parma (publicado em 1839), foi o primeiro caso da doença identificada em 1979 por um psiquiatra florentino. Segundo esse estudioso, as riquezas artísticas de Florença são responsáveis por mais de cem casos registrados de tonteiras e náuseas em locais onde estão expostas algumas das mais importantes obras-primas italianas. Diante dessa eventualidade, o guia Firenze Spettacolo listou alguns lugares que devem ser evitados pelos burgueses semi-letrados que são sensíveis ao ponto de serem tragados pela vertigem causada pela arte que jamais conseguirão imitar. Os italianos são um caso raro na história humana. As pinturas, afrescos e esculturas criadas por Giotto, Michelangelo, Botticelli e Rafael, entre outros, são únicas. Nenhum outro país consegue rivalizar com “a bota” em termos de qualidade artística. A França produziu pensadores e vinhos maravilhosos; A Bélgica tem excelente chocolate; Suíça ficou famosa por canivetes e esconder dinheiro roubado; A Espanha nos legou histórias de bravura; A Alemanha nos mostrou o poder militar, iniciado com Bismarck e Von Clausewitz, além disso, eles produzem as melhores “Würst” do mundo. Mas, os italianos... Bem, os italianos, antes de tudo, sempre procuraram se divertir. Muitas vezes, isso é necessário admitir, à custa dos outros. Mas, deixando de lado a megalomania dos Césares e as loucuras protagonizadas por Mussolini e Berlusconi (em muitos momentos, faces da mesma moeda), quem é que consegue resistir a aquelas refeições imensas, a aquele vinho rascante de trattoria, a aquelas ragazzas que enlouquecem olhares e produzem erupções vulcânicas? Na Itália, cada igreja é um museu. Cada museu é um deslumbramento. Cada alumbramento, uma forma de conversar com Deus – se é que esse sujeito existe! Então, talvez o melhor a fazer seja as malas e ir desfalecer nos braços dessa mulher carinhosa (e possessiva) quese esparrama no Adriático e no Mediterrâneo. FILoSoFIA40 ADORNO T. Teoria estética. Lisboa: Edições 70,1970. ARISTÓTELES. Poética. Ética a Nicômaco. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os pensadores). BAUMGARTEN, Alexander Gottlieb. Estética: a lógica da arte e do poema. Petrópolis: Vozes, 1993. BENSE, Max. Estética. Buenos Aires: Editora nueva visión, 1969. BOSI, Alfredo. Refl exões sobre a arte. São Paulo: Editora Ática, 1991. BURKE, Edmund. Uma investigação fi losófi ca sobre a origem de nossas ideias do sublime e do belo. Campinas: Papirus, 1993. HUME, David. Tratado da natureza humana: uma tentativa de introduzir o método experimental de raciocínio nos assuntos morais. Tradução de Deborah Danowski. São Paulo: UNESP, 2001. __________ . Investigação Acerca do Entendimento Humano e sobre os princípios da Moral. São Paulo: Unesp, 2004. JIMENEZ, Marc. O que é estética. 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Por outro lado, a estética também pode ocupar-se do sublime, ou da privação da beleza, ou seja, o que pode ser considerado feio, ou até mesmo ridículo. O conceito de arte provém do grego techné, e do ars latino, isto é, produção humana, distinguindo-se assim da natureza. A ideia de arte, no sentido de Belas-Artes, é bastante recente, surge no Renascimento, desde que o artista ganha novo status social, entendido como um trabalhador intelectual, oferecendo à arte a possibilidade de associar- se à “estética”. Entendendo-se a tecnhé como toda a classe de artes, ou como conhecimento técnico, que permite a realização de várias atividades ou ofícios. O artista era considerado um artesão, pessoa hábil nos trabalhos manuais e no uso de suas ferramentas. Na Antiguidade Clássica a tecnhe signifi cava a atividade prática elaborada com mestria. Este conceito aplicou-se, durante a oBJETIVo DESTA UnIDADE: Observar o conceito e objeto da estética. A estética e a arte. O belo. O sublime. O feio. 2 ConCEITo E oBJETo DA ESTÉTICA Que provoca riso ou escárnio; grotesco. FILoSoFIA42 Antiguidade, à atividade retórica, à dialética, à política, à poesia, à música e a outras práticas ligadas à capacidade mental e ao raciocínio, à aprendizagem, à experiência, e também à imitação (mimese ou imitatio) da natureza. Os conceitos de arte e belo estão estreitamente unidos na filosofia moderna e contemporânea. Isso não ocorria na filosofia antiga, onde as noções de arte e de belo eram consideradas distintas e reciprocamente independentes. A doutrina da arte era chamada pelos antigos gregos com o nome de seu próprio objeto, poiética, ou seja, a arte produtiva. O belo platônico não se incluía na poética. O belo, da antiguidade grega, pode ser definido em cinco conceitos fundamentais: como manifestação do bem, como manifestação do verdadeiro, como manifestação do simétrico, como manifestação da perfeição sensível e como perfeição expressiva. A noção de belo coincide com a noção de objeto estético só a partir do século XVIII. Antes da descoberta da noção de gosto, o belo não era mencionado entre os objetos produzíveis e, por isso, a noção correspondente não se incluía naquilo que os antigos gregos denominaram de poética. A partir do século XVIII, a palavra arte passou a privilegiar o significado de belas-artes, dissociando-se do sentido original de técnica. A palavra técnica passou a designar qualquer atividade humana organizada por regras. A técnica designa todos os procedimentos regulados em todos os campos da elaboração humana. O termo técnica passou a designar o sentido original platônico do termo arte. Lembremos que não existia para os antigos gregos uma disciplina ou ciência filosófica específica chamada estética, foi no século XVIII que os problemas relativos às belas-artes, e o seu objeto específico, tornaram-se pertencentes ao domínio da Estética. A partir da descrição de uma teoria da percepção, a estética se tornou, no século XVIII e em especial no século XIX, uma forma nova e especializada de descrição da reação à arte. A estética se fundamenta no gosto como critério ou cânon para julgar os objetos do sentimento, distanciando a arte cada vez mais do seu conceito original de técnica. Posteriormente, a arte seria definida pela sua capacidade de perceber a beleza, depois de contemplar um objeto e a habilidade de sua construção. ESTÉTICA | UnIDADE 2 43 A visão marxista, opondo-se à teoria estética burguesa, afi rma que a arte não é um tipo especial de objeto, mas um objeto no qual a função estética, habitualmente combinada com outras funções, é dominante. A arte dá prazer estético, mas isso não pode ser interpretado como senso de beleza ou um senso da forma percebida, já que tais aspectos são históricos e socialmente variáveis. A arte e a estética são fenômenos culturais limitados pelo espaço, pelo tempo e pelas condições históricas, e são manifestações ideológicas. A crítica marxista afi rma que a arte tornou-se um tipo de produção de mercadoria, e existe uma fantasia ao considerar a arte separada da produção. Na abstração da arte encontramos meios de negligenciar ou negar a transformação das obras de arte em mercadorias, dentro das formas dominantes da sociedade capitalista. A arte e a refl exão sobre a arte separam, através de uma abstração, os processos sociais nos quais ela está contida. A teoria estética é o principal instrumento dessa evasão. os critérios e valor estético da obra de arte Como saber o que é ou não obra de arte. Como encontrar critérios para decidir o que é ou não arte. Nossa cultura admite instrumentos específi cos através do discurso sobre o objeto artístico, que o crítico de arte, o historiador da arte, ou perito expressa. Outro critério é relacionar o lugar onde se encontram essas obras, se são em museus, galerias, salas de concerto, certamente se tratam de obras de arte. Também podemos saber se são obras de arte quando são declaradas como patrimônio artístico e protegidas por instituições legais. Comumente procuramos as obras de arte em museus, cinematecas, bibliotecas, essa existência concreta é evidentemente essencial. Mas, se por um lado a instalação de um objeto em museus transforma-o em arte, porque o curador do museu assim considera, por outro lado a incapacidade de expor num lugar convencional a obra de arte não tira o valor dela. Algumas obras de arte são efêmeras, feitas para decorar e depois serem destruídas, outras, como as improvisações Onde está o critério para saber que é arte?. E como avaliar arte? Será que existe hierarquia na arte? Ler e refl etir FILoSoFIA44 musicais, nunca registradas nem repetidas perderam-se, outras foram apresentadas para um público restrito ou foram ignoradas.Isso não enfraquece sua condição de obra de arte, apesar de sua impossibilidade de ser levada a um museu, ou concerto ou ante a avaliação de críticos ou especialistas. Esses critérios traçam uma linha divisória separando os objetos artísticos e os não artísticos. Eles pretendem estabelecer o valor das obras de arte, sua importância ou sofi sticação, em outras palavras, os critérios impõem hierarquia entre as obras de arte. Mas, tomando duas obras tidas como artísticas, o crítico de arte pode afi rmar certos critérios que indicam qual das obras é mais bem realizada. A crítica, portanto, tem o poder não só de atribuir o estatuto de arte a um objeto, mas de fazer classifi cações, segundo seus próprios critérios. Os conhecimentos de perspectiva, anatomia, aplicação de luz e sombra são técnicas que seguem regras instituídas pela academia de arte, e o seguimento de tais regras pode ser julgado objetivamente. Mas, os juízos sobre o valor do objeto artístico são de outra natureza e não se limitam a um julgamento técnico, então, que elementos infl uenciam os juízos de valor? Eles são fatores exteriores, que determinam a hierarquia dos objetos artísticos, são tendências que infl uenciam os juízos subjetivos de críticos e acadêmicos, por isso, não podemos apelar ao consenso, este não é estável, sofre contínuas mudanças. Algumas obras de arte obtêm tarde o reconhecimento do seu valor, isso indica que existem confl itos entre os critérios estabelecidos e a obra de arte. Às vezes a crítica pode ser injusta com algumas obras de arte, tanto assim que determinadas técnicas e assuntos deixam de ser de interesse e por esse motivo são excluídas de museus. E em alguns casos, são setores inteiros da arte que passam por essa indiferença. Essa situação nos mostra que as autoridades institucionais determinam os critérios do que é arte e o que não é. A história da arte e a crítica não se contentam com um veredicto sem justifi cações sobre a qualidade do objeto artístico. O princípio das classifi cações baseadas na ideia de estilo pareceu ser um bom critério para a crítica. Os críticos analisam, selecionam e julgam o Para ver o papel dos críticos e sua infl uência na arte, assistir o fi lme “Os Modernos” (1988) Diretor Alan Rudolph . A arte possui técnica de pintura, de música, de escultura, de literatura. Só avaliando os recursos técnicos podemos avaliar arte? A obra de arte necessita aceitação da crítica para ser arte? Ou da aceitação do público? Van Gogh foi rejeitado na sua época por ambos. ESTÉTICA | UnIDADE 2 45 valor das obras de arte, diferente dos historiadores, que evitam os julgamentos de valor. Apesar que os historiadores não conseguem evitar em muitos casos os critérios seletivos, pois seu estudo supõe uma escolha que privilegia alguns autores que representam algum estilo ou período, que servirá de objeto de estudo. Alguns historiadores da arte consideram que a arte tem uma história independente da história geral, da sociologia, da psicologia. Alguns consideram que as formas artísticas possuem suas leis próprias de transformação no tempo, que só podem ser encontradas na busca da própria forma estética. A história da arte possui leis específi cas e a especifi cidade das artes encontra-se nas formas, são elas que permitem um sistema classifi catório estático ou evolutivo. Ao estudar as formas estéticas tratamos de encontrar uma regularidade, para assim estabelecer princípios que caracterizam as formas em determinados períodos. Como podemos observar na obra de Panofsky, Idea: A evolução do conceito de beleza. O estilo, considerado um sistema de constantes formais, parece insufi ciente para cobrir a complexidade dos objetos artísticos. A riqueza do objeto artístico escapa sempre aos moldes do formalismo lógico ou de um reducionismo histórico. A obra de arte não precisa acomodar-se a um sistema ou estilo para ser considerada arte, essa tentativa classifi catória é um reducionismo seletivo, que tenta escolher e reduzir a obra de arte a alguns elementos que a determinam. Mas, por que escolher alguns elementos ou características e deixar outros de fora? Que critérios temos para despedaçar e fragmentar a obra de arte com o único fi m de encaixá-la numa classifi cação? A ideia de arte de ocidente não é própria a todas as culturas, nossa cultura possui uma forma muito específi ca de concebê-la. Algumas manifestações que para outras culturas são instrumentos de culto, de rituais, de magia, de encantação, para nós são arte. A noção de arte que hoje possuímos não teria sentido para os artesãos-artistas que elaboraram os mosaicos portugueses ou construíram a Giralda de Sevilha, nem para o escultor que realizava a máscara funerária de Tutankhamon. Erwin Panofsky (1892 - 1968) crítico e historiador da arte alemão, um dos principais representantes do chamado método iconológico, estudos acadêmicos em iconografi a. Estilo são os traços originais pelos quais se distingue a produção de um artista, de um grupo ou de uma época. FILoSoFIA46 Figura 3 - Vista da Catedral e da Torre La Giralda Fonte: http://picasaweb.google.com/lh/ photo/1YpMssm8f9VzLO876X7Riw Figura 4 - Máscara funerária de Tutankhamon Fonte: http://egyiptom.network.hu/kepek/ hatterkepek/maszk O valor da arte assinada pelos críticos não é uma característica imanente, é uma projeção de cultural. Somos nós que rotulamos alguns objetos como arte. É difícil delimitar a linha que separa os objetos artísticos dos não artísticos. O modelo da arte ocidental foi duramente criticado e desde o fi m do século XVIII as concepções de arte vêm ampliando- se através de outros conceitos de arte, como a arte oriental, africana, egípcia, popular, naif, arte industrial etc. Assim, podemos observar que a visão de artes dos museus, críticos ou historiadores é cada vez mais abrangente. Com o surgimento da arte do século XX, o conceito de obra de arte fi cou ampliado. Assim surgem movimentos o Surrealismo, a Arte Conceitual, a Pop Art, o Expressionismo Abstrato etc. e nomes como Tristan Tzara, Marcel Duchamp, Hans Arp, Francis Picabia, Max Ernst, Louis Aragon, Salvador Dali, Man Ray, Kurt Schwitters, Raoul Hausmann, Guillaume Apollinaire, Hugo Ball, Theo van Doesburg, Johannes Baader entre outros. Esses artistas desenvolveram um conceito muito particular de arte e fi zeram uma crítica radical à arte tradicional. O movimento ganhou este nome por combinar a intensidade emocional do expressionismo alemão com a estética antifi gurativa das Escolas. As obras desses artistas são consideradas vanguardas provocadoras em nosso século e se alimentaram da provocação e do escândalo. Todos eles fi zeram parte de movimentos que negaram a arte convencional. Mas, se observamos a história da arte, nem tudo o que consideramos arte surgiu como obra de arte, alguns eram simplesmente objetos ritualísticos, indumentária cerimonial ou religiosa. Assim, os vasos Surrealismo: movimento artístico e literário surgido primeiramente em Paris nos anos 20, inserido no contexto das vanguardas que viriam a defi nir o modernismo no período entre as duas Grandes Guerras Mundiais. Arte conceitual: movimento artístico da atualidade que defende a superioridade das idéias veiculadas pela obra de arte, deixando os meios usados para a criar em lugar secundário. Pop art: movimento artístico surgido no fi nal da década de 1950 no Reino Unido e nos Estados Unidos. Procurava a estética das massas, tentando achar a defi nição do que seria a cultura pop, aproximando-se do que costuma chamar de kitsch. Expressionismo abstrat: movimento artístico comorigem nos Estados Unidos da América, muito popular no pós-guerra. ESTÉTICA | UnIDADE 2 47 ritualísticos gregos deixaram de ser, para nós, instrumento ritualístico, e passaram a ser considerados arte. De maneira semelhante, o cartaz publicitário já não é instrumento de venda, agora é considerada arte e avaliado como tal. Assim também, a imagem do santo perdeu a sua função religiosa e hoje é arte. Mas, podemos ir ainda mais longe, a arte pode estender indefi nidamente seu campo. Para observar como o mesmo objeto é para alguns um investimento e para outros é um objeto de arte invalorável, assistir o fi lme “objeto do desejo” do diretor Michael Lindsay-Hogg. Figura 5 - Arte surrealista. “Persistência da Memória” de Salvador Dali. Fonte: http://surrealismodoacaso.wordpress. com/category/pintores/#wpcom-carousel-493 Figura 6 - Pop Art.Marilyn Monroe (1967) por Andy Warhol Fonte: http://www.dipity.com/martinsgouveia/ Artes-Plasticas/ Figura 7 - Arte conceitual. "Fonte" (1917) Marcel Duchamp Fonte: http://www.art-ba-ba.com/UpFile/ UpAttachment/200982541196466.jpg Figura 8 - Expressionismo Abstrato Jackson Pollock, nº 8 – detalhe, Óleo sobre tela, 1949. Fonte: http://sala17.wordpress.com/2009/10/30/ jackson-pollock-1912-1956/ FILoSoFIA48 Além de suas diversas representações, os objetos artísticos possuem também diversas funções sociais e econômicas dentro da sociedade, como um objeto religioso, um bem de consumo, a representação de um ideal político etc. Edmund Burke (1729-1797) e posteriormente Kant defenderam que a beleza não é o único valor estético que podemos encontrar na obra de arte. Assim, quando falamos de arte nosso conceito é amplo, vai desde as manifestações rupestres de Altamira, as esculturas gregas, os afrescos medievais, os vitrais, os cantos gregorianos, as pinturas renascentistas, as manifestações contemporâneas em seus diversos aspectos. Deste modo, cada obra de arte suscita no espectador sentimentos diferentes, que não podem ser reduzidos à experimentação do belo. No início do século XX, o fi lósofo neokantiano alemão Max Dessoir escreveu Estética e história da arte, na que distinguia cinco formas estéticas básicas: o belo, o sublime, o trágico, o feio e o cômico. A experiência do sublime implicava para Dessoir o olvido do próprio eu, no qual o medo é substituído por uma sensação de bem-estar e segurança ao enfrentar-se a um ser superior. Esta sensação é similar à experiência trágica como um estado exaltado da consciência, a partir da aceitação do sofrimento inevitável destinado aos seres humanos, e das oposições irresolúveis da vida. A seguir trataremos sobre o belo, o sublime e o feio. o belo Defi nir o belo é uma tarefa muito difícil, existe um imenso número de defi nições sobre o conceito, que são em muitos casos divergentes e até contraditórios. Mesmo sem possuirmos uma defi nição clara e lógica do conceito, somos capazes de identifi car algo com sendo “arte”, porque nossa atitude é de admiração. Consideram-se arte, as manifestações da atividade humana que provocam nosso sentimento de admiração. Os limites do conceito são ambíguos. Filósofo e político anglo- irlandês. Dedicou-se primeiramente a escritos fi losófi cos dos quais destaca- se An Inquiry into the Origin of Our Ideas of the Sublime and the Beautiful (“Investigação fi losófi ca sobre a origem de nossas ideias do Sublime e do Belo”) (1757). Filósofo alemão (1867 —1947). Em 1906 fundou a Revista de estética e ciência da arte em geral. Em 1909 organizou e dirigiu a Gesellschaft für Asthetik und Algemeine Kunstwissenschaft (Sociedade de estética e ciência das artes em geral). Com o advento do nazismo em 1933, Dessoir passou a enfrentar difi culdades e frustrações que culminaram com o Ministro da Propaganda, Goebbels, proibindo-o de ensinar, de falar em público e de publicar. Para ver a procura da beleza, assistir o fi lme “Moça com Brinco de Pérola” do diretor Peter Webber. Sobre a vida do pintor holandês Johannes Vermeer. ESTÉTICA | UnIDADE 2 49 Na Grécia antiga, a beleza não tinha um estatuto autônomo. Não é por acaso que a Beleza se encontra quase sempre associada a outras qualidades. Mesmo no período áureo da arte grega, a beleza é associada a outros valores, como a medida e a conveniência. Acrescenta-se a isso a desconfi ança em relação à poesia; arte e poesia podem alegrar a mente, mas não estão em conexão com a Verdade. O pintor ou escultor ao imitar a realidade está longe da verdade. Para Platão, a ordem e a beleza que vemos no Cosmo resultam de uma intervenção racional de um divino artesão, o “demiurgo”, que impôs uma ordem matemática a um caos preexistente e, assim, produziu um Universo divinamente organizado, a partir de um modelo eterno e imutável. Platão identifi ca o bem com o belo, assim vemos no Hipias Maior: Se o belo, portanto, for causa do bem, o bem será produto do belo, sendo, por isso, como parece que nos esforçamos em pós da sabedoria e das demais coisas belas, porque o produto a que dão origem, a saber, o bem, é merecedor desse esforço. Daí, ser possível arcarmos por descobrir que o belo é, de algum modo, pai do bem (PLATÃO, 1980, 297b). No Timeu, o belo é identifi cado com o bom, porque “tudo o que é bom é belo e o que é belo não é assimétrico”(PLATÃO, 2011, 87c). No Hipias Maior, Platão argumenta que “nem o bem pode ser belo, nem o belo pode ser bom, se cada um deles for algo diferente” (PLATÃO, 1980, 304a). O belo platônico é harmonioso como a verdade matemática ou a música que tem, assim, a “falta de graça, de ritmo ou de harmonia é parente próxima da alma viciosa e dos maus costumes”. Ele censura a falta de beleza e bondade ao mesmo tempo porque para ele são qualidades inseparáveis. Sócrates — E, decerto, por esta razão, meu caro Glauco, que a educação musical é a parte principal da educação, porque o ritmo e a harmonia têm o grande poder de penetrar na alma e tocá-la fortemente, levando com eles a graça e cortejando-a, quando se foi bem-educado. E também porque o jovem a quem é dada como convém sente muito vivamente a imperfeição e a feiúra nas obras da arte ou da natureza e experimenta justamente desagrado. Louva as coisas belas, recebe-as alegremente no espírito, para fazer delas o seu alimento, e tornar-se assim nobre e bom; ao contrário, censura justamente as coisas feias, Grande artífi ce, o criador do Mundo material. Para os Neoplatónicos é o “Logos”. No diálogo o Timeu, o Demiurgo é o agente que modela a matéria caótica de acordo com modelos perfeitos e eternos. FILoSoFIA50 odeia-as logo na infância, antes de estar de posse da razão, e, quando adquire esta, acolhe-a com ternura e reconhece-a como um parente, tanto melhor quanto mais tiver sido preparado para isso pela educação (PLATÃO, 2000, 401e). Era necessário censurar o feio, para provocar ódio do feio desde muito cedo. O mais belo é o mais amável. E como a beleza está ligada à ética e ao conhecimento, então aquele que ama verdadeiramente é amante da sabedoria e da beleza, temperante e músico ao mesmo tempo. A música sempre deve acabar no amor ao belo. Figura 9 - O Nascimento de Vénus é uma pintura de Sandro Botticelli. Fonte: http://labspace.open.ac.uk/file.php/1456/kmap/1283803755/images/botticelli-venus.jpg Platão conferiu um sentido metafísico à beleza. Neste sentido, o conceito platônico de beleza rejeita as artes plásticas, porque estas imitam ou copiam o mundo sensível, confundindo nossa alma, que não pode aproximar-se da ideia de verdade nem de beleza. As artes plásticas são alheias ao conceito de beleza. Platão limita o círculo de arte deacordo como o seu conceito de ideia de beleza. O belo é um conceito metafísico, identificado com o bem, com a verdade e com a perfeição. A beleza existe em si, separada do mundo sensível. Uma coisa é mais ou menos bela conforme a sua participação da ideia suprema de beleza. Neste sentido criticou a arte que se limitava a “copiar” a natureza, o mundo sensível, afastando assim o homem da beleza que reside no mundo das ideias. A arte estava ligada à lógica e à retórica, e foi colocada no mesmo plano que a ciência; e a execução, enquanto caráter experimental, sempre ESTÉTICA | UnIDADE 2 51 foi relegada a um plano inferior, a ponto do material e da técnica não serem considerados elementos constitutivos da produção da beleza. Na concepção neoplatônica, a manifestação da beleza artística, visível, é o refl exo de uma beleza invisível, sendo uma manifestação da beleza absoluta. Agostinho teve que substituir esse espírito impessoal do neoplatonismo pelo apelo a um Deus cristão. Ele procura uma fi losofi a que seja o caminho para a felicidade no sentido cristão, que leve à salvação. Agostinho adota algumas posições dos seguidores de Platão e lhes junta a fi gura de Cristo. Com esses elementos iniciais ergue sua fi losofi a, que muito infl uenciaria o pensamento ocidental e que, em alguns aspectos, conserva ainda hoje toda a sua força polêmica. Agostinho, nas Confi ssões, reconhece que a beleza longe de pertencer apenas aos objetos, reside no espírito do artista, o qual transfere para a matéria essa beleza e a transforma em obra de arte. Essa obra é apenas uma débil manifestação da beleza da alma do artista. As belezas que da alma do artista passam para suas mãos, provêm desta beleza, que é superior às nossas almas e pela qual minha alma suspira dia e noite (SANTO AGOSTINHO, 1999, p.295). O artista é um mediador entre Deus e o mundo material. Agostinho difundiu uma concepção da beleza, que identifi ca Deus com a beleza, o bem e a verdade. Agostinho argumenta que Deus é a fonte de beleza que alimenta a faculdade de julgar a beleza. Buscando, pois, o motivo por que é que aprovara a beleza dos corpos, quer celestes, quer terrenos, e que coisa me tornava capaz de julgar e dizer corretamente dos seres mutáveis: “Isto deve ser assim, aquilo não deve ser assim”, procurando qual fosse a razão deste meu raciocínio ao exprimir-me naqueles termos, descobri a imutável e verdadeira Eternidade, por cima da minha inteligência sujeita à mudança (SANTO AGOSTINHO, 1999, p. 157). Agostinho concebeu a beleza como toda harmoniosa, isto é, com unidade, número, igualdade, proporção e ordem. A beleza do mundo não é mais do que o refl exo da suprema beleza de Deus, de onde tudo emana. Assim refere-se Agostinho em Confi ssões, “ó mais belo de todos os seres, Criador de tudo, ó Deus tão bom, Deus soberano e meu Para refl etir sobre a arte, que reside no espírito de artista, assistir “Minha amada imortal” do diretor Bernard Rose. FILoSoFIA52 verdadeiro Bem” (SANTO AGOSTINHO, 1999, p.70). Agostinho acredita que a partir da beleza das coisas podemos chegar à beleza suprema. Nas Confi ssões encontramos uma bela declaração de sua satisfação ao encontrar a manifestação da Beleza divina, a qual dá uma sensação que se aproxima ao prazer sensual: Tarde Vos amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei! Eis que habitáveis dentro de mim, e eu lá fora a procurar-Vos! Disforme, lançava-me sobre estas formosuras que criastes. Estáveis comigo, e eu não estava convosco! Retinha-me longe de Vós aquilo que não existiria se não existisse em Vós. Porém chamastes-me com uma voz tão forte que rompestes a minha surdez! Brilhastes, cintilastes e logo afugentastes a minha cegueira! Exalastes perfume: respirei-o, suspirando por Vós. Saboreei-Vos, e agora tenho fome e sede de Vós. Tocastes-me e ardi no desejo da vossa paz (SANTO AGOSTINHO, 1999, p. 285). É o prazer do místico que encontra a Deus e se deleita com um prazer que envolve todo seu corpo e suas sensações se manifestam na plenitude de sentir-se próximo do criador. Esta plenitude não se esgota nas sensações, ela vai além, é uma plenitude espiritual. Tomás de Aquino na Summa theologiae menciona, no âmbito da doutrina da trindade, algumas determinações para a beleza: primeiramente, “pureza” ou “perfeição” (perfectio), a “devida proporção” ou “harmonia” e “brilho” ou “clareza”. Aquino atribui a Deus como causa do belo a origem do brilho e da harmonia que se manifestam juntos no conceito do belo e do honorável. A beleza do corpo consiste em ter membros bem proporcionados e de uma cor brilhante, isto é, saudável, ao passo que a beleza do espírito implica um uso bem ordenado dos dons espirituais segundo a clareza espiritual da razão. O belo possui o seu conteúdo sensível próprio justamente na medida em que diz respeito à causa formal. Tomás considera que a proporção tem que estar presente, tanto nas estátuas como nas melodias, ainda que ele também fale da proporção puramente pensável dos atos morais, que ele considera beleza espiritual. E como anota Umberto Eco, essa proporção constitui um dos sustentáculos da concepção da estética medieval, é a adequação da coisa a sua função e Tomás de Aquino (1225- 1274) padre dominicano, fi lósofo, teólogo, expoente da escolástica, proclamado santo e cognominado Doctor Communis ou Doctor Angelicus pela Igreja Católica. Umberto Eco (1932-) escritor, fi lósofo, semiólogo, linguísta e bibliófi lo italiano. Seus primeiros trabalhos dedicaram-se ao estudo da estética medieval. A partir da década de 1960, estuda as relações entre a poética contemporânea e a pluralidade de signifi cados. ESTÉTICA | UnIDADE 2 53 é o que a escolástica chama de perfeito prima. Para o homem medieval uma coisa é feia se não se insere na hierarquia natural e nos fi ns para os quais ela foi feita. Para Tomás de Aquino o bom seria tão louvável quanto o belo e o verdadeiro, uma vez que o belo acrescenta ao bom uma relação à faculdade de conhecimento. As representações medievais da beleza não dizem respeito à beleza artística ou à subjetividade criadora do homem, mas pertencem antes à teologia ou à metafísica. A Idade Média não produziu uma teoria da arte, mas sempre se manteve em concordância com a doutrina clássica grega do fazer artístico, que considerava o trabalho algo desprezível e a arte uma produção a partir de regras. A beleza tanto para Agostinho como para Tomás de Aquino é um conceito místico. Para Alberti a beleza consiste numa harmonia e num acordo das partes com o todo, segundo determinações de número, proporção e ordem. E que a faculdade de perceber a beleza só podia ser adquirida pela experiência. Já Giordano Bruno contra a rigidez matemática das regras, ordem e proporção que caracterizam a ideia de beleza, manifesta que as verdadeiras regras só existem no espírito dos verdadeiros artistas. Assim podemos entender a ruptura da beleza proposta pelo classicismo e o surgimento da beleza tipicamente maneirista. As matemáticas que o Renascimento considerava o fundamento mais seguro da beleza são questionadas. Os artistas não só devem ser claros, eles devem principalmente ser livres, não depender de regras. Kant, na Crítica da Faculdade de Julgar, afi rma que uma coisa é bela em função de uma simples observação subjetiva. Kant distingue o belo do bom e do agradável. O belo resulta de uma refl exão subjetiva sobre um objeto, sem necessidade de saber que coisa deva ser esse objeto, ou seja, uma coisa bela não pede um conceito sobre a coisa em si. A existência de juízos estéticos é um fato evidente para Kant, o belo não pode ser uma propriedadeobjetiva das coisas, mas sim algo que é produto da relação objeto-sujeito. É a propriedade que nasce da relação dos objetos com o nosso sentimento de prazer, o que dará lugar ao juízo de gosto. Esse juízo não é cognoscitivo, já que não podem comunicar-se apelando a conceitos ou a uma regra lógica geral, mas produz refl exão. Leon Battista Alberti (1404- 1472) arquiteto e teórico de arte: um humanista italiano. Filósofo da arquitetura e do urbanismo, pintor, músico e escultor. Personifi cou o ideal renascentista do «uomo universale», o letrado humanista capaz em numerosos campos de atividade. Giordano Bruno (1548 -1600) teólogo, fi lósofo, escritor e frade dominicano italiano condenado à morte na fogueira pela Inquisição. Não foi queimado na fogueira por defender o heliocentrismo de Copérnico, senão por sua tese do universo infi nito, povoado por uma infi nidade de estrelas, como o Sol, e por outros planetas, nos quais, assim como na Terra, existiria vida inteligente. FILoSoFIA54 Kant observa que o Belo é o objeto de prazer sem interesse, isto é, que não está ligado aos sentidos nem ao útil nem ao econômico ou ao bem moral. “Beleza é a forma da conformidade a fins de um objeto, na medida em que ela é percebida nele sem representação de um fim” (KANT, 1993, p. 54). O Belo é originado de um objeto de complacência independente de todo interesse. Para Kant, os juízos estéticos têm um fundamento subjetivo, dado que estes não se podem apoiar em conceitos determinados. A posição de Kant é moderna, com isto queremos dizer que valoriza a subjetividade do gosto e iguala aos seres humanos, porque todos os sujeitos têm a capacidade de ter gosto. Kant acredita que todos têm a liberdade de gostar ou não gostar, mas temos um senso comum como condição para poder comunicar o juízo estético. O belo nos dá uma impressão de ordem e de harmonia e é reconhecido como objeto de prazer, algo subjetivo que se impõe a todos os homens. O Belo agrada universalmente, produz prazer universal, porque vale para todos os homens. Como o juízo do belo é meramente contemplativo e sem qualquer interesse, não pode ser um juízo do conhecimento. O juízo estético é o livre jogo e harmonia entre a representação e o nosso intelecto, entre a fantasia e o intelecto. O juízo de gosto é o efeito do livre jogo das faculdades cognoscitivas. Hegel defende o belo artístico como o único com interesse estético. Segundo Hegel, a Ideia do bem, da verdade e do belo se complementam, porque, em suma, só há uma Ideia. Tudo o que existe contém a Ideia. Para este filósofo é preciso partir da ideia de belo, porque é dela que se deduzem as belezas particulares, e não das belezas particulares que se deduz o conceito. Hegel considera que o belo artístico é superior ao belo natural, por ser um produto do espírito. O que fruímos da beleza artística é a liberdade das produções e das formas, como se pela criação e contemplação das obras de arte escapássemos aos entraves das regras e regulamentos [...] Enfim, as obras de arte brotaram da atividade livre da imaginação, mais livre do que a da natureza (HEGEL, 1997, p.15). A arte para Hegel dispõe das riquezas da beleza natural e da criatividade. O belo artístico é um produto do espírito, por isso, só o podemos encontrar nos seres humanos e nas obras que eles produzem. ESTÉTICA | UnIDADE 2 55 A estética ocupa-se em primeiro lugar da ideia do belo artístico como ideal. O romantismo de Schiller, Goethe e Schelling defi nira o belo como o infi nito no fi nito. Hegel completará este aforismo com uma refl exão especulativa mais ambiciosa: o belo, que do objeto aparece no sujeito, é “em si mesmo infi nito e livre”. Lukács e Brecht, com uma visão marxista, empenharam-se na defi nição do belo artístico como expressão do homem social, trabalhador e criador. Visando a unidade do verdadeiro, do bom e do belo, a estética marxista-leninista vai mais além da obra de arte na procura do signifi cado do belo. Toda a obra de arte é um refl exo da consciência social. O belo não é uma realidade absoluta e intocável pelo humano: o belo é o resultado do trabalho humano realizado em comunidade. o sublime O termo sublime vem do latim sublimis e signifi ca “que se eleva” ou “que se sustenta no ar”, e entrou em uso no século XVIII, para indicar uma nova categoria estética, que se distinguia do belo e do pitoresco. O sublime provoca reações estéticas na qual a sensibilidade se volta para aspectos extraordinários e grandiosos da natureza, considerada um ambiente hostil e misterioso, que desenvolve no indivíduo um sentido de solidão. Inicialmente o sublime foi empregado na retórica e na poesia, passando a ter aceitação mais ampla após 1674, quando foi publicada a tradução do Tratado sobre o sublime, escrito no fi nal do século I ou no século III, pelo pouco conhecido escritor grego Longino ou Pseudo-Longino, e que consiste fundamentalmente numa beleza extrema, capaz de levar ao espectador ao êxtase, além da sua racionalidade, ou inclusive de provocar dor por ser impossível de assimilar. O tratado de Longino sobre o sublime e o conceito mesmo, permaneceram desconhecidos durante toda a Idade Média. Só fi caram com certa notoriedade e infl uência no século XVI. Durante o século XVII, os conceitos de Longino sobre a beleza gozaram de grande estima, e Filósofo húngaro (1885 -1971) inicialmente um crítico infl uenciado por Kant e fi nalmente marxista. Dramaturgo, poeta e encenador alemão do século XX. Ao fi nal dos anos 1920 Brecht torna-se marxista. Longino é o nome convencional que se da ao autor do tratado (“Sobre o sublime”), centrado no conceito de beleza, no especial na literatura. Longino, o pseudo-Longino (posto que seu nome real é desconhecido) era um professor de retórica o crítico literário que viveu entre o século III a. C. e o século I. Para observar o sublime na obra de Miguel Angel, que não se conforma com o belo, assistir o fi lme “A Agonia e o êxtase”, do diretor Carol Reed. FILoSoFIA56 foram aplicados à arte barroca. A obra foi objeto de dezenas de edições durante esse século. Sem embargo, durante esse período ainda se considerava o Tratado sobre o sublime como una obra demasiado primitiva como para ser aceitável pelo civilizado homem moderno. A recuperação moderna do conceito de sublime surge no Reino Unido, no século XVIII, dentro da fi losofi a empirista. Ao retomar o conceito de sublime esboçado por Longino, ele foi elevado de categoria retórica a general, sendo trasladado da linguagem para a imagem. Assim, o conceito de “sublime” teve grande popularidade durante o Barroco, na Alemanha e Inglaterra do século XVIII, sobretudo, durante o primeiro Romantismo. O sublime é semelhante ao belo, porque também agrada. A diferença está no fato de que o belo diz respeito da forma do objeto, produz um prazer positivo, enquanto o sublime produz um prazer negativo próximo ao desprazer. Segundo Kant: O sentimento do sublime é, portanto, um sentimento do desprazer a partir da inadequação da faculdade da imaginação […] A sublimidade não está contida em nenhuma coisa da natureza, mas só em nosso ânimo, na medida em que podemos ser conscientes de ser superiores à natureza em nós e através disso também a natureza fora de nós (KANT, 1993, p. 110) . O sublime não está nas coisas e sim no homem. O sublime pode ser de duas espécies: matemático e dinâmico. O primeiro é dado pelo imensamente grande, como o oceano, o céu etc. e o segundo pelo imensamente potente, como os terremotos, vulcões etc. “A sublimidade não está contida em nenhuma coisada natureza, mas ó em nosso estado de ânimo, na medida em que podemos ser conscientes de ser superiores à natureza em nós e através disso também à natureza for a de nós” (KANT, 1993, p.112). O homem se descobre pequeno e se sente esmagado, mas, por outro lado, descobre ser superior àquele imensamente grande ou potente, dado que leva as ideias de razão, que superam aquilo que parecia imponente ante suas limitações humanas físicas. Como conceito estético, o sublime designa uma qualidade de extrema amplitude ou força, que transcende o belo. O sublime é ligado ao sentimento de inacessibilidade diante do incomensurável. Como tal, o sublime provoca espanto, inspirado pelo medo ou respeito. Para observar o sublime na obra de Miguel Angel, que não se conforma com o belo, assistir o fi lme “A Agonia e o êxtase”, do diretor Carol Reed.: Movimento de reação ao iluminismo (q. v.), cujos representantes principais foram Johann Gottlieb Fichte (1762-1814), Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling (1775-1854), Friedrich von Schlegel (1772-1829) e Hegel (v. hegelianismo), fi lósofos idealistas alemães, e o teólogo alemão Friedrich Ernst Daniel Schleiermacher (1768-1834), que, na busca da unidade com o Absoluto, preconizava a volta aos temas medievais, a inspiração nas religiões orientais, a exaltação dos instintos, dos sentimentos, da imaginação e da fantasia, e a valorização dos transportes místicos. ESTÉTICA | UnIDADE 2 57 Edmund Burke na obra Uma investigação fi losófi ca sobre a origem de nossas ideias do sublime e o belo (1756) argumenta que o sublime e o belo são categorias que se excluem mutuamente, do mesmo modo que a luz e a obscuridade. A beleza pode ser acentuada pela luz, mas tanto o excesso de luz como a total ausência de luz são sublimes, no sentido que podem nublar a visão do objeto. A imaginação vê-se assim arrastada a um estado de horror em direção do “obscuro, incerto e confuso”. Este horror, sem embargo, também implica um prazer estético, obtido da consciência que essa percepção é uma fi cção. Burke descreveu o sublime como o temor controlado que atrai a alma, presente em qualidades como a imensidade, o infi nito, o vazio, a solidão, o silêncio etc. Este autor qualifi cou a beleza como “amor sem desejo”, e o sublime como “assombro sem perigo”. Assim, criou uma estética fi siológica, já que para Burke a beleza provoca amor e o sublime temor, que podem sentir-se como reais. Introduzindo igualmente a categoria do “patético”, emoção igualável ao prazer como sentimento, que provém das experiências como a obscuridade, o infi nito, a tormenta, o terror etc. Esses sentimentos produzem uma “purgação”, recolhendo de novo a teoria da “catarse” de Aristóteles. O conceito do sublime também foi adotado por Immanuel Kant, que publicou em 1764 Observações sobre o caráter do belo e o sublime, que retoma mais tarde na Crítica do Juízo (1790). Em ambas as obras, Kant investigou o conceito de sublime e o defi niu como “o que é absolutamente grande”, que ultrapassa o espectador e causa uma sensação de desprazer e pode dar-se unicamente na natureza, ante a contemplação afl itiva de algo cuja mesura ultrapassa nossas capacidades. O sublime é semelhante ao belo, porque também agrada “por si mesmo”. A diferença está no fato de que o belo diz respeito à forma do objeto e a forma é caracterizada pela limitação, ao passo que o sublime também diz respeito àquilo que é informe e que, enquanto tal, implica a representação do limitado. O belo produz prazer positivo, enquanto o sublime produz prazer negativo e por vezes desprazer. O sublime não se pode unir a algo atrativo e como o espírito não é simplesmente atraído pelo objeto, mas alternadamente atraído e repelido. O prazer do sublime não é tanto uma alegria positiva, mas muito mais, um Patético: que comove a alma, despertando um sentimento de piedade ou tristeza; confrangedor, tocante. Catarse: o efeito moral e purifi cador da tragédia clássica, conceituado por Aristóteles (v. aristotelismo), cujas situações dramáticas, de extrema intensidade e violência, trazem à tona os sentimentos de terror e piedade dos espectadores, proporcionando-lhes o alívio, ou purgação, desses sentimentos. FILoSoFIA58 contínuo maravilhamento e estima, isto é, merece ser chamado de prazer negativo. O espírito tende à comoção ao se representar o sublime, ao passo que, representando-se o belo, “goza de calma da contemplação”. Mas o sublime não está nas coisas e sim no homem. Belo é uma contemplação silenciosa, calma, enquanto a experiência sublime agita e move o espírito, algumas vezes pelo temor. O poder da experiência estética chama a nossa força, e a natureza é sublime porque levanta a imaginação para a apresentação de casos em que a mente pode fazer por si mesmo a sublimidade muito sensível de seu destino, mesmo sobre a natureza. Para Kant, o sublime é o excesso que transborda e vai para o infi nito enquanto o belo é a forma contida, limitada e humana. A sublimidade é o superlativo da beleza e se manifesta numa experiência de algo absolutamente fantástico, que chega ao limite da imaginação. Para esclarecer o conceito de sentimento sublime, Arthur Schopenhauer fez uma lista dos passos intermediários do belo ao sublime em seu O Mundo como Vontade e Representação. Para este fi lósofo, o senso de beleza surge apenas a partir da observação de um objeto benigno. No belo o predomínio do sentimento puro se exerce sem luta, a beleza do objeto, isto é, sua constituição, facilitando o conhecimento de sua ideia, afastando a vontade e o conhecimento das relações que coroam seus serviços sem oposição, e portanto, imperceptivelmente, da consciência, que persiste como puro sujeito do conhecimento, destituído inclusiva de toda recordação de vontade; em contraposição, em face do sublime, este estado de conhecimento puro é conquistado primeiramente por meio de uma libertação violenta das relações do objeto com a vontade reconhecidas como desfavoráveis, por meio de uma elevação, livre e consciente acima da vontade e do conhecimento a ela referido (SCHOPENHAUER, 1974, p.42). O sentimento do sublime, no entanto, é o resultado da observação de um objeto maligno de grande magnitude, de tal intensidade que poderia até destruir o observador. O sublime, como conceito estético, estava também na base do modernismo, que intentava substituir o belo, ao liberar o observador Arthur Schopenhauer (1788-1860) foi um fi lósofo alemão do século XIX. Seu pensamento é caracterizado por não se encaixar em nenhum dos grandes sistemas de sua época. Foi o fi lósofo que introduziu o Budismo e o pensamento indiano na metafísica alemã. Ficou conhecido por seu pessimismo. ESTÉTICA | UnIDADE 2 59 das limitações de sua condição humana. O sublime aponta a uma aporia da razão, em direção ao infinito, conceito que vai além do limite de nossa capacidade conceitual e revela a multiplicidade e instabilidade do mundo pós-moderno. Figura 10 - Capela Sistina, sua decoração em afrescos foi pintada pelos maiores artistas da Renascença, incluindo Michelangelo, Rafael, Bernini e Sandro Botticelli. Fonte: http://blogs.estadao.com.br/jt-radar/files/2010/11/capela-sistina.jpg O sublime teve grande relevância no romantismo: os românticos tinham a ideia de uma arte que surge espontaneamente do indivíduo, destacando a figura do “gênio”. Exalta-se a natureza, o individualismo, FILoSoFIA60 o sentimento, a paixão, uma nova visão sentimental da arte e a beleza que leva o gosto até seus extremos, isto pode estar representado pelo obscuro, o tenebroso, o irracional, que para osromânticos era tão válido como o racional e luminoso. Para Nietzsche “a arte, só ela é capaz de converter aqueles pensamentos de nojo sobre o susto e o absurdo da existência em representações com as quais se pode viver: o sublime” (NIETZSCHE, 1992, p.7). Ante esse susto que o homem vê em todas partes a música o ajuda, a arte surge como uma esperança. O pitoresco é um tipo de representação artística baseada em determinadas qualidades como seriam a singularidade, irregularidade, extravagância, originalidade ou a forma graciosa ou caprichosa de determinados objetos, paisagens ou coisas suscetíveis de serem representadas de forma pictórica. Assim, sobretudo no gênero da paisagem, na arte romântica se unem o sublime e o pitoresco para produzir uma série de representações que geram novas ideias ou sensações, emoções e sentimentos. A paisagem romântica tinha predileção pela natureza grandiosa: grandes céus e mares, grandes montanhas, desertos, glaciais, vulcões, assim como pelas ruínas, os ambientes noturnos ou tormentosos, as cascatas, as pontes sobre rios etc. Sem embargo, não só o mundo dos sentidos proporciona uma visão sublime, também existe uma sublimidade moral, presente em ações heroicas, em os grandes atos civis, políticos ou religiosos, como se poderá ver nas representações da Revolução francesa. Igualmente como existe a sublimidade pela solidão, a nostalgia, a melancolia e o mundo interior de todos os indivíduos. o feio Não é possível dissociar o belo do seu antônimo: o feio. Se um objeto é considerado feio é porque não possui aquilo que se julga ser belo, mas como tal consideração é sempre subjetiva, o que é feio para uns pode ser até sublime para outros e vice versa. Para observar o feio na arte, assistir “As sombras de Goya”, direção de Milos Forman. ESTÉTICA | UnIDADE 2 61 Partindo da crítica de Rousseau à civilização, o conceito de beleza se afastou dos cânones clássicos, reivindicando a beleza ambígua, que aceita aspectos como o grotesco e o macabro, que não supõem a negação da beleza. Valorizou-se a cultura clássica, mas com uma nova sensibilidade, valorando o antigo, o primário, como expressão da infância da humanidade. Assim valorizou-se a Idade Média, como época de grandes gestos individuais, em paralelo a um renascer dos sentimentos nacionalistas. O novo gosto romântico teve especial predileção pela ruína, por lugares que expressam imperfeição, mas, às vezes, evocam um espaço espiritual, de recolhimento interior. Karl Rosenkranz, em 1855, publica a Estética do Feio, perturbado pelo fenômeno e querendo controlar a disseminação do feio. Tudo indica que o feio é uma invenção necessária da metafísica do belo. No diálogo Parmênides, Sócrates revela a difi culdade em aceitar os objetos “grosseiros”. Ao ser perguntado por Zenão se coisas como a lama, o lixo ou os excrementos participam de uma forma ou ideia do lixo ou da ideia do excremento, ele nega uma forma dessas coisas. Filósofo alemão, discípulo de Hegel. Figura 11 - “Aquelarre” de Francisco Goya Fonte: http://egosumqui.blogspot.com/2011/10/diez- pinturas-macabras.html FILoSoFIA62 O feio tem uma função moral, na teologia política medieval o feio é usado para descrever o mundo controlado pelo dispositivo teológico que faz dele um momento provisório da história da redenção. Daí que surge no Inferno de Dante, onde abundam imagens de excrementos, monstros e dor entre outros. O mesmo ocorre na pintura cristã, nas crucificações ou nas tentações, em que os demônios, seres horríveis, representam o mal e o pecado. Estes são exibidos para ajudar a serem vencidos, trata-se de usar o feio para conduzir e orientar a vida cristã. Na arte medieval, as criaturas disformes são símbolos do perigo que acomete ao homem e representa aquilo que deve temer e combater. O desconhecido e perigoso representa o pecado, através de figuras horríveis tentam dar uma imagem do diabo. Mas, o feio na arte não tem só esse fim de educar moralmente. A arte não pode controlar o feio dentro da própria arte, ela surge como uma necessidade de expressão do artista. Hegel analisa a autonomia do feio, presente nas imagens das tentações ou crucificações. O feio, que servia para a salvação, para a sua purificação, chega a um ponto que se pode manter como conceito estético, ou que se pode definir a arte relativamente a ele. Como vimos, o feio é um momento do belo. Se a estética corresponde a normas e regras que permitem a repetição do belo na criação de múltiplas obras, o informe ou o monstruoso têm uma relação com a arte ao excederem e transgredir a norma. De tal maneira surge o feio, que introduz outra forma de manifestar a arte e de usá-la para fins não artísticos: a salvação, a moral, a emancipação, o protesto etc. Libertado do ritual religioso ou moral, o feio é outra versão do mesmo fenômeno de beleza. Em alguns contextos, o feio foi considerado como uma categoria de combate contra a arte. É indubitável que as imagens do feio, as formas do grotesco, do abjeto, do informe etc. tenham vindo a aumentar. A velhice e a morte são formas que servem para evidenciar as horripilantes formas que o ser humano pode assumir. Segundo Adorno, o belo surgiu do feio: “É um lugar comum observar que a arte não se deixa absorver no conceito de belo, mas para realizá- lo, precisa do feio como sua negação” (ADORNO, 2008, p. 77). Com isso o feio não foi suprimido da arte, pelo contrário, a dissonância (o ESTÉTICA | UnIDADE 2 63 feio) passou a constituir um momento da arte. Algumas obras arcaicas possuem essa característica que na arte moderna passou a dominar as obras. Mas, existe uma harmonia no feio e “tão inteiramente dinâmica é a categoria do feio, como igualmente necessária é a sua contraparte, a categoria do belo” (ADORNO, 2008, p. 78). O feio faz parte de uma representação que denuncia o mundo que o cria, mas a crueldade e a fealdade na arte não são unicamente uma representação, o cruel é uma refl exão crítica. A arte dos movimentos europeus de vanguarda, considerada por muitos como uma feia caricatura da realidade, se caracteriza por rejeitar os conceitos clássicos de harmonia e gosto. Nos movimentos de vanguarda, a feiura atinge sua maior expressão. O que é considerado feiura, muitas vezes, é a quebra com os cânones da arte, aceitos pela sociedade. A arte também muitas vezes tenta representar aquilo que desejamos esconder e ignorar, aquilo que é tabu na sociedade ou aquilo que envergonha e que, entretanto, insiste em existir. A miséria, a violência, a ignorância, a irresponsabilidade, a guerra, a fome, a doença são apenas alguns exemplos da feiura. O artista converte aquela realidade em arte, e com isso ele manifesta o que sente ante essa feiura, que sempre foi um tema inspirador da arte. RESUMo 1. Na fi losofi a antiga, as noções de arte e de belo eram consideradas distintas e reciprocamente independentes. Os conceitos de arte e belo estão estreitamente unidos na fi losofi a moderna e contemporânea. 2. A partir do século XVIII, a arte passou a signifi car belas-artes e os problemas relativos às belas-artes tornaram-se pertencentes ao domínio da Estética. 3. O valor da arte é uma projeção de cultural, assim, fi ca difícil delimitar a linha que separa os objetos artísticos dos não artísticos. Com o surgimento da arte do século XX, o conceito de obra de arte fi cou ampliado. Adorno a valorizar a arte, sobretudo a arte de vanguarda, já por si problemática - a música atonal de Arnold Schönberg, por exemplo -, porque supõem uma independência total em relação ao que representa a razão instrumental.FILoSoFIA64 4. O belo está ligado ao bem e a verdade, assim como a Deus. Assim como a harmonia, a ordem e a proporção. O belo também resulta de uma refl exão subjetiva sobre um objeto. 5. Os marxistas defi nem o belo como uma expressão social, que contempla também a verdade e o bem. 6. O sublime não está nas coisas e sim no homem. O homem se descobre pequeno, mas descobre ser superior àquilo imensamente grande ou potente. 7. O feio faz parte da arte, surge como uma necessidade de expressão do artista. Ele servia para orientar moralmente, educar, como expressão emancipadora, de protesto etc. Leia e comente sobre o status da arte e sua fi nalidade a partir da leitura de “a natureza e o artista”. Que signifi ca a expressão “arte pela arte”? Autor: BAGGINI, Julian. O porco fi lósofo: 100 experiências de pensamento para a vida cotidiana. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2006. p.116-118 A natureza é o artista Daphne Stone não conseguia resolver o que fazer com sua obra favorita. Como curadora do museu, sempre adorara uma obra sem título de Henry Moore, descoberta postumamente. Admirava sua combinação de contornos sensuais e equilíbrio geométrico que juntos capturavam os aspectos matemáticos e espirituais da natureza. Pelo menos, era isso o que achava até a semana passada, quando foi revelado que aquela não era uma obra de Moore. Pior, não fora criada por mão humana, mas pela ação do vento e da chuva. Moore comprara a pedra para trabalhar nela, apenas para chegar à conclusão de que não conseguiria melhorar a natureza. Mas quando ela foi encontrada, todos supuseram que Moore devia tê-la esculpido. ESTÉTICA | UnIDADE 2 65 Stone ficou atordoada pela descoberta e sua reação imediata foi retirar a “obra” de exibição. Mas então se deu conta de que aquela revelação não mudara a pedra, que ainda tinha todas as qualidades que ela admirava. Por que seu novo conhecimento de como a pedra fora produzida podia agora mudar sua opinião sobre o que ela era por si só? A ideia que precisamos entender o que um artista queria fazer para apreciar suas obras de maneira apropriada saiu de moda desde que Wimsatt e Beardsley a criticaram como a “falácia intencional” nos anos 1950. A nova ortodoxia era que, depois de criadas, as obras de arte ganham vida própria, independente de seus criadores. A interpretação do artista para o trabalho não tem qualquer autoridade especial. O distanciamento entre o artista e seu trabalho tinha sido proposto muitas décadas antes. A ideia de que artistas deviam ter uma mão na criação de sua obra foi desafiada em 1917 quando Duchamp assinou e exibiu um mictório. Objetos «encontrados» ou ready- mades tinham tanto direito ao status de arte quanto a Mona Lisa. Sob essa perspectiva histórica, pode parecer que o fato de Moore não ter esculpido a pedra não tem importância. Mas parece que tem. O artista pode ser separado de seu trabalho, mas não completamente eliminado. Pense na Mona Lisa. Nossa admiração por ela pode não depender de sabermos o que Leonardo tinha em mente quando a pintou, mas sem dúvida está enraizada em nosso conhecimento de que é um artefato humano. Mesmo com o mictório de Duchamp, nosso conhecimento de que ele não fora criado como obra de arte, mas que Duchamp o selecionara e o colocara no contexto de arte, é essencial para que o vejamos como arte. Nos dois casos, o papel da intervenção humana é vital. Então não é de espantar que tenha feito diferença para Stone se Moore esculpiu ou não a rocha. Isso não muda o que ela vê, mas muda como ela o vê. Será que isso justifica rebaixar a rocha a “não arte”? Claro, há muitas formas de apreciação que não são mais apropriadas: não podem os admirar a perícia de seu criador, a maneira como se encaixa em sua obra ou visão mais ampla, como respondeu e ajudou a dar forma à história da escultura, e por aí vai. Mas ainda podemos apreciar suas FILoSoFIA66 características formais — sua beleza, simetria, cores e equilíbrio — e também responder ao que ela nos sugere sobre a natureza ou a experiência sensual. Talvez o problema seja simplesmente que a arte é multifacetada, e a rocha de Stone não compartilha de muitas características mais com uns da arte. Mas se compartilha de algumas, e essas estão entre as mais importantes e valiosas, por que isso deveria importar? Se aceitarmos isso, então vamos um passo além de Duchamp. Primeiro, a arte era criada por artistas. Depois, com Duchamp, a arte se tornou apenas aquilo que artistas decretavam ser arte. Finalmente, a arte se tornou qualquer coisa que seja vista como arte. Mas se a arte realmente está nos olhos do observador, será que a própria noção de arte não se torna tão frágil que perde o sentido? Sem dúvida o fato de eu decidir que minha prateleira de temperos é uma obra de arte não pode fazer dela arte. Se a arte deve signifi car algo, não precisamos de uma maneira mais rigorosa de distinguir arte do que não é arte? ADORNO T. Teoria estética. Lisboa: Edições 70, 2008. BENSE, Max. Estética. Buenos Aires: Editora Nueva Visión, 1969. BAYER, Raymond. História da estética. Lisboa: Editora Estampa, 1979. BURKE, Edmund. Uma investigação fi losófi ca sobre a origem de nossas ideias do sublime e do belo. Campinas: Papirus, 1993. DUARTE, Rodrigo. Belo, sublime e Kant. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998. EAGLETON, Terry. A ideologia da estética. 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A arte poética estuda as obras de arte como fabricação de seres e gestos artifi ciais, isto é, produzidos pelos seres humanos. As anotações da Poética são produzidas no fi nal da vida de Aristóteles, aos quarenta e nove anos. A poética é um dos mais antigos códices, encontradoscontendo o texto escrito da Poética. A obra divide-se em duas partes: • a primeira apresenta o conceito de poesia como imitação de ações; • a segunda, a mais extensa, estuda a tragédia, uma das espécies ou gêneros da poesia dramática, e faz comparação com a poesia lírica e a narrativa epopeia. Os códices (ou codex, da palavra em latim que signifi ca "livro", "bloco de madeira") eram os manuscritos gravados em madeira, em geral do período da era antiga tardia até a Idade Média. O códice é um avanço do rolo de pergaminho, que por sua vez, foi substituído pelo livro impresso. 70 FILoSoFIA Figura 12 - Códices Fonte: http://fotosmilagrosasbrasil.blogspot.com/2011/05/suposto-retrato-de- jesus-e-encontrado.html A Poética passa a ser tratada como um cânone que define os estilos que deveriam ser adotados ou rejeitados. Ao final da Poética, Aristóteles destaca a superioridade da tragédia frente aos outros gêneros, como a épica e a poesia lírica: Mas a tragédia é superior porque contém todos os elementos da epopeia (chega até a servir-se do metro épico), e demais, o que não é pouco, a melopeia e o espetáculo cênico, que acrescem a intensidade dos prazeres que lhe são próprios. [...] Por consequência, se a tragédia é superior por todas estas vantagens e porque melhor consegue o efeito específico da arte (ARISTÓTELES, 1979, 1462a). A tragédia revela seu poder sem ação, pela mera leitura, e é superior porque tem os elementos épicos, e com a música e os efeitos espetaculares produz um dos mais vívidos prazeres. Além disso, traz a impressão de ser vívida, tanto na leitura como na representação. Deste modo, a tragédia é superior a Épica em todos estes aspectos, porque é completa e complexa. Ao examinar a Antiguidade – as concepções de arte em Platão e Aristóteles, observa-se que a novidade, o inédito, escapa das normas, provoca desordem e incomoda. A criação provoca as mesmas desconfianças e exclusões. Para Platão, a arte se situa no plano mais baixo do conhecimento, pois é imitação das coisas sensíveis, elas próprias são imitações imperfeitas das essências inteligíveis ou ideias. ESTÉTICA | UnIDADE 3 71 No período helênico, a estética foi infl uenciada pelos textos de Platão e Aristóteles. Isto pode ser observado, sobretudo, nas formas de pensamento denominadas neoplatonismo e estoicismo. O neoplatonismo teve como principal representante a Plotino, autor do tratado Sobre o belo. Para Plotino a arte é um processo de descoberta daquilo que é o mais ver dadeiro, o noûs. É uma autodescoberta, na qual o artista ao fazer sua obra transmite o noûs. É a transformação da vida em arte, numa forma verdadeira, autêntica, o noûs. Os primeiros pensadores cristãos, no início da Idade Média, identifi caram conceitos estéticos com teológicos. Entre eles, Agostinho de Hipona, Pseudo-Dionísio Areopagita, Boécio e Cassiodoro foram infl uenciados pelo neoplatonismo e adotaram uma estética intelectualista que interpreta o belo como a perfeição e harmonia, que pode ser encontrada fora deste mundo material e sensível num visão mística, na procura pelo Criador. Segundo Eco, a produção artística da Antiguidade clássica fundamentou- se num olhar sobre a natureza, enq uanto os medievais se inspiraram na observação dos antigos. Contudo, a sensibilidade estética na Idade Média não é o fruto apenas da imitatio da cultura antiga. A sensibilidade do medievo une a concepção da beleza inteligível, metafísica e uma ornamentação estética, onde transborda a luz com harmonia e equilíbrio das proporções. As teorias estéticas medievais dão sentido ao belo físico e metafísico através da representação simbólica do mundo. A estética da Idade Média está permeada pelo sagrado de um mundo povoado de signifi cados, no qual Deus se manifesta em todas as coisas sensíveis. Para o homem da Idade Média o artista ou a obra de arte não possuíam um valor em si mesmo, como ocorre nos dias atuais, mas representavam a ars do artífi ce que dá forma as realidades intangíveis do Intelecto Puro. Alberto Magno (1206-1280), dominicano, escreveu importante opúsculo Sobre o belo e o bem, aproximou o belo do bem, sob uma orientação que vinha de Platão. A partir do século XIII, a escolástica, infl uenciada por Aristóteles, desenvolveu o belo como um valor, que alguns reduziram ao bem e outros à verdade. Plotino (205-270 d.C.) considerado o fundador do neoplatonismo. É um dos mais infl uentes fi lósofos da Antiguidade, depois de Platão e Aristóteles. Noûs, termo fi losófi co grego que não possui uma transcrição direta para a língua portuguesa, e que signifi ca atividade do intelecto ou da razão em oposição aos sentidos materiais. Muitos autores atribuem como sinônimo a Nous os termos “Inteligência” ou “Pensamento”. 72 FILoSoFIA Tomás de Aquino associa o bom e o belo especialmente à faculdade do conhecimento, na medida em que esta é atraída por um objeto do conhecimento. Os sentidos são atraídos pela boa proporcionalidade de cada objeto do conhecimento. O “Doutor Angélico” menciona a beleza do corpo como consiste de membros bem proporcionados e de uma cor brilhante, saudável. A estética Durante o Renascimento Italiano, a pintura e a escultura passam a ser consideradas belas-artes e a obter um status equivalente ao das artes poéticas. Assim, tudo o que Aristóteles atri buía à poesia e à tragédia, começou a ser generalizado e aplicado à refl exão sobre as artes plásticas. Esta mudança no status das belas-artes é uma revalorização da expressão sensível, com suas consequências sobre o prazer, e as diversas manifestações de arte. A primeira ruptura marcante na evolução da refl exão sobre a arte, na Renascença, que dá acesso á emancipação religiosa da Reforma e da Contrarreforma e vai acompanhada por uma tomada de consciência e surgimento do indivíduo. A arte rompe com a ambição por obter a verdade, o que constitui desfazer crenças, hábitos e valores, em muitos casos considerados indiscutíveis e que representam segurança e conforto. As rupturas trazem como consequência, muitas vezes, uma ruptura entre o artista e o público. O esteta tem uma difícil tarefa de explicar as inovações dos artistas e o gosto de seus contemporâneos. Dentro dessa difícil tarefa, observamos que o próprio conceito de “arte” é um conceito em aberto. Observamos também que surgem novas condições e formas de arte, novos movimentos, que modifi caram os critérios que tentam defi nir a arte. Os estetas podem estabelecer algumas condições válidas no momento, mas nunca condições necessárias e sufi cientes para a aplicação do conceito de arte. Não é possível estabelecer condições necessárias que levam uma obra a ser considerada arte, Tomas de Aquino foi cognominado Doutor Angélico pelo Papa São Pio V, tendo recebido da Santa Igreja o título ofi cial de Doutor Comum, devido à sua incomparável sabedoria. Renascença: Movimento artístico e científi co dos sécs. XV e XVI, que pretendia ser um retorno à Antiguidade Clássica. Reforma: Movimento religioso dos começos do séc. XVI, que rompeu com a Igreja Católica Romana, originando numerosas igrejas cristãs dissidentes. Contrarreforma: Movimento de reação à reforma. ESTÉTICA | UnIDADE 3 73 uma vez que essas características mudam e vão modificando o velho conceito. A partir de 1750, os filósofos utilizam a noção de estética com diferentes sentidos. E graças a Baumgarten a faculdade estética surge como uma ordem do conhecimento. A estética não pode competir com a razão, mas ministra um saber análogo ao da razão. Ela não substitui nem a arte nem as obrasde arte, porque a arte é uma prática que atua com expressões específicas aplicadas em materiais determinados, dando origem às obras de arte. A estética surge a partir das obras de arte e constitui um universo conceptual, teórico. Kant utiliza o termo estética no subtítulo da primeira parte da Crítica da faculdade de julgar (1790); Schiller em 1795 escreve Cartas sobre a educação estética do homem; Jean Paul (Friedrich Richter) publica um Curso preparatório de estética (1804) e Hegel ministra as “Lições de estética”. A estética vai mudando de acepção, no entanto, estabelece uma relação de exclusão entre a filosofia e a arte. A arte está ligada aos sentimentos, às emoções, à sensibilidade, em outras palavras, ao afazer e produção artística, que precisa certo domínio e execução de técnicas para produzir arte. A filosofia não produz, não é prática, ela é teórica e tenta ser racional. Parece absurdo que se possa teorizar sobre algo que de alguma maneira se desconhece, uma experiência alheia à filosofia. O juízo estético não está ligado ao conhecimento, aos dados da razão. As manifestações de beleza não são quantificáveis, nem corroboráveis, sendo assim, não podemos afirmar sua verdade ou falsidade, não são juízos de conhecimento. A palavra “estética” tem um sentido muito diversificado particularmente em Kant e Hegel. A doutrina do belo, em Platão, está estreitamente ligada a sua filosofia e a teoria das Ideias. Platão consagra a essência do Belo ao mundo das ideias e o associa ao Bem e a Verdade. Para Kant o belo na natureza ou o belo na arte ocupam um lugar importante em sua reflexão, e sua preocupação é determinar as condições nas quais se manifesta o julgamento de gosto em relação ao belo, agradável, ao sublime. 74 FILoSoFIA O contrário da ciência é a ética, diz-se que não há progresso em arte. Assim sendo, uma pintura de Modigliani possui tanto valor artístico quanto uma pintura de Picasso. E fica impossível dizer qual é melhor. Não houve progresso quantificável, nem mesmo qualificável de Bach a Stravinsky, de Petrarca a Goethe, de Giotto a Cézanne. As ciências humanas auxiliam a estética, elas permitem análises mais detalhadas da obra de arte e permitem uma melhor compreensão, mas nem a sociologia, nem a história, nem a antropologia esgotam a arte na sua compreensão. A arte mostra o mais autêntico do artista através da obra de arte e ela é atemporal. As técnicas são limitadas de acordo ao meio, mas, a arte não se reduz ao material ou técnica que utiliza na sua manifestação. A ideia de um progresso estético que pudesse ser revelado através da histórica da estética, desde a Antiguidade até nossos dias, não é aceitável. Concepções antigas podem perfeitamente subsistirem até hoje. É evidente que a ideia de um Belo ideal, absoluto, transcendente, platônico, não preocupa a estética contemporânea. A antropologia da arte ensina-nos que o belo e o feio são valores relativos, culturais, espaço-temporais, que correspondem a um dado momento histórico. Por essa razão, a beleza não deve ser considerada imutável, aistórica ou transistórica, este fato faz com que as percepções sobre beleza não sejam unânimes. A importância do surgimento da estética como uma nova disciplina radica em que os filósofos, os artistas, os críticos de arte, e todos os que gostam da arte dispõem de um sistema de noções, de conceitos e categorias, um espaço teórico, que orienta as discussões. Ao tornar-se uma disciplina independente, significa que o domínio da sensibilidade é objeto de reflexão. Reconhece-se que a intuição, a imaginação, a sensualidade, até mesmo a paixão podem dar acesso a um conhecimento. A imaginação e a sensibilidade já não são mais consideradas “mestras de erro e de falsidade”, como dizia Pascal, mas como faculdades cognitivas. A estética tenta equilibrar o desenvolvimento humano, que sobrevalorizou a razão, sob os aspectos científicos e técnicos. A introdução da estética na segunda metade do século XVIII absolutamente não se opõe ao avanço da ciência e da técnica, unicamente tenta ESTÉTICA | UnIDADE 3 75 introduzir um equilíbrio na tarefa conferida ao homem por Descartes: a de dominar a natureza, graças à ciência físico-matemática. No século XIX, graças ao romanticismo, surge a valorização da sensibilidade e da arte e aparece uma história da estética: é uma história da sensibilidade, do imaginário e dos discursos que valorizam o conhecimento sensível, não uma história das teorias e das doutrinas sobre a arte. Esta história parece desenrolar-se de maneira paralela à história da racionalidade. A história da estética apresenta rupturas paradigmáticas, ela não é lineal. A arte moderna, do início do século XX, manifesta uma reação contra a tradição, eles se manifestam nos movimentos vanguardistas que a princípio desconcertam os teóricos da arte. Por isso, observamos que poucos estetas, entre 1910 e a Segunda Guerra Mundial, arriscam- se a interpretar fi losofi camente os primeiros ready-made de Marcel Duchamp, as provocações do movimento Dada, os quadros cubistas de Picasso, as peças atonais de Amold Schonberg, ou então, alguns anos mais tarde, o programa surrealista de André Breton. As principais teorias da arte moderna são elaboradas, de maneira coerente e sistemática, somente a partir dos anos 60. Inicialmente com uma tímida atitude por parte dos teóricos da arte, dado o choque que provocam as obras de arte na sensibilidade. As diversas correntes e tendências surgem rapidamente, impondo tendências, algumas passageiras, o que complica a tarefa dos fi lósofos da arte. A crise da arte A maioria dos movimentos artísticos tinha sua própria interpretação estética, fi losófi ca e política. Muitas das vanguardas deixavam bem claro seus objetivos e programas, sejam futuristas, dadaístas, surrealistas ou construtivistas, para citar alguns exemplos. A arte moderna se manifesta muito dinâmica, impondo regras e deixando em aberto. As antigas convenções caíam e erigiam-se novas regras, as quais eram rapidamente substituídas, as convenções se mostravam efêmeras. Romanticismo: Movimento de reação ao iluminismo que preconizava a volta aos temas medievais, a inspiração nas religiões orientais, a exaltação dos instintos, dos sentimentos, da imaginação e da fantasia, e a valorização dos transportes místicos. O ready made de Marcel Duchamp é a estratégia artística que usa objetos industrializados como urinol de louça, roda de bicicleta, cadeira etc. e os eleva à categoria de obra de arte. Dada ou Dadaísmo foi um movimento artístico da vanguarda artística moderana iniciado em Zurique, em 1915. O movimento protestava contra a guerra e sua arte pretendia denunciar e escandalizar. Cubistas: Movimento artístico que surgiu no século XX que representa todas as partes de um objeto no mesmo plano sem nenhum compromisso com a aparência real das coisas. Surrealist: Movimento artístico surgido nos anos 20, enfatiza o papel do inconsciente na atividade criativa. Futuristas: Movimento artístico que rejeitava o moralismo e o passado. Suas obras baseavam-se na velocidade e nos desenvolvimentos tecnológicos do fi nal do XIX. Construtivista: Corrente teórica que afi rma que a inteligência humana e seu desenvolvimento esta determinada pelas ações entre o indivíduo e o meio. 76 FILoSoFIA Atualmente, a arte contemporânea é acusada de ser negligente e de produzir qualquer coisa, privilegiando sua própria imagem mediática em prejuízo da criação. A arte moderna e sua concepção utópica de um mundo que se tornou melhor graças à artesão frequentemente consideradas responsáveis por essa decadência. Ao afastar-se da tradição e do classicismo, o modernismo teria apressado a dissolução das certezas. Isso afasta os valores ligados à beleza, à harmonia, ao equilíbrio considerados tradicionais. Alguns críticos acusam ao modernismo pela da morte da “arte”, muitas vezes proclamada no passado, mas que alguns consideram senão como real, pelo menos como indiscutível. Ante essa realidade, fi cou muito complicado identifi car o que é arte, surge uma crise de identidade e legitimação da arte. Devido à difi culdade para identifi car a arte, as pessoas sentem-se desorientadas a respeito dos critérios estéticos. Arte virou algo amorfo complicado de identifi car, não existe aparentemente um critério que permite resolver se uma obra é ou não de arte. O desaparecimento dos referenciais clássicos traz a procura de regras e de critérios que permitam o julgamento do gosto ou a avaliação das obras de arte. Atualmente a arte é mais acessível, pela democratização da cultura e o apoio fi nanceiro que recebem os projetos e as realizações de arte contemporânea. Esta situação modifi ca a maneira pela qual o público percebe a arte. A multiplicação dos centros culturais, dos museus, das exposições, dos festivais é uma administração cultural responsável que responde a uma demanda crescente da parte do público. Ademais, as obras de arte e os artistas são cada vez mais midiatizados, o que muda consideravelmente a experiência estética tradicional. Mas então surge a pergunta: a arte está passando por uma crise, ou ela é uma manifestação artística autêntica, que manifesta uma realidade confl itante? Ante esta realidade, o fi lósofo não pode desconhecer as artes que emergem, pelos diversos meios. O fi lósofo não pode se dedicar unicamente à especulação estética ignorando a prática artística. A fi losofi a que tenta explicar a prática artística deve conhecê-la de perto, não unicamente de maneira livresca. A arte é para ser experimentada, não simplesmente teorizada. classicismo: Doutrina literária e artística baseada no respeito à tradição clássica. A arte classicista procura a pureza formal, o equilíbrio e o rigor. Modernismo: Designação comum a diversos movimentos da literatura, das artes surgidos a partir do fi m do séc. XIX, e que se estenderam até a década de 1930, aproximadamente. ESTÉTICA | UnIDADE 3 77 Por essa razão, a fi losofi a e a arte têm que andar juntas, o fi lósofo deve acompanhar a evolução e as manifestações artísticas para poder refl etir, discutir e criticar, para fazer fi losofi a da arte. A finalidade da arte Duas concepções predominam no correr da História das artes, concernentes às fi nalidades e às funções da atividade artística: a concepção pedagógica e moral e a expressionista. A função moral da arte A concepção pedagógica encontra sua primeira formulação em Platão e Aristóteles. Na República, expondo a pedagogia para a criação da cidade perfeita, Platão exclui poetas, pintores e escultores, porque imitam as coisas sensíveis e apresentam uma imagem desrespeitosa dos deuses. Aristóteles, na Arte poética, desenvolve um papel pedagógico e moral das artes, particularmente a tragédia, que, segundo o fi lósofo, tem a função de produzir a catarse, purifi cando os espectadores comovidos e apavorados com a dor e a tragédia desatada pelas paixões dos personagens. A música também tem uma função formadora do espírito. Durante o medievo, Agostinho e Tomás de Aquino identifi caram a beleza com o Bem. As coisas belas possuem três características ou condições fundamentais: integridade ou perfeição, proporção ou harmonia, claridade ou luminosidade. Como em Agostinho, a beleza perfeita identifi ca-se com Deus. A concepção pedagógica da arte aparece em Kant quando este afi rma que a função mais alta da arte é produzir o sentimento do sublime, que leva a elevação e o arrebatamento de nosso espírito diante da imensidade, do terrível ou espantoso, que nos aproxima do infi nito. Além disso, do belo podemos passar sem difi culdade para o bem. Para observar como a arte rejeita as imposições e o artista procura liberdade na sua expressão, assistir o fi lme “morango e chocolate” (1993), dirigido por Tomás Gutierrez Alea. 78 FILoSoFIA “o gosto torna, por assim dizer, possível a passagem do atrativo dos sentidos ao interesse moral habitual sem um salto demasiado violento” (KANT, 1993, p. 198). A função da arte é fazer refl etir, mais que sentir. Logo após Kant vem a tentativa de Friedrich Schiller (1759-1805), autor das Cartas sobre a Educação Estética do ser Humano (1791-1793), que propõe o belo como dependente de um lado, da maneira pela qual o sujeito representa a forma do objeto, e do outro do sentimento experimentado através da obra de arte. Schiller liga de maneira harmoniosa a forma e o sentimento, o entendimento e a imaginação. Acreditamos que Schiller é muito importante para a educação porque, segundo este autor, a educação pela beleza permite: primeiro ultrapassar o estado sensível, logo, aceder ao estado estético, graças ao domínio “racional” das pulsões e depois, chegar ao estado político, que é a garantia da autonomia (SCHILLER, 1993, p. 62). Nesta passagem se ligam os três estados: da razão, da moral e da estética. Para Schiller, o artista da vida a um objeto, de tal maneira que: “um bloco de mármore, embora seja e permaneça inanimado, pode, contudo, tornar-se numa fi gura viva por obra do arquiteto e do escultor” (SCHILLER, 1993, p. 62). Mas, só na medida em que a produção do artista é percebida é que ele será uma fi gura viva, e então surge o que denominamos de belo. A obra de arte é a criação compartida, isto é, precisa a experiência do artista e do apreciador para que a beleza se plasme. Também Hegel insiste no papel educativo da arte. A arte é o meio para a educação moral da sociedade e pela maneira como destrói a brutalidade da matéria, impondo-lhe a pureza da forma, educa a sociedade. Hegel parece concordar de certa maneira com Platão, ao abordar a questão do ideal e do belo. A beleza funciona para Hegel como a expressão máxima do Ideal. Para este fi lósofo, o belo é algo espiritual. A arte foi assim, por muito tempo, legitimada pela sua aproximação com a moral, com uma fi nalidade ética. Refl etir vai além de uma imposição moral. A refl exão nos permite ver, revelar aquilo que o quotidiano oculta ou deprecia. A arte pode trazer essa possibilidade de evidenciar o oculto, a realidade humana mais profunda. Será que a arte tem valor só se ela for para fi ns educativos ou morais? Friedrich Schiller (1759-1805) poeta, fi lósofo e historiador alemão. Um dos grandes homens de letras da Alemanha do século XVIII, e juntamente com Goethe, Wieland e Herder é representante do Romantismo alemão e do Classicismo de Weimar. Sua amizade com Goethe rendeu uma longa troca de cartas que se tornou famosa na literatura alemã. ESTÉTICA | UnIDADE 3 79 A função expressionista da arte Os movimentos artísticos que desde fi nais do século XIX aparecem em todo o mundo têm uma mesma atitude “desconstrutiva” em relação a todas as categorias estéticas. Os conceitos estéticos são contestados e quase tudo pode ser considerado como arte, basta para tanto que seja feito por um artista, ou que seja declarado como arte. A função expressionista surge com força no século XIX; os artistas estavam mais interessados na interiorização da criação artística, do que na sua exteriorização, e projetam na obra de arte uma refl exão individual e subjetiva. Nesta tentativa por expressão extremaencontramos diversos artistas de tendências variadas e diferente formação e nível intelectual. Os expressionistas costumam ser conhecidos como aqueles artistas que deformam a realidade, para expressar de maneira subjetivamente e fi el suas vivências. Para observar como a vontade de expressar do artista assistir o fi lme “Pollock”, do diretor Ed Harris. Sempre existiu a função expressionista, só que por muito tempo ela foi subordinada pela moral, que tenta regular a expressão da arte. Figura. 13 - Pollock pinga de tinta que deixa cair na tela. Fonte: http://outonodepalavras.blogspot.com/2011/04/solidifi car-se-dissolver-se. html 80 FILoSoFIA Estes artistas priorizam seus sentimentos mais que a descrição de uma realidade externa. Entre os que se preocupam por expressar mais que por agradar estão artistas como: Matthias Grünewald, Pieter Brueghel, El Greco, Francisco de Goya entre outros. Os expressionistas defendem a liberdade individual e, obviamente, são contra toda regra acadêmica que orienta ou limita sua expressão ou manifestação. Alguns manifestam nas suas obras, violência, morte, repugnância, dor, repúdio etc. Estes artistas não estão preocupados com a beleza, ou procurando algum padrão de expressão que se aproxime do acadêmico. Eles pregam a absoluta liberdade de expressão, assim entendemos as manifestações artísticas de vanguarda, que, mais que uma crise na arte, são um refl exo da realidade do artista, que vive em um mundo democrático, com acesso à comunicação. Como sempre, os artistas foram os questionadores da sociedade, estamos vivenciando um momento artístico de questionamentos aos cânones estéticos. Os expressionistas são um refl exo das circunstâncias históricas atuais, alguns só visam impactar, mortifi car, outros simplesmente respondem a uma necessidade de expressão. RESUMo 1. Podemos falar de dois grandes momentos de teorização da arte. A arte poética e a estética. A poética inicialmente tratava da tragédia e infl uenciou o período medieval. A estética está ligada às belas- artes e surge com Baumgarten no século XVIII. 2. A chamada crise nas artes surge pela infl uência das vanguardas que quebram as convenções sem erigir novas regras nem convenções. 3. Observamos duas concepções sobre a função da arte. A função pedagógica ou moral que dominou a história da arte e a expressionista representada pelas vanguardas. 4. A função pedagógica ou moral é adotada por Platão, Aristóteles, Agostinho, Tomás de Aquino, Kant, Friedrich Schiller, Hegel entre outros. A função expressionista é a das maiorias de vanguardas A arte não pode ser reduzida à contemplação e ao seguimento de cânones ou técnicas fi xas. A história nos revela que o conceito de arte é complexo. ESTÉTICA | UnIDADE 3 81 que estão mais preocupadas pela sua expressão subjetiva, que pela realidade externa. Ela é um autêntico refl exo da sociedade atual e, mais que uma crise na arte, é uma mostra de um momento da arte. Autor: BAGGINI, Julian. O porco fi lósofo: 100 experiências de pensamento para a vida cotidiana. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2006. (p.28-30) Leia e analise a situação indicada na fi gura abaixo e no texto a seguir, e comente se a obra de arte precisa de aceitação e exposição social para ser arte. Figura. 14 - Castelo de areia Fonte: http://media.photobucket.com/image/sand+castle+/ youlovemeyet/Beautiful%20Favorites/sand-castle.jpg 82 FILoSoFIA Picasso na praia Do alto do penhasco, Roy olhou para baixo, para o homem que desenhava na areia. A figura que começou a surgir o impressionou. Era um rosto extraordinário, não retratado de forma realista, mas de maneira que parecia visto de vários ângulos ao mesmo tempo. Na verdade, parecia muito um Picasso. Assim que essa ideia passou por sua cabeça, seu coração parou. Ele levou o binóculo aos olhos, que então teve necessidade de esfregar. O homem na praia era Picasso. O pulso de Roy se acelerou. Ele passava por aquele caminho todo dia, e sabia que logo a maré ia subir e lavar um Picasso original autêntico. Ele tinha de fazer algo para salvá-lo. Mas como? Tentar deter o mar era inútil. Também não havia como fazer um molde da areia, mesmo que ele tivesse tempo para isso, coisa que ele não tinha. Talvez conseguisse correr até em casa para buscar sua câmera. Mas isso, no máximo, preservaria um registro da obra, não o próprio quadro. E se ele tentasse fazer isso, quando voltasse a imagem provavelmente já teria sido apagada pelo oceano. Talvez, então, ele devesse apenas desfrutar aquela imagem particular enquanto ela durasse. Ele ficou ali olhando, sem saber se ria ou chorava. Fonte: “In season of cam weather”, de Ray Bradbury, reimpresso em A Medicine for Meiancho(y (Avon Books, 1981) Não existe princípio geral que afirme existir algo trágico em uma obra de arte que não resiste ao tempo. Isso depende totalmente da forma tomada pela arte. É simplesmente absurdo achar que uma performance deva ter uma existência permanente da mesma maneira que uma escultura. Claro, podemos filmar a performance ou guardar o roteiro. Mas nenhum desses métodos congela o próprio trabalho no tempo, todos os que já viram um concerto ou uma peça memorável sabem muito bem. ESTÉTICA | UnIDADE 3 83 Quando se trata de escultura ou pintura, a preservação é vista como ideal. Mas quão defi nida é a diferença entre as performances e as artes plásticas? O desenho imaginário de Picasso sem dúvida deixa esses limites bem indistintos. A escolha incomum de meio signifi ca que o que normalmente sobrevive é transformado em uma performance fugaz. Reconhecer que não existe uma linha divisória defi nida entre as artes “performáticas” e as artes plásticas pode nos levar a reconsiderar nossas atitudes em relação à preservação e à restauração. Em geral, partimos do princípio de que é desejável manter ou restaurar quadros, para que fi quem parecidos com o que eram quando novos. Mas talvez devêssemos ver a deterioração lenta das obras de arte como parte essencial de sua dimensão performática. Sem dúvida muitos artistas levam em consideração como suas obras vão envelhecer no momento em que as criam. Frank Gehry, por exemplo, sabia como a exposição aos elementos afetaria o exterior de titânio de sua obra-prima arquitetônica, o museu Guggenheim em Bilbao. Da mesma forma, os mestres antigos não ignoravam como seus pigmentos envelheceriam. Talvez possamos ir mais longe e dizer que nosso desejo de preservar é uma forma de negação de nossa própria imortalidade. O fato de que a arte dura mais que as pessoas levou alguns a buscar uma forma de substituto da imortalidade por meio disso. (Apesar da frase famosa de Woody Allen, que disse querer imortalidade por meio da arte, apenas por não morrer.) Se aceitamos que a arte também é mortal, e que nada é verdadeiramente permanente, talvez possamos ver com mais clareza onde devemos encontrar o valor da arte e da vida: ao experimentá-las. Este é o comentário de Diotima no Banquete, quando fala que os mortais procuram a poeisis para satisfazer um desejo de imortalidade. 84 FILoSoFIA Leia e comente, as limitações humanas na observação da arte. Existem “limitações” culturais? Que significado têm? Estas podem ser superadas se as pessoas experienciam maior diversidade artística? Se considerarmos a arte como patrimônio da humanidade, é justo limitar nossa experiência estética à arte local, regional ou nacional? Tudo azul Autor: BAGGINI, Julian. O porco filósofo: 100 experiências de pensamento para a vida cotidiana. Rio de Janeiro: Relume Dumará,2006. (p.28-30) Imagine viver toda a sua vida em um complexo de apartamentos, lojas e escritórios sem acesso ao exterior. Isso resume bem a vida dos habitantes das gigantescas estações espaciais Muddy e Waters. Os criadores das estações introduziram algumas características interessantes no projeto para testar nossa dependência da experiência para o aprendizado. Em Muddy, eles se asseguraram de que não haveria coisa alguma da cor azul celeste em toda a nave. Em Waters, não havia coisa alguma em qualquer tom de azul. Mesmo seus habitantes foram escolhidos para garantir que nenhum deles tivesse o gene recessivo responsável por olhos azuis. Para evitar que qualquer coisa azul fosse vista (como as veias), a luz na estação era tal que nunca refletia o azul, então as veias, na verdade, pareciam negras. Mais tarde iriam perguntar aos habitantes de Waters se eles poderiam imaginar uma nova cor, e então se conseguiriam imaginar que cor deveria ser acrescentada ao amarelo para fazer o verde. Depois mostrariam a eles uma amostra e perguntariam se era aquilo o que eles tinham imaginado. Os resultados seriam intrigantes.. - Fonte: Livro dois de An Essay Coricerning Human Understanding, de David Hume (1748). Qual a importância da experiência no aprendizado? A questão percorre toda a história das ideias. Na Grécia antiga, Platão pensava que tudo ESTÉTICA | UnIDADE 3 85 o que aprendemos, em certo sentido, já sabíamos, ao passo que hoje Noam Chomsky lidera aqueles que acreditam que a gramática necessária para o aprendizado é inata, não aprendida. Por outro lado, no século XVII, John Locke disse que no nascimento a mente era uma “lousa vazia», uma ideia desenvolvida pelo behaviorista B.F. Skinner 300 anos mais tarde. É óbvio que podemos ter ideias além de nossa experiência, pelo menos em um sentido. Leonardo da Vinci não poderia ter imaginado o helicóptero se sua mente concebesse apenas o que ele já havia experimentado. Mas em casos como esse, o novo é a combinação do que já é sabido. A novidade surge na maneira como os elementos são reunidos. É muito menos óbvio como poderíamos imaginar algo totalmente além de nossa experiência. Por exemplo, nós temos cinco sentidos. Não seria possível que criaturas em outros planetas tivessem sentidos diferentes, alguns que não conseguimos sequer começar a imaginar? E será que outros seres não veem cores que simplesmente não estão em nosso espectro visual, cores que não conseguimos visualizar na mente, por mais que tentemos? As experiências em Muddy e Waters talvez possam lançar alguma luz sobre essas questões. A maioria concordaria com o filósofo escocês David Hume, que aqueles em Muddy poderiam imaginar o tom de azul que faltava. Ele achava que isso era uma exceção à regra que todo conhecimento depende da experiência, apesar de ser possível afirmar que esse é apenas mais um exemplo de como podemos misturar experiências para ter novas ideias, da mesma maneira que monstros imaginários são combinações fictícias de feras de verdade. Mas parece menos provável que as pessoas em Waters possam imaginar o azul se jamais viram qualquer tonalidade dessa cor. Lembre-se de como, quando criança, pareceu tão surpreendente que o verde fosse uma combinação de amarelo e azul. Parece implausível supor que poderíamos simplesmente imaginar a cor que precisa ser acrescida ao amarelo para fazer o verde. Se você tivesse de apostar no resultado do teste, provavelmente diria que ele iria confirmar o papel central da experiência no aprendizado. 86 FILoSoFIA Mesmo se as pessoas nascidas em Waters pudessem imaginar o azul, isso ainda deixa uma pergunta sem resposta. Eles podem fazer isso por que, enquanto humanos, nascem com algum tipo de sensibilidade inata ao azul, ou eles poderiam imaginar qualquer cor? Já que só podemos imaginar cores dentro do espectro visual, a resposta anterior sem dúvida estaria correta. Isso pareceria indicar que nossa natureza humana impõe tantos limites no que podemos imaginar e saber quanto a experiência. ARISTÓTELES. Poética. Ética a Nicômaco. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os pensadores). ADORNO T. Teoria estética. Lisboa: Edições 70, 2008. BENSE, Max. Estética. Buenos Aires: Editora nueva visión, 1969. BAYER, Raymond. História da estética. Lisboa: Editora Estampa, 1979. BURKE, Edmund. Uma investigação fi losófi ca sobre a origem de nossas ideias do sublime e do belo. Campinas: Papirus, 1993. DUARTE, Rodrigo. Belo, sublime e Kant. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998. EAGLETON, Terry. A ideologia da estética. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 1993. ECO, Umberto. Arte e beleza na estética medieval. Lisboa: Editora Presença, 2000. HEGEL, G. W. F. Curso de estética. O belo na arte. São Paulo: Martins Fontes, 1997. JIMENEZ, Marc. O que é estética. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2004. ESTÉTICA | UnIDADE 3 87 KANT, Immnuel. Crítica da faculdade do juízo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993. LOUBET, Maria Seabra. Estudos sobre estética. Campinas: Editora da Unicamp, 1993. NIETZSCHE, F. O nascimento da tragédia no espírito da música. São Paulo: Companhia das letras, 1992. PLATÃO. A República. Belém: EDUPFA, 2000. PLATÃO Timeu-Crítias. Coimbra: Editora do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos, 2011. Tradução do grego, introdução, notas e índices: Rodolfo Lopes. ______. Hipias Maior. Pará: Editora da Universidade Federal do Pará, 1980. Tradução de: Carlos Alberto Nunes. ______. O Banquete. Fédon. Sofista. Político. São Paulo: Editora Abril, 1972. ROSENFIELD, Karen. Estética. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 2006. SANTO AGOSTINHO. Confissões. São Paulo: Nova Cultura, 1999. SCHILLER, Friedrich. Cartas sobre a Educação Estética do ser Humano (1791-1793). São Paulo: Iluminuras, 1993. oBJETIVo DESTA UnIDADE: Observar a relação entre a estética e a verdade. A verdade da arte. Hegel, estética, ideia e verdade. Heidegger, estética, ser e verdade. Diálogo entre arte e ciência. 4 UnIDADE ESTÉTICA E VERDADE A verdade da arte Para Platão, a poesia afasta-se da Verdade. O poeta copia e ao relatar façanhas ele canta a cópia, que se converte num remedo ou sombra da verdade. Em A República, condenou a poesia e as artes em geral, pelo seu afastamento da verdade. Para o fi lósofo grego, a poesia era cópia da cópia. Tanto Platão quanto Aristóteles consideravam a mimese como a representação da natureza. Não obstante, para Platão toda a criação era uma imitação, até mesmo a criação do mundo era uma imitação da natureza verdadeira, o mundo das ideias. Sendo assim, a representação artística do mundo físico seria uma imitação de segunda mão. Já Aristóteles via a tragédia como sendo a “imitação de uma ação” que teria o efeito catártico, esses conceitos estão no seu mais conhecido trabalho, a Poética. No curso sobre a Filosofi a da arte – partindo da essência mitológica da arte – Friedrich Schelling faz da arte o “órgão” ou o “instrumento” privilegiado da fi losofi a. Para Schelling aquilo que a fi losofi a não pode apresentar externamente é deixado à arte, que é capaz de mostrar a identidade entre a atividade não-consciente Signifi ca imitação ou representação em grego. Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling (1775-1854). Filósofo alemão representante do Idealismo alemão. 90 FILoSoFIA e consciente, entre liberdade e necessidade, espírito e matéria. A arte apresenta objetivamente aquilo que a fi losofi a somente pode realizar subjetivamente, porque intui o absoluto somente através do pensamento. Assim, a arte é o único órgão verdadeiro e eterno da filosofi a, que reconhece o que a fi losofi a não pode apresentar, ou seja, o não-consciente. Schelling considera a arte como uma forma inconsciente do absoluto, enquanto a fi losofi a é uma forma consciente deste absoluto. Já para Theodor Adorno, a arte possui um valor de verdade, que pode ser alcançado através da refl exão fi losófi ca. De tal maneira que “o conteúdo de verdade da obra de arte funde-se com o conteúdo crítico” (ADORNO, 2008, p. 49). A estética tem o dever de expor a verdade da arte, este conteúdo não é identifi cável de imediato. Assim, “a fi losofi a e a arte convergem no seu conteúdo de verdade: a verdade da obra de arte que se desdobra progressivamente é apenas a do conceito fi losófi co” (ADORNO, 2008, p. 201) e o conteúdo da obra de arte não é o que ela signifi ca senão é uma interpretação fi losófi ca e ela não é algo imediatamente identifi cável. Sendo assim, uma autêntica experiência estética, para Adorno, deve ser fi losófi ca. A verdade da arte é uma verdade metafísica e só se pode chegar a ela através da crítica. E a estética tem o dever de expor a verdade das obras de arte. Hegel, estética, ideia e verdade Para Hegel, a arte é aparência, mas essa “aparência” é real. Ela é a manifestação sensível, perceptível do que os homens, os povos e as civilizações conceberam graças ao seu espírito, e exprimiram graças à criação de obras de arte concretas. O belo existe em todo lugar ao redor de nós. A arte não poderia ter por objetivo imitar a natureza, o objetivo da arte não é de satisfazer a lembrança, mas de satisfazer a alma, o espírito. A arte sempre simbolizou e fi gurou o sentimento religioso do homem ou sua aspiração à sabedoria. E é graças aos vestígios artísticos das A Filosofi a de Theodor Adorno, considerada uma das mais complexas do século XX, fundamenta-se na perspectiva da dialética. Uma das suas importantes obras, a Dialética do Esclarecimento, escrita em colaboração com Max Horkheimer é uma crítica da razão instrumental. Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 -1831), fi lósofo alemão, um dos criadores do Idealismo Alemão. Importante precursor da Filosofi a Continental e do Marxismo. ESTÉTICA | UnIDADE 4 91 civilizações e das culturas antigas, às esculturas, aos monumentos etc. que podemos reconstituir as ideias e as crenças dos homens de épocas anteriores. A arte interessa a Hegel porque expressa a vida do espírito e permite a essa vida ser sentida, percebida graças às obras. Encontramos em Hegel a certeza de que o espírito humano é uma parte de um Espírito absoluto, que rege o pensamento e a atividade humana e se desdobra no curso da história. O Espírito absoluto leva à realização do Verdadeiro e da Liberdade. Para o sistema hegeliano, quaisquer que sejam as contradições no mundo ou no indivíduo (entre o bem e o mal, o verdadeiro e o falso, o belo e o feio, a justiça e a injustiça, a forma e a matéria), nada impede de pensar que o Espírito chegará a superá-los ou a ultrapassá-los dialeticamente. Para Hegel, o Espírito, o Absoluto se encarna, de alguma forma, nas próprias coisas. Não há nada na realidade que não seja, em graus diversos, a manifestação do Espírito absoluto, e nada implica que o espírito humano, ao menos em teoria, não possa conhecer. Porque, para Hegel, tudo o que é real é racional e acessível à razão. Para Hegel, a tomada de consciência das manifestações do Espírito absoluto é um processo histórico, e a arte está incluída neste processo. A Ideia hegeliana do belo difere da ideia platônica. Para Platão, a ideia do Belo, como a do Verdadeiro e do Bem, são abstratas, atemporais, a-históricas. Para Hegel, o belo é a própria realidade concreta apreendida no seu desdobramento histórico. A ideia se materializa e toma a forma sensível do belo artístico. E este Ideal do belo aparece na história de três formas fundamentais: a arte simbólica, a arte clássica e a arte romântica, da seguinte maneira: • arte simbólica: a arte hindu sendo, para Hegel, uma forma rudimentar da arte simbólica. O exemplo mais perfeito é a arte egípcia, • arte clássica: a arte grega, • arte romântica: a arte do Ocidente cristão da Idade Média ao século XIX. O conceito de verdade em Hegel é metafísico. Não é o conceito científi co formal da verdade matemática, nem a verdade das ciências empíricas. 92 FILoSoFIA Na arte simbólica, egípcia, a Ideia ainda não encontrou sua verdadeira expressão e está cativa da natureza exterior e da natureza humana. Trata-se de uma forma “pré-artística”, que não se separou da intuição sensível e cujo modo de expressão repousa sobre símbolos enigmáticos. Hegel considera que existe hierarquia nas expressões artísticas. Um desenvolvimento histórico do espírito através da arte. Figura 15 - Arte rupestre Fonte: http://www.google.com/imgres?... Figura 16 - Arte egipsia Fonte: http://esquizofi a.wordpress. com/2011/08/12/um-curso-desejante-para-van- gogh-151/ Figura 17 - Escultura grega Fonte: http://picasaweb.google.com/lh/photo/ GHNU2wtFRSy2uKsDC4ePEg Figura 18 - Arte romântica século XIX. Cruzada em Constantinopla - Delacroix Fonte: http://picasaweb.google.com/lh/photo/ NaCyl2wKOIMigU5Bn0hTGw Na arte grega existe a adequação perfeita da forma e do conteúdo. Os artistas fi guram de modo simbólico. A técnica é tão perfeita que controla plenamente a matéria sensível. Esse equilíbrio entre forma e conteúdo é ainda frágil. Na arte romântica a espiritualidade atinge sua máxima expressão. Ela é uma arte da subjetividade, consciente de sua autonomia e de sua liberdade, e produz grandes obras na pintura, na música, mas, sobretudo, no domínio da criação literária e poética: Dante, Cervantes, Shakespeare, Goya, Goethe, Chopin, Verdi, Liszt, Schiller entre outros. Hegel lembra que a arte serve para exprimir o absoluto. Mas o conhecimento que nos dá é inferior ao da religião e da fi losofi a. ESTÉTICA | UnIDADE 4 93 Ao atingir seu grau supremo de espiritualização e de subjetivação desaparece enquanto arte, para ceder lugar à fi losofi a. Esta fi losofi a da arte tem por tarefa refl etir sobre o papel que a arte representa em nossa vida cotidiana e na sociedade. Hegel critica a visão de Schelling, e questiona a possibilidade de um acesso direto, imediato, ao absoluto através da obra de arte, dado que só podemos ter acesso ao absoluto através da intuição. Hegel não admite o acesso imediato ao absoluto, ainda que, admite a existência do talento e genius do artista, o próprio genius necessita da refl exão no modo de sua produção, assim como do exercício e habilidade no produzir. O belo para Hegel é a “aparência sensível da Ideia” e sua exposição na matéria deve passar por etapas: da forma de arte mais sensível e menos espiritualizada até a mais alta espiritualização da matéria. Nesses momentos de idealização da matéria, a verdade da arte se manifesta no particular, no sensível. O espírito de uma época faz com que a Ideia se realize na matéria com determinadas características e conteúdos. Para Hegel, o absoluto não se manifesta íntegro em cada etapa histórica, ele vai desvelando cada vez mais de acordo ao desenvolvimento da ideia. A arte é a manifestação do espírito no real e, por conseguinte, a expressão temporal do espírito através do sensível. A arte exprime a verdade através de obras históricas. Heidegger, estética, ser e verdade Martim Heidegger reduz todas as artes à poesia: “se toda arte é, em essência, Poesia (die Dichtung), então a arquitetura, a escultura, a música devem ser reduzidas à poesia” (HEIDEGGER, 1977, p.127). Porque a poesia desoculta o ente; a essênciada arte é a poesia e a essência da poesia é instaurar a verdade. Encontramos em Hegel a certeza de que o espírito humano é uma parte de um Espírito absoluto, que rege o pensamento e a atividade humana e se desdobra no curso da história. O Espírito absoluto A verdade estética nos mostra a realidade do espírito. O artista não teoriza sobre essa verdade, só a mostra, a apresenta materializada, através da obra de arte. 94 FILoSoFIA leva à realização do Verdadeiro e da Liberdade. A liberdade assim compreendida, como deixar-ser do ente, realiza e efetua a essência da verdade sob a forma do desvelamento do ente. A verdade não é uma característica de uma proposição conforme, enunciada por um sujeito relativamente a um objeto e que então vale não se sabe em que âmbito; a verdade é o desvelamento do ente ao qual se realiza uma abertura (HEIDEGGER, 1979, p.139). A verdade como desvelamento possui diversas consequências, já que a verdade deixa de ser algo do qual podemos estar certos em um sentido cartesiano. Podemos estar certos de proposições, de tal maneira que a busca pela verdade não é uma busca por certezas, mas uma busca pela descoberta de âmbitos ainda desconhecidos. Verdade já não contrasta com falsidade, as proposições falsas pressupõem um âmbito de verdade tanto quanto as verdadeiras. A verdade não é primordialmente uma propriedade de proposições ou juízos. A verdade da arte opõe-se inicialmente a toda consideração simplesmente histórica das obras da arte. “A arte é um tornar-se e um acontecer da verdade” (HEIDEGGER, 1977, p.125). Toda obra de arte tem por verdade o fato de que pode ter uma existência subjetiva individual; ela só existe dessa forma, diferente do conceito filosófico. Como diz Heidegger, na obra de arte põe-se em obra a verdade do ente. A obra de arte não só tem a ver com a beleza, senão também com a verdade. A obra de arte permite que o ser do ente se desvele, consequentemente, ela permite a aletheia. A obra abre à sua maneira o ser do ente. Todos os elementos que compõem a obra de arte são eles mesmos, por isso a obra é o lugar do acontecer da verdade, ela é uma revelação. A obra de arte não é a reprodução de um ente singular, mas da essência geral das coisas. O que chamamos de obra de arte e vivenciamos esteticamente repousa na abstração. Na medida em que se abstrai o contexto da obra de arte, isto é, da função religiosa ou profana a que estava ligada, então chegamos à “pura obra de arte”. A abstração permite a existência da pura obra de arte. No ensaio A origem da obra de arte, Heidegger aborda a relação entre a “arte” e a “verdade”, que surge da indagação acerca do que é uma obra de arte. O autor analisa uma pintura de Van Gogh, que retrata um par de sapatos de camponês. Para Heidegger, esta obra vai além de ESTÉTICA | UnIDADE 4 95 representar um par de sapatos, ela representa a totalidade do mundo em que este ente se insere. O que caracteriza uma obra de arte é o conjunto de referências que esta pode estender, ao abrir um mundo de signifi cações. A obra de arte foi alcançada por Heidegger, neste ensaio, como sendo um todo coeso de signifi cações, que não precisa de nada alheio para fazer sentido. “A contemplação da obra, como saber, é a serena instância (Dastehen) no extraordinário da verdade que acontece na obra” (HEIDEGGER, 1977, p.128). Figura 19 - “sapatos de camponês” de Van Gogh. Fonte: http://www.meupapeldeparedegratis.net/artistic/pages/van- gogh-shoes.asp A verdade, a revelação do ser, está na obra iluminando o mundo no qual ele se encontra. O artista é originado pela obra de arte, dado que o artista não tem controle de sua própria criatividade. Uma obra deve ser compreendida em função do ser e do mundo não de seu autor. A obra de arte incorpora primeiro a verdade e depois a beleza. Na medida em que a obra de arte aparece como a obra que é, também pode manifestar o ser de um ente. A verdade a que Heidegger se refere está associada àquilo que os gregos denominavam aletheia que tem um sentido bastante diferente do conceito de verdade tradicional. Verdade como aletheia é o processo de aparição dos entes como entes, dotados de um sentido. E essa aletheia se dá na obra de arte, como o próprio desvelar-se. A verdade que está em jogo na arte não é uma simples concordância entre a realidade e o pintado. A verdade aparece através da obra de arte, no horizonte do tempo. A arte é histórica, é uma janela capaz A verdade profunda da condição humana tem uma janela através da obra de arte. O artista mostra essa realidade íntima por meio de uma “linguagem” universal, mas que como toda expressão necessita ser aproximada para ser compreendida. 96 FILoSoFIA de trazer o mundo daquele povo que a originou. A obra de arte não possui apenas signifi cados, ela traz sempre possibilidade de novos signifi cados. A obra de arte se diferencia dos demais entes, pela sua constituição histórica de trazer uma possibilidade da abertura do ser como um mundo. Mas, ela é “silêncio” velado e obscuro, que procura seu próprio desvelamento, manifesta sua verdade, desvela o ser. RESUMo 1. Desde Platão a poiesis esteve ligada à verdade. Em A República condenou a poesia e as artes em geral, pelo seu afastamento da verdade. Para o fi lósofo grego, a poesia era cópia da cópia. 2. Para Hegel, o Espírito se manifesta na arte. O espírito humano é uma parte de um Espírito absoluto, que rege o pensamento e a atividade humana. O Espírito absoluto leva à realização do Verdadeiro e da Liberdade. 3. Heidegger afi rma que a arte é um tornar-se e um acontecer da verdade. Toda obra de arte tem por verdade o fato de que pode ter uma existência subjetiva individual. A obra de arte não só tem a ver com a beleza, senão também com a verdade. Leia e refl ita se a existência da arte necessita de espectadores. A verdade da obra de arte necessita de “o outro” ou basta ser manifestada para ser já uma verdade? Autor: BAGGINI, Julian. O porco fi lósofo: 100 experiências de pensamento para a vida cotidiana. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2006. (p.259-261) ESTÉTICA | UnIDADE 4 97 Arte pela arte Marion estava costumada ao inconveniente de descobrir restos arqueológicos em projetos de construção. Mas nada a havia preparado para isso. No dia em que encontraram aquele poço, ela recebeu uma mensagem que explicava o que havia em seu interior. Lá no fundo, repousava uma caixa selada que continha uma estátua de Michelangelo. A caixa possuía várias armadilhas diferentes escondidas: abri-la detonaria uma bomba; ela também continha um gás que, se exposto ao oxigênio, explodiria além de outros mecanismos engenhosos. No fim das contas, o fato é que a obra de arte jamais poderia ser revelada, pois qualquer tentativa de fazê-lo, ou de mover a caixa, iria destruí-la. Mas uma bomba relógio perigosa como essa não podia ser deixada embaixo do que iria se tornar um hospital. Então parecia haver apenas duas soluções: abandonar o hospital e deixar a obra de arte em segurança mais longe dos olhos, ou destruí-la com segurança. Naquelas circunstâncias, não parecia haver muita escolha para Marion além de ordenar que o esquadrão antibomba provocasse uma explosão controlada. Mas ela não conseguia deixar de pensar que seria melhor para a estátua permanecer intacta mesmo se ninguém pudesse vê-la. A maioria de nós acha que obras de arte têm valor, e não apenas no sentido monetário. Grandes obras de arte merecem ser preservadas, e indivíduos e governos pagam grandes somas de dinheiro para adquiri- las, restaurá-las e preservá-las. Mas será que elas têm valor por sipróprias ou seu valor está no que fazem para aqueles que as observam? É tentador pensar que elas são valiosas por si só: o David de Michelangelo não perderia seu valor artístico se ninguém jamais o tivesse visto. Mas mesmo se um David nunca visto ou que nunca pudesse ser visto fosse uma grande obra de arte, qual seria a razão de sua existência? Pode ter beneficiado de alguma forma seu criador, mas depois de sua morte, para quem ou para que serve uma obra que ninguém pode admirar? Estabelecer a diferença entre a qualidade da obra e a razão de sua existência é crucial para ver o dilema de Marion, pois há pouca dúvida de que a estátua na caixa é uma obra de arte de razoável qualidade, O que está em questão é se há alguma razão para essa obra de arte existir se ninguém pode vê-la. 98 FILoSoFIA Os preservacionistas dirão que o mundo é um lugar melhor pela simples virtude da existência da estátua. Os que defendem a demolição contra-atacam, dizendo que isso é absurdo: o mundo fica melhor pelos efeitos que as obras de arte têm sobre aqueles que as veem. Se as pessoas não podem se deleitar com a arte, ela não serve para coisa alguma. Você poderia fechar todos os museus para sempre e dizer que é suficiente que as pinturas e esculturas que estão dentro deles existam. Tampouco importaria que quadros sejam mantidos fora de vista em coleções particulares ou em cofres de museus. Os preservacionistas retrucariam: para eles, o fato de ser melhor que as pessoas vejam a arte do que não vejam não significa que a arte que não é vista não tem valor. Um museu aberto é melhor do que um museu fechado, mas um fechado é melhor do que museu nenhum. A dúvida incômoda permanece: será que não precisamos de apreciadores de arte para que a arte tenha valor? Imagine outro cenário: um vírus mortal extermina a vida na Terra, e não há mais vida no Universo. O mundo permanece cheio de arte, mas sem ninguém para vê-la. Se o David caísse de sua base e se espatifasse em um milhão de pedaços, será que esse mundo desolado ficaria pior do que quando vigiado por seu olhar de mármore? Se ficamos inclinados a achar que sim, não seria apenas porque nos imaginamos lá, e dessa maneira inserimos na experiência de pensamento uma consciência que deveria estar ausente dela? Não estamos cometendo o mesmo erro daqueles que olham para um cadáver e o imaginam como ainda sendo a pessoa que já deixou de existir? Figura 20 - David de Michelangelo Fonte: http://artesteves.blogspot.com/2011/07/david-miguel-angelo.html ESTÉTICA | UnIDADE 4 99 ADORNO T. Teoria estética. Lisboa: Edições 70, 2008. ARISTÓTELES. Metafísica. Ensaio introdutório, texto grego com traduação e comentário de Giovanni Reale. TRaduação de Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 2002. BENSE, Max. Estética. Buenos Aires: Editora nueva visión, 1969. BAYER, Raymond. História da estética. Lisboa: Editora Estampa, 1979. HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Lisboa: Edições 70, 1977. _______ “Sobre a Essência da Verdade”. In: ________. Conferências e escritos fi losófi cos. São Paulo: Abril Cultural, 1979. HEGEL, G. W. Cursos de Estética. vol 1. São Paulo: Ed. USP, 1999. Tradução de: Marco Aurélio Werle. JIMENEZ, Marc. O que é estética. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2004. KANT, Emmanuel. Observações sobre o sentimento do belo e do sublime. Campinas: Papirus, 1993. LOUBET, Maria Seabra. Estudos sobre estética. Campinas: Editora da Unicamp, 1993. MONGELLI, Lênia Márcia de Medeiros. A estética da ilustração. São Paulo: Editora Atlas, 1992. ROSENFIELD, Karen. Estética. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 2006. SCHELLING, F. W. J. Sistema del Idealismo Trascendental. Barcelona: Antropos, 1998. UnIDADE oBJETIVo DESTA UnIDADE: Observar a relação entre estética e tecnologia. Da arte para a técnica. Benjamim, a técnica e a aura. Adorno, a arte e a técnica. 5 ESTÉTICA E TECnoLoGIA Da arte para a técnica A palavra arte vem do latim ars e corresponde ao termo grego techne (técnica), significando: o que é ordenado ou toda espécie de atividade humana submetida a regras. Seu campo semântico se define por oposição ao acaso, ao espontâneo e ao natural. Por isso, em seu sentido mais geral, arte é um conjunto de regras para dirigir uma atividade humana qualquer. Para os gregos, a techne segundo Aristóteles é a capacidade, a sabedoria produtiva de produzir algo de maneira racional. Na ética Nicomacos, a techne é uma das cinco virtudes, as outras são: o episteme (conhecimento científico), a phronesis (virtude do saber agir), o nous (responsável por aprender os princípios do conhecimento científico), e a sophia (envolve o existente entre o conhecimento científico e o entendimento). A téchne é superior à experiência, mas inferior ao raciocínio, ainda que precise da razão. A téchne é um conhecimento prático, com vistas a um objetivo concreto, mas não é essencialmente mecânica, ela possui propriedades intelectuais. No campo do contingente existe uma diferença entre ação e fabricação, isto é, entre praxis e poiesis. A política e a ética são ciências da ação, da praxis. As artes ou técnicas são atividades de fabricação da poiesis. 102 FILoSoFIA As artes seguiram um padrão determinado pela sociedade antiga que despreza o trabalho manual. A partir do século II d.C. até o século XV impera a divisão das artes em liberais, próprias dos homens livres, e as servis ou mecânicas, próprias dos trabalhadores manuais. As artes liberais são gramática, retórica, lógica, aritmética, geometria, astronomia e música, e as artes mecânicas são medicina, arquitetura, agricultura, pintura, escultura, olaria, tecelagem etc. Essa classificação considera as artes liberais como superiores às artes mecânicas. A compreensão de ars aristotélica influenciou o século XIII, no qual teve lugar uma apropriação dos escritos aristotélicos. Com base em Aristóteles, Tomás de Aquino propôs uma nova determinação do conceito de ars, em razão de sua associação à antiga tradição pedagógica das septem artes liberales, que continham todos os âmbitos do saber humano. O conceito de ars na Idade Média está ligado ao termo ars mechanica, que tinha a mesma acepção da téchne grega e era considerada uma ars inferior. Numa sociedade dividida em estamentos, o clero rezava, os cavaleiros guerreavam e os servos trabalhavam. Tomás de Aquino procurou valorizar o trabalho manual, argumentando que todos os trabalhos têm o mesmo valor, contudo, sua concepção filosófica de influência aristotélica tende a valorizar a atividade contemplativa. Muitos textos medievais consideram a ars mechanica como uma ars inferior. Tanto na Antiguidade como na Idade Média, essa atitude resulta na impossibilidade da ciência se desligar da filosofia. Na Renascença surge uma luta pela valorização das artes mecânicas para convertê-las à condição de artes liberais. Na Idade Moderna surge um crescente interesse pelas artes mecânicas e pelo trabalho em geral. Isto, devido à crescente ascensão dos burgueses, antigos servos que se dedicavam ao comércio e tinham o trabalho como única saída para melhorar de status. O capitalismo permite observar que o trabalho é a fonte das riquezas, sendo por isso valorizado, e essa valorização do trabalho origina a valorização das técnicas e artes mecânicas. A primeira conquista obtida pelas artes mecânicas foi sua elevação à condição de conhecimento, como as artes liberais, e a segunda conquista foi a partir do século XVIII, quando se distinguiram as finalidades das várias artes mecânicas. ESTÉTICA | UnIDADE 5 103 A ciência moderna está diretamente ligada ao domínio do homem sobre a natureza.A máquina exerce tal fascínio sobre o homem moderno que surge o mecanicismo cartesiano. Galileu valorizou a técnica, e a valorização do trabalho ocorreu no início da Idade Moderna com o Renascimento e com a Reforma Protestante. Na Idade Moderna a técnica foi incorporada à ciência, de tal maneira, que criou um novo espaço: o da tecnologia. Quando a técnica se funde com a ciência para lhe dar uma aplicação prática surge a tecnologia. Surge uma distinção entre artes da utilidade e artes da beleza que levam a uma separação entre técnica (o útil) e arte (o belo). Por um lado, a arte é co nsiderada como a ação individual espontânea, vinda da sensibilidade e da fantasia do artista. Por outro lado, o técnico é visto como aplicador de regras e receitas vindas da tradição ou da ciência. Além disso, como a obra de arte é vista a partir de sua fi nalidade – a criação do belo – isto o torna inseparável do público que julga e avalia o objeto artístico. Desde o fi nal do século XIX modifi cou-se a relação entre arte e técnica. Por um lado, a técnica modifi cou-se e deu lugar à tecnologia, uma forma de conhecimento unida a uma teoria e não simples prolongação de nossas habilidades ou sentidos. As artes deixaram de ser concebidas como criação genial e passaram a ser expressões criativas. As artes tornam-se inseparáveis da ciência e da técnica. Assim, a pintura e a arquitetura da Renascença são incompreensíveis sem a matemática e a teoria da harmonia e das proporções; a pintura impressionista, incompreensível sem a física e a óptica, isto é, sem a teoria das cores etc. As artes não ocultam sua relação com a ciência e a técnica, e buscam nas ciências e nas técnicas respostas e soluções para problemas artísticos. Heidegger, a crítica, à técnica e à poesia Heidegger critica a técnica e argumenta que o próprio ser humano é jogado para dentro do projeto técnico-maquinador, que transforma o mundo humano em um universo técnico aprisionador. Esse universo impõe sua razão calculadora e conduz ao perigo do esquecimento do ser. A técnica está sempre presente na arte. Aqui temos que refl etir o mais importante na obra de arte: a técnica ou a verdade. 104 FILoSoFIA Heidegger resgata o signifi cado da techné, como era vista na antiga Grécia: a técnica se mantinha obediente às sugestões da natureza sem agredi-la. Pelo contrário, a técnica moderna tende a cegar o homem, e ele passa a viver como se o que aparece não retivesse nenhum mistério, viver através da visão da técnica é viver das aparências, é ver o mundo de um modo unidimensional, mecânico, reduzido à sua utilidade. A técnica coloca a produção como centro de nossa preocupação. Mas esse quadro pode ser revertido. Heidegger não propõe a supressão da tecnologia, mas chama a atenção para a possibilidade de uma relação mais livre com ela. Devemos ver que a técnica e a tecnologia não são absolutas, e que o perigo não radica na técnica moderna, senão na relação com ela. O homem deve seguir o caminho dos apelos do Ser, do desvelamento da verdade. Para isto é necessário recuperar o conceito original de techne, como produção tanto de técnica, como também da arte. Isto implica um retorno à palavra poética, que foi esquecida pela infl uência da técnica moderna. Para escutar o Ser é preciso observar a linguagem, porque ela desvela o Ser. A poesia enquanto linguagem pura é desvelamento do Ser, ela é a raiz da arte. Lembremos que Heidegger reduz todas as artes à poesia, porque a poesia mostra o ente. Benjamim, a técnica e a aura Walter Benjamin possui uma teoria materialista da arte, que aponta para a existência da “aura” da obra de arte, como característica individualizadora. Essa técnica permite a reprodução em série da obra de arte, esta reprodução quebra a aura, esse brilho único que é próprio as obra de arte. A técnica também desvirtua o processo criativo do artista, o afasta de sua obra. A técnica tira o valor da arte, que passa a ser uma mercadoria com fi m de lucro. Claro que essa situação não é desastrosa para Benjamim, ele é otimista. A técnica viabiliza e democratiza até certo ponto a obra de arte. Isto ocorre com o cinema, que carrega consigo uma radical mudança em relação ao teatro. Podemos dizer o mesmo com um concerto e um CD- room. Walter Benjamin nasceu no seio de uma família judaica. Em 1915, conhece Gershom Gerhard Scholem de quem se torna muito próximo, quer pelo gosto comum pela arte, quer pela religião judaica que estudavam. Nos últimos anos da década de 1920 o fi lósofo interessa-se pelo marxismo, e juntamente com o seu companheiro de então, Theodor Adorno, aproxima-se da fi losofi a de Georg Lukács. ESTÉTICA | UnIDADE 5 105 Multiplicando as cópias, elas transformam o evento produzido apenas uma vez num fenômeno de massas. Permitindo ao objeto reproduzido oferecer à visão e à audição em quaisquer circunstâncias, conferem- lhe atualidade permanente. Esses dois processos conduzem a um abalo considerável na realidade transmitida – a um abalo de tradição, que constitui a contrapartida da crise por que passa a humanidade e a sua renovação atua. Estão em estreita correlação com os movimentos de massa hoje produzidos. Seu agente mais efi caz é o cinema (BENJAMIN, 1983, p.8). Na sua teoria materialista da arte analisa as causas e consequências da destruição da “aura” que envolve as obras de arte, enquanto objetos individualizados e únicos. O progresso das técnicas de reprodução, sobretudo do cinema, dissolvem a aura e multiplicam a produção artística, destroem a condição de única da obra de arte. Para Benjamin, a partir do momento em que a obra fi ca excluída da atmosfera aristocrática e religiosa, que fazem dela uma coisa para poucos e um objeto de culto, a dissolução da aura atinge dimensões sociais. Essas dimensões seriam resultantes da estreita relação existente entre as transformações técnicas da sociedade e as modifi cações da percepção estética. A perda da aura e as consequências sociais resultantes são particularmente sensíveis no cinema, no qual a reprodução de uma obra de arte traz a possibilidade de uma radical mudança qualitativa na relação das massas com a arte. Embora o cinema exija o uso de toda a personalidade viva do homem, este priva-se de sua aura, a experiência única que o teatro produz se perde no cinema. Benjamin buscará referências de forma a adequar essa massifi cação da arte como mecanismo para construção de uma esperança histórica. Benjamin mostra as técnicas de reprodução das obras de arte provocando a queda da aura. Mas, esse processo possibilita outro relacionamento das massas com a arte, dotando-as de um meio efi caz de renovação das estruturas sociais. Essa visão otimista de Benjamim foi duramente criticada por Adorno. Benjamin analisa a imagem cinematográfi ca e refl ete sobre a dimensão política e social da arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Ele antecipa um tema central da estética contemporânea, ao fazer uma A tecnologia e a reprodução das obras de arte por um lado democratizam, mais por outro negociam. Como resolver este dilema? 106 FILoSoFIA análise da arte cinematográfica. Para Benjamin, a arte é intrinsecamente reprodutível e essa constatação levou-o a refletir sobre o papel e o lugar que os meios de reprodução ocupam no campo artístico. As tecnologias reprodutivas estão mudando o recebimento de obras do passado, mas especialmente as novas técnicas estão surgindo como novas formas de arte. A reprodução tecnológica dilui a aura, o “aqui e agora” da obra de arte. Mas, Benjamim, otimista, desenvolve uma teoria da percepção da obra de arte por causada mudanças de tecnológicas. Ele afirma que o desenvolvimento de tecnologias reprodutivas mudou a percepção do espectador, e, de alguma maneira, democratizou a arte e a tornou mais acessível. O ator perde contato com o público, já não é a peça de teatro, por isso, aparentemente, o filme banaliza a atuação, torna-se uma imagem unicamente, um simples acessório. O anterior pode ser revertido. Segundo Benjamin, o espectador percebe a imagem de filme e fica hipnotizado com uma representação da realidade. Benjamin não é nostálgico para o declínio da aura, dado que essa perda é ainda responsável pela criação da obra de arte no cinema. O comportamento do espectador do cinema pode mudar, desde que ele não se torne passivo, participe da arte e aguce seu senso crítico. O surgimento desse comportamento das massas, a partir de tecnologias reprodutivas, é o que torna possível a transformação da arte. A teoria de Benjamin afirma que a apropriação da arte pelas massas não transforma a obra de arte em mercadoria. Benjamin indica uma mudança no status da arte tradicional através dos meios técnicos de reprodução, tais como a fotografia e o filme, que começam a dominar a imaginação de um público de massa. Ele define a característica de produção manual da obra de arte tradicional como um processo histórico único para o objeto original, manifesto no objeto de sua “aura”. A propagação das reproduções técnicas de uma obra carece de “aura”. Benjamin descreve a arte contemporânea que é produzida especificamente para a exposição e para ter cada vez mais público, e parece resolver o dilema da tecnologia e da arte, com o papel da massa mais crítica e consciente, e não simplesmente uma consumista passiva. ESTÉTICA | UnIDADE 5 107 Adorno, a arte e a técnica Adorno é um dos representantes da Escola de Frankfurt, assim como Walter Benjamin. Na Teoria estética, Adorno afi rma que a indústria cultural pode ser defi nida como o conjunto de meios de comunicação como o cinema, o rádio, a televisão, os jornais e as revistas, que formam um sistema poderoso para gerar lucros. O poder da indústria cultural é ser acessíveis às massas, de tal maneira que as manipulam e controlam. O efeito da tecnologia faz com que o cinema ande muito rápido para permitir refl exão do seu espectador, não há uma preocupação exata com seu conteúdo. O poder da técnica se instaura sobre o homem. A tecnifi cação, braço prolongado do sujeito dominador da natureza, aliena as obras de arte da sua linguagem imediata. A legalidade tecnológica recalca as contingências do simples indivíduo que produz a obra de arte (ADORNO, 2008, p. 99). A indústria cultural cria condições favoráveis para a implantação de seu comércio. O fi lme sonoro e a televisão podem criar a ilusão de um mundo que não é o que espontaneamente percebe-se. Assim, o homem é subordinado ao progresso da técnica e esta dá lugar à razão instrumental. Na civilização ocidental moderna existia a arte erudita e a arte popular, que supria exatamente a função de entretenimento que a indústria cultural tem hoje. Adorno relaciona ainda as obras de arte a mercadorias culturais. No âmbito da indústria cultural, o trágico se dissolve na falsa identidade da sociedade e do sujeito. Para Adorno a liquidação do trágico confi rma a eliminação do indivíduo. A indústria cultural não passa de um negócio rentável aos seus dirigentes. A indústria é eminentemente técnica. A técnica passa a ser a nova estrutura ideológica. É uma sociedade técnica dominada pelo saber científi co, onde a sociedade industrial reinventa modos de subjetivação, modela o cotidiano e infl uencia a esfera da cultura. A cultura de massa nos faz assistir inertes ao desfi le de produtos da indústria cultural. Para observar como a tecnologia infl uenciou a arte assistir o fi lme “um tiro para Andy Warhol”, da diretora Mary Harron. Indústria cultural, termo cunhado pelos fi lósofos e sociólogos alemães Theodor Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973), a fi m de designar a situação da arte na sociedade capitalista industrial, que se transforma em um produto de consumo. 108 FILoSoFIA Figura 21 - “Latas de sopa Campbell” de Andy Warhol Fonte: http://identidadesolida.wordpress.com/tag/andy-warhol/ A economia condiciona tudo, e os consumidores passam a ser reduzidos a um simples material estatístico. A indústria cultural revela- se como a meta do liberalismo, onde o indivíduo vive alienado, por causa da padronização do modo de produção, que o converte em um consumidor passivo da indústria da diversão, não de arte. O cinema faz com que os indivíduos percebam de forma ilusória a reprodução mecânica dos filmes refletida na vida real. O consumidor de filmes tem sua imaginação paralisada pelos efeitos desse meio, que produz velozmente os fatos diante dos seus olhos. A indústria cultural usa da técnica para envolver o consumidor, com uma arte acessível e de conteúdo vazio. A indústria cinematográfica, como diversão, tornou-se um grande negócio. O homem se vê envolvido totalmente por esse processo tecnológico, que evita que o espectador tenha um pensamento próprio. O conceito de técnica não deve ser pensado de maneira absoluta, porque ele possui uma origem histórica e pode desaparecer. “Se a técnica constitui a substância da linguagem da arte, ela liquida no entanto a sua linguagem; não pode substrair-se a tal. Em nenhuma circunstância também se deve fetichizar na arte o conceito de força produtiva técnica” (ADORNO, 2008, p. 329). Com relação à arte, a técnica produz a produção em série e a homogeneização, com isso, a técnica sacrifica a distinção entre o ESTÉTICA | UnIDADE 5 109 caráter da própria obra de arte e do sistema social. A técnica passa a exercer imenso poder sobre a sociedade, porque ela está a serviço dos grupos dominantes ou economicamente mais fortes da sociedade. A racionalidade da técnica identifi ca-se então com a racionalidade destes grupos dominantes. A arte está em mãos dos grupos de poder que a descaracterizaram, tornando a arte um negócio e como tal seus fi ns são unicamente comerciais. Essa produção cultural com fi ns lucrativos é chamada por Adorno de “indústria cultural”. Adorno explica que a indústria cultural vende produtos para um consumo massivo, porque está interessada unicamente em lucro. A indústria cultural impõe sua ideologia, que é a dos grupos de poder da sociedade e impede a formação de indivíduos autônomos, capazes de pensar conscientemente. A mecanização conquistou um imenso poder sobre o homem, durante o tempo livre, e sobre sua felicidade, determinando tão completamente a fabricação dos produtos para a distração, que o homem não tem acesso senão a cópias e reproduções do próprio trabalho. O suposto conteúdo não é mais que uma pálida fachada: o que realmente lhe é dado é a sucessão automática de operações reguladas. As massas viram seres inconscientes, a indústria cultural cria condições cada vez mais favoráveis para a implantação do seu comércio fraudulento, no qual, os consumidores são enganados com promessas não cumpridas. Adorno oscila entre negar a possibilidade de produzir arte depois de Auschwitz. Essa postura foi extremamente criticada pelos movimentos de contestação radical, que o acusavam de buscar refúgio na pura teoria ou na criação artística, esquivando-se assim da práxis política. Adorno critica a práxis brutal da sobrevivência, a obra de arte é necessária à sociedade, ela é a antítese da sociedade, na medida em que ela é sua aparência, a mais próxima e autêntica. O objetivo do campo era manter prisioneiros comoforça de trabalho e exterminá-los. Perto de 700 prisioneiros tentaram escapar, 300 tiveram êxito. A pena aplicada por tentativa de fuga era a morte por inanição. Auschwitz-Birkenau, nome dos campos de concentração e de extermínio localizados no sul da Polônia. O número total de mortes produzidas em Auschwitz se estima que é um milhão e meio de pessoas. 110 FILoSoFIA As câmaras de gás foram destruídas pelos nazistas em novembro de 1944, com a intenção de esconder as atividades. Em 1945 os nazistas iniciaram uma evacuação do campo. Os prisioneiros muito fracos para caminhar foram deixados para trás. Perto de 7.500 prisioneiros pesando entre 23 e 35Kg foram liberados pelo Exército Vermelho em 27 de janeiro de 1945. Após o fim da Segunda Guerra Mundial houve intentos de negar o propósito dos campos de extermínio. As instalações foram reconstruídas para que estivessem em concordância com o que se contou sobre Auschwitz ao final da guerra. Podemos observar que a arte é uma manifestação da realidade humana, da verdade, ela não explica, ela mostra a verdade. A arte pode sensibilizar moralmente, levar a uma catarse. Ela transita por todas as experiências humanas, desde a calma beleza, a violência do sublime, a profunda dor da violência ou a repugnância da feiúra. Ela está ligada a nossa sensibilidade material, mas a transcende. Ela utiliza a técnica e a tecnologia, mas ela não é em um produto de mercado. A arte é um patrimônio da humanidade, é como o ar necessário e de todos, não tem valor comercial, ela é invalorável. Ter acesso à arte é um direito humano, fundamental, alimento do espírito, necessidade de expressão e comunicação, manifestação da liberdade. RESUMo 1. A palavra arte se define por oposição ao acaso, ao espontâneo e ao natural. Arte é um conjunto de regras para dirigir uma atividade humana qualquer. 2. Heidegger critica a técnica que coloca a produção como centro de nossa preocupação e impede a arte. Heidegger não propõe a supressão da tecnologia, mas chama a atenção para a possibilidade de uma relação mais livre com ela. Todas as artes podem ser representadas pela poesia, porque a poesia mostra o ente, a verdade. ESTÉTICA | UnIDADE 5 111 3. Segundo Benjamim a reprodução da obra de arte a faz perder a aura, isto fi ca evidente no cinema. Benjamin não critica completamente o cinema e a tecnologia desde que não se perca o senso crítico ante o consumo e as mídias. 4. Adorno critica a indústria cultural que modela o cotidiano e infl uencia a esfera da cultura. A cultura de massa nos faz assistir inertes ao desfi le de produtos da indústria cultural. A arte se converte em um bem de consumo, em um artículo industrial, e o pior é nossa falta de consciência crítica diante deste fato. 5. Ter acesso à arte é um direito humano, fundamental. Leia e refl ita sobre as diversas técnicas que utiliza a arte, umas prolongam sua duração outras não; sobre o papel da sociedade e os críticos que são os que estabelecem o valor às obras de arte, e sobre a realização do artista, que mesmo sem expor nem vender se realiza fazendo arte. Autor: BAGGINI, Julian. O porco fi lósofo: 100 experiências de pensamento para a vida cotidiana. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2006. (p.45-46). Picasso na praia Do alto do penhasco Roy olhou para baixo, para o homem que desenhava na areia. A fi gura que começou a surgir o impressionou. Era um rosto extraordinário, não retratado de forma realista, mas de maneira que parecia visto de vários ângulos ao mesmo tempo. Na verdade, parecia muito um Picasso. 112 FILoSoFIA Assim que essa ideia passou por sua cabeça, seu coração parou. Ele levou o binóculo aos olhos, que então teve necessidade de esfregar. O homem na praia era Picasso. O pulso de Roy se acelerou. Ele passava por aquele caminho todo dia, e sabia que logo a maré ia subir e lavar um Picasso original autêntico. Ele tinha de fazer algo para salvá-lo. Mas como? Tentar deter o mar era inútil. Também não havia como fazer um molde da areia, mesmo que ele tivesse tempo para isso, coisa que ele não tinha. Talvez conseguisse correr até em casa para buscar sua câmera. Mas isso, no máximo, preservaria um registro da obra, não o próprio quadro. E se ele tentasse fazer isso, quando voltasse a imagem provavelmente já teria sido apagada pelo oceano. Talvez, então, ele devesse apenas desfrutar aquela imagem particular enquanto ela durasse. Ele ficou ali olhando, sem saber se ria ou chorava. Fonte: “In season of cam weather”, de Ray Bradbury, reimpresso em A Medicine for Meiancho(y (Avon Books, 1981). Não existe princípio geral que afirme existir algo trágico em uma obra de arte que não resiste ao tempo. Isso depende totalmente da forma tomada pela arte. É simplesmente absurdo achar que um desempenho deva ter uma existência permanente da mesma maneira que uma escultura. Claro, podemos filmar o desempenho ou guardar roteiro. Mas nenhum desses métodos congela o próprio trabalho no tempo, como todos os que já viram um concerto ou uma peça memorável sabem muito bem. Quando se trata de escultura ou pintura, a preservação é vista como ideal. Mas quão definida é a diferença entre as performances e as artes plásticas? O desenho imaginário de Picasso sem dúvida deixa esses limites bem indistintos. A escolha incomum de meio significa que o que normalmente sobrevive é transformado em um desempenho fugaz. Reconhecer que não existe uma linha divisória definida entre as artes “performáticas” e as artes plásticas pode nos levar a reconsiderar nossas atitudes em relação à preservação e à restauração. Em geral, partimos do princípio de que é desejável manter ou restaurar ESTÉTICA | UnIDADE 5 113 quadros, para que fi quem parecidos com o que eram quando novos. Mas talvez devêssemos ver a deterioração lenta das obras de arte como parte essencial de sua dimensão performática. Sem dúvida muitos artistas levam em consideração como suas obras vão envelhecer no momento em que as criam. Frank Gehry, por exemplo, sabia como a exposição aos elementos afetaria o exterior de titânio de sua obra-prima arquitetônica, o museu Guggenheim em Bilbao. Da mesma forma, os mestres antigos não ignoravam como seus pigmentos envelheceriam. Talvez possamos ir mais longe e dizer que nosso desejo de preservar é uma forma de negação de nossa própria imortalidade. O fato de que a arte dura mais que as pessoas levou alguns a buscar uma forma de substituto da imortalidade por meio disso. (Apesar da frase famosa de Woody Allen, que disse querer imortalidade por meio da arte, apenas por não morrer). Se aceitamos que a arte também é mortal, e que nada é verdadeiramente permanente, talvez possamos ver com mais clareza onde devemos encontrar o valor da arte e da vida: ao experimentá-las. ADORNO T. Teoria estética. Lisboa: Edições 70, 2008. BENJAMIM, Walter. A obra de arte. São Paulo: Abril Cultural, 1983. Os Pensadores. BENSE, Max. Estética. Buenos Aires: Editora nueva visión, 1969. BOHRER, Karl Heinz (Org.). Ética e estética. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 2001. BOSI, Alfredo. Refl exões sobre a arte. São Paulo: Editora Ática, 1991. BAYER, Raymond. História da estética. Lisboa: Editora Estampa, 1979. BURKE, Edmund. Uma investigação fi losófi ca sobre a origem de nossas ideias do sublime e do belo. 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