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Um Estudo de Caso de 
Encoprese em Ludoterapia 
Comportamental 
Laura dos 
Santos Gomes 
Psicologa clinica Infantil; 
especialista em psicometria. 
É apresentado um estudo de caso onde ludoterapia foi utilizada no diagnóstico 
e na intervenção terapêutica de uma criança encoprética secundária retentiva. 
Temperamento, concebido como padrão de sensibilização / habituação, é 
sugerido como um fator relevante na explicação da encoprese. 
A encoprese se refere à incontinência fecal 
na aprendizagem de controle esfincteriano. 
Condições orgânicas resultando em 
incontinência fecal devem ser excluídas antes 
da encoprese ser diagnosticada e caracterizada 
dicotômicamente em 1) diurna ou noturna; 
2) primária (incontinência fecal persistente) ou 
secundária (incontinência ocorre após um 
período de continência fecal), e 3) retentiva 
(ocorrência de constipação, falta de eliminação 
e impactação fecal) ou não retentiva (fezes 
não são retidas no intestino e ocorre diarréia). 
A literatura na área apresenta poucos estudos 
epidemiológicos sobre encoprese: estima-se 
que a incidência é de 1,5 a 7,5% das crianças, 
e tal incidência é inferior a 3% quando se trata 
de crianças com idade superior a quatro anos; 
encoprese secundária representa, 
aproximadamente, 50% dos casos (Knell, 
1993; APA, 1994; Doleys, 1978). 
Tanto a abordagem psicodinâmica quanto 
comportamental apontam aspectos 
individuais, familiares ou treino ao toalete 
inadequado como os principais fatores para a 
ocorrência da encoprese. Segundo Knell 
(1993,pag.130), a intervenção compor-
tamental, comparativamente a intervenções 
psicodinâmicas, é avaliada como mais eficaz 
no tratamento da encoprese e tem fornecido 
o arcabouço teórico para as discussões 
encontradas na literatura (por exemplo, se a 
encoprese é operante ou respondente). Na 
hipótese comportamental, respostas 
encobertas (pensamentos e emoções), 
e emoções), fatores situacionais (conflitos 
familiares) ou treino ao toalete inadequado 
e/ou aversivo (cair no vaso sanitário, por 
exemplo) gerariam um padrão de aversão 
(aversão ou medo de ser sugado pelo vaso 
quando é dada a descarga, por exemplo) 
(Knell, 1993; Neri, 1987; Doleys, 1978). 
O tratamento da encoprese envolve 
procedimentos médicos (laxantes, enemas, 
lavagens etc), psicoterapia, hipnose, e 
programas comportamentais (reforço positivo, 
punição, extinção, biofeedback, contrato de 
contingência), assim como a combinação de 
várias destas intervenções. Em alguns casos, 
as intervenções são implementadas pelos pais 
com o mínimo de contato entre terapeuta e 
criança (Azrin e Foxx, 1974; Knell, 1993). 
Segundo knell (1993), intervenções nas quais 
há pouco contato entre terapeuta e criança 
negligenciam a participação ativa da criança 
no atendimento e são pouco eficazes nos 
casos onde há conflitos entre a criança e os 
responsáveis pelas implementações de 
intervenções (em geral, os pais). 
Os poucos estudos de caso sobre encoprese 
em português tratam de encoprese 
secundária e não retentiva (evacuações na 
roupa) (Conte, 1987). O presente estudo de 
caso se refere ao atendimento de uma criança 
com quadro de encoprese secundária retentiva 
e visa contr ibuir para a discussão da 
encoprese em termos da explicação do 
fenômeno e da implementação de um 
programa de intervenção (ludoterapia 
comportamental); tal programa foi elaborado 
a partir da especificação de alguns fatores que 
podem afetar a relação terapeuta-cliente 
(Mettel, 1986). 
A Criança 
Vinícius, à época do atendimento, tinha 3 
anos e seis meses, morava com a mãe na 
casa dos avós maternos (após a separação dos 
pais) e apresentava uma rotina estabelecida 
de alimentação, sono e brincadeira: acordava 
cedo, tomava café da manhã, brincava no 
parque ou no jardim, tomava banho, lanchava 
e dormia; após acordar, Vinícius almoçava, 
brincava e ia para a escola. Retornando da 
escola tomava banho, jantava e dormia, 
aproximadamente às 20:30 horas. O 
levantamento das atividades de vida diária 
mostrou que Vinícius realizava sozinho 
determinadas atividades (escovar dentes; 
controle da micção durante o dia; escolher 
roupa e vestir-se sozinho) e apresentava 
dificuldades na realização de outras (pentear 
o cabelo sozinho; colocar o sapato e vestir 
algumas peças de roupa tais como meia, blusa 
e camisa). Vinícius acordava sozinho e, 
geralmente, com bom humor; só acordava 
irritado quando tinha pesadelo (caracterizado 
por movimentos na cama e verbalizações de 
eventos que aconteceram durante o dia). Em 
relação ao seguimento de regras, atendia às 
ordens dos pais, avós maternos, e da 
professora; quando uma ordem não o 
agradava, Vinícius se comportava 
assertivamente questionando tal ordem. No 
contexto de interação lúdica, o relacionamento 
com outras crianças seguia um padrão de 
aproximações sucessivas. As atividades lúdicas 
preferidos eram caminhões, calhambeque, 
carrinhos, casa, fazenda com muitos animais 
e assistir fita de filmes infantis antes do almoço. 
Histórico da Encoprese 
Antes do quadro de encoprese, Vinícius 
apresentava um padrão regular de 24 horas 
entre as defecações. Sob orientação médica, 
os derivados do leite haviam sido retirados da 
alimentação de Vinícius visto que propiciavam 
a constipação. 
Após a separação dos pais, em abril de 1995, 
Vinícius e a mãe foram morar com os avós 
maternos; no mesmo período, ocorreu um 
acidente com o avô de Vinícius. Vinícius 
começou a apresentar alteração no padrão de 
defecação em maio de 1995. Sob orientação 
médica (pediatra), iniciou-se, em junho de 
1995, o uso da medicação tamarine (1 colher 
de chá a cada dois dias e depois 1 colher de 
chá todos os dias) cuja dosagem diminuia ou 
aumentava de acordo com a defecação. Em 
fevereiro de 1996, dado que padrão de 
defecação permanecia inalterado (prisão de 
ventre e dores de barriga) houve mudança de 
orientação médica. 
Sob nova orientação médica (gastro-
enterologista), a medicação tamarine foi 
suspensa e, a partir de março de 1996, Vinícius 
iniciou o uso das seguintes medicações: 1) 
óleo mineral (uma colher de sopa três vezes 
ao dia, meia hora antes das refeições), 2) leite 
de magnésia (uma colher de sopa três vezes 
ao dia meia hora depois das refeições), 3) 
prepulsid (três vezes ao dia e depois passou a 
ser tomado duas vezes ao dia, pela manhã e 
à noite) e 4) Fleet (medicação para as lavagens 
intestinais utilizada três vezes no mês de abril). 
Com o uso de tais medicações, o padrão de 
defecação acontecia à noite, durante o sono. 
Vinícius relatava fortes cólicas, vomitava após 
ingerir a medicação e, durante o vômito, 
defecava na roupa. 
Em março de 1996, a gastroenterologista 
avaliou que o abdômen "inchado" seria 
consequência da dilatação da alça intestinal; 
foi realizado o exame clíster opaco (exame 
consiste na introdução de contraste via retal), 
três radiografias e um raio x simples do 
abdômen. Foi diagnosticado dilatação do reto 
e sigmóide, embora não fossem detectadas 
lesões vegetantes. Foram realizadas três 
lavagens em abril de 1996: na situação de 
lavagem,Vinícius defecava, aproximadamente, 
cinco minutos com padrão diarréico. Visto que 
após estas intervenções o padrão de 
encoprese de Vinícius permaneceu 
inalteraldo, a gastroenterologista solicitou 
avaliação psicológica de Vinícius. 
Avaliação 
A avaliação seguiu a seguinte ordem: 
entrevistas com a mãe; visita à escola e à casa 
dos avós maternos de Vinícius, sessões lúdicas 
com Vinícius e entrevista com o pai. A mãe 
foi solicitada a registrar 1) o comportamento 
do filho durante a defecação, 2) a quantidade 
de fezes e 3) verbalizações de Vinícius 
relacionadas ao medo de defecar; 4) observar 
o volume do abdômen distendido; 5) 
completar calendário semanal das atividades 
de vida diár ia, seguimento de regra,al imentação, atividades lúdicas e 
relacionamento social de Vinícius (Windholz, 
1988) e 6) um questionário específico sobre 
encoprese. 
Entrevista com a Mãe 
A mãe julgava que a encoprese do filho era 
tão somente uma questão orgânica. Relatou 
que, embora se considerasse calma, ficava 
apreensiva e tensa com o padrão de 
defecação do filho (Vinícius ficara nove dias 
seguidos sem defecar, apesar de usar a 
medicação), as queixas de dores decorrentes 
da retenção, a distensão do abdômen e a 
provável alteração na forma das alças 
intestinais. A mãe considerava o filho carente 
e dependente na realização de atividades de 
vida diária (Vinícius se alimentava somente 
com auxílio da mãe). Os momentos de 
interação mãe-filho eram pela manhã e à noite 
quando a mãe chegava do trabalho; relatou 
que gostava de fazer todas as atividades junto 
com o filho, principalmente brincar e prepará-lo 
para dormir. No momento das refeições, 
Vinícius levantava-se para pegar brinquedos 
estendendo excessivamente o horário da 
alimentação. Neste contexto, a mãe ficava 
nervosa e incomodada com o comportamento 
do filho. Foram dadas as seguintes orientações 
à mãe: 
1) estabelecer horário fixo para a defecação 
(pela manhã e no final da tarde) e não insistir 
com o filho para que defecasse; 
2) eliminar proferimentos sobre a defecação 
com o filho; 
3) tornar o momento do banho, após a 
defecação na roupa, em uma situação lúdica. 
Três dias após estas instruções, Vinícius, pela 
primeira vez desde o início da encoprese, 
defecou no vaso e sem auxílio de supositório. 
Registro escrito da mãe mostrou seguimento 
das orientações. 
Visita à Escola de Vinícius 
Foi realizada uma visita à escola com o objetivo 
de observar e registrar a interação de Vinícius 
com os colegas assim como contactar os 
técnicos da escola. Vinícius realizou as 
atividades solicitadas pela professora, brincou 
com os colegas, apresentou autonomia nas 
atividades escolares e de vida diária exigidas 
pela escola (guardar os brinquedos com os 
quais brincara, por exemplo). Segundo os 
técnicos da escola, algumas vezes Vinícius 
defecou na roupa e, no banho, verbalizou: 
"a barriga tá doendo". Provavelmente, a dor 
resultante do quadro de encoprese não se 
restringia somente à situação de defecar, mas 
a uma dor generalizada na região do 
abdômen. 
Visita à Casa dos Avós de Vinícius 
Foi realizada uma visita à casa dos avós 
maternos com o objetivo de observar se o 
ambiente físico possibilitava a realização das 
atividades lúdicas; a relação entre as regras 
da casa e o comportamento de Vinícius e 
realização das atividades de vida diárias. A 
visita à casa dos avós possibilitou observar que 
1) Vinícius não explorou adequadamente os 
brinquedos nos espaços disponíveis para 
brincar; e 2) a sequência de eventos que 
caracterizavam a defecação apresentava 
inadequações: a insistência da mãe com o 
filho para defecar, dicas fisionômicas maternas 
de tensão e o comportamento de Vinícius 
consequente às dicas fisionômicas da mãe. 
Foi realizada intervenção em relação às dicas 
fisionômicas maternas e à insistência da mãe 
para que Vinícius defecasse. Vinícius defecou, 
tomou banho e foi elogiado pela psicóloga e 
pela mãe. 
Sessões Lúdicas de Psicodiagnóstico 
Foram realizadas três sessões lúdicas com o 
objetivo avaliar o comportamento lúdico de 
Vinícius. Nas sessões lúdicas, realizadas 
sempre com a presença da mãe ou do pai, 
foram registrados o tipo de brinquedo, o uso 
funcional do brinquedo e o tempo de 
permanência em cada brincadeira (Windholz, 
1988). A avaliação das sessões lúdicas 
realizadas mostrou que: 
1) Vinícius reproduziu nas sessões lúdicas 
acontecimentos do cotidiano (separação dos 
pais, a rotina diária e o padrão alimentação), 
2) apresentou alteração no padrão lúdico 
(menor tempo de permanência nas atividades 
lúdicas comparativamente às crianças da 
mesma faixa etária), 
3) comportou-se assertivamente e seguiu as 
regras estabelecidas na situação lúdica e 
4) as informações fornecidas pela mãe sobre 
autonomia nas atividades de vida diária e 
relacionamento social foram corroboradas. A 
terapeuta reforçou as situações de autonomia 
de Vinícius nas situações de escolha de 
brinquedos ou de autonomia (realizar uma 
atividade sem auxílio). 
Análise Contingencial 
A partir dos dados fornecidos pela mãe, 
observações nas sessões lúdicas no 
consultório, na escola e na casa da criança 
concluiu-se que, a partir da separação dos pais, 
houve uma mudança brusca no ambiente 
físico (mudança para a casa dos avós e 
adaptação a novas regras) e social (encontros 
diários com o pai se tornaram, abruptamente, 
semanais; acidente do avô e as mudanças de 
comportamento e humor dos familiares 
decorrentes de tal acidente) de Vinícius, 
gerando um padrão de sensibilização. 
Sensibilização é uma das formas mais 
elementares de aprendizagem e é definida 
como um aumento na força da resposta 
reflexa resultante da ocorrência de um 
estímulo novo e aversivo. Aprendizagem 
ocorre quando, gradualmente, o organismo 
se habitua à resposta sensibilizada, isto é, a 
resposta sensibilizada diminui após repetições 
do estímulo (Sato, 1995; Todorov, 1991). 
Recentemente, a relação entre habituação e 
temperamento tem sido estabelecida através 
de estudos longitudinais que mostram que a 
taxa de habituação de bebês (tempo de 
observação total, número de tentativas para 
atingir o critério de habituação e tempo de 
fixação de estímulos novos) é signi-
ficativamente associada com cinco das nove 
dimensões de temperamento (adaptabilidade, 
nível de atividade, humor, distratibilidade, força 
da resposta e persitência) (Smith, Dixon, 
Jankowski, Sanscrainte, Davidson e 
Loboschefski, 1997). Tais estudos sugerem a 
possibilidade de definir operacionalmente 
temperamento a partir de padrões de 
habituação e sensibilização. O atendimento 
de Vinícius teve como objetivo principal a 
habituação comportamental , isto é, a 
diminuição das respostas reflexas relacionadas 
à defecação tornando o ambiente físico e social 
de Vinícius análogos, funcionalmente, ao 
período anterior ao surgimento da encoprese, 
período este definido por 1) um ambiente 
físico característico da família (Vinícius, o pai 
e a mãe), 2) controle esfincteriano, 3) sono 
sem pesadelos e 4) interação diária entre 
Vinícius e o pai. 
Intervenções 
Foram realizadas 16 sessões lúdicas com o 
objetivo de: 
1) habituar Vinícius à atividades lúdicas e, 
através de tais atividades, apresentar a 
defecação como um evento natural que faz 
parte de uma cadeia de atividades de vida 
diária (alimentar-se com frutas e verduras, 
defecar, tomar banho, ir à escola e brincar); e 
2) reforçar posit ivamente Vinícius nos 
contextos de autonomia e assertividade. Por 
exemplo, a mãe foi orientada a relatar, durante 
as sessões lúdicas do filho, se este havia 
defecado, como era a consistência das fezes 
e o horário da defecação. A terapeuta reforçou 
sempre o relato da mãe de ocorrência da 
defecação. 
A orientação dada à mãe foi a de que havia 
ocorrido uma aprendizagem inadequada a 
reações sobre as quais Vinícius ainda não havia 
aprendido a controlar conscientemente 
(sensibilização a reações incondicionadas). 
Desse modo, o termo "culpa" não se aplicava 
a reações sobre as quais a criança não havia 
ainda aprendido a exercer controle. Foi 
solicitado ao pai que mantivesse encontros 
mais frequentes com o filho com o objetivo 
de tornar o ambiente social de Vinícius o mais 
próximo do ambiente anterior ao início da 
encoprese e, desse modo, facilitar o processo 
de habituação. O pai manteve três contatos 
semanais com o filho durante um mês. 
As brincadeiras foram escolhidas e 
deteminadas pela criança, a qual privilegiou 
carros, super-heróis, mobílias de casa e itensda cadeia de comportamentos relativos às 
atividades de vida diária tais como uso de 
utensílios de cozinha para o consumo de 
alimentos (frutas e verdura) e objetos do 
banheiro (biombo, bidê, banheira, balança de 
pesar, pia, box e chuveiro). 
Além de estabelecer um padrão de 
habituação ao comportamento de defecar e 
à cadeia de comportamentos que antecedem 
tal comportamento (usar utensílios de 
cozinhas para preparar alimentos, alimentar-
se), foi realizada a simulação da situação de 
defecar utilizando casa de bonecas (Knell, 
1990). Na simulação, a terapeuta contou a 
estória de um boneco que "solicita" a ajuda 
de Vinícius para defecar no vaso; a estrutura 
da estória consistiu na ordem serial dos 
comportamentos necessários para a defecação 
(visitar um amigo, alimentar-se, sentir vontade 
de defecar, sentar no vaso, tentar defecar, 
dar descarga, limpar-se e vestir-se), tal que 
os bonecos não conseguiam realizar os 
últimos elos de tal cadeia porque estavam 
prendendo a barriga e não conseguiam chegar 
ao banheiro. Vinícius "conversou" com os 
bonecos, completou os elos da cadeia de 
resposta corretamente. A terapeuta agradeceu 
e elogiou as orientações dadas por Vinícius. 
A medicação (prepulsid, óleo mineral e leite 
de magnésia) foi reduzida, gradualmente, 
durante o atendimento: três vezes ao dia 
(abril/maio); duas vezes ao dia (junho); retirada 
do remédio prepulsid (julho); uma colher de 
sobremesa uma vez ao dia observando-se alças 
do abdômen normais (agosto) e, 
progressivamente, administração da 
medicação em dias alternados em colher de 
sobremesa (setembro). A medicação foi 
administrada em dobro somente em duas 
ocasiões durante o processo de redução da 
medicação (no mês de julho, quando o 
prepulsid foi retirado). O atendimento foi 
finalizado em setembro de 1996. 
Contatos mensais, por telefone, com a mãe 
foram realizados durante 24 meses após a 
finalização do atendimento. Neste período, 
a medicação sofreu redução (uma colher de 
sobremesa por dia) e somente uma vez foi 
registrada a ocorrência de retenção (fevereiro 
de 1997). A partir de março de 1997, o padrão 
de defecação de Vinícius estabilizou-se em 
48 horas, não sendo utilizada nenhuma 
medicação para favorecer a defecação. 
Discussão 
Contrariamente à tendência da literatura em 
terapia comportamental, o presente trabalho 
sugere que a encoprese pode ser concebida 
como um padrão de sensibilização durante o 
curso da aprendizagem das atividades de vida 
diária de treino ao toalete. Tal concepção 
impl icou em um atendimento no qual 
objetivou-se, através da ludoterapia, a 
habituação da resposta sensibilizada ao invés 
da extinção do treino inadequado (Walten, 
1979). 
Conceber a encoprese como parte de um 
processo de habituação e sensibilização 
possibilitaria auxiliar o encaminhamento de 
questões teóricas (definir operacionalmente 
temperamento a partir de determinados 
padrões de habituação e sensibilização) e 
práticas (especificar os contextos que mais 
provavelmente propiciam o surgimento do 
quadro de encoprese em crianças com 
determinado padrão de habituação/ 
sensibilização) no atendimento psicológico 
infantil. A hipótese sugerida, a partir da análise 
contingencial do contexto familiar-social de 
Vinícius, é a de que mudanças bruscas no 
ambiente produziriam o quadro de encoprese, 
o qual seria de longa ou curta duração de 
acordo com a idade, sexo, dicas do ambiente 
físico e social, padrão de habituação e 
sensibilização (ou "temperamento") da criança 
e interação mãe-criança (Bosa e Piccinini, 
1994). 
A análise contingencial foi importante na 
organização de informações diversas (o fato 
de que o quadro de encoprese não se 
restringia somente à situação de defecar, mas 
a uma dor generalizada na região do 
abdômen; as dicas fisionômicas da mãe; a 
alteração no padrão lúdico e no sono) sobre a 
rotina da criança, padrão lúdico, visitas à casa 
e à escola da criança, entrevistas e 
questionários. A partir da análise contingencial, 
a hipótese sobre padrão de habituação e 
sensibilização, os objetivos de atendimento 
e as intervenções nas sessões lúdicas foram 
estabelecidas. 
A ludoterapia permite a flexibilidade exigida 
pela análise contingencial no processo de 
investigação do contexto social da criança: a 
situação lúdica faz parte do repertório infantil 
e integra dimensões da interação humana 
necessárias na análise contingencial, porém, 
geralmente estudadas isoladamente tais como 
regras, cadeias comportamentais, simulações 
ou faz-de-conta, aprendizagem observacional 
e modelagem; esta possibilidade de uso 
integrado de diversas técnicas talvez explique 
a aplicação da ludoterapia a diversas questões 
relativas ao comportamento de crianças 
(traumas psíquicos, incestos, abuso sexual, 
deficientes mentais, crianças adotadas, filhos 
de dependentes químicos) e de adultos 
(Schaefer,1994). 
O seguimento de regras por parte da mãe foi 
fundamental para o atendimento. Os fatores 
que provavelmente afetaram a adesão ao 
atendimento foram o nível educacional da mãe 
(universitário) e o comportamento de empatia 
da terapeuta face aos sentimentos ou reações 
emocionais da mãe (a mãe se sentia 
parcialmente culpada pela encoprese do filho). 
Apesar dos avanços conceituais da ciência 
psicológica, parece haver pouca informação 
técnica sobre a aplicação correta do termo 
"culpa" na relação comportamento/ambiente. 
Na ausência de tal informação, os pais têm 
aplicado o termo "culpa" indiscriminadamente 
na avaliação das relações com os filhos. 
Laura dos Santos Gomes 
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