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Hipersexualização das Mulheres Negras aspectos sócio-históricos e a influência da mídia

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1 
 
 
Hipersexualização das Mulheres Negras: aspectos sócio-históricos e a 
influência da mídia 
 
Lanna Moura Sá Teles 
Ashjan Sadique Adi 
Faculdade São Francisco de Barreiras 
 
 
Introdução 
 
A hipersexualização se configura em um fenômeno que atinge as 
mulheres, principalmente as mulheres negras, que desde o período colonial 
enfrentam estigmas ainda não superados historicamente. Tal fenômeno acarreta 
a visão preconceituosa acerca desse público, de forma que, nos dias atuais, 
ainda se faz presente o estereótipo da mulher negra como “superdotada de sexo” 
(Bueno, 2016). 
Muitos são os estereótipos criados na sociedade. Eles ocorrem de forma 
não consciente e regem o comportamento humano e o modo como determinados 
públicos são vistos no meio social. Alguns estereótipos existem de forma a 
prejudicar, principalmente, as minorias sociais, em que as mulheres estão 
incluídas. No entanto, alguns estereótipos são mais acentuados quando se refere 
às mulheres negras, pois elas pertencem a duas classes de desigualdade, a de 
gênero e a de raça1/cor. Tal acentuação é percebida através do estereótipo da 
mulher negra erótica e exótica, uma construção histórico-cultural que se mantém 
socialmente, através do fenômeno da hipersexualização. (Leite & Batista, 2008; 
Heilborn, Araújo & Barreto, 2010; Bueno, 2016). 
 
1
 O termo “raça” é utilizado no presente artigo enquanto uma construção social, que demonstra as 
a existência de desigualdades e preconceitos entre os grupos sociais (Oliveira, Meneghel & 
Bernardes, 2009). 
 
2 
 
 
A hipersexualização das mulheres negras é abordada no presente trabalho 
enquanto um fenômeno que atinge de forma mais intensa esse grupo de 
mulheres. A mulher em geral é sexualizada e erotizada, no entanto, quando se 
trata da mulher negra, ocorre um aumento dessa sexualização, o que auxilia no 
aumento do preconceito e discriminação, interferindo na construção identitária 
desse público (Gomes, 2010). 
Desse modo, o presente artigo objetiva analisar como ocorreu a 
construção histórica e cultural do estereótipo hipersexualizado sobre as mulheres 
negras e como esse fenômeno se mantém até os dias atuais. Considerando a 
mídia enquanto meio de comunicação formador de opiniões no âmbito social, de 
forma a influenciar na concepção social de mulher negra, buscou-se também 
analisar os possíveis impactos que o fenômeno da hipersexualização pode 
acarretar neste público, assim como os movimentos de luta das mulheres negras 
frente às diversas opressões, de forma a favorecer e proporcionar o 
empoderamento desse público. 
Na metodologia do trabalho foi utilizada a abordagem qualitativa, de 
caráter bibliográfico e exploratório, em que foram analisados artigos científicos, 
dissertações e teses disponíveis em sites, periódicos e livros, materiais 
bibliográficos em geral, relacionados ao tema. Como critérios de inclusão, optou-
se por artigos com temas relacionados à hipersexualização das mulheres negras, 
contextos históricos e sociais dessas mulheres, figuras femininas, representações 
sociais desse público, a mulher negra na televisão e na mídia, movimentos 
feministas de mulheres negras, exercício da sexualidade e da afetividade da 
mulher negra. Deu-se prioridade a artigos e livros publicados entre os anos 2000 
3 
 
 
e 2016 para a inclusão no trabalho. Como critério de exclusão, foram deixados de 
lado materiais que não possuíam temas relacionados aos mencionados 
anteriormente, ou que não estivessem dentre os anos de publicação 
estabelecidos. 
Atualmente, vem ocorrendo diversas discussões acerca das questões 
étnico-raciais e de gênero, no entanto, ainda pouco se discute acerca da 
hipersexualização das mulheres negras. O interesse e justificativa para tal estudo 
ocorreu devido à ausência de discussões e enfrentamento a tal estereótipo, tanto 
na sociedade, quanto no meio acadêmico, como forma de empoderamento para 
tais mulheres. Desta forma, o presente artigo objetivou analisar o estereótipo da 
mulher negra hipersexualizada enquanto mecanismo de manutenção de 
preconceitos, discriminação e sujeição. 
O presente artigo se estrutura em quatro partes. Inicialmente é descrita a 
construção sócio-histórica do estereótipo da mulher negra erotizada, remetendo 
ao período do Brasil colonial, com a presença da escravidão como fator 
determinante. Também são analisados/apresentados exemplos de mulheres 
negras que demonstram a presença do estereótipo hipersexualizado ao longo da 
história. Na segunda parte são abordados os aspectos sociais que legitimam tal 
estereótipo, como a representação social das mulheres negras através da mídia, 
em novelas e no Carnaval. Na terceira parte é abordado o possível efeito deste 
estereótipo nas relações afetivo-sexuais e matrimoniais desse público. Por último, 
são abordados os movimentos do Feminismo Negro, que lutam contra o 
preconceito e as diversas formas de opressão e discriminação existentes contra a 
mulher negra, incluindo a hipersexualização de seu corpo. 
4 
 
 
 
A hipersexualização das mulheres negras: um breve histórico 
 
O corpo negro independentemente de gênero é, no Brasil, e em outros 
países, associado a diversos estereótipos, podendo-se identificar uma ênfase e 
destaque no que se refere à sexualidade, sendo esse público caracterizado e 
diferenciado devido a seu exotismo e erotismo construídos historicamente. Tal 
denominação ocorre até os dias atuais, havendo uma exotificação e erotização do 
corpo de homens e mulheres negras, de forma a denotar a discriminação, a 
dominação e a marginalização devido à diferenciação de raças (Heilborn, Araújo 
& Barreto, 2010). 
O conceito de raça passou por mudanças ao longo do tempo, no entanto, 
ainda denota relações de poder e discriminação, de forma a classificar 
socialmente as pessoas e atribuir concepções negativas a determinados grupos 
sociais. A determinação da existência biológica de raças apenas reflete uma 
concepção social, em que ocorre o processo de exclusão, categorização e 
dominação. Tal termo, carregado de ideologias, ainda é comumente utilizado na 
realidade social para sustentar a discriminação de mulheres e homens negros. A 
utilização do termo “raça” apresenta as desigualdades e vulnerabilidades 
existentes, principalmente voltados à população negra. Considerada uma minoria 
social no sentido da possibilidade de exercício dos direitos (Oliveira, Meneghel & 
Bernardes, 2009; Barbosa & Silva, 2010; Oliveira, 2006). 
As relações de poder e a classificação e categorização de grupos sociais 
criam a discriminação e desvalorização de um público que não se adequa ao 
5 
 
 
padrão socialmente imposto. Com isso, muitas concepções são geradas e dentre 
elas, abarcando as mulheres negras enquanto uma minoria social está a 
hipersexualização, fenômeno presente na vida das mulheres negras, enfatizando 
uma sexualidade exótica, diferente das demais mulheres (Bueno, 2016). 
Uma figura representativa do fenômeno da hipersexualização nas 
mulheres negras é Sarah Baartman, também conhecida como Saartjie ou Vênus 
Hotentote. No século XIX, Sarah foi levada da África à Europa, passando a fazer 
parte de shows circenses, de modo a apresentar seu corpo, considerado anormal, 
como forma de exibição. Participou de vários espetáculos, chegando a ser 
vendida a um exibidor de animais (Damasceno, 2008; Campos, 2014). 
Devido a sua baixa estatura, quadris largos, nádegas e lábios vaginais 
protuberantes, Sarah tornou-se objeto de curiosidade e fascínio por muitos, 
inclusive cientistas, que a exibiam seminua, enquanto algo a ser observado“cientificamente”. Mesmo após sua morte, seu corpo foi utilizado para exposições, 
de forma a denotar a concepção desumana que criaram para Saartjie, 
considerando-a primitiva e selvagem, o que resultou na concepção da visão do 
corpo feminino negro como anormal (Campos, 2014). 
Podemos perceber, a partir do caso de Sarah, o surgimento de 
estereótipos acerca da mulher e corpo negros, sendo o estereótipo2 uma crença 
de um grupo social para com outro grupo (Campos, 2014). Desta forma, 
Damasceno (2008) aponta a criação de estereótipos como instrumentos para a 
manutenção da ordem social, assim como da concentração de poder e 
 
2
 O termo “estereótipo” é apresentado como crenças e atitudes compartilhadas entre um grupo 
social em relação a outro grupo social. No presente trabalho, as crenças relacionadas à 
hipersexualização para com as mulheres negras (Campos, 2014). 
6 
 
 
conhecimento. O estereótipo envolve a separação entre “normal” e “anormal”, 
“aceitável” e “não aceitável”, como formas classificatórias. 
A partir do caso de Saartije, o corpo da mulher negra passou a ser 
concebido como aberração devido ao desenvolvimento de órgãos e caracteres 
sexuais secundários diferentes das mulheres brancas. 
O caso de Sarah é um exemplo do “racismo científico”, que foi utilizado 
durante muitos anos para justificar a exploração de uma população sobre outra, 
no caso, de brancos sobre negros. Tal caso foi comumente empregado como 
forma de criar estereótipos acerca daquela determinada população explorada, se 
utilizando de características físicas e culturais relacionadas à cor da pele para o a 
justificação da associação de tal com a realização de certas condutas (Bueno, 
2016; Chaves, 2008). 
Sarah Baartman enquanto “anormal” tornou-se objeto de estudo. Mediante 
o conhecimento dos cientistas sobre ela, Sarah perdeu sua subjetividade, pois 
não era detentora do próprio corpo. Objetificada3, ela pertencia ao meio científico 
e acadêmico, estereotipada por aqueles que possuíam o conhecimento. A partir 
do estudo acerca de suas características físicas, concepções acerca do corpo 
negro foram criadas (Damasceno, 2008). 
Neste sentido, a concepção do corpo negro foi uma invenção científica, de 
modo a suprir determinados interesses, que levam a uma ideia de inferioridade. 
Tal estereótipo sexual imposto aos negros e negras se estendeu por todos os 
países escravocratas na América, de modo que a dominação sexual destes 
voltava-se à contenção sexual de forma a domesticá-los segundo a vontade de 
 
3
 A objetificação consiste na retirada da subjetividade do sujeito, uma vez que lhe é concebida a 
noção de objeto, para suprir determinados interesses (Damasceno, 2008). 
7 
 
 
seus senhores e senhoras. Tais práticas configuraram a objetificação de mulheres 
e homens negros, tornando-os objetos sexuais de seus amos e amas, 
acarretando na desconfiguração das famílias negras (Heilborn, Araújo & Barreto, 
2010). 
No Brasil, a objetificação das mulheres negras e de seus corpos teve início 
no sistema escravista do período colonial, em que as mulheres negras eram 
escravas sexuais de seus senhores. Algumas obras literárias confirmam essa 
prática, retratando a mulher negra com “cheiros e sabores” próprios, denotando 
sua noção de “utilidade” com um marcante destaque à sexualidade, como 
também uma submissão presente na época (Bueno, 2016). 
Desta forma, o estigma da luxúria estando vinculado à raça/cor, contribuiu 
para que as mulheres negras fossem vistas como paqueras fáceis, objetos 
sexuais, e diferenciadas das mulheres “para casar”. As mulheres negras foram 
consideradas portadoras de um “apetite sexual inato” que as categorizava como 
inapropriadas ao matrimônio. Esse fenômeno continua presente no contexto atual 
em que as relações fluídas e voláteis são intensificadas ainda mais com as 
mulheres negras e o histórico que estas carregam como objeto sexual (Heilborn, 
Araújo & Barreto, 2010). 
Além disso, a autonomia feminina foi limitada a partir da universalização de 
mulher segundo os padrões religiosos, tendo Maria como exemplo, contribuindo 
com o patriarcado (Heilborn, Araújo & Barreto, 2010). 
No período colonial, muitos viajantes ansiavam pela chegada ao Brasil, 
país com diversas crenças religiosas, em que as mulheres negras eram 
categorizadas como pecadoras, sendo distintas das mulheres eurodescendentes 
8 
 
 
e vistas, principalmente, como pecadoras sexualmente disponíveis. A partir disso, 
foi sendo introduzido o conceito de “mulata”, fruto da miscigenação, como a 
construção desse estereótipo sexualizado da mulher negra no Brasil, em que ela 
é vista como bonita, dengosa/fogosa, sensual, portanto, desejável (Gomes, 
2010). 
A mulher negra era tida como objeto de atração sexual, no entanto, era 
considerada perigosa. Devido à crença de ser objeto portador de doenças 
venéreas, seu corpo era desejado pelos homens brancos, porém estes possuíam 
receio, devido a uma possível ascensão social que seria concedida a ela caso 
gerasse filhos/as (Heilborn, Araújo & Barreto, 2010). 
Desta forma, percebe-se que estereótipo e fetichismo4 se uniram para se 
referir à mulher negra, perdurando até os dias atuais, tratando-se de uma 
construção histórica e sociocultural que acarreta em preconceito, discriminação e 
violências de diversas ordens (Heilborn, Araújo & Barreto, 2010). 
 
Representação das mulheres negras através da mídia 
 
O conceito “raça” passou por mudanças ao longo dos anos, conforme 
mencionado anteriormente, no entanto, a existência biológica de raças apenas 
reflete uma concepção social em que o processo de exclusão, categorização e 
dominação é determinante. Tal termo, carregado de ideologias, ainda é 
comumente utilizado na realidade social para a discriminação de mulheres e 
homens negros. Neste contexto, a mídia possui grande relevância na organização 
 
4
 Representação de fantasias e desejos sexuais e eróticos. No presente artigo, o fetiche está 
destinado às mulheres negras, em que são projetadas ideias acerca do corpo negro (Heilborn, 
Araújo & Barreto, 2010). 
9 
 
 
social, sendo a principal influenciadora do pensamento social e do discurso 
público, a partir da transmissão de ideias, valores e preconceitos (Oliveira, 
Meneghel & Bernardes, 2009; Barbosa & Silva, 2010). 
Muitos são os veículos de comunicação que propagam ideias, conceitos e 
preconceitos de forma a manter alguns estigmas sociais. Para Bueno (2016), a 
televisão é o principal veículo de comunicação, proporcionando à sociedade 
lazer, entretenimento e informação. No entanto, a televisão participa do 
estabelecimento de valores e crenças, estigmas e preconceitos. Tal veículo de 
comunicação proporciona uma interação de informações, de forma que acaba por 
reforçar alguns estereótipos. 
Os estereótipos estão presentes de forma inconsciente na sociedade, de 
modo que é construído a partir da interação social, sendo transmitidos 
diariamente. Muitas vezes, estereótipo e generalização encontram-se associados. 
Os estereótipos são tidos como crenças acerca de características, atributos 
pessoais, traços de personalidade e comportamentos sobre um determinado 
grupo. Assim, a generalização ocorre a partir do momento em que se afirma que 
todas as pessoas pertencentes a determinado grupo possuem as mesmas 
características e atitudes (Moroni & Oliveira Filha, 2008). 
Bueno (2016, p. 31) destaca que 
A televisão age através dos estímulos audiovisuais. Sendo assim, os produtos 
possuemresponsabilidade por transmitirem ideais, porém muitas vezes 
reproduzem estereótipos negativos ao exibir representações de determinados 
grupos de maneira inferiorizada, estimulando a visão de mundo do público que 
não necessariamente condizem com a realidade. 
 
Segundo Rosa (2014, p. 33) é perceptível 
10 
 
 
 nas revistas, novelas, propagandas e tantas outras imagens trazidas pela mídia, 
a supervalorização e imposição estética eurocêntrica do corpo branco, que pode 
estar acentuando uma ausência de identidade da cultura negra. Afirmar a 
existência de um padrão estético (...) nos leva a ignorar a tradição, história, 
cultura e ancestralidade de diversos povos. 
 
O Brasil é considerado um país de grande diversidade cultural, em que o 
relacionamento entre pessoas de diferentes raças originou a sua miscigenação, 
de forma que o termo “mulata” surgiu para denominar as mulheres frutos de 
relacionamentos entre brancos e negros. Tal denominação enfatiza a mistura de 
raças, sendo os/as brasileiros/as frutos da mistura racial e sexual do branco 
europeu com as nativas indígenas e africanas trazidas como escravas. A partir 
dessa construção da “identidade brasileira”, a “mulata” é tida como a 
representação da miscigenação, possuidora de uma sensualidade e sexualidade 
identitária, muitas vezes exibidas na televisão e em propagandas (Gomes, 2010). 
Nesse sentido, a miscigenação é apontada como resultado de diversas 
formas de opressão e preconceito. Como produto da miscigenação está o 
“embranquecimento”5, como uma tentativa de homens e mulheres negros se 
aproximarem do padrão eurocêntrico de beleza. Por vezes, a busca dessa beleza 
reconhecida e valorizada se dá através de modificações estéticas-corporais, 
ascensão social e casamentos, reforçando comportamentos e visibilidades que 
existem no imaginário sociocultural (Bueno, 2016; Oliveira, 2006). 
A democracia racial refere-se a uma construção social que considera a 
miscigenação existente no Brasil com uma forma de proporcionar a igualdade, 
sendo tal mestiçagem a promotora de uma harmonia racial. No entanto, tal 
 
5
 O “embranquecimento” é tido como uma forma de se chegar ao padrão europeu de beleza, 
sendo a cor branca predominante. Surgiu com a miscigenação, no entanto, pode ocorrer a partir 
da negação da “raça”/cor que se diferencia da branca (Oliveira, 2006; Bueno, 2016). 
11 
 
 
conceito é tido como mito nas relações sociais atuais, uma vez que as relações 
sociais são pautadas no poder, havendo discriminação e preconceito, o que 
acarreta na dominação de um grupo racial sobre outro (Oliveira, 2006). 
A existência do mito da democracia racial serve como uma forma de 
camuflar a realidade atual brasileira, de que as/os negras/os não enfrentam 
problemas, que não são discriminados ou excluídos da sociedade, de que não 
existem relações de poder ou desigualdades (Barbosa & Silva, 2009). 
Tal desigualdade se observa a partir da supremacia branca que se destaca 
da negra, estando o homem branco ainda ocupando maior espaço nos cargos 
profissionais, assumindo o papel no topo da hierarquia seguido da mulher branca, 
do homem negro e, por fim, da mulher negra, de modo que se observa que a 
mulher negra sofre ou é perpassada por duas formas de discriminação/opressão 
devido a dois fatores: o gênero e a raça, que reforçam sua marginalização 
perante a hierarquia social (Barbosa & Silva, 2009). 
Outra questão importante é a imagem das mulheres negras vinculada a 
uma festividade de destaque nacional, o Carnaval, sendo esta festividade 
marcada anualmente pela acentuada erotização das mulheres negras, em que a 
sensualidade enfatizada nessa festividade específica reflete e reforça o 
imaginário coletivo/social acerca das mulheres negras, influenciando a concepção 
de sexualidade exposta, de fácil acesso e disponibilidade. Através da mídia, esta 
concepção acerca das mulheres negras é representada pela “Globeleza”, a 
“mulata” erótica e sensualizada (Chaves, 2008). 
A Globeleza aparece pela primeira vez em 1993, numa vinheta da Rede 
Globo sobre o Carnaval, reforçando através da mídia/televisão, a visão da mulher 
12 
 
 
negra/“mulata” dotada de sensualidade. Assim, destaca-se a identidade midiática 
desse público a partir de um pressuposto erotizado construído e mantido ao longo 
dos anos, delineando outra objetificação da mulher negra, sendo esta utilizada 
como um atrativo turístico do carnaval (Gomes, 2009). 
Segundo Assis (2015, p. 3) 
(...) a hipersexualização da mulher negra apresenta uma mulher jovem, 
considerada como aquela que incita e depois satisfaz a vontade do branco 
senhor, a mulata de ontem reconfigura-se na Globeleza de hoje, embora tal 
descrição possa dar a entender que esse papel exercido pela mulher negra tenha 
ocorrido de forma amigável, falamos aqui de relações baseadas em violências 
físicas e emocionais que minavam (e assim ainda atuam) a autoestima dessas 
mulheres (...). 
 
No entanto, a visibilidade da mulher negra hipersexualizada destacada na 
nudez de seu corpo, é apresentada no carnaval pela mídia, ocorrendo uma 
valorização explícita do corpo. A nudez, devido à construção cultural dessa 
festividade, é observada com naturalidade, não recebendo críticas de destaque 
ou relevância nacional, o que denota a existência do imaginário da mulher negra 
erotizada (Gomes, 2009). 
Nesse sentido, Bueno (2016) afirma que a ausência de representatividade 
ou a representatividade equivocada das mulheres negras através da mídia auxilia 
na generalização de fenótipos, devido à ausência da diversidade negra na mídia, 
influenciando também na formação de estereótipos. Dessa forma, os estereótipos 
visuais possuem grande influência social nas crenças geradas sobre o que deve 
ou não ser aceito socialmente, sendo a mídia a principal influenciadora desses 
discursos. Tal feito possui impacto na vida das mulheres negras por causa do 
padrão social e midiático imposto, o padrão da beleza eurocêntrica, que elimina e 
ignora a diversidade étnico-cultural brasileira (Moroni & Oliveira Filha, 2008). 
13 
 
 
 A imagem da mulher negra hipersexualizada é mantida devido à 
vinculação da imagem da “mulata” frente às divulgações e comércio no exterior, 
sendo que tal vinculação proporciona aos turistas a imagem da mulher brasileira, 
da “mulata”/negra enquanto produto do comércio brasileiro. Tal visibilidade é 
proporcionada a partir da mídia e exposição desse público como erotizado, em 
que “a mulher funde-se com a natureza, compondo a paisagem brasileira vendida 
como paraíso” (Gomes, 2010, p. 54). 
Devido à desvalorização da estética negra em geral, a visão do corpo da 
mulher negra, construída em meio a valores brancos socialmente impostos, 
acaba sendo negada frente aos padrões de beleza, sendo a beleza da mulher 
negra inferiorizada e desumanizada (Rosa, 2014). 
Essa desvalorização das mulheres negras e de sua subjetividade é 
colocada de lado e mascarada por uma falsa ideia de valorização. Tal concepção 
de valorização refere-se à hipersexualização, em que a mulher negra é 
“valorizada” pela perspectiva sexual, que as objetifica e as cristaliza socialmente e 
midiaticamente como a “mulata”, a sambista, a doméstica, a erótica e disponível, 
relembrando a herança colonial racista e machista. Nesse sentido, a super-
erotização do corpo da mulher negra refere-se a um estereótipo para violentá-la e 
diminuí-la, negando sua subjetividade e valorização (Barbosa & Silva, 2010; 
Rosa, 2014). 
Desse modo, a mídia tem papel fundamental na influência da constituição 
da identidade, uma vez que ela, somada à expectativa sobrea figura feminina, 
colabora para a manutenção de alguns comportamentos das mulheres, 
14 
 
 
influenciando na visão que se tem socialmente da mulher, assim como a sua 
internalização (Bueno, 2016). 
 
Possíveis impactos da hipersexualização na vida das mulheres negras 
 
A hipersexualização enquanto estereótipo afeta as mulheres negras, 
considerando-as com práticas e características, como órgãos sexuais mais 
desenvolvidos e mais acessíveis sexualmente, por exemplo, contribuindo para a 
construção de um imaginário social que a considere naturalmente mais atraente 
no que se refere à sexualidade. Tal hipersexualização contribui para a visão deste 
público como objeto sexual, inferiorizando-as em relação às outras mulheres. Tais 
concepções socialmente construídas podem acarretar danos psicológicos 
(Santos, 2015). 
Nesse sentido, Silva (2004, p. 130) afirma que 
o inconsciente coletivo marcado pelo racismo e sexismo, manifestado através dos 
preconceitos, estereótipo e discriminação, é gerador de situações de violência 
física e simbólica, que produzem marcas psíquicas, ocasionam dificuldades e 
distorcem sentimentos e percepções de si mesmo. 
 
A internalização do racismo e do preconceito podem ocasionar danos 
psíquicos, como ansiedade, depressão, ataques de pânico, dificuldade nas 
relações sociais, dentre outras problemáticas que também influenciam na 
construção identitária dessas mulheres (Silva, 2004; Santos, 2015). 
Considerando que a construção identitária da mulher negra é um processo 
social, muitas vezes esta é voltada à sua desqualificação frente a uma 
supervalorização da “beleza branca”. Assim, não somente sua identidade é 
15 
 
 
desconsiderada e desvalorizada, mas, também, sua história e cultura explícitas 
em suas manifestações estéticas (Rosa, 2014). 
No que se refere a esse público é importante destacar a 
interseccionalidade como fator de grande importância na constituição da 
subjetividade dos indivíduos. Esse termo se refere a diversas categorias que 
unidas produzem opressão ou privilégio. Tais categorias podem ser religião, 
classe social, orientação afetivo-sexual, gênero, raça, dentre outras. Dessa forma, 
a mulher negra é atingida pela interseccionalidade de forma negativa, sofrendo 
opressões de raça e gênero e classe simultaneamente. Por interferir na 
subjetividade dos sujeitos, a interseccionalidade influencia as relações 
interpessoais, na forma como a sociedade percebe determinado público assim 
como na autopercepção dos indivíduos. (Oliveira, 2006). 
A construção da identidade racial e sexual está inicialmente ligada às 
relações familiares, sendo a família o primeiro grupo de inserção social do 
indivíduo, nela também são perpassadas as primeiras concepções, estereótipos, 
valores, havendo também a percepção e sentimento de pertencimento aos 
grupos sociais, favorecendo a concepção pessoal identitária (Chaves, 2008). 
Chaves (2008, p. 53) destaca que “como parte do processo de 
subjetivação, é na interação com o espaço social que as mulheres aprendem o 
‘ser mulher’ e valorizar ou depreciar sua identidade racial.” Assim, o “ser mulher” 
é construído, havendo a interação com o meio social que, por vezes, transmite 
estereótipos acerca da visibilidade cultural que está em construção e 
internalização daquela mulher, sendo a subjetividade elaborada com influência 
dessa relação. 
16 
 
 
Assis (2015, p. 2) destaca que 
Em geral a representação das mulheres negras na história do Brasil, ou as 
invisibiliza ou as coloca em papéis estereotipados que não só não condizem com 
a realidade vivida por aquelas mulheres, como buscam reforçar o papel social que 
pretende-se que essas mulheres ocupem. 
 
A questão afetivo-sexual é outra dimensão na vida dessas mulheres 
afetada pela hipersexualização. Gomes (2009) aponta que um dos impactos do 
imaginário social acerca das mulheres negras é perceptível através dos 
casamentos no Brasil, de forma que a maioria dos casamentos ocorre por 
pessoas do mesmo grupo étnico-racial, e os casamentos inter-raciais são de 
predominância de homens negros com mulheres brancas. 
No entanto, a miscigenação é destacada na ocorrência de relacionamentos 
entre homens brancos e mulheres negras, havendo a ênfase do erotismo como 
um atributo presente, sendo este um casal não efetivo, ou seja, a ocorrência da 
concretização do matrimônio nesse tipo de casal é menor com relação aos outros 
(Gomes, 2009). 
A violência sofrida por negros e negras durante a escravidão limita a forma 
de se relacionar desse público, uma vez que a desconstrução familiar dessas 
pessoas foi forçada, impondo-as um novo estilo de vida e, por vezes, privando-as 
das relações afetivas e familiares (Silva, 2013). 
A visão das mulheres negras como hipersexualizadas construída ao longo 
dos anos favoreceu a crença de que elas não são aptas ao matrimônio. Tal 
concepção se observa através do ditado comumente utilizado nos séculos XVIII e 
XIX, “branca para casar, mulata para ‘foder’ e negra para trabalhar”, limitando o 
matrimônio às mulheres brancas. Tal dito popular de época denota o preconceito 
17 
 
 
e o estereótipo ainda mantidos, assim como a intersecção de dois aspectos 
sociais que afetam esse grupo (Silva, 2013). 
Tal ditado possui forte influência nas relações sociais, afetivas e sexuais 
das mulheres negras, uma vez que a mulher para casar era aquela considerada 
digna a se comprometer perante a sociedade com a família, o homem (seu 
marido) e Deus. A mulher para ‘foder’, como mencionado, era considerada 
pecadora, denotando tal verbo que tal mulher não era digna do sacramento do 
matrimônio. Já o verbo utilizado para designar as mulheres que devem trabalhar 
possui uma implicação que as torna assexuadas, ou seja, invisibilizadas enquanto 
sujeito de desejos e vista apenas como mão de obra. Com isso, a dimensão 
subjetiva da afetividade e a dimensão social do matrimônio eram e, por vezes, 
continuam sendo ignoradas em relação a essas mulheres (Silva, 2013). 
Pacheco (2013) destaca uma pesquisa publicada em 2005, com base no 
Censo Demográfico do ano 2000, aponta que na Bahia o índice de mulheres sem 
parceiros é alto, chegando, em Salvador, a 51% da amostra pesquisada. Tal 
pesquisa ainda aponta que a “solidão”, referida como a ausência de parceiros em 
meio a mulheres aumenta após os 30 anos, enquanto entre os homens esse 
número diminui. Fatores econômicos, sociais e “raciais” auxiliam na compreensão 
do fenômeno “solidão” em meio às mulheres baianas, sendo estas 
predominantemente negras. Ainda segundo a autora, as mulheres negras, neste 
aspecto também incluindo as pardas, possuem menores chances de encontrar 
parceiros, se comparadas às mulheres brancas. 
Tal concepção de mulher “apta” para casar se deve à construção histórico-
cultural, em que Silva (2013, p. 22) destaca que “as mulheres negras no Brasil 
18 
 
 
passaram tanto pela exploração da mão de obra quanto pela sexual, e isso 
deixou traços nas composições afetivas em que essas mulheres puderam se 
encaixar”. 
A mulher negra foi e é vista de duas formas: a doméstica e a mulata. 
Enquanto uma a inferioriza como trabalhadora, a segunda a categoriza enquanto 
hipersexualizada. Dessa forma, Pacheco (2013, p.24) aponta que 
Torna-se difícil não reconhecer como os discursos de ideologias raciais e de 
gênero são estruturantes e ordenam um conjunto de práticas corporais 
racializadas vividas pelo gênero, na sexualidade, no trabalho, na afetividade e em 
outros lugares sociais que são “destinados” às mulheres negras, na Bahia e no 
Brasil. 
 
Para Bueno (2016, p. 38) 
Quando se trata de mulheres negrascom tom de pele mais claro, as chamadas 
“mulatas” costumam atrelar sua conduta sexual ou jeito de se relacionar 
romanticamente com atributos e características físicas como ‘cheiros e gostos’, 
unificando sexo com raça sem discriminar o impacto dessa afirmação no sujeito. 
Desconsidera-se o fato que sua cor não é um fator determinante sobre sua 
atuação em relacionamentos afetivos, familiares, profissionais, etc. 
 
Uma vez que são consideradas hipersexualizadas e em desvantagem com 
relação às mulheres brancas no que diz respeito a relacionamentos afetivos, o 
matrimônio para algumas mulheres negras representa uma valorização positiva. 
Desta forma, percebe-se a supervalorização do matrimônio, de modo que para 
aquelas mulheres negras que se consideram em desvantagem para com as 
mulheres brancas, no que se refere aos relacionamentos afetivos, o casamento 
as aproxima em termos de valorização, uma vez que os aspectos histórico-
culturais deste público favorecem a construção subjetiva acerca dos 
relacionamentos para essas mulheres, que, por vezes se encontravam e se 
encontram envolvidas à sujeição (Oliveira, 2006). 
19 
 
 
 
O papel do feminismo negro na desconstrução do estereótipo da 
hipersexualização 
 
Os abusos sofridos pelas mulheres no período colonial eram acentuados 
às mulheres negras e sua contestação era ignorada, o que influenciou na 
construção de uma cultura nacional hierarquizada em níveis socioeconômicos, 
“raciais” e de gênero, com a noção de mulher inferiorizada e erotizada atribuída à 
mulher negra. O enfrentamento atual vem se manifestando através de 
organizações de mulheres negras que se engajam na luta por políticas públicas 
para este público, assim como a busca por igualdade através do empoderamento6 
(Assis, 2015). 
O período pós-guerra constitui um momento importante para o surgimento 
do feminismo, em que a diferenciação entre homens e mulheres proporcionou 
criticidade frente ao papel feminino de doméstica, impulsionando as mesmas pela 
luta de classe por igualdade e transição entre os espaços independentemente do 
gênero. No ocidente, tal movimento pela luta de direitos das mulheres 
inicialmente restringia-se às mulheres brancas. Somente a partir da luta pelo 
direito ao voto nos Estados Unidos da América foi que o movimento feminista 
voltou-se para contemplar os direitos também das mulheres negras (Bueno, 
2016). 
No movimento pelo direito ao voto, a luta “feminista branca” não aceitava 
que homens negros votassem antes delas, assim, as mulheres negras se uniram 
 
6
 Significa o sujeito se tornar ativo a partir do conhecimento do contexto em que vive, ressaltando 
sua autonomia nas relações e fortalecendo a si próprio (Assis, 2015). 
20 
 
 
em prol de seu grupo étnico-racial, na busca por igualdade, melhorias no 
trabalho, uma vez que este pouco se diferenciava da escravidão, assim este 
período foi importante para o surgimento da luta por igualdade das mulheres 
negras e para o surgimento dos movimentos sociais que representassem esse 
público (Bueno, 2016). 
Desta forma, observa-se a existência e criação dos movimentos sociais. 
Os movimentos sociais referem-se um esforço coletivo em prol de mudanças na 
sociedade se destacam a coletividade, a organização, a continuidade e o foco na 
mudança social, estando esses elementos relacionados e agindo em conjunto 
para a finalidade que o movimento se propõe. Os movimentos feministas de 
mulheres negras são um exemplo disso (Dutra & Nunes, 2015). 
Dentre os movimentos feministas de destaque, encontra-se a Marcha das 
Vadias. Um movimento que surgiu no Canadá, em 2011, devido à violência contra 
a mulher, partindo de um policial e justificada pelas vestimentas das moças. Esse 
movimento se espalhou, sendo aderido por outros países, ocorrendo também no 
Brasil, merecendo destaque a cidade de São Paulo que realiza a marcha 
anualmente (Gomes, s/d). 
Neste movimento, o corpo feminino é utilizado como instrumento de 
narrativas individuais e coletivas, contendo dizeres de respeito, autoimposição e 
autoafirmação, denotando certo empoderamento. No entanto, a utilização do 
corpo enquanto qualquer forma de representação e exposição de ideais sofre 
alguns estigmas sociais, destacando-se a classificação, sendo enfatizadas as 
diferenças entre raças e classes sociais, hierarquizando-as em inferiores e 
superiores (Gomes, s/d). 
21 
 
 
A Marcha das Vadias apresenta algumas limitações em sua 
representatividade no que se refere às mulheres negras, uma vez que a 
apropriação do termo “vadia” utilizado no movimento foi empregue ao longo da 
história envolvendo as mulheres negras no período colonial, de escravidão, e 
ainda é utilizado nos dias atuais. Desta forma, a palavra apenas serviria para 
reforçar o estigma e estereótipo existente da mulher negra hipersexualizada, 
intensificando essa representação no âmbito social (Dutra & Nunes, 2015). 
Nesse sentido, o movimento recebe críticas e repressões dos movimentos 
de mulheres negras, uma vez que, para a mulher negra, a aceitação enquanto 
“vadia”, apenas reforçaria a concepção da mulher negra hipersexualizada e 
inferiorizada. Dessa forma, percebe-se a diferenciação existente nos movimentos 
feministas e seus públicos de interesse, sendo que a representatividade da 
Marcha das Vadias mostra-se limitada às relações de poder (Gomes, s/d). 
Assis (2015) destaca a necessidade das lutas das mulheres negras se 
perpetuarem, mesmo com os obstáculos, devido à necessidade de uma 
reparação histórica para com esse público, de forma a conduzir a novas 
representações sociais destas mulheres, assim como auxiliar para a construção 
de uma sociedade justa e igualitária no que corresponde à raça e gênero. 
A existência de um movimento negro feminista surge para abranger as 
especificidades esquecidas nos movimentos feministas “comuns”, havendo uma 
opressão de raças, pela qual muitas vezes, são deixadas de lado as 
necessidades e as lutas das mulheres negras frente a uma herança de 
discriminação e objetificação (Gomes, 2009). 
Segundo Gomes (s/d, p. 15) 
22 
 
 
Movimentos de mulheres negras interpretam o evento como um sinal de uma 
profunda divisão entre as feministas, segundo a qual a Marcha das Vadias, 
formada majoritariamente por mulheres brancas de classe média, não teria como 
incorporar as “especificidades” da mulher negra. 
 
Em movimentos como a Marcha das Vadias, o foco se relaciona ao corpo, 
enquanto os movimentos feministas negros o foco é voltado à sexualidade da 
mulher negra. Nos movimentos feministas negros a militância é destinada a dupla 
opressão sofrida por esse público, a de raça e gênero, proporcionando às 
mulheres negras a imagem de supererotizada/hipersexualizada, havendo assim, 
uma opressão sobre seus corpos, sobre o “ser mulher negra” (Gomes, 2009). 
Nesse sentido, os movimentos negros feministas buscam um 
empoderamento das mulheres negras frente à “aceitação” de sua cor/raça, por 
meio de campanhas de autoafirmação, como, por exemplo, a Campanha de 
Promoção da Identidade Negra na Paraíba, realizada em 2009, com o lema 
“Morena não. Eu sou negra!”, como uma busca por políticas públicas voltadas às 
mulheres negras, assim como uma valorização da identidade e desconstrução de 
estereótipos e imaginários sociais acerca desse público (Gomes, 2009). 
Os movimentos feministas de mulheres negras objetivam uma participação 
e oportunidade de desmistificar a concepção que se tem sobre esse público, 
interferindo assim na construção da identidade das mulheres negras, logo, na 
própria identidade, uma vez que a construção daconcepção que se tem do outro, 
influencia na concepção que se tem de si (Chaves, 2008). 
Dentre os principais discursos dos movimentos feministas estão a 
igualdade de gênero e a reivindicação da não reprodução de estereótipos, de 
modo que os movimentos feministas negros voltam sua atenção à desconstrução 
23 
 
 
de estereótipos negativos relacionados ao corpo e à sexualidade da mulher 
negra, estereótipos que proporcionam a discriminação e o preconceito por meio 
da objetificação da mulher negra. (Gomes, 2009). 
Dessa forma, para a desconstrução dos estereótipos é necessário o 
conhecimento acerca da construção dos mesmos, dos objetivos de sua criação, 
como a criação da desigualdade e a diferenciação através das relações de poder, 
para que tal entendimento possibilite a criticidade frente às opressões que cercam 
esse público, favorecendo o empoderamento feminino negro frente às questões 
relacionadas à sexualidade, à autoafirmação e à desconstrução de preconceitos e 
estigmas sociais (Santos, 2015). 
 
Considerações finais 
 
O presente artigo objetivou analisar o fenômeno da hipersexualização 
enquanto construção histórica, social e cultural que atinge principalmente as 
mulheres negras. A partir dessa análise foi possível inferir que tal fenômeno, tido 
também como estereótipo, teve início no período colonial, em que as escravas 
eram objetificadas, exotificadas e erotificadas, de forma a serem obrigadas a 
satisfazerem seus amos de diversas formas, sobretudo sexualmente. Assim, a 
concepção que se construiu sobre a mulher negra referia-se, e ainda se refere, a 
uma mulher sexualmente disponível e naturalmente mais sexualizada em 
comparação com as demais. 
Mesmo com o fim da escravidão, as mulheres negras tiveram e ainda têm 
dificuldade em ocupar um lugar de igualdade na sociedade, o que denota a 
24 
 
 
existência do mito da democracia racial. Com isso, o preconceito e a 
discriminação podem ser vistos como uma herança da escravidão, em que para 
as mulheres negras o estereótipo da hipersexualização também foi mantido. Tal 
concepção propagada ao longo dos anos possui grande influência da mídia, que 
propaga tal estereótipo. 
A mídia enquanto veículo de comunicação é responsável pela transmissão 
de informações, ideais, valores, estereótipos, pré-conceitos e diversas outras 
concepções socioculturais, que reforçam algumas opressões. A vinculação da 
mulher negra hipersexualizada é observada de forma implícita no Carnaval, em 
que ocorre a supervalorização do corpo feminino e, principalmente, das ditas 
“mulatas”, termo criado a partir da miscigenação, que é comumente utilizado na 
“venda” da imagem da mulher brasileira no exterior. 
Esse fenômeno presente na sociedade pode vir a influenciar as relações 
sociais, afetivas e matrimoniais desse público, uma vez que a cultura e o meio 
influenciam na construção da subjetividade e de concepções acerca de 
determinados públicos, de forma que preconceitos, estigmas e estereótipos 
podem ser internalizados, contribuindo para a construção de crenças pessoais, 
assim como a forma de se portar frente à sociedade e nas relações em diversas 
esferas. 
Nesse sentido, faz-se importante o empoderamento feminino negro 
enquanto auxiliador da desconstrução de pré-conceitos acerca da mulher negra, 
e para isso, faz-se importante a existência das lutas e dos movimentos negros 
feministas, de modo que esses objetivem o enfrentamento de estereótipos, 
25 
 
 
discriminação e preconceitos para com as mulheres negras, na busca pela 
valorização e igualdade. 
A realização deste trabalho se faz importante pela possiblidade de discutir 
algo pouco destaque nos debates na comunidade, nas universidades e entre as 
mulheres, sobretudo as negras. Por isso, a importância de mais pesquisas, 
estudos e discussões acerca da temática de forma a proporcionar uma maior 
compreensão sobre esse fenômeno, contribuindo para sua desconstrução e 
enfrentamento, em prol da representação das mulheres negras enquanto sujeitos 
de direitos e pessoas dignas de respeito em todos os âmbitos da vida e da 
sociedade. 
 
 
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