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Secretaria da Educação do Estado do Ceará SEDUC-CE Comum aos Cargos de Professor Nível A: • Arte-Educação • Biologia • Educação Física • Filosofia • Física • Geografia • História • Língua Brasileira de Sinais - Libras • Língua Espanhola • Língua Inglesa • Língua Portuguesa • Matemática • Química • Sociologia Edital Nº030/2018 – SEDUC/SEPLAG, de 19 de julho de 2018 JL084-2018 DADOS DA OBRA Título da obra: Secretaria da Educação do Estado do Ceará Cargo: Comum aos cargos de Professor Nível A (Baseado no Edital de Abertura de Inscrições do Concurso Público –Nº 01/2018) • Educação Brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos • Administração Pública • Língua Portuguesa • Leitura e Interpretação de Dados e Indicadores Educacionais • Gestão de Conteúdos Emanuela Amaral de Souza Diagramação/ Editoração Eletrônica Elaine Cristina Igor de Oliveira Ana Luiza Cesário Thais Regis Produção Editoral Suelen Domenica Pereira Julia Antoneli Leandro Filho Capa Joel Ferreira dos Santos APRESENTAÇÃO CURSO ONLINE PARABÉNS! ESTE É O PASSAPORTE PARA SUA APROVAÇÃO. A Nova Concursos tem um único propósito: mudar a vida das pessoas. Vamos ajudar você a alcançar o tão desejado cargo público. Nossos livros são elaborados por professores que atuam na área de Concursos Públicos. Assim a matéria é organizada de forma que otimize o tempo do candidato. Afi nal corremos contra o tempo, por isso a preparação é muito importante. Aproveitando, convidamos você para conhecer nossa linha de produtos “Cursos online”, conteúdos preparatórios e por edital, ministrados pelos melhores professores do mercado. Estar à frente é nosso objetivo, sempre. Contamos com índice de aprovação de 87%*. O que nos motiva é a busca da excelência. Aumentar este índice é nossa meta. Acesse www.novaconcursos.com.br e conheça todos os nossos produtos. Oferecemos uma solução completa com foco na sua aprovação, como: apostilas, livros, cursos on- line, questões comentadas e treinamentos com simulados online. 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SUMÁRIO Educação Brasileira: Temas Educacionais e Pedagógicos 1 História do pensamento pedagógico brasileiro. .................................................................................................................................... 01 1.1 Teoria da educação, diferentes correntes do pensamento pedagógico brasileiro. ......................................................... 01 1.2 Projeto político pedagógico. ................................................................................................................................................................. 01 2 A didática e o processo de ensino e aprendizagem. ............................................................................................................................ 15 2.1 Organização do processo didático: planejamento, estratégias e metodologias, avaliação. ......................................... 15 2.2 A sala de aula como espaço de aprendizagem e interação. .................................................................................................... 15 2.3 A didática como fundamento epistemológico do fazer docente. .......................................................................................... 15 3 Principais teorias da aprendizagem. ........................................................................................................................................................... 29 3.1 Inatismo, comportamentalismo, behaviorismo, interacionismo, cognitivismo. ................................................................ 29 3.2 As bases empíricas, metodológicas e epistemológicas das diversas teorias de aprendizagem. ............................... 29 3.3 Contribuições de Piaget, Vygotsky e Wallon para a psicologia e pedagogia. ................................................................... 29 3.4 Teoria das inteligências múltiplas de Gardner. .............................................................................................................................. 29 3.5 Psicologia do desenvolvimento: aspectos históricos e biopsicossociais. ............................................................................ 29 3.6 Temas contemporâneos: bullying, o papel da escola, a escolha da profissão, transtornos alimentares na adoles- cência, família, escolhas sexuais. ................................................................................................................................................................. 29 4 Teorias do currículo. ...........................................................................................................................................................................................76 4.1 Acesso, permanência e sucesso do aluno na escola. .................................................................................................................. 76 4.2 Gestão da aprendizagem. ...................................................................................................................................................................... 76 4.3 Planejamento e gestão educacional. ................................................................................................................................................. 76 4.4 Avaliação institucional, de desempenho e de aprendizagem. ................................................................................................. 76 4.5 O Professor: formação e profissão. ..................................................................................................................................................... 76 4.6 A pesquisa na prática docente. ............................................................................................................................................................ 76 4.7 A dimensão ética da profissão. ............................................................................................................................................................ 76 5 Aspectos legais e políticos da organização da educação brasileira. ............................................................................................112 6 Políticas educacionais para a educação básica. ....................................................................................................................................121 6.1 Ensino Médio. ............................................................................................................................................................................................121 6.1.1 Diretrizes, Parâmetros Curriculares, currículo e avaliação. ................................................................................................121 6.1.2 Interdisciplinaridade e contextualização no Ensino Médio. .............................................................................................121 6.1.3 Ensino Médio Integrado: fundamentação legal e curricular. ...........................................................................................121 6.2 Educação Inclusiva. .................................................................................................................................................................................121 6.3 Educação, trabalho, formação profissional e as transformações do Ensino Médio. .....................................................121 6.4Protagonismo Juvenil e Cidadania. ....................................................................................................................................................121 Administração Pública 1 Conceito de administração pública. ............................................................................................................................................................. 01 2 Conceito de servidor público. ......................................................................................................................................................................... 03 3 Princípios da administração pública. ............................................................................................................................................................ 05 4 Direitos e deveres dos servidores públicos. .............................................................................................................................................. 08 5 Responsabilidade dos servidores públicos. ............................................................................................................................................... 23 6. Servidor Estadual. ...............................................................................................................................................................................................25 6.1 Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado do Ceará (Lei nº 9.826/1974) .......................................................... 25 6.1.1 Do provimento dos cargos – Capítulos I a X. ............................................................................................................................... 25 6.1.2 Dos direitos, vantagens e autorizações – Capítulos I a VI. ...................................................................................................... 29 6.1.3 Do regime disciplinar – título VI – Capítulos I a VII) ................................................................................................................. 35 6.2 Lei nº 15.243/2012 (Disciplina o Art. 3º da lei nº 15.064/2011). .............................................................................................. 42 6.3. Estágio Probatório Servidor Estadual (Lei nº 9.826/1974, LEI Nº13.092. de 08 de janeiro de 2001, LEI Nº15.744, 29 de dezembro de 2014 e Lei nº 15.909, de 11 de dezembro de 2015) ......................................................................................... 44 6.4.Carreira do Magistério-Concurso, provimento, carga horaria e jornada de trabalho(Lei nº10.884/1984, Lei 12.066/1993, Lei nº 14.404/2009) ............................................................................................................................................................... 46 6.5. Ampliação da carga horária de trabalho do Grupo MAG (LEI Nº15.451, de 23 de outubro de 2013 e o Decreto SUMÁRIO nº31.458, de 01 de abril de 2014.) ............................................................................................................................................................... 61 6.6. Promoção profissionais Grupo MAG (Lei nº 15.901 de 10 de dezembro de 2015, DECRETO Nº32.103, de 12 de dezembro de 2016). .......................................................................................................................................................................................... 64 6.7. Sistema Remuneratório dos profissionais MAG de nível superior (leis nº 15.243, de 6 de dezembro de 2012, nº15.901, de 10 de dezembro de 2015, LEI Nº16.104, 12 de setembro de 2016, nº16.513, 15 de março de 2018 e nº16.536, 06 de abril de 2018). ..................................................................................................................................................................... 68 LEGISLAÇÃO BÁSICA DA EDUCAÇÃO: 1 Lei no 9.394/1996 e alterações (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, títulos I, II, III,IV, V e VI). .................. 74 2 Lei no 8.069/1990 e alterações (Estatuto da Criança e do Adolescente). ..................................................................................... 88 3 Constituição da República Federativa do Brasil (Art. 205 a 214). ..................................................................................................142 4 Emenda Constitucional no 53/2006. .........................................................................................................................................................145 5 Lei no 11.494/2007 e alterações. ................................................................................................................................................................147 6 Lei no 11.114/2005. ..........................................................................................................................................................................................158 7 Lei no 11.274/2006. ..........................................................................................................................................................................................158 8 Lei nº 13.415, de 2017. ...................................................................................................................................................................................159 9 Lei Federal Nº 13.005/2014 (Plano Nacional de Educação). ............................................................................................................162 10 Lei Estadual Nº 16.025/2016 (Plano Estadual de Educação). .........................................................................................................179 Língua Portuguesa 1 Compreensão e interpretação de textos. .................................................................................................................................................. 83 2 Tipologia textual. ................................................................................................................................................................................................85 3 Ortografia oficial. ................................................................................................................................................................................................44 4 Acentuação gráfica. ...........................................................................................................................................................................................47 5 Emprego das classes de palavras. ................................................................................................................................................................ 07 6 Emprego do sinal indicativo de crase. ........................................................................................................................................................ 71 7 Sintaxe da oração e do período. ................................................................................................................................................................... 63 8 Pontuação. .............................................................................................................................................................................................................50 9 Concordância nominal e verbal. ................................................................................................................................................................... 52 10 Regência nominal e verbal. .......................................................................................................................................................................... 58 11 Significaçãodas palavras. ................................................................................................................................................................................76Leitura e Interpretação de Dados e Indicadores Educacionais Leitura e interpretação de dados e indicadores educacionais envolvendo dados e informações referentes à matrícula, à taxa de atendimento escolar, às taxas de escolarização líquida e bruta, à taxa de distorção idade-série, às taxas de ren- dimento (aprovação, reprovação e abandono), aos resultados do Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará - SPAECE, do Sistema de Avaliação da Educação Básica - SAEB, Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM, Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB, Programa Internacional de Avaliação de Alunos - PISA; .......... 02 Leitura e interpretação de dados apresentados em tabelas, gráficos e mapas; ............................................................................. 12 Resolução de problemas que envolvam o cálculo de porcentagem com dados fornecidos em diferentes formatos. .. 21 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS 1 História do pensamento pedagógico brasileiro. .................................................................................................................................... 01 1.1 Teoria da educação, diferentes correntes do pensamento pedagógico brasileiro. ......................................................... 01 1.2 Projeto político pedagógico. ................................................................................................................................................................. 01 2 A didática e o processo de ensino e aprendizagem. ............................................................................................................................ 15 2.1 Organização do processo didático: planejamento, estratégias e metodologias, avaliação. ......................................... 15 2.2 A sala de aula como espaço de aprendizagem e interação. .................................................................................................... 15 2.3 A didática como fundamento epistemológico do fazer docente. .......................................................................................... 15 3 Principais teorias da aprendizagem. ........................................................................................................................................................... 29 3.1 Inatismo, comportamentalismo, behaviorismo, interacionismo, cognitivismo. ................................................................ 29 3.2 As bases empíricas, metodológicas e epistemológicas das diversas teorias de aprendizagem. ............................... 29 3.3 Contribuições de Piaget, Vygotsky e Wallon para a psicologia e pedagogia. ................................................................... 29 3.4 Teoria das inteligências múltiplas de Gardner. .............................................................................................................................. 29 3.5 Psicologia do desenvolvimento: aspectos históricos e biopsicossociais. ............................................................................ 29 3.6 Temas contemporâneos: bullying, o papel da escola, a escolha da profissão, transtornos alimentares na adoles- cência, família, escolhas sexuais. ................................................................................................................................................................. 29 4 Teorias do currículo. ...........................................................................................................................................................................................76 4.1 Acesso, permanência e sucesso do aluno na escola. .................................................................................................................. 76 4.2 Gestão da aprendizagem. ...................................................................................................................................................................... 76 4.3 Planejamento e gestão educacional. ................................................................................................................................................. 76 4.4 Avaliação institucional, de desempenho e de aprendizagem. ................................................................................................. 76 4.5 O Professor: formação e profissão. ..................................................................................................................................................... 76 4.6 A pesquisa na prática docente. ............................................................................................................................................................ 76 4.7 A dimensão ética da profissão. ............................................................................................................................................................ 76 5 Aspectos legais e políticos da organização da educação brasileira. ............................................................................................112 6 Políticas educacionais para a educação básica. ....................................................................................................................................121 6.1 Ensino Médio. ............................................................................................................................................................................................121 6.1.1 Diretrizes, Parâmetros Curriculares, currículo e avaliação. ................................................................................................121 6.1.2 Interdisciplinaridade e contextualização no Ensino Médio. .............................................................................................121 6.1.3 Ensino Médio Integrado: fundamentação legal e curricular. ...........................................................................................121 6.2 Educação Inclusiva. .................................................................................................................................................................................121 6.3 Educação, trabalho, formação profissional e as transformações do Ensino Médio. .....................................................121 6.4 Protagonismo Juvenil e Cidadania. ....................................................................................................................................................121 1 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS 1 HISTÓRIA DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO. 1.1 TEORIA DA EDUCAÇÃO, DIFERENTES CORRENTES DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO. 1.2 PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO. 1 HISTÓRIA DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO. Pensamento Pedagógico Brasileiro: por uma real mudança O Brasil, conforme Wehling (1994), no início do século XIX, ao cabo de três séculos de colonização era um país de contrastes, de situações extremas: de um lado o litoral e de outro o sertão, riqueza e pobreza, cultura popular sincréti- ca e ortodoxia filosófica e religiosa, de uma devassidão de costumes e de uma rigidez impecável de comportamento, valores cristãos e de escravidão, mandonismo rural e massa servil, economia exportadora e produção de autoconsumo, prevalecendo ainda a contradição de um país dividido em múltiplas dicotomias. E uma delas, a educação. Lembremos que a nação brasileira, conforme Monar- cha (2009) era inculta, patriarca, conservadora, oligárquica e acima de tudo, estava atrasada e doente. Na verdade, esta foi a cara do Brasil na Primeira República, que sucede o período de escravidão, da abolição e do tempo monár- quico pós-independência. Neste atravessamento, os livres pensadores da épo- ca, com suas visões incertas de mundo, livres da religião e cheios de métodos científicos veem no novo regime – A República, comoderradeira abolição dos privilégios de classe, cor, raça e religião. Todavia não representou a al- forria para a maioria ao ingresso na vida, no mercado de trabalho e em especial na educação. Isto porque não houve esclarecimento e conquista das massas humanas, sob os princípios das luzes e virtudes que por sinal foram a eufo- ria da aurora da Primeira República, mas que, infelizmente esquecida e apagadas as luzes e as virtudes postas de lado, em favor da “[...] depravação dos costumes, à predominância dos ví- cios oligárquicos [...], à transformação da liberdade em li- cenciosidade, à instrução popular reduzida ao ler e escrever de poucos”. Na verdade, milhares de excluídos da alfabeti- zação. E o Estado-República? Após treze anos, conforme Mo- narcha (2009), o governo nada fez para ensinar o povo a ler e escrever. De repente o governo acorda e se depara com a possível ruína da nação, das elites e do povo, pois o ímpeto modernizador republicano se perderá. Sem povo não existe nação e não temos povo no Brasil, porque não temos educação nacional organizada. A intervenção ou medicação para esta crise foi indica- da em 1927, na 1ª Conferência Nacional de Educação, no qual profissionais especialmente do campo da saúde e do ensino por meio do lema norte-americano: sanitation over all, visam a higienização do povo através do saneamento do meio físico, social e moral eliminando a “doença endê- mica multiforme e a ignorância do povo”. O povo é inculto e está doente! Acreditem, a educa- ção e a saúde são o elixir com direito a bula que deverá higienizar e educar o povo. Tomando, lendo e seguindo à risca a bula o povo terá acesso à riqueza, ao progresso, ao civismo, ao respeito e moralidade tão desejados ao povo ou do povo para alguém? Conforme Bomeny, “O grande problema do Brasil, o analfabetismo de praticamente 80% de sua população, aparece como uma condenação ao projeto republicano”. Essa citação apresenta um quadro, não tão confiável em termos de dados conforme Bomeny (2001), mas delata a instabilidade educacional e política da nação no início do século XX. Para corrigir tal distorção, houve um empenho nacional pela alfabetização em massa. “O remédio pare- cia milagroso: alfabetizando a população, corrigiam-se de pronto todas as mazelas que afetavam a sociedade brasi- leira em sua expressiva maioria”. Na verdade, vigorou o princípio da ciência positivista com caráter liberal, como direção essencial para instaurar o progresso, a inovação no país. Um destes movimentos foi chamado de Escola Nova, tendo como base Anísio Texeira e organizado por intelectuais inspirados nas ideias político- -filosóficas de igualdade entre os homens e do direito de todos à educação. “O movimento via na educação integral vinculada a um sistema estatal de ensino público, livre e aberto, como sendo capaz de modernizar o homem brasi- leiro, e de transformar essa espécie de “Jeca Tatu” em um sujeito laborioso, disciplinado, saudável e produtivo”. Devemos considerar que esta força intelectual (1910- 1935), desejava pela educação, salvar o Brasil do estrago causado por uma política educacional elitista, responsável pelos índices de analfabetismo, bem como pela doença que se alastrou sobre a nação. Nesta perspectiva, os ideais para a renovação da educação foram influenciados em grande parte pela calorosa “conversão” de Anísio Teixeira no mo- vimento educacional norte-americano (pragmatismo), pelo qual o aprendizado ocorre pela capacidade de observação, experimentação do aluno tendo como orientador, ou faci- litador o professor treinado para este fim. O movimento reformador queria ver contemplado as suas demandas políticopedagógicas por meio de um siste- ma nacional de educação, bem como definir um programa educacional para o país. Houve muitas discussões e par- ticipações de segmentos. A Igreja acaba participando da discussão na tentativa de garantir seus interesses e territó- rios enquanto formadora de mentes e de condutas. Já, os educadores reformistas que elaboraram em 1932 o Mani- festo da Educação Nova, defendendo a democratização da educação - escola pública gratuita e laica. Em contrapartida, outro movimento buscava estabele- cer a proposta de Fernando Azevedo, que tem como base a distinção clara entre educação para elite, enquanto civiliza- dora e, a educação para a massa, enquanto força instintiva e afetiva. As discussões se estenderam, e os pioneiros são acusados de partidários de ideais contrários aos interesses 2 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS da nação. O interessante é que este grupo objetivava ser reconhecido como base para uma sociedade capitalista, li- beral e de livre-mercado. Todavia, no pós 1930, alguns interesses educacionais da nação foram reclamados na Reforma de Capanema, e houve a retomada das campanhas sanitaristas, que via- bilizaram as Reformas no Ensino Secundário tendo como base as orientações humanistas de caráter elitista; criação do Sistema de Ensino Profissional (Senai, Sesi, Senac, Sesc) direcionado ao povo visando formar mão-de-obra qualifi- cada e, Reforma Universitária objetivando um padrão na- cional de organização. Em suma, criados para incorporar a massa inculta ao mercado de trabalho e este efeito perma- nece até hoje. Por uma prática libertadora No atravessamento de ideais, Germano (1993), diz que a vida política do Brasil sempre esteve enlaçada pelas For- ças Armadas e em especial pelo exército, principalmente a partir da segunda metade do século XIX, com a Guerra do Paraguai (1865-1870), a qual revelou conflitos entre o Exército e o Poder Imperial. Esses laços se estenderam à abolição da escravatura em 1888; na instauração da Re- pública em 1889; cooperou para o fim da República em 1930; auxiliou no estabelecimento da ditadura de Vargas, período conhecido como Estado Novo; destituiu o mesmo Vargas em 1945, bem como, esteve presente no suicídio de Vargas; e, instaurou o golpe de Estado de 1964. O Estado Novo constitui-se, de acordo com Germa- no (1993), na consolidação do domínio burguês no Brasil e este movimento efetiva uma acentuada intervenção do Estado na economia, na modernização, na educação, en- tre outros, fazendo com que os militares abandonem as posições reformistas e busquem neste momento, o forta- lecimento das “Forças Armadas, na segurança interna e na defesa externa”. Esse deslocamento dos militares preanun- cia um aspecto importante do pós 64: a ideologia da Segu- rança Nacional. Ou seja, é o momento do antiliberalismo e do anticomunismo. Devido a crise econômica e política, o início dos anos 60 foi crítico para as elites brasileiras. Conforme Germano (1993), a instabilidade e insustentabilidade do Estado em criar condições favoráveis para um crescimento econômi- co e de garantir a seletividade de classe e a reprodução da dominação política da burguesia, em 1964 é deflagra- do através da participação da elite, de multinacionais, do Governo dos Estados Unidos, e das Forças Armadas como executiva, o golpe, chamado pelos militares de Revolução de 64. A ditadura foi consolidada enquanto processo pelos chamados Atos Institucionais - AI, por meio dos quais, os direitos civis são aluídos. Nessa brutal repressão, milhares de pessoas tornaram-se expatriados políticos, torturadas, mortas em nome da Segurança Nacional. O regime militar, deste período, realizou a Reforma Universitária, através da Lei 5.540/68, e a Reforma do En- sino de 1° e 2° Graus, Lei 5.692/71. Nessas propostas, o homem deverá ser adestrado para a Segurança Nacional. Em um cenário de intensos discursos e ações, surgem ideais em favor de reformas estruturais na sociedade brasi- leira. Em um primeiro momento, Paulo Freire traz a possibi- lidade de compreendermos que pela educação, enquanto práticalibertadora será possível ampliar a participação das massas e conduzi-las à sua organização crescente, confor- me Gadotti (1995) citando Freire: [...] as elites (intelectuais) são assistencionalistas e não têm receio de recorrer à repressão e ao autoritarismo quan- do se sentem ameaçadas. Por outro lado, as classes médias estão em busca de ascensão social e se apoiam nas elites. Desta forma, a solução para transformar a sociedade opres- sora está nas mãos das massas populares, “conscientes e or- ganizadas”. (GADOTTI, 1995) Nessa perspectiva, a pedagogia do oprimido, enquan- to processo, buscaria a superação de uma cultura colonial para uma sociedade aberta. Esse movimento deveria bus- car a conscientização do sujeito articulado com uma práxis desafiadora e transformadora da realidade. Para tanto, tor- na-se imprescindível estabelecer um diálogo crítico hori- zontal (oposta ao eletismo) como condição para favorecer e sustentar o amor, a humildade, a esperança, fé e confian- ça nas relações entre os sujeitos para descobrirem-se como sujeitos históricos no processo. Em linhas gerais, Paulo Freire, conforme Gadotti (1995), caracteriza duas concepções opostas de educação: a con- cepção bancária literalmente burguesa, pois, o educador é o que sabe e julga e os alunos meros objetos. Em con- trapartida, a concepção problematizadora funda-se justa- mente na relação dialógico dialética entre educador e edu- cando – ambos aprendem juntos, ambos se emancipam. Ser fiel a Paulo Freire significa, antes de mais nada, re- inventá-lo e reinventar-se como ele. Nisto aliás, consiste a superação (aufhebung) na dialética: não é nem a cópia e nem a negação do passado, do caminho já percorrido pelos outros. É a sua transformação e, ao mesmo tempo, a conservação do que há de fundamental e original nele, e a elaboração de uma síntese qualitativa. (GADOTTI, 1995). Em outro movimento, de acordo com Gadotti (1995), o educador e antropólogo Brandão nos apresenta a edu- cação popular como alternativa à educação dominante e à conquista de novas formas de organização de classes. Esse deslocamento aconteceria através de uma educação como processo de humanização ao longo da vida e de maneira variada. Então, o processo de ensino-aprendizagem não é algo imposto e sim um ato de conhecimento e de transforma- ção social, pois, o aprender se daria a partir do conheci- mento que o aluno traz consigo, ou seja, um saber popular e para o educador é estar comprometido politicamente e, ser solidário e responsável por buscar a direção justa para que possam em conjunto construir uma consciência cidadã até que o “povo assume de uma vez o leme e a direção do barco” (GADOTTI, 1995). Nesta perspectiva, a educação popular, será um proces- so que busca na organização e na persistência, a participação na formação, o “fortalecimento e instrumentalização das prá- ticas e dos movimentos populares, com o objetivo de apoiar a passagem do saber popular ao saber orgânico, ou seja, do saber da comunidade ao saber de classe na comunidade”. 3 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS Em uma sociedade, conforme Gadotti (1995), que se fundamenta nos princípios da eficiência e do lucro, as pes- soas acabam dissipando sua identidade e viram função alienada que segue às cegas as regras da moral, da ciência, da religião etc., que são articuladas pelo poder mágico do discurso vigente. Nesse contexto, Rubem Alves propõe a educação como um espaço possível de desinstalação. Ou seja, pro- cura construir uma educação, uma escola, enquanto espa- ço de prazer e da fala. Este é o enfoque principal de Alves, citado por Gadotti (1995), a linguagem, a fala ao lado do corpo. O educador fala com o corpo. É no corpo de cada edu- cador e de cada educando que estão escritas as suas histó- rias. Daí a necessidade de lê-lo e relê-lo constantemente. O corpo é o primeiro livro que devemos descobrir; por isso, é preciso reaprender a linguagem do amor, das coisas belas e das coisas boas, para que o corpo se levante e se dispo- nha a lutar. Mostra a importância da formação do educador com- prometido consigo mesmo e com o aluno, capaz de su- perar a burocratização e a uniformização a que são sub- metidos. Inquietando-se com o papel do saber e com a crescente desumanização das relações humanas. Nas palavras de Gadotti (1995), é valorizar o prazer, o sentimento, a arte e a paixão na educação e na vida huma- na. O melhor método? O método do amor é melhor do que o racional para educar, aprender e ensinar. E por que não nos deixarmos envolver pela paixão de conhecer o mundo? Eis a proposta de prática pedagógica de Madalena Freire, na qual é possível o exercício do diálo- go desde a primeira educação articulando conhecer e viver, envolvidos pela paixão. O trabalho de Madalena Freire, conforme Gadotti (1995), busca superar a dicotomia entre o cognitivo e o afetivo para que a educação seja um processo prazeroso. Nas palavras de Madalena Freire: [...] o ato de conhecer é tão vital como comer ou dormir, e eu não posso comer ou dormir por alguém. A escola em geral tem esta prática, a de que o conhecimento pode ser doado, impedindo que a criança e, também, os professores o construam. Só assim a busca do conhecimento não é pre- paração para nada, e sim VIDA, aqui e agora. E é vida que precisa ser resgatada pela escola. A partir do vivido da criança, o educador pode planejar e organizar as atividades escolares sem perder a direção pedagógica e o seu papel organizativo. As atividades se configuram a partir dos interesses das crianças, da sua vi- vência, para que o processo de construção do conhecimen- to e do afetivo, por exemplo, a alfabetização e a construção de um sistema de representação (leitura e escrita), fluam naturalmente na vida da criança para que quando adulto, a vida possa fluir sem artifícios. É procurando compreender as atividades espontâneas das crianças que vou, pouco a pouco, captando os seus interesses, os mais diversos. As propostas de trabalho que não apenas faço às crianças, mas que também com elas discuto, expressam, e não poderia deixar de ser assim, aqueles interesses. [...] Não é de estranhar, pois, que as crianças se encon- trem nas suas atividades e as percebam como algo delas, ao mesmo tempo em que vão entendendo o meu papel de organizadora e não de “dona” de suas atividades. (FREIRE, 1983) Creio que cabe aos professores o exercício proposto por Freire (1983), de se permitirem entender a espontanei- dade dos nossos alunos (crianças, jovens, adultos), enquan- to condição possível para desestabilizar uma pedagogia atrelada desde muito tempo à autoridade, para reprodu- ção homogeneizadora e, como “campo de vigilância sobre o tempo, o espaço, o movimento, os gestos, para produzir corpos submissos, exercitados e dóceis” (GADOTTI, 1995). Na verdade, o movimento proposto e quando articula- do às práticas pedagógicas é dar sentido não somente para as atividades, mas também às relações que se constituem no espaço pedagógico. Esse deslocamento chama para uma nova postura não somente ao professor, mas também ao aluno. Ao professor, conforme Gadotti (1995) citando Chauí, cabe algumas perguntas: qual há de ser a função do edu- cador atual? Como romper com essa violência chamada modernização? Como não cair nas armadilhas do conhecer para não pensar, adquirir e reproduzir para não criar, con- sumir em lugar de realizar o trabalho de reflexão? Considerações: ampliando ideais, emancipando ideias Refletindo sobre os discursos, os ideais e práticas do ontem e do hoje, salvo importantes exceções, percebe-se a constância não somente na nossa história política, mas também à educação voltada, nas palavras de Germano (1993), para manobras do alto, estabelecendo a conti- nuidade,as restaurações, as intervenções e exclusões das massas populares por meio do autoritarismo. Não é para menos que a insígnia, conforme Gadotti (1995), da tradição brasileira é a influência de oligarquias que “compartilham” interesses para conservar o controle do poder. Hoje, esses conceitos e práticas se estendem e respin- gam na educação com um novo figurino, uma nova e boa maquiagem em nome do moderno. Todavia, modernizar ainda significa, de acordo com Gadotti (1995) citando Flo- restan Fernandes, reajustar as economias periféricas às es- truturas e aos dinamismos das economias centrais e é cla- ro, [...] ao bom andamento dos negócios”. (GADOTTI, 1995) Nesta perspectiva, uma coisa é certa: de um passado muito presente o pensamento pedagógico brasileiro busca uma práxis, conforme Germano (2006), de resistência à do- minação de classe, ao domínio estrangeiro, ao imperialis- mo e à transplantação cultural, configurando-se como um instrumento de luta em favor da identidade nacional, me- diante a valorização e o fortalecimento das raízes culturais do povo brasileiro em busca da construção de um futuro melhor, diferente do passado/presente. Todavia devemos considerar de acordo com Gadotti (1995), para o qual a crise do modelo de educação voltada para a rigidez e inflexibilidade não é apenas interna à es- cola e sim de acordo com os autores Schwartzman e Brock 4 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS (2005), que o problema da educação no Brasil, em um pri- meiro momento, estava erroneamente pautado na falta de escolas, às crianças que não iam para a escola, e à carência de verbas. Neste sentido, foi considerada, a necessidade de construir escolas, melhores salários ao corpo docente e claro, convencer os pais a enviarem seus filhos à escola. Passado alguns bons anos, nos deparamos com os reais problemas: a má qualidade das escolas, a famosa re- petência e acrescento aqui a qualidade das aprendizagens. Como após tantas reformas, investimentos, e elaborações de políticas e ações à educação, persistem ainda as eleva- das taxas de evasão e repetência e muitas outras dificul- dades? Creio que muitas escolas hoje estão afastadas não de uma concepção democrática e libertadora. Isto porque, na grande maioria dos PPP das escolas, estas propostas, con- ceitos se fazem presentes na escrita. Mas, no planejamento, na prática, no exercício diário da intervenção pedagógica em sala de aula, esta práxis não se faz presente. Tristemente, encontramos influência de uma pedago- gia, conforme Gadotti (1995), do “bom senso”, e do silên- cio, desconectada da vida dos educadores e dos alunos. “Uma vida opaca e conciliadora, e na qual é preciso ser falso, esconder interesses, montar estratégias, ser “esperto” e “levar vantagem”” (GADOTTI, 1995). Entretanto, se o Brasil precisa de mais e melhor educa- ção, conforme previsto no Programa de Governo de Dilma Rousseff é porque a qualidade do ensino é um dos pilares que sustenta a proposta por meio da valorização do pro- fessor. Valoração, renovação, ação. Eis o sentido, das for- mações e\ou capacitações que deverão propiciar ao pro- fessor a redescoberta da sua função e tarefa - assumidas em juramento. Fazer com que o professor saia de um monólogo e busque entender as relações recíprocas existentes entre domínio do saber e o domínio do saber fazer. Ou seja, to- mar consciência do seu verdadeiro exercício, como dina- mizador do processo de ensinoaprendizagem e organiza- dor da intervenção pedagógica. Esse processo de reflexão em formação pode tornar consciente os modelos teóricos e epistemológicos que se evidenciam na sua prática, para então refletir sobre o saber e o saber fazer. Essa situação levará o professor a rever o que propôs e se dispor a novas possibilidades, modificando sua proposta, dispondo-se a repensá-la, ou manter a mesma proposição. Neste sentido, penso que a questão pontual para uma melhor educação seja a possibilidade do professor estabe- lecer relações entre teoria e prática, assumindo seu papel no processo de ensino-aprendizagem e a importância des- te trabalho ser em conjunto entre professor x aluno, pro- fessor x professor. É buscar dar sentido ao que somos ao que fazemos e por que fazemos. Na verdade as colocações apresentadas nos mostram o esforço para permitir um processo de ensino-aprendiza- gem voltado à constituição de sentidos, ou seja, produzir significado mostrando ao aluno o que aquele conteúdo tem a ver com a vida dele e por que é importante e como aplicá-lo em uma situação real. Chamar os professores, conforme Mello (2004), para uma reflexão sobre a própria prática pedagógica: o que se faz e com quais objetivos se faz. Torna-se muito importante ter um parâmetro de como estamos para saber o que precisamos mudar. Ninguém muda se não tem consciência do que precisa mudar. Já sa- bemos o que mudar? Penso que se este movimento estiver, conforme Ga- dotti (1995), a construir um caminho próprio, libertando-se de um pensamento transplantado, buscando realmente a superação e transformação das dependências enraizadas nos modelos, nos paradigmas e das teorias elaboradas em outros contextos, em especial aqueles de países hegemô- nicos, estaremos sim, caminhando para um comprometi- mento real para a transformação social. Um processo, uma luta contra si mesmo à tomada de consciência e contínua; o engajamento, por uma real mu- dança. Referência: FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 11. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. GADOTTI, Moacir. Pensamento Pedagógico Brasileiro. 6. ed. Editora Ática: São Paulo,1995. * Texto de MÜLLER, C. A. Pensamento Pedagógico Bra- sileiro: por uma real mudança. Revista Educação por Escrito – PUCRS, v.3, n.2, dez. 2012. 1.1 TEORIA DA EDUCAÇÃO, DIFERENTES CORREN- TES DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO. TEORIAS EDUCACIONAIS: MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE As pessoas dos séculos XIX e XX no Ocidente assisti- ram três grandes revoluções em teoria educacional. Nós, da transição do século XX para o XXI, estamos assistindo uma quarta revolução. As três primeiras, como eu e ou- tros historiadores da filosofia da educação às tomamos, encontraram seus melhores representantes nos nomes de Herbart, Dewey e Paulo Freire. A quarta revolução, da ma- neira que vem ocorrendo, pode encontrar justificativas em Richard Rorty e Donald Davidson. As três primeiras foram revoluções modernas em teoria educacional. A quarta é uma revolução pós-moderna. Cada uma dessas revoluções girou em torno da emer- gência de um elemento chave na discussão entre os filóso- fos da educação. Em Herbart, a emergência da mente. Em Dewey, a emergência da democracia. Em Paulo Freire, a emergência do oprimido. A quarta revolução, por sua vez, segue em torno da emergência da metáfora entendida aí segundo as novas visões de Davidson lido por Rorty. As revoluções do passado não perderam a importância perante a revolução que está ocorrendo agora. Pertencem ao passado em um sentido cronológico e não valorativo, pelo qual teriam visto a perda de relevância de seus ele- mentos chaves. Afinal, hoje em dia, avançamos muito em filosofia da mente e não poderíamos fazer teoria educa- cional sem considerá-la. Assim, a herança de Herbart está viva. No caso de Dewey, mais ainda temos a sensação de 5 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS algo vivo: não passaria pela maioria das cabeças dos filósofos da educação no Ocidente preferirem a educação autoritária no lugar da educação democrática, e talvez poucos ainda acreditem que poderia haver verdadeira educação em uma si- tuação social não dinâmica e não livre. Fora alguns ressentidos da direita e da velha guarda marxista, aqui e ali, a maioria dos filósofos da educação considera a democracia um chão necessáriopara toda e qualquer educação. Paulo Freire, por sua vez, está presente na medida em que os países ricos se tornaram mais ricos e os países pobres mais pobres, e que o fenômeno do aparecimento do “desenraizado”, seja ele o pobre ou o pertencente a grupos minoritários é agora também visível mesmo onde estava prometido que desapareceria ou não surgiria: nas democracias ricas da América do Norte e Europa. As três primeiras revoluções, portanto, não se distinguem da revolução pós-moderna em teoria da educação por um pretenso fato de que esta última revolução teria superado tudo o que foi pensado em educação anteriormente. O que ocorre é que a revolução pós-moderna em teoria educacional está acoplada à uma maneira de conversar, em termos técnicos de filosofia e filosofia da educação, que desloca as filosofias da educação que justificavam as teorias educacionais modernas, nomeadas aqui por Herbart, Dewey e Freire. Pretende-se demostrar com isto que as teorias educacionais modernas estiveram articuladas à filosofia da educação pré-linguistic turn. Por sua vez, a teoria da educação que melhor se insere no campo pós-moderno e, com sorte, talvez possa vir a manter o nosso apreço pela democracia, está articulada às formas de conversação que adquirimos, em filosofia, após a virada linguística e após a virada neopragmática. Mas as teorias educacionais não diferem apenas em suas justificativas filosóficas. Diferem também em seus aconselhamentos e procedimentos didáticos. Como bom rortyano, não acredito que a filosofia da educação seja o fundamento da teoria educacional. Creio que ela é apenas uma forma de discurso ad hoc que permite melhorar nossa coerência prática e, talvez, com sorte, potencializar o que estamos fazendo. Sendo assim, não vou aqui expor as filosofias para depois derivar delas as teorias educacionais. Ao contrário, vou expor as diferenças entre elas e só então, posteriormente, vou mostrar de modo breve que é possível encontrarmos diferen- tes filosofias da educação para cada uma dessas teorias educacionais. O quadro abaixo coloca as quatro teorias educacionais aqui citadas, em seus passos didáticos, em comparação: Teoria Educacional de Herbart Cinco Passos Didáticos Teoria Educacional de Dewey Cinco Passos Didáticos Teoria Educacional de Freire Cinco Passos Didáticos Teoria Educacional Pós- Moderna Cinco Passos Didáticos Preparação Atividade e Pesquisa Vivência e Pesquisa Apresentação de Problemas Apresentação Problemas Temas Geradores Articulação entre os Problemas Apresentados e os Problemas da Vida Cotidiana Associação Coleta de Dados Problematização Discussão dos Problemas através de Narrativas Tomadas Sem Hierarquização Epistemológica Generalização Hipóteses e/ou Heurística Conscientização Formulação de Novas Narrativas Aplicação Experimentação e/ou Julgamento Ação Política Ação Cultural, Social e Política Antes de qualquer comentário explicativo dos passos do quadro acima, é importante ressaltar que: nenhuma dessas formulações deve ser lida através da dualidade “diretividade versus não-diretividade”. O grande erro dos livros em teoria da educação e didática é o de apelarem para essa divisão e, então, não mais entenderem sobre o que estão falando. Todas as teorias educacionais acima envolvem uma exaustiva participação do professor e do estudante. Muito menos tais teorias de- vem ser lidas através da dualidade “progressista versus não progressista». Esta, pior que a anterior, crivou alguns livros que falavam sobre didática nos anos 80, também trazendo mais confusão que acerto e favorecendo o pensamento esquemático que, no fundo, é sempre o anti-pensamento. Passo 1. O processo de ensino-aprendizagem, para Herbart, começa com a preparação, que consiste na atividade que o professor desenvolve na medida em que recorda ao aluno o assunto anteriormente ensinado ou algo que o aluno já sabe. Dewey, por sua vez, não vê necessidade de um tal procedimento, pois ele acredita que o processo de ensino-aprendizagem tem início quando, pela atividade dos estudantes, eles se defrontam com dificuldades e problemas, tendo então o interesse aguçado. Paulo Freire vê o processo de ensino-aprendizagem se iniciando em um momento especial, quando o educador está vivendo na comunidade dos educandos, observando suas vidas e participando de seus apuros pesquisando sobre a comunidade, deixando de ser educador para ser educador-educando. 6 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS Passo 2. A teoria herbartiana diz que após a prepa- ração, o professor já pode apresentar aos alunos o novo assunto, os conceitos morais, históricos e científicos que serão a matéria do processo de ensino-aprendizagem: eles são o carro chefe do processo mental, e são eles que pu- xam os interesses. A teoria deweyana, ao contrário, acre- dita que o carro chefe da movimentação psicológica são os interesses e que estes são despertados pelo encontro com dificuldades e com a delimitação de problemas. As- sim, para Dewey, da atividade segue-se a enumeração e a eleição de problemas. Paulo Freire acredita na mesma coisa que Dewey, mas ele acha que os problemas não são tão motivantes quanto os “temas geradores” as palavras chaves colhidas no seio da comunidade de educandos e que podem despertar a atenção destes na medida em que fazem parte de suas atividades vitais. Passo 3. Herbart acredita que uma vez que o novo as- sunto foi introduzido, isto é, uma vez que novas ideias e conceitos morais, históricos e científicos estão postos, eles serão assimilados pelos alunos na medida em que estes puderem ser induzidos a uma associação com as ideias e conceitos já sabidos. Dewey, por sua vez, nesta fase do pro- cesso de ensino-aprendizagem, está preocupado em ajudar os alunos na atividade de formulação de hipóteses ou ca- minhos heurísticos para enfrentar os problemas admitidos na fase anterior. Paulo Freire, então, na medida em que já trabalhou os temas geradores, começa a problematizá-los: desenvolve-se aqui uma atividade de diálogo horizontal entre educador-educando e educando-educador de modo que os temas geradores possam ser entendidos como pro- blemas, mas problema, neste caso, quer dizer problema político. A “problematização” ocorre se o tema gerador é visto nas suas relações com o poder, com a perversidade das instituições, com a demagogia das elites etc. Passo 4. Nesta fase, a teoria herbartiana acredita que o aluno já aprendeu o novo por associação com o velho, mas que agora ele precisa sair do caso particular exposto e traçar generalizações, abstrações, leis. O professor, é claro, pode insistir para que o aluno faça inferências e chegue en- tão a adotar leis, na moral e na ciência. A teoria deweyana, nesta fase, quer alimentar as hipóteses formuladas na fase anterior. Sendo assim, a atividade do professor e do estu- dante agora é a de buscar nas bibliotecas e outros meios, inclusive na própria memória, os dados capazes de dar uma arquitetura mais empírica às hipóteses ou uma melhor ra- zoabilidade aos caminhos heurísticos. Na teoria freireana este é o momento em que educador-educando e educan- do-educador, ao traçarem as relações entre suas vidas e o poder, através da problematização dos temas geradores, chegam a perceber o que acontece com eles enquanto se- res sociais e políticos, e então chegam à “conscientização”, passam a ter consciência de suas condições na polis. Passo 5. Nesta última fase, na teoria herbartiana, o aluno deve ser posto na condição de aplicar as leis, abs- trações e generalizações a casos diferentes, ainda inéditos na situação particular, sua, de ensino-aprendizagem. Na última fase, na teoria deweyana, opta-se por uma ou duas hipóteses em detrimento de outras na medida em que há confirmação destas por processos experimentais. Tem-se entãouma tese. Ou então, opta-se por uma heurística e, assim, por uma conclusão, na medida em que a plausibi- lidade das outras formulações heurísticas caiu por terra frente às exigências de coerência lógica etc. O passo final na teoria freireana é a tentativa de solução do problema apontado desde o tema gerador através da ação política, que pode inclusive ter desdobramentos práticos de ação político-partidária. Nos três casos, estamos diante de teorias educacio- nais modernas que poderiam muito bem se sentirem con- fortáveis, e assim o fizeram, na medida em que tinham uma boa justificativa filosófica para assim procederem. Justificativas filosóficas que foram montadas pelos gran- des movimentos do Iluminismo e do Romantismo entre os séculos XVII e XX. E pelo movimento keynesiano de cons- trução do Welfare State no pós-Segunda Guerra Mundial. Herbart e Freire queriam, na formulação humanista, criar o homem enquanto ser capaz de se autodeterminar. É claro que Herbart pensava isso em termos iluministas clássicos: o homem enquanto ser que sai da menoridade e passa a julgar as coisas pela própria razão é o homem que se auto determina o verdadeiro indivíduo (Kant). Enquanto que Freire pensava isso em termos das vá- rias filosofias contemporâneas, com inspiração mais romântica, na vaga do existencialismo (marxista e/ou cristão): o homem deveria deixar de ser objeto e tor- nar-se sujeito de sua própria história. Dewey, por sua vez, queria o bípede sem penas como ser capaz de en- frentar a mudança contínua própria da vida livre, a vida democrática. Assim, para Dewey, haveria ainda um sex- to passo: o próprio conjunto dos cinco passos era mais importante que a conclusão indicada pela hipótese que havia se mostrado correta. Para ele, aprender os cinco passos, isto é, aprender o que ele chamava de «proce- dimento científico» para a resolução de problemas era, na verdade, «aprender a aprender» e, assim, estar pre- parado para qualquer eventualidade da vida moderna. Mais que Paulo Freire e muito mais ainda que Herbart, Dewey propôs uma filosofia da educação que era uma filosofia de consideração da contingência em um mun- do completamente naturalizado e historicizado. Paulo Freire também pensava, como Dewey, que a educação deveria preparar para a eventualidade, só que as eventuali- dades do “desenraízado” seriam mais repetitivas: elas sem- pre seriam problemas políticos nos quais o “desenraízado” estaria sendo oprimido. A teoria educacional pós-moderna fornece outros passos: Passo 1. O início do processo de ensino-aprendiza- gem segundo a postura pós-moderna se dá pela apre- sentação direta de problemas e situações problemáticas, ou mesmo curiosas e difíceis. Mas que tipo de problemas e situações problemáticas? Os problemas culturais, éticos, étnicos, de convivência entre gêneros, mentalidades e mo- delos políticos diferentes. Esses problemas são apresenta- dos por diversos meios: do cinema ao romance passando pelo conto, pelos comic books, pela música, pela poesia e teatro etc. 7 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS Passo 2. Na sequência, o processo de ensino-apren- dizagem visa relacionar as situações problemáticas e os problemas propriamente ditos com os problemas da vida cotidiana dos estudantes, dos seus avós e pais e, enfim, do seu grupo social ou familiar ou de amigos e até mesmo do seu país presente, passado e futuro. Aqui, o estudante é convidado a ser um personagem da narrativa contada no passo anterior e, ao mesmo tempo, um filósofo, isto é, segundo Nietzsche, um juiz dos desdobramentos internos da narrativa. Passo 3. Redescrição das narrativas nas quais os pro- blemas estavam inseridos; isto através de outras narrativas, de ordem ficcional, histórica, científica e filosófica. O im- portante aqui é que o estudante perceba que essas nar- rativas que redescrevem aquelas não estão hierarquizadas epistemologicamente. Não há uma narrativa que aprende a Realidade Como Ela É. Mas há, sim, em cada uma, jogos de linguagem distintos que estão aptos, pragmaticamen- te, para uma coisa e não outra. Se quero saber como uma nave espacial funciona um bom vocabulário é o dos físi- cos, mas se quero dizer para minha namorada como a nave atravessa os céus em uma noite estrelada creio que seria melhor um vocabulário ficcional seria pedante e inútil para o namoro a explicação física! Penso que aqui deveríamos ir de Júlio Verne! Mas o erro seria achar que no segundo caso estou no campo metafórico e no primeiro no campo literal e que ambos os campos estão nitidamente delimita- dos. Eles são vocabulários incomensuráveis, cuja distinção se dá pela utilização linguística que o bípede sem penas faz deles. Passo 4. Neste estágio o estudante é convidado, ele próprio, a propor suas narrativas de redescrição das narra- tivas em que estavam inseridos os problemas, e a discutir a pertinência delas com os colegas, com o professor e, enfim, com os livros e outros meios. Este é o momento de criação, de imaginação e, portanto, o auge do processo de criação de metáforas. Passo 5. Por fim, o que se tem é o recolhimento das ideias e sugestões vindas das narrativas e suas redescri- ções para a condução intelectual, moral e estética no cam- po cultural, social e político de cada um. Cabe aqui a ação política organizada, inclusive a ação política partidária. Mas é necessário lembrar que a própria formulação de uma nar- rativa e sua divulgação, a criação de uma nova metáfora que não só garanta direitos democráticos, mas que invente outros direitos, já é uma ação política. Se os professores pós-modernos e os teóricos da edu- cação quiserem uma justificativa para esses procedimen- tos, vão facilmente encontrá-los, no passado, em germe, nas formulações da filosofia da linguagem e do pragma- tismo de Nietzsche e William James. Afinal, foram eles os pioneiros na argumentação que borrou a nítida linha que separava o que é metafórico do que é literal. Foi Nietzsche quem, no final do século XIX, colocou a linguagem em um plano articulado ao plano social e definiu a própria verdade como metáfora. Mas se os professores pós-modernos e os teóricos da educação quiserem elaborar melhor uma filo- sofia da educação mais adequada aos procedimentos dos cinco passos acima, e para tal quiserem utilizar a linguagem atual da filosofia, penso que a leitura dos textos de Donald Davidson é o suficiente. Principalmente na formulação que é dada por Richard Rorty. O segredo aqui, para entendermos a postura pós-mo- derna, é perguntarmos o que é a metáfora para Davidson. Se tomamos a metáfora na sua definição tradicional, veremos que a entendemos como apenas a cobertura de um bolo. Ela seria a maneira de descrever as coisas de uma forma que, uma vez clarificada, analisada, traria a verdade, o essencial. A metáfora teria uma mensagem a ser decodi- ficada, mensagem esta que poderia ser apreendida por investigação da semântica. Assim, a metáfora teria um conteúdo cognitivo, e poderia ser explicada. Uma terrível objeção a essa formulação aparente- mente tranquila da metáfora, dada por Davidson, é a de que a metáfora não pode ser parafraseada. E que se qui- sermos explicar uma metáfora, certamente estaremos su- jeitos a fazer alguma construção teórica sofrível, de mal gosto. Para Davidson, como Rorty e eu o lemos, a metáfo- ra não é uma mensagem, não tem um conteúdo cognitivo a ser decodificado. Ela é, sim, um ato inusitado no meio do processo comunicacional que, embora tenha efeitos de grande impacto sobre o ouvinte, não pretende lhe dizer coisa alguma. É claro que uma metáfora, depois de algum tempo, se for saboreada e não cuspida e esquecida, pode então se adaptar a um jogo de linguagem existente ou for- jar um novo jogo de linguagem e, então, se literalizar, ou seja, ganhar valor de verdade. Aliás,diga-se de passagem, como Rorty lembra, nossa linguagem é, na sua maioria, um monte de metáforas mortas. Mas em um primeiro momen- to, ela não é uma explicação e não tem valor de verdade na medida em que ela não está nos quadros do jogo se- mântico tradicional. Por isso mesmo, seu lançamento em uma conversa é muitas vezes espontâneo, e quem a lançou pouco sabia o que ela significava (ela não significava!). As- sim, duvido que o movimento negro poderia, na época de seu auge, explicar o que era Black is beautiful! Do mesmo modo que agora seria uma péssima ideia tentar explicar o que é Gay is good. Não há paráfrase nem explicações para “Gay is good”, e qualquer tentativa destrói rapidamente a metáfora e todo o movimento de impacto que ela causa na mentalidade conservadora. Todavia, apesar de não ter mensagem, ela é forte o suficiente para estar envolvida com a busca de criação de novos direitos democráticos, como por exemplo a discussão, em vários países, sobre a legitimidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo... pois, afinal, “gay is good!”. Essa nova filosofia da educação em nada solapa os ideais das filosofias da educação modernas, pelo contrário, ela os potencializa. Quem faz metáforas em prol da cria- ção de novos direitos está, certamente, colaborando com a ideia humanista de que a educação é aquisição de autode- terminação, como em Herbart. Também está favorecendo a diversidade e a liberdade e, portanto, está se alinhando com Dewey na valorização da democracia. E pode forne- cer “autoridade semântica” para os grupos oprimidos se redescreverem e assim ganharem vez e voz na sociedade na medida em que puderem colocar seus vocabulários al- ternativos, seus jogos de linguagem secundarizados, como 8 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS elementos também contáveis na sociedade. Com isso, colabora-se com Paulo Freire na luta por uma educação em favor do oprimido pelo fim da opressão. A teoria educacional pós-moderna, nesta filosofia da educação, é a busca de realização dos melhores ideais modernos. Fonte Disponível em http://smeduquedecaxias.rj.gov.br/ DIFERENTES CORRENTES DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO Um esboço das teorias e correntes pedagógicas contemporâneas Existem tendências contemporâneas no ensino de alguma forma influenciadas pelo pensamento pós-moderno? Certa- mente sim, elas existem e aos poucos vão ocupando espaços na prática de professores embora, como de costume, com for- tes traços de reducionismo ou modismo. Algumas dessas correntes são esforços teóricos de releitura das teorias modernas, outras afiliam-se explicitamente ao pensamento pós-moderno focadas na escola e no trabalho dos professores, enquanto outras utilizam-se do discurso pós-moderno sem interesse nenhum em chegar a propostas concretas para a sala de aula e para o trabalho de professor, ao contrário, propõem-se a desmontar as propostas existentes. Há notórias resistências a tentativas de classificação das teorias pedagógicas, boa parte delas compreensíveis. Vários seg- mentos de intelectuais que se situam grosso modo no âmbito do pensamento pós-moderno podem alegar, dentro de seus quadros de referência, que as classificações seguem exatamente o figurino da modernidade, da classificação de conhecimen- tos, do fechamento em campos disciplinares. Nesse caso, as classificações se riam, por tanto, reducionismos, simplificações, fragmentações. Em outra orientação, dir-se-á que os campos científicos em geral firmam-se muito por conta de legitimação das concepções por meio de disputa de poder. Há ainda posições que deliberadamente de fendem o hibridismo cultural. Na verdade, as classificações sempre existiram, independentemente das críticas que lhes são feitas, elas pertencem sim a certa tradição da racionalidade científica. Mas, exatamente com base no argumento de que os campos se definem por relações de poder, seria injusto e desigual que o professora do des conheces se a existência desses campos, de suas disputas e de seus conflitos. Mesmo por que, se os des conhecem, são presas fáceis de persuasão de um ou outro grupo ou são manipulados pelo mercado editorial que também disputa espaços de poder misturados com comércio. Há outro argumento a favor das classificações: elas ajudam as pessoas a organizar a cabeça. Os formadores de professores, os pesquisadores, os estudiosos das teorias educacionais e das metodologias de pesquisa, os licenciandos das várias especialidades precisam conhecer as teorias educacionais, as clássicas e as contemporâneas, para poderem se situar teórica e praticamente enquanto sujeitos envolvidos em marcos sociais, culturais, institucionais. Pode ser ver da de que o caminho se faz ao caminhar, mas o sujeito inteligente terá primeiro que recorrer aos mapas, a não ser que esteja atrás de um caminho que ainda ninguém percorreu. Outra razão forte em favor das classificações decorre de um posicionamento teórico segundo o qual as teorias, os conteúdos, os métodos constituem-se em mediações culturais já constituídas na prática e na teoria e que fazem parte da atividade sócio-histórica do campo pedagógico. Tais mediações são instrumentos simbólicos e culturais que participam na formação intelectual e profissional. As classificações de teorias são, pois, instrumentos mediacionais que possibilitam formação de esquemas mentais, quadros de referência. O esboço de um quadro geral das correntes pedagógicas contemporâneas, proposto a seguir, de corre unicamente da pesquisa bibliográfica e da observação da difusão de ideias em congressos, encontros e seminários. Trata-se, pois, de um exercício teórico do qual resulta uma classificação arbitrária. Apresenta rei o quadro e, em seguida, uma breve caracteriza- ção de cada uma das correntes. Correntes Modalidades 1. Racional-tecnológica Ensino de excelência Ensino tecnológico 2. Neocognivistas Construtivismo pós-piagetiano Ciências cognitivas 3. Sociocríticas Sociologia crítica do currículo Teoria histórico-cultural Teoria sociocultural Teoria sociocognitiva Teoria da ação comunicativa 4.“Holísticas” Holismo Teoria da Complexidade Teoria naturalista do conhecimento Eco pedagogia Conhecimento em rede 5. “Pós-modernas” Pós-estruturalismo Neopragmatismo Quadro 1. Quadro das correntes pedagógicas contemporâneas. 9 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS A corrente racional-tecnológica Essa corrente corresponde à concepção que tem sido designada de neotecnicismo e está associada a uma pe- dagogia a serviço da formação para o sistema produtivo. Pressupõe a formulação de objetivos e conteúdos, padrões de desempenho, competências e habilidades com base em critérios científicos e técnicos. Diferentemente do cunho acadêmico da pedagogia tradicional, a corrente racional- -tecnológica busca seu fundamento na racionalidade téc- nica e instrumental, visando a desenvolver habilidades e destrezas para formar o técnico. Metodologicamente, ca- racteriza-se pela introdução de técnicas mais refinadas de transmissão de conhecimentos incluindo os computado- res, as mídias. Uma derivação dessa concepção é o currí- culo por competências, na perspectiva economicista, em que a organização curricular resulta de objetivos assenta- dos em habilidades e destrezas a serem dominados pelos alunos no percurso de formação. Apresenta-se sob duas modalidades: a. Ensino de excelência, para for mar a elite intelectual e técnica para o sistema produtivo; b. Ensino para for mação de mão-de-obra intermediá- ria, centrada na educação utilitária e eficaz para o mercado. Outros traços dessa corrente: centralidade no conheci- mento em função da sociedade tecnológica, transformação da educação em ciência (racionalidade científica), produção do aluno como um ser tecnológico (versão tecnicista do “aprender a aprender”), utilização mais intensiva dos meiosde comunicação e informação e do aparato tecnológico. A corrente neocognitivista Nesta denominação estão incluídas correntes que in- troduzem novos aportes ao estudo da aprendizagem, do desenvolvimento, da cognição e da inteligência.8 Construtivismo pós-piagetianismo O construtivismo, no campo da educação, refere-se a uma teoria em que a aprendizagem humana é resultado de uma construção mental realizada pelos sujeitos com base na sua ação sobre o mundo e na interação com outros. O ser humano tem uma potencialidade para aprender a pen- sar que pode ser desenvolvida porque a faculdade de pen- sar não é inata e nem é provida de fora. O construtivismo pós-piagetiano incorpora contribuições de outras fontes tais como o lugar do desejo e do outro na aprendizagem, o predomínio da linguagem em relação à razão, o papel da interação social na construção do conhecimento, a singu- laridade e a pluralidade dos sujeitos (Grossi; Bordin, 1993). Nessa mesma perspectiva, o socioconstrutivismo mantém o papel da ação e da experiência do sujeito no desenvol- vimento cognitivo, mas introduz com mais vigor o compo- nente social na aprendizagem, tornando claro o papel de- terminante das significações sociais e das interações sociais na construção de conhecimentos. Instrumentos cognitivos utilizados pelas crianças são, também, reestruturações de representações sociais reformadas nas interações sociais. Uma das noções-chave desse paradigma é o conflito socio- cognitivo que surge em situações de interação, nas quais estão também envolvidas experiências sociais e culturais que intervêm nas aprendizagens (Garnier; Bednarz; Ula- novskaya, 1996). Ciências cognitivas A abordagem cognitiva refere-se a estudos relaciona- dos ao desenvolvimento da ciência cognitiva associada à utilização de computadores. Seu objetivo é buscar novos modelos e referências para avançar na investigação sobre os processos psicológicos e a cognição. A partir da psi- colinguística, da teoria da comunicação e da cibernética (ciência dos computadores), surgem duas versões: a psico- logia cognitiva, que estuda diretamente o comportamen- to inteligente de sujeitos humanos, isto é, o ser humano como processador de informações, e a ciência cognitiva, que aprofunda as analogias entre mente e computador, visando à construção de modelos computacionais para en- tender a cognição humana. Seu interesse é a construção de programas de inteligência artificial que realizam tarefas que implicam um comportamento inteligente. Há estudos da abordagem do processamento da informação ao cons- trutivismo piagetiano. Teorias sociocríticas A designação “sociocrítica” está sendo utilizada para ampliar o sentido de “crítica” e abranger teorias e corren- tes que se desenvolvem a partir de referenciais marxistas ou neomarxistas e mesmo, apenas, de inspiração marxista e que são, frequentemente, divergentes entre si principal- mente quanto a premissas epistemológicas. As aborda- gens sociocríticas convergem na concepção de educação como compreensão da realidade para transformá-la, visan- do à construção de novas relações sociais para superação de desigualdades sociais e econômicas. Em razão disso, considera especialmente os efeitos do currículo oculto e do contexto da ação educativa nos processos de ensino e aprendizagem, inclusive para submeter os conteúdos a uma análise ideológica e política. Algumas dão mais ênfase às questões políticas do processo de formação, outras co- locam a relação pedagógica como mediação da formação social e política. Nesse segundo caso, a educação cobre a função de transmissão cultural, mas também é responsável pela ajuda ao aluno no desenvolvimento de suas próprias capacidades de aprender e na sua inserção crítica e partici- pativa na sociedade em função da formação da cidadania. Diferenças na determinação dos objetivos da educação e do ensino levam a distintas opções metodológicas que vão desde a visão do ensino como transmissão cultural até a uma ideia de escola mais informal centrada na valorização de elementos experienciais, fortuitos, da convivência social, minimizando ou até recusando um currículo formal. A teoria curricular crítica Com características neomarxistas, acentua os fatores sociais e culturais na construção do conhecimento, lidan- do com temas como cultura, ideologia, currículo oculto, linguagem, poder, multiculturalismo (Moreira; Silva, 1994). Tem origem explícita na Sociologia Crítica inglesa e norte- -americana. A teoria curricular crítica questiona como são construídos os saberes escolares, propõe analisar o saber particular de cada agrupamento de alunos, porque esse sa- ber expressa certas maneiras de agir, de sentir, de falar e de ver o mundo. Na visão da Sociologia Crítica não há uma 10 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS cultura unitária, homogênea; a cultura é um terreno con- flitante onde se enfrentam diferentes concepções de vida social e onde emergem a diversidade cultural e a diferença. O currículo, nesse sentido, tem a ver menos com a seleção e organização de conteúdos e mais com as experiências socioculturais que fazem da escola um terreno de luta e de contestação para se criar e produzir cultura. Quando se pensa um currículo, é preciso começar captando as “signi- ficações” que os sujeitos fazem de si mesmos e dos outros através da experiência compartilhada de vivências, abrindo espaço para o currículo multicultural, currículo em rede etc. Na esfera dos sistemas de ensino, leva as políticas de inte- gração de minorias sociais, étnicas e culturais ao processo de escolarização, opondo-se à definição de currículos na- cionais. Teoria histórico-cultural As bases teóricas da teoria histórico-social apoiam-se em Vygotsky e seguidores. Nessa orientação, a aprendiza- gem resulta da interação sujeito-objeto, em que a ação do sujeito sobre o meio é socialmente mediada, atribuindo-se peso significativo à cultura e às relações sociais. A atividade do sujeito supõe a ação entre sujeitos, no sentido de uma relação do sujeito com o outro, com seus parceiros. Mais especificamente, as funções mentais superiores (lingua- gem, atenção voluntária, memória, abstração, percepção, capacidade de comparar, diferenciar etc.) são ações inte- riorizadas de algo socialmente mediado, a partir da cultura constituída. Essa abordagem está focada na estrutura do funcionamento cognitivo em suas interações com as me- diações culturais (Daniels, 2003). Nos últimos anos, dentro dessa mesma orientação, tem se destacado a teoria histó- rico-cultural da atividade. Teoria sociocultural Esta teoria também se remete a Vygotsky, mas põe ên- fase na explicação da atividade humana enquanto proces- so e resulta do das vivências em atividades socioculturais compartilha das, mais do que nas questões do conheci- mento e da apropriação da cultura social. Compreende as práticas de aprendiza gem como atividade sempre situada em um contexto de cultura, de relações, de conhecimento. Teoria sociocognitiva Na teoria sociocognitiva são postas em relevo as con- dições culturais e sociais da aprendizagem, visando ao desenvolvimento da sociabilidade por meio de processos socioculturais. A questão importante da escola não é o funcionamento psíquico ou os conteúdos de ensino, mas a organização de um ambiente educativo de solidariedade de relações comunicativas, com base nas experiências co- tidianas, nas manifestações da cultura popular. Um projeto de escola nessa orientação consistiria em criar situações pedagógicas interativas para propiciar uma formação de- mocrática e inclusiva, vale dizer, uma “vivência” democráti- ca (comportamentos solidários, de justiça, de vida comuni- tária etc.), por tanto, com características mais informais em que se valorizam mais experiências socioculturais do que ocurrículo formal. Teoria da ação comunicativa A teoria da ação comunicativa, formulada por J. Haber- mas, está associada à teoria crítica da educação originada dos trabalhos da Escola de Frankfurt. Realça no agir pe- dagógico a ação comunicativa, entendida como interação entre sujeitos por meio do diálogo para se chegar a um en- tendimento e cooperação entre as pessoas nos seus vários contextos de existência. Constitui-se, assim, numa teoria da educação assentada no diálogo e na participação, visando à emancipação dos sujeitos. Encontra pontos de ligação com o pensamento de P. Freire e exerceu forte influência em autores da Sociologia crítica do currículo de procedên- cia norte-americana, como H. Giroux e M. Apple. Correntes “holísticas” Sob essa denominação, com algum risco de impreci- são, situam-se correntes de diferentes vertentes teóricas, que têm como denominador comum uma visão “holística” da realidade, isto é, a realidade como uma totalidade de in- tegração entre o todo e as partes, mas compreendendo di- ferentemente a dinâmica e os processos dessa integração. O holismo O holismo, propriamente dito, do ponto de vista filo- sófico, compreende a realidade como totalidade, em que as partes integram o todo, partes como unidades que for- mam todos, numa unidade orgânica. Ter uma visão holís- tica significa ter o sentido de total, de conjunto, de inteiro (holos, do grego), em que o universo é considerado como uma totalidade formada por dimensões interpenetrantes: as pessoas, as comunidades, unidas no meio biofísico. Há indistinção entre sujeito observador e objeto. Para Bertrand e Valois (1994), a pessoa une-se a todas as outras pessoas, a todas as consciências, a todas as outras “partículas” do cosmos, para constituir uns “nós”, no sentido de simbiose. Disso resulta uma ação em comum, uma sinergia, em que as forças criativas de cada um e de todos convergem na ação. A consciência de uma totalidade cósmica leva os ho- listas a buscarem um equilíbrio dinâmico entre o homem e o seu meio biofísico, a convivência entre as pessoas, a preservação ambiental e a denúncia de todas as formas de destruição da natureza, a união das pessoas e da nature- za no todo. O projeto educativo visa conscientizar para o fato de que as pessoas pertencem ao universo e que o de- senvolvimento da espécie humana depende de um projeto mundial de preservação da vida. A educação holística não rejeita o conhecimento racional e outras formas de conhe- cimento, mas insiste em considerar a vida como uma tota- lidade em que o todo se encontra na parte, cada parte é um todo, porque o todo está nela. Daí que a consciência da pessoa só pode ser comunitária, ecológica e cósmica. O pensamento complexo (teoria da complexidade) É uma abordagem metodológica dos fenômenos em que se apreende a complexidade das situações educativas, em oposição ao pensamento simplificador. A inteligibilida- de complexa, ou o pensar mediante a complexidade, signi- fica apreender a totalidade complexa, as inter-relações das partes, de modo a se travar uma abertura, um diálogo entre 11 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS diferentes modelos de análise, diferentes visões das coisas. Isso leva à cooperação interdisciplinar, ao intercâmbio de alteridades, mas a busca de inter-relações não significa or- denar a realidade, organizá-la. Significa buscar, também, a desordem, a contradição, a incerteza. Põe dúvidas sobre o que é a verdade, o que é a realidade empírica, de modo a ver os vários lados da situação. Segundo Morin (ANO?), a teoria científica não é o reflexo do real, é uma construção do espírito que se esforça para captar o real. As teorias científicas são produções do espírito, são percepções do real, são sociais, emergem de uma cultura. Elas carregam a incerteza, o inesperado. Essas ideias, obviamente, nos põem frente a uma prática pedagógica nada prescritiva, nada disciplinar. Já que não há nada que seja absoluta- mente científico, absolutamente seguro, precisamos dialo- gar com a dúvida, com o inesperado e com o imprevisto. Pensar por complexidade é usar nossa racionalidade para juntar coisas separadas, para aumentar nossa liberdade de fazer o bem e evitar o mal. Aplicado à pedagogia,9 o pensamento complexo pressupõe a integração no ato pe- dagógico de múltiplas dimensões, o que requer o diálogo com várias orientações de pensamento, reconhecendo que nenhuma teoria pedagógica é capaz, sozinha, de atender a necessidades educativas sociais e individuais. A teoria naturalista do conhecimento Essa teoria, desenvolvida por autores como Varela e Maturana, e aqui no Brasil, por Hugo Assmann, compreen- de que o conhecimento humano está ligado ao plano bio- lógico, bioindividual e biosocial. Essa teoria se opõe a uma visão mentalista do sujeito e da consciência, afirmando a mediação corporal dos processos de conhecimento. Nossa consciência não é soberana, não somos donos do nosso destino como pensamos, porque há “mediações auto orga- nizativas da corporeidade individual e das mediações sócio organizativas” que escapam de nossas intenções conscien- tes. Por isso, segundo Assmann (1996), a pedagogia das certezas e dos saberes pré-fixados deve ser substituída por uma pedagogia da pergunta, do melhoramento das per- guntas e do acessamento de informações, em suma, por uma pedagogia da complexidade, que saiba trabalhar com conceitos transversáteis, abertos para a surpresa e o impre- visto. A teoria da corporeidade, desenvolvida por esse au- tor, propõe uma visão nova do conhecimento cujo ponto de partida é a profunda identidade entre processos vitais e processos de conhecimento. Onde não se propiciam processos vitais, tampouco se favorecem processos de conhecimento. E isto vale tanto para o plano biofísico quanto para a interação comunica- tiva. [...] Toda morfogênese do conhecimento é constituída por níveis emergentes a partir dos processos auto organi- zativos da corporeidade vida. Por isso, todo conhecimento tem uma inscrição corporal e se apoia numa complexa in- teração sensorial. O conhecimento humano nunca é pura operação mental. Toda ativação da inteligência está entre- tecida de emoções (Assmann, 1996). Ecopedagogia A ecopedagogia (óicos, do grego, morada, espaço ha- bitado), ou paradigma ecológico, propõe a recuperação do sentido humano do espaço habitado abrangendo tanto a dimensão biosférica quanto as dimensões socioinstitu- cionais e mentais (Moraes, 2000). Mais especificamente, é uma pedagogia que promove a aprendizagem do sentido das coisas a partir da vida cotidiana; é no cotidiano que se constrói a cultura da sustentabilidade, a cultura que valo- riza a vida, que promove o equilíbrio dinâmico entre seres viventes e não viventes (Gutiérrez, 1999). Os princípios da ecopedagogia acentuam a unidade de tudo o que existe, a inter-relação e auto-organização dos diferentes ecossiste- mas, o reconhecimento do global e do local na perspectiva de uma cidadania planetária, a centralidade do ser humano no processo educativo e a intersubjetividade, a educação voltada para a vida cotidiana. O conhecimento em rede A ideia básica da corrente do Conhecimento em rede é de que os conhecimentos disciplinares, assentados na visão moderna de razão, devem ceder lugar aos conhecimentos tecidos em redes relacionadas à ação cotidiana. O conheci- mento se constrói socialmente, não no sentido de assimi- lação da cultura anteriormente acumulada, mas no sentido de que ele emerge nas ações cotidianas, rompendo-se com a separação entre conhecimento científico e conhecimen- to cotidiano. Há uma vinculação do conhecimento com a prática social, que se caracteriza pela multiplicidade e complexidade de relações em meio das quais se criam e se trocam conhecimentos, tecendo redes de conhecimentos entre ossujeitos em interação. O conhecimento surge, por- tanto, das redes de relações em que as pessoas comparti- lham significados. Com isso, são eliminadas as fronteiras entre ciência e senso comum, entre conhecimento válido e conhecimento cotidiano. A escola é um espaço/tempo de relações múltiplas entre múltiplos sujeitos com saberes múltiplos, que aprendem/ensinam o tempo todo, múltiplos conteúdos de múltiplas maneiras (Alves, 2001). Correntes “pós-modernas” As correntes “pós-modernas” não se sentem confortá- veis em se autodenominar como pedagogias, assim como recusam as classificações. Entretanto, figuram aqui porque boa parte das publicações de autores brasileiros têm sido produzidas a partir do campo da educação e devido ao fato de serem acolhidas pelo campo científico da educa- ção. Por essa razão, as correntes pós-críticas podem ser entendidas como uma “pedagogia” já que influenciam as práticas docentes, mesmo pela sua negação. Elas se cons- tituem a partir das críticas às concepções globalizantes do destino humano e da sociedade, isto é, as metanarrativas, assentadas na razão, na ciência, no progresso, na autono- mia individual. Não há hoje aqueles valores transcenden- tes, aquelas crenças na transformação social, baseados na formação da consciência política, na ideia de que a história tem uma finalidade, que caminhamos para uma sociedade mais justa etc., tudo isso não tem mais muito fundamen- to, porque foi dessas ideias que apareceram os problemas 12 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS mais candentes da nossa época como a perda do poder do sujeito, a docilidade às estruturas, a exploração do traba- lho, a degradação ambiental etc. Não há direitos universais abstratos, mas direitos e vozes de cada grupo cultural, de cada comunidade. Hoje há muitos discursos, muitas lingua- gens particulares que são o que interessa: a cultura local, o feminismo, o pacifismo, a ecologia, o negro, o homosse- xual. Ou seja, não há mais uma consciência unitária, não há uma referência moral, teórica na qual se baseie o desenvol- vimento da consciência. O pós-estruturalismo A influência do pós-estruturalismo na educação apa- rece principalmente pela divulgação do pensamento de M. Foucault sobre as relações entre o saber e o poder nas ins- tituições educativas. O sistema educativo enquanto poder cria um saber para exercer controle sobre as pessoas, razão para lançar descrédito sobre a pedagogia, já que seu papel é formar o sujeito da modernidade, isto é, o sujeito sub- misso, disciplinado, submetido ao poder do outro. O saber está, pois, comprometido com o poder, sendo que essas relações de poder estão onipresentes, exercidas nas mais variadas instâncias como a família, a escola, a sala de aula. Se pode existir uma pedagogia, ela será desconstrutiva dos discursos, não construtiva. Muda o papel do professor, ele não pode mais ser aquele que forma a consciência crítica, que manipula as subjetividades dos alunos. A partir de temas centrais como o poder, a linguagem e a cultura, o pós-estruturalismo discute questões como a identidade/diferença, a subjetividade, os significados e as práticas discursivas, as relações gênero-raça-etnia-sexua- lidade, o multiculturalismo, os estudos culturais e os estu- dos feministas (Silva, 2004). É com base em investigações e análises ligadas a esses temas que as correntes pós-críticas aparecem nas estratégias pedagógico-didáticas nas esco- las. O neopragmatismo O neopragmatismo está associado à virada linguística pragmática iniciada por filósofos ligados à Filosofia Analí- tica, seu principal representante é R. Rorty. Em oposição à tradição positivista do conhecimento, valoriza no processo educativo as experiências pessoais do indivíduo, a intera- ção dialógica numa conversação aberta, contínua, intermi- nável. W. Doll Jr. (1997) escreve com base em Rorty que, ao contrário de uma busca de fundamentos fora de nós para avalizar nossas certezas, devemos considerar os aspectos particulares das situações nas quais não há nenhum início, nenhum fim estabelecido. Não se trata de buscar a verdade estabelecida, mas de criar significados nas interações dia- lógicas pessoais e públicas com os outros, com as histórias, com os textos. Nossa única fonte de orientação é a con- versação com nossos companheiros humanos, ela é o con- texto básico para compreender o conhecimento. É, pois, pela experiência, pelo diálogo, pela conversação, que os participantes fazem escolhas racionais, que são pessoais, históricas, vinculadas a uma situação concreta. O mesmo Doll Jr. denomina essa atitude de epistemologia experien- cial, em que o currículo é entendido como processo, em que os sujeitos criam e recriam a si próprios e a sua cul- tura, em contextos de conversação, de troca de narrativas, de forma a compreender como os outros constroem seus significados a partir de sua vivência em contextos culturais, linguísticos, interpretativos. Um agir pedagógico assentado nessa corrente rejeita imposições, valorizando as atitudes dos professores em suas ações e interações baseadas no diálogo; o currículo como processo que propicia a transformação pessoal, com base na experiência que o aluno vivencia ao aprender, ao transformar e ao ser transformado; propõe a discussão de problemas humanos “edificantes”, envolvendo a solidarie- dade, a diferença, o outro, visando experiências transfor- mativas nas pessoas. O conhecimento é aquilo que cria- mos, interativamente, dialogicamente, conversacionalmen- te, sempre dentro de nossa cultura e de sua linguagem. Em síntese, o neopragmatismo propõe uma visão de conhe- cimento e de construção humana em que se supera uma visão individualista, estática, por outra de caráter dialógico, comunicativo, de compartilhamento com os outros, reali- zada no mundo prático onde o conhecimento é produzido. Referência: LIBÂNEO, José Carlos. As Teorias Pedagógicas Moder- nas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo na Educação. Disponível em: http://www.ia.ufrrj.br/ppgea/conteudo/ T1SF/Akiko/03.pdf 1.2 PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO. Desde as décadas passadas, mais precisamente a par- tir do IX CBAS (Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais) em 1998, cujo temário trazia o termo Projeto éticopolítico, vem aumentando entre nós a necessidade de conhecer tal projeto. O relativo desconhecimento do Projeto éticopolítico pela categoria pode ser justificado pela precoce inserção do tema no debate do Serviço Social e, ainda (e em con- sequência disso), pela parca produção de conhecimentos acerca do tema – elemento fundamental para a socializa- ção das ideias criadas no seio de uma determinada van- guarda, no caso a profissional. Pode-se dizer que este relativo desconhecimento não eliminou a incorporação do projeto entre a categoria dos assistentes sociais. Ao contrário, é inegável que traços dele estão presentes no cotidiano dos assistentes sociais que o operam nas diversas situações profissionais. Mas, afinal, o que é o Projeto éticopolítico profissional do Serviço Social? Este brevíssimo texto apresenta os seus traços mais gerais sem a pretensão de esgotá-los. Trata-se de texto mais informativo que dissertativo, ainda que eiva- do de considerações crítico-valorativas. Nele apresentare- mos as origens históricas, o processo de consolidação e o momento atual do projeto, quando verificaremos as pecu- liaridades que o objetivam na realidade sócioprofissional. À guisa de introdução, vale a tentativa de destrinchar o termo projeto éticopolítico profissional. Trata-se de uma projeção coletiva que envolve sujeitos individuais e coleti- vos em torno de uma determinada valoração ética que está 13 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS intimamente vinculada a determinados projetos societários presentes na sociedadeque se relacionam com os diver- sos projetos coletivos (profissionais ou não) em disputa na mesma sociedade. Como surgiu este projeto, quem o criou e quando foi criado? Antes de qualquer coisa é preciso ter clareza da noção de projeto coletivo na medida em que o referido projeto éticopolítico existe como tal. Os projetos coletivos se re- lacionam com as diversas particularidades que envolvem os vários interesses sociais presentes numa determinada sociedade. Remetem-se ao gênero humano uma vez que, como projeções sóciohistóricas particulares, vinculam- -se aos interesses universais presentes no movimento da sociedade. Em outras palavras, os interesses particulares de determinados grupos sociais, como o dos assistentes sociais, não existem independentemente dos interesses mais gerais que movem a sociedade. Questões culturais, políticas e, fundamentalmente, econômicas articulam e constituem os projetos coletivos. Eles são impensáveis sem estes pressupostos, são infundados se não os remetemos aos projetos coletivos de maior abrangência: os projetos societários (ou projetos de sociedade). Quer dizer: os pro- jetos societários estão presentes na dinâmica de qualquer projeto coletivo, inclusive em nosso projeto éticopolítico. Os projetos societários podem ser, em linhas gerais, transformadores ou conservadores. Entre os transforma- dores há várias posições que têm a ver com as formas (as táticas e as estratégias) de transformação social. Assim, te- mos um pressuposto fundante do projeto éticopolítico: a sua relação ineliminável com os projetos de transformação ou de conservação da ordem social. Dessa forma, nosso projeto filia-se a um ou ao outro projeto de sociedade não se confundindo com ele. Mas, afinal, qual nosso projeto éticopolítico? Como ele é? Qual sua posição diante da ordem social? Não há dúvidas de que o projeto éticopolítico do Ser- viço Social brasileiro está vinculado a um projeto de trans- formação da sociedade. Esta vinculação se dá pela própria exigência que a dimensão política da intervenção profis- sional impõe. Ao atuarmos no movimento contraditório das classes, acabamos por imprimir uma direção social às nossas ações profissionais que favorecem a um ou a outro projeto societário. Nas diversas e variadas ações que efe- tuamos como plantões de atendimento, salas de espera, processos de supervisão e/ou planejamento de serviços sociais, das ações mais simples às intervenções mais com- plexas do cotidiano profissional, nelas mesmas, embutimos determinada direção social entrelaçada por uma valoração ética específica. As demandas (de classes, mescladas por várias outras mediações presentes nas relações sociais) que se apresen- tam a nós, encobrem seus reais determinantes e as ne- cessidades sociais que portam. Tendo consciência ou não, interpretando ou não as demandas de classes e suas ne- cessidades sociais que chegam até nós em nosso cotidiano profissional, dirigimos nossas ações favorecendo interesses sociais distintos e contraditórios. Nosso projeto éticopolítico é bem claro e explícito quanto aos seus compromissos. Ele “tem em seu núcleo o reconhecimento da liberdade como valor ético central – a liberdade concebida historicamente, como possibilidade de escolher entre alternativas concretas; daí um compro- misso com a autonomia, a emancipação e a plena expan- são dos indivíduos sociais. Consequentemente, o projeto profissional vincula-se a um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem social, sem dominação e/ou exploração de classe, etnia e gênero”. (Netto, 1999). Estes valores foram construídos historicamente, como ve- remos a seguir. Brevíssimo histórico Desde os anos 70, mais precisamente no final daque- la década, o Serviço Social brasileiro vem construindo um projeto profissional comprometido com os interesses das classes trabalhadoras. A chegada entre nós dos princípios e ideias do Movimento de Reconceituação deflagrado nos diversos países latino-americanos somada à voga do pro- cesso de redemocratização da sociedade brasileira forma- ram o chão histórico para a transição para um Serviço So- cial renovado, através de um processo de ruptura teórica, política (inicialmente mais políticoideológica do que teó- rico-filosófica) com os quadrantes do tradicionalismo que imperavam entre nós. É sabido que, politicamente, este processo teve seu marco no III CBAS, em 1979, na cida- de de São Paulo, quando, de forma organizada, uma van- guarda profissional virou uma página na história do Serviço Social brasileiro ao destituir a mesa de abertura composta por nomes oficiais da ditadura, trocando-a por nomes ad- vindos do movimento dos trabalhadores. Este congresso ficou conhecido como o “Congresso da Virada”. Pode-se localizar aí a gênese do projeto éticopolítico, na segunda metade da década de 70. Este mesmo proje- to avançou nos anos 80, consolidou-se nos 90 e está em construção, fortemente tensionado pelos rumos neolibe- rais da sociedade e por uma nova reação conservadora no seio da profissão na década que transcorre. O avanço do projeto nos anos 80 deveu-se à constru- ção de elementos que o matizaram entre nós, dentre eles, o Código de Ética de 1986. Nele tivemos o coroamento da virada histórica promovida pelas vanguardas profissionais. Tratou-se da primeira tentativa de tradução não só legítima como legal (através do órgão de fiscalização profissional, o CFAS - Conselho Federal de Assistentes Sociais, hoje CFESS) da inversão ético-política do Serviço Social brasileiro, amar- rando seus compromissos aos das classes trabalhadoras. É bem verdade que soava mais como uma carta de princípios e de compromissos ideopolíticos do que um código de éti- ca que, por si só, exige certo teor prático-normativo. Mas, por outro lado, ao demarcar seus compromissos, mais que explicitamente, não deixava dúvidas de “qual lado” estáva- mos. Nesta mesma década, aferem-se também avanços em torno do projeto no que tange à produção teórica que dá saltos significativos tanto quantitativamente quanto quali- tativamente, trazendo temas fundamentais ao processo de renovação tais como a questão da metodologia, as políti- cas sociais e os movimentos sociais. 14 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS O processo de consolidação do projeto pode ser cir- cunscrito à década de 90 que explicita a nossa maturidade profissional através de um escopo significativo de centros de formação (referimo-nos às pós-graduações) que ampli- ficou a produção de conhecimentos entre nós. Nesta época também se pode atestar a maturidade político-organizati- va da categoria através de suas entidades e de seus fóruns deliberativos. Pense-se nos CBAS’s dos anos 90 que ex- pressaram um crescimento incontestável da produção de conhecimentos e da participação numérica dos assistentes sociais. A década que se inicia nos mostra dois processos inter- relacionados: a continuidade do processo de consolidação do projeto éticopolítico e as ameaças que sofre diante das políticas neoliberais que repercutem no seio da categoria sob a forma de um neoconservadorismo profissional. A partir destas problematizações históricas podería- mos chegar a algumas conclusões acerca do nosso projeto éticopolítico profissional. Com Netto, o definiríamos da se- guinte maneira: “Os projetos profissionais [inclusive o pro- jeto éticopolítico do Serviço Social] apresentam a autoima- gem de uma profissão, elegem os valores que a legitimam socialmente, delimitam e priorizam os seus objetivos e funções, formulam os requisitos (teóricos e, institucionais e práticos) para o seu exercício, prescrevem normas para o comportamento dos profissionais e estabelecem as balizas da sua relação com os usuários de seus serviços, com as outras profissões e com as organizaçõese instituições so- ciais, privadas e públicas (...)” (1999) Em suma, o projeto articula em si mesmo os seguintes elementos constitutivos: “uma imagem ideal da profissão, os valores que a legitimam, sua função social e seus obje- tivos, conhecimentos teóricos, saberes interventivos, nor- mas, práticas, etc.” (Netto, 1999) Componentes que materializam o projeto éticopolítico Mas o que dá materialidade ao projeto? Vimos que os profissionais individualmente podem operá-lo através das várias modalidades interventivas da profissão, ou seja, o projeto pode se concretizar em nossas próprias ações pro- fissionais cotidianas. No entanto, o que sistematiza essas diversas modalidades interventivas, essas variadas ações profissionais, aparentemente isoladas, como projeto cole- tivo? Em outras palavras, que mecanismos políticos, instru- mentos/documentos legais e referenciais teóricos empres- tam não só legitimidade como também operacionalidade prático-político e prático-normativo ao projeto? Vejamos. O entendimento dos elementos constitutivos que em- prestam materialidade ao projeto pode se dar a partir de três dimensões articuladas entre si, quais sejam: a) a di- mensão da produção de conhecimentos no interior do Serviço Social; b) a dimensão político-organizativa da ca- tegoria; c) dimensão jurídico-política da profissão. Vejamos cada uma delas. a) Dimensão da produção de conhecimentos no in- terior do Serviço Social: É a esfera de sistematização das modalidades práticas da profissão, onde se apresentam os processos reflexivos do fazer profissional e especulativos e prospectivos em relação a ele. Esta dimensão investiga- tiva da profissão tem como parâmetro a afinidade com as tendências teórico-críticas do pensamento social. Dessa forma, não cabem no projeto éticopolítico contemporâ- neo, posturas teóricas conservadoras, presas que estão aos pressupostos filosóficos cujo horizonte é a manutenção da ordem. b) Dimensão político-organizativa da profissão: Aqui se assentam tanto os fóruns de deliberação quanto as en- tidades representativas da profissão. Fundamentalmente, o conjunto CFESS/CRESS (Conselho Federal e Regionais de Serviço Social) a ABEPSS (Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social) e as demais associações po- lítico-profissionais, além do movimento estudantil repre- sentado pelo conjunto de CA’s e DA’s (Centros e Diretórios Acadêmicos das escolas de Serviço Social) e pela ENESSO (Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social). É através dos fóruns consultivos e deliberativos destas enti- dades representativas que são tecidos os traços gerais do projeto, quando são reafirmados (ou não) determinados compromissos e princípios. Assim, subentende-se que o projeto éticopolítico (como uma projeção) pressupõe, em si mesmo, um espaço democrático, aberto, em construção e em permanente tensão e conflito. Esta constatação indica a coexistência de diferentes concepções do pensamento crítico, ou seja, o pluralismo de ideias no seu interior. c) Dimensão jurídico-política da profissão: Temos aqui o aparato jurídico-político e institucional da profissão que envolve um conjunto de leis e resoluções, documen- tos e textos políticos consagrados no seio profissional. Há nessa dimensão duas esferas diferenciadas, porém arti- culadas, são elas: um aparato político-jurídico de caráter estritamente profissional; e um aparato jurídico-político de caráter mais abrangente. No primeiro caso, temos de- terminados componentes construídos e legitimados pela categoria tais como: o atual Código de Ética Profissional, a Lei de Regulamentação da Profissão (Lei 8662/93) e as novas Diretrizes Curriculares recentemente aprovadas pelo MEC. No segundo, temos o conjunto de leis advindas do capítulo da Ordem Social da Constituição Federal de 1988 que, embora não exclusivo da categoria, foi fruto de lutas que envolveram os assistentes sociais e, por outro lado, faz parte do cotidiano profissional de tal forma que pode fun- cionar como instrumento viabilizador de direitos através das políticas sociais que executamos e/ou planejamos. Vale ressaltar que neste conjunto de leis e resoluções atinentes à profissão e ao seu projeto éticopolítico encon- tram-se realizados, direta ou indiretamente, valores que contornam o projeto. Essas dimensões articuladas entre elas compõem o corpo material do projeto ético político profissional que, como foi dito, deve ser compreendido como uma constru- ção coletiva que, como tal, tem uma determinada direção social que envolve, valores, compromissos sociais e princí- pios que estão em permanente discussão exatamente por- que participante que é do movimento vivo e contraditório das classes na sociedade. O sucesso do projeto depende de análises precisas das condições subjetivas e objetivas da realidade para sua realização bem como de ações polí- ticas coerentes com seus compromissos e iluminadas pelas mesmas análises. 15 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS A seguir trazemos as referências bibliográficas utiliza- das para a construção deste texto e uma indicação biblio- gráfica para aprofundamento do tema que foi sumaria- mente tratado aqui. Referência: IAMAMOTO, M.V. (1992) Renovação e Conservado- rismo no Serviço Social. São Paulo: Cortez. ______(1998) O Serviço Social na Contemporaneidade. São Paulo: Cortez. NETTO, J.P. (1999) “A construção do projeto éticopo- lítico contemporâneo” in Capacitação em Serviço Social e Política Social. Módulo 1 – Brasília: Cead/ABEPSS/CFESS. ______ (1996), “Transformações Societárias e Serviço So- cial. Notas para uma análise prospectiva da profissão no Brasil”. Serviço Social e Sociedade. São Paulo: Cortez, Ano XVII. No. 50, abril de 1996. * Texto de REIS, M. B. M. dos. Notas sobre o Projeto éticopolítico do Serviço Social. 2 A DIDÁTICA E O PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM. 2.1 ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO DIDÁTICO: PLANEJAMENTO, ESTRATÉGIAS E METODOLOGIAS, AVALIAÇÃO. 2.2 A SALA DE AULA COMO ESPAÇO DE APRENDIZAGEM E INTERAÇÃO. 2.3 A DIDÁTICA COMO FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO DO FAZER DOCENTE. 2 A DIDÁTICA E O PROCESSO DE ENSINO E APREN- DIZAGEM. A aprendizagem é um processo contínuo que ocorre durante toda a vida do indivíduo, desde a mais tenra infân- cia até a mais avançada velhice. Normalmente uma criança deve aprender a andar e a falar; depois a ler e escrever, aprendizagens básicas para atingir a cidadania e a partici- pação ativa na sociedade. Já os adultos precisam aprender habilidades ligadas a algum tipo de trabalho que lhes for- neça a satisfação das suas necessidades básicas, algo que lhes garanta o sustento. As pessoas idosas embora nossa sociedade seja reticente quanto às suas capacidades de aprendizagem podem continuar aprendendo coisas com- plexas como um novo idioma ou ainda cursar uma faculda- de e virem a exercer uma nova profissão. O desenvolvimento geral do indivíduo será resultado de suas potencialidades genéticas e, sobretudo, das habili- dades aprendidas durante as várias fases da vida. A apren- dizagem está diretamente relacionada com o desenvolvi- mento cognitivo. As passagens pelos estágios da vida são marcadas por constante aprendizagem. “Vivendo e aprendendo”, diz a sabedoria popular. Assim, os indivíduos tendem a melho- rar suas realizações nas tarefas que a vida lhes impõe. A aprendizagem permite ao sujeito compreender melhor as coisas que estão à sua volta, seus companheiros, a natureza e a si mesmo, capacitando-o a ajustar-se ao seu ambiente físico e social. A teoria da instrução de Jerome Bruner (1991), um au- têntico representante da abordagem cognitiva, traz con- tribuições significativas ao processo ensino-aprendizagem, principalmente à aprendizagem desenvolvida nas escolas. Sendo uma teoria cognitiva,apresenta a preocupação com os processos centrais do pensamento, como organização do conhecimento, processamento de informação, raciocí- nio e tomada de decisão. Considera a aprendizagem como um processo interno, mediado cognitivamente, mais do que como um produto direto do ambiente, de fatores ex- ternos ao aprendiz. Apresenta-se como o principal defen- sor do método de aprendizagem por descoberta (insight). A teoria de Bruner apresenta muitos pontos semelhan- tes às teorias de Gestalt e de Piaget. Bruner considera a existência de estágios durante o desenvolvimento cogniti- vo e propõe explicações similares às de Piaget, quanto ao processo de aprendizagem. Atribui importância ao modo como o material a ser aprendido é disposto, assim como Gestalt, valorizando o conceito de estrutura e arranjos de ideias. “Aproveitar o potencial que o indivíduo traz e va- lorizar a curiosidade natural da criança são princípios que devem ser observados pelo educador”. A escola não deve perder de vista que a aprendizagem de um novo conceito envolve a interação com o já apren- dido. Portanto, as experiências e vivências que o aluno traz consigo favorecem novas aprendizagens. Bruner chama a atenção para o fato de que as matérias ou disciplinas tais como estão organizadas nos currículos, constituem-se muitas vezes divisões artificiais do saber. Por isso, várias disciplinas possuem princípios comuns sem que os alunos – e algumas vezes os próprios professores – analisem tal fato, tornando o ensino uma repetição sem sentido, em que apenas respondem a comandos arbitrários, Bruner propõe o ensino pela descoberta. O método da descober- ta não só ensina a criança a resolver problemas da vida prática, como também garante a ela uma compreensão da estrutura fundamental do conhecimento, possibilitando assim economia no uso da memória, e a transferência da aprendizagem no sentido mais amplo e total. Segundo Bock (2001), a preocupação de Bruner é que a criança aprenda a aprender corretamente, ainda que “cor- retamente” assuma, na prática, sentidos diferentes para as diferentes faixas etárias. Para que se garanta uma apren- dizagem correta, o ensino deverá assegurar a aquisição e permanência do aprendido (memorização), de forma a facilitar a aprendizagem subsequente (transferência). Este é um método não estruturado, portanto o professor deve estar preparado para lidar com perguntas e situações di- versas. O professor deve conhecer a fundo os conteúdos a serem tratados. Deve estar apto a conhecer respostas corretas e reconhecer quando e porque as respostas alter- nativas estão erradas. Também necessita saber esperar que os alunos cheguem à descoberta, sem apressa-los, mas ga- rantindo a execução de um programa mínimo. Deve tam- bém ter cuidado para não promover um clima competitivo que gere, ansiedade e impeça alguns alunos de aprender. 16 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS O modelo de ensino e aprendizagem de David P. Au- subel (1980) caracteriza-se como um modelo cognitivo que apresenta peculiaridades bastante interessantes para os professores, pois centraliza-se, primordialmente, no processo de aprendizagem tal como ocorre em sala de aula. Para Ausubel, aprendizagem significa organização e integração do material aprendido na estrutura cognitiva, estrutura esta na qual essa organização e integração se processam. Psicólogos e educadores têm demonstrado uma cres- cente preocupação com o modo como o indivíduo apren- de e, desde Piaget, questões do tipo: “Como surge o co- nhecer no ser humano? Como o ser humano aprende? O conhecimento na escola é diferente do conhecimento da vida diária? O que é mais fácil esquecer?” atravessaram as investigações científicas. Assim, deve interessar à escola saber como criança, adolescentes e adultos elaboram seu conhecer, haja vista que a aquisição do conhecimento é a questão fundamental da educação formal. A psicologia cognitiva preocupa responder estas ques- tões estudando o dinamismo da consciência. A aprendi- zagem é, portanto, a mudança que se preocupa com o eu interior ao passar de um estado inicial a um estado final. Implica normalmente uma interação do indivíduo com o meio, captando e processando os estímulos selecionados. O ato de ensinar envolve sempre uma compreensão bem mais abrangente do que o espaço restrito do profes- sor na sala de aula ou às atividades desenvolvidas pelos alunos. Tanto o professor quanto o aluno e a escola encon- tram-se em contextos mais globais que interferem no pro- cesso educativo e precisam ser levados em consideração na elaboração e execução do ensino. Ensinar algo a alguém requer, sempre, duas coisas: uma visão de mundo (incluídos aqui os conteúdos da apren- dizagem) e planejamento das ações (entendido como um processo de racionalização do ensino). A prática de pla- nejamento do ensino tem sido questionada quanto a sua validade como instrumento de melhoria qualitativa no pro- cesso de ensino como o trabalho do professor: [...] a vivência do cotidiano escolar nos tem evidencia- do situações bastante questionáveis neste sentido. Perce- be-se, de início, que os objetivos educacionais propostos nos currículos dos cursos apresentam confusos e desvincu- lados da realidade social. Os conteúdos a serem trabalha- dos, por sua vez, são definidos de forma autoritária, pois os professores, via re regra, não participam dessa tarefa. Nes- sas condições, tendem a mostrar-se sem elos significativos com as experiências de vida dos alunos, seus interesses e necessidades. De modo geral, no meio escolar, quando se faz refe- rência a planejamento do ensino – aprendizagem, este se reduz ao processo através do qual são definidos os ob- jetivos, o conteúdo programático, os procedimentos de ensino, os recursos didáticos, a sistemática de avaliação da aprendizagem, bem como a bibliografia básica a ser consultada no decorrer de um curso, série ou disciplina de estudo. Com efeito, este é o padrão de planejamento adotado pela maioria dos professores e que passou a ser valorizado apenas em sua dimensão técnica. Em nosso entendimento a escola faz parte de um con- texto que engloba a sociedade, sua organização, sua estru- tura, sua cultura e sua história. Desse modo, qualquer pro- jeto de ensino – aprendizagem está ligado a este contexto e ao modo de cultura que orienta um modelo de homem e de mulher que pretendemos formar, para responder aos desafios desta sociedade. Por esta razão, pensamos que é de fundamental importância que os professores saibam que tipo de ser humano pretendem formar para esta so- ciedade, pois disto depende, em grande parte, as escolhas que fazemos pelos conteúdos que ensinamos, pela me- todologia que optamos e pelas atitudes que assumimos diante dos alunos. De certo modo esta visão limitada ou potencializada o processo ensino-aprendizagem não de- pende das políticas públicas em curso, mas do projeto de formação cultural que possui o corpo docente e seu com- promisso com objeto de estudo. Como o ato pedagógico de ensino-aprendizagem constitui-se, ao longo prazo, num projeto de formação hu- mana, propomos que esta formação seja orientada por um processo de autonomia que ocorra pela produção autôno- ma do conhecimento, como forma de promover a demo- cratização dos saberes e como modo de elaborar a crítica da realidade existente. Isto quer dizer que só há crítica se houver produção autônoma do conhecimento elaborado através de uma prática efetiva da pesquisa. Entendemos que é pela prática da pesquisa que exercitamos a reflexão sobre a realidade como forma de sistematizar metodologicamente nosso olhar sobre o mundo para podermos agir sobre os proble- mas. Isto quer dizer que não pesquisamos por pesquisar e nem refletimos por refletir. Tanto a reflexão quanto à pes- quisa são meiospelos quais podemos agir como sujeitos transformadores da realidade social. Isto indica que nosso trabalho, como professores, é o de ensinar a aprender para que o conhecimento construído pela aprendizagem seja um poderoso instrumento de combate às formas de injus- tiças que se reproduzem no interior da sociedade. Piaget (1969), foi quem mais contribuiu para com- preendermos melhor o processo em que se vivencia a construção do conhecimento no indivíduo. Apresentamos as ideias básicas de Piaget sobre o de- senvolvimento mental e sobre o processo de construção do conhecimento, que são adaptação, assimilação e aco- modação. Piaget diz que o indivíduo está constantemente intera- gindo com o meio ambiente. Dessa interação resulta uma mudança contínua, que chamamos de adaptação. Com sentido análogo ao da Biologia, emprega a palavra adapta- ção para designar o processo que ocasiona uma mudança contínua no indivíduo, decorrente de sua constante intera- ção com o meio. Esse ciclo adaptativo é constituído por dois subproces- sos: assimilação e acomodação. A assimilação está relacio- nada à apropriação de conhecimentos e habilidade. O pro- cesso de assimilação é um dos conceitos fundamentais da teoria da instrução e do ensino. Permite-nos entender que o ato de aprender é um ato de conhecimento pelo qual assimilamos mentalmente os fatos, fenômenos e relações 17 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS do mundo, da natureza e da sociedade, através do estudo das matérias de ensino. Nesse sentido, podemos dizer que a aprendizagem é uma relação cognitiva entre o sujeito e os objetos de conhecimento. A acomodação é que ajuda na reorganização e na modificação dos esquemas assimilatórios anteriores do indivíduo para ajustá-los a cada nova experiência, acomo- dando-as às estruturas mentais já existentes. Portanto, a adaptação é o equilíbrio entre assimilação e acomodação, e acarreta uma mudança no indivíduo. A inteligência desempenha uma função adaptativa, pois é através dela que o indivíduo coleta as informações do meio e as reorganiza, de forma a compreender melhor a realidade em que vive, nela agi, transformando. Para Piaget (1969), a inteligência é adaptação na sua forma mais eleva- da, isto é, o desenvolvimento mental, em sua organização progressiva, é uma forma de adaptação sempre mais pre- cisa à realidade. É preciso ter sempre em mente que Piaget usa a palavra adaptação no sentido em que é usado pela Biologia, ou seja, uma modificação que ocorre no indivíduo em decorrência de sua interação com o meio. Portanto, é no processo de construção do conhecimen- to e na aquisição de saberes que devemos fazer com que o aluno seja motivado a desenvolver sua aprendizagem e ao mesmo tempo superar as dificuldades que sentem em assimilar o conhecimento adquirido. Referência: MOTA, M. S. G.; PEREIRA, F. E. L. Desenvolvimento e Aprendizagem: Processo de construção do conhecimento e desenvolvimento mental do indivíduo. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf3/tcc_desen- volvimento.pdf OS OBJETIVOS E CONTEÚDOS DE ENSINO Libâneo, em seu livro “Didática”, aborda a relação entre os componentes do processo de ensino, determina a uni- dade entre objetivos-conteúdos e destes com os métodos. Os objetivos determinam de antemão os resultados esperados do processo entre o professor e aluno, deter- minam também a gama de habilidades e hábitos a serem adquiridos. Já os conteúdos formam a base da instrução. O método por sua vez é a forma com que estes objetivos e conteúdos serão ministrados na prática ao aluno. A importância dos objetivos educacionais A prática educacional baseia-se nos objetivos por meio de uma ação intencional e sistemática para oferecer apren- dizagem. Desta forma os objetivos são fundamentais para determinação de propósitos definidos e explícitos quanto às qualidades humanas que precisam ser adquiridas. Os objetivos têm pelo menos três referências fundamentais para a sua formulação. 1. Os valores e idéias ditos na legislação educacional. 2. Os conteúdos básicos das ciências, produzidos na história da humanidade. 3. As necessidades e expectativas da maioria da sociedade. É importante destacar que estas três referências não devem ser tomadas separadamente, pois devem se apre- sentar juntos no ambiente escolar. Devemos ter claro que o trabalho docente é uma atividade que envolve opções so- bre nosso conceito de sociedade, pois isto vai determinar a relação com os alunos. Isto prova que sempre consciente- mente ou não, temos ou traçamos objetivos. Objetivos gerais e objetivos específicos Os objetivos são o marco inicial do processo pedagó- gico e social, segundo Libâneo. Os objetivos gerais expli- cam-se a partir de três níveis de abrangência. O primeiro nível é o sistema escolar que determina as finalidades edu- cativas de acordo com a sociedade em que está inserido; o segundo é determinado pela escola que estabelece as diretrizes e princípios do trabalho escolar; o terceiro nível é o professor que concretiza tudo isto em ações práticas na sala de aula. Alguns objetivos educacionais podem auxiliar os pro- fessores a determinar seus objetivos específicos e conteú- dos de ensino. Entre estes objetivos educacionais desta- cam-se: a) colocar a educação no conjunto de lutas pela democratização da sociedade; b) oferecer a todos as crian- ças, sem nenhum tipo de discriminação cultural, racial ou política, uma preparação cultural e científica a partir do ensino das materiais; c) assegurar a estas crianças o desen- volvimento máximo de suas potencialidades; d) formar nos alunos a capacidade crítica e criativa em relação a matérias e sua aplicação; e) formar convicções para a vida futura; f) institucionalizar os processos de participação envolvendo todas as partes formadoras da realidade escolar. Os conteúdos de Ensino Desde o início do livro, o autor vem reiterando a ideia que as escolas têm, como tarefa fundamental, a democra- tização dos conhecimentos, garantindo uma base cultural para jovens e crianças. Sob este aspecto, muitos professo- res fazem a ideia que os conteúdos são o conhecimento corresponde a cada matéria, ou mesmo, que são a matéria do livro didático. O autor fala que esta visão não é com- plemente errada, pois há sempre três elementos no ensi- no: matéria, professor e o aluno. Neste aspecto, devemos estudar o ensino dos conteúdos como uma ação recíproca entre a matéria, o ensino e o estudo dos alunos. Por isto é muito importante que os conteúdos tenham em si momen- tos de vivências práticas para dar significado aos mesmos. Definindo os conteúdos, eles são o conjunto de conhe- cimentos, habilidades, hábitos, modos valorativos e atitu- des, organizados pedagógica e didaticamente, buscando a assimilação ativa e aplicação prática na vida dos alunos. Agora uma questão importante, apresentada no livro, é a de quem deve escolher os conteúdos de ensino? Certa- mente, deve-se considerar que cabe ao professor, em últi- ma instancia, esta tarefa. Nesta tarefa o professor enfrenta pelo menos dois questionamentos fundamentais: Que con- teúdos e que métodos? 18 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS Para responder a primeira pergunta, o autor diz que há três fontes para o professor selecionar os seus conteúdos do plano de ensino, a primeira é a programação oficial para cada disciplina; a segunda, conteúdos básicos das ciências transformados em matérias de estudo; a terceira, exigên- cias teóricas práticas colocadas na vida dos alunos e sua inserção social. Porém, a escolha do conteúdo vai além destas três exigências, para entendermos, tem-se que observá-las em outros sentidos. Um destes sentidos é a participação na prática social; outro sentido fundamental é a prática da vida cotidianodos alunos, da família, do trabalho, do meio cultural, fornecendo fatos a serem conectados ao estudo das matérias. O terceiro destes sentidos refere-se à própria condição de rendimento escolar dos alunos. Nesta visão, há uma dimensão crítico-social dos con- teúdos, e esta se manifesta no tratamento científico dado ao conteúdo, no seu caráter histórico, na intenção de vín- culo dos conteúdos com a realidade da vida dos alunos. Em síntese, esta dimensão crítica-social dos conteúdos nada mais é do que uma metodologia de estudo e interpretação dos objetivos do ensino. Na atual sociedade, apesar do que foi visto anterior- mente, tem-se conteúdos diferentes para diversas esferas e classes sociais, estas diferenças ratificam os privilégios existentes na divisão de classes já estabelecida pelo siste- ma capitalista. Neste sentido, os livros didáticos oferecidos no ensino das disciplinas, além de sistematizar e difundir conhecimentos, servem também para encobrir estas di- ferenças, ou mesmo, escamotear fatos da realidade para evitar contradições com sua orientação sócio-cultural–po- lítica. Com isto, o professor deve sempre analisar os textos e livros que vai usar com os alunos, no sentido de oferecer um ensino igualitário que possa olhar criticamente estas máscaras da sociedade. Conhecer o conteúdo da matéria e ter uma sensibilida- de crítica pode facilitar esta tarefa por parte do professor. Critérios de seleção Aqui, o autor propõe uma forma mais didática de re- solver esta difícil tarefa de selecionar os conteúdos a serem ministrados em sala de aula. Abaixo, coloca-se esta forma ordenada de elaborar os conteúdos de ensino: 1. Correspondência entre os objetivos gerais e os con- teúdos. 2. Caráter científico. 3. Caráter sistemático. 4. Relevância social. 5. Acessibilidade e solidez. OS MÉTODOS DE ENSINO Como já se viu anteriormente, os métodos são deter- minados pela relação objetivo-conteúdo, sendo os meios para alcançar objetivos gerais e específicos de ensino. Tem- -se, assim, que as características dos métodos de ensino: estão orientados para os objetivos, implicam numa suces- são planejada de ações, requerem a utilização de meios. Conceito de métodos de ensino Um conceito simples de método é ser o caminho para atingir um objetivo. São métodos adequados para realizar os objetivos. É importante entender que cada ramo do co- nhecimento desenvolve seus próprios métodos, observa-se então métodos matemáticos, sociológicos, pedagógicos, entre outros. Já ao professor em sala de aula cabe estimu- lar e dirigir o processo de ensino utilizando um conjunto de ações, passos e procedimentos que chamamos também de método. Agora não se pode pensar em método como apenas um conjunto de procedimentos, este é apenas um detalhe do método. Portanto, o método corresponde à se- qüência de atividades do professor e do aluno. A relação objetivo-conteúdo-método Um entendimento global sobre esta relação é que os métodos não têm vida sem os objetivos e conteúdos, dessa forma a assimilação dos conteúdos depende dos métodos de ensino e aprendizagem. Com isto, a maior característica deste processo é a interdependência, onde o conteúdo de- termina o método por ser a base informativa dos objetivos, porém, o método também pode ser conteúdo quando for objeto da assimilação. O que realmente importa é que esta relação de unida- de entre objetivo-conteúdo–método constitua a base do processo didático. Os princípios básicos do ensino Estes princípios são os aspectos gerais do processo de ensino que fundamentam teoricamente a orientação do trabalho docente. Estes princípios também e fundamental- mente indicam e orientam a atividade do professor rumo aos objetivos gerais e específicos. Estes princípios básicos de ensino são: 1. Ter caráter científico e sistemático – O professor deve buscar a explicação científica do conteúdo; orientar o estu- do independente, utilizando métodos científicos; certificar- -se da consolidação da matéria anterior antes de introduzir as matérias novas; organizar a seqüência entre conceitos e habilidades; ter unidade entre objetivos-conteúdos-méto- dos; organizar a aula integrando seu conteúdo com as de- mais matérias; favorecer a formação, atitudes e convicções. 2. Ser compreensível e possível de ser assimilado – Na prática, para se entender estes conceitos, deve-se: dosar o grau de dificuldade no processo de ensino; fazer um diag- nóstico periódico; analisar a correspondência entre o nível de conhecimento e a capacidade dos alunos; proporcionar o aprimoramento e a atualização constante do professor. 3. Assegurar a relação conhecimento-prática – Para oferecermos isto aos alunos deve-se: estabelecer vínculos entre os conteúdos e experiências e problemas da vida prá- tica; pedir para os alunos sempre fundamentarem aquilo que realizam na prática; mostrar a relação dos conheci- mentos com o de outras gerações. 4. Assentar-se na unidade ensino-aprendizagem – ou seja, na prática: esclarecer os alunos sobre os objetivos das aulas, a importância dos conhecimentos para a seqüência 19 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS do estudo; provocar a explicitação da contradição entre idéias e experiências; oferecer condições didáticas para o aluno aprender independentemente; estimular o aluno a defender seus pontos de vista e conviver com o diferen- te; propor tarefas que exercitem o pensamento e soluções criativas; criar situações didáticas que ofereçam aplicar conteúdos em situações novas; aplicar os métodos de so- luções de problemas. 5. Garantir a solidez dos conhecimentos 6. Levantar vínculos para o trabalho coletivo-particu- laridades individuais, deve-se adotar as seguintes medidas para isto acontecer: explicar com clareza os objetivos; de- senvolver um ritmo de trabalho que seja possível da tur- ma acompanhar; prevenir a influência de particularidades desfavoráveis ao trabalho do professor; respeitar e saber diferenciar cada aluno e seus ritmos específicos. Classificação dos métodos de ensino Sabe-se que existem vários tipos de classificação de métodos, seguindo determinados autores, no nosso estu- do, o autor define os métodos de ensino como estando intimamente ligados com os métodos de aprendizagem, sob este ponto de vista o eixo do processo é a relação cog- noscitiva entre o aluno e professor. Pode-se diferenciar es- tes métodos segundo suas direções, podendo ser externo e interno. A partir disto, o autor lista todos os métodos mais conhecidos de atividade em sala de aula por parte do professor. 1. Método de exposição pelo professor – Este método é o mais usado na escola, onde o aluno assume uma posi- ção passiva perante a matéria explanada. Ele pode ser de vários tipos de exposição: verbal, demonstração, ilustração, exemplificação. 2. Método de trabalho independente – consiste em ta- refas dirigidas e orientadas pelo professor para os alunos resolverem de maneira independente e criativa. Este méto- do tem, na atitude mental do aluno, seu ponto forte. Tem também a possibilidade de apresentar fases com a tarefa preparatória, tarefa de assimilação de conteúdos, tarefa de elaborarão pessoal. Uma das formas mais conhecidas de trabalho independente é o estudo dirigido individual ou em duplas. 3. Método de elaboração conjunta – é um método de interação entre o professor e o aluno visando obter novos conhecimentos. 4. Método de trabalho de grupo – consiste em distri- buir tarefas iguais ou não a grupos de estudantes, o autor cita de três a cinco pessoas. Têm-se também formas es- pecíficas de trabalhos de grupos comuns: debate, Philips 66, tempestade mental, grupo de verbalização, grupo de observação (GV-GO), seminário. 5. Atividades especiais – são aquelas que complemen- tam os métodos de ensino. Meios de ensinoSão todos os meios e recursos materiais utilizados pelo professor ou alunos para organizar e conduzir o ensino e a aprendizagem. Os equipamentos usados em sala de aula (do quadro-negro até o computador) são meios de ensino gerais possíveis de serem usados em todas as matérias. É importante que os professores saibam e dominem estes equipamentos para poderem usá-los em sala de aula com eficácia. Fonte LIBÂNEO. J. C. Didática. Cortez, 1994 2.1 ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO DIDÁTICO: PLA- NEJAMENTO, ESTRATÉGIAS E METODOLOGIAS, AVA- LIAÇÃO. PLANEJAMENTO DE ENSINO E SEUS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS Em se tratando da prática docente, faz- se necessário ainda mais desenvolver um planejamento. Neste caso, o ensino, tem como principal função garantir a coerência en- tre as atividades que o professor faz com seus alunos e, além disso, as aprendizagens que pretende proporcionar a eles. Então, pode-se dizer que a forma de planejar deve focar a relação entre o ensinar e o aprender. Dentro do planejamento de ensino, deve-se desenvol- ver um processo de decisão sobre a atuação concreta por parte dos professores, na sua ação pedagógica, envolven- do ações e situações do cotidiano que acontecem através de interações entre alunos e professores. O professor que deseja realizar uma boa atuação do- cente sabe que deve participar, elaborar e organizar planos em diferentes níveis de complexidade para atender, em classe, seus alunos. Pelo envolvimento no processo ensino- -aprendizagem, ele deve estimular a participação do aluno, a fim de que este possa, realmente, efetuar uma aprendiza- gem tão significativa quanto o permitam suas possibilida- des e necessidades. O planejamento, neste caso, envolve a previsão de resultados desejáveis, assim como também os meios ne- cessários para os alcançar. A responsabilidade do mestre é imensa. Grande parte da eficácia de seu ensino depende da organicidade, coerência e flexibilidade de seu planeja- mento. O planejamento de ensino é que vai nortear o trabalho do professor e é sobre ele que far-se-á uma reflexão maior neste texto. Fases do planejamento de ensino e sua importância no processo de ensino e aprendizagem O planejamento faz parte de um processo constante através do qual a preparação, a realização e o acompanha- mento estão intimamente ligados. Quando se revisa uma ação realizada, prepara-se uma nova ação num processo contínuo e sem cortes. No caso do planejamento de ensi- no, uma previsão bem-feita do que será realizado em clas- se, melhora muito o aprendizado dos alunos e aperfeiçoa a prática pedagógica do professor. Por isso é que o planeja- mento deve estar “recheado” de intenções e objetivos, para que não se torne um ato meramente burocrático, como 20 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS acontece em muitas escolas. A maneira de se planejar não deve ser mecânica, repetitiva, pelo contrário, na realização do planejamento devem ser considerados, combinados en- tre si, os seguintes aspectos: 1) Considerar os alunos não como uma turma homo- gênea, mas a forma singular de apreender de cada um, seu processo, suas hipóteses, suas perguntas a partir do que já aprenderam e a partir das suas histórias; 2) Considerar o que é importante e significativo para aquela turma. Ter claro onde se quer chegar, que recorte deve ser feito na História para escolher temáticas e que atividades deverão ser implementadas, considerando os interesses do grupo como um todo. Para considerar os conhecimentos dos alunos é neces- sário propor situações em que possam mostrar os seus co- nhecimentos, suas hipóteses durante as atividades imple- mentadas, para que assim forneçam pistas para a continui- dade do trabalho e para o planejamento das ações futuras. É preciso pensar constantemente para quem serve o planejamento, o que se está planejando e para quê vão servir as suas ações. Algumas indagações auxiliam quando se está cons- truindo um planejamento. Seguem alguns exemplos: - O que pretende-se fazer, por quê e para quem? - Que objetivos pretendem-se alcançar? - Que meios/estratégias são utilizados para alcançar tais objetivos? - Quanto tempo será necessário para alcançar os obje- tivos? - Como avaliar se os resultados estão sendo alcançados? É a partir destas perguntas e respectivas respostas que são determinadas algumas fases dentro do planejamento: - Diagnóstico da realidade; - Definição do tema e Fase de preparação; - Avaliação. Dentro desta perspectiva, Planejar é: elaborar – decidir que tipo de sociedade e de homem se quer e que tipo de ação educacional é necessária para isso; verificar a que dis- tância se está deste tipo de ação e até que ponto se está contribuindo para o resultado final que se pretende; propor uma série orgânica de ações para diminuir essa distância e para contribuir mais para o resultado final estabelecido; executar – agir em conformidade com o que foi proposto; e avaliar – revisar sempre cada um desses momentos e cada uma das ações, bem como cada um dos documentos deles derivados”(GANDIN, 2005, p.23). Fases do Planejamento Diagnóstico da Realidade: Para que o professor possa planejar suas aulas, a fim de atender as necessidades dos seus alunos, a primeira atitude a fazer, é “sondar o ambiente”. O médico antes de dizer com certeza o que seu paciente tem, examina-o, fazendo um “diagnóstico” do seu problema. E, da mesma forma, deve acontecer com a prática de ensino: o professor deve fazer uma sondagem sobre a realidade que se encontram os seus alunos, qual é o nível de aprendizagem em que estão e quais as dificuldades existentes. Antes de começar o seu trabalho, o professor deve considerar, segundo Turra et alii, alguns aspectos, tais como: - as reais possibilidades do seu grupo de alunos, a fim de melhor orientar suas realizações e sua integração à co- munidade; - a realidade de cada aluno em particular, objetivando oferecer condições para o desenvolvimento harmônico de cada um, satisfazendo exigências e necessidades biopsi- cossociais; - os pontos de referência comuns, envolvendo o am- biente escolar e o ambiente comunitário; - suas próprias condições, não só como pessoa, mas como profissional responsável pela orientação adequada do trabalho escolar. A partir da análise da realidade, o professor tem con- dições de elaborar seu plano de ensino, fundamentado em fatos reais e significativos dentro do contexto escolar. Definição do tema e preparação: Feito um diagnóstico da realidade, o professor pode iniciar o seu trabalho a partir de um tema, que tanto pode ser escolhido pelo professor, através do julgamento da ne- cessidade de aplicação do mesmo, ou decidido juntamente com os alunos, a partir do interesse deles. Planejar dentro de uma temática, denota uma preocupação em não frag- mentar os conhecimentos, tornando-os mais significativos. Na fase de preparação do planejamento são previstos todos os passos que farão parte da execução do trabalho, a fim de alcançar a concretização e o desenvolvimento dos objetivos propostos, a partir da análise do contexto da rea- lidade. Em outras palavras, pode-se dizer que esta é a fase da decisão e da concretização das ideias. A tomada de decisão é que respalda a construção do futuro segundo uma visão daquilo que se espera obter [...] A tomada de decisão corresponde, antes de tudo, ao esta- belecimento de um compromisso de ação sem a qual o que se espera não se converterá em realidade. Cabe ressaltar que esse compromisso será tanto mais sólido, quanto mais seja fundamentado em uma visão crítica da realidade na qual nos incluímos. A tomada de decisão implica, portanto, nossa objetiva e determinada ação para tornar concretas as situações vislumbradas no plano das ideias. Nesta fase, ainda, serão determinados, primeiramenteos objetivos gerais e, em seguida, os objetivos específicos. Também são selecionados e organizados os conteúdos, os procedimentos de ensino, as estratégias a serem utilizadas, bem como os recursos, sejam eles materiais e/ou humanos. Avaliação É por meio da avaliação que, segundo Lück, poder-se- -á: a) demonstrar que a ação produz alguma diferença quanto ao desenvolvimento dos alunos; b) promover o aprimoramento da ação como conse- quência de sugestões resultantes da avaliação. Além disso, toda avaliação deve estar intimamente ligada ao processo de preparação do planejamento, principalmente com seus 21 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS objetivos. Não se espera que a avaliação seja simplesmen- te um resultado final, mas acima de tudo, seja analisada durante todo o processo; é por isso que se deve planejar todas as ações antes de iniciá-las, definindo cada objetivo em termos dos resultados que se esperam alcançar, e que de fato possa ser atingível pelo aluno. As atividades devem ser coerentes com os objetivos propostos, para facilitar o processo avaliativo e devem ser elaborados instrumentos e estratégias apropriadas para a verificação dos resultados. A avaliação é algo mais complexo ainda, pois está li- gada à prática do professor, o que faz com que aumente a responsabilidade em bem planejar. Dalmás fala sobre ava- liação dizendo que: Assumindo conscientemente a avaliação, vive-se um processo de ação-reflexão-ação. Em outras palavras, parte- -se do planejamento para agir na realidade sobre a qual se planejou, analisam-se os resultados, corrige-se o planejado e retorna-se à ação para posteriormente ser esta novamen- te avaliada. Como se pode perceber, a avaliação só vem auxiliar o planejamento de ensino, pois é através dela que se perce- bem os progressos dos alunos, descobrem-se os aspectos positivos e negativos que surgem durante o processo e busca-se, através dela, uma constante melhoria na elabo- ração do planejamento, melhorando consequentemente a prática do professor e a aprendizagem do aluno. Portanto, ela passa a ser um “norte” na prática docente, pois, “faz com que o grupo ou pessoa localize, confronte os resulta- dos e determine a continuidade do processo, com ou sem modificações no conteúdo ou na programação”. Importância do planejamento no processo de ensino e aprendizagem Nos últimos anos, a questão de como se ensina tem se deslocado para a questão de como se aprende. Frequente- mente ouvia-se por parte dos professores, a seguinte ex- pressão: “ensinei bem de acordo com o planejado, o aluno é que não aprendeu”. Esta expressão era muito comum na época da corrente tecnicista, em que se privilegiava o en- sino. Mas quando, ao passar do tempo, foi-se refletindo sobre a questão da construção do conhecimento, o ques- tionamento foi maior, no sentido da preocupação com a aprendizagem. No entanto, não se quer dizer aqui que só se deve pen- sar na questão do aprendizado. Se realmente há a preocu- pação com a aprendizagem, deve-se questionar se a forma como se planeja tem em mente também o ensino, ou seja, deve haver uma correlação entre ensino-aprendizagem. A aprendizagem na atualidade é entendida dentro de uma visão construtivista como um resultado do esforço de encontrar significado ao que se está aprendendo. E esse esforço é obtido através da construção do conhecimento que acontece com a assimilação, a acomodação dos con- teúdos e que são relacionados com antigos conhecimentos que constantemente vão sendo reformulados e/ou “rees- quematizados” na mente humana. Numa perspectiva construtivista, há que se levar em conta os conhecimentos prévios dos alunos, a aprendiza- gem a partir da necessidade, do conflito, da inquietação e do desequilíbrio tão falado na teoria de Piaget. E é aí que o professor, como mediador do processo de ensino-apren- dizagem, precisa definir objetivos e os rumos da ação pe- dagógica, responsabilizando-se pela qualidade do ensino. Essa forma de planejar considera a processualidade da aprendizagem cujo avanço no processo se dá a partir de desafios e problematizações. Para tanto, é necessário, além de considerar os conhecimentos prévios, compreender o seu pensamento sobre as questões propostas em sala de aula. O ato de aprender acontece quando o indivíduo atua- liza seus esquemas de conhecimento, quando os compara com o que é novo, quando estabelece relações entre o que está aprendendo com o que já sabe. E, isso exige que o professor proponha atividades que instiguem a curiosida- de, o questionamento e a reflexão frente aos conteúdos. Além disso, ao propiciar essas condições, ele exerce um papel ativo de mediador no processo de aprendizagem do aluno, intervindo pedagogicamente na construção que o mesmo realiza. Para que de fato, isso aconteça, o professor deve usar o planejamento como ferramenta básica e eficaz, a fim de fazer suas intervenções na aprendizagem do aluno. É através do planejamento que são definidos e articulados os conteúdos, objetivos e metodologias são propostas e maneiras eficazes de avaliar são definidas. O planejamento de ensino, portanto, é de suma importância para uma prá- tica eficaz e consequentemente para a concretização dessa prática, que acontece com a aprendizagem do aluno. Se de fato o objetivo do professor é que o aluno apren- da, através de uma boa intervenção de ensino, planejar au- las é um compromisso com a qualidade de suas ações e a garantia do cumprimento de seus objetivos. Referência: KLOSOUSKI, S. S.; REALI, K. M. Planejamento de Ensino como Ferramenta Básica do Processo Ensino-Aprendiza- gem. UNICENTRO - Revista Eletrônica Lato Sensu, 2008. 2.2 A SALA DE AULA COMO ESPAÇO DE APRENDI- ZAGEM E INTERAÇÃO. A gestão na sala de aula: uma perspectiva democrática A gestão da educação, entendida como tomada de decisão, organização, direção e participação, acontece em todos os âmbitos da escola. Segundo Ferreira (2008), ela se desenvolve “fundamentalmente, na sala de aula, onde con- cretamente se objetiva o projeto políticopedagógico não só como desenvolvimento do planejado, mas como fon- te privilegiada de novos subsídios para novas tomadas de decisões”. Para Libâneo (2004), a concepção democrático- -participativa implica a busca de objetivos comuns pela di- reção, professores e demais profissionais da educação e a tomada coletiva de decisões que orienta cada um a assumir com responsabilidade sua parte na execução do acordo. Assim, a gestão em sala de aula, como um prolonga- mento da gestão escolar, pressupõe um espaço onde, com a orientação do professor, possam ser produzidos, mani- 22 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS festados e experimentados comportamentos democrá- ticos. Ou seja, nesse espaço, os sujeitos serão levados a agir de forma coletiva e comprometida com os interesses coletivos. Cabe aqui lembrar Paro (2007), quando afirma: “se estamos preocupados em formar cidadãos participa- tivos, por meio da escola, precisamos dispor as relações e as atividades que aí se dão de modo a ‘marcar’ os sujeitos que por elas passam com os sinais da convivência demo- crática”. A sala de aula é também o espaço no qual, em deter- minado tempo, se lida com os acontecimentos de outros tempos e espaços, com as histórias de vida dos os sujeitos. A interação entre os grupos dependerá do professor, de sua forma democrática de mediar as situações, possibilitan- do o crescimento de todos os integrantes do grupo. Atuan- do com conhecimento, organizando o espaço de convívio, planejando o trabalho a ser realizado, mediando conflitos e estabelecendo a confiança mútua, o professor tem condi- ções de criar situações propícias para a internalização dos conhecimentos por parte dos sujeitos e, ao mesmo tempo, possibilitar o desenvolvimentode cidadãos democráticos. A gestão democrática supõe a redefinição do papel do educador. Neste caso, cabe-lhe o papel de influenciar seus alunos para o envolvimento com o trabalho pedagógico. Como o processo de ensino é intencional, o professor deve explicar aos alunos os objetivos dos conteúdos curriculares e da aula, mostrando a importância de eles serem atingi- dos. Consideramos que o diálogo consentido, em que o aluno se compromete com a apropriação dos conhecimen- tos, é uma forma de despertar nele a consciência de que aprender é uma ação que não se torna possível apenas pela ação do professor, mas também por sua vontade. O professor consciente, ao desenvolver seu trabalho, alme- ja o desenvolvimento intelectual e moral de seus alunos e planeja ocasiões para que ele exerça a percepção crítica da realidade, já que a relação de ensino e aprendizagem com o educando deve favorecer a análise de valores necessários ao convívio social. Nisso se inclui a necessidade de dar feedback e ampliar a capacidade perceptiva dos alunos, ou seja, “dar e pedir feedback constituem habilidades essenciais para regular- mos nossos desempenhos e os das pessoas com quem convivemos, visando relações saudáveis e satisfatórias”. Isso exige, por parte do professor, saber ouvir e prestar atenção à fala e aos comportamentos dos alunos. O fee- dback é, portanto, um mecanismo para retomar os con- ceitos apreendidos, acrescentar, fazer adequações e cor- reções. Enfim, o professor, em seu trabalho, deve alargar os horizontes dos alunos, possibilitando-lhes uma visão ampliada da realidade. De nossa perspectiva, para que isso ocorra, tanto a es- cola deve ser organizada de forma democrática, quanto ar- ticulada com a construção de uma sociedade democrática, o que implica dizer que uma sociedade democrática passa, dentre outras coisas, pelo compromisso com a educação e com a aprendizagem do aluno. A transformação das práti- cas escolares pelo processo da gestão participativa, na qual o aluno é sujeito das decisões e das ações que se realizarão pautadas em tais decisões, proporciona maiores possibili- dades para o desenvolvimento de uma vivência coletiva e de uma a prática social democrática. A aprendizagem, razão do trabalho escolar, apesar de ser um processo individual, acontece quando o aluno é capaz de interagir socialmente e, com base nessa relação, construir seus conhecimentos. Desse modo, a aprendiza- gem da vivência social democrática, tendo início na escola, mais especificamente na sala de aula, poderia instigar os alunos a compartilhar experiências, relacionando-se com posicionamento diferentes ou mesmo divergentes. Outro aspecto ainda deve ser considerado na discus- são sobre a gestão da sala de aula: não é possível atuar no interior da escola, especialmente no que diz respeito ao ensino e aprendizagem, sem se comprometer com a educação do aluno, já que o ato de ensinar, com tudo o que lhe é próprio - planejar, executar, verificar - “[...] é uma prática humana que compromete moralmente quem a rea- liza”. Toda prática pedagógica implica um relacionamento intencional do professor com os alunos e dos alunos com o conhecimento, de forma que as atividades de ensino- -aprendizagem resultem da interação dos sujeitos entre si e com o objeto do conhecimento. Assim, o trabalho na sala de aula requer do professor o compromisso e a ética para com os alunos e suas famílias, pois só assim será possível instrumentalizá-los para uma participação mais efetiva na sociedade. A organização da sala de aula para a condução do tra- balho didático, especialmente no que se refere à relação humana e à produção de conhecimento, exige do profes- sor, além do domínio dos conteúdos programáticos, algu- mas condições e atitudes mínimas, como autenticidade, cooperação, determinação, solidariedade e respeito mú- tuo, enfim, comportamentos considerados democráticos. Isto porque, do nosso ponto de vista, a postura do profes- sor será um argumento capaz de convencer o educando sobre a importância da escola e do trabalho ali desenvol- vido para sua vida. A gestão e a organização da sala de aula dependem da construção de regras e procedimentos coletivos, do acom- panhamento e da mediação dos comportamentos. Desta maneira, é possível que a ordem seja alcançada na sala de aula, de modo a favorecer as atividades de ensino-apren- dizagem. Também a adequação do espaço, para que os alunos construam o conhecimento, requer o envolvimento de todos e depende da forma como o professor realiza a gestão da sala de aula. Portanto, a aprendizagem dos con- teúdos científicos e da vivência no contexto da escola não prescinde do diálogo e da tomada de decisões pelo con- junto dos sujeitos envolvidos no processo. Consideramos que, quando o professor planeja suas atividades, ele dispõe de maiores condições para assegurar a qualidade do trabalho pedagógico. O papel do profes- sor é proporcionar condições para que o conhecimento seja adquirido pelo aluno e, para isso, ele deve administrar bem o tempo e o espaço escolar (o ritmo, as intervenções/ participações, os imprevistos, os obstáculos), selecionar os objetivos e as atividades curriculares, dosar os conteúdos e construir a convivência, sem jamais excluir os alunos que 23 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS criam situações de conflito, que devem ser consideradas como uma oportunidade de aprendizagem, desde que se saiba tirar proveito delas. O fazer em sala de aula envolve, ainda, antecipação, ou seja, a previsão do tempo para o desenvolvimento do trabalho em todas as etapas. Todas as atividades requerem a atenção e o acompanhamento do professor, que deve organizar e sequenciar os conteúdos, prevendo o tempo para a realização das atividades. A ação educativa se caracteriza pela intencionalidade de garantir a construção de conhecimentos amplos e di- versificados e, por isso, pode ser entendida como gestão. O ato de ensinar é, também, uma ação administrativa, já que envolve planejamento, organização e coordenação. Segun- do a nova concepção de gestão, o professor não abdica de sua autoridade, pelo contrário, faz uso dela, de forma democrática, para que os alunos ascendam a um nível ele- vado de assimilação dos conhecimentos sistematizados. A gestão da escola é um compromisso que exige dire- tividade para se executar o que se planejou e alcançar os objetivos estabelecidos no Projeto Político Pedagógico da escola. Na sala de aula, o professor dá continuidade ao que foi definido coletivamente, realizando um trabalho que re- quer tanto solidariedade em compartilhar poder e respon- sabilidades, quanto capacidade de decisão. No entanto, para desempenhar essas funções, seja na sala de aula seja no âmbito mais amplo da instituição escolar, da organiza- ção e gestão do trabalho escolar, o professor necessita ter conhecimentos sobre esse aspecto da educação. Com base nos dados acima, poderíamos concluir que a gestão democrática, ao mesmo tempo em que reflete a oposição ao centralismo e ao autoritarismo, traz novos de- safios para a organização e gestão do trabalho escolar e pedagógico. Para construirmos uma gestão verdadeiramente de- mocrática é necessário, do ponto de vista da organização e gestão do trabalho escolar, não só nos envolvermos na discussão, no diálogo, na tomada de decisões e nas ações coletivas, mas também visarmos os interesses coletivos. Dentro dessa concepção de organização do trabalho pe- dagógico, para criar oportunidades para a transmissão e apropriação dos conhecimentos historicamente produzi- dos, é necessário que os profissionais da educação tenham clareza das finalidades da educação e dos objetivos que deverão nortear seu trabalho. Só assim a escola cumprirá sua função para com a sociedade. Para Saviani (2008), “é preciso,pois, resgatar a impor- tância da escola e reorganizar o trabalho educativo, levan- do em conta o problema do saber sistematizado, a partir do qual se define a especificidade da educação escolar”. No entanto, essa reorganização escolar, que deveria assegurar aos alunos o acesso ao conhecimento científico e à cultura socialmente produzida, depende da atuação de todos os setores da escola, orientados e incentivados pelo diretor, como gestor democrático. Quanto à sala de aula, o professor gestor tem que ser um profissional comprometido com o que foi estabelecido pelo coletivo da escola e, ao mesmo tempo, ser capaz de construir o espaço adequado à aprendizagem dos conteú- dos. Segundo Libâneo (1993), o ensino pode ser definido como uma atividade conjunta de professores e alunos e que, sob a direção dos professores, tem a finalidade de promover condições e meios para que os alunos possam assimilar conhecimentos, habilidades, atitudes e convic- ções. Isto implica que o ato educativo, como o trabalho pedagógico, não pode ser neutro, pois, se assim o for, tor- na-se uma prática sem compromisso com a promoção do educando, ou seja, reduz-se à mera transmissão de conteú- dos de ensino. Assim, o trabalho pedagógico na sala de aula deve ter articulação com o projeto pedagógico da escola e com um projeto social mais amplo, ou seja, sem perder de vista o tipo de sociedade que se quer construir. Cabe ao professor, por meio do exercício da demo- cracia no cotidiano da relação de ensino e aprendizagem, promover a efetivação de uma prática dialógica, baseada em valores universais e de cidadania. Nesta perspectiva, podemos dizer que a ação educativa orienta-se pela in- tencionalidade de garantir a construção de conhecimentos amplos e diversificados, podendo ser entendida como ges- tão. Como já afirmamos, o ato de ensinar é, também, uma ação administrativa e, portanto, requer do professor uma tomada de decisão tanto na realização do planejado quan- to na organização do espaço e na condução do processo de ensino. Para que os conteúdos sejam assimilados pelos alunos, a disciplina é fator primordial. Isso requer que o professor, ao planejar a aula, selecione e organize de forma intencio- nal e sistemática os procedimentos que irá utilizar. Dessa forma, ele orienta a conduta que os alunos devem adotar para desenvolver as atividades de ensino-aprendizagem, de forma a garantir a apropriação do saber sistematizado. Segundo Machado, a investigação tradicional sobre o ensino não se preocupava tanto com a gestão e a orga- nização da sala de aula. No entanto, “atualmente, debru- ça-se não só sobre o modo como a ordem é estabelecida e mantida, como também sobre os processos que contri- buem para o seu estabelecimento, tais como a planificação e organização das aulas, o uso e distribuição de recursos, o estabelecimento e explicitação das regras, a reação ao comportamento individual e de grupo, o enquadramento em que esta é atingida”. Para a autora, essa preocupação decorre do fato de que é na sala de aula que se desenvolve a maior parte do pro- cesso ensino-aprendizagem, processo que, segundo ela, apresenta duas tarefas estruturais: aprendizagem e ordem. “A aprendizagem, de natureza individual, concretiza-se através da instrução, tendo por referência um currículo que os alunos devem dominar, persistindo nos seus esforços para aprender”. De acordo com Doyle, “a ordem realiza-se pela função de gestão, isto é, pela organização de grupos na sala, estabelecimento de regras e procedimentos, rea- gindo ao mau comportamento, monitorizando e ritmando os acontecimentos da sala de aula”. Assim, estas duas ta- refas estruturais do ensino, na prática, não se separam, o que significa que, “uma boa gestão e organização da sala de aula é uma condição para que a aprendizagem possa ocorrer, dado que o envolvimento dos alunos no trabalho 24 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS está relacionado com a forma como os professores gerem as estruturas da sala de aula, mais do que com a forma como lidam com comportamentos individuais”. Outro aspecto a ser ressaltado é que a aprendizagem da vivência democrática se inicia na escola, mais especifi- camente na sala de aula, pois é no trabalho cotidiano com os alunos que os princípios democráticos se instauram e se reafirmam. Entendemos que estabelecer uma melhor comunica- ção com os alunos e suas famílias viabilizará a definição dos objetivos da instituição escolar, já que estes orientarão o trabalho de todos os componentes da escola e também o que ocorrerá na sala de aula, local onde se concretizam os objetivos propostos no Projeto Político Pedagógico. Como a escola é o ambiente que vai formar o educando para as atitudes necessárias à sua participação em sociedade, a realização dos objetivos estabelecidos no P.P.P. requer o envolvimento de todos, especialmente dos alunos. Des- se modo, consideramos que o grêmio estudantil, quando bem orientado, pode favorecer a organização dos alunos, construindo novas relações e promovendo a conscientiza- ção, fatores que contribuem para o bom andamento das atividades na escola e na sala de aula. Além disso, devem-se promover reuniões periódicas com o Conselho Escolar, para verificação das necessida- des da escola e análise do cumprimento do cronograma estabelecido, tendo em vista a consecução dos objetivos propostos pelo coletivo da escola no Projeto Político Pe- dagógico. A prática democrática, no entanto, abarca aspectos muito diferentes e a sua realização não depende apenas da escola e dos educadores. Embora os professores precisem buscar construir o espaço necessário ao desenvolvimento de seu trabalho, não compete só a eles forjar essas condi- ções. Não podemos simplesmente culpar o professor, que já tem sido penalizado pela situação em que se encontra a educação. As práticas docentes, para serem transformado- ras, precisam do respaldo de políticas educacionais com- prometidas com o conjunto da sociedade, da qual profes- sores e alunos fazem parte. A concretização de uma escola pública democrática, como fator indispensável à realização de um ensino de qua- lidade, exige condições de trabalho para os professores. A valorização do professor compreende salários adequados, menor número de alunos em sala de aula, remuneração das horas dedicadas ao acompanhamento e recuperação dos alunos em defasagem de conteúdos, maior apoio da direção, acompanhamento do trabalho pela equipe peda- gógica e maior integração família e escola. Apesar do esforço para que a escola se preserve como instituição importante para a sociedade, consideramos que os resultados verificados correspondem às condições que fo- ram oportunizadas aos professores. Assim, compartilhamos o mesmo ponto de vista de Pimenta. De acordo com ela: Podemos dizer que o trabalho docente é uma práxis em que a unidade teoria se caracteriza pela ação reflexão – ação [...] Este pensar reflete o ser humano enquanto ser histórico, ou seja, o pensar do professor é condicionado pelas possibilidades e limitações pessoais, profissionais e do contexto em que atua. Apesar dos limites e dificuldades, as mudanças educa- tivas dependem dos múltiplos fatores que atuam de forma sistemática. No entanto, para finalizar, vale lembrar que “reconhecer o caráter sistemático não significa que seja necessário ou possível modificar tudo ao mesmo tempo. Significa antes que, em determinado momento, é preciso responsabilizar-nos pelas consequências da modificação de um elemento especifico sobre os restantes fatores”. Referência: STEDILE, M. I. O professor como gestor da sala de aula. UEM, 2008. 2.3 A DIDÁTICA COMO FUNDAMENTO EPISTEMO- LÓGICO DO FAZER DOCENTE. Conceituando Didática A palavra didática vem do grego (techné didaktiké),que se pode traduzir como arte ou técnica de ensinar. A didática é a parte da pedagogia que se ocupa dos métodos e técnicas de ensino, destinados a colocar em prática as diretrizes da teoria pedagógica. A didática estuda os di- ferentes processos de ensino e aprendizagem. O educa- dor Jan Amos Komenský, mais conhecido por Comenius, é reconhecido como o pai da didática moderna, e um dos maiores educadores do século XVII. A palavra “didática” se encontra inserida a uma expres- são grega que se traduz por técnica de ensinar. É interes- sante conhecer que desde uma perspectiva etimológica a palavra “didática” na sua língua de origem, destacava a rea- lização lenta de um acionar através do tempo, própria do processo de instruir. O vocábulo didático aparece quando os adultos começam a intervir na atividade de aprendiza- gem das crianças e jovens através da direção deliberada e planejada do ensino – aprendizagem. O termo “didático” aparece somente quando há a in- tervenção intencional e planejada no processo de ensino- -aprendizagem, deixando de ser assim um ato espontâneo. A escola se torna assim, um local onde o processo de ensino passa a ser sistematizado, estruturando o ensino de acordo com a idade e capacidade de cada criança. O res- ponsável pela “teorização” da didática será Comênio: A formação da teoria da didática para investigar as li- gações entre ensino aprendizagem e suas leis ocorre no século XVII, quando João Amós Comênio (1592-1670), um pastor protestante, escreve a primeira obra clássica sobre didática, a Didática Magna (LIBÂNEO, 1994). Foi o primeiro educador a formular a ideia da difu- são dos conhecimentos educativos a todos, criou regras e princípios de ensino, desenvolvendo um estudo sobre a didática. Suas ideias eram calcadas na visão ética religiosa, mesmo assim eram inovadoras para a época e se contrapu- nham ás ideias conservadoras da nobreza e do clero, que exerciam uma grande influência naquele período. Algu- mas das principais características da didática de Comênio, segundo Libâneo (1994) eram de que a educação era um elo que conduzia a felicidade eterna com Deus, portanto, a educação é um direito natural de todos, a didática deveria 25 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS estudar características e métodos de ensino que respeitem o desenvolvimento natural do homem, a idade, as percep- ções, observações; deveria também ensinar uma coisa de cada vez, respeitando a compreensão da criança, partindo do conhecido para o desconhecido. As ideias de Comênio, infelizmente não obtiveram re- percussão imediata naquela época (século XVII), o mode- lo de educação que prevalecia era o ensino intelectualis- ta, verbalista e dogmático, os ensinamentos do professor (centro do ensino) eram baseados na repetição mecânica e memorização dos conteúdos, o aluno não deveria parti- cipar do processo, o ensino separava a vida da realidade. Com o passar dos anos e o desenvolvimento da so- ciedade, da ciência e dos meios de produção, o clero e a nobreza foram perdendo aos poucos seus “poderes”, en- quanto crescia o da burguesia. Essas transformações fize- ram crescer a necessidade de um ensino ligado ás exigên- cias do mundo atual, que contemplasse o livre desenvol- vimento das capacidades e dos interesses individuais de cada um. Jean Jacques Rousseau (1712–1778) foi um pensador que percebeu essas novas necessidades e propôs uma nova concepção de ensino, baseada nos interesses e ne- cessidades imediatas da criança, sendo esse o centro de suas ideias. Enquanto Comênio, ao seguir as “pegadas da nature- za”, pensava em “domar as paixões das crianças”, Rousseau parte da ideia da bondade natural do homem, corrompido pela sociedade. Veiga diz que “[...] dessa forma não se poderia pensar em uma prática pedagógica, e muito menos em uma pers- pectiva transformadora na educação”. A metodologia de ensino (didática) era entendida somente como um conjun- to de regras e normas prescritivas que visam a orientação do ensino e do estudo. Após os jesuítas não ocorreram no país grandes mo- vimentos pedagógicos, a nova organização instituída por Pombal representou pedagogicamente, um retrocesso no sistema educativo, pois professores leigos começaram a ser admitidos para ministrar “aulas-régias”, introduzidas pela reforma pombalina. Para Veiga dada a predominância da influência da pe- dagogia nova na legislação educacional e nos cursos de formação para o magistério, o professor absorveu seu ideário. Segundo Libâneo (1994) “um entendimento crítico da realidade através do estudo das matérias escolares...”, e assim os alunos podem expressar de forma elaborada os conhecimentos que correspondem aos interesses prioritá- rios da sociedade e inserir-se ativamente nas lutas sociais, ou seja, defender seus ideais de acordo com sua realidade. Comênio acreditava poder definir um método capaz de ensinar tudo a todos, ou como ele cita em sua obra “a arte de ensinar tudo a todos” e esclarece: A proa e a popa de nossa Didática será investigar e descobrir o método segundo o qual os professores ensi- nem menos e os estudantes aprendam mais: nas escolas haja menos barulho, menos enfado, menos trabalho inú- til, e, ao contrário, haja mais recolhimentos, mais atrativo e mais sólido progresso; na Cristandade, haja menos trevas, menos confusão, menos dissídios, e mais luz, mais ordem, mais paz, mais tranquilidade. De certo modo podemos dizer que a Didática é uma ciência cujo objetivo fundamental é ocupar-se das estraté- gias de ensino, das questões práticas relativas à metodolo- gia e das estratégias de aprendizagem. Ao longo do estudo sobre o processo de ensino na es- cola podemos observar a relação entre o ensino e a apren- dizagem através da atividade do professor em relação a do aluno. Desta forma a didática se manifesta no contexto de se organizar o ensino; de maneira que se tracem os objeti- vos, estipulando os métodos a serem seguidos e planejan- do as ações conjuntas dentro da escola. Dentro dessa perspectiva percebemos que “a atividade de ensinar é vista, comumente, como transmissão de ma- téria aos alunos, realização de exercícios repetitivos, me- morização de definições e fórmulas”. Essa caracterização de ensino é vista em muitas escolas em que o professor é o elemento ativo que fala, interpreta e transmite o conteúdo; levando ao aluno à tarefa de reproduzir mecanicamente o que absorveu; o que na visão de Libâneo é chamado de “ensino tradicional”. Concordamos com o autor quando diz que o professor não proporcionar através desse método o desenvolvimen- to individual de conhecimento; com isso é observável que o livro didático é feito para ser vencido, o trabalho do pro- fessor fica restrito às paredes de sala de aula, a realidade; assim como o nível e condições que o aluno é submetido para chegar até o conhecimento não são levados em conta. Nesse contexto a Didática é de extrema importância para um bom funcionamento e desenvolvimento do traba- lho na escola de forma que ela organiza e planeja as ativi- dades do professor em relação aos alunos visando alcan- çar seus objetivos, desenvolvimento de habilidades; como também hábitos e o conhecimento intelectual. A didática como fator de qualidade no processo de ensi- no e aprendizagem O processo de ensino deve ter como ponto de partida o nível de conhecimento, as experiências que proporcio- nam uma transmissão progressiva das capacidades cogniti- vas como intelectuais; o que liga o ensino à aprendizagem. Nesse contexto a história da Didática e a prática escolar presente tende a separar os conteúdos de ensino do de- senvolvimento de capacidades e habilidades; configuradas também como aspecto material e formal do ensino. Desta forma percebemos que o ensino une dois aspectos pelo fato de que a assimilaçãode conteúdos requer desenvolvi- mento de capacidades e habilidades cognoscitivas. É importante ressaltar que o processo de ensino faz a interação entre dois momentos fundamentais: a transmis- são e assimilação ativa tanto de conhecimentos quanto de habilidades. Com isso cabe ao professor a tarefa de ensinar de modo que se tenha organização didática dos conteúdos que venha a promover condições assimiláveis de aprendi- zagem; de forma que ele controle e avalie as atividades. Nesse sentido, Planejamento de ensino é o processo de 26 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS decisão sobre atuação concreta dos professores, no coti- diano de seu trabalho pedagógico, envolvendo as ações e situações, em constantes interações entre professor e alu- nos e entre os próprios alunos. O professor, portanto, planeja, controla, facilita e orien- ta o processo de ensino; de maneira que estimula o de- senvolvimento de atividades próprias dos alunos para a aprendizagem. Essa interação de acordo com o autor é que promove a situação de ensino aprendizagem; ela é denominada de “aprendizagem organizada” por ter uma finalidade especi- fica onde as atividades são organizadas intencionalmente, com planejamento e de forma sistemática. Porém há por outro lado a “aprendizagem casual” definida como uma forma espontânea que surge naturalmente da interação entre pessoas com o meio; isto é ressaltado pelo fato de que a observação, experiência e acontecimentos do coti- diano proporcionam também aprendizagem e que isto deve ser observado pelo professor de forma que se possa utilizar didaticamente. A aprendizagem escolar também está vinculada com a motivação dos alunos tanto para atender necessidades orgânicas ou sócias; quanto para atender exigências da escola, da família e até mesmo dos colegas. Essa aprendi- zagem resulta da reflexão proporcionada pela percepção prático-sensorial e pelas ações mentais que caracterizam o pensamento, estes vão sendo formados de acordo com a organização lógica e psicológica das matérias de ensino, sendo que nos remete a ideia de que o desenvolvimento escolar é progressivo, ou seja, a aprendizagem é um pro- cesso contínuo de desenvolvimento. Segundo Libâneo: A didática, assim, oferece uma con- tribuição indispensável à formação dos professores, sinte- tizando no seu conteúdo a contribuição de conhecimentos de outras disciplinas que convergem para o esclarecimento dos fatores condicionantes do processo de instrução e en- sino, intimamente vinculado com a educação e, ao mesmo tempo, provendo os conhecimentos específicos necessá- rios para o exercício das tarefas docentes. Castro, afirma a importância da didática dizendo: Pois é certo que a didática tem uma determinada con- tribuição ao campo educacional, que nenhuma outra disci- plina poderá cumprir. E nem a teoria social ou a econômica, nem a cibernética ou a tecnologia do ensino, nem a psico- logia aplicada à educação atingem o seu núcleo central: o Ensino. A didática é uma disciplina que complementa todas as outras, sendo interdisciplinar, pois será a “a essência” para que o professor procure a melhor forma de desenvolver seu método de ensino. Podemos perceber que é clara a importância da didática na formação docente, no entanto, notamos que no desenvolver histórico desta profissão, a didática não obteve (e ainda não têm) esta mesma relevân- cia, e quando ministrada só alteava sua distorção e visão técnica, acentuando a distância entre teoria e prática. A didática é uma disciplina fundamental na formação do educador, pois, prepararão o futuro professor a estar capacitado a trabalhar na sala de aula, uma vez que ele dominará os conteúdos científicos e práticos, e principal- mente já estará diante da realidade de sala de aula para poder perceber se o que aprende é realmente válido ou não, e poder questionar e cobrar seus aprendizados em sala de aula. Referência: AMANDA, ALESSANDRA. A Didática como Fator de Qualidade no Processo de Ensino Aprendizagem. Texto disponível em: http://www.editorarealize.com.br/revistas/fiped/traba- lhos/Trabalho_Comunicacao_oral_idinscrito_1527_6e4e9e- d0364cf72866c1c7293edfca21.pdf A DIDÁTICA COMO DISCIPLINA NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR Considerada uma ciência que estuda os saberes ne- cessários à prática docente a Didática é um dos principais instrumentos para a formação do professor, pois é nela que se baseiam para adquirir os ensinamentos necessários para a prática. De acordo com Libâneo (1990, p. 26) “a didática trata da teoria geral do ensino”. Como disciplina é entendi- da como um estudo sistematizado, intencional, de investi- gação e de prática (LIBÂNEO, 1990). Ainda, nesta mesma linha de pensamento, Pimenta et al (2013, p.146), diz que: A didática, como área da pedago- gia, estuda o fenômeno ensino. As recentes modificações nos sistemas escolares e, especialmente, na área de formação de professores configuram uma “explosão didática”. Sua ressig- nificação aponta para um balanço do ensino como prática social, das pesquisas e das transformações que têm provoca- do na prática social de ensinar. Masetto (1997, p. 13), infere que “a didática como re- flexão é o estudo das teorias de ensino e aprendizagem aplicadas ao processo educativo que se realiza na escola, bem como dos resultados obtidos”. Portanto, estudar Didática no Ensino Superior, não sig- nifica acumular informações sobre as práticas e técnicas do processo de ensino e aprendizagem, mas sim acrescentar em cada sujeito a capacidade crítica em questionar e fazer reflexão sobre as informações adquiridas ao longo de todo processo de ensino-aprendizado. Veiga (2010) diz que é preciso “tornar o ensino da Didática mais atraente e respal- dado nos resultados das investigações envolvendo alunos em processo de formação”. Para Rios (2001) “tratar o fenômeno do ensino como uma totalidade concreta, buscar suas determinações, pen- sá-lo em conexão com outras práticas sociais é o que se espera fazer, do ponto de vista de uma concepção crítica do trabalho da didática”. Por muito tempo ensinar era nada mais do que ter con- teúdos para transmitir para os alunos, e estes eram consi- derados seres sem luz, incapazes de construir conhecimen- tos próprios. Diz Martins, “historicamente, é muito comum ouvir nos meios educacionais, sobretudo entre alunos, afirma- ções como: “aquele professor não tem didática...”; “ele tem conhecimento, mas não sabe comunicar”; “o professor co- nhece o assunto da sua matéria, mas não sabe transmitir”. 27 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS E acrescenta adiante “a didática é usualmente vista como sinônimo de métodos e técnicas de ensino e, mais que isso, que a escola é tida como a instituição que transmite conhe- cimentos” (2006, p. 75-76). Contudo, o modo de atuar educacionalmente, requer adequações ao mundo atual e suas transformações ágeis que não permitem a estagnação, o que cobra do professor uma posição dinâmica frente ao processo educacional. Segundo Veiga (2004): Enfatizar o processo didático da perspectiva relacional significa analisar suas características a partir de quatros di- mensões: ensinar, aprender, pesquisar e avaliar. O processo didático, assim, desenvolve-se mediante a ação reciproca e interdisciplinar das dimensões fundamentais. Integram-se, são complementares. Pimenta et al (2013), também descreve a nova postura da didática diante da importância na formação profissional quando enfatiza que: [...] didática é, acima de tudo, a construção de conheci- mentos que possibilitem a mediação entre o que é preciso ensinar e o que é necessário aprender; entre o saber estrutu- rado nas disciplinas e o saber ensinável mediante as circuns- tâncias e os momentos; entre as atuais formas de relação como saber e as novas formas possíveis de reconstruí-las. A Didática integra diversas dimensões que buscam uma ligação entre os pares que correspondem ao chama- do “triangulo didático”. Para Libâneo (2012, p. 1), “os ele- mentos integrantes do triângulo didático – o conteúdo, o professor, o aluno, as condições de ensinoaprendizagem - articulam-se com aqueles socioculturais, linguísticos, éti- cos, estéticos, comunicacionais e midiáticos”. Veiga (1989, p. 22), sobre a importância da Didática no currículo do professor diz que “o papel fundamental da Di- dática no currículo de formação de professor é o de ser instrumento de uma prática pedagógica reflexiva e crítica, contribuindo para a formação da consciência crítica”. E, diante desta interação, percebe-se que a construção de novos conhecimentos acontece de forma paralela à re- lação professor-aluno, visto que este traz para o cotidiano escolar sua experiência do contexto social em que vive e, com a ajuda mediadora do professor que deve conhecê-lo enquanto ser social considerando seus conhecimentos pré- vios, e ajudando-o, assim, a transformar essas vivências em conhecimentos relevantes dotados de significados. Articular teoria e prática, uma relação necessária. A formação do educador exige uma inter-relação entre a teoria e a prática, sendo que a teoria se ocupa da pes- quisa unindo-se com os problemas reais que surgem na prática e, esta, por sua vez, se determina pela teoria. De acordo com Guimarães (2004, p. 31): O que deve mover a discussão dessa temática é o em- penho na formação profissional, é a convicção de que a educação é processo imprescindível para que o homem sobreviva e se humanize e de que a escola é instituição ainda necessária neste processo, enfim, a relevância dessa temática está na compreensão da urgência, da complexi- dade e da utopia do projeto de escolarização obrigatória e da qualidade por uma sociedade efetivamente mais de- mocrática. Os educadores enquanto seres sociais que transfor- mam a realidade quando realizam sua prática, precisam es- tar conscientes da base teórica, a fim de se orientar por ela ao mesmo tempo em que a teoria se alimenta da prática. Freire (1996), aborda a importância da reflexão crítica, em que professor deve fazer da prática sobre a teoria e vice-versa. Por isso é que, na formação permanente dos professo- res, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática, é pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima pratica. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal concreto que quase se confunda com a prática. No mesmo ponto de vista Solé e Coll (1996), também indagam a importância da teoria sobre a prática quando dizem: Necessitamos de teorias que nos sirvam de referencial para contextualizar e priorizar metas e finalidades; para planejar a atuação; para analisar seu desenvolvimento e modifica-lo paulatinamente, em função daquilo que ocorre e para tomar decisões sobre a adequação de tudo. Freire (1996) afirma que, “a reflexão crítica sobre a prá- tica se torna uma exigência da relação Teoria/Prática sem a qual a teoria pode ir virando blábláblá e a prática, ativismo”. E reforça a seguir que, “quando vivemos a autenticida- de exigida pela prática de ensinar e aprender participamos de uma experiência total, diretiva, ideológica, gnosiológi- ca, pedagógica, estética e ética, em que a boniteza deve achar-se de mãos dadas com a decência e com a serieda- de” (FREIRE, 1996). Um dos campos específicos da Didática aplica-se à constante articulação entre teoria e prática com outras áreas do conhecimento para assim dar suporte ao profes- sor no desenvolvimento de suas habilidades e competên- cias diante da educação. Ao referir-se a tal assunto Libanêo (2012, p. 16) diz que: [...] a formação de professores precisa buscar uma uni- dade do processo formativo. A meu ver essa unidade implica em reconhecer que a formação inicial e continuada de pro- fessores precisa estabelecer relações teóricas e práticas mais sólidas entre a didática e a epistemologia das ciências, de modo a romper com a separação entre conhecimentos disci- plinares e conhecimentos pedagógico-didáticos. Nesta perspectiva percebe-se a importância da Didá- tica visto que ela “se caracteriza como mediação entre as bases teórico-cientificas da educação escolar e a prática docente” (LIBÂNEO, 1990, p. 28). Perrenoud (2000, p. 14), aponta como procedimentos da atuação do professor 10 (dez) famílias de competências que influenciam a formação contínua do educador: Eis as 10 famílias: 1. Organizar e dirigir situações de aprendizagem. 2. Administrar a progressão das aprendizagens. 3. Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação. 28 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS 4. Envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho. 5. Trabalhar em equipe. 6. Participar da administração da escola. 7. Informar e envolver os pais. 8. Utilizar novas tecnologias. 9. Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão. 10. Administrar sua própria formação contínua. Contudo, muitos profissionais não vêm necessidade em se apropriar da teoria como base para suas ações, con- sideram a boa atuação como “vocação natural ou somente da experiência prática, descartando-se a teoria” (LIBÂNEO, 1990). Entretanto, para Freire (1996), uma verdadeira forma- ção docente acontece somente através de um novo olhar sobre a curiosidade epistemológica, pois: Nenhuma formação docente verdadeira pode fazer-se alheada, de um lado, do exercício da criticidade que implica a promoção da curiosidade ingênua a curiosidade episte- mológica, e de outro, sem o reconhecimento do valor das emoções, da sensibilidade, da afetividade, da intuição ou adivinhação. E, acrescenta a seguir, que “o importante, não resta dú- vida, é não pararmos satisfeitos ao nível das intuições, mas submetê-las a análise metodicamente rigorosa de nossa curiosidade epistemológica” (FREIRE, 1996, 51). De acordo com Giroux (1988), as instituições de ensi- no se omitem ao negar aos docentes seu verdadeiro pa- pel, que é educá-los como intelectuais, pois ao ignorarem a criatividade e o discernimento do professor separa-se a teoria da prática. Do ponto de vista de Veiga (2010, p. 51) “a tarefa está em criar outras práticas, o desafio é construir de modo co- letivo uma Didática que faça pensar sobre nossas práticas pedagógicas”. A autora também se utiliza da afirmação de que a prática pedagógica é também uma dimensão da prá- tica social inserida num contexto social, e que nossa obri- gação enquanto educadores é possibilitar condições para que ela se realize (VEIGA, 1989). Vemos assim que teoria e prática não se dissociam uma da outra, o que garante um pensamento crítico e uma ressignificação de atitude, já que para garantir satisfação na prática é preciso estar numa relação consciente e di- reta com a teoria e basear-se nela em ações educacionais futuras. A construção da identidade profissional A construção da identidade profissional é um proces- so de ressignificação em que o sujeito situado se constrói historicamente. O professor em formação tem que estar ciente sobre sua reflexão enquanto educador e de sua atualização sobre o conteúdo aprendido; ele precisa estar em constante esta- do de aprendizagem para melhorar suas competências tan- to como profissional, quanto na sua metodologia de ensino. Libâneo (2001, p. 36) se refere à ação docente quando diz que: É certo, assim, que a tarefa de ensinar a pensar requer dos professores o conhecimento de estratégias de ensino e o desenvolvimento de suas próprias competências do pensar. Se o professor não dispõe de habilidadesde pen- samento, se não sabe “aprender a aprender”, se é incapaz de organizar e regular suas próprias atividades de aprendi- zagem, será impossível ajudar os alunos a potencializarem suas capacidades cognitivas. Para o autor, a formação docente é um processo peda- gógico, que deve acontecer de forma a levar o professor a agir de maneira competente no processo de ensino (LIBÂ- NEO, 2001). Maia, Scheibel e Urban (2009, p. 18), discorrem sobre os fatores que possibilitam a identidade do professor: - Significação social da profissão; - Revisão constante dos significados sociais da profis- são; - Revisão das tradições; - Reafirmação de práticas consagradas culturalmente e que permanecem significativas (resistentes a inovações); - Significação conferida pelo professor à atividade do- cente no seu cotidiano (a visão de mundo do professor); - Rede de relações com outros professores, em escolas, sindicatos e outros agrupamentos. Gadotti (2007), diz que “o poder do professor está tan- to na sua capacidade de refletir criticamente sobre a reali- dade para transformá-la, quanto na possibilidade de cons- truir um coletivo para lutar por uma causa comum”. Imbernón (2002) afirma que “[...] ser um profissional da educação significa participar da emancipação das pessoas. O objetivo da educação é ajudar a tornar as pessoas mais livres, menos dependentes do poder econômico, político e social. E a profissão de ensinar tem essa obrigação intrín- seca”. Os professores precisam repensar o modo pelo qual agem diante da sociedade e qual sua contribuição, uma vez que identidade não é inerente ao ser humano, e sim, uma posição que se constrói quer seja com certezas e/ou in- certezas estabelecidas nas relações com a realidade social. Freire (1996) enfatiza a respeito da formação que “quem forma se forma e reforma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado”. De acordo com Tardif (): [...] um professor de profissão não é somente alguém que aplica conhecimentos produzidos por outros, não é somente um agente determinado por mecanismos sociais: é um ator no sentido forte do termo, isto é, um sujeito que assume sua pratica a partir dos significados que ele mesmo lhe dá, um sujeito que possui conhecimentos e um saber-fazer prove- nientes de sua própria atividade e a partir dos quais ele es- trutura e a orienta. No que concerne à identidade profissional do profes- sor pode-se dizer que o mesmo tem que ser mais do que um coadjuvante no ensino, que cativa e tem a atenção do 29 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS aluno; mais do que isso, tem que promover situações em que os alunos sejam capazes de construir-se e reconstruir- -se a partir de uma educação epistemologicamente cien- tifica, que garante ao aluno um ensino produtivo e signi- ficativo cognitivamente, estabelecendo intrínseca relação com a solidariedade, a democracia e o desenvolvimento humano enquanto ser social e histórico. Vale dizer que sendo sujeito de sua própria prática, o professor constrói sua história a partir de seus valores e atitudes de seu dia a dia como cidadão, fundamentando assim sua identidade. Considerações finais A Didática como disciplina, deve desenvolver a capa- cidade a crítica dos professores em formação, para que possam analisar de forma clara e objetiva a realidade do ensino de modo a possibilitar que o educando construa seu próprio saber. Entender que a Educação é um processo que faz parte do conteúdo global da sociedade significa entender que a prática pedagógica é parte integrante do todo social. Vale ressaltar que as bases teóricas que influenciam a prática estão intrinsicamente ligadas à formação da iden- tidade profissional do professor, visto que, para uma for- mação completa, é preciso uma visão holística da práxis pedagógica. Necessidade indiscutível é a presença do professor na sociedade e, esta presença, se faz pelo trabalho e compro- metimento em tratar a educação e os valores advindos da sociedade na qual este profissional se insere. Percebe-se então, a necessidade da constância em bus- car uma Didática que valorize os envolvidos e transforme os processos educacionais com propósito de integração. Sabendo que o fazer pedagógico do professor não se res- tringe a um fazer exclusivamente acadêmico, e que é pre- ciso analisar criticamente o projeto econômico, político e social para atuar satisfatoriamente no contexto atual, que é desafiador diante das mudanças dinâmicas que acontecem dia após dia. Reconhece-se a Didática como instrumento que garante a grandiosidade no atendimento educacional. Fonte: BARBOSA, F. A. dos S; FREITAS, F. J. C. de. A didática e sua contribuição no processo de formação do professor. 3 PRINCIPAIS TEORIAS DA APRENDIZAGEM. 3.1 INATISMO, COMPORTAMENTALISMO, BEHAVIORISMO, INTERACIONISMO, COGNITIVISMO. 3.2 AS BASES EMPÍRICAS, METODOLÓGICAS E EPISTEMOLÓGICAS DAS DIVERSAS TEORIAS DE APRENDIZAGEM. 3.3 CONTRIBUIÇÕES DE PIAGET, VYGOTSKY E WALLON PARA A PSICOLOGIA E PEDAGOGIA. 3.4 TEORIA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS DE GARDNER. 3.5 PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO: ASPECTOS HISTÓRICOS E BIOPSICOSSOCIAIS. 3.6 TEMAS CONTEMPORÂNEOS: BULLYING, O PAPEL DA ESCOLA, A ESCOLHA DA PROFISSÃO, TRANSTORNOS ALIMENTARES NA ADOLESCÊNCIA, FAMÍLIA, ESCOLHAS SEXUAIS. 3 PRINCIPAIS TEORIAS DA APRENDIZAGEM. 3.1 Inatismo, comportamentalismo, behaviorismo, interacionismo, cognitivismo. 3.2 As bases empíricas, metodológicas e epistemológi- cas das diversas teorias de aprendizagem. 3.3 Contribuições de Piaget, Vygotsky e Wallon para a psicologia e pedagogia. Segundo Silva, as principais interpretações das ques- tões relativas à natureza da aprendizagem remetem a um passado histórico da filosofia e da psicologia. Diversas cor- rentes de pensamento se desenvolveram, definindo pa- radigmas educacionais como o empirismo, o inatismo ou nativismo, os associacionistas, os teóricos de campo e os teóricos do processamento da informação ou psicologia cognitiva. A corrente do empirismo tem como princípio funda- mental considerar que o ser humano, ao nascer, é como uma “tábula rasa” e tudo deve aprender, desde as capa- cidades sensoriais mais elementares aos comportamentos adaptativos mas complexos. A mente é considerada inerte, e as ideias vão sendo gravadas a partir das percepções. Ba- seado neste pressuposto, a inteligência é concebida como uma faculdade capaz de armazenar e acumular conheci- mento. O inatismo ou nativismo argumenta que a maioria dos traços característicos de um indivíduo é fixado desde o nascimento e que a hereditariedade permite explicar uma grande parte das diferenças individuais físicas e psicológi- cas. As formas de conhecimento estão pré-determinadas no sujeito que aprende. 30 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS Para os associacionistas, o principal pressuposto con- siste em explicar que o comportamento complexo é a com- binação de uma série de condutas simples. Como precur- sores desta corrente são de pensamento pode-se citar Ed- ward L. Thorndike e B.F. Skinner e suas respectivas teorias do comportamento reflexo ou estímulo-resposta. Para Thorndike apud Pettenger e Gooding, o padrão básico da aprendizagem é uma resposta mecanicista às forças externas. Um estímulo provoca uma resposta. Se a resposta é recompensada, é aprendida. Já para Skinner, a ênfase é dada à questão do controle do comportamento pelos reforços que ocorrem com a res- posta ou após a mesma com o propósito de atingir metas específicas ou definir comportamentos manifestos. As grandes escolas da corrente dos Teóricos de Campo, são representadas, na Gestalt pelos alemães Wertheimer, Koffka e Köhler, e na Fenomenologia, por Combs e Snygg(Pettenger e Gooding). Nestas escolas prevalece a concep- ção de que as pessoas são capazes de pensar, perceber e de responder a uma dada situação, de acordo com as suas percepções e interpretações desta situação. Diferentemen- te das primeiras, em que o comportamento é sequencial, do mais simples ao mais complexo, nesta corrente, o todo ou total é mais que a soma das partes. Na Gestalt, o paradigma de aprendizagem é a solução de problemas e ocorre do total para as partes. Consiste também na organização dos padrões de percepção. Segundo Fialho, na Gestalt há duas maneiras de se aprender a resolver problemas: pelo aprendizado condu- zido ou pelo aprendizado pelo entendimento. Isto significa que conforme a organização da situação de aprendizagem, dirigida (instrucionista) ou autodirigida (ativa), o indiví- duo aprende, entretanto, deve-se promover situações de aprendizagem que sejam suficientemente ricas para que o aprendiz possa fazer escolhas e estabelecer relações entre os elementos de uma situação. Escolher entre as quais para ele, aprendiz, conduza a uma estruturação eficaz de suas percepções e significados. Na Fenomenologia, o todo é compreendido de modo mais detalhado, sem realmente fragmentar as partes. Con- sidera, ainda, entre outras premissas, que a procura de adequação ou auto atualização do indivíduo é a força que motiva todo o comportamento. A aprendizagem, como processo de diferenciação, move-se do grosseiro para o refinado. Os teóricos do Processamento da Informação ou Psi- cologia Cognitiva, de origem mais recente, reúnem diver- sas abordagens. Estes teóricos estudam a mente e a inteli- gência em termos de representações mentais e processos subjacentes ao comportamento observável. Consideram o conhecimento como sistema de tratamento da informação. Segundo Misukami, uma abordagem cognitivista im- plica em estudar cientificamente a aprendizagem como um produto resultante do ambiente, das pessoas ou de fatores externos a ela. Como as pessoas lidam com estímulos am- bientais, organizam dados, sentem e resolvem problemas, adquirem conceitos e empregam símbolos constituem, pois, o centro da investigação. Em essência, na psicologia cognitiva, as atividades mentais são o motor dos comportamentos. Opondo-se à concepção behavorista, os teóricos cog- nitivos preocupam-se em desvendar a “caixa preta” da mente humana. A noção de representação é central nestas pesquisas. A representação é definida como toda e qual- quer construção mental efetuada a um dado momento e em um certo contexto. Portanto, memória, percepção, aprendizagem, resolu- ção de problemas, raciocínio e compreensão, esquemas e arquiteturas mentais são alguns dos principais objetos de investigação da área, cujas aplicações vêm sendo utilizadas na construção de modelos explícitos em formas de pro- gramas de computador (softwares), gráficos, arquiteturas ou outras esquematizações do processamento mental, em especial nos sistemas de Inteligência Artificial. Como afirma Sternberg, os psicólogos do processa- mento da informação estudam as capacidades intelectuais humanas, analisando a maneira como as pessoas solucio- nam as difíceis tarefas mentais para construir modelos ar- tificiais onde estes modelos tem por objetivo compreender os processos, estratégias e representações mentais utiliza- das pelas pessoas no desempenho destas tarefas. Complementando esta classificação, Fialho destaca que os psicólogos cognitivistas procuram compreender a “mente” e sua capacidade (realização) na percepção, na aprendizagem, no pensamento e no uso da linguagem. As- sim, a organização do conhecimento, o processamento de informações, a aquisição de conceitos, os estilos de pen- samento, os comportamentos relativos à tomada de deci- sões e resolução de problemas são alguns dos “processos centrais” dos indivíduos dificilmente observáveis e que são investigados. As abordagens cognitivistas clássicas: o construti- vismo de Piaget, o sóciointeracionismo de Vygotsky e Wallon Dentre as teorias mais contemporâneas de aprendi- zagem, em especial as cognitivistas, destacamos a teoria construtivista de Jean Piaget e as teorias sociointeracionis- tas de Lev Vygotsky e Henri Wallon devido à pertinência com que suas preocupações epistemológicas, culturais, lin- guísticas, biológicas e lógico-matemáticas têm sido difun- didas e aplicadas para o ambiente educacional, em especial na didática e em alguns dos programas de ensino auxiliado por computador, bem como sua influencia no desenvolvi- mento de novas pesquisas na área da cognição e educação. A abordagem construtivista de Jean Piaget As respostas às questões sobre a natureza da apren- dizagem de Piaget são dadas à luz de sua epistemologia genética, na qual o conhecimento se constrói pouco a pou- co, à medida em que as estruturas mentais e cognitivas se organizam, de acordo com os estágios de desenvolvimento da inteligência. 31 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS A inteligência é antes de tudo adaptação. Esta característica se refere ao equilíbrio entre o organismo e o meio ambien- te, que resulta de uma interação entre assimilação e acomodação. A assimilação e a acomodação são, pois, os motores da aprendizagem. A adaptação intelectual ocorre quando há o equilíbrio de ambas. Segundo discorre Ulbritch, a aquisição do conhecimento cognitivo ocorre sempre que um novo dado é assimilado à estrutura mental existente que, ao fazer esta acomodação modifica-se, permitindo um processo contínuo de renovação interna. Na organização cognitiva, são assimiladas o que as assimilações passadas preparam, para assimilar, sem que haja ruptura entre o novo e o velho. Pela assimilação, justificam-se as mudanças quantitativas do indivíduo, seu crescimento intelectual mediante a incor- poração de elementos do meio a si próprio. Pela acomodação, as mudanças qualitativas de desenvolvimento modificam os esquemas existentes em função das características da nova situação; juntas justificam a adaptação intelectual e o desenvolvimento das estruturas cognitivas. As estruturas de conhecimento, designadas por Piaget (Gaonach’h e Golder) como esquemas, se complexificam sobre o efeito combinado dos mecanismos de assimilação e acomodação. Ao nascer, o indivíduo ainda não possui estas estru- turas, mas reflexos (sucção, por exemplo) e um modo de emprego destes reflexos para elaboração dos esquemas que irão se desenvolver. As obras de Piaget e de seus interpretantes discorrem sobre os estágios de desenvolvimento da inteligência, que se efetua de modo sucessivo, segundo a lógica das construções mentais - da inteligência sensório-motora à inteligência ope- ratório formal, conforme se ilustra sinteticamente no quadro: Quadro – Estágios do desenvolvimento da inteligência segundo Piaget ESTÁGIO EQUILÍBRIO LÓGICA ORGANIZADORA Sensório-motor 18 meses até 2 anos Não há lógica Operatório concreto - Preparação: entre 2 e 7 anos - Equilíbrio: entre 7 e 11 anos Lógica das relaçãoes e das transformações sobre o material visível (objetos presentes) Operatório formal Cerca de 16 anos Lógica desarticulada do concreto A primeira forma de inteligência é uma estrutura sensório motora, que permite a coordenação das informações senso- riais e motoras. Surge aos cerca de 18 meses. Consuma-se e equilibra-se entre os 18 meses e 2 anos. No estágio das operações concretas, esta estrutura (equilibrada) se acha aperfeiçoada: o que a criança teria adquirido no nível da ação, ela vai aprender a fazer em pensamento. Precede de uma fase de preparação entre 2 e 7 anos e se equi- libra entre 7 e 11 anos. No estágio das operações formais, operam-se novas modificações e deve se equilibrar para poder se aplicar, não mais aos objetos presentes, mas aos objetos ausentes, hipotéticos. O desenvolvimento das estruturasmentais segue uma lógica de construção semelhante aos estudos da lógica, ou seja, que o desenvolvimento da inteligência em seus sucessivos estágios segue uma lógica coerente, tal que pode ser descrita em suas estruturas. Segundo levantou Ulbritch, a equilibração, enfatizada no quadro 2.1, é um mecanismo autorregulador, necessário para garantir uma eficiente integração com o meio. Quando um indivíduo sofre um desequilíbrio, de qualquer natureza, o orga- nismo vai buscar o equilíbrio, assimilando ou acomodando um novo esquema. A autora relaciona quatro fatores determinantes do desenvolvimento cognitivo: A equilibração é o primeiro e constitui- -se no nível de processamento das reestruturações internas, ao longo da construção sequencial dos estágios. O segundo é a maturação, relacionado à complexificação biológica da maturação do sistema nervoso. Já o terceiro fator é a interação social, relacionado com a imposição do nível operatório das regras, valores e signos da sociedade em que o indivíduo se desenvolve e com as interações que compõem o grupo social. O quarto é referente à experiência ativa do indivíduo. Sobre este fator Misukami afirma que podem ocorrer de três formas: - devido ao exercício, resultando na consolidação e coordenação de reflexos hereditários e exercício de operações intelec- tuais aplicadas ao objeto; - devido à experiência física, referente à ação sobre o objeto para descobrir as propriedades que são abstraídas destes, sendo que o resultado da ação está vinculado ao objeto; 32 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS - devido à experiência lógico - matemática, resultantes da ação sobre os objetos, de forma a descobrir propriedades que são abstraídas destas pelo sujeito. Consistem em conhe- cimentos retirados das ações sobre os objetos, típicas do es- tágio operatório formal, que é resultado da equilibração. A condição para que seja obtida é a interação do sujeito com o meio. Piaget não desenvolveu uma teoria da aprendizagem, mas sua teoria epistemológica de como, quando e por que o conhecimento se constrói obteve grande repercussão na área educacional. Predominantemente interacionistas, seus postulados sobre desenvolvimento da autonomia, coope- ração, criatividade e atividade centrados no sujeito influen- ciaram práticas pedagógicas ativas, centradas nas tarefas individuais, na solução de problemas, na valorização do erro e demais orientações pedagógicas. No plano da informática, o trabalho de Piaget tem contribuído para modelagens computacionais na área de IA em educação, desenvolvimento de linguagens de pro- gramação e outras modalidades de ensino auxiliado por computador com orientação construtivista. Dentre os vários programas existentes, o mais popu- lar é o LOGO, caracterizado como ambiente informático embasado no construtivismo. Neste ambiente o indivíduo constrói, ele próprio, os mecanismos do pensamento e os conhecimentos a partir das interações que tem com seu ambiente psíquico e social. A abordagem sociointeracionista do desenvolvi- mento cognitivo de Lev Vygotsky Os trabalhos de Vygotsky centram-se principalmente na origem social da inteligência e no estudo dos processos sóciocognitivo. Segundo Gilli e Gaonach’h, Vygotsky distingue duas formas de funcionamento mental: os processos mentais elementares e os superiores. Os processos mentais elementares correspondem ao estágio de inteligência sensório-motora de Piaget e são re- sultantes do capital genético da espécie, da maturação bio- lógica e da experiência da criança com seu ambiente físico. Já as funções psicológicas superiores, ressalta Olivei- ra, são construídas ao longo da história social do homem. Como? Na sua relação com o mundo, mediada pelos ins- trumentos e símbolos desenvolvidos culturalmente, fazen- do com que o homem se distinga dos outros animais nas suas formas de agir no e com o mundo. Fialho destaca que, para Vygotsky, o desenvolvimento humano compreende um processo dialético, caracterizado pela periodicidade, irregularidade no desenvolvimento das diferentes funções, metamorfose ou transformação quali- tativa de uma forma em outra, entrelaçando fatores inter- nos e externos e processos adaptativos. A maturação biológica e o desenvolvimento das fun- ções psicológicas superiores dependem, conforme Fialho, do meio social, que é essencialmente semiótico. Apren- dizado e desenvolvimento interagem entrelaçados nessa dialética de forma que um acelere ou complete o outro. Gilli diz que a relação entre educação, aprendizagem e desenvolvimento vem em primeiro lugar. Já o papel da me- diação social nas relações entre o indivíduo e seu ambiente (mediado pelas ferramentas) e nas atividades psíquicas in- traindividuais (mediadas pelos signos) em segundo lugar, e, a passagem entre o interpsíquico e o intrapsíquico nas situações de comunicação social, em terceiro lugar. Estes são os três princípios fundamentais, totalmente interde- pendentes nos quais Vygotsky sustenta a teoria do desen- volvimento dos processos mentais superiores. A abordagem de Henri Wallon A gênese da inteligência para Wallon é genética e or- ganicamente social, ou seja, “o ser humano é organicamen- te social e sua estrutura orgânica supõe a intervenção da cultura para se atualizar”. Nesse sentido, a teoria do desenvolvimento cognitivo de Wallon é centrada na psicogênese da pessoa completa. Para Galvão, o estudo de Wallon é centrado na crian- ça contextualizada, onde o ritmo no qual se sucedem as etapas do desenvolvimento é descontínuo, marcado por rupturas, retrocessos e reviravoltas, provocando em cada etapa profundas mudanças nas anteriores. Nesse sentido, a passagem dos estágios de desenvol- vimento não se dá linearmente, por ampliação, mas por reformulação, instalando-se no momento da passagem de uma etapa a outra, crises que afetam a conduta da criança. Conflitos se instalam nesse processo e são de origem exógena quando resultantes dos desencontros entre as ações da criança e o ambiente exterior, estruturado pelos adultos e pela cultura e endógenos e quando gerados pe- los efeitos da maturação nervosa. Esses conflitos são pro- pulsores do desenvolvimento. Os cinco estágios de desenvolvimento do ser humano apresentados por Galvão sucedem-se em fases com predo- minância afetiva e cognitiva: - Impulsivo-emocional, que ocorre no primeiro ano de vida. A predominância da afetividade orienta as primeiras reações do bebê às pessoas, às quais intermediam sua rela- ção com o mundo físico; - Sensório-motor e projetivo, que vai até os três anos. A aquisição da marcha e da prensão, dão à criança maior au- tonomia na manipulação de objetos e na exploração dos es- paços. Também, nesse estágio, ocorre o desenvolvimento da função simbólica e da linguagem. O termo projetivo refere- -se ao fato da ação do pensamento precisar dos gestos para se exteriorizar. O ato mental “projeta-se” em atos motores. Como diz Dantas, para Wallon, o ato mental se desenvolve a partir do ato motor; - Personalismo, ocorre dos três aos seis anos. Nesse está- gio desenvolve-se a construção da consciência de si median- te as interações sociais, reorientando o interesse das crianças pelas pessoas; - Categorial. Os progressos intelectuais dirigem o inte- resse da criança para as coisas, para o conhecimento e con- quista do mundo exterior; - Predominância funcional. Ocorre nova definição dos contornos da personalidade, desestruturados devido às mo- dificações corporais resultantes da ação hormonal. Questões pessoais, morais e existenciais são trazidas à tona. 33 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS O referido autor ressalta ainda que na sucessão de es- tágios há uma alternância entre as formas de atividades e de interesses da criança, denominada de “alternância funcional”, onde cadafase predominante (de dominância, afetividade, cognição), incorpora as conquistas realizadas pela outra fase, construindo-se reciprocamente, num per- manente processo de integração e diferenciação. Outras abordagens sobre aprendizagem Outras correntes teóricas buscaram aprofundar e/ou explicar as teorias mais representativas, propondo inclu- sive novas abordagens para compreensão dos processos de desenvolvimento cognitivo e aprendizagem. Dentre elas destacam-se: - Albert Bandura, que levanta uma abordagem de aprendizagem social e o papel das influências sociais na aprendizagem. - J. S. Bruner e a teoria de que o desenvolvimento cog- nitivo se dá numa perspectiva de tratamento da informa- ção, que ocorre de três modos: inativo, onde a informação é representada em termos de ações especificadas e habi- tuais (caminhar, andar de bicicleta); o modo icônico, onde a informação é representada em termos de imagens, e, sim- bólica, onde a informação é apresentada sobre a forma de um esquema arbitrário e abstrato. - Maturana e Varela, que não desenvolveram um estu- do sobre a cognição especificamente, mas sua teoria sobre o homem como um sistema autopoiético tem influenciado bastante a construção de modelos computadorizados. Os autores entendem que os seres vivos são um tipo particular de máquinas homeostáticas. A ideia de autopoiesis é uma expansão da ideia de homeostase, no sentido em que ela transforma todas as referências da homeostase em internas ao sistema e, afirma ou produz a identidade do sistema. O sistema autopoiético é organizado como uma rede de processos de produção de componentes que se regeneram continuamente, pela sua transformação e interação, a rede que os produziu e que constituem o sistema enquanto uma unidade concreta no espaço onde ele existe, especificando o domínio topológico onde ele se realiza como rede. - Robert M. Gagné, que compartilha dos enfoques behavioristas e cognitivistas em sua teoria. Para ele, as fa- ses da aprendizagem se apresentam associadas aos pro- cessos internos que, por sua vez, podem ser influenciados por processos externos. Para Gagné, a aprendizagem é um processo de mudança nas capacidades do indivíduo, no qual se produz estados persistentes e é diferente da maturação ou desenvolvimento orgânico. A aprendizagem se produz usualmente mediante interação do indivíduo com seu meio (físico, social, psicológico). As oito fases que constituem o ato de aprendizagem de Gagné. - Paulo Freire não desenvolveu uma teoria da apren- dizagem, mas seus postulados sobre a pedagogia pro- blematizadora e transformadora enfatizam uma visão de mundo e de homem não neutro. Assim. o homem é um ser no mundo e com o mundo. A inspiração de seu trabalho nasce de dois conceitos básicos: a noção de consciência dominada mais dois elementos subjetivos que a compõem e a ideia de que há determinadas estruturas que confor- mam o modo de pensar e agir das pessoas. Essas estruturas impregnam o comportamento subjetivo à percepção e à consciência que cada indivíduo ou grupo tem dos fenôme- nos sociais. - Howard Gardner muito tem contribuído para o pro- cesso educacional. Ele defende que o ser humano possui múltiplas inteligências, ou um espectro de competências manifestadas pela inteligência. Todas essas competências estão presentes no indivíduo, sendo `que se manifestam com maior ou menor intensidade, tornando o indivíduo mais ou menos deficiente, mais ou menos competente dentro de uma ou várias dessas competências. Em sua teo- ria, defende que os indivíduos aprendem de maneiras dife- rentes e apresentam diferentes configurações e inclinações intelectuais. Destaca, ainda, veementemente, o papel da educação no desenvolvimento global e aplicação das inte- ligências. As inteligências múltiplas a que se refere Garder são: a lógico-matemática, a linguística, a espacial, a musi- cal, a corporal- sinestésica, a interpessoal e a intrapessoal. Na prática escolar convencional, a concretização das condições de aprendizagem que asseguram a realização do trabalho docente, estão pautadas nas teorias deter- minando as tendências pedagógicas. Estas práticas pos- suem condicionantes psico sociopolíticos que configuram concepções inteligência e conhecimento, de homem e de sociedade. Com base nesses condicionantes, diferentes pressupostos sobre o papel da escola, a aprendizagem, a relações professor-aluno, a recursos de ensino e o método pedagógico .... Influenciam e orientam a didática utilizada. Os programas educacionais informatizados, dos diver- sos tipos, igualmente contém implícito ou explicitamente (ou no uso educacional que se faz deles) os pressupostos teórico metodológicos desses condicionantes). Fonte SILVA, C. R. O. 3.4 TEORIA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS DE GARDNER. O Educador Celso Antunes explica os conceitos de in- teligência múltipla segundo Howard Gardner. As pesquisas de Gardner representam verdadeiro símbolo educacional contemporâneo, ao sinalizar que o que se descobre sobre a mente humana, constitui não apenas saber acadêmico, mas instrumento de ação pedagógica imprescindível Howard Gardner possui um currículo indiscutível. Pro- fessor de Educação e Diretor do Projeto Zero, no Harvard Graduate Scholl of Education e professor adjunto de Neu- rologia na Boston University Scholl of Medicine, é autor de inúmeros livros e criador de uma teoria educacional co- nhecida e aplicada no mundo inteiro. Além da notoriedade pública e reconhecimento como um dos mais influentes educadores deste século, em 1981 recebeu o Mac Arthur 34 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS Prize Fellowship e, em 1990, tornou-se o primeiro norte-a- mericano a ser condecorado com o Louisville Grawemeyr Award in Educatio, prêmios que por sua expressão e gran- deza já sintetizam o admirável perfil de suas pesquisas e de suas obras. Ninguém melhor que Gardner, entretanto, para falar sobre ele mesmo. Em seu livro lançado no Brasil no ano 2000 pela Editora Objetiva (Inteligência - Um conceito re- formulado) descreve-se ao falar sobre seus pensamentos. “Nada em minha juventude diria que eu viria ser um estu- dioso (e um teórico) da inteligência. Quando criança, eu era bom aluno e me saia bem em testes, portanto a questão da inteligência era relativamente simples para mim. Na verdade, em outra vida, talvez eu pas- sasse a defender a visão clássica da inteligência, como tantos de meus contemporâneos brancos do sexo masculino que já estão envelhecendo. Típico garoto judeu que detestava ver sangue, eu (e muitos outros em meu mundo) pretendia ser advogado. Só em 1965, ao terminar a minha graduação no Harvard College, resolvi fazer pós-graduação em psicologia. A princípio, como outros adolescentes, eu estava fascinado com as questões da psicologia que intrigam o leigo: emo- ções, personalidade, psicopatologia. Meus heróis em Sig- mund Freud e meu professor, o psicanalista Erik Erikson, que havia sido analisado pela filha de Freud, Anna. No entanto, depois de ter conhecido Jerome Bruner, um pioneiro na pes- quisa da cognição e do desenvolvimento humano, e de ter lido as obras de Bruner e de seu mestre, o psicólogo suíço Jean Piaget, resolvi fazer pós graduação em psicologia do desenvolvimento cognitivo.” As pesquisas de Gardner representam verdadeiro sím- bolo educacional contemporâneo, ao sinalizar que o que se descobre sobre a mente humana, constitui não apenas saber acadêmico, mas instrumento de ação pedagógica imprescindível. Mostrou de forma coerente que todos os seres humanos possuem diferentes tipos de mente e que pais e professores podem tornar possível uma educação personalizada, destacando que na imensa diversidade que existe em cada um, deve solidificar-se a certeza de que ne- nhum ser humano é perfeito em tudo, mas todos, absolu-tamente todos, possuem potencial de grandezas diversas, forças pessoais que devidamente reconhecidas coloca uma nova linha educacional a serviço do integral desenvolvi- mento humano e da extrema grandeza da singularidade de sua mente O que é Inteligência Inteligência é a faculdade de entender, compreender, conhecer. Inteligência é também juízo, discernimento, ca- pacidade de se adaptar, de conviver. Constitui potencial biopsicológico não especificamente humano, mas que em seres humanos assume dimensão inefável. É, para Gardner, uma capacidade para resolver problemas e serve também para criar ideias ou produtos considerados válidos. As cria- turas humanas possuem nível elevado de inteligência e por isso são criativas, revelam capacidade de compreender e de inventar e ao acolher uma informação, atribuir-lhe sig- nificado e produzir respostas pertinente. É a inteligência que permite dar sentido as coisas que vemos e a vida que temos e que nos leva a conversa in- terior, resgates de «arquivos» da memória, capacidade de raciocínio, criação de objetivos e invenção de saídas quan- do parece não existir indícios de sua existência. Inteligência é saber pensar, possuir vontade para fazê-lo, criar e usar símbolos e graças a eles realizar conquistas extraordiná- rias, fazendo surgir o mito, a linguagem, a arte e a ciência. Somos quem somos porque lembramo-nos das coisas que nos são próprias e nos emocionamos, e a inteligência faz com que cada ser humano seja um ser único e compreenda plenamente o significado dessa individualidade. O Que Sabemos e o que ainda não sabemos sobre a Inteligência Humana A certeza de que trabalhando as inteligências múltiplas em sala de aula se está desenvolvendo linha de ação coe- rente com os saberes antropológicos, sociológicos e neu- roanatômicos sobre a inteligência humana se apoia em al- gumas evidências indiscutíveis. Entre estas, cabe destacar. Como as inteligências constituem potencial biopsicoló- gico de emprego imediato no dia a dia e recurso essencial para ajudar-nos a resolver problemas, adaptar-se as cir- cunstâncias, criar e aprender, quem busca trabalhá-las em sala de aula necessita perceber que o conhecimento não é uma “coisa” que vem de fora ou se capta do meio, mas um processo interativo de construção e reconstrução interior e assim não pode ser “transferido” de um indivíduo para ou- tro. Levando-se em conta essa assertiva descobre-se que o conhecimento é autoconstruído e as inteligências são edu- cáveis, isto é sensíveis a progressiva evolução, desde que adequadamente trabalhadas. A escola pode ser, portanto, um espaço fomentador de novas maneiras de pensar. Ainda que possam existir debates acadêmicos sobre a quantidade de inteligências que o ser humano possui, a classificação mais aceita é a de Howard Gardner que des- creve em cada pessoa a existência de oito ou nove inte- ligências (Howard Gardner fala-nos em oito inteligências efetivamente comprovadas e uma nona (inteligência exis- tencial) que ainda depende de maior aprofundamento e revisão para se acrescentar as oito conhecidas) claramente diferenciadas. O potencial humano quanto as inteligências é ex- tremamente diversificado e essa diversidade deve-se a conjunção de fatores genéticos e estímulos ambientais desenvolvidos dentro e fora da escola. Uma pessoa sem distúrbios ou disfunções cerebrais é portador de todas as inteligências ainda que seja diversificado o potencial desta ou daquela; A ocorrência de disfunções cerebrais adquiridas ou não, pode afetar uma ou mais inteligências, sem que isso implique em um comprometimento integral. Em outras pa- lavras, é possível neste ou naquele indivíduo a existência de um dificuldade ou distúrbio de aprendizagem que afete uma ou mais inteligências, sem que isso impeça o desen- volvimento potencial das demais. 35 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS Cada uma das inteligências pode ser identificada atra- vés de diferentes manifestações e estas, apenas para efei- tos didáticos, poderiam ser consideradas sub-inteligências. Desta forma a inteligência linguística por exemplo pode se manifestar através da escrita, da oralidade ou da sensibili- dade e emoções despertadas pela intensidade com que se capta mensagens verbais ou escritas; O valor maior ou menor que a sociedade empresta a esta ou àquela inteligência subordina-se à cultura inerente e ao tempo e local em que se vive. Em alguns espaços geo- gráficos, por exemplo, a capacidade musical se sobrepõe à linguística e em outros atribui-se valor maior a capacidade matemática que a administração de situações emocionais próprias ou em terceiros; Ainda que qualquer faixa etária mostre-se sensível ao estímulo das inteligências, existem idades em que as mes- mas respondem mais favoravelmente aos incentivos. Para a maior parte das inteligências a fase da vida mais sensível ao progresso estende-se dos dois aos quinze anos de ida- de. O cérebro humano é órgão que se compromete pelo desuso e portanto as diferentes inteligências necessitam de estímulos diversificados desde a vida pré-natal até idades bastante avançadas; Ao se pesquisar a inteligência humana e a evolução desse conceito, desde quando a neurologia pode bene- ficiar-se de estudos do cérebro em pessoas vivas, alguns poucos críticos enfatizaram que falar-se em Inteligências Múltiplas seria simplesmente “fragmentar-se a idéia de In- teligência”, criando-se um modismo. Nada mais errado que supor que a identificação de inteligências diferentes “frag- menta” ou apenas classifica aspectos particularizados de um todo. A localização cerebral de áreas específicas para operar saberes específicos - como a área de Broca e de Wernicke para a linguagem - mostra que não existe uma inteligência global que se busca dividir, mas núcleos cere- brais distintos que operam competências específicas, ainda que o cérebro humano funcione mais ou menos como uma orquestra e áreas diferentes se envolvem para a apresen- tação de um resultado aparentemente único. O fato de se ouvir, por exemplo, o destaque do piano em uma melodia não significa que reconhecê-lo implica em “fragmentar” a orquestra. Não existe uma única abordagem pedagógica para o trabalho com as inteligências múltiplas em sala de aula e, portanto, não existem “receitas” definitivas sobre como es- timulá-las. Concluindo algumas das evidências destacadas por Gardner, seria lícito reafirmar que trabalhar com inteligên- cias múltiplas não se afigura como um método de ensino cujo emprego supõe uma mudança radical na forma como antes se trabalhava. Ao contrário, estimular com atividades, jogos e estratégias as diferentes inteligências de nossos alunos é possível, não é complicado, não envolve custos ou despesas materiais significativas e pode ser desenvolvido para qualquer faixa etária e nível de escolaridade e em qualquer disciplina do currículo escolar. Mitos e Fantasias A teoria das Inteligências Múltiplas alcançou larga po- pularidade em quase todo mundo e, dessa forma, as idéias que enfatizavam seu emprego em sala de aula assumiram inevitáveis desvios. Em uma obra recente Gardner faz uma análise desses mitos, entre os quais destacamos alguns: Uma variedade de testes necessitam ser desenvolvi- dos para que possamos avaliar o potencial de cada uma das oito ou nove inteligências humanas. É um erro supor que possa se avaliar inteligências por testes, quantificando esse potencial. Uma avaliação coe- rente da inteligência espacial, por exemplo, deve permitir que o aluno explore uma área e perceba se consegue se orientar de maneira confiável, transferindo essa aprendiza- gem para áreas desconhecidas. Os estímulos, dessa forma, devem conduzir a um progressivo aperfeiçoamento que um criterioso diagnóstico,acompanhado de relatórios da ação do aluno (e não testes padronizados) revelará. Uma inteligência é mais ou menos como uma discipli- na escolar e, dessa forma, a Língua Portuguesa por exem- plo deveria explorar competências linguísticas, a Matemá- tica exploraria competências lógico-matemáticas e assim por diante. Nada mais errado que acreditar nesse mito. A inteli- gência é uma nova forma de construção de habilidades, baseada em capacidade e potenciais biológicos e psicoló- gicos e não pode ser confundida com disciplinas escolares, que são organizações de saberes aglutinados por pessoas. Em qualquer disciplina é possível trabalhar-se uma ou vá- rias inteligências. Uma inteligência é a mesma coisa que um estilo de aprendizagem ou um método de ensino. Um estilo de aprendizagem é uma abordagem que se aplica da mesma maneira em diferentes conteúdos; um método de ensino é uma sequência de operações com vis- tas a determinados resultados e, dessa forma, o trabalho com estímulos às inteligências permite adaptar-se a dife- rentes estilos de aprendizagem e sua aplicação não consti- tui método de ensino que para ser implantado pressupõe a substituição do método utilizado. Gardner enfatiza que não existe “receita” pedagógica única e forma universal de trabalhar-se as múltiplas inteligências. A teoria das Inteligências Múltiplas é incompatível com a existência de uma inteligência geral. A teoria das Inteligências Múltiplas não questiona a existência de uma inteligência geral mas sim seu campo de conhecimento, admitindo que mesmo pessoas aparen- temente bem dotadas em uma inteligência pouco serão capazes de realizar se não forem expostas a matérias que exijam essa inteligência. Quanto mais “inteligente” e diver- sificado for o ambiente e quanto mais incisivas as interven- ções de mediadores, mais capazes se tornarão as pessoas e menos importante será sua herança genética. 36 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS Sintetizando, seria possível afirmar que a Teoria das In- teligências Múltiplas endossa três proposições essenciais: Não somos todos iguais. Todo indivíduo, entretanto, é portador de forças cognitivas específicas que o diversifica e o singulariza. Não temos com igual intensidade todos os tipos de inteligência pois temos mentes diferentes. Nesse sentido, toda avaliação que busca comparar ou nivelar seres huma- nos apresenta-se eivada de preconceitos. A educação funciona de modo mais eficaz se essas di- ferenças forem levadas em consideração, se forças pessoais forem reconhecidas e se pais e professores empenharem- -se em desenvolver projetos para efetivamente conhecer e estimular mentes, descobrindo em que são efetivamente capazes. Uma boa avaliação, portanto, deveria ser “o mais direta possível”, orientando o aprender para fazer e verifi- cando como ocorreu essa construção. A essas proposições julgamos interessante acrescentar que um estímulo às inteligências somente ganha sentido se promovido através de um projeto, se estabelecido a par- tir de objetivos e trabalhados com pertinácia e com com- petência. Não se estimula inteligências acidentalmente ou com ações esporádicas. A Teoria das Inteligências Múltiplas Em 1983, Howard Gardner, psicólogo da Universida- de de Harvard concluiu o manuscrito “ As Estruturas da Mente” ( Artmed, 1994 ) que buscava ultrapassar a noção comum de inteligência, como um potencial que cada ser humano possuía em maior ou menor extensão e que este potencial pudesse ser medido por instrumentos verbais padronizados como teste de Q.I. Baseando-se no concei- to de que inteligência é a capacidade de resolver proble- mas ou de criar produtos que sejam valorizados dentro de um ou mais cenários culturais e tomando como referência científica evidências biológicas e antropológicas introduziu oito critérios distintos para uma inteligência e propôs sete competência humanas, mais tarde elevadas para oito ou eventualmente nove . A teoria de Gardner mudou de forma significativa o conceito de escola e de aula e abriu novas luzes sobre as competências humanas, mostrando que o sistema tradicio- nal de avaliação baseado na capacidade de dominar con- ceitos escolares específicos necessitava de imperiosa reno- vação e que não mais havia sentido em se conceber este aluno mais inteligente que outro apenas porque dominava com maior ou menor facilidade as explanações de seu pro- fessor ou os conceitos do livro didático. Hoje, pouco mais de vinte anos após a publicação dos pensamentos de Gardner, a idéia das inteligências múlti- plas evoluiu do campo das especulações e constitui uma nova maneira de ensinar e, sobretudo, uma outra forma de conceber a capacidade dos alunos e a aula centrada em sua individualidade. A despeito disso tudo, entretanto, ain- da existe algumas dificuldades em se situar com clareza a diferença que Gardner propôs para sua “teoria” e a “práti- ca” da mesma. “Teoria” e “prática” parecem ser palavras muito amigas e que gostam de andar juntas. Mas, enquanto a palavra “teoria” recebe o desdém e desprezo, como algo que valha apenas no papel mas não possui validade efetiva, a palavra “prática” ao contrário, recebe quase sempre o aplauso, re- velando caráter de autenticidade e funcionando para valer. “Teoria” significa um conjunto de idéias científicas sistema- tizadas e pode muitas vezes assegurar indiscutível validade prática. É, por exemplo, o que acontece com a Teoria das Inteligências Múltiplas. Os argumentos propostos por Gardner para mostrar a multiplicidade das inteligências parecem ser indiscutíveis. A lesão ou disfunção parcial do cérebro humano implica na perda de ações relativas a ou as inteligências especifica a essa área atingida e não a todas, assim como a mani- festação da genialidade humana, destaca que alguns mos- tram exponencial inteligência linguística, como é o caso de Sheakespeare por exemplo, mas outros se projetaram por sua inteligência musical como Mozart, matemática como ocorreu com Einsten, corporal nitidamente presente em Garrincha, Pelé e outros e ainda muitas outras. Ao lançar sua teoria, Gardner falava em sete inteligên- cias, mas estudos e pesquisas posteriores elevaram esse número para nove, admitindo que tal diversidade pode ainda vir a ser ampliada quando ainda mais profundamen- te se conhecer a mente humana. Em linhas gerais, portanto, todas as pessoas sem disfunções cerebrais agudas apre- sentam em diferentes níveis de grandeza, as inteligências: - Espacial, expressa pela capacidade de relacionar o es- paço próprio com o espaço do entorno, percebendo e ad- ministrando distâncias e pontos de referências, bem como revelando a capacidade em perceber visuo-espacialmente diferentes objetos, eventualmente transformando-os ou combinando-os em novas posições. Extremamente nítida em grandes arquitetos, manifesta-se também em pessoas que revelam facilidade em imaginar e percorrer referên- cias espaciais, como alguns motoristas de praça de gran- des cidades. Instiga a capacidade em pensar de maneira tridimensional e permite que a pessoa possua imagens externas e internas dos objetos através do espaço e de- codifique com facilidade as informações gráficas. Crianças com elevado nível de inteligência espacial percebem com facilidade a mudança de algo em um cômodo de sua casa, detectando alterações mesmo sutis em ambientes que co- nhecem. Parecem “pensar” através de imagens visuais e muitas vezes destacam-se em atividades artísticas ou jogos que envolvem montagens. Não poucas são fascinadas por máquinas e possuem elevada habilidade manual, mas não se interessam muito por atividades rotineiras, refugiando- -se em aventuras imaginárias. - Cinestésico-corporal, identificada à capacidade em controlar e utilizar ocorpo, ou uma parte do mesmo em atividades motoras complexas e em situações específicas, assim como manipular objetos de formas criativa e diferen- ciada. Marcante em pessoas que dançam muito bem, prati- cam a mímica com precisão ou são hábeis em modalidades 37 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS esportivas diversas. Facilita a sintonização de diferentes ha- bilidades físicas. Crianças com elevada inteligência espacial apresentam capacidade incomum em controlar o corpo e expressar-se por mímicas e caretas, precisando a toda hora mover-se, retorcer-se usando sensações corporais para processarem informações, aprendendo bem menos por ouvir e muito mais por fazer. - Lógico-matemática, ligada a competência em com- preender os elementos da linguagem lógico-matemática, permitindo ordenar símbolos numéricos e algébricos as- sim como quantidades, espaço e tempo. Presente na En- genharia, na Física e na Matemática, também se manifesta na contabilidade, programadores de computação e outras profissões que recorrem a lógica e os números. Crianças que apresentam uma elevada inteligência lógico-matemá- tica adoram separar, classificar e organizar objetos e brin- quedos, aprendem a calcular rapidamente e são excelentes em jogos que envolvem lógica e estratégia e no manejo e compreensão dos desafios ligados a computação. - Naturalista, associada a sensibilidade de percepção e compreensão dos elementos naturais e da interdepen- dência entre a vida animal e vegetal e os ecossistemas e a leitura coerente e racional da natureza em todo seu esplen- dor. Marcante no naturalista, botânico, jardineiro e paisa- gista tem em Darwin seu expoente mais extraordinário. Induz a observações de padrões na natureza, identificando e classificando sistemas naturais. As crianças com elevada inteligência naturalista interessam-se muito por animais e pela vida rural, sabendo quase que intuitivamente sepa- rar, organizar e classificar e ilustrar tudo que diz respeito a plantas e sobretudo a animais. - Linguística, voltada a capacidade em adquirir, com- preender e dominar as expressões da linguagem colocan- do em ação a semântica e a beleza na construção da sinta- xe. Manifesta em escritores, romancista, jornalistas, pales- trantes e poetas, mostra-se expressiva também em pessoas que cultuam a palavra e a construção de idéias verbais ou escritas. Consiste na capacidade de pensar com palavras e de usar a linguagem para expressar e avaliar significados complexos. Crianças com expressiva capacidade linguística surpreendem pelo vocabulário que conhecem e utilizam, adoram ler, escrever e contar histórias, mostrando interes- se por rima, trocadilhos, charadas e jogos com palavras. - Sonora ou Musical expressa na capacidade em combi- nar e compor a música, encadeando sons em uma sequên- cia lógica e rítmica e estruturando melodias. É a inteligên- cia que se manifesta com mais extraordinário esplendor em maestros, compositores e muitos outros. Destaca pessoas com extrema sensibilidade para a entoação, ritmo, melodia e o tom. Crianças com expressiva inteligência sonora mos- tram-se sensíveis a sons e seus ambientes, recordando com facilidade de ritmos e melodias. As que sentem-se cercadas por ambiente musical, motivam-se com instrumentos e in- corporam a música como elemento comum as suas vidas. Muitas entre elas acumulam coleção de CDs e parece que os fones de ouvido fazem parte da estrutura orgânica de seus rostos. - Intrapessoal é a inteligência de quem expressa grande facilidade para estabelecer relações afetivas com o próprio eu, construindo uma percepção apurada de si mesmo, fazendo despontar a autoestima e aprofundando o autoconhecimento de sentimentos, temperamentos e intenções. Presente de forma mais acentuada em psicana- listas, mostra-se bem caracterizada em assistentes sociais, alguns professores e outras profissões. Crianças com inteli- gência intrapessoal elevada desde cedo demonstram saber “quem realmente são”, não se preocupando muito sobre o que pensam a seu respeito. Valorizam a privacidade e ainda que não gostem muito de misturarem-se a multidão, costumam ser admiradas pelos colegas. - Interpessoal muito nítida em pessoas que revelam extrema capacidade em compreender a natureza humana em outras pessoas, procedendo uma verdadeira “leitura do outro” quanto seus aspectos emocionais, assim como a destacada facilidade para relações interpessoais e a com- preensão da dinâmica dos grupos sociais. Crianças com fortes habilidades nessa inteligência relacionam-se muito bem com outras pessoas, fazem amizade com extrema facilidade e como apresentam elevada sensibilidade para compreender sentimentos de terceiros não raramente são escolhidas para liderar grupos, organizar campanhas co- munitárias - Existencial, ligada a capacidade de se situar sobre os limites mais extremos do cosmos e também em relação a elementos da condição humana como o significado da vida, o sentido da morte, o destino final do mundo físico e ainda outras reflexões de natureza filosófica ou metafí- sica. Marcante em pessoas com forte espiritualidade é a inteligência dos filósofos, sacerdotes, xamãs, gurus e ainda outros. De maneira geral é possível crer que todas as pessoas sem problemas mentais específicos possuam todas as nove inteligências com algumas bem mais acentuadas e desen- volvidas que as outras. Trabalhos específicos desenvolvidos em sala de aula contribuem de forma efetiva para “acordar” todas as inteligências nos alunos, ampliando sua criativida- de e desenvolvendo-o de forma coerente e holística. Inteligências, Talentos e Aptidões Já ouvimos não poucas vezes educadores indagarem se o conceito de Inteligências Múltiplas não caracteriza “rou- pagem nova” para o que antes se conhecia como aptidão ou mesmo como talento. Não existe necessariamente um erro em denominar de aptidão esta ou aquela inteligência, mas enquanto a idéia de “aptidão” mais se aproxima de “habilidade” ou de “capacidade”, a inteligência como an- tes se observou constitui potencial biopsicológico ineren- te à espécie e sua validade se expressa pela capacidade de resolver problemas ou de criar algo novo. A “aptidão”, “performance” ou mesmo o “talento” parece-nos mais claramente associada a idéia de que simbolizam estados avançados desta ou daquela inteligência. O potencial é ine- rente à evolução, mas a habilidade é conquista educacional 38 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS com ou sem a intervenção de mediadores. Podemos afir- mar, por exemplo, que ao driblar seus adversários e dessa forma livrar-se do problema de uma marcação cerrada o atleta está explorando sua inteligência corporal, mas dri- blará melhor, com mais aguda performance porquê usou essa inteligência com talento ou com maior habilidade. Ao se assistir o drible de dois atletas não podemos negar a cla- ra evidência de uma inteligência cinestésico-corporal em ação, mas ao constatar que este dribla melhor que aquele, podemos inferir que isso ocorre porque possui maior habi- lidade, talvez porquê tenha treinado mais intensamente e que essa mesma habilidade poderá ser alcançado por seu colega se se empenhar cada vez mais, desde é claro que seu potencial seja similar. Muito além da simplicidade do exemplo exposto e de- sejando propor elementos teóricos (de natureza neuroló- gica, sociológica e antropológica) mais sólidos para carac- terizar uma inteligência e, desta forma, isolá-la de palavras que podem gerar alguma confusão, Gardner estabeleceu oito fundamentos que caracterizariam os elementos para aceitarmos uma inteligência. Esses fundamentos se aplicam as nove inteligência até esta data aferida, mesmo considerando que cada inteligên- cia possa manifestar-se através de diferentesaptidões. Os fundamentos sugeridos por Gardner são: Isolamento de uma ou outra inteligência por lesão cerebral. Uma inteligência pode ser danificada por uma disfun- ção ou lesão cerebral específica a área do cérebro em que a mesma encontra-se alojada. Uma pessoa, por exemplo, que sofra uma lesão da área de Broca ou de Wernick (lobo frontal esquerdo) apresenta claras deficiências linguísticas e apresentar problemas para ler, escrever e falar; A existência de savant A palavra savant é usada com frequência para deter- minadas pessoas de exponencial talento em uma ou outra aptidão desta ou daquela inteligência, mesmo com sérios comprometimentos em suas ações relativas a outras inteli- gências. Existem não poucos autistas com sérios problemas linguísticos ou interpessoais, mas com fortíssima inteligên- cia lógico-matemática ou mesmo musical. Os savants reve- lam inteligência - ou parte da mesma - superior, enquanto suas outras inteligências operam em baixo nível. Momentos definitos de sua manifestação ao longo da vida Cada atividade desta ou daquela inteligência parece apresentar um ciclo desenvolvimental nítido, onde se des- taca a faixa etária em que surge, o momento de maior índi- ce de desenvolvimento e um padrão próprio e específico de declínio com o envelhecimento. Ainda que a manifestação desse ciclo possa variar de inteligência para inteligência, tende a ser o mesmo em todas as pessoas, independente de sua cultura ou de seu ambiente geográfico. A presença das inteligências na história evolutiva da hu- manidade Ao que tudo indica desde quanto nossa espécie de- finiu-se como “homo sapiens” já se percebia claramente a existência de diferentes inteligências, marcando pessoas especiais neste ou naquele grupo. Em outras palavras, des- de antes da invenção da escrita já era possível detectar em um grupo cultural a existência de pessoas com maior pro- jeção em cada uma das oito ou nove inteligências. A sensibilidade da inteligência a uma avaliação Todas as inteligências humanas podem ser percebidas em suas manifestações, apresentando-se como pouco ex- pressivas em alguns, moderadas em outros e elevadas em terceiros. Embora inexiste um “teste” padrão para quanti- ficar esta ou aquela inteligência, todas as culturas sabem manifestar seu apreço por inteligências elevadas nas mani- festações conhecidas. Em outras palavras, qualquer cultu- ra, mesmo as ágrafas, reconhecem a existência de gênios linguísticos, gênios lógico-matemáticos, gênios musicais e assim por diante. Análise de desempenho específico Gardner demonstra que, ao examinar estudos psicoló- gicos específicos, é possível identificar inteligências ope- rando de maneira quase que isolada uma das outras. Esse fundamentos nos mostra que raramente percebe-se “gê- nios absolutos” isto é, pessoas excepcionais em todas as inteligências, prevalecendo potencialidades magníficas em matemática, na construção de textos, na composição musi- cal e assim por diante. A possibilidade de uma codificação através de um siste- ma simbólico. Cada inteligência possui símbolos próprios universais e assim como as linguagens faladas e escritas caracteri- zam a símbolo estrutural da inteligência linguística, os si- nais aritméticos, geométricos e os números externam os símbolos lógico-matemáticos. Da mesma forma as notas musicais externam símbolos da composição sonora, exis- tem linguagens gráficas espaciais usadas por engenheiros e arquitetos, a ação corporal na dança e nos esportes é de validade internacional como o é o riso, o choro e outras manifestações espaciais das emoções inerente as inteligên- cias pessoais. Operações centrais especifica de cada inteligência Da mesma forma como cada uma das inteligências conhecidas usam sistemas simbólicos específicos, existe também um conjunto de operações centrais que servem para acionar atividades inerentes a esta ou aquela inteli- gência. O excelente desempenho cinestésico-corporal, por exemplo inclui a necessidade do domínio de certas rotinas motoras específicas, tal como a construção de um belo tex- to também envolve procedimentos centrais específicos à inteligência linguística. 39 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS Inteligências Múltiplas e a Sala de Aula Constitui mérito indiscutível na obra de Gardner a praticidade de sua teoria e, portanto, o uso em sala de aula, indepen- dente do nível de ensino com o qual se trabalha e o conteúdo que se busca ministrar. A idéia essencial da teoria é assumir que todo aluno pode expressar saberes através de diferentes linguagens e que, devidamente estimulado, pode explorar sua potencialidade de forma diversificada. O texto abaixo, apenas como exemplo, procura mostrar a extrema diversidade dessa aplicação e, nesse sentido, enfatiza uma das inúmeras perspectivas de aplicação da teoria das Inteligências Múltiplas em sala de aula. “ Faça de conta que em frente à sala, o professor acabou de fazer uma análise do tema “Capitanias Hereditárias”. Se pre- ferir, ao invés deste, o tema tratado foi a “Como extrair-se raiz quadrada”, “O funcionamento do pâncreas”, “O quadro climato- -botânico da Região Sudeste”, ou outro tema qualquer. No exemplo que se dará, o tema é pouco importante e o que modela a ação do professor será seu procedimento, ministrando aula desta ou daquela disciplina, para este ou para aquele nível. Ao concluir sua exposição e esclarecer dúvidas interpretativas, solicita uma síntese sobre o que falou, através da qual, alunos organizados em pequenos grupos, deverão se expressar. Alguns poderão fazer uso de uma linguagem textual e, dessa forma, apresentarão sua síntese com palavras e, portanto, com frases significativas, textos elucidativos, manchetes marcantes, reportagens realistas. Na execução desse trabalho, a atividade centrada na expressão verbal, imporá ao aluno um uso consistente de sua inteligência linguística. Mas, enquanto esse grupo busca a melhor forma de expressão verbal, um outro por exemplo, pode estar pesquisando o tema para expressar o conteúdo do mesmo, possível de ser exemplifica- do por equações, médias, grandezas, gráficos e proporções. Enquanto o primeiro grupo “mergulhou” no tema, mas buscou resposta linguística; o segundo grupo não fez pesquisas menos intensas e conclusivas, mas expressou suas respostas por uma visão lógico-matemática. O tema é o mesmo, mas áreas cerebrais diferentes foras usadas por grupos diferentes. Da mesma forma, o mesmo tema poderá suscitar a um ter- ceiro grupo uma resposta visuoespacial e, assim, buscará sua expressão através de mapas e de gráficos, de frisas do tempo e de colagens, de mapa conceituais ou outras manifestações da linguagem pictográfica. Observe que, nesse exemplo, três grupos diferentes, centrados em um mesmo tema, buscaram seu aprofundamento e sua integral significação explorando diferentes inteligências. Mas, será que esse tema ou conteúdo - seja ele qual for - não poderá, por exemplo, ser pesquisado através de uma visão sonora ou musical e, por essa via, propondo-se como letra de uma samba, valsa ou trovas populares? Será que os alunos empenhados nessa busca o estarão estudando menos profundamente? Será, por exemplo, que além da linguagem linguística ou verbal, lógico-matemática, espacial ou sonora não seria o mesmo tema um excelente desafio para se propor discussões que envolvessem a linguagem corporal cinestésico, naturalista, inter ou intrapessoal? Observe que qualquer conteúdo, de qualquer disciplina, pode ser analisando segundo a visão doentia e exclusivista de uma única inteligência, mas pode também, com alunos se revezando em funções que com o tempo de alternam, ser traba- lhado de forma interdisciplinar, valendo-se de outras linguagens e, por esse caminho, explorando outras inteligências. Per- cebe-sepelo exposto que usar as inteligências múltiplas em classes populares é tão simples quanto agir com bom senso. Mas, cuidado. Existe o bom senso de ontem e o bom senso de agora. O bom senso egoísta e exclusivista de antigamen- te que buscava normatizar a humanidade, valorizando apenas uma de suas muitas linguagens e, dessa forma, excluindo to- dos quantos na mesma não eram excelentes e o bom senso de agora que, ao admitir o aluno como singularidade holística, permite a expressão de seu saber através de diferentes formas, exercitando diferentes inteligências.” Concluindo a síntese sobre a aplicabilidade dos fundamentos das idéias de Gardner no contexto da realidade de nossas salas de aula, apresentamos o quando-síntese abaixo. INTELIGÊNCIAS ALGUMAS ATIVIDADES MATERIAIS DE ENSINO AÇÃO DOCENTE ESPACIAL Atividades artísticas, apresen- tações visuais, metáforas, vi- sualização e mapas conceituais. Concursos fotográficos, me- táforas por meio de imagens, símbolos gráficos diversos. Colagens, gráficos, frisas do tempo, mapas, massa de mo- delagem, argila, lápis de cor, recursos táteis. Coleção de fotos. Explorar o uso de linguagens alternativas, solicitar a transfe- rência de textos para desenhos, gráficos, quadros-síntese CINESTÉSICA- -CORPORAL Teatro, dança, mímica, exercí- cios de relaxamento, atividades diversas que envolvam o uso do corpo Instrumentos de montagem, tampinhas, blocos, equipa- mentos esportivos, recursos manipuláveis, peças LEGO. Mapas corporais. Solicitar o uso de movimentos do corpo para expressar conhe- cimentos de disciplinas descriti- vas. Exercícios sobre consciência física. Propostas sobre cozinhar, costurar, jardinagem, realidades virtuais. 40 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS LÓGICO-MATE- MÁTICA Desafios, problemas, enigmas, atividades cientificas de experi- mentação, desafios numéricos, pensamentos críticos. Concur- sos sobre resolução de proble- mas lógicos, criação de códigos, linguagens de computação. Calculadoras, ábacos, jogos matemáticos, desafios que explorem a grandeza, propor- ções, perspectivas. Uso de es- calas diversas. Computador e, quando possível, computador fora de uso para desmonta- gem e análise. Empenhar-se em desenvolver a capacidade de expressar pen- samentos através de gráficos, busca de proporções, médias, grandezas e outros elementos lógicos NATURALISTA Excursões, atividades diver- sas ao ar livre, experiências de classificação animais e vegetais, pesquisas sobre o mundo ani- mal e organização de ecossiste- mas. Caminhadas naturalistas, etc. Aquários, terrários, hortas co- letivas, pequenos museus ou coleções naturalistas. Proposição de desafios que en- volvam conhecimento de ani- mais e plantas, transposição de temas para um enfoque natura- lista, organização de diários de campo e registros de atividades ao ar livre SONORA Aprendizagem rítmica, apre- sentação de corais abordando temas escolares, seleção e cria- ção de músicas envolvendo os conteúdos disciplinares. Dra- matizações e Concertos. Visitas a apresentações musicais. Vin- culação de conceitos à música. Gravador, coleção de fitas, instrumentos musicais, cole- ção de CDs. Aparelhos de re- produção sonora. Sugestão para a criação de pa- ródias, organização de grupos para apresentação de temas escolares com ritmos diversos e uso de fundo musical LINGÜISTICA Explanações, debates, organi- zação de telejornais ou jornais impressos ou murais, jogos de palavras e atividades que ex- plorem a narração, leitura ou redação. Organização de gru- pos para debates sobre filmes assistidos, clubes literários, con- cursos linguísticos. Livros diversos, dicionários de vários tipos, coleção de jornais e revistas, portfólios sobre temas, concurso de re- dação, trovas e outros Estímulos para pesquisas bi- bliográficas, exploração de di- ferentes habilidades operatórias como sintetizar, analisar, rela- tar, descrever e outras, desafios sobre interpretação de textos, concursos de manchetes, trovas e poemas para expressar dife- rentes conteúdos INTRAPESSOAL Orientação individual, explo- ração de pesquisas sobre a autoestima, aceitação de pro- duções individualizadas, opor- tunidade de opções para ma- nifestações diferenciadas do conhecimento adquirido. Recursos diversos para au- toavaliação, organização de portfólios, diários, materiais diversificados sobre projetos, orientação pessoal de pesqui- sas. Exploração de atividades que envolvam a significação dos fa- tos apreendidos no uso diário, ajuda para a contextualização do apreendido no cotidiano vi- vido. INTERPESSOAL Trabalhos em grupo, organi- zação de micro cooperativas e projetos de apoio comunitário, organização de campanhas fi- lantrópicas, reuniões sociais. Propostas para atividades com- partilhadas, exercícios de simu- lações. Jogos coletivos, relação de atividades sociais, arquivo de projetos de ação comunitária, fontes de apoio a ações cole- tivas. Estímulo a cooperação, propos- ta de campanhas diversas. Fonte: Disponível em: http://revistaeducacao.uol.com.br/formacao-docente/0/artigo233099-1.asp 3.5 PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO: ASPECTOS HISTÓRICOS E BIOPSICOSSOCIAIS. A Psicologia do Desenvolvimento como ramo da ciência psicológica constitui-se no estado sistemático da personalida- de humana, desde a formação do indivíduo, no ato da fecundação até o estágio terminal da vida, ou seja, a velhice. Como ciência comportamental, a psicologia do desenvolvimento ocupa-se de todos os aspectos do desenvolvi- mento e estuda homem como um todo, e não como segmentos isolados de dada realidade biopsicológica. De modo integrado, portanto, a psicologia do desenvolvimento estuda os aspectos cognitivos, emocionais, sociais e morais da 41 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS evolução da personalidade, bem como os fatores deter- minantes de todos esses aspectos do comportamento do indivíduo. Como área de especialização no campo das ciências comportamentais, argumenta Charles Woorth (1972), a psi- cologia do desenvolvimento se encarrega de salientar o fato de que o comportamento ocorre num contexto histó- rico, isto é, ela procura demonstrar a integração entre fa- tores passados e presentes, entre disposições hereditárias incorporadas às estruturas e funções neurofisiológicas, as experiências de aprendizagem do organismo e os estímu- los atuais que condicionam e determinam seu comporta- mento. Processos básicos no Desenvolvimento Humano Muitos autores usam indiferentemente as palavras de- senvolvimento e crescimento. Entre estes encontram-se Mouly (1979) e Sawrey e Telford (1971). Outros, porém, como Rosa, Nerval (1985) e Bee (1984-1986), preferem designar como crescimento as mudanças em tamanho, e como desenvolvimento as mudanças em complexidade, ou o plano geral das mudanças do organismo como um todo. Mussen (1979), associa a palavra desenvolvimento a mudanças resultantes de influências ambientais ou de aprendizagem, e o crescimento às modificações que de- pendem da maturação. Diante dos estudos e leituras realizados, torna-se evi- dente e necessário o estabelecimento de uma diferencia- ção conceitual desses termos, vez que, constantemente encontramos os estudiosos dessa área referindo-se a um outro termo, de acordo com a situação focalizada. Desta forma, preferimos conceituar o crescimento como sendo o processo responsável pelas mudanças em tamanho e sujeito às modificações que dependem da maturação, e o desenvolvimento como as mudanças em complexidade ou o plano geral das mudanças do organismo como um todo, e que sofrem, além da influência do processo maturacional, a ação maciça das influências ambientais, ou da aprendiza- gem (experiência,treino). Através da representação gráfica, que se segue, ilus- tramos o conceito de crescimento e desenvolvimento, evi- denciando a interveniência dos fatores que o determinam: Hereditariedade, meio ou ambiente, maturação e aprendi- zagem (experiência, treino). Processo de Desenvolvimento Exemplificando o uso do conceito de crescimento e desenvolvimento: É evidente que a mão de uma criança é bem menor do que a mão de um adulto normal. Pelo processo normal do crescimento, a mão da criança atinge o tamanho normal da mão do adulto na medida em que ela cresce fisicamen- te. Dizemos, portanto, que, no caso, houve crescimento dessa parte do corpo. A mão de um adulto normal é dife- rente da mão de uma criancinha, não somente por causa do seu tamanho. Ela é diferente, sobretudo, por causa de sua maior capacidade de coordenação de movimentos e de uso. Neste caso, podemos fazer alusão ao processo de desenvolvimento, que se refere mais ao aspecto qualitativo (coordenação dos movimentos da mão, desempenho), sem excluir, todavia, alguns aspectos quantitativos (aumento do tamanho da mão). Nota-se, entretanto, que essa distinção entre crescimento e desenvolvimento nem sempre pode ser rigorosamente mantida, porque em determinadas fases da vida os dois processos são, praticamente, inseparáveis. A questão da hereditariedade e do meio no desen- volvimento humano A controvérsia hereditariedade e meio como influên- cias geradoras e propulsoras do desenvolvimento humano tem ocupado, através dos anos, lugar de relevância no con- texto geral da psicologia do desenvolvimento. A princípio, o problema foi estudado mais do ponto de vista filosófico, salientando-se, de um lado, teorias na- tivistas, como a de Rousseau, que advogava a existência de ideias inatas, e, de outro lado, as teorias baseadas no empirismo de Locke, segundo o qual todo conhecimento da realidade objetiva resulta da experiência, através dos órgãos sensoriais, dando, assim, mais ênfase aos fatores do meio. Particularmente, no contexto da psicologia do desen- volvimento, o problema da hereditariedade e do meio tem aparecido em relação a vários tópicos. Por exemplo, no es- tudo dos processos perceptivos, os psicólogos da Gestalt advogaram que os fatores genéticos são mais importantes à percepção do que os fatores do meio. Por outro lado, cientistas como Hebb (1949) defendem a posição empi- rista, segundo a qual os fatores da aprendizagem são de essencial importância ao processo perceptivo. Na área de estudo da personalidade encontramos teorias constitu- cionais como as de Kretschmer e Sheldon que advogam a existência de fatores inatos determinantes do comporta- mento do indivíduo, enquanto outros, como Bandura, em sua teoria da aprendizagem social, afirmam que os fatores de meio é que, de fato, modelam a personalidade huma- na. Na pesquisa sobre o desenvolvimento verbal, alguns psicólogos como Gesell e Thompson (1941) se preocupam mais com o processo da maturação como fato biológico, enquanto outros se preocupam, mais, com o processo de aprendizagem, como é o caso de Gagné (1977), Deese e Hulse (1967) e tantos outros. Com relação ao estudo da inteligência, o problema é o mesmo: uns dão maior ênfase aos fatores genéticos, como é o caso de Jensen (1969), en- quanto outros salientam mais os fatores do meio, como o faz Kagan (1969). Em 1958, surgiu uma proposta de solução à questão, por Anne Anastasi, que publicou um artigo no Psychologi- cal Review, sobre o problema da hereditariedade e meio na determinação do comportamento humano. O trabalho de Anastasi lançou considerável luz sobre o problema, tanto do ponto de vista teórico como nos seus aspectos metodológicos. Isso não significa que o problema tenha sido resolvido, mas, pelo menos, ajudou os estudio- sos a formularem a pergunta adequada pois, como se sabe, fazer a pergunta certa é fundamental a qualquer pesquisa científica relevante. 42 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS Faremos, a seguir, uma breve exposição da solução proposta por Anne Anastasi (1958), contando com o auxílio de outras fontes de informação. A discussão do problema hereditariedade versus meio encontra-se, hoje, num estágio em que ordinariamente se admite que tanto os fatores hereditários como os fatores do meio são importantes na determinação do comporta- mento do indivíduo. A herança genética representa o po- tencial hereditário do organismo que poderá ser desenvol- vido dependendo do processo de interação com o meio, mas que determina os limites da ação deste. Anastasi afirmou que mesmo reconhecendo que de- terminado traço de personalidade resulte da influência conjunta de fatores hereditários e mesológicos, uma dife- rença específica nesse traço entre indivíduos ou entre gru- pos pode resultar de um dos fatores apenas, seja o genéti- co seja o ambiente. Determinar exatamente qual dos dois ocasiona tal diferença ainda é um problema na metodolo- gia da pesquisa. Segundo Anastasi, a pergunta a ser feita, hoje, não mais deve ser qual o fator mais importante para o desenvolvi- mento, ou quanto pode ser atribuído à hereditariedade e quanto pode ser atribuído ao meio, mas como cada um desses fatores opera em cada circunstância. É, pois, por- tanto, mais preocupada com a questão de como os fatores hereditários e ambientais interagem do que propriamente com o problema de qual deles é o mais importante, ou de quanto entra de cada um na composição do comporta- mento do indivíduo. Anastasi procurou demonstrar que os mecanismos de interação variam de acordo com as diferentes condições e, com respeito aos fatores hereditários, ela usa vários exem- plos ilustrativos desse processo interativo. O primeiro exemplo é o da oligofrenia fenilpirúvica e a idiotia amurótica. Em ambos os casos o desenvolvimento intelectual do indivíduo será prejudicado como resultado de desordens metabólicos hereditárias. Até onde se sabe, não há qualquer fator ambiental que possa contrabalançar essa deficiência genética. Portanto, o indivíduo que sofreu essa desordem metabólica no seu processo de formação será mentalmente retardado, por mais rico e estimulante que seja o meio em que viva. A questão da MATURAÇÃO e da APRENDIZAGEM no desenvolvimento humano A partir do patrimônio hereditário e tendo, do outro lado, o meio para complementar o processo de desenvol- vimento, temos dois processos fundamentais: o da MATU- RAÇÃO e o da APRENDIZAGEM ou EXPERIÊNCIA. Segundo Schneirla (1957), o desenvolvimento se refere a mudanças progressivas na organização de um organis- mo. Este, por sua vez, é encarado como um sistema fun- cional e adaptativo através de toda a vida. Portanto, desen- volvimento implica em mudança progressiva num sistema vivo, individual, funcional e adaptativo. Nessa mudança progressiva do desenvolvimento há dois fatores gerais de alta complexidade e de grande importância - maturação e experiência. Maturação significa crescimento e diferenciação dos sistemas físicos e fisiológicos do organismo. Crescimento se refere a mudanças resultantes de acréscimo de tecidos. É, portanto, de natureza quantitativa. Diferenciação se re- fere a mudanças nos aspectos estruturais dos tecidos. Um exemplo típico de diferenciação seria o caso do embrião, que em determinada fase de seu desenvolvimento é divi- dido em três camadas ou folhetos - o mesoderma, o en- doderma e o ectoderma - dos quais se originam os vários órgãos e sistemas do corpo. Maturação, portanto, se refere a mudanças que ocor- rem no organismo como resultado de crescimento e dife- renciação de seus tecidos e órgãos. Para elucidar, mais um pouco, a questão, faremos as seguintes colocações; - O crescimento refere-se a alguns tipos de mudanças, passo a passo em quantidade, como por exemplo, em ta- manho. Falamosdo crescimento do vocabulário da crian- ça ou do crescimento do seu corpo. Tais mudanças em quantidade podem ser em função da maturação, mas não necessariamente. O corpo de uma criança pode mudar de tamanho porque sua alimentação mudou, o que é efeito externo, ou porque seus músculos e ossos cresceram, o que é, provavelmente, um efeito maturacional. Note-se, entretanto, que a maturação não ocorre à re- velia da contribuição do meio. Segundo Schneirla, o pro- cesso maturacional deve, sempre, ocorrer no contexto de um ambiente favorável. Visto que existe essa interdepen- dência, a direção exata que a maturação tomará será afe- tada por aquilo que acontece no contexto em que vive o organismo. - Experiência se refere a todas as influências que agem sobre o organismo através de sua vida. A experiência pode afetar o organismo em qualquer fase de sua ontogêne- se. Há experiência com ações químicas, ou enfermidades, que podem afetá-lo na vida intrauterina, e há outras que podem afetá-lo depois do nascimento. Quer se trate, por- tanto, de experiência endógena ou exógena, ela constitui, sempre, um dos fatores de interação que determinam o desenvolvimento. Maturação e experiência, portanto, interagem no pro- cesso do desenvolvimento, e isso se dá de modo especí- fico. Há experiências, por exemplo, que produzem o que Schneirla chamou de efeitos de traços, que são mudanças orgânicas que, por sua vez, afetam experiências futuras. Isto é, há experiências que produzem mudanças no orga- nismo, e estas mudanças determinam o modo como ex- periências futuras afetarão o organismo. Exemplo, se uma criança passa por uma experiência que a incapacita para atividades esportivas, um programa de educação física a afetará de modo diferente do que afetaria sem tal expe- riência traumática - exemplificar dentro do nosso sujeito. Acontece, porém, que os efeitos que determinada ex- periência pode causar são limitadas pelo nível de matura- ção do organismo. A mesma experiência poderá produzir diferentes efeitos, dependendo do nível de maturação do organismo. Aparentemente, não será de grande proveito submeter o organismo a um processo de aprendizagem para o qual ele não tenha um mínimo de condições em 43 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS termos de seu processo maturacional. Por outro lado, en- tretanto, a experiência impõe limites à maturação. O cres- cimento e diferenciação do processo maturacional não ocorrerão sem os efeitos facilitadores da experiência. Por- tanto, maturação e experiência devem interagir para que o desenvolvimento possa ocorrer. Passamos a ilustrar, com exemplos, situações práticas, através das quais venha a ser evidenciada a questão da maturação versus aprendizagem/experiência. É necessário que compreendamos que o desenvolvimento determina- do pela maturação ocorre, na sua forma pura, indepen- dentemente da prática ou tratamento, pois as sequências maturacionais são poderosas. Você não precisa praticar o crescimento dos pelos pubianos, não precisou que lhes en- sinassem como andar. Mas essas mudanças não ocorrem no vácuo. A criança amadurece num ambiente específico, e mesmo tais padrões maturacionais poderosos podem ser perturbados pela privação ou por acidentes. Uma criança que não come o suficiente pode andar depois que outra que recebeu uma boa dieta. Durante o desenvolvimento pré-natal a sequência de mudanças pode ser perturbada por coisas, como por exemplo, doenças na mãe. Mesmo as mudanças físicas na puberdade podem ser alteradas em circunstâncias extremas, particularmente pela desnutrição. Por exemplo, meninas severamente subnu- tridas não menstruam. Dennis (1960), observou o desen- volvimento físico de crianças criadas em orfanato no Irã, durante os anos 50. Em um dos orfanatos, as crianças eram colocadas em seus berços deitadas de costas, sobre col- chões que já estavam tão afundados que se tornava extre- mamente difícil para os bebês rolarem, ou virarem. Na medida em que eles raramente ficavam deitados de barriga para baixo, tinham poucas oportunidades para praticar os movimentos que compõem os primeiros está- gios da sequência que leva ao engatinhar e andar. Em fun- ção disso, muitos bebês não engatinhavam. Ao invés disso, eles conseguiram se movimentar patinando, uma forma de locomoção na qual a criança senta e impulsiona-se para frente através de um movimento de flexionar e esticar as pernas. Todas as crianças acabavam andando, mas os pa- tinadores eram muito atrasados, e sua sequência de movi- mentos pré-marcha estava alterada. Portanto, embora as sequências maturacionais sejam poderosas, elas são afe- tadas pelo tipo de estimulação disponível para a criança. Com referência às influências ambientais, tem havi- do grande quantidade de pesquisas de psicologia do de- senvolvimento sobre os efeitos de influências ambientais, como a pobreza ou classe social. Estas pesquisas e estudos equivalentes sobre os efeitos dos padrões familiares, dieta ou diferenças étnicas envolvem, basicamente, a compara- ção de grupos que tenham sofrido experiências bastante diferentes. As questões básicas respondidas são perguntas do tipo o que mais, do que, por que. Qual é o efeito da pobreza sobre o desenvolvimento da linguagem ou cres- cimento físico da criança? O que acontece com o conceito de gênero da criança se ela não tem o pai ou a mãe em casa? Podemos descobrir, por exemplo, que as crianças criadas em famílias pobres conhecem um número menor de palavras que as crianças em famílias financeiramente mais seguras. Mas, por que? Esta pergunta “por que” nos leva, inevitavelmente, ao exame mais detalhado dos am- bientes desses dois tipos de crianças. Quem conversa com a criança? Com que frequência? Que tipos de palavras são usados? Quando abordamos perguntas como essas saímos dos efeitos ambientais amplos e caímos no campo das ex- periências individuais específicas. Na verdade, os dois as- pectos do desenvolvimento, maturação e aprendizagem, são tão intimamente ligados que não é possível isolar a influência de um e de outro. A pessoa baixa pode sê-lo de- vido a uma tendência hereditária, ou devido a uma doença que impediu o seu crescimento. A capacidade herdada não pode desenvolver-se num vácuo, nem pode ser medida a não ser através do estado atual de desenvolvimento, e este, naturalmente, resulta em parte da aprendizagem. Se uma pessoa se comporta de maneira não-inteligente, não exis- te forma infalível de saber se tal comportamento resulta de limitações herdadas ou de limitações de seu ambiente na estimulação do crescimento. Apenas no caso em que podemos, com razoável certeza, eliminar as possibilida- des de insuficiente oportunidade para aprender, podemos considerar o comportamento inadequado como indicador de deficiências herdadas. Dessa maneira, se alguém pare- ce estúpido em um problema de cálculo adiantado, isso pode ou não implicar falta de inteligência, o que depende da experiência do indivíduo nesse campo; ao contrário, a incapacidade para compreender relações entre ideias co- muns pode ser interpretada, com mais segurança, como resultado de insuficiência mental. Segundo Samuel Pfromm Neto (1976), pode-se inferir a atuação de dois processos básicos no desenvolvimento: a maturação e a aprendizagem. A maturação, responsável pela diferenciação ou desenvolvimento de traços poten- cialmente presentes no indivíduo, ocorre independente- mente da experiência. Frank (1963), entretanto, assinala que mais do que a emergência de padrões não aprendidos, a noção de maturação implica na reorganização e recom- binação da sequência total de funções e comportamentos anteriormente padronizados, possibilitando a emergência de novos padrões essenciais ao desenvolvimento huma- no. De tal processo resultam as mudanças ordenadas no comportamento, que sedão de modo universal e ocorrem, mais ou menos na mesma época, em todos os indivíduos. A aprendizagem refere-se a mudanças no comportamento e nas características físicas do indivíduo que implicam em treino, exercício e, por vezes, em esforço consciente, deli- berado, do próprio indivíduo. É de particular importância, em se tratando de seres humanos, a aprendizagem que ocorre em situação social. Embora a maturação possa ser tratada separadamente da aprendizagem, numa exposição teórica sobre o desen- volvimento humano não é fácil fazer tal separação na práti- ca. Quase todos os comportamentos resultantes de matu- ração sofrem a influência da aprendizagem e os dois pro- cessos se apresentam de tal modo inter-relacionados que raramente é possível distinguir o primeiro do segundo. No desenvolvimento da linguagem da criança, por exemplo, a maturação de estruturas e funções envolvidas na produção e reconhecimento de sons interage estreitamente com a 44 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS aprendizagem de um idioma específico. A maturação, na verdade, fornece as mesmas bases para a aprendizagem de quaisquer idiomas. O desenvolvimento psicossexual do adolescente, se- gundo Samuel Pfromm Neto, serve, também, para ilustrar a interação acima referida. Não basta a maturação sexual ligada às transformações pubertárias para garantir a efeti- vação do comportamento sexual. Um complexo de apren- dizagens sociais-sexuais deve ter lugar, antes que o jovem possa ser considerado seguro, bem ajustado e bem aceito em suas relações com o sexo. Não obstante a dificuldade de diferenciar, na prática, as influências da maturação e da aprendizagem, numero- sas pesquisas realizadas com êxito, com animais e seres humanos, permitiram melhor conhecimento das relações entre os dois processos. Eis algumas generalizações, deri- vadas de tais pesquisas: a) As habilidades alicerçadas de modo mais direto so- bre padrões de desenvolvimento do comportamento que resulta de maturação são mais facilmente aprendidas (por exemplo, a aprendizagem universal de pa-pa e ma-ma, pa- lavras que se ajustam mais facilmente ao balbucio natural da criancinha). b) Quanto mais amadurecido o organismo, tanto me- nor treino é necessário para atingir um determinado nível de proficiência. c) A aprendizagem ou treino antes da maturação pode resultar em melhoria nula ou apenas temporária. d) Quando o treino prematuro é frustrado, seus efeitos podem ser prejudiciais (Hitgard -1962). Princípios Gerais do Desenvolvimento Humano O desenvolvimento é um processo contínuo que co- meça com a vida, isto é, na concepção, e a acompanha, sendo agente de modificações e aquisições. A sequência do desenvolvimento no período pré-natal, isto é, antes do nascimento, é fixa e invariável. A cabeça, os olhos, o tronco, os braços, as pernas, os órgãos genitais e os órgãos internos desenvolvem-se na mesma ordem, e aproximadamente nas mesmas idades pré-natais em todos os fatos. Embora os processos subjacentes ao crescimento se- jam muito complexos, tanto antes quanto após o nasci- mento, o desenvolvimento humano ocorre de acordo com certo número de princípios gerais, os quais veremos a se- guir. Primeiro: O crescimento e as mudanças no comporta- mento são ordenados e, na maior parte das vezes, ocorrem em sequências invariáveis. Todos os fetos podem mover a cabeça antes de poderem abrir as mãos. Após o nascimento, há padrões definidos de crescimento físico e de aumentos nas capacidades motoras e cognitivas. Toda criança conse- gue sentar-se antes de ficar de pé, fica de pé antes de andar e desenha um círculo antes de poder desenhar um quadrado. Todos os bebês passam pela mesma sequência de estágios no desenvolvimento da fala: balbuciam antes de falar, pro- nunciam certos sons antes de outros e formam sentenças simples antes de pronunciar sentenças complexas. Certas capacidades cognitivas precedem outras, invariavelmente. Todas as crianças podem classificar objetos ou colocá-los em série, levando em consideração o tamanho, antes de poder pensar logicamente, ou formular hipóteses. A natureza ordenada do desenvolvimento físico e mo- tor inicial está ilustrada pelas tendências “direcionais”. Uma dessas tendências é chamada cefalocaudal ou da cabeça aos pés, isto é, a direção do desenvolvimento de qualquer forma e função vai da cabeça para os pés. Por exemplo, os “botões” dos braços do feto surgem antes dos “botões” das pernas, e a cabeça já está bem desenvolvida antes que as pernas estejam bem formadas. No instante, a fixação visual e a coordenação olho-mão estão desenvolvidas muito antes que os braços e as mãos possam ser usadas com eficiência para tentar alcançar e agarrar objetos. A direção seguinte do desenvolvimento é chamada próximo-distal, ou de dentro para fora. Isso sig- nifica que as partes centrais do corpo amadurecem mais cedo e se tornam funcionais antes das partes que se situam na periferia. Movimentos eficientes do braço e antebraço precedem os movimentos dos pulsos, mãos e dedos. O braço e a coxa são controlados voluntariamente antes do antebraço, da perna, das mãos e dos pés. Os primeiros atos do infante são difusos grosseiros e indiferenciados, envol- vendo o corpo todo ou grandes segmentos do mesmo. Pouco a pouco, no entanto, esses movimentos são substi- tuídos por outros, mais refinados, diferenciados e precisos - uma tendência evolutiva do maciço para o específico dos grandes para os pequenos músculos. As tentativas iniciais do bebê para agarrar um cubo, por exemplo, são muito de- sajeitadas quando comparadas aos movimentos refinados do polegar e do indicador que ele poderá executar alguns meses depois. Seus primeiros passos no andar são indeci- sos e implicam movimentos excessivos. No entanto, pouco a pouco, começa a andar de modo mais gracioso e preciso. Segundo: O desenvolvimento é padronizado e contí- nuo, mas nem sempre uniforme e gradual. Há períodos de crescimento físico muito rápido - nos chamados surtos do crescimento - e de incrementos extraordinários nas capa- cidades psicológicas. Por exemplo, a altura do bebê e seu peso aumentam enormemente durante o primeiro ano, e os pré-adolescentes e adolescentes também crescem de modo extremamente rápido. Os órgãos genitais desenvol- ve-se muito lentamente durante a infância, mas de modo muito rápido durante a adolescência. Durante o período pré-escolar, ocorrem rápidos aumentos no vocabulário e nas habilidades motoras e, por volta da adolescência, a ca- pacidade individual para resolver problemas lógicos apre- senta um progresso notável. Terceiro: Interações complexas entre a hereditarieda- de, isto é, fatores genéticos, e o ambiente (a experiência) regulam o curso do desenvolvimento humano. É, portanto, extremamente difícil distinguir os efeitos dos dois conjun- tos de determinantes sobre características específicas ob- servadas. Considere-se, por exemplo, o caso da filha de um bem-sucedido homem de negócios e de uma advogada. O quociente intelectual da menina é 140, o que é muito alto. Esse resultado é o produto de sua herança de um potencial alto ou de um ambiente mais estimulante no lar? Muito provavelmente, é o resultado da interação dos dois fatores. 45 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS Podemos considerar as influências genéticas sobre ca- racterísticas específicas como altura, inteligência ou agres- sividade, mas, na maior parte dos casos de funções psi- cológicas as contribuições exatas dos fatores hereditários são desconhecidas. Para tais características, as perguntas relevantes são: quais das potencialidades genéticas do in- divíduo serão realizadas no ambiente físico, social e cultu- ral em que ele ou ela se desenvolve? Que limites para o de- senvolvimento das funções psicológicas sãodeterminados pela constituição genética do indivíduo? Muitos aspectos do físico e da aparência são fortemen- te influenciados por fatores genéticos sexo, cor dos olhos e da pele, forma do rosto, altura e peso. No entanto, fatores ambientais podem exercer forte influência mesmo em al- gumas dessas características que são basicamente deter- minadas pela hereditariedade. Por exemplo, os filhos de judeus, nascidos na América do Norte, de pais que para lá imigraram há duas gerações, tornaram-se mais altos e mais pesados do que seus pais, irmãos e irmãs nascidos no es- trangeiro. As crianças da atual geração, nos Estados Unidos e em outros países do Ocidente, são mais altas e pesadas e crescem mais rapidamente do que as crianças de gerações anteriores. Evidentemente, os fatores ambientais, especial- mente a alimentação e as condições de vida afetam o físico e a rapidez do crescimento. Fatores genéticos influenciam características do tem- peramento, tais como tendência para ser calmo e rela- xado ou tenso e pronto a reagir. A hereditariedade pode também estabelecer os limites superiores, além dos quais a inteligência não pode se desenvolver. Como e sob que condições as características temperamentais ou de inteli- gência se manifestarão, depende, não obstante de muitos fatores do ambiente. Crianças com bom potencial intelec- tual, geneticamente determinado, não parecem muito inte- ligentes se são educadas em ambientes monótonos e não estimulantes, ou se não tiverem motivação para usar seu potencial. Em suma, as contribuições relativas das forças heredi- tárias e ambientais variam de características para caracte- rísticas. Quando se pergunta sobre as possíveis influências genéticas no comportamento, devemos sempre estar aten- tos às condições nas quais as características se manifestam. No que diz respeito à maior parte das características com- portamentais, as contribuições dos fatores hereditários são desconhecidas e indiretas. Quatro: Todas as características e capacidades do in- divíduo, assim como as mudanças de desenvolvimento, são produtos de dois processos básicos, embora comple- xos, que são os seguintes: maturação (mudanças orgânicas neurofisiológicas e bioquímicas que ocorrem no corpo do indivíduo e que são relativamente independentes de con- dições ambientais externas, de experiências ou de práticas) e experiência (aprendizagem e treino). Como a aprendizagem e a maturação quase sempre interagem é difícil separar seus efeitos ou especificar suas contribuições relativas ao desenvolvimento psicológico. Com certeza, o crescimento pré-natal e as mudanças na proporção do corpo e na estrutura do sistema nervoso são antes produtos de processos de maturação que de expe- riências. Em contraste, o desenvolvimento das habilidades motoras e das funções cognitivas depende da maturação, de experiência e da interação entre os dois processos. Por exemplo, são as forças de maturação entre os dois proces- sos que determinam, em grande parte, quando a criança está pronta para andar. Restrições ao exercício da loco- moção não adiam seu começo, a nãos ser que sejam ex- tremas. Muitos infantes dos índios bopis são mantidos em berços durante a maior parte do tempo de seus primeiros três meses de vida, e mesmo durante parte do dia, após esse período inicial. Portanto, têm muito pouca experiência ou oportunidade de exercitar os músculos utilizados habi- tualmente no andar. No entanto, começam a andar com a mesma idade que as outras crianças. Reciprocamente, nãos e pode ensinar recém-nascidos e ficar de pé ou andar antes que ser equipamento neural e muscular tenha ama- durecido o suficiente. Quando essas habilidades motoras básicas forem adquiridas, no entanto, elas melhoram com a experiência e prática. O andar torna-se mais coordenado e mais gracioso à medida que os movimentos inúteis são eliminados; os passos mais longos, coordenados e rápidos. A aquisição da linguagem e o desenvolvimento das habilidades cognitivas são, também, resultados da intera- ção entre as forças de experiência e da maturação. Assim, embora as crianças não comecem a falar ou juntar palavras antes de atingirem certo nível de maturidade física, pou- co importando quanto “ensinamento” lhes for ministrado, obviamente a linguagem que vierem a adquirir depende de suas experiências, isto é, da linguagem que ouvem os outros falar. Sua facilidade verbal será, pelo menos parcial- mente, função do apoio e das recompensas que recebem quando expressam verbalmente. Qualogamente, as crianças não adquirirão certas ha- bilidades intelectuais ou cognitivos, enquanto não tiverem atingido determinado grau de maturidade. Por exemplo, até o estágio o que Piaget denomina operacional - apro- ximadamente entre seis e sete anos as crianças só conse- guem lidar com objetos, eventos e representações desses. Mas não conseguem lidar com ideias ou conceitos. Antes de atingirem o estágio operacional, não dispõem do con- ceito de conservação a idéia de que a qualidade de uma substância, como a argila não muda simplesmente porque sua forma mudou de esférica, digamos a cilíndrica. Uma vez atingido o estágio das operações concretas e tendo acumulado mais experiências ligadas à noção de conser- vação, podem, agora aplicá-la a outras qualidades. Podem compreender que o comprimento, a massa, o número e o peso permanecem constantes, apesar de certas mudanças na aparência externa. Quinto: características de personalidade e respostas social, incluindo-se motivos, respostas emocionais e modos habituais de reagir, são em grande proporção aprendidos, isto é, são o resultado de experiência e prática ou exercício. Com isso, não se pretende negar o princípio de que fatores genéticos e de maturação desempenham importante papel na determinação do que e como o indivíduo aprende. A aprendizagem vem sendo, desde há muito, uma das áreas centrais de pesquisa e teoria em psicologia e muitos princípios importantes de aprendizagem foram estabele- 46 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS cidos. Há três tipos de aprendizagem que são de impor- tantes crítica no desenvolvimento da personalidade e no desenvolvimento social. A primeira e mais tradicional abordagem da apren- dizagem é c condicionamento operante ou instrumental, uma resposta que já está no repertório da criança é re- compensada ou reforçada por alimento, prazer, aprovação ou alguma outra recompensa material. Torne-se, em con- sequência, fortalecida, isto é, há maior probabilidade de que essa resposta se repita. Por exemplo, ao reforçarmos ou recompensarmos crianças de três meses cada vez que elas vocalizem (sorrindo-lhes ou tocando-lhes levemente na barriga), ocorre um aumento marcante na frequência de vocalização das crianças. Muitas das respostas das crianças são modificadas ou modeladas através do condicionamento operante. Num estudo, cada criança de uma classe pré-escolar foi recom- pensada pela aprovação do professor por toda resposta social que desse e outras crianças e cada vez que mani- festasse um comportamento de cooperação ou de ajuda a outras crianças. Respostas agressivas, como bater, impor- tunar, gritar e quebrar objetos, foram ignoradas ou puni- das por repreensão. Dentro de muito pouco tempo, houve aumentos notáveis no número de respostas dirigidos aos colegas, de respostas agressivas declinou rapidamente. Do mesmo modo, diversas características de personalidade, muitos motivos e respostas sociais são aprendidos através do contato direto com um ambiente que reforça certas res- postas e pune ou ignora outras. Respostas complexas podem, também, ser aprendidas de outro modo pela observação dos outros. O repertório comportamental de uma criança expande-se considera- velmente, através da aprendizagem por observação. Esse fato tem sido muitas vezes demonstradoem experimentos envolvendo grande variedade de respostas. Nesses experi- mentos, as crianças são expostas a um modelo que executa diversos tipos de ações, simples ou complexas, verbais ou motoras, agressivas, dependentes ou altruísticas. As crian- ças do grupo de controle não observam o modelo. Poste- riormente, as crianças são observadas para se determinar até que ponto copiam e imitam o comportamento mos- trado pelo modelo. Os resultados demonstram que apren- dizagem por observação é muito eficiente. As crianças do grupo experimental geralmente imitam as respostas do modelo, ao passo que as do grupo de controle não exibem essas respostas. Note-se que não foi necessário o reforço para adquirir ou para provocar respostas imitativas. Obviamente, a criança não tem de aprender como res- ponder a cada situação nova. Depois de uma resposta ter- -se associado a um estímulo ou arranjo ambiental, ela tem probabilidade de ser transferida a situações similares. Esse é o princípio da generalização do estímulo. Se a criança aprendeu a acariciar seu próprio cão, poderá acariciar ou- tros cães, especialmente os semelhantes ao seu. Sexto: Há períodos críticos ou sensíveis ao desenvolvi- mento a certos órgãos do corpo e de certas funções psi- cológicas. Se ocorrem interferências no desenvolvimento normal durante esses períodos, é possível que surjam defi- ciências, ou disfunções permanentes. Por exemplo, há pe- ríodos críticos no desenvolvimento do coração, olhos, rins e pulmões do feto. Se o curso do desenvolvimento normal for interrompido em um desses períodos por exemplo, em consequência de rubéola ou de infecção causada por al- gum vírus da mãe, a criança pode sofrer um dano orgânico permanente. Erick Erikson, psicanalista eminente de crianças, além de teórico, considera que o primeiro ano de vida é um período crítico para o desenvolvimento de confiança nos outros. O infante que não for objeto de calor humano e de amor, e que não for satisfeito em suas necessidades du- rante esse período, corre o risco de não desenvolver um sentido de confiança, por conseguinte, de não ser sucedido posteriormente na formação de relações sociais satisfató- rias: De modo análogo, parece haver um período crítico ou de prontidão para a aprendizagem de várias tarefas, como ler ou andar de bicicleta. A criança que não aprende tais ta- refas durante esses períodos pode ter grandes dificuldades em apreendê-las posteriormente. Sétimo: As experiências das crianças, em qualquer eta- pa do desenvolvimento, afetam ser desenvolvimento pos- terior. Se uma mulher grávida sofrer problemas severos de desnutrição, a criança em formação pode não desenvolver o número normal de células cerebrais e, portanto, nasce com deficiência mental. Os infantes que passam os primei- ros meses em ambientes muitos monótonos e não estimu- lantes parecem ser deficientes em atividades cognitivas e apresentam desempenho muito fraco em testes de funcio- namento intelectual em idades posteriores. A criança que recebe pouco afeto, amor e atenção no primeiro ano de vida não desenvolve a autoconfiança nem a confiança nos outros no início da vida e, provavelmente, será, na adolescência, desajustada e emocionalmente ins- tável. Estágios evolutivos e tarefas evolutivas Embora criticado por algumas teorias, o conceito de es- tágios evolutivos é uma ideia constante nos estudos atuais da psicologia do desenvolvimento. Enquanto aquelas teo- rias interpretam o desenvolvimento humano como algo contínuo, desenvolvendo-se o comportamento humano de maneira gradual, na direção de sua maturidade, as teo- rias que preconizam a existência de estágios evolutivos (de Freud, Erickson, Sullivan, Piaget e muitos outros) tendem a ver o desenvolvimento humano como algo descontínuo. Segundo essas teorias, o curso do desenvolvimento huma- no se dá por meio de mudanças mais ou menos bruscas, na história do organismo. Mussem et ali (1974), afirmam que cada estágio do de- senvolvimento humano, segundo essas teorias, represen- tam um padrão de características inter-relacionadas. Cada estágio de desenvolvimento representa uma evolução de estágio anterior, mas, ao mesmo tempo, cada um deles se caracteriza por funções qualitativamente diferentes. De acordo com essas teorias o desenvolvimento psicoló- gico do indivíduo ocorre de maneira progressiva através de estágios fixos e invariáveis, cada indivíduo tendo que atravessar os mesmos estágios, na mesma sequência. Con- 47 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS forme Jean Piaget (1973) existe fundamento biológico para a teoria de estágios evolutivos, em outro contexto (1997), considerando as estruturas principais, diz que os estágios cognitivos têm uma propriedade sequencial, isto é, apa- recem em ordem fixa de sucessão, pois cada um deles é necessário para a formação do seguinte. Os embriologistas dão evidências em favor da teoria dos estágios evolutivos. Falam da existência de períodos críticos para o desenvolvimento do zigoto, ou seja “fases críticas” em que se determinadas mudanças não ocorrem na célula dentro de cada intervalo e em dada sequência, o desenvolvimento do organismo pode sofrer danos perma- nentes. Os estágios do desenvolvimento humano se carac- terizam pela organização dos comportamentos típicos que ocorrem simultaneamente em determinado estádio evolu- tivo. Há, portanto, certos padrões de comportamento que caracterizam cada estágio da evolução psicológica do in- divíduo, sem, contudo, implicar que tais comportamentos sejam de natureza estática. Os estágios evolutivos se carac- terizam, também por mudanças qualitativas, com relação a estágios anteriores. Pode acontecer, também, que num determinado estágio evolutivo várias mudanças ocorram simultaneamente. É o caso, por exemplo, da adolescência. Num período relativamente curto, o indivíduo muda em muitas significativas maneiras. Nesta fase da vida o ado- lescente se torna biologicamente capaz de reproduzir a es- pécie, experimenta acelerado crescimento físico, seguido, logo depois, por uma quase paralisação nesse processo, e seu desenvolvimento mental atinge praticamente os pon- tos culminantes, em termos de suas potencialidades para o raciocínio abstrato. Outro conceito de fundamental importância para o es- tudo da psicologia do desenvolvimento é a noção de tare- fa evolutiva. Desenvolvido, principalmente, por Havighurst (1953), esse conceito tem sido de grande utilidade para o estudo da evolução do comportamento humano. A pressuposição fundamental desse conceito é a de que viver é aprender, e crescer ou desenvolver-se é, tam- bém, aprender. Há certas tarefas ou habilidades que o indivíduo tem que aprender para poder ser considerado como pessoa de desenvolvimento adequado e satisfato- riamente ajustado, conforme as expectativas da sociedade. Segundo essa teoria, à semelhança do que acontece nas teorias de estágios evolutivos, há fases críticas no processo do desenvolvimento humano, isto é, período em que tais tipos de aprendizagem ou ajustamento devem acontecer. O organismo, por assim dizer, encontra-se em condições ótimas para que tal ajustamento ocorra. Por exemplo, há um momento em que o organismo da criança está matu- racionalmente pronto para aprender a falar, a andar, etc. Se a aquisição dessas habilidades se der no tempo próprio, os ajustamentos delas dependentes serão feitos natural- mente, através de todo o processo evolutivo. Caso contrá- rio, haverá, sempre, déficits em todo tipo de ajustamento que requer tais habilidades como condição fundamental. Em termos gerais do organismo, podemos dizer que se uma tarefa evolutiva for realizada na fase crítica adequa- da, as fases subsequentes da evolução do indivíduo serão mais facilmente alcançadas em termos do seu ajustamento pessoal. Se, por outro lado, oorganismo deixar de realizar uma tarefa evolutiva, ou se houver falhas no processo em qualquer das suas partes, os ajustamentos nas fases subse- quentes serão mais difíceis e, em alguns casos, podem até deixar de ocorrer. As tarefas evolutivas abrangem vários aspectos do processo evolutivo, incluindo o crescimento físico, o desempenho intelectual, ajustamento emocionais e sociais, as atitudes com relação ao próprio eu, é realida- de objetiva, bem como a formação dos padrões típicos de comportamento e a elaboração de um sistema de valores. Segundo Havighurst, há três aspectos principais da ta- refa evolutiva. O primeiro se refere à maturação biológica, tal como aprender e andar, a falar, etc. O segundo se refere às pres- sões sociais, tais como aprender a ler, a comportar-se como cidadão responsável e várias outras formas do comporta- mento social. O terceiro aspecto se refere aos valores pes- soais que constituem a personalidade de cada indivíduo, que resulta de processos de interação das forças orgânicas e ambientais. Para cada estágio da vida humana, há certas tarefas evolutivas que devem ser incorporadas aos padrões de ex- periências e de comportamento do indivíduo. Teorias do desenvolvimento humano A complexidade do desenvolvimento humano de certo modo exige uma complexa metodologia para seu estudo. Dentre as estratégias para o estudo de desenvolvimento da personalidade salientam-se a teoria dos estágios evo- lutivos, as teorias diferenciais, ipsativas e da aprendizagem social. A teoria dos estágios evolutivos procura estabelecer leis gerais do desenvolvimento humano. Advogando a existência de diferentes níveis qualitativos da organização, através dos quais, invariavelmente, passam todos os indi- víduos de determinada espécie. As teorias diferenciais, por outro lado, procuram estabelecer leis que permitem predi- zer os fatores determinados das diferenças individuais de subgrupos no processo evolutivo. Para os adeptos das teo- rias ipsativas o que interessa é verificar o que muda e o que permanece constante através da história evolutiva de cada indivíduo. As teorias da aprendizagem social procuram ex- plicar o processo evolutivo do ser humano em temos das técnicas de condicionamento, e tentam explicar o compor- tamento como simples relação estímulo-resposta. Dentre as muitas teorias do desenvolvimento humano salientamos quatro que evidenciam como de maior impor- tância: a teoria psicanalítica de Freud, a teoria interpessoal de Sullivan, a teoria psicossocial de Erickson, e a teoria cog- nitiva de Jean Piaget. Teoria Psicanalítica de Freud - Existem críticas a essa teo- ria pelo fato de não haver Freud, para estabelecer suas con- clusões, feito seus estudos com crianças, e sim, com adultos psicologicamente doentes. E há sérias restrições à teoria freudiana da personalidade, especialmente por ela baseada, exclusivamente, no método de observação clínica e funda- mentada na psicopatologia. Reconhecemos, entretanto, a grande intuição de Freud e sua notável contribuição para o 48 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS estudo do comportamento humano. Convém salientar que mais recentemente tem havido sérias tentativas no sentido de testar, experimentalmente, algumas das hipóteses le- vantadas por Freud, como atestam o trabalho de Lindzey e Hall, Silvermam e outros. Segundo Hall e Lindzey (1970), Freud foi o primeiro a reconhecer a estrita relação existente sobre o processo evolutivo e a personalidade humana. Embora hoje a influência da teoria psicanalítica não seja tão grande como antes, no campo da psicologia do desenvolvimento, ela perdura através de reformulações que procuram operacionalizar, para fins de pesquisa expe- rimental, alguns dos conceitos fundamentais elaborados pelo criador da Psicanálise. Parece razoável dizer-se que, de todas as teorias de personalidade até hoje formuladas, a teoria de Freud é a que mais se aproxima daquilo que chamam os autores de paradigma na história das ciências. É verdade que podemos fazer restrições à teoria freu- diana do desenvolvimento da personalidade, mas há certos pontos que mesmo os que não concordam com Freud têm dificuldade em negar. Por exemplo, a tese de que existe uma relação de causa e efeito no processo evolutivo, par- tindo da infância até a vida adulta, parece indiscutível à luz das evidências disponíveis. Se bem que o determinismo absoluto do passado, implícito na teoria freudiana, mereça restrições, não se pode negar que experiências prévias são importantes na determinação de futuros padrões de com- portamento. A grande ênfase da teoria freudiana, quanto ao pro- cesso da evolução psicológica do homem, concentra-se nos primeiros anos de vida. Daí o fato de que, até recente- mente os estudos da psicologia do desenvolvimento, que sofreram durante muito tempo grande influência da psica- nálise, limitavam-se à infância e à adolescência. A rigor, a psicanálise clássica não tem muito a dizer sobre o desen- volvimento da personalidade após a adolescência, pois o estágio genital representa, praticamente, o ponto final e até mesmo, ideal da evolução psicossexual do ser humano. Mais tarde, Freud tentou ampliar a extensão desse proces- so evolutivo, ao elaborar a teoria do impulso para a mor- te, ou, mais especificamente, a teoria do comportamento agressivo. Não chegou a deixar marcas significativas às demais fases da evolução psicológica do homem, além da infância e da adolescência. Coube a outros psicanalistas a tarefa de ampliar a teoria freudiana quanto a esse aspecto. É o caso, por exemplo, de Harry Sullivan e especialmente o de Erik Erikson. A teoria freudiana salienta os conceitos de energia psí- quica e de fatores inconscientes de comportamento como ponto de partida. Os impulsos básicos são eros - impulso para a vida, e agressão - impulso para a morte. A estrutura da personalidade concebida originalmente, em termos to- pográficos como consciente, pré-consciente e inconscien- te, é substituída pelo conceito dinâmico do id, que repre- senta as forças biológicas, instintivas da personalidade; e ego, que representa o princípio da realidade, e o superego, que representa as forças repressivas da sociedade. Há cin- co estágios da evolução psicossexual: a fase oral, período da vida em que, praticamente, a única fonte de prazer é a zona oral do corpo, e que apresenta como principal carac- terística psicológica a dependência emocional. A fase anal, caracterizada pela retentividade, a fase fá- lica, na qual surge o Complexo de Édipo, e o que se carac- teriza pelo exibicionismo. A fase latente, em que a energia libidinosa é canalizada para outros fins e a fase genital, que representa o alvo ideal do desenvolvimento humano. No processo evolutivo o indivíduo pode parar numa fase imatura. Nesse caso se diz que houve uma fixação. O indi- víduo pode, também, voltar a formas imaturas do compor- tamento, em cujo caso se diz que houve uma regressão. Mecanismos de defesas são formas pelas quais o eu pro- cura manter sua integridade. Dentro de certos limites são considerados normais. Quando, porém, ultrapassam esses limites, tornam-se patogênicos. Sullivan é psicanalista, mas dá muita ênfase aos fatores sociais do comportamento humano. As relações interpes- soais constituem a base da personalidade. Na infância, a experiência básica é o medo ou ansiedade, resultante da inter-relação com a figura materna. Através da empatia a criança incorpora personificações positivas e negativas. Nesse período ela forma, também, diferentes autoimagens: o bom-eu, o mau-eu e o não-eu. A idade juvenil é a grande fase do processo de socialização. A criança aprende a su- bordinação e a acomodação social bem como a lidar com o conceito de autoridade. A pré-adolescência se caracteri- za pela necessidade decompanheirismo com pessoas do mesmo sexo e pela capacidade de apreciar as necessidades e sentimentos do outro. Na primeira adolescência o indi- víduo se torna cônscio de três necessidade básicas: paixão, intimidade e segurança pessoal, e procura meios de inte- grá-los adequadamente. A segunda adolescência marca o início das relações interpessoais amadurecidas. Na fase adulta o eu se apresenta estável e idealmente livre da ex- cessiva ansiedade. Erickson salienta os aspectos culturais do processo evolutivo da personalidade. Há oito estágios nesse proces- so, cada um deles apresenta duas alternativas: quando o estágio evolutivo é satisfatoriamente alcançado, o produto será uma personalidade saudável; quando não é atingido, o resultado será uma personalidade emocionalmente ima- tura ou desajustada. Na infância o indivíduo adquire con- fiança básica ou desconfiança básica. Na meninice ele pode adquirir o senso de autonomia ou, então, o sentimento de vergonha e dúvida. Na fase lúdica a criança pode desen- volver a atitude de iniciativa ou, quando lhe falta o estí- mulo do meio, pode desenvolver o sentimento de culpa e de inadequação. Na idade escolar o indivíduo se identifica com o ethos tecnológico de sua cultura adquirindo o senso de indústria ou, na ausência dessas condições, pode de- senvolver o sentimento de inferioridade. Na adolescência a crise psicossocial é o encontro da identidade do indivíduo. Quando isso não ocorre, dá-se a difusão da identidade com repercussões negativas através de toda a vida. A vida adulta compreende três fases: adulto jovem, caracterizada por intimidade e solidariedade, do ângu- lo positivo, e isolamento, do lado negativo; adultícia que 49 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS se caracteriza ou pela geratividade ou pela estagnação; e a maturidade que apresenta a integridade ou desespero como alternativas. A teoria cognitiva de Jean Piaget exerce hoje relevan- te papel em todas as áreas da psicologia e, principalmen- te, nos campos aplicados da educação e da psicoterapia. Abandonando a ideia de avaliar o nível de inteligência de um indivíduo por meio de suas respostas aos itens de de- terminados testes, Piaget adotou um método clínico atra- vés do qual procura acompanhar o processo do pensa- mento da criança para daí chegar ao conceito de inteligên- cia como capacidade geral de adaptação do organismo. Os conceitos fundamentais da teoria de Piaget são: esquema, ou estrutura, que é a unidade estrutural do desenvolvi- mento cognitivo; assimilação, processo pelo qual novos objetos são incorporados aos esquemas; acomodação, que ocorre quando novas experiências modificam esque- mas; equilibração, resolução de tensão entre assimilação e acomodação; operação, rotina mental caracterizada por sua reversibilidade e que representa o elemento principal do processo do desenvolvimento cognitivo. O desenvol- vimento cognitivo se dá em quatro período: o período sensório-motor, caracterizado pelas atividades reflexas; o período pré-operacional, em que a criança pode lidar sim- bolicamente com certos aspectos da realidade, mas seu pensamento ainda se caracteriza pela responsabilidade; o período das operações concretas, em que a criança adquire o esquema de conservação; e o período das operações for- mais, caracterizado pelo pensamento proposicional e que representa o ideal da evolução cognitiva do ser humano. Estágio ou períodos de desenvolvimento da vida humana Os psicólogos do desenvolvimento humano são unâni- mes em estabelecerem fases, períodos para determinar nas várias etapas da vida do indivíduo. São assim circunscritas por apresentarem característi- cas e padrões de si mesmas semelhantes. Sucedem-se, na- turalmente, uma a outra, desde o momento da concepção até à velhice. Para atender aos objetivos do trabalho, focalizaremos as primeiras fases de vida até à adolescência. Tomando por base a classificação dos estágios evoluti- vos segundo Jean Piaget (conforme já estudado no tópico “Principais teorias da aprendizagem”), o grande estudioso da gênese e desenvolvimento dos processos cognitivos da criança, existem quatro períodos no desenvolvimento hu- mano: 1 - Período sensório-motor: de 0 a 2 anos 2 - Período pré-operacional: de 2 a 7 anos 2.1. Pensamento simbólico pré-conceitual: 2 a 4 anos 2.2. Pensamento intuitivo: 4 a 7 anos 3 - Período das operações intelectuais concretas: 7 a 12 anos 4 - Período das operações intelectuais abstratas: dos 12 anos em diante. Além de serem observados os períodos ou estágios acima, os estudiosos da psicologia do desenvolvimento hu- mano estabeleceram áreas ou aspectos para esse estudo. Embora o ser humano seja um todo, integrado, sabemos que existem setores ou áreas para as quais são dirigidas as atividades e o comportamento humanos, ainda que se- jam profundamente interligados. Desta forma, para estudo e análise apropriados, o desenvolvimento é estudado nos aspectos físico, mental/cognitivo, emocional/ afetivo, so- cial. Muitas vezes empregam-se outras divisões, agrupan- do diferentemente as áreas: psicofísica, sócioemocional, psicossocial, psicomotora, etc. As tarefas evolutivas do processo de desenvolvimento humano são, sobretudo: a) ter um corpo sadio, forte, residente, desenvolvido; b) usá-lo como instrumento de expressão e de comuni- cação social, como meio de participar da vida social, de co- laborar com os outros na responsabilidade de fazer sua vida e de melhorar sua qualidade e, enfim, uma base consistente sobre a qual a pessoa possa desenvolver o seu espírito; c) formar o intelecto até alcançar a etapa do pensa- mento abstrato, imprescindível para se compreender com mais profundidade e realidade humana; d) alcançar o equilíbrio emocional; e) a integração social; f) a consciência moral; g) compreender o seu papel, em seu tempo, na comu- nidade em que vive e ter condições de assumi-lo, decisão e capacidade de realizá-lo. Para iniciar o estudo das fases do desenvolvimento hu- mano, é necessário que seja focalizado o período que an- tecede o nascimento, tão importante e decisivo que é para o desenvolvimento, anterior ao período pré-natal. A vida começa, a rigor, no momento em que as células germinais procedentes de seus pais se encontram. Modernamente, o desenvolvimento pré-natal tem sido focalizado sob três perspectivas, a saber: do ponto de vista dos fatores heredi- tários, da influência do ambiente durante a vida intrauteri- na, e do efeito das atitudes das pessoas que constituem o mundo significativo da criança. O estudo da inter-relação entre esses fatores revela a importância do desenvolvimen- to pré-natal sobre as fases subsequentes do processo evo- lutivo do ser humano. O mecanismo de transmissão hereditária é altamen- te complexo, mas ao nível do presente texto ele consiste essencialmente no encontro de uma célula germinal mas- culina e uma feminina. Os genes, unidades genéticas que fornecem a base do desenvolvimento, são diretamente res- ponsáveis pela transmissão do patrimônio hereditário. Existe uma diferença fundamental entre fatores genéti- cos e fatores congênitos no processo de desenvolvimento. Genético só é aquilo que o indivíduo recebe através dos genes. Congênito é tudo aquilo que influencia desenvol- vimento do indivíduo, e que foi adquirido durante a vida intrauterina, mas não é transmitido através dos genes. Ex.: a sífilis é uma doença congênita, porque pode ser adquirida durante a vida intrauterina, mas não é transmitida através dos genes. Logo, a sífilis não é hereditária. Durante a vida intrauterina, o indivíduo pode receber a influência de vários fatores que determinarão o curso do seu desenvolvimento. Dentre esses fatores, salientam-se a 50 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS idade e a dietada gestante e o uso abusivo de tóxicos, in- fecções e da própria irradiação. Enfermidades que podem ser transmitidas ao indivíduo na vida intrauterina, como a sífilis, a rubéola e a diabete, prejudicam o desenvolvimento normal do ser humano. Analisaremos, a seguir, de maneira muito sucinta, os períodos do desenvolvimento humano, a partir do nasci- mento, focalizando as áreas ou aspectos em cada um deles. Segundo Piaget, cada período é caracterizado pelo que de melhor o indivíduo consegue fazer nessas faixas etá- rias. Todos os indivíduos passam por todas essas fases ou períodos, nessa sequência, porém o início e o término de cada uma delas dependem das características biológicas do indivíduo e de fatores educacionais, sociais. Portanto, a divisão nessas faixas etárias é uma referência, e não uma norma rígida. Período sensório-motor - 0 a 2 anos Esse período diz respeito ao desenvolvimento do re- cém-nascido e do latente. É a fase em que predomina o desenvolvimento das percepções e dos movimentos. O desenvolvimento físico é acelerado, pois constitui-se no suporte para o aparecimento de novas habilidades. O desenvolvimento ósseo, muscular e neurológico permite a emergência e novos comportamentos, como sentar-se, engatinhar, andar, o que propiciará um domínio maior do ambiente. Essa fase do processo é caracterizada por uma série de ajustamentos que o organismo tem de fazer, em função das demandas do meio. É evidente que o processo de adaptação do organismo não se limita a essa fase da vida, mas o que acontece ao indivíduo nessa fase é crucial na importância para todo o processo do desenvolvimento. Em termos do conceito de tarefas evolutivas, Ha- vighurst assinala como sendo as principais dessa fase da vida as seguintes: aprender a andar e a tomar alimentos sólidos. Aprender a falar e a controlar o processo de elimi- nação de produtos excretórios. Aprender a diferença básica entre os sexos e a alcançar estabilidade fisiológica. Formar conceitos sobre a realidade física e social, aprender as for- mas básicas do relacionamento emocional e a adquirir as bases de um sistema de valores. Segundo Piaget, nessa etapa inicial o indivíduo se en- contra na fase sensório-motora do seu desenvolvimento cognitivo. Essa fase compreende seis sub-fases, a saber: o uso dos reflexos, as reações circulares primárias e secun- dárias, reações circulares, terciárias, e a invenção de novos significados para as coisas através de combinações men- tais. Apesar da importância dos aspectos biológicos do desenvolvimento humano nessa fase, os aspectos psicos- sociais dessa evolução são os de maior interesse para a psicologia do desenvolvimento. Dentre os aspectos mais importantes do desenvolvimento psicossocial salientam- -se os seguintes: a aquisição da linguagem articulada, cujo processo se completará no período pré-operacional, é que constitui elementos de fundamental importância para os outros aspectos do desenvolvimento humano; o desenvol- vimento emocional, através do qual o indivíduo deixa de funcionar a nível puramente biológico e passa ao processo de socialização dos seus próprios atributos fisiológicos e a aquisição do senso moral, que permite ao indivíduo a formulação de um sistema de valores no qual, em muitas circunstâncias, as necessidades secundárias se tornam mais salientes e decisivas do que as próprias necessidades psi- cológicas ou primárias. Na fase do nascimento aos dois anos de vida as es- truturas básicas da personalidade são lançadas. A figura materna, ou substituta, é muito importante para essa for- mação, bem como a forma ou a maneira como o indivíduo recebe o alimento da figura materna tem profundas reper- cussões sobre seu futuro comportamento em termos da modelagem de sua personalidade. O contato físico é, tam- bém, de vital importância para o desenvolvimento emocio- nal do indivíduo. Com relação à aquisição do senso moral, sabemos que o mesmo vai ser incorporado através da aprendizagem so- cial dos valores. Ela é relativa ao meio que o produziu. A princípio o comportamento moral da criança é de caráter imitativo e mais ou menos guiado pelos impulsos. O con- ceito de certo ou errado para a criança é uma função de prazer ou de sofrimento que sua ação é capaz de produzir. Esse conceito ainda não é concebido em termos do bem ou do mal que a criança fez aos outros. Nessa idade a criança ainda não tem a capacidade intelectual de considerar os efeitos de sua ação sobre outras pessoas. Consequente- mente ela não sente a necessidade de modificar seu com- portamento, a não ser quando sua ação lhe produz algum desconforto. Isto quer dizer que a criança nessa idade ain- da não tem propriamente uma consciência moral; ela ainda não tem a capacidade de sentir-se culpada. Segundo a teoria psicanalítica, o período de treina- mento de toalete desempenha importante papel na forma- ção dos conceitos morais do indivíduo. Aqui pela primeira vez, o indivíduo se defronta com os conceitos do certo e do errado. Daí, segundo a teoria, o começo de um superego ou de uma consciência moral. Do ponto de vista do desen- volvimento da personalidade, a natureza desse treino de toalete é de grande significação. Se o indivíduo foi educado com excessivo rigor nesse particular, ele poderá tornar-se uma pessoa extremamente meticulosa e supersensível, sempre perseguido pelo sen- timento de culpa. Se, por outro lado, não houve qualquer restrição ao seu comportamento nesse período, ele pode se tornar um tipo humano desorganizado e com tendên- cias absolutistas prejudiciais a si mesmo e à sociedade. O ideal, portanto, seria uma atitude comedida para que se possa antecipar um desenvolvimento normal da personali- dade do indivíduo. De acordo com Freud, ao primeiro ano de vida o in- divíduo está na fase ORAL da evolução psicossexual, ou seja, todo o senso de prazer que o indivíduo experimenta provem das zonas orais do seu corpo. A primeira ou úni- ca sensação de prazer que a criança experimenta é através da boca, pela ingestão de alimentos. O alimento não se refere a simples incorporação de material nutritivo, mas in- clui uma gama de relações humanas e de afetos implícitos no processo da alimentação. Uma das características mais 51 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS óbvias de uma criança nessa idade é sua dependência do mundo adulto, especialmente da figura materna. A crian- ça depende dos outros não só para lhe fornecer o senso do prazer e conforto através da alimentação e de outros cuidados, mas por sua própria sobrevivência. Nesta fase da vida, a mãe é praticamente a única fonte de prazer da criança e a atitude básica da mãe para com ela determinará a sua atitude básica perante a vida. A essa fase oral cor- responde uma característica psicológica chamada caráter oral. O indivíduo é dependente emocionalmente de outros. Aparece aglutonomia, o alcoolismo. Período pré-operacional - 2 a 7 anos É grande o interesse dos estudiosos sobre a fase da vida humana. Corresponde ao período pré-escolar, consi- derado a idade áurea da vida, pois é nesse período que o organismo se torna estruturalmente capacitado para o exercício de atividades psicológicas mais complexas, como o uso da linguagem articulada. Quase todas as teorias do desenvolvimento humano admitem que a idade de estu- do é de fundamental importância na vida humana, por ser esse o período em que os fundamentos da personalidade do indivíduo lançados na fase anterior começam a tomar formas claras e definidas. Existe um enorme volume de tra- balho científico sobre esse período, que em termos de pes- quisa, em consequente formulação de teorias sobre esta fase do desenvolvimento. O período pré-operacional é caracterizado por consi- deráveis mudanças físicas, as quais são um desafio para os pais e educadores,como para as próprias crianças. A terminologia período pré-operacional foi dada por Piaget e se refere ao desenvolvimento cognitivo. No mundo moder- no Piaget é, talvez, a figura de maior relevo no estudo do desenvolvimento dos processos cognitivos do ser humano. De acordo com esse cientista, o período pré-operacional é dividido em dois estágios: de dois a quatro anos de idade, em que a criança se caracteriza pelo pensamento egocên- trico, e dos quatro aos sete anos, em que ela se caracteriza pelo pensamento intuitivo. As operações mentais da crian- ça nessa idade se limitam aos significados imediatos do mundo infantil. Enquanto no período anterior ao pensamento e racio- cínio da criança são limitados a objetos e acontecimentos imediatamente presentes e diretamente percebidos, no pe- ríodo pré-operacional, ao contrário a criança começa a usar símbolos mentais _ imagens ou palavras que representam objetos que não estão presentes. São características dessa fase o egocentrismo infantil, o animismo, o artificialismo e o finalismo. Também inexiste o conceito de invariância e a noção de reversibilidade. É adquirida a linguagem articulada, e passa por uma sequência de aquisições. A criança nesta fase precisa aprender novas maneiras de se comportar em seus rela- cionamentos. Freud descreve os anos pré-escolares como sendo o tempo do conflito de Édipo (para os meninos) e do complexo de Eletra (para as meninas). Segundo Erik- son, a tarefa primordial da criança nessa idade é resolver o conflito entre a iniciativa e a culpa. Quando os pais são capazes de tratar os filhos aplicando a dosagem certa da permissividade e de autoridade, as crianças acham mais fá- cil desenvolver um senso de autonomia pessoal. Nesse estágio, a criança aprende a assumir os papéis sexuais considerados aceitáveis pelos pais e pela sociedade. Os relacionamentos sociais e as atividades lúdicas pre- param a criança para lidar com um mundo mais vasto, fora do círculo familiar. Os aspectos mais importantes do desenvolvimento psicossexual da idade pré-operacional abrangem os se- guintes pontos: 1) a formação de um conceito do “eu”, facilitado pela aquisição da linguagem articulada; 2) a definição da identidade sexual do indivíduo atra- vés da qual ele aprende a se comportar de acordo com as expectações da sociedade; 3)a aquisição de sua consciência moral que vai além da simples limitação do comportamento do mundo adulto e que é capaz de levar o indivíduo a se sentir culpado em face da violação das regras de conduta do seu meio social; 4) o desenvolvimento dos padrões de agressão que re- sulta de vários fatores dentre os quais se salientam: a severa punição física, identificação com o agressor e a frustração; 5) as motivações básicas do senso de competência e a necessidade de realização, ambas muito dependentes das condições do meio e da fundamental importância para o desenvolvimento adequado do ser humano. Período das operações concretas - 7 a 12 anos É a fase escolar, também chamada de período das ope- rações concretas. Nesta fase da vida, o crescimento físico é mais lento do que em fases anteriores, as diferenças re- sultantes do fator sexo começam a se acentuar mais niti- damente. Do ponto de vista do desenvolvimento cognitivo o in- divíduo se encontra, na idade escolar, no estágio das ope- rações concretas, segundo a teoria de Piaget. O pensamen- to da criança nessa idade apresenta as características de re- versibilidade e de associação que lhe permitem interpretar eventos independentemente do seu arranjo atual. Nesse estágio, entretanto, a criança ainda se limita, em termos cognitivos, ao seu mundo imediato e concretamente real. Este período, ou idade escolar, segundo a teoria freu- diana, corresponde ao estágio latente, assim designado por que nela a libido não exerce grande influência no compor- tamento observável do indivíduo, visto que praticamente toda a sua energia é utilizada no sentido de adquirir as competências básicas para a vida em sociedade. O ponto mais importante a salientar nesta fase da vida, no contexto da teoria psicanalítica, é o conceito de mecanismo de defe- sa, dos quais se distinguem a negação, a identificação com o agressor, a repressão a sublimação, o deslocamento, a regressão, a racionalização e a projeção. Segundo a teoria de Erickson, a crise psicossocial da idade escolar se encontra nos polos industriais versus infe- rioridade. Dependendo do resultado da solução dessa crise evolutiva, o indivíduo pode emergir como ser capaz e pro- dutivo, ou como alguém com um profundo e persistente sentimento de incompetência e de inferioridade. 52 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS Nessa idade, advogada Sullivan, o indivíduo adquire os conceitos de subordinação social que podem ajudá-lo a ajustar-se à vida em sociedade. Nesta idade, os padrões supervisores contribuem para a formação de uma autoima- gem através das expectativas do mundo social do indiví- duo. Mas, sobretudo, a idade escolar é importante porque nela a criança adquire o conceito de orientação na vida, através do qual ela realiza a integração dos vários fatores socioemocionais do processo de desenvolvimento. No ajustamento psicossocial os grupos de parceria e a escola representam relevante papel. Os grupos de parceria oferecem à criança nessa idade certo apoio social, mode- los humanos a imitar, a noção fundamental dos diferentes papéis que os indivíduos exercem na sociedade, e certos padrões de autoavaliação. Por sua vez, a escola oferece à criança a oportunidade de lidar com figuras que represen- tam autoridade fora do ambiente do lar. No período das operações concretas, ou seja, época denominada fase escolar, o autoconceito assume forma mais definida, especialmente porque aqui a criança apren- de que é um indivíduo diferente dos demais. É assim que ela é tratada por seus professores e colegas. Esse trata- mento recebido e também dispensado aos outros contri- bui para acentuar a identidade sexual da criança de idade escolar. Quanto ao conceito de moralidade nessa fase da vida, talvez o ponto mais importante seja a mudança quan- to à orientação ou ponto de referência. Antes, a decisão moral da criança era inteiramente heteronômica, segundo Piaget, agora ela tende a ser autonômica. Uma das melho- res evidências dessa mudança de orientação é a capacida- de de sentir-se culpada, e não somente com medo de ser apanhada em falta e castigada. Os padrões de agressão da criança de idade escolar são influenciados por três fatores principais, a saber: pelos pais, pelos companheiros e pelos meios de comunicação de massa. Quanto aos pais, os fatores que mais afetam es- ses padrões de agressão são a rejeição e o castigo físico demasiado severo. Os grupos de parceria modificam esses padrões criando rivalidade intergrupal e reduzindo a coo- peração entre grupos competitivos. Os meios de comuni- cação de massa oferecem modelos de violência, que ten- dem a aumentar a agressão dos indivíduos que já possuem certo grau de revolta contra as instituições sociais. O fenômeno PUBERDADE A puberdade é considerada uma fase de transição no processo evolutivo porque ela abrange parte da infância e parte da adolescência. Representa o início de uma das fases mais importantes do desenvolvimento humano. Ela é um período relativamente curto de vida, com duração de dois a quatro anos, e os estudiosos da psicologia do desen- volvimento a dividem em três fases, a saber: - o estágio pré-pubescente, durante o qual as carac- terísticas sexuais secundárias começam a aparecer. Nesse estágio, entretanto, os órgãos reprodutivos ainda não se encontram plenamente desenvolvidos; - o estágio pubescente, durante o qual as caracterís- ticas sexuais secundárias continuam a se desenvolver e os órgãos sexuais começamnormalmente a produzir células germinativas; - o estágio pós-pubescente, durante o qual as caracte- rísticas sexuais secundárias continuam a se desenvolver e os órgãos sexuais começam a funcionar de maneira ama- durecida. São muitas e profundas as mudanças fisiológicas e estruturais que ocorrem no corpo das meninas e meninos púberes, porém podemos afirmar não estarem aptos para o exercício da atividade sexual. Com relação aos meninos, e as características sexuais primárias e secundárias, as gôna- das masculinas ou testículos, até a idade de catorze anos, aproximadamente, representam cerca de dez por cento do seu tamanho normal no adulto. Durante um ano ou dois, então, ocorre um crescimento rápido, que logo depois co- meça a decrescer até que pelos vinte ou vinte e um anos de idade os testículos atingem seu desenvolvimento pleno. Com relação às meninas, temos a constatação muito válida e útil para o objeto do nosso estudo, que o seu apa- relho reprodutor vai-se desenvolvendo ao longo da puber- dade, mas não bruscamente. A exemplo, o útero de uma garota de onze ou doze anos de idade pesa, em média, quarenta e três gramas. Os demais órgãos - trompas, ová- rios, vaginas - crescem rapidamente. A ação dos hormônios é determinante para essas mudanças do organismo. Ao lado dos efeitos físicos mencionados, verificam-se, também, efeitos psicológicos de consequências considerá- veis. Nesta fase tende a criança a isolar-se do convívio com outras pessoas, torna-se, geralmente, mais hostil para com os companheiros e para com os seus próprios familiares. Passa muito tempo sozinha, sentindo-se mal compreendi- da, entregando-se ao autoerotismo ou masturbação. Perde o interesse pelas atividades de que gostava e o entusiasmo pelas atividades escolares. Possui um autogonismo social, negando sua cooperação e se tornando hostil à criança do sexo oposto. É instável emocionalmente, sujeita a irritabili- dade e a demonstração de ansiedades. Passa a ter um ele- vado grau de falta de confiança própria e medo de falhar socialmente. Muitos não alcançam o grau de ajustamen- to nessa fase e atravessam a existência dominados pelo chamado complexo de inferioridade. Outro problema é a excessiva timidez, ou acanhamento natural, resultante do fato de que a criança teme que os outros vão notar as mu- danças porque está passando e também por ignorar qual a atitude que essas pessoas terão com ela. Existe uma falta de coordenação motora resultante do rápido crescimento de certas áreas do corpo que torna a criança desajeitada e tímida e receosa de dar má impressão aos que a cercam. Esses problemas serão esclarecidos e solucionados com a definição da identidade do indivíduo, que normalmente ocorre na adolescência. Período das operações formais - 12 anos aos 21 anos Corresponde ao período chamado adolescência, que significa crescer ou desenvolver-se até a maturidade. Durante muitos séculos, o termo adolescência foi definido quase que exclusivamente, em função dos seus aspectos biológicos. Adolescência e puberdade eram usa- das como palavras sinônimas. Modernamente, entretan- to, a adolescência deixou de ser um conceito puramen- te biológico e passou a ter, sobretudo, uma conotação 53 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS psicossocial. É baseado neste conceito que Munuss (1971), define adolescência em termos sociológicos, psicológicos e cronológicos. Cronologicamente, a adolescência, ao menos nas cul- turas ocidentais, é o período da vida humana que vai dos doze ou treze anos até mais ou menos aos vinte dois ou vinte e quatro anos de idade, admitindo-se consideráveis variações. Tanto de ordem individual e, sobretudo, de or- dem cultural. Sociologicamente, adolescência seria o período de transição em que o indivíduo passa de um estado de de- pendência do seu mundo maior para uma condição de autonomia e, sobretudo, em que o indivíduo começa a as- sumir determinadas funções e responsabilidades caracte- rísticas do mundo adulto. Do ponto de vista psicológico, a adolescência é o período crítico de definição da identidade do “eu”, cujas repercussões podem ser de graves consequências para o indivíduo e a sociedade. Vale ressaltar a diferença entre os termos puberdade, pubescência e adolescência. A puberdade é o estágio evo- lutivo em que o indivíduo alcança a sua maturidade sexual. A data exata em que ocorre o amadurecimento sexual do ser humano, diz Munuss, varia de acordo com fatores de ordem socioeconômica e geográfica. Por exemplo, a matu- ridade sexual tende a ocorrer mais cedo em indivíduos que vivem em climas temperados e que pertencem às classes sociais mais elevadas. Em zonas tropicais, e também por influência de fatores nutricionais, esse amadurecimento sexual tende a ocorrer um pouco mais tarde. Pubescên- cia seria o período, também chamado de pré-adolescência, caracterizado pelas mudanças biológicas associadas com a maturação sexual. É o período de desenvolvimento fisioló- gico durante o qual as funções reprodutoras amadurecem; é filogenético e inclui o aparecimento de características se- xuais secundárias e a maturidade fisiológica dos órgãos se- xuais primários. Estas mudanças ocorrem num período de aproximadamente dois anos. Adolescência é um conceito mais amplo e inclui mudanças consideráveis nas estruturas da personalidade e nas funções que o indivíduo exerce na sociedade. Em síntese, o conceito moderno de adolescên- cia não se confunde com puberdade, como fato biológico, nem tampouco com pubescência, como estágio de transi- ção marcada por grandes mudanças fisiológicas. Adoles- cência é um conceito psicossocial. Representa uma fase crí- tica no processo evolutivo me que o indivíduo é chamado a fazer importantes ajustamentos de ordem pessoal e de ordem social. Entre estes ajustamentos, temos a luta pela independência financeira e emocional, a escolha de uma vocação e a própria identidade sexual. Como conceito psi- cossocial, a adolescência não está necessariamente limita- da aos fatores cronológicos. Em determinadas sociedades primitivas, a adolescência é bastante curta e termina com os ritos de passagem em que os indivíduos, principalmente os de sexo masculino, são admitidos no mundo adulto. Na maioria das culturas ocidentais, entretanto, a adolescência se prolonga por mais tempo e pode-se dizer que a ausên- cia de ritos de passagem torna essa fase de transição um período ambíguo da vida humana. Portanto, diz Munuss, só se pode falar sobre o término da adolescência em ter- mos de idade cronológica à luz do contexto sociocultural do indivíduo. O que, de fato, marca o fim da adolescên- cia são os ajustamentos normais do indivíduo aos padrões de expectativas da sociedade com relação às populações adultas. Do ponto de vista de um conceito psicossocial da ado- lescência, podemos dizer, como observa Hurlock (1975), que ela é um período de transição na vida humana. O ado- lescente não é mais criança, porém, ainda não é adulto. Esta condição ambígua tende a gerar confusão na mente do adolescente, que não sabe exatamente qual o papel que tem na sociedade. Esta confusão começa a desaparecer na medida em que o adolescente define sua identidade psico- lógica. A adolescência é, também, um período de mudan- ças significativas na vida humana. Hurlock fala de quatro mudanças de profunda repercussão nessa fase. A primeira delas é a elevação do tônus emocional, cuja intensidade depende da rapidez com que as mudanças físicas e psi- cológicas ocorrem na experiência do indivíduo. A segunda mudança significativa dessa fase da vida é decorrente do amadurecimento sexual que ocorre quando o adolescen- te se encontra inseguro com relação a si mesmo, a suas habilidades e seus interesses. O adolescente experimenta nesta fase da vida o sentimento de instabilidade, especial-mente em face do tratamento muito ambíguo que recebe do seu mundo exterior. Em terceiro lugar, as mudanças que ocorrem no seu corpo, nos seus interesses e nas suas fun- ções sociais, criam problemas para o adolescente porque, muitas vezes, ele não sabe o que o grupo espera dele. E, finalmente, há mudanças consideráveis na vida do adoles- cente quanto ao sistema de valores. Muitas coisas que an- tes eram importantes, para ele, passam a ser consideradas como algo de ordem secundária, a capacidade intelectual do adolescente lhe dá condição de analisar de modo crítico o sistema de valores a que foi exposto e a que, até então, respondem de modo mais ou menos automático. Porém, agora o adolescente está em busca de algo que lhe seja próprio, algo pelo qual ele possa assumir responsabilidade pessoal. Daí, então, as lutas por que passa o ser humano nessa fase da vida, no sentido da vida, no sentido de definir seu próprio sistema de valores, seus próprios padrões de comportamento moral. A adolescência é, também, um período em que o in- divíduo tem que lutar contra o estereótipo social e con- tra uma autoimagem distorcida dele decorrente. A cultura tende a ver o adolescente como um indivíduo desajeita- do, irresponsável e inclinado às mais variadas formas de comportamento antissocial. Por sua vez, o adolescente vai desenvolvendo uma autoimagem que reflete, de alguma forma, esse estereótipo da sociedade. Essa condição in- desejável ordinariamente cria conflitos entre pais e filhos, entre o adolescente e a escola, entre o adolescente e a so- ciedade em geral. A adolescência é o período de grandes sonhos e aspi- rações, mesmo que não sejam sempre, realistas. De acordo com o próprio Piaget, nessa fase da vida a possibilidade é mais importante do que a realidade. Com o amadureci- mento normal do ser humano é que ele vai aprendendo a discriminar entre o possível e o desejável. 54 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS Na adolescência, como nas demais fases da vida, o in- divíduo tem que cumprir tarefas evolutivas. As principais tarefas evolutivas da adolescência, se- gundo Havighurst, são as seguintes: aceitar e aproveitar ao máximo o próprio corpo; estabelecer relações sociais mais adultas com companheiros de ambos os sexos; chegar a ser independente dos pais e de outros adultos, dos pontos de vista emocional e pessoal; escolha de uma ocupação e preparação para a mesma; preparação para o noivado e o matrimônio; desenvolvimento de civismo; conquista de uma identidade pessoal, uma escala de valores e uma filo- sofia de vida. Do ponto de vista cognitivo e segundo Jean Piaget, o adolescente está no estágio das operações formais. Se- gundo Piaget, o amadurecimento biológico do adolescen- te torna possível a aquisição das operações formais, que representam o ponto máximo do processo do desenvol- vimento cognitivo. As operações formais, entretanto, não são um dado a priori, mas dependem da interação do or- ganismo com o meio. A aquisição das operações formais é de fundamental importância, especialmente em face do enorme progresso das ciências naturais em nosso século. Elas são, também, necessárias a todo o processo de ajusta- mento social do adolescente. Fonte PINHEIRO, M. da S. Aspectos biopsicossociais da Crian- ça e do adolescente. Disponível em http://www.cedeca.org.br/conteudo/ noticia/arquivo/3883a852-e760-fc9f-57158b8065d42b0e. pdf 3.6 TEMAS CONTEMPORÂNEOS: BULLYING, O PA- PEL DA ESCOLA, A ESCOLHA DA PROFISSÃO, TRANS- TORNOS ALIMENTARES NA ADOLESCÊNCIA, FAMÍLIA, ESCOLHAS SEXUAIS. BULLYING Bullying: Abordagem Histórica A palavra bullying é de origem inglesa, adotada em muitos países para definir o desejo consciente de maltratar e inibir uma ou outra pessoa e colocá-la sob tensão. Ter- mo usado para conceituar todos os atos de violência física ou psicológica intencional e repetitiva, que se manifesta sem nenhum motivo aparente, praticados por uma pessoa ou grupo de pessoas, contra outro(s), com o objetivo de intimidar ou agredir o indivíduo incapaz de se defender, causando nas vítimas muito sofrimento, levando-as ao iso- lamento social e em alguns casos à agressividade. As brincadeiras acontecem naturalmente entre as crianças, são saudáveis, todos participam, se divertem e são incluídas. As brincadeiras passam a ser bullying quando há exclusão, sentimentos negativos e violência. De acordo com Fante (2005), alguns pesquisadores consideram no mínimo três ataques contra a mesma vítima durante o ano para ser classificado como bullying. Bullying é um conjunto de atitudes agressivas, inten- cionais e repetitivas que ocorrem sem motivação evidente, adotado por um ou mais alunos contra outro(s), causando dor, angústia e sofrimento. Insultos, intimidações, apelidos cruéis, gozações que magoam profundamente, acusações injustas, atuação de grupos que hostilizam, ridicularizam e infernizam a vida de outros alunos levando-os à exclusão, além de danos físicos, morais e materiais, são algumas das manifestações do comportamento bullying. No Brasil não existe uma tradução para a palavra bullying. Entretanto a Associação Brasileira Multiprofissio- nal de Proteção à Infância e a Adolescência (ABRAPIA) rela- ciona algumas expressões que podem ser definidas como bullying, como o ato de zoar, provocar, isolar, excluir, go- zar, apelidar, discriminar, agredir, ignorar, chutar, ameaçar, amedrontar, quebrar material, ferir, perseguir, intimidar, ofender e sacanear o próximo. Esses atos podem causar dor silenciosa na maioria das vítimas, levando-as ao distan- ciamento da escola. Conforme o pensamento de Chalita (2008), o bullying é um conceito muito bem definido, não escolhe classe social ou econômica, escola pública ou particular, área urbana ou rural, ele está presente em grupos de crianças e de jovens, em escolas de países e culturas diferentes. Isso nos mostra que o bullying está sendo considerado motivo de agressi- vidade nas escolas, trazendo consequências negativas para todos os protagonistas do bullying, afetando a formação psicológica, emocional e socioeducacional do aluno. Entendendo que o bullying é um problema mundial, encontrado em qualquer escola, não se restringindo a um tipo específico de instituição escolar. Segundo Fante (2005), foi Dan Olweus, quem desen- volveu os primeiros critérios para detectar o problema de forma específica, podendo diferenciar as interpretações como os atos de gozações ou relações de brincadeiras entre iguais, próprias do processo de amadurecimento do indivíduo. No passado nada se sabe concretamente sobre o bullying antes da década de 1970. Foi somente com pes- quisas realizadas em 1972 e 1973, na Escadinávia, que as famílias perceberam a seriedade dos problemas decorren- tes da violência escolar. A inquietação alastrou-se pela No- ruega e Suécia e, posteriormente, por toda a Europa. O primeiro país a preocupar com o bullying escolar foi a Suécia, na década de 1970, quando ocorreram várias agressividades no ambiente escolar. A escola juntamente com a sociedade tentou investi- gar e solucionar métodos preventivos para a resolução do problema. Na Noruega, o bullying foi motivo de preocupação e inquietação nos meios de comunicação e entre professores e pais, sem que as autoridades educacionais se comprome- tessem de forma judicial. No final de 1.982, o bullying passou a ser motivo de preocupação e atenção nas entidades escolares, quando o jornal noticiava o suicídio de três alunos, com idade de 10 a 14 anos, no Norte da Noruega, sendo que a principal causa foi identificada por maus tratos que eram recebidos por seus companheiros de escola. Isso fez com que o Mi- 55 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS nistro da Educação da Noruega, realizasse uma campanha nacionalcontra os problemas da violência entre alunos no ambiente escolar. O professor e pesquisador da Universidade de Ber- gen, Dan Olwues, durante época, investigou nas escolas as agressões cometidas entre agressores e suas vítimas, para diferenciar o problema de forma específica, avaliando a na- tureza e ocorrência dessas agressões. Inicialmente Dan Olweus, pesquisou 84 mil estudantes, trezentos a quatrocentos professores e mil pais, incluindo vários períodos de ensino. Para a realização dessa pesquisa Dan Olweus desenvolveu um questionário padrão, com 25 questões, ao término constatou que a cada sete alunos, um estava envolvido em casos de bullying. Com essa situação foi possível realizar um programa de intervenção proposto por Dan Olweus, juntamente com o governo norueguês e que veio a reduzir 50% dos casos de bullying. Esse programa envolveu professores a alunos, com o objetivo de conscientizar e prevenir o bullying no ambiente escolar. Esse fato incentivou outros países, como o Reino Unido, Canadá e Portugal, a promoverem campa- nhas de intervenção. De acordo com as pesquisas de Fante (2005), o bullying vem aumentando entre alunos das escolas americanas. Os pesquisadores americanos classificam bullying como um conflito global e se vier a persistir essa tendência, será enorme a quantidade de jovens que se tornarão adultos abusadores e delinquentes. Ainda com base no pensamento da autora não existe diferença entre o bullying praticado no Brasil e nos Estados Unidos, ou em qualquer outro lugar do mundo, o que varia são os índices encontrados em cada país. Baseado nos dados da ABRAPIA, nos diversos países pode-se afirmar que o bullying está presente em todas as escolas. No Brasil, o bullying aparece em uma quantida- de pequena, comparada a países como os Estados Unidos, Espanha e onde o assunto é expandido com intensidade devido a graves consequências do bullying dentro do am- biente escolar. No Brasil, o bullying ainda é pouco comentado e estu- dado, motivo pelo qual não existem indicadores que nos forneçam uma visão global para que possamos compará-lo aos demais países. Conforme citação acima é possível dizer que, o Brasil em relação à Europa, no que se refere aos estudos e tra- tamento desse comportamento, está com pelo menos 15 anos de atraso. Isso nos mostra que nas escolas brasileiras o bullying apresenta índices inferiores aos países europeus. Gabriel Chalita (2008), em suas pesquisas constatou que a professora Marta Canfielde e seus colaboradores realizaram umas das primeiras investigações registradas sobre o bullying no Brasil, isso ocorreu no ano de 1997. Observou o comportamento agressivo em crianças de qua- tro Escolas Públicas em Santa Maria-RS. Para a realização dessas pesquisas, a professora Marta Canfielde adaptou e aplicou o questionário de Dan Olweus. Posteriormente foram realizados estudos por várias es- colas brasileiras, (Rio de Janeiro e São José do Rio Preto-SP) no período de 2000 a 2003. Com o trabalho realizado nessas escolas foi possível iniciar o mapeamento da violência es- colar no Brasil, com o objetivo de prevenir as violências que ocorrem no ambiente escolar. Bullying Direto e Indireto Sabe-se que, as ações do bullying entre os alunos apresentam características comuns, como comportamen- tos agressivos de forma repetitiva e violenta contra uma mesma vítima, dificultando assim a defesa da mesma. Mediante o que comenta Chalita, sobre as práticas do bullying, pode ser considera como sendo uma forma sutil de violência, que, geralmente envolve colegas da mesma sala de aula, gera comportamentos agressivos que podem ser classificados como bullying direto ou bullying indireto. Ambas as formas são prejudiciais a todos os envolvidos do bullying, afetando principalmente a vítima. O bullying direto ocorre quando a vítima é atacada diretamente pelo agressor, sendo utilizado com uma frequência maior entre os meninos, usando agressões físicas como: bater, chutar, tomar pertences, empurrões, roubos; e as atitudes verbais que são os insultos, apelidos pejorativos que ressaltam de- feitos ou deficiências e atitudes de discriminação, expres- sões e gestos que geram mal-estar às vítimas. Geralmente o bullying indireto, é a forma mais adotada entre o sexo feminino e crianças menores. As estratégias utilizadas são atitudes de indiferença, difamações, fofocas, rumores degradantes sobre a vítima e familiares, entre ou- tros. De acordo com Gabriel Chalita (2008), o bullying in- direto leva a vítima ao isolamento social, desenvolvendo uma atitude de insegurança e dificuldade de se relacionar, muitas vezes tornando-se uma pessoa retraída, e indefesa. No bullying indireto os meios de comunicação é uma forma eficaz, que vem crescendo assustadoramente junto com o desenvolvimento da internet e dos telefones celula- res, pois divulgam, com rapidez comentários cruéis e mali- ciosos sobre as pessoas. Essa crueldade virtual é conhecida como cyberbullying. Nesta forma de bullying o agressor se esconde no anonimato e tortura a vida de outros colegas, através de páginas difamatórias na internet, mensagens de texto anônimo entre outros. De acordo com Pedra (2008, p.67), que estudos reve- lam que, na Inglaterra, 25% das meninas são vítimas de ciberbullying através de celulares. Nos Estados Unidos, um dado surpreendente foi divulgado pela imprensa 20% dos alunos do ensino fundamental são alvos dessa forma de violência. Conforme citação acima, entende-se que, os maio- res praticantes do ciberbullying são os adolescentes, não sendo possível traçar um perfil, por se tratar de ataques virtuais, a imagem e a identidade do agressor não são ex- postas, e quando são descobertos pelas vítimas geralmen- te não os denunciam. O mesmo autor relata que, a denúncia é o principal instrumento para a interrupção desses atos. Entretanto, prevenir é o melhor caminho, devendo ser começado pela família com a parceria com as escolas. 56 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS Os alunos devem ser orientados sobre o assunto e conduzidos à reflexão sobre os limites da internet. O uso do computador tem gerado muitas discussões em família, por não conseguirem delimitar o tempo dos filhos no com- putador e nem estabelecer regras. Protagonistas do Bullying A partir da compreensão que, os protagonistas do bullying podem ser classificados como autor, vítima e tes- temunha de acordo com sua reação à situação do bullying, não há evidências que permita saber qual personagem adotará cada aluno, sendo que poderá sofrer alterações de acordo com as circunstâncias vivenciadas dentro da escola. Nesse sentido, Chalita (2008, p. 85) relata que “são vá- rios os alunos envolvidos nessa situação de bullying”. Iden- tificá-los é fundamental, mas com o cuidado de não rotular os estudantes, para que não sejam motivos de rumores desagradáveis dentro da comunidade escolar. Em todos os casos os envolvidos no bullying podem sofrer graves con- sequências no que se diz respeito a aprendizagem escolar e ao convívio social. Autor do Bullying Conforme afirma Chalita (2008), os autores do bullying, normalmente “são alunos populares que precisam de pla- teia para agir. Reconhecidos como valentões, oprimem e ameaçam suas vítimas por motivos banais, apenas para impor autoridade”. Com isso, compreende-se que o autor do bullying se sente reconhecido e realizado, sempre man- tendo um grupo em torno de si, para se permanecer apoia- do e fortalecido, sentindo prazer e satisfação em dominar, controlar e causar danos e sofrimento as vítimas. Fante (2005), salienta que frequentemente o autor do bullying é membro de família desestruturada, nas quais há pouco relacionamento afetivo entre si, ausência de limites e ao modo de afirmação de poder dos pais sobre os filhos,por meio de “práticas educativas”, que incluem maus-tra- tos físicos e explosões violentas. Quando os pais ou responsáveis exercem um acompa- nhamento precário ao seu filho, adotando comportamen- tos agressivos ou explosivos para tentar solucionar os con- flitos que há no ambiente familiar, contribui para que este reproduza a agressividade sofrida, no meio escolar. Fante (2005), diz que o agressor do bullying, se “apre- sentam mais forte que seus companheiros de classe e de suas vítimas em particular, podendo ser fisicamente supe- rior nas brincadeiras, brigas e nos esportes, entretanto o autor pode ter a mesma idade ou ser um pouco mais velho que suas vítimas”. A ABRAPIA nos acrescenta que frequentemente a maioria dos casos dos autores de bullying, procuram para serem suas vítimas pessoas com algumas características específicas, como: deficiência física, baixa estatura, inteli- gência superior entre os demais, submissão, dificuldades na aprendizagem, aspecto físico frágil, timidez, religião e culturas diferenciadas, cor de pele. Fante (2005), afirma que “crianças portadoras de de- ficiências físicas e de necessidades educacionais, correm maior riscos de se tornarem vítimas do autor do bullying, com a possibilidade de duas a três vezes maiores que as crianças consideradas normais”. Vítimas do Bullying Fante (2005), estudiosos da área do bullying identifi- cam e classificam os tipos de papéis desempenhados, en- tre as vítimas, como: “vítima típica, vítima agressora, vítima provocadora”. Considerada vítima típica, aquele aluno que recebe as agressões de outro não dispondo de habilidades físicas e emocionais para reagir. Os ataques constantes e as agressões contra as vítimas podem comprometer o desenvolvimento desses alunos dentro da sala de aula, aumentando a ansiedade e o con- ceito negativo sobre si mesmo. O silêncio das vítimas se torna um aliado poderoso dos agressores, ajudando a aumentar a violência dentro da co- munidade escolar. Muitas vezes a vítima típica não comen- ta sobre as agressões sofridas, por vergonha, por medo de represália, intimidações, por não acreditarem que estão fa- lando a verdade, temor pelas reações dos familiares, pela incapacidade de defesa. O comportamento, os hábitos, a maneira de se vestir, a falta de habilidades em alguns esportes, a deficiência física ou aparência fora do padrão de beleza imposto pelo gru- po, o sotaque, a gagueira, a raça podem ser motivo para a escolha de uma vítima. Chalita. No entanto, é preciso salientar que o fato de algum aluno apresentar essas características não significa que seja ou venha a ser vítima de bullying. Quando a humilhação é constante contra a vítima, ela perde a identidade, porque a mesma e os demais a reco- nhecerão somente através daquela característica negativa que está sendo focada. Segundo Fante (2005), as vítimas típicas do bullying são indivíduos selecionados, sem um motivo claro, para sofrer ameaças, humilhações e intimidações, geralmente sentem medo de reagir às agressões sofridas devido a sua baixa estima e insegurança, se tornando um indivíduo pou- co sociável. A autora, ainda comenta que a vítima típica do bullying sente dificuldades de impor-se ao grupo, tanto físico como verbalmente, por não ter hábitos de agressividades, os so- frimentos das vítimas podem ser prolongados com muita dor e angústia. Acreditando serem merecedores desses maus tratos, preferem sufocar seus sentimentos que de- nunciar os supostos agressores, buscando cada vez mais o isolamento social. Geralmente as vítimas típicas preferem ficar perto dos adultos, procurando evitar seus colegas. E a vítima agressora é o aluno que é agredido e trans- fere todo o seu sofrimento para outro indivíduo reprodu- zindo as agressões sofridas em uma situação de violência mais discreta, com a mesma intensidade de agressividade. Essas vítimas agressoras posteriormente podem tornar-se 57 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS agressores de colegas considerados mais fracos e indefe- sos. Em casos extremos, são aqueles que se munem de ar- mas e explosivos e vão até a escola em busca de justiça. Matam e ferem o maior número possível de pessoas e dão fim a própria existência. Fante (2005), “a vítima provocadora possui um gênio ruim, tenta brigar ou responder quando é atacada, ou in- sultada, mas geralmente de maneira ineficaz”. Pode ser imperativa, inquieta e ofensora. É de modo geral, tola, ima- tura de costumes irritantes, e quase sempre é responsável por causar tensões no ambiente em se encontra. As Testemunhas do Bullying As testemunhas representam a maioria dos alunos da escola. Eles não sofrem e nem praticam bullying, mas so- frem as suas consequências, por presenciarem constante- mente as situações de sofrimento vivenciados pelas víti- mas. De acordo com Pedra (2008), muitas das testemunhas “repudiam as ações dos agressores, mas nada fazem para impedir”. Entretanto alguns alunos usam estratégias para se defender e não serem a próxima vítima, através de risa- das, permitindo as agressões, ou fingem se divertir com o sofrimento das vítimas. Bullying entre Professor e Aluno Fante (2008), relata que é grande o número de profes- sores considerados vítimas do bullying em seu ambiente de trabalho, sendo a maioria mulheres. Muitos são perse- guidos, humilhados, assediados sexualmente; moralmente ameaçados, não com agressões físicas, mas com avisos pavorosos em relação a seus pertences. Para os alunos são apenas brincadeiras inofensivas que não prejudica nin- guém. A mesma autora, afirma que tudo isso provoca grande constrangimento aos profissionais da educação, prejudi- cando sua autoestima e principalmente o desempenho de suas funções dentro da sala de aula, causando um acentua- do stress, mal-estar e fadiga que mais tarde refletirão nas relações com seus alunos, familiares e colegas de trabalho. De todas as formas de bullying a que parece deixar marcas nos professores são os rebaixamentos junto a co- legas e alunos, em relação às observações sobre o aspecto físico ou sua forma de vestir. Fante (2008) relata que, “o professor tem assegurado o direito a segurança na atividade profissional, com penaliza- ção da prática de ofensa corporal ou outra violência sofrida no exercício das suas funções”. Entendendo assim que o professor que for ameaçado ou que tenha sofrido alguma outra forma de agressão, que coloque sua vida em risco ou sua dignidade, deve procurar a direção da escola, sendo o diretor responsável, cabe a ele tomar as providências necessárias. E importante salientar que alguns professores são víti- mas e agressores ao mesmo tempo. Praticam bullying dire- to e indireto contra seus alunos, perseguindo, humilhando, ridicularizando, intimidando e acusando. Quando o professor não tem equilíbrio emocional para lidar com os atos de agressividade entre alunos que ocor- rem em sala de aula, por serem incapazes de oferecer uma resposta eficaz a situação, acaba reagindo com agressivi- dade. Assim os professores se “convertem” em agressores devido a sua postura de “autoritarismo e intimidação” na tentativa de obter poder e controle diante dos alunos. Esses professores agressores fazem comparações, constrangem, criticam, chamam a atenção em público, mostram ter afinidades por determinados alunos em rela- ção a outros, rebaixam a autoestima e a capacidade cog- nitiva, fazem comentário preconceituosos em relação ao aluno e seus familiares. Portanto, a vítima de um educador sofre terrivelmente na comunidade escolar, esse fato gera vários sentimentos negativos, prejudicando sua aprendiza- gem e a desmotivação pelos estudos. Identificação dos Envolvidos Fante (2005), afirma que o bullying tem como caracte- rística principal a violência oculta, sendo difícil detectá-la.Diante do que foi abordado é de suma importância ressaltar que, qualquer mudança que venha ocorrer no comportamento da criança é motivo de alerta para pais e educadores. Por meio da observação e discussão sobre o comportamento individual dos alunos os professores po- dem identificar os que praticam bullying, assim estará mi- nimizando a violência escolar, já que a maioria dos envolvi- dos se recusa em falar abertamente se estão sendo vítimas ou testemunhas. Entretanto, eles convivem com a violência e se calam ou são ignorados em suas observações por pais e professores. Como a maioria das vítimas fica em silêncio, é neces- sário que profissionais da educação e pais fiquem atentos a alguns sinais. Segundo Fante (2005), para que um aluno possa ser identificado como vítima, os educadores devem obser- var alguns comportamentos, como: “frequentemente está isolado e separado do grupo de colegas; procura sempre estar próximo do professor ou de algum adulto; se sente inseguro ou ansioso; dificuldades em expor; nos jogos em equipe é último a ser escolhido; está sempre triste, depri- mido ou aflito; desleixo” nas tarefas escolares; apresenta feridas, arranhões, perda de seus pertences. A mesma autora comenta que é essencial que os pais ou responsáveis acompanhem dia a dia o andamento esco- lar do seu filho, para que possam identificar se estão sendo vítima da conduta do bullying. É necessário observar comportamentos, como: dor de cabeça frequentemente, pouco apetite, dor de estômago, tonturas principalmente no período da manhã; muda de humor de maneira inesperada, desinteresse pelas ativida- des escolares; regressa da escola com roupas rasgadas ou sujas e com o material escolar danificado; pede dinheiro extra a família; gasto excessivo na cantina da escola; apre- senta marca de agressões corporais; medo ou falta fre- quentemente as aulas; apresenta aspecto contrariado, tris- te, deprimido, aflito ou infeliz. 58 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS Os agressores normalmente acham que todos devem fazer suas vontades e se acham ser o centro das atenções. Fante (2005), baseado nas pesquisas do professor Dan Olweus, afirma que, para identificar se um aluno pratica a agressividade do bullying, é necessário que os profissio- nais da educação observem os comportamentos indivi- duais dos alunos, que “fazem brincadeiras ou gozações de maneira desdenhosa de outros colegas; coloca apelidos de forma desagradáveis; faz ameaças; dá socos; pontapés; puxa os cabelos; envolve-se em discussões e desentendi- mentos; pega materiais escolares de outros colegas sem consentimento”. Em casa é importante que pais ou responsáveis ob- servem comportamentos diferenciados nos filhos quando regressam da escola com roupas amarrotadas e com ar de superioridade, apresentam atitudes hostis, desafiantes, são agressivos com seus membros da família, chegando ao ponto de aterrorizá-los sem levar em conta a idade ou a diferença de força física, são habilidosos para sair-se bem de situações difíceis, possuem objetos ou dinheiros sem justificar sua origem. Fante (2005), em suas pesquisas realizadas em escolas, constatou que nos “ciclos iniciais (jardim e pré-escola) até a 4ª série” é mais fácil identificar se os alunos estão sendo envolvidos nas “condutas bullying”, já que as crianças são mais transparentes que os demais alunos. Os profissionais da educação devem ter atenção com os “alunos com ne- cessidades educativas especiais”, pois elas constituem em um grupo de risco, por serem crianças frágeis. Onde ocorre o Bullying no Ambiente Escolar Todos desejam que as escolas sejam ambientes segu- ros e saudáveis, onde as crianças e adolescentes possam desenvolver, ao máximo os seus potenciais intelectuais e sociais. Porém, a violência vem invadindo as instituições esco- lares, atualmente sob o nome de bullying, que são atitudes ofensivas, comentários maldosos, agressões físicas ou psi- cológicas, transformando a vida escolar de muitos alunos em um verdadeiro transtorno para o processo de aprendi- zagem. Fante (2005), baseado nas explicações do professor Dan Olweus, acrescenta que é normal em uma sala de aula, existir entre os alunos, diversos tipos de conflitos e tensões. Existem também várias outras interações agressivas, que ocorrem quando o aluno quer se divertir ou como forma de autoafirmação, mostrando ser mais forte que outros co- legas. O comportamento violento e agressivo que um aluno apresenta na escola, provocando sofrimento a muitos ou- tros – de forma violenta ou não tem sua origem dentre ou- tros fatores, no modelo educativo familiar de acordo com o qual foi criado. Segundo pesquisas realizadas por Fante, durante o ano de 2000 a 2003, ela constatou que, “o bullying torna- -se uma atitude difícil de ser combatida, pois o aluno traz esse comportamento internalizado em sua personalidade”. E que em geral ocorre dentro das salas de aulas, nos ba- nheiros, corredores, quadras esportivas e mediações das escolas. Também ocorrem entre outros locais fora da esco- la mais de convivência comum dos alunos. Pedra (2008) relata que na maioria dos países, consta- tou-se que o pátio de recreio “é o lugar de maior incidên- cia dos ataques de bullying. Porém, no Brasil as pesquisas apontam para a sala de aula, por ser um tema novo de dis- cussão no meio educacional brasileiro, sendo que a maioria dos professores desconhece o bullying. As consequências do bullying Nota-se que as consequências referentes ao bullying são inúmeras e variadas, afetando todos os envolvidos e em todos os níveis de idade. Quando não há intervenções efetiva contra o bullying, o ambiente escolar fica totalmen- te contaminado. De acordo com Fante (2005), as vítimas, agressores e as testemunhas do bullying, estão sujeitos a sofrer prejuízos na formação “psicológica, emocional e socioeducacional”. Considera-se que os alunos que são vítimas das agres- sões, por um período prolongado de tempo, dependendo da intensidade do sofrimento vivido e não conseguindo superar os traumas causados, dependendo da característi- ca individual de cada um, tendo dificuldade de se relacio- nar consigo mesma, com o meio social e com a sua família, poderá ter pensamentos destrutivos, alimentados pela rai- va reprimida, em consequência nasce o desejo de cometer suicídio. Outras vítimas, após anos de sofrimento, chegam ao limite de suas forças, e não suportando mais as humilha- ções sofridas, revolta contra a escola e, movido por ideias de vingança, resolve explodi-la. Pedra (2008), comenta que o primeiro procedimento adotado pela escola deve ser treinar os profissionais de segurança, recepção e limpeza a identificar objetos e correspondências suspeitas. Muitas vezes, o aluno pode enviar o material explosivo para a escola sem identificação ou deixar o embrulho em algum local, como pátio ou banheiro. É importante tam- bém que os professores e a direção escolar observem se os alunos têm marcas de queimadura ou lesões que eviden- ciem experiências com explosivos. Em se tratando de dificuldades emocionais das vítimas, podem alterar suas relações sociais com os professores e colegas, apresentando baixa autoestima e dificultando o processo educacional, tendo uma queda excessiva no ren- dimento escolar, desinteresse pelos estudos, “déficit de concentração” e de aprendizagem, reprovação e em mui- tos a evasão escolar. Fante (2005), baseado nas pesquisas do professor Dan Olweus, “diz que há uma grande possibilidade da criança vítima de bullying a se tornar depressiva, aos 23 anos de idade, transformando-a em um adulto com dificuldade de relacionar e prejudicando sua vida acadêmica”. Ainda, segundo a autora esclarece que, quanto às con- sequências do bullying sobre os próprios agressores, de ambos os sexos indicam queeles podem adotar compor- tamentos delinquentes, como a agressividade sem motivo aparente, uso de drogas e armas ilegais, furtos, formação 59 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS de gangues, chegando com facilidade a marginalidade. A participação das meninas nessa fase é pouco menor que a dos meninos. Os agressores que exercem esses comportamentos delinquentes, normalmente se distanciam das atividades escolares, supervalorizando a violência como uma forma natural e o prazer de se sentir poderoso. As testemunhas da conduta do bullying abrangem a maioria dos alunos, mesmo não se envolvendo diretamen- te. Segundo a ABRAPIA as testemunhas também se veem afetadas por esse ambiente de tensão e acabam sofrendo suas consequências, tornando-se “inseguras” e temerosas, podendo desta forma comprometer sua aprendizagem es- colar, em alguns casos elas possam vir a se tornar as pró- ximas vítimas. Isso acontece, porque o direito que elas ti- nham a uma escola segura e saudável foi corrompido, na medida em que bullying foi afetando os demais envolvidos. Papel da Família Segundo Moreno (2002), os valores “são um dos traços mais importantes do aprendizado no seio familiar”. Diante do que se tem comprovado por meio de estudos e pes- quisas de autores, das ciências sociais, a família é a primei- ra escola de saber, de civismo e cidadania, é no lar que a criança aprende a ter interesse pela vida, e ter confiança em si mesma, e acreditar que se pode seguir em frente. Educar em valores só é possível quando existe um amor verdadei- ro em seu sentido mais profundo. Segundo Pedra (2008, p.123), o afeto entre os mem- bros de uma família é o começo de toda educação estru- turada, por isso, se torna importante encontrar um tempo para a convivência saudável, especialmente com os filhos, mantendo um diálogo constante. Procurar conhecer o mundo deles e deixá-los que conheçam o seu. É essencial que os filhos encontrem em casa um ambiente de amor e aceitação, favorável a que se expressem, tanto sobre seus triunfos e suas conquistas como sobre seus fracassos e suas dificuldades, nos relacionamentos, nos estudos ou em relação a si mesmo. Portanto é no ambiente familiar sólido que a criança deve criar relacionamentos significativos e duradouros sendo capaz de desenvolver atitudes e valores humanos, sabendo respeitar e aceitar as diferenças de cada indivíduo, assim a criança aprenderá a lidar com seus próprios senti- mentos e emoções, suprindo suas necessidades de amor e valorização, valores que ajudarão no desenvolvimento de habilidades de autodefesa e alto-afirmação. Quando a família abre mão desse aprendizado abre também espaço para a violência, para as atitudes que en- fraquecem e isolam atrás de grades, muralhas e guaritas. A violência que invade ou nasce no espaço familiar se expan- de para todos os outros seguimentos da sociedade como uma teia de relações destrutivas que se reproduz e conta- mina os ambientes e as pessoas. Geralmente os pais procuram o melhor para seus fi- lhos, acreditando que eles são capazes de sair bem em tudo que fazem, são considerados inteligentes, saudáveis, educados e desenvolvidos, despertando a vaidade e o or- gulho da família, portanto, os filhos nem sempre corres- pondem à imagem predeterminada pelos pais. Essas crian- ças muitas vezes não são os melhores da sala de aula, são retraídos, tímidos, podendo ter limitações físicas, emocio- nal ou intelectual. Geralmente na escola não é diferente, os professores esperam receber alunos bonitos, inteligentes, interessados e disciplinados. Quando isso não acontece a não aceitação pelos professores e colegas, causa grande frustração para o aluno que pode gerar a exclusão e a ri- dicularização. Em muitas situações os filhos podem trazer à tona grandes sentimentos não resolvidos pelos pais somando com todas as outras frustrações não terão condições de lidar com seus próprios desejos, e agradar a outros indi- víduos. Fante (2005) comenta que, quando os filhos são víti- mas da conduta bullying no ambiente escolar, é essencial evitar não os culpar por incidentes que estão acontecendo nas dependências escolares. Porém, o excesso de mimos pode fazer com que a criança se torne chata, egoísta ou até agressora, geralmente não conseguindo seguir as regras de viver em grupo. Demonstrar segurança é uma forma da criança reduzir as chances de um agressor vir a escolhê-la como alvo. Os pais devem orientar os filhos a manter a postura firme, en- frentar os olhos do agressor não como afronta, mas para mostrar segurança e firmeza. Procurar ser sempre educa- do, desprezando as brincadeiras de mau gosto, mostrando ter coragem, não chorar, nem demonstrar tristeza. O choro pode ser sinal de fraqueza, por isso a criança deve manter o mais distante possível do agressor. Segundo o pensamento da autora, é comum encontrar pais que, ao saber da vitimização dos seus filhos, rotula-os de “fracotes”. Infelizmente, isso acontece em muitas famí- lias. Não somente os pais, mas outros integrantes da família colocam a vítima em uma situação de inferioridade ainda maior, são expostas em frente a irmãos e colegas de es- colas, amigos da família ou vizinhos, fazendo comentários maldosos, tornando-os responsáveis pela falta de compe- tência para lidar com a situação difícil em que se encontra. É importante que os pais acompanhem e direcionem a vida escolar de seus filhos, que saibam corrigi-los nos mo- mentos certos, e estimular quando for necessário, abrindo espaço para que falem abertamente sobre qualquer tipo de agressão que tenham sofrido ou praticado dentro da escola. Os pais não devem obrigar seus filhos a enfrentar os agressores, muitas vezes não é a melhor solução, ele pode estar frágil, com isso poderá sofrer mais. É relevante procu- rar descobrir de onde vem às agressões e como fazer para amenizá-las oferecendo total proteção para seu filho. Chalita (2008, p.183-184) relata que, quando os pais descobrem que os seus filhos são agressores, é importante manter um posicionamento firme, não ignorar a situação, nem fazer de conta que está tudo bem. É essencial que eles procurarem saber como ajudá-los, falando com os profes- sores, com a direção da escola, com psicólogos ou profis- sionais da área, e sempre estar acompanhando o processo de evolução e transformação desse aluno. 60 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS É possível dizer que, o diálogo e a paciência são funda- mentais para que os filhos compartilhem os momentos de fragilidade. É essencial que os pais evitem repreendê-los, castigá-los ou reagir com agressividade. A criança preci- sa de acolhimento, carinho, apoio e compreensão mesmo tendo conhecimento do acontecido. Procurando saber o que está causando estas atitudes que pode ser um proble- ma recente ou vindo do passado. Ainda devem procurar usar estratégia para que seu filho saia do centro da violên- cia mostrando à importância de pedir desculpas às pessoas que agrediu, para que possa reconhecer que errou e repa- rar esse erro. Criar situações colocando seu filho no lugar da vítima para que possa sentir a dor e angústia do colega. E mostrar situações pessoais que trouxeram sofrimento. Portanto, o papel dos pais é uma experiência cheia de satisfação e sentido que dura toda eternidade. Mesmo que os filhos cometem erros, sempre haverá motivos para reco- nhecer os pontos positivos, as decisões acertadas e os bons momentos que compartilham juntos. Papel da Escola Segundo Aramis Lopes Neto, coordenador do progra- ma de bullying da ABRAPIA, “não se pode admitir que os alunos sofram violências que lhes tragam danos físicos ou psicológicos, que testemunhem tais fatos e se calem para que não sejam também agredidos e acabem por achá-los banais ou, pior ainda, dianteda omissão e tolerâncias dos adultos, adotem comportamentos agressivos”. Infelizmente estamos vivendo uma época em que a violência se torna cada vez mais presente em todas as ins- tituições escolares. A violência escolar nas últimas décadas adquiriu cres- cente dimensão em todas as sociedades, o que a torna questão preocupante devido à grande incidência de sua manifestação em todos os níveis de escolaridade. As práticas de violência, discriminação e preconcei- to, vivenciadas pelos alunos no cotidiano escolar, têm se apresentado como um grande desafio para os professores, equipe gestora e toda comunidade escolar. Essas práticas, muitas vezes, podem causar dificuldades na aprendizagem e causar traumas ao longo da vida. Acredita-se, que a prevenção começa pelo conheci- mento. É preciso que as escolas reconheçam a existência do bullying e, sobretudo, esteja consciente de seus prejuí- zos para a personalidade e o desenvolvimento socioeduca- cional dos alunos. Ainda há um grande número de profissionais da edu- cação que não sabe distinguir entre condutas de bullying ou outros tipos de violência, por não ter um preparo para identificar e desenvolver estratégias pedagógicas para en- frentar os problemas no ambiente escolar. O despreparo dos professores ocorre porque, tradicio- nalmente, nos cursos de formação acadêmica e nos cursos de capacitação, são treinados com técnicas que unicamen- te os habilitam para o ensino de suas disciplinas, não sendo valorizada e necessidade de lidarem com o afeto e muito menos com os conflitos e com os sentimentos dos alunos. Os professores deveriam ser preparados para educar a emoção dos seus alunos. Porém, muitos professores têm dificuldades emocionais para lidar com os problemas de maus tratos ou de violência que ocorrem dentro da sala de aula, e não tendo capacidade de lidar com esses problemas e de oferecer uma reposta eficaz a situação, acabam rea- gindo com agressividade. A escola precisa capacitar seus profissionais para a observação, para que os mesmos possam identificar, diag- nosticar e saber intervir nas situações do bullying ou até mesmo os encaminhamentos corretos, levando o tema à discussão com toda a comunidade escolar e traçar estraté- gias que sejam capazes de fazer frente ao mesmo. De acordo com Pedra (2008), além de todo o esforço da equipe escolar frente ao bullying, é preciso contar com a ajuda de consultores externos, como especialistas no tema, psicólogo e assistentes sociais. Cleo Fante (2005), comenta que, a conscientização e a aceitação de que o bullying ocorre com maior ou menor incidência, em todas as escolas do mundo, independen- tes características “culturais, econômicas e sociais dos alu- nos”, são fatores decisivos para iniciativas no combate à violência no contexto escolar. Para desenvolver estratégias de intervenção e prevenção ao bullying em uma escola, é necessário que a comunidade escolar esteja consciente da existência do mesmo, sobretudo, das consequências rela- cionadas aos envolvidos, a esse tipo de comportamento. Desta forma, percebe-se que é primordial sensibilizar e envolver toda a comunidade escolar na luta pela redução do comportamento bullying. Gabriel Chalita (2008), salienta que algumas atitudes simples por parte da direção escolar, podem ajudar a re- duzir os casos de bullying no ambiente escolar. É necessá- rio que toda equipe escolar, desde o primeiro dia de aula, esclareça sobre o que é bullying, e que não será tolerado condutas do mesmo nas dependências da escola. Todos os alunos devem se comprometer a não o praticar e a comu- nicar a direção escolar sempre que presenciarem ou forem vítimas da conduta do bullying. É essencial que os professores promovam debates so- bre bullying nas salas de aula, fazendo com que o assunto seja bastante divulgado e assimilado pelos alunos. Estimu- lar os estudantes a fazerem pesquisas sobre o tema na es- cola, para saber o que alunos, professores e funcionários pensam sobre o bullying e como acham que se deve lidar com esse assunto. Sempre que ocorrer alguma situação de bullying, pro- curar lidar com ela diretamente, investigando os fatos, con- versando com autores e vítimas. É relevante que os profis- sionais da educação interfiram diretamente nos grupos de alunos envolvidos sempre que for necessário para “romper a dinâmica” de bullying, orientando os alunos a sentarem em lugares previamente indicados, mantendo afastados os possíveis autores de suas vítimas. O mesmo autor comenta que, é relevante que os pro- fessores incluam na rotina escolar de seus alunos, estraté- gias que amenizem as causas do bullying. A dramatização é uma “ferramenta excepcional’ para fazer crianças e jo- vens vivenciarem papéis. É essencial discutir sempre as ex- 61 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS periências depois de dramatizadas. O trabalho com filmes e letras de músicas também permite uma reflexão crítica e significativa, com possibilidade de minimizar as manifesta- ções de comportamentos agressivos. De acordo com Pedra (2008), as atividades em salas de aula em forma de redação onde os alunos são estimu- lados a falar no anonimato sobre a sua vida na escola, ou seja, seu relacionamento com os colegas ajudará a romper o silêncio e possibilitará a expressão de emoções e senti- mentos. O mesmo autor comenta que, na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental é primordial tra- balhar por meio de histórias ou fábulas que trabalhem o preconceito ou qualquer outra forma de exclusão e discri- minação. É essencial tanto a participação do professor quanto dos alunos. O professor de um lado tem o dever de trans- mitir o papel ético, problematizar valores e regras morais através da afetividade e racionalidade visando ao desen- volvimento moral e à socialização e os alunos o papel de entender e cooperar com as ações do professor. A escola, juntamente com os professores tem a função de trabalhar conteúdos relacionados aos valores, como o diálogo, o res- peito, e a solidariedade. Com o diálogo o professor faz com que os alunos agressores reflitam sobre suas atitudes agressivas e as consequências que podem gerar nos alunos agredidos. Fa- zendo-os refletir como deveria ser uma escola onde todos sentissem felizes, seguros e respeitados. Ao trabalhar o respeito, tem como objetivo mostrar a diferença entre as pessoas, o respeito pelo ser humano independente de sua origem social, etnia, religião, sexo, opinião e cultura, bem como nas manifestações culturais, étnicas e religiosas. O respeito tem a condição necessária para o convívio social democrático. Por mais que o professor seja presente e trabalhe com seus alunos o respeito mútuo, a justiça e a solidariedade, em sala de aula, é quase que impossível que não aja confli- tos entre eles. Portanto, a escola deve estimular o ensino e o desenvolvimento de atitudes que valorizem a prática da tolerância e da solidariedade entre os alunos. O incentivo ao exercício da solidariedade é um fator motivador de mu- danças, pois estimula a amizade, a cooperação e o compa- nheirismo no ambiente escolar. De acordo com Pedra (2008), há casos em que alunos praticantes de bullying se convertem em “alunos solidá- rios”, passando a auxiliar seus colegas dentro e fora da sala de aula, em especial aqueles que outrora eram suas vítimas. Ou até mesmo as modificações na postura de al- guns professores, que após reconhecerem as práticas do bullying decide mudar suas atitudes. Como a escola deve denunciar os casos de Bullying? Entende-se que, inicialmente os casos de bullying devem ser resolvidos na escola, por meio de ações pedagógicas. De acordo com Pedra (2008), quando a escola, não consegue solucionar o problema, “deve-se orientar o alu- no agressor e aplicar a ele a pena prevista peloregimento interno escolar, além de alertar seus pais ou responsáveis”. Dependendo da gravidade do caso, deve-se encami- nhá-lo diretamente ao Conselho Tutelar. Se houver lesão corporal, calúnia, injúria ou difamação, o pai ou respon- sável dever procurar uma delegacia de polícia para fazer boletim de ocorrência. O autor, comenta que, é necessário sempre ter o cui- dado para não expor crianças e adolescentes a situações constrangedoras no momento da revista pessoal. Se o alu- no for menor de 12 anos, é preciso convocar um represen- tante do Conselho Tutelar para dar os encaminhamentos legais. Se for maior de 12 anos, a polícia dever ser acionada para encaminhar o caso à Justiça. Referência: LEANDRO, V. L. D. Bullying no Ambiente Escolar. Dis- ponível em: http://pedagogiaaopedaletra.com/bullying- -no-ambiente-escolar/ O PAPEL DA ESCOLA O papel da escola / função social da escola A sociedade tem avançado em vários aspectos, e mais do que nunca é imprescindível que a escola acompanhe essas evoluções, que ela esteja conectada a essas transfor- mações, falando a mesma língua, favorecendo o acesso ao conhecimento que é o assunto crucial a ser tratado neste trabalho. É importante refletirmos sobre que tipo de trabalho te- mos desenvolvido em nossas escolas e qual o efeito, que resultados temos alcançado. Qual é na verdade a função social da escola? A escola está realmente cumprindo ou procurando cumprir sua função, como agente de inter- venção na sociedade? Eis alguns pressupostos a serem ex- plicitados nesse texto. Para se conquistar o sucesso se faz necessário que se entenda ou e que tenha clareza do que se quer alcançar, a escola precisa ter objetivos bem defini- dos, para que possa desempenhar bem o seu papel social, onde a maior preocupação – o alvo deve ser o crescimento intelectual, emocional, espiritual do aluno, e para que esse avanço venha fluir é necessário que o canal (escola) esteja desobstruído. A Escola no Passado A escola é um lugar que oportuniza, ou deveria possi- bilitar as pessoas à convivência com seus semelhantes (so- cialização). As melhores e mais conceituadas escolas per- tenciam à rede particular, atendendo um grupo elitizado, enquanto a grande maioria teria que lutar para conseguir uma vaga em escolas públicas com estrutura física e peda- gógicas deficientes. O país tem passado por mudanças significativas no que se refere ao funcionamento e acesso da população brasileira ao ensino público, quando em um passado recente era pri- vilégio das camadas sociais abastadas (elite) e de preferência para os homens, as mulheres mal apareciam na cena social, quando muito as únicas que tinham acesso à instrução for- mal recebiam alguma iniciação em desenho e música. 62 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS Atuação da equipe pedagógica – coordenação A política de atuação da equipe pedagógica é de suma importância para a elevação da qualidade de ensino na es- cola, existe a necessidade urgente de que os coordenado- res pedagógicos não restrinjam suas atribuições somente à parte técnica, burocrática, elaborar horários de aulas e ainda ficarem nos corredores da escola procurando con- ter a indisciplina dos alunos que saem das salas durante as aulas, enquanto os professores ficam necessitados de acompanhamento. A equipe de suporte pedagógico tem papel determinante no desempenho dos professores, pois dependendo de como for a política de trabalho do coor- denador o professor se sentirá apoiado, incentivado. Esse deve ser o trabalho do coordenador: incentivar, reconhe- cer, e elogiar os avanços e conquistas, em fim o sucesso alcançado no dia a dia da escola e consequentemente o desenvolvimento do aluno em todos os âmbitos. Compromisso social do educador Ao educador compete a promoção de condições que favoreçam o aprendizado do aluno, no sentido do mes- mo compreender o que está sendo ministrado, quando o professor adota o método dialético; isso se torna mais fá- cil, e essa precisa ser a preocupação do mesmo: facilitar a aprendizagem do aluno, aguçar seu poder de argumenta- ção, conduzir ás aulas de modo questionador, onde o alu- no- sujeito ativo estará também exercendo seu papel de sujeito pensante; que dá ótica construtivista constrói seu aprendizado, através de hipóteses que vão sendo testadas, interagindo com o professor, argumentando, questionan- do em fim trocando ideias que produzem inferências. O planejamento é imprescindível para o sucesso cog- nitivo do aluno e êxito no desenvolvimento do trabalho do professor, é como uma bússola que orienta a direção a ser seguida, pois quando o professor não planeja o aluno é o primeiro a perceber que algo ficou a desejar, por mais experiente que seja o docente, e esse é um dos fatores que contribuem para a indisciplina e o desinteresse na sala de aula. É importante que o planejar aconteça de forma siste- matizada e contextualizado com o cotidiano do aluno – fa- tor que desperta seu interesse e participação ativa. Um planejamento contextualizado com as especifi- cidades e vivências do educando, o resultado será aulas dinâmicas e prazerosas, ao contrário de uma prática em que o professor cita somente o número da página e alunos abrem seus livros é feito uma explicação superficial e dá-se por cumprido a tarefa da aula do dia, não houve conversa, dialética, interação. Ação do gestor escolar A cultura organizacional do gestor é decisiva para o sucesso ou fracasso da qualidade de ensino da escola, a maneira como ele conduz o gestionamento das ações é o foco que determinará o sucesso ou fracasso da escola. De acordo com Libâneo (2005), características organizacionais positivas eficazes para o bom funcionamento de uma esco- la: professores preparados, com clareza de seus objetivos e conteúdos, que planejem as aulas, cativem os alunos. Um bom clima de trabalho, em que a direção contribua para conseguir o empenho de todos, em que os professo- res aceitem aprender com a experiência dos colegas. Clareza no plano de trabalho do Projeto pedagógico- -curricular que vá de encontro às reais necessidades da es- cola, primando por sanar problemas como: falta de profes- sores, cumprimento de horário e atitudes que assegurem a seriedade, o compromisso com o trabalho de ensino e aprendizagem, com relação a alunos e funcionários. Quando o gestor, com seu profissionalismo conquista o respeito e admiração da maioria de seus funcionários e alunos, há um clima de harmonia que predispõe a reali- zação de um trabalho, onde, apesar das dificuldades, os professores terão prazer em ensinar e alunos prazer em aprender. Função Social da Escola A escola é uma instituição social com objetivo explícito: o desenvolvimento das potencialidades físicas, cognitivas e afetivas dos alunos, por meio da aprendizagem dos con- teúdos (conhecimentos, habilidades, procedimentos, atitu- des, e valores) que, aliás, deve acontecer de maneira con- textualiazada desenvolvendo nos discentes a capacidade de tornarem-se cidadãos participativos na sociedade em que vivem. Eis o grande desafio da escola, fazer do ambiente es- colar um meio que favoreça o aprendizado, onde a esco- la deixe de ser apenas um ponto de encontro e passe a ser, além disso, encontro com o saber com descobertas de forma prazerosa e funcional, conforme Libâneo (2005) devemos inferir, portanto, que a educação de qualidade é aquela mediante a qual a escola promove, para todos, o domínio dos conhecimentos e o desenvolvimento de capa- cidades cognitivas e afetivas indispensáveis ao atendimen- to de necessidades individuais e sociais dos alunos. A escola deve oferecer situações que favoreçam o aprendizado, onde haja sede em aprender e também ra- zão, entendimento da importância desse aprendizado no futuro do aluno. Se ele compreender que, muito