Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 DIREITO PÚBLICO: CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO 2 APRESENTAÇÃO 4 AULA 1: HERMENÊUTICA E INTERPRETAÇÃO CLÁSSICA DO DIREITO 5 INTRODUÇÃO 5 CONTEÚDO 6 O QUE É HERMENÊUTICA? 6 ELEMENTOS DA HERMENÊUTICA CLÁSSICA 9 A NOVA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL 13 ASPECTOS HERMENÊUTICOS QUE ENFRAQUECEM A CONCEPÇÃO TECNOFORMAL DO DIREITO 14 ATIVIDADE PROPOSTA 17 REFERÊNCIAS 17 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 19 AULA 2: AS BASES TEÓRICAS DA NOVA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL 26 INTRODUÇÃO 26 CONTEÚDO 27 O NEOCONSTITUCIONALISMO E A REAPROXIMAÇÃO ENTRE O DIREITO E A ÉTICA 27 INTERPRETAÇÃO E HERMENÊUTICA FILOSÓFICA NO PENSAMENTO DE GADAMER 30 CONHEÇA AGORA A TÓPICA DE VIEHWEG E A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO DE PERELMAN 32 A TÓPICA NA VISÃO DE PAULO BONAVIDES 35 ATIVIDADE PROPOSTA 39 REFERÊNCIAS 40 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 42 AULA 3: A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 46 INTRODUÇÃO 46 CONTEÚDO 47 O PERFIL DE EVOLUÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 47 3 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO NOVO EIXO HERMENÊUTICO 52 O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 56 ATIVIDADE PROPOSTA 60 REFERÊNCIAS 61 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 64 AULA 4: PRINCÍPIOS DA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL 69 INTRODUÇÃO 69 CONTEÚDO 70 PRINCÍPIO DA CORREÇÃO FUNCIONAL 74 PRINCÍPIO DA EFICÁCIA INTEGRADORA 74 ATIVIDADE PROPOSTA 78 REFERÊNCIAS 79 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 81 CHAVES DE RESPOSTA 85 AULA 1 85 ATIVIDADE PROPOSTA 85 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 85 AULA 2 87 ATIVIDADE PROPOSTA 87 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 87 AULA 3 88 ATIVIDADE PROPOSTA 88 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 88 AULA 4 91 ATIVIDADE PROPOSTA 91 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 91 CONTEUDISTA 93 4 Esta disciplina insere-se no conjunto do Módulo de Direito Constitucional e dedica-se ao estudo da nova interpretação constitucional. Para tanto, contempla temas da teoria da argumentação jurídica, bem como dos elementos clássicos de interpretação, especialmente da sua insuficiência para a solução dos casos difíceis (hard cases). Nesse sentido, está constituída em torno do paradigma de racionalidade discursiva, elemento fundante da nova teoria do direito neoconstitucional. Em consequência, sua base teórica é a análise crítica da superação do positivismo jurídico, vislumbrado como um sistema fechado de regras jurídicas. Além disso, busca-se edificar um conceito racional de dignidade da pessoa humana para que ela possa ser empregada com maior objetividade possível nas decisões judiciais. Por fim, dada a especificidade das normas constitucionais, torna-se importante conhecer os princípios da interpretação constitucional. Sendo assim, esta disciplina tem como objetivos: 1. Examinar os elementos clássicos de interpretação e sua insuficiência diante dos casos difíceis (hard cases). 2. Descrever o papel dos princípios jurídicos e da racionalidade argumentativa no âmbito da nova teoria neoconstitucional do direito. 3. Compreender o Princípio da dignidade da pessoa humana como um vetor interpretativo. 5 Introdução Esta aula tem como objetivo trazer conhecimentos avançados sobre a hermenêutica e interpretação constitucional. Além da existência dos métodos clássicos de interpretação, que concebem uma atividade exegética de técnica de conhecimento mecânico de aplicação do texto constitucional, por meio de 6 um raciocínio silogístico, com o aparecimento dos casos difíceis, exige-se a extensão da hermenêutica para além da interpretação do texto. Com efeito, todo o avanço do Direito Constitucional dá-se a partir de uma nova hermenêutica, no âmbito do movimento do neoconstitucionalismo. Assim sendo, sem negar a importância dos métodos tradicionais, é preciso destacar uma nova perpesctiva da hermenêutica constitucional, que permita ao intéprete a fomulação de juízos de valor, dependente de elementos axiológicos, pois se encontra envolto a normas de textura aberta ou princípios antagônicos. Objetivos: 1. Conhecer o conceito de hermenêutica e identificar os elementos clássicos de interpretação como forma de resolução de casos fáceis. 2. Reconhecer a insuficiência dos métodos clássicos de interpretação diante dos casos difíceis (hard cases). Conteúdo O que é hermenêutica? Antes de enfrentar os objetivos principais dessa aula, é preciso conhecer o sentido de hermenêutica. A palavra hermenêutica significa “explicar”, “interpretar”, que reside no verbo grego hermeneuein e no substantivo hermeneia. Sua raiz tem origem no nome do deus Hermes que, na mitologia grega, tinha a função de tornar acessível a linguagem transmitida pelos deuses. 7 Na mitologia grega, Hermes era filho de Zeus e da ninfa Maia. Em Roma, foi assimilado ao Deus Mercúrio. Hermes era considerado o mensageiro dos deuses, já que levava a mensagem destes aos mortais (deus-mensageiro alado). Ele atuava como um “intérprete”, pois transformava algo ininteligível em algo bem compreendido pelos mortais. Essa função não era muito nobre no Olimpo e Hermes a recebeu por não ser originariamente um deus. Por ter migrado da condição humana para a condição divina, Hermes dominava tanto o entendimento entre os homens quanto o entendimento entre os deuses. Por isso, é também o deus da comunicação. Segundo Richard Palmer 1 , Hermes “se associa a uma função de transmutação – transformar tudo aquilo que ultrapassa a compreensão humana em algo que essa inteligência consiga compreender”. Ainda na mitologia grega, na condução das almas ao Hades, esta função está presente, já que se trata de almas humanas e da transição destas almas ao mundo telúrico (onde vivem as almas encarnadas) ao mundo ctônico (onde residem as almas desencarnadas). Portanto, a língua grega vincula tudo o que depende de desvendamento (comunicação) e acesso (condução) a Hermes. Daí, algo ser hermeticamente fechado (como o Hades) e o acesso a um entendimento profundo depender de uma hermenêutica (uma interpretação que depende de recursos não triviais). Essa concepção de interpretação, como acesso a um entendimento extraordinário, está presente em todas as ciências. Sobretudo nas ciências humanas e sociais, a Hermenêutica se instituiu como campo do conhecimento específico e ancilar em relação ao conhecimento-fim, no nosso caso, o Direito Constitucional. Ela é a teoria da interpretação das leis, ou seja, método genérico e científico da arte de interpretar. Não se confunde com a interpretação que corresponde ao processo concreto por meio do qual o 1 Palmer, Richard E. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1999. p. 24. 8 intérprete aplica os princípios, instrumentos e fórmulas preconizadas pela hermenêutica. Como toda palavra de origem grega adotada pela ciência, a hermenêutica abarca diversos níveis de reflexão e significa, num primeiro momento, a explicação e interpretação, como também a compreensão. Carlos Maximiliano informa que a hermenêutica jurídica não importa em tão somente na arte de interpretar, mas também na preocupação de aplicação do direito. 2 Interpretar significa explicar, esclarecer, reproduzir por outras palavras o pensamento exteriorizado e extrair da sentença, norma ou frase tudo o que a mesma contém. A hermenêutica difere da interpretação no sentido de que no primeiro caso se confunde como uma ciênciado direito que pretende estabelecer quais são os métodos de esclarecer as leis, enquanto a intepretação deve ser compreendida como a aplicação desses métodos a fim de revelar o sentido da norma às situações de fato. A hermenêutica nasceu como esforço para descrever os modos de compreensão, mais especificamente “históricos” e “humanísticos”. Dessa maneira, a hermenêutica deixa de ser um conjunto de métodos, artifícios, técnicas de explicação de um texto para se dirigir a uma dimensão mais originária cuja compreensão é vista como um fenômeno epistemológico e ontológico. Nesses termos, é possível afirmar que a hermenêutica é essencial em todas as ciências humanas, já que se ocupa da interpretação das “obras” humanas. É uma metaciência que permeia a compreensão de todas as disciplinas humanísticas. 2 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 1. 9 Elementos da hermenêutica clássica Verificado o que vem a ser hermenêutica vamos, em seguida, entender os elementos clássicos propostos por Savigny. Entretanto, é preciso lembrar que por estarem as normas constitucionais situadas num nível hierarquicamente superior às demais normas, devemos dar especial atenção à utilização desses métodos. A técnica de intepretação sofrerá significativa mudança dadas as especificidades e estatura das normas constitucionais. A hermenêutica jurídica clássica é entendida a partir de um conjunto de métodos de interpretação. Veja cada um dos métodos ou elementos clássicos de interpretação: 1. Gramatical, textual, filológica, verbal, semântica ou literal (verba legis) É a interpretação em que o operador do direito verifica qual o sentido do texto gramatical da norma jurídica, ou seja, verifica o valor semântico das palavras que integram o texto jurídico, bem como a sintaxe, pontuação etc. O intérprete fica sujeito ao texto da lei de forma expressa e direta. Por meio desse método, o aplicador do direito procura revelar o sentido literal da norma. Atente-se que o elemento gramatical constitui o primeiro passo na tarefa do processo interpretativo. O intérprete parte inicialmente do texto e encontra nesse seu limite, por compreender o sentido possível das palavras. Ao citar as palavras do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Galloti, o jurista Luís Roberto Barroso adverte sobre o uso irracional do método gramatical, conforme se extrai da passagem abaixo: De todas, a interpretação literal é a pior. Foi por ela que Cléia, na Chartreuse de Parme, de Stendhal, havendo feito um voto a Nossa Senhora de que não mais veria seu amante Fabrício, passou a 10 recebê-lo na mais absoluta escuridão, supondo que assim estaria cumprindo o compromisso.3 Assim, somente será legítima a utilização desse método hermenêutico se o intérprete buscar o correto alcance da norma. Na eventual contradição entre o sentido gramatical e o sentido lógico, esse deverá prevalecer. 2. Lógica ou racional A interpretação lógica da norma jurídica poderá ocorrer de duas formas: a lógica interna relacionada à lógica formal e a lógica externa que procura investigar as razões sociais que levaram ao surgimento do comando normativo. Tal método procura descobrir o sentido e o alcance da norma através dos raciocínios lógicos. 3. Teleológica ou finalística A interpretação teleológica ou finalística é aquela que se encontra em sintonia com o fim visado pelo legislador, isto é, qual a razão de ser da norma (ratio legis). Por isso, a norma jurídica deve ser compreendida como um meio para atingir determinado propósito almejado pelo legislador. 4. Sistemática A interpretação da norma jurídica é realizada levando-se em consideração o seu conjunto, o sistema em que a norma está inserida. A unicidade do sistema jurídico proporciona uma interpretação sistemática de suas normas, já que o ordenamento jurídico representa um todo harmônico entre seus dispositivos legais. É, pois, uma visão estrutural de todo o sistema de normas. 3 apud BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 127. 11 Luis Roberto Barroso 4 ensina que o “método sistemático disputa com o teleológico a primazia no processo interpretativo. O direito objetivo não é um aglomerado aleatório de disposições legais, mas um organismo jurídico, um sistema de preceitos coordenados ou subordinados, que convivem harmonicamente.” Torna-se imprescindível a contextualização da norma jurídica no sistema ao qual pertence. Daí, devemos analisar a norma comparando-a com outros textos normativos do sistema jurídico. 5. Histórica O intérprete procura analisar a evolução histórica dos fatos, a exposição de motivos, mensagens, emendas, discussões parlamentares referentes ao nascimento daquela norma jurídica. Vale destacar que modernamente o processo de exegese não atribui grande importância à questão de desvendar a mens legislatoris, já que os valores da sociedade atual podem estar em distonia em relação à intenção do legislador à época do processo de elaboração da lei. Nas lições de José de Oliveira Ascensão, a interpretação histórica5 deve ter em conta aqueles dados ou acontecimentos históricos que expliquem a lei. São eles: • precedentes normativos (históricos e comparativos); • trabalhos preparatórios; e • occasio legis (pode ser compreendido por todo o circunstancialismo social que rodeou o aparecimento da lei). Como exemplo, a legislação restritiva de direitos que norteou a sociedade americana após o atentado de 11 de setembro. O intérprete jurídico não pode deixar de ponderar o 4 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 127. 5 ASCENSÃO, José de Oliveira. O direito: Introdução e teoria geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 426. 12 circunstancialismo social de “terror” que forçou o aparecimento de uma legislação diferenciada. 6. Sociológica O intérprete procura investigar a realidade social. O método possui três objetivos: a) eficacial, que confere aplicabilidade e eficácia à norma de acordo com os fatos sociais; b) atualizador, que permite que a norma seja interpretada de forma histórica-evolutiva, conferindo maior amplitude para abranger novas situações antes não contempladas e, c) transformador, que procura atender aos anseios e exigências para o atingimento do bem comum. 7. Autêntica, legal, legislativa É realizada pelo próprio órgão que editou a norma, declarando seu sentido, alcance e conteúdo. 8. Extensiva ou ampliativa Quanto aos efeitos da interpretação, o método extensivo procura atribuir um sentido mais amplo à norma jurídica do que ela originalmente teria. Essa interpretação permite a ampliação do texto. 9. Restritiva ou Limitativa O exegeta dá um sentido mais restrito à norma jurídica. Tal técnica diminui e limita a incidência do conteúdo da norma jurídica. Para que o método possa ser utilizado, é preciso que uma norma jurídica exprima além do que realmente pretendia dizer. Neste caso, o legislador disse mais do que pretendia dizer e caberá ao intérprete restringir o seu conteúdo. 10. Restritiva ou Limitativa O intérprete apenas procurará declarar aquilo que contém na norma, sem ampliar ou reduzir os efeitos da interpretação. 13 A nova interpretaçãoconstitucional Como vimos, as interpretações gramatical, histórica, sistemática e teleológica constituem métodos da hermenêutica savignyana. Os métodos clássicos são aplicados de forma subjuntiva, sem valoração normativa e, por isso, tem maior potencial de gerar certeza e previsibilidade. Porém, o texto constitucional é permeado e envolto de normas de textura aberta ou princípios antagônicos que indicam respostas diversas para o mesmo problema, além da existência de conceitos jurídicos indeterminados. Nesse passo, no âmbito de uma Constituição repleta de princípios contraditórios (ainda que aparentes), a aplicação única da velha hermenêutica tornaria desnutrido o processo de interpretação constitucional. A lógica subsuntiva aplicada a partir de conceitos jurídicos fechados abstratamente formulados não se coaduna com as normas constitucionais feitas sob a forma de princípios, que possuem, portanto, baixa densidade normativa e alto teor de vagueza. É por isso que Luís Roberto Barroso demonstra que, mesmo no quadro da dogmática jurídica tradicional, já haviam sido: sistematizados diversos princípios específicos de interpretação constitucional, aptos a superar as limitações da interpretação jurídica convencional, concebida sobretudo em função da legislação infraconstitucional, e mais especialmente do direito civil. A grande virada na interpretação constitucional se deu a partir da difusão de uma constatação que, além de singela, sequer era original: não é verdadeira a crença de que as normas jurídicas em geral — e as normas constitucionais em particular — tragam sempre em si um sentido único, objetivo, válido para todas as situações sobre as quais incidem. E que, assim, caberia ao intérprete uma atividade de mera revelação do conteúdo preexistente na norma, sem desempenhar qualquer papel criativo na sua concretização. A nova interpretação constitucional assenta-se no exato oposto de tal 14 proposição: as cláusulas constitucionais, por seu conteúdo aberto, principiológico e extremamente dependente da realidade subjacente, não se prestam ao sentido unívoco e objetivo que uma certa tradição exegética lhes pretende dar. O relato da norma, muitas vezes, demarca apenas uma moldura dentro da qual se desenham diferentes possibilidades interpretativas. 6 O intérprete deve superar antigas leituras e tentar elaborar outro padrão reconstruído a partir da análise do caso concreto decidendo. Isso se dá também porque a singularidade das normas constitucionais exige princípios e métodos distintos para sua interpretação. Nesse passo, ao lado do método jurídico ou hermenêutico clássico, surgem outros como o tópico-problemático, o hermenêutico concretizador, o científico espiritual e o normativo estruturante. Em suma, além da existência dos métodos clássicos de interpretação, que concebem uma atividade exegética de técnica de conhecimento mecânico de aplicação do texto constitucional, dada as especificidade das normas constitucionais e o aparecimento dos casos difíceis, exige-se a extensão da hermenêutica para além da aplicação subjuntiva. Aspectos hermenêuticos que enfraquecem a concepção tecnoformal do direito A imprecisão e a abertura do texto constitucional, a possibilidade de colisão de normas constitucionais de mesma hierarquia e a ocorrência de casos difíceis sem uma correspondente regulamentação jurídica são fatores que limitam a aplicação mecânica do direito, dentro de uma concepção tecnoformal, que só leva em consideração a letra da lei. Em consequência, podemos dizer que a insuficiência das fórmulas clássicas de interpretação se dá a partir desses obstáculos. 6 BARROSO, Luís Roberto. O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In: Temas de direito constitucional. Tomo III, Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 7. 15 Os avanços da dogmática constitucional pós-positiva superaram, nesse aspecto, a dogmática savignyana que muitas vezes se apresenta insuficiente para a solução de casos difíceis, mormente nas hipóteses de conflitos de princípios constitucionais de mesma hierarquia, onde não se pode aplicar o método subjuntivo-dedutivo. Não se quer afirmar que a nova interpretação constitucional suprimiu por completo a hermenêutica clássica. Nesse sentido, precisa a lição de Luís Roberto Barroso7, verbis: Muitas situações ainda subsistem em relação às quais a interpretação constitucional envolverá uma operação intelectual singela, de mera subsunção de determinado fato à norma. Tal constatação é especialmente verdadeira em relação à Constituição brasileira, povoada de regras de baixo teor valorativo, que cuidam do varejo da vida. (...). Portanto, ao se falar em nova interpretação constitucional, normatividade dos princípios, ponderação de valores, teoria da argumentação, não se está renegando o conhecimento convencional, a importância das regras ou a valia das soluções subsuntivas. (...) A ideia de uma nova interpretação constitucional liga-se ao desenvolvimento de algumas fórmulas originais de realização da vontade da Constituição. Não importa em desprezo ou abandono do método clássico – o subsuntivo, fundado na aplicação de regras – nem dos elementos tradicionais da hermenêutica: gramatical, histórico, sistemático e teleológico. Ao contrário, continuam eles a desempenhar um papel relevante na busca de sentido das normas e na solução de casos concretos. Relevante, mas nem sempre suficiente. No plano da interpretação constitucional, as avançadas construções teóricas de natureza pós-positiva devem assumir caráter subsidiário, sendo empregadas tão somente naquelas hipóteses em que as fórmulas 7 Cf. “O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro”. In: Temas de direito constitucional. Tomo III. p. 7-8. 16 hermenêuticas clássicas se mostrarem inaptas para a solução do caso concreto. Isto significa dizer por outras palavras que, no universo dogmático do direito constitucional contemporâneo, a hermenêutica clássica de racionalidade subjuntiva tem prioridade sobre a dogmática pós-positivista de racionalidade discursiva. As fórmulas hermenêuticas tradicionais concebidas por Savigny (métodos gramatical, histórico, sistemático e teleológico) continuam sendo relevantes nesses tempos de neoconstitucionalismo. Enfim, sem qualquer pretensão de esgotar o espectro temático atinente às fórmulas clássicas de interpretação constitucional, queremos apenas favorecer, nesse ponto, o entendimento de que a velha hermenêutica ainda é pertinente, muito embora nem sempre seja suficiente. As fórmulas hermenêuticas tradicionais concebidas por Savigny (métodos gramatical, histórico, sistemático e teleológico) continuam sendo muito importantes nesses tempos de neoconstitucionalismo, na medida em que a dimensão semântica do texto normativo entremostra ao intérprete os limites da interpretação constitucional. Ou seja, as teorias contemporâneas da argumentação jurídica e da teoria discursiva do direito não têm o condão de afastar por completo a hermenêutica tradicional, ao contrário, a aplicação da metódica de Savigny deve ser empregada com prioridade. Os métodos clássicos não podem ser afastados e continuam a ser utilizados na maioria dos casos pelos intérpretes, desde que sejam considerados de fácil solução, caso contrário, é importante fazer uso de novos instrumentos hermenêuticos.A ideia de uma nova interpretação constitucional não importa abandono nem desprezo pelo método clássico. As avançadas construções teóricas de natureza pós-positivista devem assumir caráter subsidiário, sendo empregadas tão somente naquelas hipóteses em que as fórmulas 17 hermenêuticas clássicas se mostrarem inaptas para a solução do caso concreto. Atividade proposta Com relação ao emprego das cotas raciais para a seleção dos ingressantes no ensino superior nas Universidades Públicas, pode o magistrado aplicar o método subjuntivo-dedutivo? Material complementar Para aprofundar seu conhecimento, leia a obra de LOUREIRO, M. F; CARNEIRO, M. F. Hermenêutica como Método de Aplicação do Direito Constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2011. p. 35-50. Referências BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 2. ed. São Paulo: Saraiva. 1996. _______. A nova interpretação constitucional. Ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. _______. O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In: Temas de direito constitucional. Tomo III. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. BERTI, Enrico. As razões de Aristóteles. São Paulo: Loyola, 1998. 18 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao estudo do direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. FERRAZ Jr., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2002. GRODIN, Jean. Introdução à hermenêutica filosófica. São Leopoldo: Unisinos, 2003. HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Parte I. Petrópolis: Vozes, 2002. LOUREIRO, M. F; CARNEIRO, M. F. Hermenêutica como Método de Aplicação do Direito Constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2011. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. MELLO, Cleyson de Moraes. Hermenêutica e direito. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2006. _______. Introdução ao estudo do direito. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2006. 19 OLIVEIRA JÚNIOR, José Alcebíades de. Teoria jurídica e novos direitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. PALMER, Richard. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1999. PEREZ LUÑO, Antonio-Enrique. Los derechos fundamentales. 8. ed. Madrid: Tecnos, 2004. ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios constitucionais. Porto Alegre: Sergio Antonio Frabris Editor, 1999. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. SILVA, Kelly Susane Alflen da. Hermenêutica jurídica e concretização judicial. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2000. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. Exercícios de fixação Questão 1 A hermenêutica e a interpretação têm servido de objeto de estudo de doutrinadores estrangeiros como nacionais. É certo que o jurista Carlos Maximiliano trata sobre o tema. Pode-se afirmar com apoio no magistério de Carlos Maximiliano que: a) Hermenêutica e interpretação são palavras sinônimas. b) Hermenêutica e interpretação são diferentes, sendo que hermenêutica é a prática da interpretação. 20 c) Hermenêutica e interpretação são diferentes. A interpretação é a aplicação da hermenêutica. d) Hermenêutica e interpretação são semelhantes, sendo que a interpretação é a teoria científica da arte hermenêutica. Questão 2 No que se refere à chamada interpretação clássica do direito, podemos afirmar que: a) Permanece sendo, nos dias atuais, o modo próprio de se interpretar o direito. b) Está completamente superada não sendo mais levado em conta, no processo hermenêutico, qualquer de suas tradicionais dimensões (literal, lógico, sistemático, histórico ou teleológico). c) Por não possuir mecanismos capazes de gerar uma interpretação adequada ao mundo hodierno, em alguns casos, deve ceder espaço para uma lógica discursiva de interpretação, mais condizente com as necessidades do mundo contemporâneo. d) Reconhece a principiologia pós-positivista como método fundante para o processo hermenêutico. Questão 3 São elementos ou critérios utilizados na interpretação clássica, EXCETO: a) Principiologia pós-positivista. b) Literal ou gramatical. c) Histórico. d) Sistemático. Questão 4 No que se refere à chamada interpretação clássica do direito, podemos afirmar que: 21 I. as fórmulas hermenêuticas tradicionais concebidas por Savigny (métodos gramatical, histórico, sistemático e teleológico) continuam sendo relevantes nesses tempos de neoconstitucionalismo. II. as teorias contemporâneas da argumentação jurídica e da teoria discursiva do direito negam por completo a hermenêutica tradicional. III. O método subsuntivo-dedutivo permanece sendo o único método aplicável na busca pela melhor aplicação da norma. IV. a insuficiência da velha hermenêutica acabou por reforçar a necessidade de instrumentos hermenêuticos avançados para desvelar os limites das normas constitucionais principiológicas, abertas e conflitantes entre si. Estão corretas as seguintes assertivas: a) ( ) I e II. b) ( ) II e III. c) ( ) III e IV. d) ( ) I e IV. Questão 5 Os métodos clássicos conformam o que se chama de racionalidade subsuntiva de aplicação do direito. Assim, é CORRETO afirmar que: a) Têm maior potencial para gerar a certeza e a previsibilidade do fenômeno jurídico. b) Têm prioridade sobre a dogmática pós-positivista de racionalidade lógica e ordinária. c) Não têm prioridade sobre a dogmática pós-positivista de racionalidade discursiva. d) Não têm maior potencial para gerar a certeza e a previsibilidade do fenômeno jurídico. 22 Questão 6 Leia o trecho abaixo: “Uma das conferências que assisti em um ainda recente congresso versava sobre a distinção entre os métodos de interpretação, gramatical, teleológico etc. De repente percebi que quem palestrava tinha mais de duzentos anos, um autêntico morto sem sepultura, fazendo ressoar o Bolero, de Ravel...” A partir dessa passagem do ex- Ministro do STF Eros Grau, podemos afirmar que são motivos que comprovam a insuficiência da hermenêutica clássica, EXCETO: a) A imprecisão e a abertura do texto constitucional. b) A completude do direito. c) A possibilidade de colisão de normas constitucionais de mesma hierarquia. d) A ocorrência de casos difíceis sem uma correspondente regulamentação jurídica. Questão 7 A doutrina pacificou o entendimento no sentido de que as pretensões axiológicas encontradas na Constituição merecem para uma melhor concretização o emprego de nova interpretação constitucional. Tendo em vista esta constatação, é CORRETO afirmar que: a) Afasta-se definitivamente a subsunção tradicional. b) Os métodos de interpretação tradicional sucumbiram ao ponto de ser plenamente substituídos pelas modernas teorias da argumentação jurídica. 23 c) Apesar das insuficiências contemporâneasda hermenêutica clássica, há que se compreender que esta ainda tem seu espaço na interpretação constitucional contemporânea. d) Em todas as situações concretas, o método clássico será empregado pelo jurista constitucional. Questão 8 Leia o trecho abaixo de autoria de Luís Roberto Barroso: O pós-positivismo identifica um conjunto de ideias difusas que ultrapassam o legalismo estrito do positivismo normativista, sem recorrer às categorias da razão subjetiva do jusnaturalismo. “(..) a nova hermenêutica e a ponderação de interesses são componentes dessa reelaboração teórica, filosófica e prática que fez a travessia de um milênio para o outro. (...) O novo direito constitucional brasileiro (...) foi fruto de duas mudanças de paradigma: a) a busca da efetividade das normas constitucionais, fundada na premissa da 24 força normativa da Constituição; b) o desenvolvimento de uma dogmática da interpretação constitucional, baseada em novos métodos hermenêuticos e na sistematização de princípios específicos de interpretação constitucional”. (Cf. A nova interpretação constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 47). Analise as seguintes afirmativas: I. A dogmática jurídica positivista é a doutrina do principialismo que atribui força normativa aos princípios constitucionais. II. A dogmática pós-positivista desloca para o epicentro do sistema jurídico a dignidade da pessoa humana e a força normativa dos princípios. III. A mundividência do paradigma positivista era limitada porque acreditava na crença inabalável de que a cientificidade do direito vinha de sua sistematização intrínseca, ou seja, da norma posta pelo legislador democrático. IV. Dentre outras, são características da dogmática jurídica pós-positivista: a aplicação mecânica da lei, a pretensão de completude do direito, o legalismo normativista estrito e a neutralidade do intérprete. Somente é CORRETO o que se afirma em: a) ( ) I e III. b) ( ) II e III. c) ( ) III e IV. d) ( ) I, II e IV. Questão 9 Sobre a interpretação constitucional, assinale a assertiva INCORRETA: a) As avançadas construções teóricas de natureza pós-positivista devem assumir caráter subsidiário, sendo empregadas tão somente naquelas 25 hipóteses em que as fórmulas hermenêuticas clássicas se mostrarem inaptas para a solução do caso concreto. b) Não há limites ao intérprete para a aplicação das modernas técnicas pós-positivistas. c) Nosso modelo de Estado Democrático de Direito dá albergue a variáveis axiológicas contraditórias e abertas, cuja interpretação deve ser feita mediante processo de ponderação de valores. d) As interpretações gramatical, histórica, sistemática e teleológica constituem métodos da hermenêutica savignyana. Questão 10 Em relação à interpretação clássica do Direito, analise as afirmativas abaixo: I. O intérprete deve superar antigas leituras e tentar elaborar um outro padrão reconstruído a partir da análise do caso concreto decidendo. II. A interpretação clássica do Direito é considerada fechada e baseada na abstração dos textos normativos. 26 III. A interpretação clássica é atualmente considerada satisfatória, já que os operadores do Direito devem somente compreender, interpretar e aplicar o Direito dentro dos limites da ordem jurídica vigente. IV. Representa o fenômeno jurídico em sua complexidade e é analisada a partir de uma abertura de horizontes, de caráter ontológico. Somente é CORRETO o que se afirma em: a) ( ) II. b) ( ) I e II. c) ( ) III e IV. d) ( ) I, II e IV. Introdução A hermenêutica contemporânea é uma arte da compreensão. Assim, desde cedo, assinalamos que a hermenêutica não pode ser concebida como método, mas sim como estudo da compreensão. 27 Para dar sustentáculo à nova interpretação constitucional, é preciso conhecer os argumentos teóricos utilizados, sobretudo, com fundamento nas transformações conduzidas pelo neoconstitucionalismo. Nesse sentido, sobressai um conjunto de ideias desenvolvido pela doutrina e jurisprudência, com alicerce em premissas filosóficas, metodológicas e epistemológicas distintas, como a hermenêutica filosófica de Gadamer, a tópica de Viehweg e a teoria da argumentação de Perelman. A partir dessas teorias, teve início a tentativa de levar racionalidade ao discurso jurídico. Objetivos: 1. Compreender as bases teóricas da nova interpretação constitucional. Conteúdo O neoconstitucionalismo e a reaproximação entre o direito e a ética A ideia de uma nova interpretação constitucional não importa na desconsideração dos métodos tradicionais, mas de novos fatores que surgiram a partir do reconhecimento de que nem sempre a norma jurídica traz em si um único sentido, válido para toda e qualquer situação. Os casos 28 que são apresentados ao Judiciário nem sempre desoneram o intérprete de buscar um papel mais criativo para resolver o problema. Sob essa perspectiva, o neoconstitucionalismo fundamenta a nova interpretação constitucional. Independentemente de haver poderosas vozes contrárias à ideia de uma linha pós-positivista, sustenta-se que, a partir dela, torna-se necessária uma reconstrução da interpretação constitucional. Luís Roberto Barroso esforça-se para demonstrar as transformações sofridas pelo direito constitucional e, para tanto, afirma existirem três marcos fundamentais: o histórico, teórico e o filosófico. O marco histórico na Europa pode ser inferido pelo término da Segunda Guerra Mundial que fixou o início do processo de reconstrução do Direito Constitucional nos países desse continente. Já no Brasil, a elaboração da Constituição de 1988 foi importante para demarcar divisas necessárias ao estabelecimento de uma nova perspectiva do direito constitucional. Nesse sentido Luís Roberto Barroso afirma que: A reconstitucionalização da Europa, imediatamente após a Segunda Grande Guerra e ao longo da segunda metade do século XX, redefiniu o lugar da Constituição e a influência do direito constitucional sobre as instituições contemporâneas. (...) No caso brasileiro, o renascimento do direito constitucional se deu, igualmente, no ambiente de reconstitucionalização do país, por ocasião da discussão prévia, convocação, elaboração e promulgação da Constituição de 1988.8 8 Barroso, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional. Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 245-246. 29 Cabe ressaltar que, na Europa, a denominada reconstitucionalização deu-se por meio das seguintes constituições: na Itália, pela Constituição de 1947; na Alemanha, pela Lei Fundamental de Bonn, de 1949; em Portugal, pela Constituição de 1976 e, na Espanha, pela Constituição de 1978. O marco teórico do neoconstitucionalismo está ligado a três grandes transformações ocorridas no direito constitucional: o reconhecimento da força normativa da Constituição; a expansão da jurisdição constitucional e a reelaboração doutrinária da interpretação constitucional. O marco filosófico, ainda bastante controvertido, foi a chegada do pós- positivismo jurídico, caracterizado a partir da convergência entre o jusnaturalismo e o positivismo. As demonstrações trazidas pelo pensamentojusnaturalista, que aproximou a norma da razão, e o firme propósito de equiparar a lei ao direito, marcada pelo positivismo jurídico, formaram as bases que se assentaram a terceira via do pós-positivismo jurídico. Por ser considerado metafísico, o jusnaturalismo perdeu espaço para o positivismo jurídico e esse, afastando-se da ideia de justiça, sofreu enorme abalo científico após a Segunda Guerra Mundial. Sobre a derrocada do positivismo jurídico, devemos nos valer mais uma vez dos ensinamentos de Luís Roberto Barroso para quem: Sua decadência é emblematicamente associada à derrota do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha, regimes que promoveram a barbárie sob a proteção da legalidade. Ao fim da Segunda Guerra, a ética e os valores começaram a retornar ao Direito, inicialmente sob a forma de um ensaio de retorno ao Direito natural, depois na roupagem mais sofisticada do pós-positivismo.9 9 Barroso, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional. Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 248. 30 Assim, esse jurista ilumina as linhas mestras da nova interpretação constitucional e, ao mesmo tempo destaca o eclipse do positivismo normativista, alerta também para os desserviços das categorias metafísicas do direito natural. Eis aqui a essência da reconstrução neoconstitucionalista do direito contemporâneo, qual seja, a superação da racionalidade linguístico- subsuntiva ligada ao texto da norma que cede à racionalidade discursiva associada à dimensão retórica das decisões judiciais. É importante perceber que através do pós-positivismo jurídico busca-se engrandecer a ideia de justiça, indo além da legalidade estrita, reaproximando o direito da ética. Mesmo possuindo bases filosóficas ecléticas, o pós-positivismo encontra contato imediato com ideias desenvolvidas por pensadores como Gustav Radbruch, em sua segunda fase (o que leva alguns a chamarem-no de “o segundo Radbruch”), John Rawls – por meio de sua teoria de justiça – e Jüngen Habermas – por intermédio de sua teoria do discurso. Interpretação e hermenêutica filosófica no pensamento de Gadamer O filósofo alemão Hans-Georg Gadamer (1900-2002), autor de "Verdade e Método - Esboços de uma Hermenêutica Filosófica", é um dos autores mais importantes sobre a hermenêutica contemporânea. Gadamer procura superar o problema hermenêutico relacionado ao conceito metodológico da moderna ciência. Para o filósofo, o fenômeno da compreensão perpassa a experiência da filosofia, a experiência da arte e a experiência da própria história. Em todos estes modos de experiência, manifesta-se uma verdade que não pode ser verificada com os meios metódicos da ciência. 31 A hermenêutica desenvolvida por Gadamer se afasta de uma doutrina de métodos das ciências do espírito e procura caminhar para um olhar além de sua autocompreensão metódica através da experiência do homem no mundo. A compreensão em Gadamer é um projetar-se. Gadamer afirma que quem quiser compreender um texto realiza sempre um projetar. Tão logo apareça um primeiro sentido no texto, o intérprete prelineia o sentido do todo. Dessa maneira, a compreensão é um constante reprojetar-se a partir de determinadas perspectivas do intérprete. Tais perspectivas do intérprete (opiniões prévias) não devem ser confundidas com arbitrariedade do julgador. É nesse sentido que Gadamer ensina que “a compreensão somente alcança sua verdadeira possibilidade, quando as opiniões prévias, com as quais ela inicia, não são arbitrárias. Por isso faz sentido que o intérprete não se dirija aos textos diretamente, a partir da opinião prévia que lhe subjaz, mas que examine tais opiniões quanto à sua legitimação, isto é, quanto à sua origem e validez.” Gadamer fala dos preconceitos. Estes podem ser classificados em positivos e negativos: O caráter negativo está relacionado com a época da Ilustração/Iluminismo (Aufklärung), representando um “juízo não fundamentado” e decidido “diante do tribunal da razão” (preconceitos limitadores). Os preconceitos positivos são aqueles reconhecidos como legítimos e enlaçados com a questão central de uma hermenêutica verdadeiramente histórica. Já o conceito de horizontes, em Gadamer, expressa uma visão superior mais ampla, que aquele que compreende deve ter. Nas palavras de Gadamer, “ganhar um horizonte quer dizer sempre aprender a ver mais além do próximo e do muito próximo, não para apartá-lo da vista, senão que 32 precisamente para vê-lo melhor, integrando-o em um todo maior e em padrões mais corretos”. A fusão de horizontes representa uma fusão do horizonte histórico com o horizonte do presente. Esta fusão se dá constantemente na vigência da tradição, já que neste locus hermenêutico o velho e novo crescem sempre juntos. Conheça agora a Tópica de Viehweg e a Teoria da Argumentação de Perelman Em 1953, o jurista alemão Theodor Viehweg, através de sua obra Tópica e Jurisprudência (Topik und Jurisprudenz) prestigiou um novo estilo de argumentação jurídica: o método tópico de interpretação judicial. Viehweg procurou enfatizar que a Ciência do Direito (jurisprudência) é concebida a partir do pensamento problemático. O método tópico de interpretação constitucional é chamado de Nova Hermenêutica por Paulo Bonavides, que influenciou vários juristas na Alemanha, tais como: Peter Häberle, Friedrich Müller e Konrad Hesse. A nova interpretação constitucional, com base no neoconstitucionalismo, como vimos, busca a reaproximação entre o Direito e a Ética pela superação do discurso axiomático-dedutivo da escola positivista do direito. É nesse contexto de revalorização da dimensão axiológica do direito que despontou a teorização de Theodor Viehweg a partir de sua obra seminal Tópica e jurisprudência e do belga Chaim Perelman, com a obra feita em parceria com Lucie Olbrechts-Tyteca e denominada Tratado da Argumentação: a nova retórica, 1996. O método tópico de Viehweg se contrapõe à ideia de pensamento dedutivo, na medida em que é aplicado ao problema, isto é, tem por base o raciocínio 33 voltado para o problema e não para a norma em si. A tópica tem, portanto, caráter indutivo que parte do caso particular para o geral, possivelmente, seja esta a maior razão que impede seu uso corrente pelos órgãos do Poder Judiciário. No pensamento tópico, a decisão final do intérprete deve basear-se no exame de um catálogo de pontos de vista (topoi) que podem igualmente incidir sobre o caso concreto a ser examinado. Assim sendo, observe, com atenção, que a tópica é um sistema indutivo – problemático (no sentido de que o ponto de partida é o problema), isto é, parte do particular para o geral e é voltado para a solução de um problema. Nas palavras do próprio Viehweg, a tópica é um processo especial de tratamento de problemas ou técnica do pensamento problemático mediante o emprego de topoi, vale dizer, pontos de vista utilizáveis em múltiplas instâncias, com validade geral, que servem para a ponderação dos prós e dos contras das opiniões e podem conduzir-nos ao que é verdadeiro. Eis que, no centro do método tópico viehwegiano está o problema concreto e não o contexto semântico da norma posta em abstrato. Em outros termos, o pensamento problemático é aporético e antissistêmico, no sentido de que não seleciona os problemas a partir do sistema, ao revés, parte do problema para chegar ao sistema. A questão chave na compreensão da tópica de Viehwegé perceber que a decisão final do juiz ou intérprete (a norma-decisão) é fruto do exame de um elenco de topoi que será ponderado dialeticamente para que se chegue a uma solução justa para o problema a resolver, e não o contrário, ou seja, o juiz primeiro decide e depois elabora a sua fundamentação com base em um dos pontos de vista relevantes previamente considerados. Note que a tópica sempre será uma forma de controle intersubjetivo da dimensão retórica das decisões judiciais, na medida em que os destinatários do discurso jurídico (os componentes da comunidade aberta de intérpretes da Constituição, tal qual formulada por Peter Häberle) estarão aptos a julgar a 34 decisão final a partir da escolha dos topoi juridicamente relevantes na formulação daquela decisão, ou seja, a tópica contribui para o controle das decisões judiciais porque permite que todos os intérpretes da Constituição avaliem sua escolha a partir dos pontos de vista julgados relevantes para o caso concreto. Em síntese, é a escolha bem-feita desses pontos de vista (racionalidade tópico-problemática) que servirá de base para a aceitabilidade da decisão final pela comunidade aberta de intérpretes da Constituição. A tópica indutiva viehwegiana se pauta nos elementos juridicamente relevantes obtidos a partir da projeção dos dados factuais do caso concreto (fatos portadores de juridicidade) sobre a ordem jurídica dada. A ponderação dialética dos topoi é pré-condição para a aplicação da racionalidade tópico-problemática; é seu ponto de partida para chegar à decisão final, mas não existe um único ponto de vista correto para a solução do problema, ao revés, há uma série de topoi igualmente válidos e relevantes, cabendo ao juiz, a partir do exame dos fatos portadores de juridicidade, decidir o tópos que deve prevalecer. O pensamento tópico surge como um importante instrumento de superação da metodologia clássica, já que representa uma suplantação às questões axiológicas do direito positivo, em direção a uma decisão judicial alinhada ao “respectivamente justo”. É um novo estilo de argumentação jurídica de fundamentação dialética e persuasiva, mais consentâneo com a ciência do Direito, já que esta precisa responder aos anseios de uma sociedade multicultural. Através do pensamento tópico, o caso concreto decidendo deve ser pensado em toda a sua complexidade, com o firme propósito de problematizar-se o ideal de uma solução. Isso é possível de ser realizado através dos topoi, que 35 são pontos retóricos de partida para a solução do problema. Segundo Tércio Sampaio Ferraz Jr., a expressão topos significa lugar (comum).10 Tratam-se de fórmulas, variáveis no tempo e no espaço, de reconhecida força persuasiva, e que usamos, com frequência, mesmo nas argumentações não técnicas das discussões cotidianas. No direito, são topoi, neste sentido, noções como interesse, interesse público, boa fé, autonomia da vontade, soberania, direitos individuais, legalidade, legitimidade. A tópica na visão de Paulo Bonavides Para Paulo Bonavides, a tópica “parece haver chegado assim na hora exata quando as mais prementes e angustiantes exigências metodológicas põem claramente a nu o espaço em branco deixado pela hermenêutica constitucional clássica, característica do positivismo lógico-dedutivo”. Bonavides afirma ainda que: A tópica é o tronco de uma grande árvore, que se esgalha em distintas direções e que já produziu admiráveis frutos, sobretudo quando reconciliou, mediante fundamentação dialética mais persuasiva, o direito legislado com a realidade positiva e circundante, criando pelas vias retóricas, argumentativas e consensuais, atadas a essa realidade, uma concepção muito mais rica e fecunda, muito mais aderente à “praxis” e às subjacências sociais do que as próprias direções antecedentes do sociologismo jurídico tradicional. Neste ponto já se pode dizer que a tópica ultrapassa, a um tempo, o sociologismo no Direito, o formalismo normativista e o jusnaturalismo, bem como a concepção sistêmica e 10 FERRAZ Jr., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. 36 dedutivista, de cunho meramente formal, com antecedências clássicas no pandectismo e na jurisprudência dos conceitos.11 Em linhas gerais, o pensamento tópico se contrapõe ao pensamento sistêmico, sendo aquele mais adequado a valores pluralistas de uma sociedade, cujos conflitos de interesses são os mais ricos e contraditórios possíveis. Neste ponto, Viehweg recorre aos ensinamentos de Aristóteles, em especial, quanto à diferença entre as demonstrações apodíticas e dialéticas. O quadro abaixo sintetiza as principais características do pensamento tópico quando comparado com o pensamento sistêmico fechado: Pensamento Sistêmico Pensamento Tópico Pensamento dedutivo Dedução – lógica – sistemática Visão sistemática da ciência do direito Enquanto técnica jurídica da “praxis”, estaria voltada para o “respectivamente justo”. O problema deve ser pensado 11 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 446. 37 Sistema fechado lógico- dedutivo em toda a sua complexidade. Utilização de topoi: pontos retóricos de partida para a solução do problema. Conhece o problema por via do debate e da argumentação persuasiva, com o fito de solucioná-lo satisfatoriamente. Mais adequado à solução de problemas de uma sociedade aberta e pluralista. Dessa forma, a solução do caso concreto decidendo estaria relacionada ao modelo de argumentação tópica cuja problematização de seus argumentos apontariam para decisões judiciais mais próximas de um conceito de justiça. Melhor dizendo: Ao invés da utilização de um modelo de decisão judicial lógico-silogístico, o magistrado, a partir dos topoi, problematizaria a realização concreta do direito, a partir de um discurso jurídico indicando a melhor solução (plausível-verossímil) para o caso concreto decidendo. Além da tópica de Viehweg, é importante ainda examinar a obra de Perelman que se pauta no conceito diretor de que os debates nas relações humanas se dão em torno de argumentos, prevalecendo aquele que tiver melhor fundamentação para convencer os interlocutores, ou seja, para convencer o que Perelman denominou de auditório. Com isso, na teoria da argumentação jurídica, não existem verdades apodíticas, verdades incontestáveis, mas, sim, opções razoáveis capazes de promover a adesão do auditório. Com rigor, não se pode negar que o convencimento do auditório depende da fundamentação jurídica, ou seja, quanto maior o grau de coerência das 38 razões expostas, maior a racionalidade do discurso e, portanto, maior a aceitabilidade da decisão pelo auditório, aqui sendo, aferida mais uma vez pela sociedade aberta de intérpretes da Constituição (Peter Häberle) que leva à democratização da jurisdição constitucional reduzindo o déficit democrático imputado ao Poder Judiciário no exercício da função de legislador negativo. Com isso, a teoria argumentativa de Perelman se volta para a racionalidade discursiva, racionalidade dianoética que se inspira principalmente em valores, ao invés de um modelo matemático, subsuntivo e axiomático de direito posto. A obra de Perelman constrói cientificamente uma nova racionalidade jurídicaintrinsecamente pluralista e mais afeita à ideia de sistema aberto de regras e princípios. O ponto central da Nova Retórica de Perelman encontra-se na contínua aferição da comunidade aberta de intérpretes da Constituição, porque coloca em confronto direto valores fundamentais da ordem jurídica e a realidade do mundo dos fatos. Há, pois, nítida articulação entre razão e ação, entre ética e direito, entre norma e valor. Com efeito, a dimensão retórica da teoria da argumentação de Perelman coloca em plano subordinado à escola positivista do direito. Como bem salienta Écio Oto Ramos Duarte: (...) uma concepção retórica da atividade racional desprendida do dogmatismo positivista sob o prisma do movimento pela desdogmatização da razão (...) O aspecto calculador da razão inserido na lógica formal [subsuntivo-dedutiva] não dignifica a razão e esta só adquire realmente significado se estudada dentro de uma teoria da argumentação que vai tratar dos problemas relacionados à própria lógica, à linguagem e à comunicação com o enfoque de uma afinidade entre razão e valor.12 A nova retórica não recusa métodos da hermenêutica clássica (literal- histórico-sistemático-teleológico), apenas transforma-os em mais um ponto 12 DUARTE, Écio Oto Ramos; POZZOLO, Susanna. Neoconstitucionalismo e positivismo jurídico. As faces da teoria do direito em tempos de interpretação constitucional. São Paulo: Landy, 2006. 39 de argumentação, aplicando-os quando suficientes para a solução justa do caso concreto. E mais: se levarmos em consideração que a Constituição é um sistema aberto de regras e princípios, a teorização perelmaniana ganha relevo especial pela aplicação do balancing entre princípios que desdobram valores éticos em contraposição. A teoria discursiva do direito tem por escopo propor soluções às questões jurídicas complexas dos chamados hard cases (casos difíceis), cujo desfecho transcende à via da mera subsunção e dos métodos clássicos de interpretação. A textura aberta dos princípios propicia a incorporação de valorações morais do intérprete. Atividade proposta Diversos autores brasileiros procuram demonstrar cientificamente a existência do neoconstitucionalismo. Luís Roberto Barroso, por exemplo, preleciona que esse novo paradigma ocorre a partir de três marcos fundamentais: o histórico, teórico e o filosófico. Com base nessa teoria, diversos fenômenos passam a ser levados em consideração, como: I. o reconhecimento da normatividade dos princípios; II. a formulação de um raciocínio jurídico aberto, que leva em consideração a técnica da ponderação, as teorias da argumentação e a tópica; III. constitucionalização dos diversos ramos do direito; IV. reaproximação entre o direito e a ética; V. judicialização da política. A partir disso, é possível verificar algum risco para a democracia? 40 Material complementar Para aprofundar seu conhecimento, consulte estas indicações bibliográficas: BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 446-454. Decisão judicial Recurso Especial nº 451.242 – RS (2002/0095302-1) à luz do Pensamento Tópico. Referências BARBERA, Augusto. Le basi filosofiche del constituzionalismo. Roma: Editora Laterza, 2005. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. ________. Curso de Direito Constitucional. Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. BERTI, Enrico. As razões de Aristóteles. São Paulo: Loyola, 1998. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao estudo do direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. 41 DINIZ, Antônio Carlos; MAIA, Antônio Cavalcanti. Pós-positivismo. In: Dicionário de filosofia do direito. Org. BARRETO, Vicente de Paulo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. DINIZ, Antônio Carlos; MAIA. Pós-modernismo. In: Dicionário de filosofia do direito. Org. BARRETO, Vicente de Paulo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. DUARTE, Écio Oto Ramos; POZZOLO, Susanna. Neoconstitucionalismo e positivismo jurídico. As faces da teoria do direito em tempos de interpretação constitucional. São Paulo: Landy, 2006. FARALLI, Carla. La filosofia del diritto contemporanea dopo la crisi del positivismo giuridico. In: Filosofi del diritto contemporanei. Org. ZANETTI, Gianfrancesco. Milão: Raffaello Cortina Editore, 1999. FERRAZ Jr., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2002. GRODIN, Jean. Introdução à hermenêutica filosófica. São Leopoldo: Unisinos, 2003. HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Parte I. Petrópolis: Vozes, 2002. LUÑO, Antonio E. Pérez. Trayectórias contempoáneas de la filosofia y la teoria del derecho. Sevilha: Edita, 2003. 42 MELLO, Cleyson de Moraes. Hermenêutica e direito. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2006. ________. Introdução ao estudo do direito. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2006. OLIVEIRA JÚNIOR, José Alcebíades de. Teoria jurídica e novos direitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. PALMER, Richard. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1999. PEREZ LUÑO, Antonio-Enrique. Los derechos fundamentales. 8. ed. Madrid: Tecnos, 2004. ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios constitucionais. Porto Alegre: Sergio Antonio Frabris Editor, 1999. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. SILVA, Kelly Susane Alflen da. Hermenêutica jurídica e concretização judicial. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2000. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. Exercícios de fixação Questão 1 Com base na Tópica de Viewheg, o caso concreto decidendo deve ser pensado da seguinte forma: 43 a) A partir de uma racionalidade de subsunção que se justifica a partir de uma linguagem matematizante. b) Um modo de pensar por problemas, a partir deles e em direção a eles. c) A partir de uma racionalidade silogística. d) A partir do legalismo estrito. Questão 2 Com base na Teoria Argumentativa de Perelman, analise cada item a seguir e informe se as alternativas estão CORRETAS ou ERRADAS: I. É baseada na relação entre o auditório e o enunciador, já que a adaptação ao auditório é uma condição para a persuasão. II. A obra de Perelman representa uma nova racionalidade jurídica intrinsecamente pluralista e mais afeita à ideia de uma hermenêutica diatópica, dedutiva e axiomática. III. Representa uma reabilitação magistral de Retórica e da Argumentação. IV. O ponto central da Nova Retórica de Perelman encontra-se na contínua aferição da letra da norma fundamental em detrimento dos elementos fáticos do caso concreto. a) ( ) I – C; II – E; III – E; IV – C. b) ( ) I – C; II – E; III – C; IV – E. c) ( ) I – E; II – C; III – E; IV – E. d) ( ) I – E; II – C; III – C; IV – C. Questão 3 Assinale a alternativa INCORRETA: 44 a) A nova interpretação constitucional (neoconstitucionalismo)busca a reaproximação entre o Direito e a Ética pela superação do discurso axiomático-dedutivo da escola positivista do direito. b) No neoconstitucionalismo, a normatividade do direito não se atrela tão somente ao conteúdo da norma in abstracto. c) A tópica tem caráter dedutivo que parte do caso geral para o particular. d) No pensamento tópico, a decisão final do intérprete deve basear-se no exame de um catálogo de pontos de vista (topoi) que podem igualmente incidir sobre o caso concreto sendo examinado. Questão 4 São características do pós-positivismo, EXCETO: a) A normatividade do Direito relaciona-se ao grau de aceitabilidade da norma de decisão pela consciência epistemológica da comunidade aberta de intérpretes da Constituição. b) A superação da racionalidade linguístico-subsuntiva ligada ao texto da norma. c) A aplicação axiológica da lei. d) Separação total entre Direito e Ética. Questão 5 A Tópica de Viewheg é um modo de pensar o problema: 45 a) De forma aberta, assumindo significações em função dos problemas a resolver. b) A partir de uma racionalidade lógico-abstrata. c) Que se justifica a partir de uma linguagem matematizante, refletindo a crise do direito contemporâneo. d) De forma retrospectiva, com firme propósito de alcançar o espírito da lei. 46 Introdução O princípio da dignidade da pessoa humana tem sido objeto de intensa construção teórica tanto no mundo como no Brasil. Busca-se edificar um conceito racional de dignidade da pessoa humana para que ela possa ser empregada com maior objetividade possível nas decisões judiciais. Torna-se indispensável analisar a evolução da dignidade da pessoa desde o pensamento antigo até os dias atuais, pois indentificado o seu espaço jurígeno, é possível concebê-la como novo eixo hermenêutico. O Supremo Tribunal Federal tem buscado utilizar a dignidade humana como vetor interpretativo para fundamentar suas decisões. Objetivos: 1. Identificar o princípio da dignidade da pessoa humana no direito constitucional brasileiro. 47 Conteúdo O perfil de evolução da dignidade da pessoa humana Qualquer conceito possui uma história, que necessita ser retomada e reconstruída, para que se possa rastrear a evolução da simples palavra para o conceito e assim apreender o seu sentido. A ideia do valor intrínseco e distintivo da pessoa humana deita raízes já no pensamento clássico e no ideário cristão. Além disso, existem referências a demonstrar que a noção de dignidade da pessoa, ainda que não diretamente mencionada sob este rótulo, já se encontrava subjacente a uma série de autores da antiguidade, inclusive para além das fronteiras do mundo clássico greco-romano e cristão ocidental. O Tribunal Constitucional de Portugal, na década de 90 do século passado, já havia se pronunciado através do Acórdão nº 90-105-2, da seguinte forma: A ideia de dignidade da pessoa humana, no seu conteúdo concreto – nas exigências ou corolários em que se desmultiplica – não é algo puramente apriorístico, mas que necessariamente tem de se concretizar histórico-culturalmente. Por outro lado, já no pensamento estoico, a dignidade era tida como a qualidade que, por ser inerente ao ser humano, o distinguia das demais criaturas, no sentido de que todos os seres humanos são dotados da mesma dignidade, noção que se encontra, por sua vez, intimamente ligada à noção da liberdade pessoal de cada indivíduo – homem como ser livre e responsável por seus atos e seu destino – bem como à ideia de que todos os seres humanos, no que diz respeito à sua natureza, são iguais em dignidade. Assim, especialmente em relação a Roma – notadamente a partir das formulações de Cícero, que desenvolveu uma compreensão de dignidade desvinculada do cargo ou posição social – é possível reconhecer a coexistência de um sentido moral e sociopolítico de dignidade, esta 48 considerada aqui no sentido da posição social e política ocupada pelo indivíduo. Com efeito, a partir das formulações do próprio Cícero, segue que este conferiu à dignidade da pessoa humana um sentido mais amplo fundado na natureza humana e na posição superior ocupada pelo indivíduo no universo. É a natureza que prescreve ao homem a obrigação de levar em conta os interesses de seus semelhantes, pelo simples fato de serem também humanos. Razão pela qual todos estão sujeitos às mesmas leis da natureza, que proíbem que uns prejudiquem aos outros. Mesmo durante o período medieval, a concepção de inspiração cristã e estoica seguiu sendo sustentada, destacando-se Tomás de Aquino, o qual chegou a referir expressamente o termo dignitas humana, secundado. Já em plena Renascença e no limiar da Idade Moderna pelo humanista italiano Gionanni Pico della Mirandola que, partindo da racionalidade como qualidade peculiar inerente ao ser humano, advogou ser essa a qualidade que lhe possibilita construir, de forma livre e independente, sua própria existência e seu próprio destino. No âmbito do pensamento jusnaturalista dos séculos XVII e XVIII, a concepção da dignidade da pessoa humana, assim como a ideia do direito natural em si, passou por um processo de racionalização e secularização, mantendo-se, todavia, a noção fundamental da igualdade de todos os homens em dignidade e liberdade. Antes dessa fase, no entanto, a doutrina do direito natural, agora racionalista, revelou-se essencial para a ascensão do conceito de dignidade da pessoa humana. Em 1539, com a publicação das conferências De Indis e De iure belli ou De indis, pars posterior, de autoria do dominicano espanhol Francisco de 49 Vitoria, sob forte influência da escolástica tomista 13 , houve uma enorme reflexão moral sobre os atos praticados pelos colonizadores europeus aos habitantes do novo continente. Vitoria afirmava que se uma lei positiva estivesse em conflito com a lei natural, seria lícito ao cidadão não cumpri-la. Essa concepção fez todos os homens iguais, já que são filhos de Deus e, portanto, possuidores dos mesmos direitos e dignidade. Tanto o poder papal como o poder dos reis não seriam absolutos ao ponto de justificar o domínio de qualquer Estado sobre o continente recém-descoberto e isso se estenderia sobre os denominados bárbaros e os infiéis. Sob essa perspectiva, ainda que se considerasse o Direito das Gentes como fruto de acordo entre as nações e que houvesse certa hegemonia das comunidades sobre os indivíduos, não se poderia supor que algumas nações tivessem vantagens sobre as outras. O dominicano espanhol reconhecia que os índios, na realidade, não seriam dementes, mas a seu modo tinham uso da razão, pois possuíam cidades organizadas, magistrados, leis, religião e vida matrimonial, tudo muito diferente da vida europeia, mas que fundadas sobre as mesmas raízes que apoiavam a vida em sociedade. Seja qual fosse o modelo de vida empregado pelos índios, eram reconhecidos como distintos grupos humanos, o que não legitimavam aos espanhóis empregarem sobre eles a dominação. Por isso, Vitoria lança várias indagações como14 (...) para proceder ordenadamente perguntarei primeiro “se os índios antes da chegada dos espanhóis eram os verdadeiros donos, 13 Já que há uma hierarquia segundo essa visão de que além da lei eterna presente no intelecto divino, está a lei natural,e a lei divina positiva, revelada pelas Escrituras. Em último lugar encontra-se a lei humana positiva, fruto da elaboração dos homens para a convivência em sociedade. 14 VITORIA, Francisco de. Os índios e o direito da guerra [de Indies et de Jure Belli Relectiones]. Tradução de Ciro Mioranza. Ijuí: Unijuí, 2006. p. 44-45. (Coleção clássicos do direito internacional) 50 tanto privada como publicamente”, ou seja, se eram verdadeiros donos das coisas e posses particulares e se havia entre eles verdadeiros príncipes e senhores dos demais. Poderia parecer que não, porque os escravos não têm domínio sobre as coisas, pois o “escravo não pode ter nada próprio” (...) A argumentação oposta é que eles estavam em pacífica posse de seus bens pública e privadamente; logo se nada consta em contrário, temos que considerá-los verdadeiros donos. E enquanto durar esta discussão, não é possível despojá-los de suas posses. Francisco de Vitoria utilizou a conclusão de Santo Tomás de Aquino para afirmar que a infidelidade dos índios ao cristianismo não seria suficiente para impedir de serem considerados verdadeiros donos da terra.15 Ao reconhecer que os índios seriam tão donos da terra como os cristãos e que estes não poderiam, a esse título, despojá-los de suas posses, Vitoria reconhecia sua dignidade e direitos a eles inerentes. Até o monarca deveria respeitar a dignidade da pessoa humana, considerada esta como a liberdade do ser humano de optar de acordo com sua razão e agir conforme o seu entendimento e sua opção. Immanuel Kant, cuja concepção de dignidade parte da autonomia ética do ser humano, considerando a autonomia como fundamento da dignidade do homem, sustenta que o ser humano não pode ser tratado – nem por ele próprio – como objeto. Para ele, as coisas têm um preço e as pessoas têm dignidade. Nas suas próprias palavras: 15 Prova disso é que as Sagradas Escrituras denominam de reis muitos infiéis, como Senaquerib, o faraó e outros tantos. De igual forma, na Escritura Tobias manda a sua mulher devolver aos pagãos um cabrito, que pensa ser roubado, o que não teria o menor sentido se os pagãos não tivessem domínio. 51 No reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade.16 Construindo sua concepção a partir da natureza racional do ser humano, Kant assinala que a autonomia da vontade, entendida como a faculdade do ser humano de determinar a si mesmo e agir em conformidade com a representação de certas leis, é um atributo apenas encontrado nos seres racionais, constituindo-se no fundamento da dignidade da natureza humana. Com base nessa premissa, Kant sustenta que todo o ser racional existe como um fim em si mesmo, não simplesmente como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas ações, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem sempre de ser considerado simultaneamente como um fim. Assim, tanto o pensamento de Kant quanto todas as concepções que sustentam ser a dignidade atributo exclusivo da pessoa humana encontram- se, ao menos em tese, sujeitos à crítica de um excessivo antropocentrismo, notadamente naquilo em que sustentam que a pessoa humana, em função de sua racionalidade, ocupa um lugar privilegiado em relação aos demais seres vivos. Além disso, sempre haverá como sustentar a dignidade da própria vida de um modo geral, ainda mais numa época em que o reconhecimento da proteção do meio ambiente, como valor fundamental, indicia que não mais está em causa apenas a vida humana, mas a preservação de todos os recursos naturais, incluindo todas as formas de vida existentes no planeta, ainda que 16 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução de Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 2004. p. 77. 52 se possa argumentar que tal proteção da vida em geral constitua, em última análise, exigência da vida humana e vida humana com dignidade. Hegel acabou por sustentar uma noção de dignidade centrada na ideia de eticidade (instância que sintetiza o concreto e o universal, assim como o individual e o comunitário), de tal sorte que o ser humano não nasce digno, mas torna-se digno a partir do momento em que assume sua condição de cidadão. O princípio da dignidade da pessoa humana como novo eixo hermenêutico Uma proteção jurídica da dignidade reside no dever de reconhecimento de determinadas possibilidades de prestação, nomeadamente à prestação do respeito aos direitos do desenvolvimento de uma individualidade e do reconhecimento de um autoenquadramento no processo de integração social. A dignidade da pessoa humana continua, talvez mais do que nunca, a ocupar um lugar central no pensamento filosófico, político e jurídico, do que dá conta a sua qualificação como valor fundamental da ordem jurídica, para expressivo número de ordens constitucionais, pelo menos para as que nutrem a pretensão de constituírem um Estado democrático de Direito. Da concepção jusnaturalista remanesce, indubitavelmente, a constatação de que uma ordem constitucional que – de forma direta ou indireta – consagra a ideia da dignidade da pessoa humana, parte do pressuposto de que o homem, em virtude tão somente de sua condição humana e independentemente de qualquer outra circunstância, é titular de direitos que devem ser reconhecidos e respeitados por seus semelhantes e pelo Estado. Uma das principais dificuldades da aplicação jurídica do conceito de dignidade da pessoa reside no fato de que, diversamente do que ocorre com as demais 53 normas jusfundamentais, não se cuida de aspectos mais ou menos específicos da existência humana (integridade física, intimidade, vida, propriedade etc.), mas, sim, de uma qualidade tida como inerente a todo e qualquer ser humano. A dignidade passou a ser habitualmente definida como constituindo o valor próprio que identifica o ser humano como tal e acaba por não contribuir muito para uma compreensão satisfatória do âmbito de proteção da dignidade, pelo menos na sua condição jurídico-normativa. Mesmo assim, não restam dúvidas de que a dignidade é algo real, algo vivenciado concretamente pelo ser humano, já que não se verifica maior dificuldade em identificar muitas das situações em que é espezinhada e agredida, ainda que não seja possível estabelecer uma pauta exaustiva de violações da dignidade. Vale destacar algumas das possíveis e relevantes dimensões da dignidade da pessoa humana, com o intuito de alcançar uma compreensão suficientemente abrangente e operacional do conceito também para a ordem jurídica, ressaltando-se que tais dimensões, por sua vez, não se revelam como necessariamente incompatíveis e reciprocamente excludentes. Inicialmente, cumpre salientar – retomando a ideia nuclear que já se fazia presente até mesmo no pensamento clássico – que a dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa humana, é irrenunciável e inalienável, constitui elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado, de tal sorte que não se pode cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretensão a que lhe seja concedida a dignidade. Esta, portanto, compreendida como qualidade integrante e, em princípio,
Compartilhar