Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 1 Avaliação de Impactos Ambientais AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 2 1. Conceitos e Definições Básicas sobre Impacto Ambiental 1.1 Introdução Neste capítulo serão abordadas algumas definições relativas a poluição, degradação e qualidade ambiental no intuito de entender a mudança de visão e paradigma no trato dos problemas ambientais. Tal mudança de visão resultou na modificação da compreensão do que é o meio ambiente, partindo de uma visão inicial em que o meio ambiente é visto apenas como meio físico circundante para uma visão atual mais abrangente que considera elementos econômicos e sociais também. Isso modificou a forma como os problemas ambientais são encarados atualmente, abarcando uma série de aspectos muito mais amplos que aqueles estritamente relacionados com a poluição e a qualidade do meio físico. Essa mudança tem implicações diretas nas definições acima citadas e na abrangência da avaliação de impactos ambientais (AIA) atual. As definições pertinentes e uma breve discussão sobre essas modificações e suas implicações no processo de AIA é o que será abordado neste capítulo. 1.2 Poluição × Degradação Ambiental A compreensão do que é o meio ambiente modificou-se no tempo, partindo de uma visão mais restrita que compreende somente aspectos do meio físico circundante para uma visão mais ampla que também compreende os aspectos sociais e econômicos. A expressão meio ambiente (milieu ambiance) aparece pela primeira vez na obra do naturalista francês Geoffrey de Saint-Hilaire Études progressives d’un naturaliste, de 1835, na qual milieu significa o lugar onde está ou se movimenta um ser vivo e ambiance designa o que rodeia esse ser. Mais tarde, em sua obra Introduction à l’étude de la médecine expérimentale, de 1865, o médico e fisiologista francês diferencia o meio interno, aquele constituído por todas as AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 3 estruturas e os processos que ocorrem dentro dos organismos daquele que seria o meio externo, ou meio ambiente, meio que cerca os indivíduos que podem funcionar como estímulos para as resposta do meio interno (Bernard, 1865). A definição de meio ambiente da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei no 6938/81) afirma que é “conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Tal definição abarca a gama de fatores que compõem o meio físico circundante e está relacionada com o hábitat e o nicho ecológico das espécies (Begon, 2006). Definições mais abrangentes tratam de incorporar, explicitamente, as ações antrópicas, como, por exemplo, a do Conselho Internacional da Língua Francesa, que destaca, além dos fatores químicos, físicos e biológicos, também “os fatores sociais suscetíveis de produzir um efeito direto ou indireto, imediato ou a longo termo sobre os seres vivos e as atividades humanas”. A inclusão das atividades humanas e seus efeitos na definição de meio ambiente foi sendo modificada muito por conta das constatações dos efeitos das alterações antrópicas sobre este e da constatação da importância de alguns “serviços” prestados pelo ambiente. Teve grande importância para isso o surgimento do movimento ambientalista, que surge na segunda metade da década de 1940. Mais precisamente em 1949, acontece a Conferência Científica das Nações Unidas sobre Conservação e Utilização de Recursos, na qual foram discutidos o exercício da atividade antrópica sobre os recursos naturais, a importância da educação e o desenvolvimento integrado de bacias hidrográficas (Marzall, 1999). Na década de 1960, o movimento ambiental tomou força e começou a apontar e cobrar das autoridades responsáveis medidas relativas à mitigação de alguns impactos ambientais como, por exemplo, os efeitos do DDT nos ambientes naturais (Carson, 2002). A partir daí diversos países começaram a criar mecanismos de mitigação de impactos AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 4 das atividades humanas; histórico que será abordado mais detalhadamente no próximo capítulo. Discussões mais recentes sugerem que o conceito de meio ambiente deve ser mais abrangente, não apenas contemplando o meio ambiente natural, ou físico, constituído pelo solo, pela água, pelo ar atmosférico e por seres vivos e suas interações, mas também abarcando o meio urbano e o meio ambiente cultural, integrado pelos patrimônios histórico, artístico, arqueológico, paisagístico e turístico (Silva, 2004). Uma definição que abrange todos esses aspectos pode ser encontrada em Jollivet e Pavé (1992): “Meio ambiente constitui o conjunto de meios naturais (milieux natureles) ou artificializados da ecosfera onde o homem se instalou e que ele explora e administra, bem como o conjunto dos meios não submetidos a ação antrópica e que são considerados necessários a sua sobrevivência”. Esta estabelece claramente os diferentes aspectos que compreendem a visão moderna de meio ambiente e uma de suas contribuições é abordar a noção de ecosfera, noção esta que engloba não apenas os componentes do meio, mas também processos e mecanismos que os ligam e os fazem interagir (Figura 1.1). Desta forma, são consideradas não somente as inter-relações entre meios abiótico e biótico, mas também como os fatores antropogênicos e a sociedade. Essa separação é, em certo sentido, arbitrária, pois o homem faz parte da natureza. No entanto, dada a magnitude de suas ações e a intensidade de seus impactos no meio, é interessante separá-los, pois os aspectos culturais e econômicos devem ser considerados sob a ótica antrópica e podem ter tanto efeitos negativos quanto positivos. AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 5 Figura 1.1 Conjunto de fatores e processos componentes do meio ambiente. A ecosfera é formada pelo conjunto das atividades humanas e os fatores bióticos e abióticos e suas interrelações. As setas mostram as interpelações e os mecanismos de retroalimentação que podem ser tanto positivos quanto negativos. (Fonte: autor) A ampliação da noção de meio ambiente como composto por aspectos sociais e econômicos levou também a modificações na legislação e nas formas de se fazer a avaliação de impactos ambientais que atualmente levam em conta os efeitos nas comunidades humanas nesses aspectos. De fato, o reflexo dessa modificação pode ser notado na evolução das legislações mundial e brasileira. No começo da percepção e das discussões sobre as ações humanas no ambiente e a necessidade de regulá-las, a noção de impacto ambiental estava relacionada única e exclusivamente com a poluição. Nas décadas de 1940 e 1950 os EUA e a Inglaterra já possuíam leis para controle da poluição hídrica e do ar. AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 6 A palavra poluição deriva do latim polluere, que significa “sujar, contaminar, tornar impuro”, e pode ser definida como uma alteração indesejável causada pelo ser humano, nas propriedades físicas, químicas e biológicas da atmosfera, hidrosfera ou litosfera que cause ou possa causar prejuízo à saúde, à sobrevivência ou às atividades dos próprios seres humanos ou outras espécies ou ainda deteriorar materiais (Braga, 2005, p. 6). Os impactos antrópicos no ambiente eram vistos de modo unicamente prejudicial e estritamente relacionados com a liberação, em grandes quantidades, de substâncias tóxicas ou nocivas à biota e de grande alteração do meio físico. Essa visão inicial fez as primeiras legislações relativas ao controle dos impactos ambientais estarem relacionadascom fontes de poluição pontuais ligadas ao setor produtivo, principalmente o industrial (Sanchez, 2006). A ideia de que outras atividades tais como o desmatamento, a ocupação de encostas, o assoreamento de rios, a extinção de hábitat para espécies e outros aspectos que não estão relacionados com a liberação de substâncias tóxicas e nocivas no ambiente também impactam o ambiente levam ao desenvolvimento da noção de degradação ambiental. Desta forma, alterações antrópicas que acarretem mudanças no ambiente e que tenham como resultado a perda de sua qualidade do mesmo são degradação ambiental. A Política Nacional de Meio Ambiente em seu artigo 3o, inciso III, define degradação ambiental como “alteração adversa das características do meio ambiente”. Desta forma, conceitos como áreas degradadas são comumente usados para fazer referência aos efeitos negativos das atividades humanas em uma determinada área; menos comumente pode também ser usado para fazer referência a áreas que sofreram degradação por eventos naturais (Finotti et al. submetido), como, por exemplo, os grandes movimentos de massa que ocorreram em encostas da região serrana do Rio de Janeiro em janeiro de 2011 por conta do forte volume de chuvas em um curto espaço de tempo (Figura 1.2). A presença de áreas com solos muito superficiais e a incidência de fortes chuvas foram os principais fatores responsáveis pelo fenômeno, portanto fenômenos naturais (Medeiros e AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 7 Barros, 2011, Agenda 21 Nova Friburgo). No entanto, estão comumente associados e são favorecidos pelas alterações humanas. Encostas sem cobertura vegetal e com ocupações irregulares estão mais suscetíveis a tais eventos. Assim, podemos afirmar que o grau de degradação ambiental depende de uma conjunção de fatores que podem contribuir para o aumento da magnitude e da sua frequência. Os efeitos das modificações antrópicas no ambiente podem ter origem, intensidade e frequência diferentes e, portanto, o grau de degradação é sempre relativo a esses fatores e ao estado inicial do ambiente. O conhecimento inicial sobre o estado de conservação “ideal” e/ou o que poderia se considerar um estado desejável para o funcionamento dos ecossistemas têm que ser fundamentados em determinados critérios ou parâmetros, o que poderia definir a sua qualidade ambiental. A noção de qualidade ambiental está intrinsecamente ligada à de degradação, pois somente será possível inferir o grau de degradação de um ambiente se for possível ter a ideia de até que ponto os serviços que este propicia e os processos que nele ocorrem estão minimamente preservados. Ela pode ser usada para estabelecer limites que dizem respeito ao grau de resistência e resiliência¹ de determinado sistema e da necessidade de ações de restauração, recuperação e mitigação da intensidade e frequência dos impactos. A definição de qualidade ambiental apresenta um certo grau de subjetividade, pois está relacionada com critérios objetivos que levam em conta estimativas e/ou medições dos impactos percebidos pela sociedade e também com critérios subjetivos e juízos e valores daquela sociedade a respeito dos aspectos ambientais a que está submetida (La Rovere, 2001). Desta forma, tanto a poluição quanto a degradação ambiental ocasionam uma mudança negativa no ambiente, provocando uma diminuição na qualidade ambiental. No entanto, isso depende da intensidade e frequência com que tais impactos ocorrem e também dos benefícios sociais e econômicos que tais AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 8 mudanças ocasionarão. A consideração de todos os aspectos relacionados com as modificações que as atividades antrópicas provocam no ambiente são necessárias para entender e estimar os impactos ambientais. 1Resistência e resiliência são dois conceitos ecológicos que dizem respeito à capacidade do ambiente de resistir aos impactos, não apresentando alterações muito significativas ao original em termos de funcionamento e estrutura e à capacidade do ambiente em, tendo sofrido alteração significativa, voltar ao seu estado original, respectivamente (Begon, 2006). AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 9 Figura 1.2 Áreas degradas em Nova Friburgo–RJ por efeito das fortes chuvas ocorridas em janeiro de 2011. Muitas dessas áreas não apresentavam nenhuma evidência de ocupação, corte de árvores ou qualquer outra forma de impacto antrópico. (Fonte: autor) AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 10 1.3 Impactos Ambientais Poluição e degradação ambiental levam a noções extremamente pejorativas no que tange aos impactos antrópicos no meio. No entanto, as atividades antrópicas não causam apenas consequências negativas no meio, especialmente quando considerados aspectos sociais como a geração de emprego e renda. Segundo a Resolução Conama no 001/86, impacto ambiental pode ser definido como “qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia, resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: I. A saúde, a segurança e o bem-estar da população; II. As atividades sociais e econômicas; III. A biota; IV. As condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; V. A qualidade dos recursos ambientais”. Outra definição de impacto ambiental é dada pela NBR ISO 14001,² que o define como “qualquer modificação do meio ambiente, adversa ou benéfica, que resulte, no todo ou em parte, dos aspectos ambientais³ (elemento das atividades ou produtos ou serviços de uma organização que pode interagir com o meio ambiente) da organização (empresa, corporação, firma, empreendimento, autoridade ou instituição, ou parte ou uma combinação desses, incorporada ou não, pública ou privada, que tenha funções e administração próprias.)”. A família de normas ISO 14000 trata da gestão ambiental que engloba vários aspectos sobre sistemas de gestão de empresas. A NBR ISO 14001 trata especificamente dos “requisitos para que um sistema da gestão ambiental capacite uma organização a desenvolver e implementar política e objetivos que levem em consideração requisitos legais e informações sobre aspectos ambientais significativos”. Ela introduz o termo aspecto AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 11 ambiental que tem relação importante com o conceito de impacto ambiental. Como descrito anteriormente, qualquer elemento resultante de uma cadeia produtiva (resíduo gerado) é um aspecto ambiental daquela atividade produtiva. Esse aspecto ambiental pode ou não ser um impacto ambiental, haja vista que, para ser considerado impacto ambiental, ele deve necessariamente modificar o meio ambiente. Para entender melhor, consideremos um aspecto ambiental qualquer, como, por exemplo, a emissão de “gases estufa” no meio aéreo tais como gás carbônico (CO2) ou o gás metano (CH4). A emissão desses gases é o resultado de vários processos produtivos industriais onde haja combustão ou fermentação. A simples emissão destes gases no meio não necessariamente poderia ser um problema, pois, se a concentração ou volume for baixa, estes serão dissipados no meio e absorvidos ou transformados no meio ambiente. No entanto, se forem lançados em volumes acima daqueles em que o ambiente é capaz de transformá-los, estes passam a se acumular no meio e podem causar alterações significativas tais como aumento da capacidade da atmosfera de absorver calor, irritação e intoxicação de vias respiratórias de seres vivos etc. Assim, um aspecto ambiental pode gerar impacto ambiental sefor significativo, ou seja, se o seu efeito ambiental4 for significativo. 2A ISO tem como objetivo principal aprovar normas internacionais em todos os campos técnicos, como normas técnicas, classificações de países, normas de procedimentos e processos etc. No Brasil, a ISO é representada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). A série de ISO 14000 é constituída por normas que determinam diretrizes para garantir que determinada empresa (pública ou privada) pratique a gestão ambiental. Essas normas são conhecidas pelo Sistema de Gestão Ambiental (SGA). 3Os parênteses foram utilizados para descrever as definições dos conceitos em negrito dadas pela própria norma. AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 12 4Efeito ambiental pode ser definido como “alteração de um processo natural ou social decorrente de uma ação humana”. Ela apresenta vários pontos em comum com a noção de aspecto ambiental, já que ambas representam interfaces ou mecanismos da relação entre causas e consequências das ações humanas no ambiente (Sanchez, 2011). Geralmente, uma atividade envolve uma série de aspectos, tanto negativos quanto positivos, se considerados também seus aspectos sociais e econômicos. Qualquer atividade de produção gera emprego, renda e benefícios sociais. Esses vários aspectos devem ser levados em conta na AIA de uma atividade e sua relação custo-benefício ambiental, social, econômico e cultural são de extrema importância. O termo impacto ambiental possui, intuitivamente, conotação negativa. No entanto, seu verdadeiro significado se refere às mudanças no meio ambiente, benéficas ou prejudiciais, que se observam ao comparar os efeitos das ações de um projeto (Okmazabal, 1988). Definir todos os aspectos ambientais e seus impactos no meio é uma atividade laboriosa por vários motivos. Uma delas está relacionada com suas temporalidade e espacialidade, de difícil previsão. A maioria dos conceitos abrange apenas os efeitos da ação humana sobre o meio ambiente, ou seja, desconsidera os fenômenos naturais e a significância temporal e espacial de tais efeitos, o que é “o grau de alteração de um determinado fator ambiental em função de uma ação humana” (Silva, 1994). Bolea (1984) tenta levar em consideração os aspectos ambientais temporais que serão afetados ao definir impacto ambiental de um projeto como “a diferença entre a situação do meio ambiente (natural e social) futuro, modificado pela realização de um projeto, e a situação do meio ambiente futuro tal como teria evoluído sem o projeto”. Há uma série de outras definições do termo impacto ambiental que levam em consideração a relação de ação-reação entre o estado atual de um ecossistema e sua situação futura após a AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 13 implantação da intervenção ou incidência do impacto (Moreira. 1992; Westman, 1985). No entanto, todas elas esbarram na dificuldade de espelhar a complexidade da dinâmica ambiental que tem como resultado, geralmente, definições que adquirem um certo caráter reducionista e estático. A principal dificuldade encontrada na definição de impacto ambiental, e consequentemente na sua identificação, consiste na própria delimitação do impacto, já que ele se propaga, espacial e temporalmente, por uma complexa rede de interpelações difíceis de predizer, em grande parte porque existem fenômenos que ainda não são bem entendidos uma vez que há deficiências instrumentais e metodológicas para predizer respostas dos ecossistemas às atividades humanas. Essa questão torna-se ainda mais crítica quando se trata da dimensão social. Com o intuito de tentar explicitar a dinâmica espaço-temporal, as definições de impacto ambiental têm sido esmiuçadas em vários aspectos, a saber: Impactos diretos (ou primários) e indiretos (ou secundários): impactos diretos são os desgastes impostos aos recursos utilizados, os efeitos sobre os empregos gerados etc. Como impacto indireto decorrente dos anteriores, pode-se citar, por exemplo, o crescimento demográfico resultante do assentamento da população atraída pelo projeto, o que gera impactos com relação ao consumo de recursos e à poluição do meio ambiente (produção de resíduos). Impactos de curto e longo prazos: impactos ambientais de curto prazo ocorrem normalmente logo após a realização da ação, podendo até desaparecer em seguida. O impacto ambiental de longo prazo é verificado depois de certo tempo da realização da ação, como, por exemplo, a modificação do regime de rios e a incidência de doenças respiratórias causadas pela inalação de poluentes por períodos prolongados. AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 14 Impactos reversíveis e irreversíveis. Impactos cumulativos e sinérgicos: consideram a acumulação no tempo e no espaço de efeitos sobre o meio ambiente e seus efeitos de retroalimentação. Essas classificações propiciam o entendimento e a definição da magnitude dos impactos ambientais, ajudando a estabelecer se estes podem ser considerados “significativos”, ou seja, impactos que necessitam de planos de avaliação e monitoramento e que não podem ser regulados por normas nem procedimentos regulatórios mais simples. Mais detalhes serão abordados no Capítulo 3. A consideração dos vários aspectos relativos à AIA leva também a diferentes terminologias. Na literatura de língua inglesa, adotam-se expressões como “environmental impact assessment” (avalição de impacto ambiental) para designar estudos que englobam aspectos sociais e ecológicos conjuntamente, que podem ser chamados de “ecological impact assessment” (avaliação de impacto ecológico) e “social impact assessment” (avaliação de impacto social) para os que tratam de aspectos ecológicos e sociais separadamente, respectivamente. Uma outra expressão posteriormente criada, “integrated impact assessment“ (avaliação de impacto integrada), refere-se ao estudo do conjunto de consequências sociais e ecológicas segundo um enfoque holístico que evidencie os efeitos cumulativos resultantes de suas interações, requerendo para sua elaboração um conjunto de disciplinas distintas, embora integradas. A discussão dos vários aspectos relacionados com a AIA reflete a sua complexidade. No Brasil, a AIA é realizada sempre de modo global, enfocando seus diversos aspectos. Portanto, é uma abordagem integrada que não diz AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 15 respeito apenas ao ambiente físico, mas aos diversos aspectos que o compõem. Nesta apostila adotaremos a definição estabelecida por Sanchez (2008), que, por sua simplicidade e abrangência, parece a mais adequada: “processo de exame das consequências futuras de uma ação presente ou proposta”. Nos próximos capítulos vamos conhecer como esse processo evoluiu e quais são os conceitos e as metodologias utilizados nos processos de AIA. Seguiremos adiante com um breve histórico sobre a evolução da AIA e seus aspectos técnicos e metodológicos serão abordados nos outros capítulos. 2. Histórico e Etapas de um Estudo de Impacto Ambiental 2.1 Introdução Neste capítulo há um breve histórico sobre a evolução dos estudos de AIA no mundo e no Brasil e serão estudados alguns aspectos relativos às etapas para a elaboração desses estudos e sua legislação pertinente. Também serão abordados quais podem ser seus indicadores, discutindo as aplicações e as limitações de cada um. Desta forma, pretende-se fornecer um quadro geral que relacione todos esses aspectos e sua aplicabilidade atual. 2.2 Breve Histórico no Mundo O início do processo de AIA estáintimamente relacionado com o surgimento e desenvolvimento do movimento ambiental. Até a década de 1960 pouca ou nenhuma atenção era dada aos efeitos da poluição sobre o meio ambiente. A partir de 1970 o movimento ambiental toma força e os efeitos da poluição começam a ser evidenciados. Um marco importante é a publicação do livro de Rachel Carson intitulado Primavera Silenciosa, que aponta os efeitos do uso de pesticidas em áreas naturais (Carson, 2013). AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 16 O marco jurídico inicial das AIA aconteceu nos EUA com a criação da sua lei de política ambiental, a National Environmental Policy Act (Nepa), aprovada em dezembro de 1969 e em vigor desde janeiro de 1970. Essa lei requer que todas as agências do governo federal passem a observar vários aspectos na tomada de decisões que possam causar consequências ambientais negativas. De maneira geral, a lei obriga a que todas as agências federais utilizem de forma interdisciplinar e sistemática os conhecimentos científicos e culturais da área ambiental na tomada de decisões de ações que possam ter impactos ambientais negativos, estabelecendo métodos e procedimentos adequados para sua avaliação e a inclusão dessa avaliação em proposta de ação ou legislação que afetem significativamente o ambiente humano (Nepa, 1970). Marcos importantes originados pela criação da Nepa foram a criação do Conselho de Qualidade Ambiental (Council of Environmental Quality [CEQ]), ente administrativo subordinado diretamente à Presidência da República e que tinha que assegurar que as agências federais implementassem os requisitos da Nepa, e do Environmental Impact Statement¹ (EIS), que estabelecia alguns critérios para o planejamento ambiental. O primeiro era importante, pois conferia relevância à questão ambiental mediante representação política na tomada de decisões no âmbito federal. O segundo conferia operacionalidade à legislação, estabelecendo diretrizes claras para a implementação dos princípios enunciados pela Nepa (Caldwell, 1977; Sanchez, 2008). Essas diretrizes estabelecem os fundamentos do que viriam a ser os estudos de impacto ambiental (EIA) nos EUA e em outros países do Norte que implementaram suas políticas ambientais nas décadas de 1970 e 1980 (Bellinger et al., 2000; Sanchez, 2008). O EIS foi considerado um instrumento interessante, principalmente no que se refere à participação da sociedade civil nas tomadas de decisão pelos órgãos ambientais, via audiências públicas (Absy, 1995). No entanto, por conta da complexidade da aplicação das diretrizes do CEQ, que geravam mudanças nas AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 17 decisões administrativas e novos processos decisórios para todas as agências do governo federal, e a sua aplicação insatisfatória em vários pontos, é que houve a necessidade da substituição da aplicação das diretrizes para a elaboração e a apresentação do EIS. Essa modificação atribuiu às diferentes agências a elaboração de suas diretrizes e procedimentos, deixando a CEQ com função de estabelecimento de diretrizes gerais e regulação da aplicação da lei, podendo atuar como árbitro em determinadas questões conflitantes entre agências. Desta forma, ocorreu a descentralização dos processos de gestão de AIA, o que possibilitou que cada órgão pudesse agir de modo independente, evidentemente seguindo as diretrizes gerais estabelecidas pelo órgão supremo. A aplicação da AIA em outros países seguiu-se à dos EUA e ocorreu em primeiro lugar em alguns países do Norte de colonização britânica por conta das suas similaridades no sistema jurídico e com relação aos impactos ambientais. Em países da Europa o modelo americano não foi bem visto inicialmente, mas, posteriormente (em 1975), a Comissão Europeia iniciou a elaboração de uma diretiva que obrigava a elaboração de estudos de impactos ambientais para atividades de significativo impacto ambiental. Tal diretiva ficou pronta 10 anos mais tarde (Sanchez, 2008). Muitos países da comunidade europeia já adotavam alguma modalidade de AIA, geralmente associada ao planejamento territorial, mas apenas a França possuía um sistema formalizado por lei (Wathern, 1988). Dentre os países da comunidade europeia, vale destacar a legislação francesa primeiro país a adotar de forma legal a AIA. A França, por conta de diferenças em seu regime jurídico, apresentou peculiaridades importantes com relação ao sistema americano. Uma delas, e talvez uma das mais importantes para nós, é a exigência de realização do estudo por parte do próprio interessado na atividade e/ou no empreendimento, seja ele público ou privado, diferentemente da legislação americana, na qual a aplicação se limita a propostas públicas federais ou decisões do governo federal sobre iniciativas privadas (Sanchez, 2008). AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 18 Outros marcos importantes que colaboraram para a discussão da disseminação e implementação dos processos de AIA no mundo foram aqueles proporcionados pelos acordos internacionais e a pressão feita pelos bancos de financiamento e desenvolvimento multilaterais. O primeiro dos acordos internacionais na história da construção das AIA foi a realização da Conferência de Estocolmo em 1972. Em sua declaração, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano faz sete proclamações sobre a responsabilidade e a necessidade dos vários atores (países, cidadãos e empresas) em se responsabilizar e tomar medidas de preservação do meio ambiente com base na necessidade da própria existência da vida humana no planeta e da melhoria e manutenção de sua qualidade. Essa carta contém 26 princípios básicos sobre diretrizes que devem ser adotadas ou observadas em âmbito internacional. Podem ser considerados os mais diretamente relacionadas com ações de AIA os seguintes princípios: “Princípio 5 Os recursos não renováveis da terra devem empregar-se de forma que se evite o perigo de seu futuro esgotamento e se assegure que toda a humanidade compartilhe dos benefícios de sua utilização. Princípio 6 Deve-se por fim à descarga de substâncias tóxicas ou de outros materiais que liberam calor, em quantidades ou concentrações tais que o meio ambiente não possa neutralizá-los, para que não se causem danos graves e irreparáveis aos ecossistemas. Deve-se apoiar a justa luta dos povos de todos os países contra a poluição. AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 19 Princípio 7 Os Estados deverão tomar todas as medidas possíveis para impedir a poluição dos mares por substâncias que possam por em perigo a saúde do homem, os recursos vivos e a vida marinha, menosprezar as possibilidades de derramamento ou impedir outras utilizações legítimas do mar”. Tais princípios referem-se direta e explicitamente aos perigos da poluição e à necessidade de ações de preservação de recursos naturais não renováveis. A preocupação com outras formas de degradação vem mais explicitamente definida nos Princípios 13 e 14, que fazem uma correlação direta entre a proteção do meio ambiente e o desenvolvimento: “Princípio 13 Com o fim de se conseguir um ordenamento mais racional dos recursos e melhorar assim as condições ambientais, os Estados deveriam adotar um enfoque integrado e coordenado de planejamento de seu desenvolvimento, de modo a que fique assegurada a compatibilidade entre o desenvolvimento e a necessidade de proteger e melhorar o meio ambiente humano em benefício de sua população. Princípio 14 O planejamento racional constitui um instrumento indispensável para conciliar às diferençasque possam surgir entre as exigências do desenvolvimento e a necessidade de proteger e melhorar o meio ambiente”. Esse documento reforçou as necessidades de se promoverem ações de preservação do meio ambiente em âmbito mundial, e muitos princípios desse documento são adotados como diretrizes para a elaboração de sistemas que tentem conciliar desenvolvimento e preservação ambiental. A preocupação com a ampliação e normatização destes sistemas aparece também em outros documentos internacionais como a Conferência das Nações Unidas sobre Meio AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 20 Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD) (a Rio-92), que em três de seus documentos, a Declaração do Rio, a Agenda 21 e a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), inclui em seus princípios e capítulos menções a AIA. A elaboração desses documentos suscitou uma série de discussões, e, embora alguns deles, como, por exemplo, a Agenda 21 tenham pouco efeito normativo (Soares 2003), eles acarretaram uma série de ações em outros países, como a criação de novas leis sobre o assunto e até mesmo tratados internacionais multilaterais como a Convenção sobre Avaliação de Impacto Ambiental em um Contexto Transfronteiriço (Convenção de Spoo), promovida pela Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa (Sanchez, 2008). Os bancos (Banco Mundial [BID] e Banco Interamericano de Desenvolvimento [BIRD]) e as agências de desenvolvimento multilaterais (USAID e OCDE), pressionados pelas organizações não governamentais (ONG) ambientalistas e pela sociedade civil nos EUA e na Europa foram também pressionadas a elaborar estudos de AIA para suas atividades e acordos de cooperação, o que levou outras agências do mundo (ACDI/CIDA, no Canadá, e Danida, na Dinamarca) a também estabelecerem seus procedimentos de avaliação de projetos no que concerne a AIA (Sanchez, 2008). Considerando-se o histórico, pode-se perceber que a implementação das ações de AIA no mundo foi, em grande parte, resultado de significativa pressão da sociedade civil e do movimento ambiental organizado, os quais tiveram papel relevante em pressionar as autoridades para a implementação das ações que visem ao cuidado de empreendimentos que afetem a qualidade de vida humana. Foi e ainda é por intermédio dessas pressões que muitos dos processos de licenciamento de grandes obras e empreendimentos têm seu avanço diminuído ou mesmo impedido por conta do aspecto duvidoso de seus impactos ambientais, sociais e culturais, por mecanismos que possibilitam a participação direta de segmentos sociais no processo de licenciamento ambiental. Veremos agora um pouco do histórico da AIA no Brasil. AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 21 1Segundo o Oxford Dictionary, statement pode ser definido como algo que alguém diz ou escreve oficialmente ou uma ação feita para expressar uma opinião. 2.3 Histórico Brasileiro e Legislação Historicamente, desde a época do Brasil colônia já existiam algumas preocupações com relação ao uso dos recursos naturais. No século XVIII, a Coroa Portuguesa editou medidas e alvarás para racionalizar o uso de madeiras de lei para a construção naval e para a derrubada dos mangues utilizados em curtumes (Dean, 2002). Desde essa época, impactos relativos à mineração e à expansão das fronteiras agrícolas também já eram percebidos como grandes entraves ao desenvolvimento nacional (Pádua, 1987, 2002). Na legislação brasileira, houve uma grande quantidade de leis promulgadas na década de 1930 as quais visavam racionalizar o uso dos recursos naturais, dada a intensa fase de industrialização promovida por Getúlio Vargas (Sanchez, 2008). Datam dessa época o Código de Águas (1934), o Código Florestal (1934), o Código de Minas (1934), o Decreto-Lei de Proteção ao Patrimônio Histórico, Artístico e Arqueológico (1937) e o Código de Pesca (1938). Essas leis visavam regulamentar o uso de recursos específicos atendendo às demandas da época e, portanto, não se constituíam em uma política ambiental brasileira. No entanto, já apresentavam avanços no que diz respeito à proteção de áreas naturais tais como o estabelecimento de florestas protetoras pelo código florestal, reconhecendo as funções desses ambientes em vários aspectos tais como regulação do volume de águas e conservação das espécies (Sanchez, 2008). No governo militar houve a revisão de vários códigos promulgados na década de 1930. Cabe ressaltar as modificações ao código florestal brasileiro, o que AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 22 resultou no Código Florestal de 1964. Dentre essas modificações, por exemplo, há a criação das áreas de preservação permanentes (APP), áreas florestadas ao redor de corpos hídricos e em regiões de instabilidade ou fragilidade geomorfológica. Uma conjunção de fatores internos e externos propiciaram a evolução das políticas ambientais no Brasil levando a implementação da AIA (Pádua, 1991). Como fatores externos, assim como aconteceu em outros países em desenvolvimento, a implementação de ações de AIA era exigência de organismos multilaterais de financiamento como o BIRD e o BID. Alguns projetos do final da década de 1970 e início da de 1980, como a usina hidrelétrica de Sobradinho e o ponto de exportação de minério da Companhia Vale do Rio Doce, financiados pelos órgãos anteriormente citados, tiveram que realizar seus estudos de impacto ambiental (Sanchez, 2008). Tais estudos foram conduzidos com base em normas internacionais, já que o Brasil ainda não havia desenvolvido normas próprias (Absy et al., 1995). Como fatores internos, podemos citar o surgimento de atividades desenvolvidas no meio acadêmico, os movimentos sociais e os setores dos movimentos ambientalistas que apontavam, nos projetos de desenvolvimento, a exclusão social, os impactos ambientais relacionados aos mesmos (Tundisi, 1978; Lutzemberger, 1980) e o problemas ambientais, principalmente a poluição e a escassez de água, relacionados com as atividades da indústria e com o uso e ocupação do solo. Para a consolidação das ações de AIA no Brasil, não somente as inciativas e as leis no âmbito federal foram importantes, também as leis e as ações realizadas nos âmbitos estaduais, pois a institucionalização da avaliação de impactos ambientais foi primeiramente realizada nesses níveis. Particularmente, a experiência do Rio de Janeiro serviu de base para a regulamentação da AIA no país. Foi a implementação de um sistema estadual de licenciamento de fontes de poluição que possibilitou que se estabelecessem as bases para a análise dos AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 23 licenciamentos ambientais e, mais tarde, a exigência de um relatório de impacto ambiental, o que permitiu uma abrangência maior na análise dos problemas ambientais envolvidos, não os restringindo apenas às questões de poluição (como já discutido no capítulo). O comprometimento dos profissionais dos órgãos públicos envolvidos na implementação da AIA e o desenvolvimento técnico desses profissionais teve grande importância no processo de regulamentação da AIA no país (Sanchez, 2008). A AIA surge como instrumento legal pela primeira vez na Política Nacional do Meio Ambiente (Lei no 6.938/81), que institui no plano federal a avaliação de impacto ambiental e o licenciamento ambiental, antes somente existentes em alguns estados. Antes dela, legislações específicas sobre a aplicação de AIA para subsidiar “áreas críticas de poluição” (Lei no 6803/80) e um projeto de lei sobre zoneamento industrial, que previa a delimitação de zonas de uso exclusivamente industrial, jápreviam avaliações de impacto ambiental para a execução dessas atividades no âmbito federal (Machado, 2003). Em seus artigos 10 (este com redação determinada pela Lei no 7804/1989) e 11, inserem a obrigatoriedade da realização do licenciamento ambiental, estipulando como deve ser dada publicidade ao processo e delimitam as responsabilidades do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) na elaboração, acompanhamento e fiscalização das atividades de licenciamento ambiental (PNMA, 1981). No seu artigo 12, determina que as entidades e órgãos de financiamento e incentivos governamentais também tenham a concessão de seus benefícios a aprovação do licenciamento e condicionadas a realização de obras e aquisição de equipamentos destinados ao controle da degradação ambiental e à melhoria na qualidade de vida. Muitos artigos dessa lei tiveram a redação de seu caput alterada pela Lei no 7804/1989 ou regulamentada pela Lei no 99274/1990, dentre os principais motivos é que com a Lei 7735/1989 o IBAMA é criado e outras entidades autárquicas são extintas tais como a AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 24 Secretaria Especial ao Meio Ambiente (Sema) e a Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (Sudepe). Em 1986, é aprovada a Resolução Conama no 001. Esta surge como necessidade de implementação pelo Conama do exercício das responsabilidades que lhe são atribuídas pelo artigo 18 do Decreto no 88.351/83, que estabelece os princípios gerais para o licenciamento ambiental, inclusive os itens relativos à elaboração do relatório de impacto ambiental (Rima) e do estudo de impacto ambiental (EIA) (EIA/Rima). Este artigo passa a ser o de número 17 nas modificações implementadas pelo Decreto Federal no 99.274, de 6 de junho de 1990. A Resolução Conama no 001/86 também define o escopo de aspectos a serem contemplados nesses estudos e discrimina os tipos de atividades que deverão passar pelo processo de licenciamento ambiental, definindo o papel dos órgãos competentes no processo e as responsabilidades de condução do processo por parte dos atores envolvidos. Cabe ressaltar a similaridade com a legislação francesa no que diz respeito a atribuições de responsabilidades de condução dos estudos e relatórios por parte dos requerentes do empreendimento, diferentemente da legislação americana em que o responsável é o órgão público. No mesmo ano, a Resolução Conama no 006 trata dos modelos de publicação de pedidos de licenciamento, em quaisquer de suas modalidades, sua renovação e a respectiva concessão de licença, constando instruções para a publicação em jornal oficial do Estado e periódicos de grande circulação, e a Resolução Conama no 011 altera e acrescenta atividades no artigo 2o. Um marco legislativo importante no que diz respeito à participação social nos processos de licenciamento foi a promulgação da Resolução Conama no 009/87, que dispõe sobre a questão das audiências públicas e regulamenta os processos de chamada e execução de tais audiências, colocando como documento dos estudos de AIA as atas e os anexos provenientes de tais audiências. Mais à AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 25 frente veremos que, atualmente, existe uma série de outros mecanismos de participação social nos processos de licenciamento. Nesse mesmo ano, a Resolução Conama no 006 estabelece regras gerais para o licenciamento ambiental de obras de grande porte de interesse relevante da União, como a geração de energia elétrica, e a Resolução Conama no 010 estabelece como pré-requisito para licenciamento de obras de grande porte a implantação de uma estação ecológica pela instituição ou empresa responsável pelo empreendimento com a finalidade de reparar danos ambientais causados pela destruição de florestas e outros ecossistemas. Em 1988, a Constituição Federal deixa explícito em seu artigo 225 a responsabilidade de todos em relação à manutenção da qualidade do meio ambiente para esta e outras gerações futuras e, no seu inciso IV, estabelece o vínculo entre os estudos de impacto ambiental e o licenciamento e a obrigatoriedade de sua publicidade. Essa modificação na constituição selou o arcabouço legislativo básico sobre o qual após se sucederam algumas modificações de regulamentação e aprimoramento para a realização das atividades de AIA no Brasil que formam o arcabouço legal atual. As principais delas são descritas a seguir. Ainda em 1988, a Resolução Conama no 005 dispõe sobre licenciamento das obras de saneamento para as quais seja possível identificar modificações ambientais significativas e a Resolução Conama no 008 dispõe sobre licenciamento de atividade mineral, o uso do mercúrio metálico e do cianeto em áreas de extração de ouro. O Decreto no 99274, promulgado em 1990, no Capítulo 4, trata do licenciamento ambiental de atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras, bem como dos empreendimentos capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental e, no Capítulo 5, seus artigos apresentam modificações importantes AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 26 como, por exemplo, a não obrigatoriedade do Rima em casos de sigilo industrial. Também estabelece em seu Capítulo 18 a regulamentação da capacidade de determinação de redução das atividades poluidoras por parte do Ibama, e no seu Capítulo 19 regulamenta os tipos de licença que este pode conceder, discriminando o que é licença prévia (LP), licença de instalação (LI) e licença de operação (LP). Ainda em 1990, duas resoluções Conama tratam especificamente do licenciamento de atividades de extração mineral. A Resolução Conama no 009 estabelece normas específicas para o licenciamento ambiental de extração mineral de diversas classes e a Resolução Conama no 010 estabelece critérios específicos para o licenciamento ambiental de extração mineral da classe II. Tais classes foram estabelecidas pelo Decreto-Lei no 227, de 28 de fevereiro de 1967. A Resolução Conama no 237/1997 revê os procedimentos e os critérios utilizados no licenciamento ambiental dando nova regulamentação à vários aspectos da legislação anterior. Dentre elas, podem-se destacar a discriminação, de forma mais detalhada, de empreendimentos e atividades que estão sujeitos ao licenciamento ambiental e a regulamentação das etapas do procedimento de licenciamento. É importante ressaltar que no seu artigo 12 a resolução prevê que o órgão ambiental pode definir procedimentos específicos dadas as características e peculiaridades de atividades ou empreendimento, podendo haver simplificação do processo para empreendimentos de pequeno impacto ambiental, para grupos de empreendimentos e atividades similares pequenos e vizinhos e para a simplificação também de empreendimentos que implementem planos e programas voluntários de gestão ambiental. Em 2001, com a Resolução Conama no 279 os procedimentos de licenciamento ambiental foram simplificados para empreendimentos elétricos de pequeno potencial de impacto ambiental. AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 27 Posteriormente, outras resoluções Conama foram sendo promulgadas em aspectos mais específicos da legislação, tais como os requisitos mínimos e termos de referência para a realização de auditorias ambientais (Conama 306/2002), os casos de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental que possibilitam a supressão de vegetação em áreas de preservação permanente (APP) (Conama 369/2006), o licenciamento ambiental simplificado de sistemasde esgotamento sanitário (Conama 377/2006) e o licenciamento ambiental de novos empreendimentos destinados à construção de habitações de interesse social (Conama 412/2009). Todas essas resoluções visavam à facilitação da implementação de projetos de forte interesse na agenda política do governo vigente na época. Atualmente, a legislação ambiental brasileira prevê uma série de tipos de estudos que não EIA e Rima, como, por exemplo, o plano de recuperação de áreas degradadas (Prad), o relatório de controle ambiental (RCA), o estudo de impacto de vizinhança (EIV), entre outros que foram surgindo dada a necessidade de contemplar aspectos peculiares de determinados impactos e suprir outras demandas. Esses tipos de estudo serão abordados posteriormente. De maneira complementar, muitos manuais de órgãos estaduais têm sido elaborados, e uma vasta legislação, nos âmbitos estadual e municipal, tem sido criada. Estudaremos agora as etapas do licenciamento ambiental e alguns aspectos que devem ser contemplados em sua elaboração. 2.4 Definição, Tipos e Etapas do Licenciamento Ambiental Segundo a Resolução Conama no 237/97, o licenciamento ambiental é um procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia localização, instalação, ampliação e operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 28 poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental. Pode-se dizer que, atualmente, o licenciamento ambiental tem funções de caráter preventivo e corretivo. Como função preventiva, a ideia é fazer ajustes e modificações necessárias nos projetos de obras e empreendimentos que possam reduzir possíveis danos ao meio ambiente decorrentes de suas atividades. Tais reduções devem contemplar os diferentes aspectos ambientais, sociais e culturais das atividades propostas. Como função corretiva, o licenciamento pode ser condicionado à realização de ações de compensação necessárias para a mitigação de tais atividades. Essas funções foram definidas quando da promulgação do Decreto no 99274/1990, em que foram determinados três tipos de licença, definidas de acordo com as etapas da obra ou empreendimento: Licença prévia: é solicitada na fase de planejamento do empreendimento ou atividade ou no caso de alteração e ampliação deste. Este precede as fases de instalação e operação e seu objetivo principal é avaliar quais possíveis danos ao meio ambiente podem ser causados por tais atividades e que condições são necessárias para o prosseguimento de elaboração do projeto. Nessa fase devem ser observados os planos municipais, estaduais ou federais de uso de solo. Licença instalação: autoriza a instalação do empreendimento ou atividade de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes. Licença de operação: autoriza o início da operação da atividade ou empreendimento, após a verificação dos requisitos e do cumprimento das exigências constantes nas LP e LI. AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 29 Os prazos de validade das licenças mencionadas anteriormente são estabelecidos pelos órgãos ambiental competente, tendo LP e LI prazo máximo de, respectivamente, 5 e 6 anos e a LO prazo mínimo de 4 e máximo de 10 anos. O órgão ambiental pode alterar os prazos de validade previamente concedidos a uma determinada licença, porém estes não podem ultrapassar os limites máximos discriminados anteriormente. A exigência desses três tipos de licença segue a lógica do cumprimento de etapas em que é possível ter maior controle e previsibilidade nas alterações que os empreendimentos podem causar no meio ambiente, estabelecendo de antemão seu grau e, quando for o caso, reduzindo-o a níveis aceitáveis. O rol de empreendimentos e atividades sujeitas ao licenciamento ambiental estão relacionados no Anexo 1 da Resolução Conama no 237/1997 e são discriminados nos seguintes tipos de atividades: extração e tratamento de minerais, indústria de produtos minerais não metálicos, indústria metalúrgica, indústria mecânica, indústria de material elétrico, eletrônico e comunicações, indústria de material de transporte, indústria de madeira, indústria de papel e celulose, indústria de borracha, indústria de couros e peles, indústria química, indústria de produtos de matéria plástica, indústria de produtos alimentares e bebidas, indústria de fumo, indústrias diversas (produção de concreto, asfalto e galvanoplastia), obras civis, serviços de utilidade, transporte, terminais e depósitos, turismo, atividades diversas, atividades agropecuárias e uso de recursos naturais. Para cada um desses itens (tipos de atividade) há uma série de subitens que detalham que atividades estão compreendidas em cada um deles. Por exemplo, no item atividades diversas compreende o parcelamento do solo e a instalação de distrito e polo industrial. Pode-se perceber nessa resolução a preocupação em determinar um escopo meticuloso das atividades que devem ser submetidas ao licenciamento, não dando margem a interpretações dúbias no que diz respeito ao que é ou não uma atividade que possa causar impacto ambiental. AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 30 Além disso, esse detalhamento é importante, pois, para cada tipo de licença, é necessário um conjunto diferente de documentos determinada pelo órgão licenciador responsável (municipal, estadual ou federal). Segundo o artigo 10 da Resolução Conama no 237/1997, as etapas do procedimento de licenciamento ambiental são as seguintes: I- definição pelo órgão ambiental competente, com a participação do empreendedor, dos documentos, projetos e estudos ambientais, necessários ao início do processo de licenciamento correspondente à licença a ser requerida; II- requerimento da licença ambiental pelo empreendedor, acompanhado dos documentos, projetos e estudos ambientais pertinentes, dando-se a devida publicidade; III- análise pelo órgão ambiental competente, integrante do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), dos documentos, projetos e estudos ambientais apresentados e a realização de vistorias técnicas, quando necessárias; IV- solicitação de esclarecimentos e complementações pelo órgão ambiental competente, integrante do Sisnama, uma única vez, em decorrência da análise dos documentos, projetos e estudos ambientais apresentados, quando couber, podendo haver a reiteração da mesma solicitação caso os esclarecimentos e complementações não tenham sido satisfatórios; V- audiência pública, quando couber, de acordo com a regulamentação pertinente; AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 31 VI- solicitação de esclarecimentos e complementações pelo órgão ambiental competente, decorrentes de audiências públicas, quando couber, podendo haver reiteração da solicitação quando os esclarecimentos e as complementações não tenham sido satisfatórios; VII- emissão de parecer técnico conclusivo e, quando couber, parecer jurídico; VIII- deferimento ou indeferimento do pedido de licença, dando-se a devida publicidade. Existem ainda mais dois tipos de licença para empreendimentos que foram construídos antes de as regras de licenciamento serem elaboradas: a licença de instalação corretiva (LIC), que é direcionada para empreendimentos instalados ou em instalação e que ainda não procederam ao licenciamento ambiental, e a licença de operaçãocorretiva (LOC), que é direcionada para empreendimentos em operação e que ainda não procederam ao licenciamento ambiental (Fiemig, sem ano). Veremos um estudo de caso de LOC no estudo de caso do Capítulo 8. 3 . Avaliação de Impacto Ambiental, suas Fases e Indicadores 3.1 Introdução A AIA é um instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei no 6.938/81) formado por um conjunto de procedimentos capaz de assegurar, desde o início do processo, que se faça um exame sistemático dos impactos ambientais de uma ação proposta (projeto, programa, plano ou política) e de suas alternativas, que os resultados sejam apresentados de forma adequada ao público e aos responsáveis pela tomada de decisão, e por eles devidamente considerados. Ela é realizada em três etapas: triagem, identificação, previsão AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 32 e interpretação da importância dos impactos ambientais relevantes (Silva, 1994a). Neste capítulo estudaremos as fases da AIA, bem como os indicadores ambientais utilizados para a sua elaboração. 3.2 Fases da Avaliação de Impacto Ambiental A AIA pode funcionar como instrumento para duas finalidades diferentes. A primeira é ser um instrumento auxiliar do processo de decisão, representando um método de análise sistemática, por meio de parâmetros técnico-científicos, dos impactos ambientais associados a um determinado projeto. A segunda é ser instrumento de auxílio ao processo de negociação esta vertente, político- institucional, atribui para a AIA um papel de interlocutor entre os projetos públicos e/ou privados com a sociedade na qual esses projetos estão inseridos. A AIA é necessária para empreendimentos que gerem impactos ambientais “significativos”. A definição de impactos ambientais significativos depende da relação entre a capacidade de resistência ou resiliência dos ecossistemas e da magnitude do impacto gerado. Empreendimentos que gerem impactos ambientais de pequena magnitude podem ser controlados por normas e regras de controle da geração e disposição final de resíduos, não sendo assim necessária a realização de estudos completos de AIA, apenas o cumprimento das normas já estabelecidas pela legislação (Sanchez, 2006). Um exemplo é o licenciamento de postos de gasolina. No Brasil, a legislação pertinente à atividade de armazenamento e distribuição de combustível é a no 237/97, que cita a atividade como sendo sujeita ao licenciamento ambiental. No entanto, o Conama publicou a Resolução no 273/2000, com a principal finalidade de padronizar os procedimentos e o licenciamento das atividades que possuem armazenagem de combustíveis, como os postos de gasolina e transportadores- revendedores-retalhistas (Lorenzett, 2010). Essa resolução é bem clara no que diz respeito à responsabilidade dos postos de combustíveis, pois dispõe que, em caso de acidentes ou vazamentos que apresentem situações de perigo ao AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 33 meio ambiente ou às pessoas, bem como na ocorrência de passivos ambientais, proprietários, arrendatários ou responsáveis pelo estabelecimento, equipamentos, sistemas e os fornecedores de combustíveis que abastecem ou abasteceram a unidade responderão solidariamente pela adoção de medidas para controle da situação emergencial e para o saneamento das áreas impactantes. Essa mesma resolução também diz que os equipamentos e sistemas destinados ao armazenamento e à distribuição de combustíveis automotivos, assim como sua montagem e instalação, deverão ser avaliados quanto à sua conformidade no âmbito do Sistema Brasileiro de Certificação. Previamente à entrada em operação e com periodicidade não superior a 5 anos, os equipamentos e sistemas deverão ser testados e ensaiados para a comprovação da inexistência de falhas ou vazamentos, segundo procedimentos padrões, de maneira que possibilite a avaliação de sua conformidade no âmbito do Sistema Brasileiro de Certificação (Figura 3.1). Assim, a correta observação das normas na instalação e operação desse tipo de empreendimento exime-o de um processo de AIA completo. AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 34 Figura 3.1 A) Canaletas utilizadas para recolhimento de água contaminada por resíduos de óleo. B) Caixa de separação de óleo e resíduos. Em ambientes que possuem funções ecológicas ou culturais importantes tais como zonas de recarga de aquíferos, cenários de grande beleza cênica, regiões de solos cársticos (solos calcários frágeis, geralmente associados a existência de ambientes espeleológicos), regiões de alta biodiversidade ou de ocorrência de espécies endêmicas, entre outros, sobretudo onde os impactos têm caráter irreversível, cumulativos ou sinérgicos, a realização completa da AIA é obrigatória. A primeira etapa da AIA é a triagem que consiste em classificar os tipos de empreendimentos de acordo com o seu potencial poluidor. Tais listas classificam os empreendimentos pelo seu potencial poluidor em AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 35 empreendimentos que necessitam de estudo de impacto prévio, chamados de listas positivas, e aqueles empreendimentos que, a princípio, não necessitam de tais estudos, chamados de listas negativas. Tais listas são classificações prévias genéricas do potencial poluidor dos empreendimentos e facilitam bastante o processo de AIA. No entanto, características locais das áreas onde serão instalados os empreendimentos devem ser observadas. Áreas de relevante interesse ecológico, por exemplo, necessitam de estudos de AIA independentemente do tipo de empreendimento. Por exemplo, o Decreto Federal no 99556/1990 estabelece a necessidade de preparação de EIA para obras ou empreendimentos potencialmente lesivos ao patrimônio espeleológico nacional. Esse e outros tipos de ambientes são considerados especiais por conta de sua beleza cênica, vulnerabilidade e razões de ordem histórica e social e exigem a realização de EIA independentemente do tipo de empreendimento (Ibama/MMA 2001). A aplicação direta de tais critérios é problemática, pois existe uma diferença grande entre tipos de empreendimentos e a delimitação clara se eles podem ou não causar impactos ambientais significativos; cada caso deve ser considerado com cuidado. Em casos nos quais a aplicação dos critérios mencionados suscita dúvidas sobre a necessidade de se elaborar um EIA completo pode-se recorrer à elaboração de estudos preliminares. Em São Paulo, por exemplo, por intermédio da Resolução SMA no 42/94, criou-se uma avaliação inicial chama de relatório ambiental preliminar (RAP) para os casos de projetos cujos potenciais de impacto não são evidentes. Para que os critérios de triagem sejam aplicados é necessário que o empreendedor apresente um memorial descritivo do projeto, com informações essenciais tais como: local do projeto, suas características ambientais e do entorno e descrição do projeto e suas alternativas. Esses documentos são fundamentais para que o órgão competente possa analisar o projeto com base nos critérios acima expostos. É importante também dar-se publicidade ao projeto nessa etapa e nas etapas seguintes para que a opinião pública se manifeste caso haja algum problema, evitando assim transtornos futuros. As AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 36 etapas que compõem um processo de AIA estão esquematicamente resumidas na Figura 3.2. Figura 3.2 Etapas do processo de AIA. (Fonte: Prof. Eduardo Lucena Cavalcanti de Amorim, disponível em http://www.ctec.ufal.br/professor/elca/Aula%20Conceitos%20AIA2.pdf, acesso em 20/02/2016) A identificaçãodos impactos ambientais apresenta dificuldades inerentes à sua delimitação espaço-temporal, exigindo ampla análise de toda uma possível gama de interações, o que a torna de difícil execução. Outro problema reside na natureza diferenciada desses efeitos, o que dificulta o estabelecimento de um padrão de mensuração comum. A fase de predição dos impactos ambientais também envolve limitações instrumentais relativas à previsão do comportamento de ecossistemas complexos. Essa fase é normalmente chamada na literatura interacional de scoping, que, em português, pode ser definido como escopo do projeto. AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 37 Normalmente ela é feita pela elaboração de um termo de referência (TR). Nesse documento o órgão ambiental apresenta os aspectos relevantes que devem ser abordados e indicações de como o problema deve ser abordado, que tipo de estudo, duração e periodicidade deste. Alguns podem chegar a um nível de detalhamento bastante alto, como, por exemplo, indicar espécies da flora e fauna que devem ser monitoradas. Em algumas jurisdições, como, por exemplo, Rio de Janeiro e São Paulo, o TR é elaborado a partir de um plano de trabalho que deve ser elaborado e entregue pelo empreendedor. O plano de trabalho deve explicitar os aspectos a serem analisados, bem como as metodologias necessárias para o estudo, e com base nesse documento o órgão ambiental faz o TR. No Brasil, as jurisdições que adotam uma sistemática estruturada para a realização de TR dão nomes distintos a esse documento. No Rio de Janeiro, por exemplo, o TR é denominado Instruções Técnicas (Art. 2o, Lei no 1356/1988). A consulta à legislação vigente fornece uma boa referência das restrições e aspectos que podem influenciar a elaboração tanto do plano de trabalho quanto do TR. A consulta a convenções internacionais e outros documentos de entidades governamentais, não governamentais que tratem de diversidade biológica e preservação de áreas de relevância para o patrimônio ambiental, histórico e cultural fornecem uma boa referência para a identificação de elementos relevantes do ambiente (Beanlands & Duinker, 1983). Uma fonte de consulta interessante é a página da International Association for Impact Assesment (IAIA) (http://www.iaia.org). Nessa página pode ser encontrada uma bibliografia vasta sobre a identificação de elementos relevantes para EIA. Essa identificação, quando colocada sob a ótica tanto dos profissionais que vão analisar o processo quanto do público interessado, pode ajudar a identificar tais elementos. Muitas vezes espécies da fauna e flora podem não estar em listas de espécies ameaçadas de extinção, mas possuir valor cultural ou medicinal valorizado localmente pelas populações. A concepção moderna de AIA incorpora o público em diferentes fases do processo. Embora seja de difícil AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 38 operacionalização, isso reduz o nível de subjetividade presente na avaliação e também evita que este seja um entrave grande para o andamento do processo de AIA no futuro, evitando conflitos antes não previstos. Por esse motivo, é preciso levar em consideração na formulação do TR diversas alternativas ao projeto original, confrontando com a alternativa de não realizá- lo, segundo estipula a Resolução Conama no 1/86 no seu art. 5o: “contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização de projeto, confrontando-se com a hipótese de não realização do projeto”. A realização de um elenco de alternativas possíveis ajuda a evitar problemas futuros, auxiliando inclusive que os EIA não tenham que ser refeitos várias vezes. Identificando-se a necessidade de elaboração do EIA, seguem-se as fases de identificação dos impactos, predição e avaliação. Atualmente, também são utilizadas as etapas de definição de objetivos e de monitoramento, denominadas de fases de pré e pós-impacto, respectivamente (Westman, 1985). Enquanto a primeira induz à ampliação e ao aprimoramento da discussão dos objetivos do estudo sob as diferentes óticas dos atores envolvidos antes do início do processo, a segunda propicia uma realimentação fundamental para a avaliação que opera, frequentemente, com um elevado grau de incerteza. Também é possível, em casos previstos na Resolução no 279/2001, que o empreendedor apresente um relatório de avaliação simplificado (RAS), que, como o próprio nome diz, é uma simplificação do documento de EIA dado o baixo potencial de impacto de certas atividades (abordaremos esse instrumento com mais detalhes no capítulo seguinte). Os métodos para predição e avaliação dos impactos ambientais serão vistos no Capítulo 7. Convém ressaltar que, embora o EIA/Rima seja o principal documento em um processo de avaliação de impactos ambientais, outros relatórios possíveis podem ser elaborados dependendo do caso, alguns deles podem até mesmo AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 39 substituir o EIA/Rima. Os principais são o plano de controle ambiental (PCA), o RCA, o Prad e o RAS (este já discutido). Apesar de não haver diretrizes específicas regulamentadas pelo Conama para a elaboração de PCA, RCA, Prad e outros, estes são considerados estudos ambientais, em virtude do referencial teórico implícito na legislação pertinente (análise dos efeitos ambientais da ação antrópica) e da sequência dos procedimentos requeridos por estes serem basicamente os mesmos da Resolução Conama no 001/86 para elaboração de EIA/Rima (Absy et al., 1995). O PCA é exigido pela Resolução Conama no 009/90 para concessão de LI de atividade de extração mineral de todas as classes previstas no Decreto-Lei no 227/67. O RCA é exigido pela Resolução Conama no 010/90, na hipótese de dispensa do EIA/Rima, para a obtenção de LP de atividade de extração mineral da classe II, prevista no Decreto-Lei no 227/67 (classe II jazidas de substâncias minerais de emprego imediato na construção civil). Por último, o Prad tem sido utilizado para a recomposição de áreas degradadas pela atividade de mineração. É elaborado de acordo com as diretrizes fixadas pela NBR 13030, da ABNT, e outras normas pertinentes. Não há diretrizes para outros tipos de atividade. 3.3 Indicadores Físico, Químicos, Biológicos e Socioeconômico- Culturais De Impactos Ambientais Indicadores ambientais podem ser definidos como “ferramentas de acompanhamento de alteração de padrões ambientais e de estratégias de ação sobre o meio ambiente através da análise sistemática e da expressão sintética das evoluções temporais e/ou espaciais, em relação a uma situação de referência, com o objetivo de estabelecer metas e verificar eficiência e eficácia das ações” (Sema, 1991). Eles têm caráter diagnóstico diante de uma situação que se quer avaliar e são compostos por variáveis e/ou parâmetros que servem como medidas da magnitude do impacto ou das condições ambientais que se AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 40 quer analisar (Munn, 1975; Moreira, 1992). Eles são construídos a partir de uma série de dados analisados e podem ser utilizados em conjunto para a elaboração de índices que expresse um conjunto de características ambientais. Algumas características devem ser observadas para a realização de coletas que possam se constituir em boas séries históricas e que possam permitir a seleção de indicadores, em vários níveis hierárquicos (ecossistêmas, comunidades etc.), que permitam a detecção dos padrões e processos ecológicos de funcionamento dos ecossistemas e as alterações advindas dos impactos antrópicos nestas características (Simberloff, 1998). Uma das dificuldades na utilização dessa abordagemé a definição clara de que indicadores devem ser utilizados e com que frequência (Lindenmayer et al., 1999). Em se tratando de impactos provocados pela poluição, atualmente existem uma série de indicadores ambientais que já estão estabelecidos, estando seus limites e variações já estabelecidos em resoluções e normas técnicas, que podem ser utilizados para a avaliação e o monitoramento dos diversos “compartimentos” que formam o ambiente (água, ar, solo e seres vivos). No entanto, fora o caso dos poluentes, para uma grande quantidade de indicadores de impacto, não existem. Como cada um desses compartimentos tem características e propriedades distintas o comportamento e parâmetros de poluição são diferentes. No entanto, pode haver similaridades no que tange à avaliação de métodos e parâmetros para dois ou mais tipos de “compartimentos”, como, por exemplo, será visto em relação aos compartimentos aquáticos e terrestres. Vejamos agora alguns dos parâmetros utilizados como indicadores da qualidade para cada tipo de compartimento ambiental. AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 41 3.3.1 Meio Aquático Existem vários aspectos relacionados com o monitoramento do meio aquático que devem ser levados em consideração. Em geral, empreendimentos e obras podem afetar a vazão, seja por conta do consumo seja pela dinâmica dos corpos hídricos, o que afeta a biota local, ou afetar a recarga de aquíferos. Essas alterações podem ser verificadas por cálculos de vazão e modelos que ajudem a entender os efeitos futuros dessas alterações. Em outros empreendimentos, as alterações têm efeitos na qualidade da água, são promovidas pelo aumento da carga de sedimentos nos corpos d’água e pelo assoreamento de corpos hídricos, o que altera seus parâmetros físicos e químicos. Os indicadores de qualidade da água podem ser divididos em parâmetros físicos e químicos. Parâmetros físicos estão relacionados com a presença de sólidos e gases na água e dentre os principais destacam-se: Sólidos: são definidos como todas as impurezas presentes na água, com exceção dos gases dissolvidos. De acordo com o tamanho das partículas, os sólidos podem ser classificados em suspensos e dissolvidos. Os sólidos suspensos são constituídos principalmente de matéria orgânica e sedimentos de erosão e compõem a fração das partículas que fica retida após a passagem de uma amostra de volume conhecido por uma membrana filtrante com poro igual a 1,2 m. Os sólidos dissolvidos representam a fração da amostra que passa pela membrana de 1,2 m. Temperatura: é uma medida da intensidade de calor. Temperaturas elevadas têm como consequência o aumento das taxas das reações físicas, químicas e biológicas, além da diminuição de solubilidade dos gases como o oxigênio dissolvido. AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 42 Condutividade: é definida como a capacidade da água de transmitir corrente elétrica. Os sólidos dissolvidos são os constituintes responsáveis pela condutividade que pode ser utilizada como medida indireta da presença de sais. Cor: os sólidos dissolvidos são os principais responsáveis por conferir coloração à água. A cor pode ser classificada em aparente e verdadeira. No valor da cor aparente pode estar presente a parcela causada pela turbidez, e, quando esta é removida, tem-se a cor verdadeira. Turbidez: representa o grau de alteração à passagem da luz através da água. Os sólidos suspensos são os principais responsáveis pela turbidez causando difusão e a absorção da luz. Valores elevados podem reduzir a ação do cloro em processos de desinfecção e servir de abrigo para microrganismos. Os parâmetros químicos são aqueles que indicam a presença de alguns elementos ou compostos químicos. Entre os principais estão: pH: representa a concentração de íons hidrogênio H+ (em escala antilogarítmica). Os sólidos dissolvidos e gases dissolvidos são os principais constituintes que alteram o pH. Sua faixa de variação é de 0 a 14. O valor do pH indica a condição de acidez ou alcalinidade da água. Valores baixos de pH (inferiores a 7) no pH indicam potencial corrosividade e agressividade da água, o que pode levar à deterioração das tubulações e peças por onde essa água passa. Valores elevados de pH podem levar ao surgimento de incrustações em tubulações. Alcalinidade: é a medida da capacidade de neutralizar os ácidos através da quantidade de íons na água que reagirão para neutralizar os íons de hidrogênio. Os principais constituintes são os sólidos dissolvidos na forma de bicarbonatos (HCO3-), carbonatos (CO32-) e hidróxidos (OH-). AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 43 Dureza: representa a concentração de cátions multimetálicos em solução (Ca2+ e o Mg2+). A dureza pode ser classificada em dureza carbonato (temporária, correspondente à alcalinidade, associada a HCO3- e CO32-) e dureza não carbonato (permanente, associada a ânions como Cl- e SO42-). Os constituintes responsáveis são os sólidos dissolvidos originários da dissolução de minerais contendo cálcio e magnésio. A principal consequência das águas duras é a redução na formação de espumas e o surgimento de incrustações nas tubulações de água quente. Cloretos: são componentes resultantes da dissolução de sais. Os constituintes responsáveis estão na forma de sólidos dissolvidos. Em determinadas concentrações pode conferir sabor salgado à água. Ferro e manganês: têm origem natural na dissolução de componentes do solo. Quando estão em suas formas insolúveis (Fe3+ e Mn4+) podem causar cor na água e acarretar manchas durante a lavagem de roupas e em utensílios sanitários. Os constituintes responsáveis são os sólidos dissolvidos. Fósforo: presente na água sob a forma de sólidos em suspensão e sólidos dissolvidos. É encontrado sob as formas de ortofosfato (forma mais simples, diretamente disponível), polifosfato (forma mais complexa) e fósforo orgânico. Pode ser originário de compostos biológicos, células e excrementos de animais. Nitrogênio: está presente na forma de sólidos em suspensão e sólidos dissolvidos. Na água pode estar sob as seguintes formas: nitrogênio molecular (N2), nitrogênio orgânico (dissolvido ou em suspensão), amônia (livre NH3 e ionizada NH4+), nitrito (NO2-) e nitrato (NO3-). Pode ter origem em proteínas, compostos biológicos, células e excrementos de animais. A forma predominante do nitrogênio pode informar o estágio da poluição. Assim, AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 44 quando predomina o nitrogênio orgânico ou amônia, a poluição é recente e, quando predomina o nitrato, a poluição é remota. Sulfatos: os constituintes responsáveis por este parâmetro estão na forma de sólidos dissolvidos. O íon sulfato pode ser um indicador de poluição de uma das fases da decomposição da matéria orgânica e dependendo da concentração pode produzir efeitos laxativos. Matéria orgânica: a matéria orgânica pode ter origem natural ou antropogênica e é mensurada pelo consumo de oxigênio dissolvido na água. A matéria carbonácea (com base no carbono orgânico) divide-se em fração não biodegradável (em suspensão e dissolvida) e fração biodegradável (em suspensão e dissolvida). Graças à variedade de compostos presentes na matéria orgânica são utilizados medidas indiretas para sua quantificação, como: a demanda bioquímica de oxigênio (DBO) e a demanda química de oxigênio (DQO). A DBO representa uma indicação aproximada da matéria orgânica biodegradável. Na DQO a oxidação da matéria orgânica é realizada com o uso de
Compartilhar