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Infra-estrutura brasileira de transportes: uma das piores da América Latina *Karênina Martins Teixeira O livro “O Mito do Rodoviarismo Brasileiro”, do ex-presidente da NTC&Logística Geraldo Vianna, revelou que, entre as 20 maiores economias do mundo, o Brasil foi o país que menos destinou investimentos à construção e pavimentação de rodovias. A conseqüência deste descaso foi uma infra-estrutura de transportes incompatível com as necessidades atuais de movimentação de bens e pessoas. O resultado dessa falta de infra-estrutura é o alto custo operacional do transporte, a pequena margem de lucro para a atividade e a baixa qualidade dos serviços ofertados no país em comparação a outros países. Dando continuidade aos levantamentos das estatísticas utilizadas no livro, apresenta-se aqui um estudo comparando a já comprovada deficiente infra-estrutura de transportes brasileira, com a infra-estrutura disponível nas nações latino-americanas. Entre os vinte principais países da América Latina, o Brasil possui o maior Produto Interno Bruto - PIB (Tabela 1). No entanto, a oferta de infra-estrutura de transportes do país não reflete essa realidade. O Brasil não é apenas o país mais rico entre os principais países da América Latina, mas também o que tem maior extensão territorial e população (Tabelas 2 e 3). O reflexo de sua grande população e vasta área extensão territorial é a numerosa frota de veículos automotores que circula atualmente no país, de aproximadamente 31 milhões de unidades (Tabela 4). Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística 2 TABELA 1 - 20 Maiores Economias da América Latina Países PIB Anual 2006 (U$S Milhões) 1 Brasil 1.067.000 2 México 840.012 3 Argentina 212.702 4 Venezuela 181.608 5 Chile 145.205 6 Colômbia 135.075 7 Peru 93.268 8 Cuba 45.510 9 Equador 40.800 10 Guatemala 35.304 11 República Dominicana 31.600 12 Costa Rica 21.384 13 Uruguai 19.221 14 El Salvador 18.341 15 Panamá 17.113 16 Bolívia 10.828 17 Honduras 8.981 18 Paraguai 8.773 19 Nicarágua 5.369 20 Haiti 4.473 Fonte: Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial, 2006. Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística 3 TABELA 2 - Extensão Territorial dos Países América Latina Países Extensão Territorial (Km²) 1 Brasil 8.514.877 2 Argentina 2.736.690 3 México 1.908.690 4 Peru 1.280.000 5 Bolívia 1.084.380 6 Colômbia 1.038.700 7 Venezuela 882.050 8 Chile 748.800 9 Paraguai 397.300 10 Equador 276.840 11 Uruguai 175.020 12 Nicarágua 121.400 13 Honduras 111.890 14 Cuba 109.820 15 Guatemala 108.430 16 Panamá 74.430 17 Costa Rica 51.060 18 República Dominicana 48.380 19 Haiti 27.560 20 El Salvador 20.720 Fonte: IRF, 2006 (dados de 2004). Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística 4 TABELA 3 - População dos Países América Latina Países População (Habitantes) 1 Brasil 184.184.264 2 México 103.795.216 3 Colômbia 44.915.016 4 Argentina 38.371.528 5 Peru 27.562.392 6 Venezuela 26.127.000 7 Chile 16.123.815 8 Equador 13.039.984 9 Guatemala 12.294.794 10 Cuba 11.244.985 11 Bolívia 9.009.045 12 República Dominicana 8.767.870 13 Haiti 8.406.941 14 Honduras 7.048.327 15 El Salvador 6.762.439 16 Paraguai 6.017.196 17 Nicarágua 5.376.140 18 Costa Rica 4.253.037 19 Uruguai 3.439.473 20 Panamá 3.175.354 Fonte: IRF, 2006 (dados de 2004). Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística 5 TABELA 4 - Frota de Veículos Automotores Países Frota (Unidades) 1 Brasil 31.231.043 2 México 21.871.190 3 Argentina 6.930.000 4 Colômbia 2.481.000 5 Venezuela 2.455.000 6 Chile 2.162.000 7 Peru 1.025.000 8 Equador 982.000 9 Costa Rica 841.448 10 Bolívia 748.000 11 Guatemala 743.511 12 Uruguai 694.000 13 Paraguai 532.000 14 Honduras 417.431 15 Panamá 315.122 16 Nicarágua 247.811 Fonte: IRF, 2006 (dados de 2004) . Não foi possível obter informações sobre as frotas de Cuba, República Dominicana, El Salvador e Haiti. Devido à sua grande área territorial – o Brasil é no mínimo três vezes maior que a Argentina, o segundo maior território (Tabela 2) latino-americano –, o país possui uma elevada extensão rodoviária, a maior entre os países da América Latina e seis vezes maior que a do México (Tabela 5). Mas, quando se trata da porcentagem de rodovias pavimentadas, o Brasil ocupa um modesto 17º lugar (Tabela 6). Com os seus 12,2% de rodovias asfaltadas, o país só supera o Uruguai, Nicarágua e Bolívia, economias muito mais pobres do que a brasileira. Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística 6 TABELA 5 – Extensão de Rodovias Países Extensão Total (km) 1 Brasil 1.610.081 2 México 235.670 3 Argentina 231.374 4 Colômbia 112.988 5 Venezuela 96.155 6 Chile 79.604 7 Peru 78.829 8 Uruguai 77.732 9 Bolívia 62.479 10 Cuba 60.856 11 Equador 43.197 12 Costa Rica 35.330 13 Paraguai 29.500 14 Nicarágua 19.036 15 Guatemala 14.095 16 Honduras 13.600 17 República Dominicana 12.600 18 Panamá 11.643 19 El Salvador 10.029 20 Haiti 4.160 Fonte: IRF, 2006 (dados de 2004). Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística 7 TABELA 6 – Percentual de Pavimentação Extensão Pavimentada (km) Países % Estradas Pavimentadas Pavimentada Não Pavimentada Total 1 Paraguai 50,8 14.986 14.514 29.500 2 México 49,5 116.751 118.919 235.670 3 República Dominicana 49,4 6.224 6.376 12.600 4 Cuba 49,0 29.819 31.037 60.856 5 Panamá 35,0 4.079 7.615 11.643 6 Guatemala 34,5 4.863 9.232 14.095 7 Venezuela 33,6 32.308 63.847 96.155 8 Argentina 30,0 69.412 161.962 231.374 9 Costa Rica 24,4 8.621 26.709 35.330 10 Haiti 24,3 1.011 3.149 4.160 11 Honduras 20,4 2.774 10.826 13.600 12 Chile 20,2 16.080 63.524 79.604 13 El Salvador 19,8 1.986 8.043 10.029 14 Equador 15,0 6.467 36.730 43.197 15 Colômbia 14,4 16.270 96.718 112.988 16 Peru 14,4 11.351 67.478 78.829 17 Brasil 12,2 196.095 1.413.986 1.610.081 18 Nicarágua 12,1 2.299 16.737 19.036 19 Uruguai 10,0 7.742 69.990 77.732 20 Bolívia 6,0 3.749 58.730 62.479 Fonte: IRF, 2006 (dados de 2004). Analisar e comparar somente a extensão total de rodovias e a porcentagem de rodovias pavimentadas entre os países da América Latina, como foi feito nas tabelas 5 e 6, não reflete a real situação da infra-estrutura de transportes disponível em cada país. Para se ter uma classificação mais realista, devem ser consideradas outras variáveis como população e extensão territorial de cada nação. Um indicador, chamado Índice de Mortara, criado pelo Prof. Giorgio Mortara pesquisador pioneiro do Instituto Brasileiro Estatística e Geografia - IBGE, é capaz de Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística 8 ordenar um determinado grupo de países por meio de uma média geométrica, na qual a representatividade do número de quilômetros de rodovias pavimentadas é verificada tomando-se como pesos a área e a população de cada país, conforme a fórmula apresentada abaixo. ÷+ ÷ ÷= ∑∑∑ === i n i ii n i i n i iiI PopPopArArExpExpIM 111 **2 Em que, IM i = Índice Mortara de i; Expi = Extensão de rodovias pavimentadas de i (km); Ari = Área de i (km²); Popi = População de i (unidades); i = Países da América Latina. Com o objetivo de refinar ainda mais esse indicador, foi acrescentado o tamanho da frota de veículos automotores, que ao lado da extensão e da população, constitui importante indicador das necessidades de transporte. Dessa forma, a nova fórmula é a seguinte ÷+ ÷+ ÷ ÷= ∑∑∑∑ ==== i n i ii n i ii n i i n i iiI FrFrPopPopArArExpExpIM 1111 **3 Em que, IM i = Índice Mortara de i; Expi = Extensão de rodovias pavimentadas do país i (km); Ari = Área de i (km²); Popi = População de i (unidades); Fr i = Frota de i (unidades); Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística 9 i = Países da América Latina. O resultado do cálculo do índice com a nova fórmula para a América Latina, revela que o país que tem melhor oferta de rodovias pavimentadas é, surpreendentemente, a Costa Rica, décima segunda economia da América Latina. O Brasil ocupa um inexpressivo décimo lugar, ficando atrás de países como Uruguai, Panamá e Paraguai, respectivamente a décima terceira, décima quinta e décima oitava economias (Tabela 7). O Brasil perde também para países em estágio semelhante de desenvolvimento, como o México (sexto no ranking) e Argentina (sétimo). Tabela 7 – Índice de Mortara para Rodovias Pavimentadas Países Índice 1 Costa Rica 3,29 2 Paraguai 2,64 3 Uruguai 1,83 4 Panamá 1,73 5 Venezuela 1,50 6 México 1,40 7 Argentina 1,39 8 Guatemala 1,01 9 Chile 0,95 10 Brasil 0,94 11 Nicarágua 0,82 12 Peru 0,78 13 Equador 0,77 14 Honduras 0,76 15 Colômbia 0,63 16 Bolívia 0,42 Fonte: NTC&Logística, 2007. Não foi possível obter informações sobre as frotas de Cuba, República Dominicana, El Salvador e Haiti. Quando se comparam os modos ferroviário e hidroviário, constata-se que o Brasil tem a segunda maior extensão de ferrovias, entre os países analisados, perdendo apenas para Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística 10 Argentina (Tabela 8); e a maior extensão de hidrovias navegáveis (Tabela 9). Estes dados podem causar a falsa impressão que o Brasil, quando comparados aos demais países da América Latina, têm uma boa infra-estrutura ferroviária e hidroviária. Porém, o Índice de Mortara (neste caso, sem considerar a frota de veículos) mostra que o Brasil possui uma infra-estrutura deficitária também nestes modos de transportes. TABELA 8 - Extensão de Ferrovias Países Ferrovias (km) 1 Argentina 31.902 2 Brasil 29.283 3 México 17.562 4 Chile 6.585 5 Cuba 4.226 6 Bolívia 3.519 7 Peru 3.462 8 Colômbia 3.304 9 Uruguai 2.073 10 Equador 966 11 Guatemala 886 12 Honduras 699 13 Venezuela 682 14 El Salvador 562 15 República Dominicana 517 16 Panamá 355 17 Costa Rica 278 18 Paraguai 36 19 Nicarágua 6 Fonte: CIA, 2006. Não foi possível obter dados do Haiti. Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística 11 TABELA 9 - Extensão de Hidrovias Países Hidrovias (km) 1 Brasil 47.882 2 Colômbia 18.000 3 Argentina 11.000 4 Bolívia 10.000 5 Peru 8.808 6 Venezuela 7.100 7 Paraguai 3.100 8 México 2.900 9 Nicarágua 2.220 10 Uruguai 1.600 11 Equador 1.500 12 Guatemala 990 13 Panamá 800 14 Costa Rica 730 15 Honduras 465 16 Cuba 240 Fonte: CIA, 2006. Não foi possível obter dados da República Dominicana, Haiti, El Salvador e Chile. Quando aplicado à extensão de ferrovias, o Índice de Mortara mostra que o Brasil ocupa o décimo segundo lugar entre dezenove países da América Latina, enquanto Cuba ocupa a primeira posição no mesmo grupo (Tabela 10). Isso indica que, proporcionalmente ao tamanho do país e sua população, a infra-estrutura ferroviária disponível é a melhor da América Latina. O Brasil possui um índice seis vezes menor que o de Cuba, embora seu PIB seja simplesmente 23 vezes maior. Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística 12 TABELA 10 - Índice de Mortara para Extensão de Ferrovias Países Ferrovias (km) 1 Cuba 4,48 2 Argentina 3,14 3 El Salvador 2,70 4 Uruguai 2,59 5 Chile 1,83 6 Bolívia 1,27 7 México 1,27 8 República Dominicana 1,13 9 Guatemala 0,93 10 Honduras 0,82 11 Panamá 0,72 12 Brasil 0,71 13 Costa Rica 0,66 14 Peru 0,56 15 Equador 0,51 16 Colômbia 0,48 17 Venezuela 0,14 18 Paraguai 0,02 19 Nicarágua 0,01 Fonte: NTC&Logística, 2007. Não foi possível obter dados do Haiti. No que diz respeito às hidrovias, embora o Brasil possua a maior extensão – 2,6 maior que a da Colômbia, país com a segunda maior extensão entre os países da América Latina – é apenas o décimo colocado (Tabela 11). Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística 13 TABELA 10 - Índice de Mortara para Extensão de Hidrovias Países Hidrovias (km) 1 Bolívia 3,29 2 Nicarágua 2,47 3 Colômbia 2,36 4 Paraguai 1,82 5 Uruguai 1,82 6 Costa Rica 1,59 7 Panamá 1,47 8 Peru 1,30 9 Venezuela 1,29 10 Brasil 1,06 11 Argentina 0,99 12 Guatemala 0,95 13 Equador 0,72 14 Honduras 0,50 15 Cuba 0,23 16 México 0,19 Fonte: NTC&Logística, 2007. Não foi possível obter dados da República Dominicana, Haiti, El Salvador e Chile. Conclusões Os números apresentados neste estudo mostram que o Brasil, o país mais rico da América Latina, tem uma infra-estrutura de transporte incompatível com seu poder econômico. Os resultados desta deficiência são as constantes quebras de veículos, congestionamentos das rodovias e o alto índice de acidentes de trânsito. O principal gargalo está no modo rodoviário, cujo grave problema é a falta de rodovias pavimentadas, o que coloca o país na décima posição entre os demais países da América Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística 14 Latina. Esse resultado é, no mínimo, surpreendente, para um país famoso pelo seu pretenso “rodoviarismo” e pela suposta concentração de investimentos nas rodovias. Nos modos ferroviário e hidroviário, nos quais o país não tem tradição de grandes investimentos, o Índice de Mortara calculado classifica o Brasil em décimo segundo e décimo lugares, respectivamente. Esse resultado demonstra que são necessários gigantescos investimentos para adequar a infra-estrutura disponível às necessidades do país. O reflexo da deficiente infra-estrutura de transportes disponível atualmente no país é o tão alardeado custo logístico. Quando comparado a outros países, estudos demonstram que se paga muito mais no Brasil para movimentar qualquer tipo de produto,do que em países como Estados Unidos, Austrália e países da Europa. Constata-se que, mesmo entre países da América Latina, em que o Brasil é visto como um país avançado, o transporte, que é a alavanca da economia, é tão carente de investimentos tanto da iniciativa privada quanto pelos órgãos públicos. O PIB de 2007 mostra que o país obteve um crescimento de 5,4% em relação ao PIB de 2006. Segundo analistas, esse crescimento foi impulsionado pelo consumo. Sabe-se que quanto maior o consumo, maior a necessidade de movimentação de produtos e para obter um custo de transporte que não interfira na competitividade dos produtos, é necessária uma infra-estrutura de transportes adequada as necessidades existentes. Pode se dizer que o primeiro passo neste sentido foi dado com o lançamento, em 2007, do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) para Logística. Porém, o que se viu durante o ano de 2007 é que muito pouco foi feito de concreto para conclusão das obras propostas. Espera-se que em 2008, com um orçamento previsto de 8 bilhões (Gazeta Mercantil, 2007) nos dois anos seguintes, não só seja concluída boa parte das obras do PAC, como também Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística 15 algumas obras propostas no Plano Nacional de Logísticas e Transportes e no Plano de Logística para o Brasil sejam executadas, pela iniciativa privada ou pública. Sem pesados e continuados investimentos, a infra-estrutura de transportes do país continuará fazendo um triste papel na América Latina e no mundo. FONTES Banco Mundial (2006). World Development Indicators Database. Central Intelligence Agency (2007). World FactBook. Fundo Monetário Internacional (2006).World Economic Outlook Database. Gazeta Mercantil (2007). Transporte ficará com 8 bi em 2008, maior verba do PAC. Publicado em 21 de Novembro de 2007. NTC&Logística (2007). Departamento de Custos Operacionais, Estudos Técnicos e Econômicas - DECOPE. Associação Nacional do Transporte de Carga e Logística. * A autora é Doutora em Engenharia de Transportes pela Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP), com Doutorado Sanduíche na Universidade de Melbourne, Austrália. Atualmente, é Assessora Técnica da NTC&Logística e Professora Assistente da FATEC de Jahu.
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