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OS ECONOMISTAS J OHN MAYNARD KEYNES A TEORIA GERAL DO EMP REGO, DO J URO E DA MOEDA Apresentação de Adroa ldo Moura da Silva T radução de Már io R. da Cruz R evisão técn ica de Cláudio Rober to Contador T radução dos Prefácios de Pau lo de Almeida Fundador VICTOR CIVITA (1907 - 1990) Editora Nova Cultura l Ltda . Copyr igh t © desta edição 1996, Círcu lo do Livro Ltda . Rua Paes Leme, 524 - 10º andar CEP 05424-010 - São Paulo - SP. Títu lo or igina l: T he General T heory of Em ploym ent, In terest and Money © Royal Economic Society, 1973. Textos or igina lmente publicados no Reino Unido por Macmillan Press Ltd., Londres. Textos publicados sob licença de Macmillan Press Ltd., Londres, e Editora At las S.A., São Paulo (A T eoria Geral do Em prego, do J uro e da Moeda). Tradução do texto de A T eoria Geral do Em prego, do J uro e da Moeda publicada sob licença da Editora At las S.A., São Paulo. Direitos exclusivos sobre a Apresentação de Adroa ldo Moura da Silva , Editora Nova Cultura l Ltda ., São Paulo. Direitos exclusivos sobre a t radução dos Prefácios de A T eoria Geral do Em prego, do J uro e da Moeda, Nova Cultura l Ltda ., São Paulo. Impressão e acabamento: DONNELLEY COCHRANE GRÁFICA E EDITORA BRASIL LTDA. DIVISÃO CÍRCULO - FONE: (55 11) 4191-4633 ISBN 85-351-0917-X AP RESENTAÇÃO Ke yn e s e a Te oria Ge ral I J ohn Maynard Keynes nasceu em Cambr idge em junho de 1883 e fa leceu em Sussex em abr il de 1946. Sua vida é marcada por de- sempenho excepciona l em inúmeras á reas da a t ividade humana: ho- mem de negócios e diretor de Companhias de Seguro e Invest imento, com o que terminou por acumular expressiva r iqueza pessoa l;1 funcio- ná r io público por dois anos a par t ir de 1906, assessor in fluente do Tesouro Br itânico e fina lmente diretor do Banco da Ingla ter ra , o Banco Cent ra l Inglês, a par t ir de 1942;2 protetor das a r tes, produtor tea t ra l, editor e colecionador de livros ra ros;3 a r t icu lista da imprensa diá r ia e co-propr ietá r io de um semaná r io londr ino a t ravés do qua l par t icipou da campanha polít ica de 1929 em defesa do Par t ido Libera l, com o qua l manteve permanente associação informal ao longo de sua vida ;4 5 1 J á em 1921 Keynes era chairm an da Nat iona l Mutua l Insurance Company e poster iormente foi t ambém diretor da Independent Investment Co. e da Provincia l Insurance Company. 2 Keynes teve destacado papel em negociações in ternaciona is como represen tan te do governo inglês: pr imeiro, no Tra tado de Paz em Versa lhes em 1918 e, segundo, duran te a Segunda Guerra Mundia l, par t icu la rmente no que respeita à r eorganização financeira da economia mundia l. Em verdade a organização do Fundo Monetá r io In ternaciona l muito deve ao gênio financeiro de Keynes. 3 Esta atividade foi facilitada pela dupla associação que Keynes manteve ao largo de sua vida: de um lado, o acesso às fontes de financiamento que seu papel junto ao Governo lhe propor- cionava; de outro, a sua intimidade com Duncan Grant, Vanessa Bell, e outros intelectua is do “Bloomsbury Group” e seu casamento com Lydia Lopokova , baila rina russa. Por conta dessa feliz associação e por ela motivado Keynes terminou desempenhando impor tante papel de administrador financeiro em prol do ba lé a través da Camargo Society, do Vic-Wells Ballet e da Rambert Ballet , empreendimentos que se beneficiaram do gênio financeiro de Keynes. Foi mais: conselheiro da “Nationa l Gallery” e do “Council for the Encouragement of Music and the Ar ts”. Deve-se registra r que Keynes construiu um tea tro em Cambridge com seus próprios recursos. Depois de sua mor te, esse tea tro passou ao patr imônio da cidade. 4 Keynes foi diretor e por vezes editor ia lista do jorna l semanal N ation and Athenoeum e também do N ew S tatesm an and N ation , a lém de cont r ibu ir com ar t igos freqüentes para os mais conhecidos diá r ios de Londres. Editor do Econom ic J ournal. professor de Economia e administ rador na Universidade de Cambr idge.5 Contudo, acima e a lém de tudo, Keynes foi economista e au tor de uma fecunda e, provavelmente, a mais in fluente obra em teor ia econômica no século XX, onde merece destaque A T eoria Geral do Em prego, do J uro e da Moeda, ora publicada pela Abr il Cultura l. Keynes desde cedo desfru tou da melhor educação, formal e in - formal, que a Ingla ter ra vitor iana oferecia às suas mais ilust res fam í- lias. Educou-se em Cambr idge, cidade onde sua mãe, F lorence, exerceu inúmeros cargos públicos, inclusive o de Prefeito, e na Universidade, onde seu pa i, J ohn Neville, destacou-se como professor e administ rador . Ao longo de sua educação Keynes dedicou-se ao estudo da Matemá t ica , F ilosofia e Humanidades. À Economia , só se volta r ia após a conclusão do ensino formal. Sua a tuação mais destacada enquanto estudante ocor re por conta de sua par t icipação em deba tes, a t ividades polít icas não-par t idá r ias e, par t icu la rmente, numa sociedade secreta fundada em 1820, os “Apóstolos”, que en tão reunia um amplo grupo de fu turas persona lidades, a exemplo de Ber t rand Russell, Desmond MacCar thy, Lyt ton St rachey, Leonard Woolf, Clive Bell e ou t ros. Os vínculos de amizade com esse grupo t iveram marcada influên- cia na vida de Keynes. Em par t icu la r pelas mãos de Lyt ton St rachey, Leonard Woolf, Clive Bell, Duncan Grant e Thoby Stephen , Keynes se associou às irmãs Stephen , irmãs de Thoby, Vanessa Bell (casada com Clive) e Virgin ia Woolf (casada com Leonard) e const itu íram o que vir ia a ser conhecido como o “Bloomsbury Group”, em Londres. In te- lectua is de sucesso, t inham como marca de seu compor tamento socia l a ir reverência . Cult ivavam o idea l liber tá r io, a busca da “verdade”, lu tavam pela ampliação do papel da mulher na sociedade, pela desi- n ibição sexua l e contestavam os va lores mora is herdados da sociedade vitor iana .6 Por conta dessa mult ifacetada exper iência , Keynes era um homem polêmico, e, para não poucos, a r rogante.7 A sua a tuação pública , no entan to, viveu dividida en t re o apego e a cr ít ica à herança cu ltura l OS ECONOMISTAS 6 5 A a t ividade docente de Keynes foi in tensa en t re 1908 e 1915, quando se a fastou para t raba lhar no Tesouro. Voltando à Universidade a par t ir de 1919, sua carga didá t ica da í para fren te se reduz dramat icamente: min ist ra a lgumas conferências por ano e dir ige a distância um Seminá r io. Vive a par t ir de en tão em Londres e passa os fins de semana , inclusive a 2ª feira , em Cambr idge. No en tan to, começa a ter crescente in fluência na ad- minist ração dos recursos financeiros da Universidade. 6 O compor tamento socia lmente agressivo dos membros do Grupo é bem conhecido. Para uma breve h istór ia do Grupo o leitor in teressado deve consulta r Edel (1979). Até seu casamento com Lydia em 1925, Keynes manteve est reito conta to com o Grupo, par t icu la r - mente com St rachey, Duncan Grant e Vanessa Bell. De in ício o Grupo reagiu fr iamente à esposa de Keynes. Depois passaram a se reunir no que eles chamaram de “Clube da Memór ia”. Uma impor tan te cont r ibu ição de Keynes a este clube está publicada no volume X das obras completas de Keynes e recebeu o t ítu lo de My Early Beliefs. 7 O per fil a r rogante de Keynes é destacado, por exemplo, por Harry J ohnson em Milo Keynes (1977). J ohnson “acusa”: “Keynes era um opor tun ista e um operador”. vitor ian a . No convívio exigido pela s sua s fun ções de in flu en t e m em - br o do gover no, n ão ficou im un e a os va lores da classe dir igen t e in glesa : colon ia list a e an gu st iado com a con t ín ua perda de p rest ígio econ ôm ico e polít ico da Ingla t er r a , qu e se segu iu à P r im eira Guer ra Mun dia l. De ou t ro lado, a solidar ieda de que dedicou ao lon go de sua vida a os am igos de adolescência possibilit ou -lh e cu lt iva r e apr en - der a conviver com o “n ovo”, r epr esen t a do pelo compor t amento so- cia lm en te agressivo de seus am igos, van gua rda in t electu a l e libera l da cosm opolit a na Lon dres de en tã o.8 Keynes deixa a Universidade e ingressa no funciona lismo público em 1906. Aí não encont ra ambiente propício ao desenvolvimento de sua ir requieta persona lidade. Passa a t raba lhar em sua disser tação com o propósito de volta r à vida acadêmica . Seu in teresse en tão se concent ra nos fundamentos filosóficos da Probabilidade. Em 1908 a submete a Cambr idge, não sendo aceita . É en tão que ingressa defin i- t ivamente no estudo da Economia . A convite de Marsha ll e P igou , e sem vínculo formal com a Universidade, volta a Cambr idge para mi- n ist ra r essa disciplina , que a té en tão fora o t raba lho de Marsha ll e que nesse mesmo ano se aposentava . Em Cambr idge volta a t raba lhar em sua disser tação sobre a Teor ia da Probabilidade, enquanto estuda e ensina Economia . Sua disser tação é en tão aceita , e assume formal- mente as funções de docente da Universidade. De 1908 a 1915 dedica-se in tensamente ao ensino e se familia r iza com o universo do saber eco- nômico da or todoxia , como represen tada por P igou , Marsha ll, Stuar t Mill, Ricardo e Smith . Desde en tão concebe a Economia como uma “ciência mora l”, va lor izando a in tu ição em cont raste à r azão na escolha dos modelos relevantes e cu lt ivando o espír ito de cont rovér sia , umbi- lica lmente associado à polít ica econômica .9 Seus escr itos, nesse per íodo, são esparsos e de pouca sign ificação profissiona l. É dessa fase seu livro Ind ian Currency and Finance (1913). KEYNES 7 8 Algumas ilust rações deste compor tamento: duran te a pr imeira guer ra Keynes t raba lhava no Tesouro. De out ro lado, seus amigos St rachey, Duncan Grant , Russell e ou t ros eram pacifistas, recusando-se a a tender o comando de a listamento milit a r compulsór io exigido a par t ir de 1916, e cr it icavam Keynes por servir ao Governo duran te a Guer ra . Keynes en tão decide apresen ta r suas “objeções de consciência” ao a listamento jun to a um Tr ibuna l, em solidar iedade e para a testa r a legit imidade da demanda de seus amigos. F ina lmente se coloca cont ra a polít ica oficia l. Em 1919 sa i do Tesouro e publica uma devastadora cr ít ica ao Tra tado de Paz: Econom ic Consequences of the Peace. Da mesma forma Keynes evidencia , em sua obra escr ita , uma relação de amor e ódio a seus pares de Cambr idge, defensores da or todoxia econômica . Aí a s maiores vít imas são Pigou e Rober t son . 9 Em 1934 Keynes escreve: “Em Economia não se pode condenar o oponente pelo er ro; só se pode convencê-lo a aceita r o mesmo. E mesmo que se tenha razão, não é possível persuadi-lo quando existe fa lha na sua própr ia capacidade de persuasão ou de exposição, ou se a cabeça dele est iver já tão repleta de noções cont rá r ias que isso não lhe permita mais capta r a chave do raciocínio que se lhe ten ta fornecer”. Cit . em Moggr idge (1976), p. 29. Esta posição cont rasta for temente com a posição de Robbins, au tor do en tão influente texto T he N ature and S ignificance of Econom ic S cience. Ao cont rá r io de Robbins, para Keynes Economia é uma “ciência mora l” e não se confunde com “natural science. Isso porque ela t ra ta de mot ivos, expecta t ivas, dúvidas psicológicas”. Em 1915 volta ao Tesouro e a í permanece a té 1919. Na qua lidade de represen tan te do Tesouro jun to à Conferência de Paz, em Par is, cr it ica a posição dos a liados, deixa o posto e volta à Universidade. Publica en tão T he Econom ic Consequences of the Peace em dezembro de 1919. É a súbita notor iedade, den t ro e fora da Ingla ter ra . A con- t rovér sia que desencadeia diz mais respeito às cr ít icas às persona li- dades de Clemenceau , Wilson e Lloyd George do que às cr ít icas eco- nômicas ao Tra tado. J á uma persona lidade, Keynes dedica-se in tensi- vamente ao deba te sobre a polít ica econômica vigente e reduz sua par t icipação na Universidade a a lgumas conferências anua is e à or ien- tação acadêmica de um grupo de jovens economistas, que se agregaram no “Clube de Economia Polít ica” fundado por Keynes.10 Tem a í in ício uma nova fase na vida de Keynes. É o grande momento do “Keynes homem de negócios, jorna lista e au tor de sucesso público”. Uma boa amost ra de seus t raba lhos de en tão está r eunida em Essays in Persuasion , publicado em 1931.11 Seu mais impor tan te t raba lho acadêmico desse per íodo, T ract on Monetary R eform (1923), em nada an tecipa o Keynes da T eoria Geral. Sua preocupação se con- cent ra em temas da economia or todoxa : estabilidade de preços, polít ica cambia l e moeda . A questão do desemprego é t ra tada em seus escr itos de divulgação, mas não é elaborada como uma questão ana lít ica e da teor ia econômica . Era , em suma, um bom discípulo de Marsha ll: aplica a teor ia econômica or todoxa aos problemas da época com competência , mas, em n ível t eór ico, não va i a lém do mest re. O combate ao desemprego median te a ampliação de obras públicas só aparece de forma sistemá t ica a par t ir de 1929 no panfleto “Can Lloyd George do it?”, escr ito com Huber t Honderson . E isso em nada o diferencia de P igou ou Viner e muitos ou t ros economistas or todoxos, que também advogaram progra- mas de obras públicas como forma de enfren ta r o desemprego. Segundo seus mais au tor izados biógrafos — E . A. G. Robinson , R. Harrod e D. Moggr idge —, a par t ir de 1925 tem in ício o per íodo de t ransição que cu lminará com a T eoria Geral. O in ício dessa fase coincide com dois eventos impor tan tes na vida de Keynes. O pr imeiro, em n ível pessoa l: depois de a lguns anos de relação ínt ima, casa-se com Lydia e começa a se distancia r um pouco do “Bloomsbury Group”. Passa a ter uma vida pessoa l mais organizada . O segundo, em n ível acadêmico, OS ECONOMISTAS 8 10 A par t ir de en tão, nos in forma E. A. G. Robinson , Keynes passa os sábados, domingos e segundas-feiras em Cambr idge, quando cu ida de a fazeres administ ra t ivos na Universidade e in terage com seus discípulos. Dá poucas lectures e se dedica , a par t ir de Londres, ao deba te sobre polít ica econômica da época e a seus mú lt iplos negócios. 11 Ent re ou t ras coisas estão a í r eunidos os seguin tes a r t igos: “Economic Consequences of Mr . Churchill” (1925), uma cr ít ica à polít ica cambia l de volta ao padrão ouro; “The End of Laissez-Fa ire” (1925), uma nota sobre os fundamentos do libera lismo e cr ít ica ao “libera lismo pr imit ivo” da mão-invisível; “Can Lloyd George do it?”. é a in teração in tensa com Denis Rober t son enquanto este preparava para publicação o seu Banking Policy and the Price Level (1926), que contém o germe ana lít ico que conduzirá Keynes ao T reatise on Money e depois à T eoria Geral: a separação dos a tos de poupar e invest ir e sua in ter -relação com a teor ia monetá r ia na explicação das flu tuações econômicas.12 Nesse mesmo ano dá in ício ao t raba lho que terminar ia na publicação de A T reatise on Money em 1930. Por cer to, como um homem prá t ico e in tu it ivo, Keynes também tem sua cur iosidade in telectua l aguçada pelos eventos econômicos da época . Na década de 20, a economia inglesa a t ravessa sucessivas cr ises que cu lminam na grande Depressão dos anos 30. Em 1932, por exemplo, se observa desemprego em massa nas pr incipa is economias capita listas. Nessa mesma da ta , a produção indust r ia l amer icana cor respondia a 58%, a a lemã a 65% e a inglesa a 90% da ver ificada em 1913. Diante dessa rea lidade, Keynes in tu it ivamente começaa se a fas- ta r da or todoxia como represen tada pela “Lei de Say”. De acordo com essa “Lei”, não poder ia ocor rer “escassez de poder de compra” no sistema econômico, pr imeiramente porque o processo de produção capita lista é t ambém o de geração de renda (sa lá r io, lucros, a luguéis etc.) e, por - tan to, de cr iação da fon te de financiamento da demanda; e, segundo, porque dada a existência dos mecanismos au tomá t icos dos mercados livres, os movimentos cor ret ivos e espontâneos de sa lá r ios, preços e juros garan t ir iam que os n íveis de demanda não ficassem permanen- temente aquém dos n íveis de produção de pleno emprego. Da cr ít ica à “Lei de Say” Keynes caminha em busca de uma explicação ana lít ica para o desemprego e ten ta dar fundamento teór ico às sugestões de in tervenção esta ta l como geradora de demanda para garan t ir n íveis elevados do emprego. É impor tan te nota r que inúmeros economistas de or ien tação or todoxa também advogaram gastos públicos para combater o desemprego, a exemplo de P igou e Rober t son . A cr ít ica de Keynes se concent ra na inconsistência en t re os fundamentos teór icos desses au tores, de um lado, e suas recomendações prá t icas, de ou t ro.13 A sua pr imeira ten ta t iva de superar a teor ia clássica resu lta na publicação de A T reatise on Money em 1930. Infelizmente foi uma ten ta t iva frust rada . Ainda que não tenha encont rado uma explicação ana lít ica para o problema do desemprego, nesse livro Keynes reafirma KEYNES 9 12 Harrod escreve que os amigos de Bloomsbury, depois do casamento de Keynes, “...haviam se tornado um magn ífico passa tempo ao invés de const itu írem a razão pr incipa l de sua vida”. Tanto Harrod como Aust in Robinson vêem em seu casamento com Lydia um impor- tan te marco na vida de Keynes no que respeita à r eorganização de sua vida pessoa l e profissiona l. 13 Uma ilustração deste ponto nos é oferecida num comentá rio de Keynes quanto ao livro de Pigou: “Como no caso de Dennis, (Rober tson)... Por que insistem em manter teorias que não servem de base para suas próprias conclusões prát icas?” Citado em Moggridge (1976), p. 25. seu prest ígio profissiona l como conhecedor dos in t r incados problemas monetá r ios da economia capita lista . Não fa lta ram cr ít icas, t ambém. Hayek e Rober t son , em par t icu la r , aponta ram um grave equ ívoco no que Keynes pretendia ser a base do livro. Este, seguindo as idéias de Rober t son , pretendia explicar as flu tuações de preço e produção a par t ir dos desequilíbr ios en t re invest imento e poupança . Tanto Hayek quanto Rober t son detecta ram uma inconsistência en t re a explicação dessa re- lação e a equação escr ita por Keynes no corpo do livro. Também os discípulos de Keynes em Cambr idge (J oan e Aust in Robinson , Richard Kahn, J ames Mead, P iero Sraffa e ou t ros) anota ram vá r ias cr ít icas ao seu t raba lho. A mais severa dizia respeito ao fa to de que Keynes havia desenvolvido uma teor ia de flu tuações de n ível gera l de preços que pressupunha , a exemplo dos clássicos, a h ipót ese de produto constan te em n ível de pleno emprego. Ou seja , não explicava o que se propunha explicar : as flu tuações de emprego e produção. Essas ava liações cr ít icas imedia tamente induzem Keynes a ten ta r uma nova explicação. Do t raba lho que se segue en t re 1930 e 1935, resu lta a publicação da T eoria Geral em 1936. De imedia to se estabe- leceu uma ampla cont rovér sia en t re Keynes e seus discípulos, de um lado, e P igou , Hayek, Rober t son , Hawtrey e ou t ros, de ou t ro. O deba te ent re conver t idos e não-conver t idos também empolga imedia tamente os economistas do out ro lado do At lânt ico.14 Samuelson expressa com elegância o sign ificado da obra , naqueles negros dias de recessão: “Para o estudante moderno é tota lmente impossível en tender o pleno efeito do que foi convenien temente denominado ‘A Revolução keynesiana ’, sobre aqueles que, como nós, foram educados dent ro da t radição or to- doxa . O que para os nova tos de hoje é visto com freqüência como t r ivia l é óbvio, era para nós en tão en igmá t ico, novo e herét ico... T he General T heory a t ingiu a maior ia dos economistas em idade aba ixo dos t r in ta e cinco anos e fê-lo com a inesperada viru lência de uma doença que pela pr imeira vez a taca e dizima uma t r ibo isolada dos mares do su l.15 OS ECONOMISTAS 10 14 O livro de imedia to recebeu inúmeras cr ít icas e elogios dos melhores economistas da época . Dent re as cr ít icas merecem destaque os comentá r ios de P igou , Viner , Rober t son , Hayek e Hawtrey. De cer ta forma Keynes recebeu com a lt ivez essa ava lanche cr ít ica . A exceção ocorre no caso de Rober t son . Seu ex-a luno e amigo, Keynes nu t r ia profundo respeito pelo t raba lho de Rober t son e nele reconhecia o germe de sua própr ia teor ia . F icou profundamente decepcionado com as cr ít icas de Rober t son , t en tou convencê-lo in fru t iferamente e por fim rompeu rudemente sua relação com ele. Voltam a t raba lhar jun tos no Tesouro Br itânico durante a Guer ra , mas mesmo a í mantêm relações fr ias. Dent re os conver t idos estão Harrod, Hicks, Meade, Abba Lerner , Hansen e ou t ros. 15 As duas citações de Samuelson são ext ra ídas do a r t igo ”The Genera l Theory", publicado em LEKACHMAN, R. (editor ), Keynes’ General T heory. A esse respeito é convenien te ex- pressar a opin ião de um dos mais a rdentes adeptos de Keynes sobre a T eoria Geral : “...a ssim como a B íblia e Das Kapital, ela é profundamente ambígua e, como no caso da B íblia e de Marx, essa ambigü idade a judou muito a conquista r adeptos... se houver um bom número de cont radições e ambigü idades, como também existem na B íblia e em Marx, o leitor sempre pode encont ra r a lgo em que queira acredita r . Isso também serve para conquista r discípulos”. Ext ra ído de Galbra ith , J . K. (1980), p. 214. No entan to, o leitor deve ler a ten tamente o conselho de Samuelson sobre a T eoria Geral: “É um livro mal escr ito e mal organizado... Não serve para uso em classe. É a r rogante, mal-educado, polêmico e não muito generoso nos agradecimentos. É cheio de fa lácias e confusões: desemprego involuntá r io, un idades de sa lá r io, equiva lência da poupan- ça e do invest imento, ca rá t er in ter tempora l do mult iplicador , in terações da eficiência margina l sobre a taxa de ju ros, poupança forçada , t axas de juros específicas, e muitos ou t ros... depois de en tendida a sua aná lise, se most ra óbvia e ao mesmo tempo nova . Em resumo, é um t raba lho de gênio”. II Discut ir as cont r ibu ições de um livro tão polêmico quanto a T eoria Geral t a lvez seja imprudência . Centenas de au tores cont inuam a re- descobr ir uma “nova” e verdadeira teor ia keynesiana a cada ano. O cará t er polêmico do livro a inda hoje nu t re inúmeras cont rovér sias. Creio, no en tan to, que se possa explicita r de forma simples o conteúdo da mensagem de Keynes. Sa iba o leitor , en t retan to, que isso poderá desper ta r iras e amores nos mais insuspeitos escaninhos da profissão. Muitos se ju lgam isoladamente os verdadeiros cu ltores do Keynes da T eoria Geral. Afina l, qua l en tão a novidade? A mensagem básica do livro está con t ida nas muitas vezes re- pet ida proposição de que o sistema capita lista tem um cará t er in t r in - secamente instável. Ou seja , a operação da “mão invisível”, ao cont rá r io do que a inda é susten tado por economistas de inclinação mais or todoxa , não produz a harmonia apregoada en t re o in teresse egoíst ico dos agen- tes econômicos e o bem-esta r globa l. Em busca de seu ganho máximo, o compor tamento individua l e raciona l dos agentes econômicos — pro- dutores, consumidores e assa la r iados — pode gerar cr ises a despeito do bom funcionamentodas poderosas forças au tomá t icas dos mercados livres. E essas cr ises advêm de insuficiências de demanda efet iva . Nisso se aproxima, dent re ou t ros, de Marx; deste, no en tan to, se a fasta ra - dica lmente quanto ao método de aná lise e quanto ao fu turo do sistema capita lista .16 Vejamos o que isto sign ifica . para estudar flu tuações nos n íveis de produto e emprego, Keynes começa por explicita r as pr incipa is de- terminantes da Demanda e da Ofer ta Agregadas. Isso posto, a firma KEYNES 11 16 Em verdade Keynes nu t r ia profunda an t ipa t ia pelos ana listas marxistas. Depois de uma breve viagem à Rússia em 1925 Keynes escreve: “Como posso aceita r uma dout r ina que estabelece como sua Bíblia , acima e a lém da cr ít ica , um livro-texto obsoleto de Economia que, pelo que sei, não é apenas cien t ificamente er rôneo, mas igua lmente sem in teresse e aplicação no mundo moderno?” A referência é ao Capital de Kar l Marx. Reproduzido de Essays in Persuasion (1931). Em out ra instância se refere cr it icamente a um pequeno livro de Trotski. Veja Essays in Biography (1933). que os n íveis de produção e emprego são determinados pela igua ldade ent re ofer ta e demanda agregadas, sem a garan t ia de que todos aqueles que queiram t raba lhar possam efet ivamente encont ra r emprego. Onde reside o problema? Keynes cen t ra sua discussão pr imor- dia lmente nos determinantes da demanda agregada . A demanda agre- gada é en tão decomposta por bens de consumo e demanda por bens de invest imento. A demanda por bens de consumo depende pr imordia lmente da renda cor ren te dos agentes econômicos e, secundar iamente, da taxa de juros. Aqui sua inovação reside na h ipót ese de que o n ível de consumo cresça menos que proporciona lmente com relação à r enda cor ren te. Diz mais, que essa é uma relação estável. A demanda por bens de invest imento, de ou t ra par te, depende da expecta t iva de lucro fu turo dos empresá r ios, por ele cr ista lizada no conceito de eficiência margina l do capita l, e da taxa de ju ros. Ora , como a demanda por bens de consumo guarda uma relação estável com a renda , segue-se que as flu tuações da demanda agregada estão associadas aos movimentos do n ível de invest imento. Em crescimento, com expecta t ivas ot imistas de lucro fu turo, os invest imentos geram mais emprego, maior n ível de produto e de renda e, por tan to, maior n ível de consumo e poupança . Em depressão, perspect ivas pessimistas de lucro geram frust ração de lucro da indúst r ia de bens de capita l, queda de emprego e de renda e, por tan to, queda nos n íveis de consumo e poupança . Nas flu tuações do n ível de invest imento reside, por tan to, a chave da compreensão dos movimentos cíclicos do capita lismo. É impor tan te compreender que em Keynes invest imento sign ifica aquisição de equi- pamentos do setor produtor de bens de capita l, ampliação da capacidade produt iva e, fina lmente, expansão da produção cor ren te de bens de capita l. Não sign ifica aquisição de bens físicos ou financeiros pré-exis- ten tes e não-reproduzíveis pelo sistema econômico, a exemplo de ter ra . Então por que as decisões de invest imento têm cará ter instável? Nesta resposta reside a grande contribuição de Keynes à teoria econômica. Para Keynes, em qua lquer decisão de invest imento, o capita lista se vê obr igado a an tever a evolução fu tura e, por tan to, incer ta do mercado para o produto específico a ser gerado pela nova insta lação indust r ia l; da mesma forma, a taxa de sa lá r io que ele espera pagar para o t raba lhador que irá operar as novas insta lações e, fina lmente, o preço e a disponibilidade da matér ia -pr ima a ser t ransformada com o auxílio do novo equipamento. Inquietações sobre o compor tamento fu turo de uma ou do conjunto destas var iáveis terminam por se cons- t itu ir na fon te pr imá r ia da instabilidade dos invest imentos e, por tan to, do n ível de emprego. Em condições normais, o empresá r io est ima a taxa de retorno de seu invest imento (a eficiência margina l do capita l) cotejando o lucro esperado, ca lcu lado a par t ir de sua visão sobre o compor tamento das var iáveis acima a linhadas, com o custo de aquisição OS ECONOMISTAS 12 dos equipamentos necessá r ios à implan tação de suas decisões de in - vest imento. Se essa taxa de retorno é maior que a taxa para a obtenção de fundos ou de aplicação de recursos no mercado financeiro — ou seja , a t axa de ju ros — en tão ele se sen te mot ivado à r ea lização desse invest imento. Dessa forma, a instabilidade do sistema capita lista tan to pode advir de flu tuações nas expecta t ivas empresar ia is quanto ao lucro fu- turo como do compor tamento da taxa de ju ros. É evidente que estas var iáveis — a s expecta t ivas sobre lucro fu turo e a taxa de ju ros — não são determinadas a rbit ra r iamente. No lado das expecta t ivas tem-se o que Keynes chama de anim al spirits dos empresá r ios, fundado na mot ivação básica do capita lismo: acumu- la r , acumular e acumular . No en tan to, aqui en t ram dois elementos fundamenta is da teor ia de Keynes para explicar como e por que a decisão de acumular pode ser postergada e assim engendrar cr ises. Pr imeiro, o fa to elementar de que cada capita lista individua lmente é pr isioneiro de sua própr ia h istór ia . Ou seja , a decisão de expandir ou cr ia r uma nova fábr ica é t ambém uma decisão de “sa ir” de um a t ivo de liqu idez un iversa l — a moeda ou o capita l financeiro de mercado amplo — pa ra “ent ra r” num a t ivo específico — a exemplo de uma fábr ica de au tomóveis — cu ja liqu idez (venda do au tomóvel) depende de condições específicas do mercado de au tomóveis. Ora , como as má - qu inas de produzir au tomóveis só podem produzir isso (e não podem ser t ransformadas a custo zero em máquinas de produzir leite em pó), segue-se que a decisão de invest ir é t ambém uma decisão de assumir o r isco de “iliqu idez” de um mercado específico. Embora a sociedade seja inexoravelmente vít ima de a lgum invest imento sem sucesso, o capita lista individua l poder ia escapar da iliqu idez a um custo finan- ceiro, se houvesse mercado organizado para fábr icas ou se o mercado de ações fosse um barômetro seguro sobre a va lor ização dos equipa- mentos existen tes e fosse amplo o suficien te para absorver a venda das ações do empreendimento. Keynes é enfá t ico, no en tan to, ao a firmar que mercados fu turos ou de ações não são mais eficien tes do que o capita lista individua l quanto a prever ocor rências fu turas. Em casos de cer tos t ipos de em- preendimentos (invest imentos de grande in tensidade de capita l e longa maturação ou de produtos novos) o t ipo de r isco envolvido não é sus- cet ível de medidas e, por tan to, não dá azo à formação de mercados fu turos... É onde en t ra o anim al spirits do empresá r io e a fon te eventua l de instabilidade do capita lismo. Segundo, Keynes elabora sobre o r isco da iliqu idez a par t ir da demanda de dinheiro. Este comanda um “prêmio” de liqu idez sobre todas as demais mercador ias. Este prêmio de liqu idez determina , por seu turno, a t axa de ju ros. Keynes, obviamente, pensa num sistema monetá r io estável e não su jeito a processos in flacioná r ios crônicos. KEYNES 13 Agora temos as duas peças básicas para melhor en tender as flu - tuações do invest imento e, por tan to, da demanda agregada : a escolha in tempora l en t re reter a t ivos de liqu idez un iversa l (moeda), de um lado, e empreender a cr iação de a t ivos de liqu idez específica (fábr ica de au tomóveis), de ou t ro. A segunda lâmina da tesoura é a ofer ta agregada , ou as mot i- vações empresar ia is para amplia r ou cont ra ir a produção e o emprego corren tes. O ponto de par t ida é a t eor ia de formaçãodos preços. Da expecta t iva de quanto será absorvido pelo mercado e dado o processo de barganha de fixação da taxa de sa lá r io nomina l, assim como o es- toque de capita l e a t ecnologia — por tan to, a relação inversa en t re n ível de emprego e a produt ividade do t raba lho —, o empresá r io fixa ten ta t ivamente o preço com o qua l espera vender o volume planejado de produto. Por resíduo, se rea lizada a venda esperada , ocor re o lucro. Isso define o volume planejado de vendas e, por tan to, a Ofer ta Agre- gada . Aqui os elementos cr ít icos são: o processo de barganha en t re capita listas e assa la r iados, o qua l fixa a taxa de sa lá r io nomina l, onde Keynes se distancia da or ien tação or todoxa que vê esta taxa como resu ltado das forças au tomá t icas dos mercados livres; e a produt ividade do t raba lho, no que Keynes segue a or todoxia . Isso posto, pode-se pergunta r agora como esse sistema reage a um desequilíbr io qua lquer . Em Keynes esses desequilíbr ios quase sem- pre ocor rem a t ravés da eficiência margina l do capita l. Suponha-se que ocor ra uma queda na eficiência margina l do capita l, por conta da an- tecipação firme de escassez aguda de uma matér ia -pr ima básica , a exemplo do pet róleo.17 Ora , como num dado momento a est ru tura de produção é um dado da h istór ia e é específica (fábr icas para produzir au tomóveis, fábr icas para produzir máquinas de produzir au tomóveis etc.), segue-se que a an tevisão da escassez de pet róleo represen ta um cor te na demanda de máquinas para produzir au tomóveis. Este cor te, por sua vez, provoca queda de emprego e, por tan to, de renda (sa lá r ios não mais pagos nesta indúst r ia ), a qua l, por seu tu rno, provoca nova queda de demanda , desta vez no setor de bens de consumo. Note-se que a queda in icia l da demanda é ocasionada não por queda de renda cor ren te, mas sim por an tecipação de um evento fu turo. Então, o que fazer hoje com a renda , o lucro, e, por tan to, com a poupança gerada no momento imedia tamente an ter ior à queda do invest imento? Não ser ia inevitável que essa renda se t ransformasse em demanda de out ros bens, de consumo ou de invest imento? OS ECONOMISTAS 14 17 Keynes elabora sua teor ia na h ipót ese simplificadora de que o processo de produção requer somente t raba lho e equipamentos. Contudo, na ilust ração do texto defin imos a queda na eficiência margina l do capita l a par t ir de uma matér ia básica . A reconciliação disto, no entan to, é imedia ta . Basta se admit ir uma relação de proporciona lidade en t re matér ia -pr ima e insumos de t raba lho. Na resposta a essas questões ocor re o rompimento de Keynes com os ensinamentos da Lei de Say. Para Keynes, a preferência pela liqu idez ou pela manutenção de “a t ivos líquidos” (moeda em circuns- tâncias de queda de preços, como ocor reu na década dos 30, ou out ros a t ivos com expecta t iva de ren tabilidade rea l posit iva em situações in - flacioná r ias) pode, em circunstâncias como a anunciada , const itu ir -se numa a lterna t iva vanta josa à demanda de novos equipamentos ou de bens de consumo. Segundo a Lei de Say, essa situação — com mercados livres — ser ia rever t ida pela queda da taxa de ju ros, de sa lá r ios e de preços. Keynes en tão nos lembra que a queda da taxa de ju ros, a inda que impor tan te para eventua lmente recuperar o n ível de invest imentos, poder ia não funcionar se a eficiência margina l do invest imento ca ísse mais rapidamente que a taxa de ju ros. E essa queda poder ia ser en- gendrada pela própr ia queda de sa lá r ios e preços, a qua l depr imir ia mais a inda a eficiência margina l do capita l. E este processo terminar ia também por se const itu ir num desast re socia l, por promover ociosidade do equipamento insta lado e desemprego. Isso represen ta uma severa cr ít ica a um dos mitos sagrados da mora l burguesa : não funciona , por tan to, a convergência en t re o in teresse individua l (no caso a pre- ferência pela liqu idez) e o colet ivo (o máximo emprego possível da força de t raba lho). E este conflito de in teresses é produto do funcionamento dos mecanismos au tomá t icos dos mercados livres. Como escapar dessa a rmadilha recessiva? Como então evita r a “acumulação improdut iva” e gera r demanda efet iva? Estava assim legit imada a ação do Estado como elemento in te- gran te e indispensável ao bom funcionamento do sistema econômico capita lista . Ao Estado caber ia , por tan to, eliminar a ca rência de de- manda efet iva em momentos de recessão e desemprego. Como? Fazendo déficit orçamentá r io e emit indo t ítu los para ext ra ir a “renda não gasta” do setor pr ivado e com ela garan t ir que as máquinas ociosas voltem a operar . E aqui mais dois mitos caem. Até en tão a poupança era encarada como um dos pila res da mora l burguesa . Keynes vem e diz: a causa da depressão é a “poupança excessiva” em face da expecta t iva de lucro fu turo num momento de elevada preferência pela liqu idez. Cr ise, por tan to, represen ta carência de invest imento e ociosidade de máquinas e homens, e não, como apregoado, ca rência de poupança . Dest rói t ambém o mito de que a operação do Estado se deve pauta r por grande auster idade financeira , não se gastando mais do que coleta em t r ibu tos. Most ra , assim, que em circunstâncias de desemprego o déficit fisca l é uma peça impor tan te para o bom funcionamento do sistema econômico. A respeito do déficit , é necessá r io fixar um ponto impor tan te. Um déficit pode ocor rer t an to por aumento de despesas quanto por queda de t r ibu tos. Numa situação de depressão, no en tan to, só o au- KEYNES 15 mento de despesas garan te o aumento da demanda efet iva ; queda na t r ibu tação pode gerar , simplesmente, maior demanda de a t ivos líquidos. Eis, por tan to, os pila res teór icos que informaram a polít ica eco- nômica a par t ir de fins da década dos 30, a qua l foi decisiva para a sa ída da Depressão e muito a judou o crescimento sem precedentes do capita lismo indust r ia l do pós-guer ra .18 A a t ividade econômica do Estado na geração de demanda efet iva é defin it ivamente incorporada à prá t ica econômica do sistema capita lista para revigorá -lo. Na maior nação ca- pita lista do mundo, os Estados Unidos da Amér ica do Nor te, as compras de bens e serviços do Governo Federal passam de 2,5%, em 1929, para 10% do Produto Naciona l Bru to em 1939.19 Antes de encer ra r esta seção convém comentar dois aspectos con- t roversos da teor ia keynesiana : o funcionamento do mercado de t raba lho e a in teração do binômio poupança-invest imento. Do ponto de vista da polít ica econômica , a t eor ia keynesiana pr i- vilegia as flu tuações do n ível de emprego e o cont role da demanda efet iva . A teor ia clássica pr ivilegia a estabilidade de preços e o cont role monetá r io. Vejamos este deba te na perspect iva do mercado de t raba lho. Em Keynes, a ampliação da demanda efet iva objet iva amplia r o n ível de emprego da força de t raba lho a té o ponto de pleno emprego. Para a or todoxia , esta questão é ir relevante. Na medida em que, a r - gumentam, o emprego globa l é o resu ltado espontâneo dos in teresses dos agentes econômicos individua is operando em mercados livres, qua l- quer n ível de desemprego duradouro só poderá ser voluntá r io. Se in - voluntá r io, só poderá ser t emporá r io — produto de mudanças tecno- lógicas ou causadas pela imper t inência dos sindica tos ou governos que impõem sa lá r ios “ir rea listas”, em desrespeito às forças au tomá t icas e não discr icioná r ias dos mercados livres. Neste caso, qua lquer ação do Estado só promoverá a ampliação do papel do Estado em det r imento do setor pr ivado, sem amplia r o nível de emprego. Keynes muda dra - mat icamente a questão. Pr imeiro, porque o processo de fixação do sa - lá r io nomina l t ermina por cr ista liza r em cont ra tos cr itér ios de eqü idade dist r ibu t iva e eficiência econômica e, por tan to, não se pauta tão-som ente por eventua is excessos de demanda e/ou de ofer ta de mercado de t ra - ba lho; segundo, porque a lém do n ível de sa lá r io rea l, o n ível de emprego globa l é t ambém determinado pelo n ível de demanda efet iva . E mais, a defin ição da demanda agregada não é independente dos movimentos de sa lá r ios e preços, e assim os movimentos de sa lá r io rea l e seus conseqüentes efeitos sobre a demanda agregada determinam conjun- tam ente o n ível de emprego. Ou seja , é um equ ívoco se admit ir que em Keynes um aumento de sa lá r io rea l via aumento de sa lá r io nomina l OS ECONOMISTAS 16 18 Natura lmente isso não deve min imizar os est ímulos econômicos que vêm com a II Grande Guerra para a expansão da indust r ia lização. 19 Os gastos do governo, em todos os n íveis, passam de 10% em 1924 para 20% do PIB em 1939. não cause desemprego. Para Keynes este aumento também causa um cor te na demanda efet iva , ocasionada pela queda da liqu idez rea l do sistema econômico, a qua l é engendrada pela elevação do sa lá r io no- mina l. A posição de Keynes neste ponto é cla ra : se o sa lá r io nomina l for excessivamente elevado, a estabilidade do sistema econômico será melhor preservada se o cor te do sa lá r io rea l requer ido para expandir o emprego for obt ido pelo aumento de moeda e preços do que pela queda de sa lá r io nomina l. Se ta l objet ivo for perseguido a t ravés da queda do sa lá r io nomina l, o resu ltado fina l poderá ser m enos e não mais emprego, porque o movimento ba ixista de sa lá r ios pode engendrar expecta t ivas depressivas na eficiência margina l do capita l. O binômio poupança-invest imento tem sido objeto de inúmeras cont rovér sias. Para os clássicos, poupança e invest imento se confundem não porque tenham ident idade própr ia , mas sim porque a operação de taxa de ju ros é de ta l ordem poderosa que a dist inção perde razão de ser . Em Keynes, ao cont rá r io, a dist inção é magnificada exa tamente porque a operação dos mecanismos de mercado via taxa de ju ros não tem essa força . Além de juros, a expecta t iva de lucro fu turo gera in - vest imento, e a renda cor ren te gera poupança . Por tan to, a despeito da força equilibran te dos ju ros (sobre poupança e invest imento) e de renda (sobre poupança) pode ocor rer uma inconsistência básica en t re a efi- ciência margina l do capita l e a t axa de ju ros, de forma a gera r queda de produto. E mais, em condições normais um aumento de invest imento pode gerar poupança e maior n ível de renda , enquanto um aumento de poupança em relação à r enda cor ren te não gera necessariam ente nem mais invest imento nem aumento, mas sim queda do produto. Ou seja , poupança não gera invest imento, mas invest imento gera poupan- ça . Melhor a inda , mais poupança só não gera recessão se, e somente se, o mecanismo da taxa de ju ros, complementado por ou t ros meca- n ismos, t ambém gerar igua l aumento de invest imento ou igua l aumento de superávit comercia l com o resto do mundo, ou igua l ampliação do déficit do setor público, ou uma combinação destes t rês ú lt imos ele- mentos.20 Por tan to, numa situação de insolvência externa com déficit KEYNES 17 20 Ao cont rá r io do que muitos pensam, amplia r os n íveis de poupança não aparece como uma proposta tola em Keynes. Dian te de uma rest r ição básica , a exemplo de uma economia de guer ra , o aumento da poupança é uma exigência das necessidades de financiamento da cor r ida bélica . Em 1940 Keynes publica o panfleto “How to pay for the War”, que t ra ta do problema de aumentar a poupança . Na teor ia de Keynes, as inopor tun idades de ampliação da poupança só ocor rem em momentos depressivos. No en tan to, em circunstâncias de es- t rangulamento externo ou de economia de guer ra , a sociedade não tem escolha a não ser aumentar a poupança domést ica . No caso de est rangulamento externo, isso só pode se mater ia liza r a t ravés da diminuição do déficit ou de aumento do sa ldo em contas cor ren tes com o resto do mundo. De qua lquer forma, numa economia monetá r ia , para se chegar à poupança de recursos rea is, o ponto de par t ida é a poupança financeira , a inda que esta não produza necessar iamente aquela . Nesse caso, a frust ração se dar ia pela incapacidade de amplia r as expor tações. Se isto não puder ocor rer , a recessão ser ia inevitável. É este o sign ificado do est rangulamento externo. do setor público e com déficit nas t rocas in ternaciona is, só há uma forma possível de aumentar a poupança in terna : amplia r o superávit nas t rocas in ternaciona is. III É de just iça lembrar que a revolução keynesiana não foi produto tão-somente do t raba lho isolado do br ilhan te e genia l J ohn Maynard Keynes. Em pr imeiro lugar , sua inspiração básica — a do papel de de- manda efet iva no sistema econômico — t em longínquas e sólidas or igens nos t raba lhos de Malthus, Hobson , Marx e ou t ros. Segundo, porque não ser ia exagero a firmar que a T eoria Geral muito reflete as idéias e cr ít icas de um conjunto par t icu la rmente br ilhan te de discípulos de Keynes, a exemplo de Rober t son , J oan Robinson , Aust in Robinson , R. Kahn, J ames Meade e Roy Harrod, e ou t ros. Com este grupo Keynes in teragiu cont ínua e in tensamente enquanto escrevia a T eoria Geral . At ravés de car tas, conversas e seminá r ios, as pr imeiras provas da T eo- ria Geral foram discu t idas, cor r igidas e a té r eescr itas por sugestões deste grupo. Terceiro, porque a lguns pr incípios básicos da T eoria Geral foram também formulados independente e quase simultaneamente por out ros economistas, sem no en tan to obter a notor iedade do en tão já in fluente e br ilhan te economista inglês. Este é o caso de M. Kalecki, na Polônia — que t ra tou independentemente do pr incípio da demanda efet iva de forma muito semelhante a Keynes e Myrda ll, e de ou t ros discípulos de Wicksell na Suécia , que t ra ta ram também independen- temente as questões do equilíbr io monetá r io, à semelhança do que fizera Keynes.21 Quar to, porque o sucesso da obra em muito dependeu das extensões e cont rovér sias que ela permit iu , nas mãos de um br i- lhan te grupo de economistas que, como Keynes, buscavam escapar dos ensinamentos da Lei de Say, tornados obsoletos pela cr ise da década dos 30. Além dos jovens economistas ingleses, a T eoria Geral encont ra en tusiasta acolh ida nos Estados Unidos, nos escr itos da década dos 30, 40 e 50, de Alvin Hansen , Paul Samuelson , J ohn K. Galbra ith , Laurence Klein e muitos ou t ros.22 A T eoria Geral nascia assim com ingredien tes de uma obra clás- sica : seu au tor era uma persona lidade impor tan te, in tu it iva , cont ro- OS ECONOMISTAS 18 21 Aust in Robinson — a luno, amigo, escudeiro e por fim um dos mais au tor izados biógrafos de Keynes — a firma que da lit era tura econômica se pode destacar , a lém de Marsha ll, Rober t son (1926) e Wicksell (1936), t raduzido por sugestão de Keynes, como as fon tes inspiradoras de Keynes para a elaboração da T eoria Geral . 22 Galbra ith assim rela ta seu pr imeiro encont ro com Keynes. Galbra ith en tão era chefe do sistema de cont role de preços: “Cer to dia , ele (Keynes) apareceu , sem se anuncia r na ante-sa la de meu gabinete em Washington , para en t regar um t raba lho... O nome, disse-me ela (a secretá r ia ), era Kines. Eu dei uma olhada nos papéis e a li estava ... J . M. Keynes... Foi como se São Pedro subitamente aparecesse a um pá roco de a ldeia”. GALBRAITH (1980), p. 223. versae in telectua lmente br ilhan te; seu sistema de aná lise cr iava um paradigma consisten te e adequado ao combate a um dos mais angus- t ian tes problemas de en tão: a recessão e o desemprego; seu tom polê- mico e heterodoxo desper tou en tusiasmo num impor tan te grupo de jovens economistas, os qua is ca r regaram sua bandeira (os inst rumentos de aná lise de Keynes), espa lharam a “nova sabedor ia” (a t ravés do en- sino e da aplicação da teor ia de Keynes para melhor compreensão de novos ou velhos problemas) e, a par t ir da T eoria Geral, superaram a aná lise or igina l na á rea de Comércio In ternaciona l (J ames Meade, L. Metzler , J oan Robinson , Samuelson e ou t ros), de Teor ia Monetá r ia (Hicks, Samuelson , Modiglian i, Kahn e ou t ros), de Desenvolvimento Econômico (Harrod, J oan Robinson , Kaldor e ou t ros), de Polít ica Eco- nômica (Meade, Tinbergen , Samuelson e ou t ros), de Contas Naciona is (Stone, Colin Clark e ou t ros), e diferen tes á reas. No en tan to, convém repet ir , a T eoria Geral não é um livro de leitu ra fácil e livre de ambigü idades. A cont rovér sia a inda hoje grassa sobre o sign ificado da inovação cont ida na T eoria Geral. De qua lquer forma, nenhum out ro livro de teor ia econômica escr ito neste século exerceu tão dominante in fluência no ensino e na pesquisa quanto a T eoria Geral. In felizmente, após a sua publicação, Keynes teve pouca opor tu- n idade para escla recer o sign ificado de seu livro e organizar os ele- mentos mais cr ít icos do deba te que sua obra suscitou .23 Em meados de 1937 sofre um severo a taque cardíaco e a par t ir de en tão não mais se dedica à t eor ia econômica . Com o in ício da Guer ra , a inda não to- ta lmente restabelecido, Keynes volta ao Tesouro Br itânico, onde de- sempenha papel cr ít ico, porém burocrá t ico, na organização da est ru tura de financiamento para os gastos bélicos. É deste per íodo o panfleto “How to Pay for the War” (1940), onde as ca tegor ias ana lít icas da T eoria Geral são elaboradas para combater não o desemprego, mas sim a in flação; para est imular não o invest imento, mas sim a poupança ; para amplia r não o gasto do governo, mas sim a t r ibu tação. É a ou t ra face da medalha da T eoria Geral.24 A par t ir de 1943 passa a t raba lhar sobre as questões de finan- ciamento in ternaciona l e os problemas que a í ser iam enfren tados no pós-guer ra . Produz en tão um plano sobre a reorganização do sistema financeiro in ternaciona l. Como represen tan te do Tesouro Br itânico par - t icipa da Conferência de Bret ton Woods em 1944, cu jo propósito era KEYNES 19 23 Poucos são os regist ros publicados de como Keynes reagiu a a lguns comentá r ios sobre o conteúdo ana lít ico da T eoria Geral. Ta lvez a mais impor tan te reação de Keynes aos cr ít icos seja T he General T heory of Em ploym ent, que surge como resposta a Viner , Leont ief, Ro- ber t son e Taussig no QJ E (1937). 24 Após seu a taque cardíaco em 1937, esta ta lvez seja a mais impor tan te e única obra de Keynes que ele elabora sobre problemas de teor ia econômica . Sua preocupação a par t ir de 1939 se volta in teiramente para os problemas prá t icos enfren tados no Tesouro Br itânico. organizar uma agência mult ila tera l e supranaciona l de financiamento. Dois planos estavam em pauta : o inglês, produzido por Keynes; o ame- r icano, concebido por Harry White. Da síntese de ambos emergem os fundamentos que nor tear iam a organização do FMI. No in ício de 1946 a tende à Conferência de Savannah , onde efet ivamente nasceu o Fundo Monetá r io In ternaciona l e o Banco Mundia l. Morre em abr il de 1946. Não deixou filhos; sua herança maior : a T eoria Geral e um sem-número de discípulos que souberam estender e aprofundar seus ensinamentos. Voltemos à T eoria Geral. A obra de Keynes é marcadamente produto de uma época caracter izada por cont ração da produção indus- t r ia l, por desemprego e por deflação de preços. Será en tão sua cont r i- bu ição teór ica , hoje, relevante para a compreensão da a tua l cr ise de desaceleração do crescimento, desemprego e aceleração inflacioná r ia? Ou seja , in flação associada a cr ise de crescimento não tornam obsoletos os ensinamentos de Keynes? Ser ia na tura lmente um equ ívoco desprezar os ensinamentos bá - sicos de sua obra e acredita r que em nada a judem à compreensão do presente. É cer to que Keynes não nos legou uma obra acabada e de- fin it iva ; ensinou-nos, no en tan to, que a operação de uma economia monetá r ia não pode ser compreendida a par t ir de modelos ana lít icos ancorados na Lei de Say. Mais impor tan te a inda , incorporou à Econo- mia a grande descober ta filosófica do século XIX, cr ista lizada na má - xima — “O Homem está só” — ou seja , não podemos conta r com a “mão invisível” pa ra garan t ir o supr imento dos bens e serviços e para gerar todos os empregos requer idos por aqueles que desejam t raba lhar . Keynes nos ensinou que a ação do Estado, a t ravés da polít ica econômica , é um ingredien te básico do bom funcionamento do sistema capita lista . Ou seja , o a t ivismo do Estado é um complemento indispensável ao funcionamento dos mercados para se obter o máximo n ível de emprego possível e, por tan to, maximizar o n ível de bem-esta r da colet ividade. Esta é a mais duradoura cont r ibu ição de Keynes. Ensinou-nos, a inda , o sign ificado específico das cr ises do sistema capita lista . E las espelham, em ú lt ima instância , uma ociosidade de máquinas e homens e não de escassez de poupança . Indo a lém de Keynes, mas a inda ancorados em seu t raba lho, hoje sabemos qua is as implicações das relações cont ra tua is expressas em moeda e da exis- tência de capita l físico específico: a escassez de poupança é produto da inexistência de mercados externos para absorver a produção espe- cífica de nosso parque indust r ia l (au tomóveis, aço, a lum ínio, produto pet roqu ímico, ca fé e ou t ros). O est rangulamento externo é o ret ra to da “iliqu idez” do nosso parque indust r ia l, cu jo funcionamento exige impor tações. A expansão da demanda efet iva em n ível mundia l é con- dição sine qua non para se volta r à ocupação das máquinas hoje ociosas no pa ís e para expandir o emprego in terno. Igua lmente equivocado ser ia advogar , para o momento a tua l, a l- OS ECONOMISTAS 20 gumas medidas da polít ica econômica ext ra ídas de Keynes. Hoje sa - bemos que nem todo déficit do Governo é igua lmente saudável. Dada a especia lidade do nosso parque indust r ia l, sua dimensão e n ível de dependência de impor tações, expandir mais a inda o déficit do Governo para ten ta r expandir o n ível de emprego terá um resu ltado perverso: agudizará mais a inda o est rangulamento externo e não ocor rerá ex- pansão permanente do n ível de emprego. Rea locar sem expandir o dispêndio do setor público é o único caminho possível para se obter uma expansão dos n íveis de emprego. Também sabemos que nem todo investimento é igualmente saudá- vel. Nem o Estado é capaz de administrar e implantar com sucesso in- vestimentos totalmente inviáveis do ponto de vista estritamente econômico e técnico, a exemplo do projeto nuclear brasileiro. Antever a especificidade da demanda no futuro e localizar , por antecipação, os mercados onde esta demanda se materializará (aqui ou lá fora) escapam ao nosso controle. Esta incapacidade de perscrutar o futuro nos recoloca na tradição de Keynes: devido à especificidade das máquinas e à tirania dos contratos (dívida externa), terminamos por nos transformar em prisioneiros do tem- po. Isso significa dizer que a máxima keynesiana de que invest imento cria renda e, portanto, poupança para financiá-lo, tropeça na especificidade do invest imento e na existência ou não de mercados para absorver a produção da í resultante.Este é o “pecado” do “superinvest imento” em equipamentos e plantas industriais para produzir um produto para o qual não haja mercado, nem a preço abaixo dos custos. Tampouco se pode encont ra r na T eoria Geral a solução para a questão inflacioná r ia . Desconhecer seus ensinamentos, no en tan to, pode nos conduzir a desast radas recomendações de polít ica econômica que sub-rept iciamente ten tam revigorar ensinamentos obsoletos desde 1936. Nesta ca tegor ia estão as a legações de que os sindica tos são dis- torções e não, como efet ivamente o são, ca racter íst icas do sistema ca- pita lista ; de que os mercados livres e o livre-comércio en t re as nações produzem a a locação mais eficien te dos recursos, como se as organi- zações ju r ídicas, monetá r ias e a própr ia organização das empresas mo- dernas não t ivessem uma enorme visibilidade na fixação das taxas de juros, das taxas de câmbio, das taxas de sa lá r io e muitos ou t ros preços de produtos básicos. E m sum a , m an ter em m ente os ensina m en tos bá sicos de Key- nes n ão nos dá a ga ra n t ia de que sejam os ca pazes de encon t r a r soluções pa ra a cr ise de nossos dias. Dá -n os, no en tan to, a segu ra nça pa ra r ejeit a r p ropost a s velh as, t r avest ida s de nova rou pa gem , a exem plo dos m odelos m a cr oecon ôm icos cha m ados de “expect a t iva s ra ciona is”, e a con vicção de qu e a pa r t ir de seu s en sin am ent os se pode const r u ir a lgo de novo, com o cu ida do de qu e nem todo déficit do set or público é desejável e nem todo in vest im en to ser á n ecessa - r iam ente viá vel e sau dável. KEYNES 21 Adroaldo Mou ra da S ilva (Amazonas, 1941), bacharel em Eco- nomia pela Faculdade de Economia e Administ ração da Universidade de São Paulo em 1966, obteve os graus de Mest re e Doutor (PhD) em Eco- nomia pela Universidade de Chica- go, EUA, com tese sobre in flação na Amér ica La t ina (1970/72). É au tor de inúmeros a r t igos sobre inflação, in termediação financeira no Brasil e problemas de polít ica eco- nômica . Professor adjunto de Ma- croeconomia do Depar tamento de Economia da Faculdade de Econo- mia e Administ ração da Universida- de de São Paulo desde 1967, e Di- retor de Pesquisa da FIPE (Funda- ção Inst itu to de Pesquisas Econômi- cas). É co-au tor de Alternativas para o Financiam ento do S istem a Previ- denciário (1982), Editora P ioneira ; e au tor de Em prego, Preços e S alários (1980), t exto editado pela FIPE. OS ECONOMISTAS 22 N OTAS BIBLIOGRÁFICAS As in for m ações sobre a vida e a obra de Keyn es fora m ext r a í- da s de: I. HARROD, R. F . T he Life of Maynard Keynes. Nova York, Avon Books, 1961. II. LEKACHMAN, R. T he Age of Keynes. Nova York, McGrow-Hill, 1966. III. MOGGRIDGE, D. E . J ohn Maynard Keynes. Nova York, Penguin , sér ie Modern Masters, 1976. IV. ROBINSON, A. “J ohn Maynard Keynes”. In : Econom ic J ournal. Março, 1947. Os demais t raba lhos citados no texto são: I. EDEL, L. Bloom sbury, A House of L ions. Nova York, Avon Books, 1979. II. GALBRAITH, J . K. A Era da Incerteza. São Paulo, P ioneira , 1980. Capítu lo 7. III. J OHNSON, H. Keynes e a Econom ia Inglesa. In : KEYNES, M. (editor ). Ensaios sobre J ohn Maynard Keynes. Rio de J aneiro, Paz e Ter ra , 1977. IV. SAMUELSON, P . A. T he General T heory. In : LEKACHMAN, R. (editor ). Keynes’ General T heory. Londres, MacMillan , 1964. O ensa io biográ fico de A. Robinson é r eproduzido neste livro. V. ROBERTSON, D. H. Banking Policy and Price Level. Nova York, Kelley, 1949 (1ª edição de 1926). VI. WICKSELL, K. In terest and Prices. (Tradução de Kahn est imulado por Keynes), Londres, MacMillan , 1936. Uma amost ra da var iedade de in terpretações recentes sobre a T eoria Geral: MINSKY, H. J ohn Maynard Keynes. Nova York, Columbia Univ. Press, 1975 (versão heterodoxa). 23 PATINKIN, D. Keynes’ Monetary T hought. Nor th Carolina , Duke Uni- versity Press, Durhom, 1976. LEIJ ONHUFUND, A. On Keynesian Econom ics and the Econom ics of Keynes. Nova York, Oxford Univ. Press, 1968. HAHN, F . H. e ARROW, K. General Com petitive Analysis. San Fran - cisco, Holden-Day, 1971. Capítu lo 14. HICKS, J . T he Crisis in Keynesian Econom ics . Nova York, Basic Books, 1974. FRIEDMAN, M. A T heorical Fram ework for Monetary Analysis. Nova York, Nat iona l Bureau of Economic Research , 1971. Textos de Keynes em Língua Por tuguesa : SZMRECSÁNYI, J . (org) Keynes. São Paulo, Editora Át ica , 1978. SINGER, P . (org) Ensaios Econôm icos . São Paulo, “Os Pensadores”, Abr il Cultura l, 1976, p. 7-54. Textos de Keynes: T he Collected Writings of J ohn Maynard Keynes, 22 volumes, editados por J ohnson , E . e Moggr idge, D. para a Royal Economic Society e publicado pela MacMillan , Londres. OS ECONOMISTAS 24 A TEORIA GERAL DO EMP REGO, DO J URO E DA MOEDA* T radução de Má r io R. da Cruz R evisão técnica de Cláudio Rober to Contador T radução dos Prefácios de Pau lo de Almeida * Traduzido de KEYNES, J ohn Maynard. T he General T heory of Em ploym ent, In terest and Money. Londres, The Macmillan Press, 1973. Reimpressão de 1978. (N. do E .) P REFÁCIO E ste livro é dir igido pr incipa lmente a meus colegas economistas. Espero que ele seja in teligível a ou t ros, t ambém, mas o propósito pr i- mordia l dele é t ra ta r de questões difíceis de teor ia e, só em segundo lugar , das aplicações dessa teor ia à prá t ica . Se a economia or todoxa está em desgraça , o er ro não se encont ra na superest ru tura , que foi elaborada com grande cu idado, levando em conta a consistência lógica , mas na fa lta de cla reza e de genera lidade das premissas. Assim, só posso conseguir meu objet ivo de persuadir os economistas a reexami- narem cr it icamente cer tos de seus postu lados básicos a t ravés de uma argumentação a ltamente abst ra ta e também de muita cont rovér sia . Gosta r ia que t ivesse podido haver menos desta ú lt ima , mas ju lguei-a impor tan te, não apenas para explicar meu própr io ponto de vista como também para demonst ra r em que aspectos ele diverge da teor ia pre- dominante. Suponho que os que estão for temente apegados àquilo que chamarei “a teor ia clássica” flu tuarão en t re a crença de que estou completamente er rado e a crença de que não estou dizendo nada de novo. Cabe a ou t ros determinar se uma dessas duas ou a inda uma terceira a lterna t iva está cor reta . Os t rechos de cont rovér sia objet ivam fornecer a lgum mater ia l para uma resposta , e devo pedir perdão se, na busca de dist inções cla ras, meus a rgumentos são demasiado duros. Eu mesmo defendi com convicção, duran te anos, as teor ias que agora a taco, e não ignoro, acho, seus pontos for tes. Os assuntos em discussão são da máxima impor tância . Porém, se minhas explicações est iverem cer tas, é a meus colegas economistas, e não ao público em gera l, que tenho que convencer em pr imeiro lugar . A esta a ltu ra da disputa , o público em gera l, embora seja bem-vindo ao deba te, apenas observará de fora uma ten ta t iva de um economista no sen t ido de resolver as profundas divergências de opin ião en t re seus colegas economistas que quase chegaram a dest ru ir a in fluência prá t ica da teor ia econômica e que cont inuarão, a té que sejam resolvidas, a t er esse efeito. A relação en t re este livro e meu T ratado S obre a Moeda (J MK, 27 v. V e VI), que publiquei há cinco anos, provavelmente está mais cla ra para mim do que esta rá pa ra os ou t ros, e aquilo que em minha mente const itu i uma evolução na tura l numa linha de pensamento que venho seguindo há vá r ios anos pode às vezes parecer ao leitor uma mudança confusa de ponto de vista . Essa dificu ldade não diminui dian te de cer tas modificações de terminologia que me sen t i obr igado a fazer . Essas mudanças de linguagem são destacadas no decurso das páginasseguin tes, mas a relação gera l en t re os dois livros pode ser expressa sucin tamente como segue. Quando comecei a escrever meu T ratado S obre a Moeda eu a inda estava me movimentando ao longo das linhas t radiciona is, encarando a in fluência da moeda como a lgo, por assim dizer , separado da teor ia gera l da ofer ta e da demanda . Quando ter - minei de escrever o livro, t inha feito a lgum progresso na ten ta t iva de encaminhar a teor ia monetá r ia no sen t ido de se tornar uma teor ia da produção como um todo. Mas minha fa lta de emancipação de idéias preconcebidas apareceu naquilo que agora parece-me ser a fa lha pr in- cipa l das par tes teór icas daquela obra (a saber , os Livros III e IV), isto é, que eu não consegui lidar completamente com os efeitos das variações do n ível de produção. As minhas chamadas “equações fun- damenta is” eram uma fotografia instan tânea t irada supondo um vo- lume de produção dado. E las ten tavam demonst ra r como, supondo-se o volume de produção dado, podiam desenvolver -se forças que geravam um desequilíbr io dos lucros, exigindo assim uma var iação do n ível da produção. Mas o desenvolvimento dinâmico, em cont raste com a foto- grafia instan tânea , ficava incompleto e ext remamente confuso. O pre- sen te livro, por ou t ro lado, evolu iu para aquilo que é precipuamente um estudo das forças que determinam as var iações na esca la da pro- dução e do emprego como um todo, e, embora se descubra que a moeda ent ra no esquema econômico de uma maneira essencia l e peculia r , os deta lhes monetá r ios técnicos vão para segundo plano. Uma economia monetá r ia , iremos ver , é essencia lmente uma economia em que as mu- danças de pontos de vista sobre o fu turo são capazes de in fluencia r o volume de emprego e não meramente a sua direção. Mas nosso método de ana lisa r o compor tamento econômico do presen te sob a in fluência das mudanças de idéias sobre o fu turo é um método que depende da in teração da ofer ta e da demanda , ligando-se dessa forma a nossa teor ia fundamenta l do va lor . Somos levados dessa forma a uma teor ia mais gera l, que inclu i como caso par t icu la r a t eor ia clássica com a qua l estamos familia r izados. O au tor de um livro como este, t r ilhando caminhos desconhecidos, terá que apoia r -se muito na cr ít ica e na t roca de idéias se qu iser evita r uma proporção indevida de er ros. É surpreendente em que coisas tolas pode-se acredita r t emporar iamente se se pensa sozinho por tempo de- masiado, par t icu la rmente na Economia (bem como nas ou t ras ciências mora is), em que muitas vezes é impossível submeter as idéias que se OS ECONOMISTAS 28 t em a um teste conclusivo, quer formal quer exper imenta l. Ao escrever este livro, a inda mais ta lvez do que no caso do meu T ratado S obre a Moeda, apoiei-me constan temente nos conselhos e nas cr ít icas cons- t ru t ivas do Sr . R. F . Kahn. Há muitas coisas neste livro que não ter iam assumido a forma que assumiram se não fosse por suas sugestões. Também recebi muito auxílio da Sra . J oan Robinson , do Sr . R. G. Hawtrey e do Sr . R. F . Har rod, que leram todas as provas. O índice remissivo25 foi compilado pelo Sr . D. M. Bensusan-But t , do King’s Col- lege, Cambr idge. A elaboração deste livro foi para o au tor uma longa lu ta de li- ber tação, e sua leitu ra deve ser o mesmo para a maior ia dos leitores se as invest idas do au tor sobre eles t iverem sucesso — uma lu ta de liber tação das formas habitua is de pensamento e de expressão. As idéias aqui expressas tão labor iosamente são ext remamente simples e dever iam ser óbvias. A dificu ldade não está nas novas idéias, mas em escapar das velhas, que se ramificam, para aqueles que foram cr iados como a maior ia de nós foi, por todos os can tos de nossas mentes. J . M. Keynes 13 de dezembro de 1935 KEYNES 29 25 Não inclu ído na pr imeira edição. (N. do E .) P REFÁCIO À EDIÇÃO ALEMÃ Alfred Marsha ll, cu jos Princípios de Econom ia const ituem a obra fundamenta l na formação de todos os economistas ingleses contempo- râneos, t eve um cuidado especia l em destacar a cont inu idade existen te en t re o pensamento dele e o de Ricardo. Sua obra em grande par te consist iu em enxer ta r o pr incípio margina lista e o pr incípio da subs- t itu ição na t radição r ica rdiana ; e sua teor ia da produção e do consumo como um todo, ao cont rá r io de sua teor ia da produção e da dist r ibu ição de um dado montan te da produção, nunca foi exposta separadamente. Não estou seguro de que ele mesmo sen t isse a necessidade de ta l t eor ia . Mas seus sucessores imedia tos e seguidores cer tamente a colocaram de lado e aparen temente não sen t iram sua fa lta . Foi nessa a tmosfera que me formei. Eu mesmo ensinei essas dout r inas e foi só na ú lt ima década que passei a t er consciência de sua insuficiência . Em meu pró- pr io pensamento e desenvolvimento, por tan to, este livro represen ta uma reação, uma t ransição no sen t ido de me a fasta r da t radição clássica (ou or todoxa) inglesa . A ênfase que dou nas páginas seguin tes a isso e aos pontos em que divir jo da dout r ina t radiciona l t em sido considerada por a lguns, na Ingla ter ra , como indevidamente cont roversa . Como pode, porém, a lguém que foi educado como ca tólico em termos de economia inglesa , um sacerdote mesmo dessa fé, evita r um pouco de ênfase con- t roversa logo quando se torna protestan te? Imagino no en tan to que isso pode ser percebido pelos leitores a lemães de uma forma ligeiramente diferen te. A t radição or todoxa , dominante na Ingla ter ra do século XIX, nunca conseguiu impor-se com firmeza ao pensamento a lemão. Sempre exist iram impor tan tes escolas de pensamento en t re os economistas a lemães que contesta ram for te- mente a adequação da teor ia clássica à aná lise dos acontecimentos contemporâneos. Tanto a escola de Manchester como o marxismo em ú lt ima instância der ivam de Ricardo — conclusão que só surpreende ao n ível super ficia l. Mas na Alemanha sempre tem exist ido um amplo setor da opin ião que não ader iu nem a uma nem ao out ro. Dificilmente se pode a firmar , contudo, que essa escola de pen- 31 sam ent o t en ha elabor ado u m a r cabou ço t eór ico r iva l, ou qu e t en ha sequer t en t ado fa zê-lo. E la t em sido cé t ica e r ea list a , con ten t an do-se com os m é t odos e r esu lt ados h istór icos e em p ír icos, que d ispensa m a an á lise for m al. A a r gu m en ta ção n ão or todoxa m a is im por t a n t e em t erm os de linh a t eór ica foi a de Wicksell. Seus livros podia m ser encon t ra dos em a lem ã o (nã o o podia m , a té h á pou co, em inglês); de fa to, um dos mais im por t a n t es deles foi escr it o em a lemão. Seu s segu idores, porém , era m pr in cipa lm en te suecos e au st r íacos, sendo qu e est es ú lt im os com bin a ra m a s idé ia s dele com t eor ia s especifi- ca m en te a ust r ía cas, de form a a en ca m in há -la s, r ea lmen te, de volt a pa ra a t r ad içã o clá ssica . Assim a Alem a nh a , bem ao con t rá r io de seu s há bitos na m aior pa r t e da s ciência s, con ten tou-se por t odo u m sécu lo em fica r sem um a t eor ia form a l de Econ om ia qu e fosse pre- dom in an te e gera lm en te aceit a . Ta lvez, por t an to, eu possa espera r m en os r esist ên cia por pa r t e dos leit or es a lem ã es do qu e dos ingleses ao oferecer u m a t eor ia do em prego e da produção com o u m todo que diverge em aspect os im - por t a n t es da t r adiçã o or t odoxa . Mas posso espera r ven cer o a gnos- t icism o econ ôm ico da Alem an ha ? P osso con vencer os econom ist a s a lem ã es de que os m é t odos de an á lise form a l têm um a cont r ibu ição im por t an te a da r à in t erpret açã o dos a con tecim en t os con t em porâ- neos e à formu la ção da s polít ica s con tem porân ea s? Afin a l, é a lem ão gost a r de t eor ias. Com o os econom ist a s a lem ã es devem se sen t ir fam in t os e seden tos depois de t er vivido t odos esses an os sem t eor ia ! Cer t am ente va le a pena eu t en t a r . E se eu puder con t r ibu ir com algum a s m iga lha s pa r a a pr epa ra ção, por pa r t e dos econom ist a s a lem ã es, de u m a la u ta r efeiçã o de t eor ia dest ina da a fazer fr en te às condições específica s da Alem a nh a , fica rei sa t isfeit o. Con fesso qu e a m a ior pa r t e do qu e est e livro exem plifica e expõe se r efere às con dições exist en t es n os pa íses a nglo-sa xões. No en tan to a teor ia da produção como um todo, que é o que o livro propõe expor , ser ia muito mais facilmente adaptada às condições de um Estado tota litá r io do que a teor ia da produção e dist r ibu ição de um volume dado em condições de livre-concor rência e uma ampla dose de laissez-faire. A teor ia das leis psicológicas referen tes ao consumo e à poupança , a in fluência das despesas baseadas em emprést imos sobre os preços e os sa lá r ios rea is, o papel desempenhado pela taxa de juros — todos esses elementos permanecem como ingredien tes ne- cessá r ios em nosso esquema de pensamento. Aproveito a opor tun idade para expressar meus agradecimentos pelo excelen te t raba lho de meu t radutor Herr Waeger (espero que o vocabulá r io organizado por ele que aparece no fim do volume26 de- OS ECONOMISTAS 32 26 Não inclu ído na presen te edição. (N. do E .) monst re ser de u t ilidade que t ranscenda seu propósito imedia to) e a meus editores, Srs. Duncker e Humblot , cu ja in icia t iva tem-me per - mit ido manter conta to com os leitores a lemães desde quando, há de- zesseis anos já , publicaram meu livro As Conseqüências Econôm icas da Paz. J . M. Keynes 7 de setembro de 1936 KEYNES 33 P REFÁCIO À EDIÇÃO J AP ONESA Alfred Marsha ll, cu jos Princípios de Econom ia const ituem a obra fundamenta l na formação de todos os economistas ingleses contempo- râneos, t eve um cuidado especia l em destacar a cont inu idade existen te en t re o pensamento dele e o de Ricardo. Sua obra em grande par te consist iu em enxer ta r o pr incípio margina lista e o pr incípio da subs- t itu ição na t radição r ica rdiana ; e sua teor ia da produção e do consumo como um todo, ao cont rá r io de sua teor ia da produção e da dist r ibu ição de um dado montan te da produção, nunca foi exposta separadamente. Não estou seguro de que ele mesmo sen t isse a necessidade de ta l t eor ia . Mas seus sucessores imedia tos e seguidores cer tamente a colocaram de lado e aparen temente não sen t iram sua fa lta . Foi nessa a tmosfera que me formei. Eu mesmo ensinei essas dout r inas e foi só na ú lt ima década que passei a t er consciência de sua insuficiência . Em meu pró- pr io pensamento e desenvolvimento, por tan to, este livro represen ta uma reação, uma t ransição no sen t ido de me a fasta r da t radição clássica (ou or todoxa) inglesa . A ênfase que dou nas páginas seguin tes a isso e aos pontos em que divir jo da dout r ina t radiciona l t em sido considerada por a lguns, na Ingla ter ra , como indevidamente cont roversa . Como pode, porém, a lguém que foi educado na or todoxia econômica inglesa , que de fa to chegou a ser sacerdote dessa fé, evita r um pouco de ênfase cont roversa logo quando se torna protestan te? Talvez os leitores japoneses, contudo, nem exijam minhas inves- t idas cont ra a t radição inglesa e nem resistam a elas. Estamos bem conscien tes da ampla esca la em que as obras econômicas inglesas são lidas no J apão, mas não estamos tão bem informados quanto à opin ião que os japoneses têm delas. O recente e louvável empreendimento do Círcu lo Econômico In ternaciona l de Tóquio de reimpr imir os Princípios de Econom ia Política de Malthus como o pr imeiro volume da Sér ie de Reproduções de Tóquio encora ja -me a pensar que um livro que descende de Malthus mais do que de Ricardo possa ser recebido com simpat ia pelo menos em a lguns setores. 35 De qua lquer forma, agradeço ao Econom ista Orien tal por possi- bilit a r meu conta to com os leitores japoneses sem a desvantagem ext ra de uma língua est rangeira . J . M. Keynes 4 de dezembro de 1936 OS ECONOMISTAS 36 P REFÁCIO À EDIÇÃO FRANCESA P or cem anos ou mais a Economia Polít ica inglesa vem sendo dominada por uma or todoxia . Isso não quer dizer que tenha preva lecido uma dout r ina imutável. Ao cont rá r io. Tem havido uma progressiva evolução da dout r ina . Mas seus pressupostos, sua a tmosfera , seu mé- todo têm cont inuado surpreendentemente igua is, e t em sido observável uma notável cont inu idade a t ravés de todas as mudanças. Nessa or to- doxia , nessa t ransição cont ínua foi que eu me formei. Eu a aprendi, eu a ensinei, eu a escrevi. Para os que observam de fora , provavelmente a inda per tenço a ela . Os h istor iadores da dout r ina irão considerar este livro como per tencente essencia lmente à mesma t radição. Mas ao es- crevê-lo, e em out ra obra recente que levou a ele, sen t i-me rompendo com essa ortodoxia, numa forte reação contra ela, fugindo de alguma coisa, conquistando uma emancipação. E esse estado de espír ito de minha parte é a explicação de certas falhas do livro, em particular o tom con- trovertido de alguns trechos e seu ar de ser dirigido muito aos que detêm um ponto de vista específico e pouco ad urbem et orbem . Eu estava que- rendo convencer meu próprio ambiente e não me dir igi de modo suficien- temente direto à opinião dos de fora. Agora, três anos depois, tendo-me acostumado à nova pele e quase me esquecido do cheiro da velha, devo, como se estivesse escrevendo de novo, esforçar-me para livrar-me dessa falha, estabelecendo minha posição de maneira mais definida. Digo tudo isso em par te para explicar -me e em par te para des- cu lpar -me peran te os leitores franceses; na França não houve uma t radição or todoxa com a mesma au tor idade sobre a opin ião contempo- rânea como houve em meu pa ís. Nos Estados Unidos, a posição é bas- tan te semelhante à da Ingla ter ra , mas na França , como no resto da Europa , não tem havido uma escola dominante desse t ipo desde a ext inção da escola dos economistas libera is franceses que est iveram em seu apogeu há vin te anos (apesar de terem a lcançado uma idade tão provecta que, bem depois de sua in fluência ter desaparecido, cou- be-me, quando comecei a t raba lhar como jovem reda tor do Econom ic J ournal, escrever os necrológios de muitos deles — Levasseur , Molinar i, 37 Leroy-Bea lieu). Se Char les Gide t ivesse a t ingido a mesma influência e o mesmo prest ígio de Alfred Marsha ll, a posição de vocês, franceses, ser ia mais semelhante à nossa . Do modo como as coisas ocor reram, seus economistas são eclét icos, demasiado (achamos nós, às vezes) de- senra izados do pensamento sistemá t ico. Ta lvez isso possa fazê-los mais acessíveis ao que tenho a dizer . Isso pode porém também resu lta r em que meus leitores às vezes fiquem imaginando a que me refiro quando estou fa lando, com aquilo que a lguns de meus cr ít icos ingleses consi- deram um mau uso da língua , da escola “clássica” de pensamento e dos economistas “clássicos”. Pode ser ú t il a meus leitores franceses, por tan to, que eu ten te indicar bem resumidamente o que considero as pr incipa is differen tiae de minha perspect iva . Dei a minha teor ia o nome de teor ia geral. Com isso quero dizer que estou preocupado pr incipa lmente com o compor tamento do sistema econômico como um todo — com a renda globa l, com o lucro globa l, com o volume globa l da produção, com o n ível globa l de emprego, com o invest imento globa l e com a poupança globa l, em vez de com a renda , o lucro, o volume da
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