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JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 1 
Aula 1: Justiça Penal e Teorias da Sanção Penal............................................................. 6 
Introdução ............................................................................................................................. 6 
Conteúdo ................................................................................................................................ 7 
Contextualizando ............................................................................................................... 7 
As possíveis intervenções sobre os conflitos ............................................................... 7 
Intervenção sobre um conflito ....................................................................................... 9 
Nascimento do Estado e do Direito ............................................................................. 10 
Teorias justificacionistas da pena ................................................................................. 11 
Crítica à teoria justificacionista da pena ..................................................................... 12 
Teoria da Prevenção ....................................................................................................... 14 
Teoria Unitária ou Mista ................................................................................................. 15 
Garantismo Penal ............................................................................................................ 15 
Criminalização primária e secundária ......................................................................... 17 
Críticas sobre criminalização primária ........................................................................ 18 
Aprenda Mais ....................................................................................................................... 20 
Referências........................................................................................................................... 20 
Exercícios de fixação ......................................................................................................... 21 
Chaves de resposta ................................................................................................................ 23 
Aula 2: As transformações Históricas no Brasil ............................................................. 25 
Introdução ........................................................................................................................... 25 
Conteúdo .............................................................................................................................. 26 
A população carcerária: contextualização.................................................................. 26 
A primeira manifestação de um sistema penitenciário ........................................... 28 
Movimento de expropriação do conflito interindividual ......................................... 29 
Pensamento jurídico canônico no sistema punitivo medieval .............................. 30 
Regime penitenciário canônico .................................................................................... 31 
Organização religiosa ..................................................................................................... 31 
A crise do século XIV ....................................................................................................... 32 
Legislação contra os fenômenos da vagabundagem e da mendicância ............. 33 
Ocupação útil às multidões de desocupados ............................................................ 33 
O castelo de Bridewell .................................................................................................... 34 
“Impotent poor” ............................................................................................................... 35 
A recusa ao trabalho ....................................................................................................... 36 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 2 
O novo estabelecimento ................................................................................................ 37 
Os modelos de sistemas penitenciários do século XIX ............................................ 38 
Modelos penitenciários norte-americanos: o modelo Filadélfia ............................ 39 
Modelos penitenciários norte-americanos: o modelo Auburn .............................. 40 
Os modelos penitenciários europeus: o modelo irlandês ....................................... 40 
O contexto latino-americano da formação dos Estados Nacionais ...................... 41 
Elites políticas e sociais latino-americanas ................................................................. 45 
Funcionamento das penitenciárias .............................................................................. 47 
Modernidade de punição ............................................................................................... 48 
O papel das prisões ......................................................................................................... 49 
Atividade proposta ........................................................................................................ 49 
Aprenda Mais ....................................................................................................................... 50 
Referências........................................................................................................................... 51 
Exercícios de fixação ......................................................................................................... 51 
Chaves de resposta ................................................................................................................ 55 
Aula 3: Controle da Política Criminal ............................................................................... 57 
Introdução ........................................................................................................................... 57 
Conteúdo .............................................................................................................................. 58 
Criminalidade X impunidade ......................................................................................... 58 
Controle social ................................................................................................................. 58 
Controle formal e informal ............................................................................................ 59 
Capacidade intimidativa e preventiva ......................................................................... 61 
Escola Sociológica de Chicago ..................................................................................... 61 
A mobilidade social ......................................................................................................... 62 
O controle formal ............................................................................................................ 63 
Medidas de Política Criminal de Prevenção Penal .................................................... 64 
Distinção entre prevenção primária, secundária e terciária .................................... 64 
Abolicionismo e garantismo penal .............................................................................. 66 
Objetivo do Direito Penal ............................................................................................... 66 
Políticas criminais ............................................................................................................ 67 
Bens jurídicos ...................................................................................................................68 
Garantismo penal de Ferrajoli ....................................................................................... 69 
Garantismo penal de Ferrajoli ....................................................................................... 69 
Atividade proposta ........................................................................................................ 73 
Aprenda Mais ....................................................................................................................... 74 
Referências........................................................................................................................... 74 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 3 
Exercícios de fixação ......................................................................................................... 75 
Notas .......................................................................................................................................... 79 
Chaves de resposta ................................................................................................................ 82 
Aula 4: A Pena Criminal ........................................................................................................ 84 
Introdução ........................................................................................................................... 84 
Conteúdo .............................................................................................................................. 85 
Os princípios reguladores e limitadores da aplicação das penas........................... 85 
A meta formal e informal da pena privativa de liberdade ....................................... 87 
Avaliação do sucesso ou do fracasso da pena .......................................................... 88 
Sistema carcerário: a falência da pena de prisão ...................................................... 89 
Ressocialização por meio da pena privativa de liberdade ....................................... 89 
O porquê da não ressocialização por meio da pena privativa de liberdade ........ 89 
Medida de segurança ...................................................................................................... 91 
O problema da reincidência .......................................................................................... 92 
Principal consequência da reincidência...................................................................... 92 
Responsabilidade da falha da reincidência ................................................................. 93 
Atividade proposta ........................................................................................................ 93 
Aprenda Mais ....................................................................................................................... 94 
Referências........................................................................................................................... 94 
Exercícios de fixação ......................................................................................................... 95 
Notas ........................................................................................................................................ 100 
Chaves de resposta .............................................................................................................. 102 
Aula 5: Teorias da Ação Penal .......................................................................................... 104 
Introdução ......................................................................................................................... 104 
Conteúdo ............................................................................................................................ 104 
Pretensão acusatória e justa causa penal constitucional e as principais teorias 
sobre a natureza jurídica da ação processual penal ............................................... 104 
Titularidade para propositura da ação penal e condições para a procedibilidade 
da ação penal ................................................................................................................. 106 
Case: roubo da bicicleta ............................................................................................... 107 
Comentários do case: roubo da bicicleta ................................................................. 107 
Ação processual penal nos crimes contra a dignidade sexual ............................. 108 
Ação processual penal nos crimes contra a honra ................................................. 108 
Ação processual penal nos crimes de violência doméstica contra a mulher ... 109 
Causas de extinção da punibilidade na ação processual penal ........................... 110 
Case: agressão verbal .................................................................................................... 111 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 4 
Comentários do case: agressão verbal ...................................................................... 111 
Atividade proposta ...................................................................................................... 112 
Referências......................................................................................................................... 113 
Exercícios de fixação ....................................................................................................... 113 
Notas ........................................................................................................................................ 118 
Chaves de resposta .............................................................................................................. 120 
Aula 6: Justiça Penal x Justiça Penal Tradicional ....................................................... 123 
Introdução ......................................................................................................................... 123 
Conteúdo ............................................................................................................................ 124 
Contextualizando ........................................................................................................... 124 
Acesso à justiça .............................................................................................................. 124 
As três ondas de acesso à justiça ............................................................................... 125 
Conciliação, mediação e arbitragem ......................................................................... 126 
Um pouco mais sobre o tema: acesso à justiça ...................................................... 127 
A terceira onda de acesso à justiça ............................................................................ 128 
Justiça para pequenas causas ..................................................................................... 128 
Ope legis .......................................................................................................................... 129 
Incentivo aos meios alternativos de solução de conflitos ..................................... 130 
Conflitos puros ............................................................................................................... 130 
Conflitos híbridos ........................................................................................................... 131 
Nova postura do Estado-Juiz ...................................................................................... 132 
Atividade proposta ...................................................................................................... 133 
Aprenda Mais .....................................................................................................................134 
Referências......................................................................................................................... 135 
Exercícios de fixação ....................................................................................................... 135 
Chaves de resposta .............................................................................................................. 141 
Aula 7: Justiça Restaurativa e Mediação Penal ............................................................ 144 
Introdução ......................................................................................................................... 144 
Conteúdo ............................................................................................................................ 145 
Conceito de Justiça Penal Restaurativa .................................................................... 145 
Incidência da Justiça Restaurativa ............................................................................. 146 
Adoção da Justiça Restaurativa .................................................................................. 147 
Aspectos dogmáticos e criminológicos da Justiça Penal Restaurativa .............. 148 
A mediação penal .......................................................................................................... 151 
Justiça Restaurativa X Juizado Especial Criminal .................................................... 153 
Conceito de infração penal ......................................................................................... 153 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 5 
Medidas despenalizadoras ........................................................................................... 154 
Composição civil dos danos (Artigo 74): .................................................................. 155 
Transação penal (Artigo 76) ......................................................................................... 156 
Suspensão condicional do processo (Artigo 89) ..................................................... 157 
Princípios norteadores .................................................................................................. 158 
Atividade proposta ...................................................................................................... 159 
Referências......................................................................................................................... 161 
Exercícios de fixação ....................................................................................................... 161 
Notas ........................................................................................................................................ 167 
Chaves de resposta .............................................................................................................. 167 
Aula 8: Causas Extintivas de Punibilidade .................................................................... 168 
Introdução ......................................................................................................................... 168 
Conteúdo ............................................................................................................................ 169 
Conceito analítico de crime ........................................................................................ 169 
Condição objetiva de punibilidade ............................................................................ 170 
Direito do Estado ........................................................................................................... 171 
Causas extintivas de punibilidade............................................................................... 172 
Atividade proposta ...................................................................................................... 177 
Aprenda Mais ..................................................................................................................... 177 
Referências......................................................................................................................... 177 
Exercícios de fixação ....................................................................................................... 178 
Chaves de resposta .............................................................................................................. 184 
Conteudista ........................................................................................................................... 186 
 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 6 
 
Introdução 
Nesta aula serão analisadas as teorias da sanção penal consoante sua missão 
garantista através dos institutos da criminalização primária e secundária. 
Será objeto de estudo a finalidade, fundamento e limites das sanções penais 
para fins de legitimação do controle social no Estado Democrático de Direito. 
 
Objetivo: 
1. Apontar as várias teorias que tentam justificar a pena; 
2. Discutir o conceito e a função da pena privativa de liberdade. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 7 
Conteúdo 
Contextualizando 
 
Enforcamentos, açoites, câmaras de gás, marcas, estigmas, grilhões, grades, 
encarceramento, multas, confisco. 
Durante séculos o Estado vem buscando meios para castigar, punir, recuperar 
aqueles que infringem suas leis, afrontam o monarca e agridem o próximo. 
Uma vez praticado o crime, ou melhor, aquilo que é considerado crime, nasce a 
necessidade de uma resposta na forma da chamada pena. 
Porém, depois de todas as experiências vividas resta a dúvida: 
 
Ela é a solução? 
A que, na verdade, ela se destina? 
Existem outros meios mais eficazes? 
 
É isso que tentaremos desenvolver ao longo da aula e desta disciplina. 
 
As possíveis intervenções sobre os conflitos 
 
Desde o início da vida humana em grupos, através da formação de família e 
comunidade, sabe-se que invariavelmente, em determinados momentos, iriam 
se iniciar conflitos de interesses entre os membros deste coletivo. 
 
Isso é interessante, pois a criação dos grupos (e o primeiro foi a família) se deu 
exatamente para trazer conforto e, principalmente, segurança para o homem. 
Porém, ao não estar mais sozinho, o sujeito deve conviver com hábitos, desejos 
e perspectivas de outras pessoas, gerando um incessante mal-estar em razão 
de sua natureza que clama pela perigosa liberdade. 
 
 
 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 8 
Esse conflito, segundo Freud, seria o responsável por tornar a felicidade algo 
quase que inalcançável para o homem, o qual deve se submeter às regras, 
limites e os espaços preenchidos pelo outro se quiser continuar usufruindo dos 
regalos da vida em sociedade (FREUD, 2011). 
 
Mas, o problema surge quando este conflito interno se intensifica e, não 
abrindo mão da vida em comunidade, prefere colocar seus interesses acima dos 
demais, gerando, assim a necessidade da criação de mecanismos de controle, a 
fim de se manter a ordem nesta coletividade. 
 
Ocorre, que diversamente dos demais fatos históricos, os mecanismos de 
respostas utilizados pelas várias sociedades que surgiram e desapareceram ao 
longo dos anos não se deu de forma evolutiva, mas na verdade, de forma 
cambiável. 
 
Existem duas formas de se intervir sobre um conflito: de forma horizontal, 
entre as partes, ou verticalizada. 
Existe ainda outra forma que possui alguma dose de poder que irá decidir e 
aplicar a medida, como um conselho tribal ou o próprio Estado. 
 
Podemos visualizar isso analisando os casos de vingança pública e privada nas 
sociedadesprimitivas. 
Alguns autores mais simplistas defendem que primeiro surgiu a vingança 
privada, pelas partes, para depois surgir a pública, pela tribo. 
 
 
Sem dúvida, como podemos ver, estas posições são constantemente 
cambiáveis, mas no momento que é formada a tribo, definindo-se, com isto, 
uma identidade coletiva, todas as ações visam a preservação do grupo sendo, 
assim, inversa a ordem de surgimento destas modalidades, conforme defende 
Von Liszt (LISZT, 2003). 
 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 9 
Intervenção sobre um conflito 
Quando um membro da tribo agredia ou lesionava algum bem, na verdade, 
estava atingindo um bem da tribo, nascendo um interesse coletivo de resposta, 
podendo gerar, inclusive, a expulsão desse membro, o que era equiparado a 
uma pena de morte, simbólica, uma vez que não possui identidade fora do 
grupo e fática mesmo, por ficar vulnerável às intempéries, à vida selvagem e às 
tribos inimigas, sendo assim a “vingança” a retribuição pública. 
 
A ideia de privado não existia, o que surgiria muito tempo depois. 
 
Digamos que num determinado momento os alimentos começam a ficar 
escassos nas regiões próximas à tribo, fazendo com que um grupo de 
caçadores fosse escolhido para buscar alimentos em outros lugares, ou mesmo 
desbravando novas regiões, encontrar um novo local para que a tribo se 
estabelecesse. 
 
Durante a viagem esse grupo começa a desenvolver hábitos e a viver 
experiências únicas que vão tornando-os diferentes daqueles que ficaram na 
tribo. 
Conhecem frutas novas, domesticam animais e encontram flores jamais vistas, 
fazendo adornos para si. 
Quando voltam, já não são mais os mesmos, pois desenvolveram uma certa 
autonomia, uma nova consciência de si. 
O colar feito na viagem não é da tribo, mas sim de quem o fez e “ai de quem 
botar a mão”. 
Nasce a ideia de propriedade e de indivíduo. 
 
Com isso, se esse sujeito decide pescar sozinho numa parte do rio pouco 
explorada e pega um peixe para dar a sua amada e outro membro da tribo 
invejoso decide subtrair o peixe, haverá interesse da tribo de fazer algo 
para resolver esse problema? 
 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 10 
Não, pois o peixe não é da tribo e aí é que haverá a intervenção horizontal 
sobre o conflito, pois o “dono” do peixe é que deverá buscar meios para 
proteger seu peixe sozinho, com uma pedrada, por exemplo. 
 
Novamente não há interesse por parte da tribo e só restará ao seu antigo dono 
dois caminhos: 
a resignação ou a vingança privada. 
 
Todavia, a opção pela vingança privada, embora, inicialmente, satisfaça o 
interessado e à tribo, pois não se exigirá esforços e nem recursos para o 
problema, com o tempo surge outro conflito ainda maior. 
Considerando que essa retribuição advinda da vingança privada decorre de 
paixões humanas, ela sempre tenderá a ser desproporcional. 
 
Nascimento do Estado e do Direito 
Quando o sujeito sofre uma lesão, geralmente decidido a retribuir essa lesão a 
fará numa intensidade superior àquela recebida. 
 
Se o sujeito sofreu um soco, dará dois; uma facada, ele puxará uma arma de 
fogo; se sofreu um tiro ele arrumará uma arma maior e assim por diante, tal 
como em um desenho animado. 
 
Tal situação, com o tempo, vai se tornando um caos, surgindo, então, a 
necessidade de se regulamentar as condutas e definir as possíveis sanções, as 
quais devem ser de responsabilidade de uma ou mais pessoas previamente 
escolhidas. 
 
Em meio a esses acontecimentos é que nasce o Estado e, com ele, o Direito. 
 
Tanto é que uma das primeiras legislações foi o Código de Hamurabi, 
conhecido pelo brocardo “olho por olho, dente por dente”, o qual tinha 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 11 
como fim exatamente estabelecer uma razoabilidade, uma certa 
proporcionalidade entre a lesão sofrida e a resposta a ser dada. 
 
Só muito tempo depois, com o crescimento do Império Romano e o 
desenvolvimento de seu corpo normativo, criou-se o instituto da poena, que 
significa composição, fazendo com que não mais se retribuísse simplesmente 
o mal causado (ainda que na mesma intensidade), mas aproveitasse a 
oportunidade para ressarcir esse mal pelo seu agente, levando-o a reparação 
do dano gerado. 
 
Com a queda do Império Romano e toda sua cultura “civilizatória” e jurídica 
pelos povos “bárbaros” retorna-se ao estado das sociedades primitivas que, na 
maioria dos casos, deixa para as partes solucionar seus conflitos de forma 
horizontal. 
 
Sendo essa disciplina uma forma de vislumbrarmos novas tendências 
conciliatórias no Direito Penal, divergindo, assim, de sua natureza punitiva, já 
podemos perceber que em sua origem a própria pena tinha esse conteúdo 
reparador, o que ficou perdido por muitos séculos, servindo como pista da 
possibilidade dialogal entre ambos os institutos. 
 
O Código de Hamurabi foi criado por Hamurabi, rei do Primeiro Império 
Babilônico. 
 
Teorias justificacionistas da pena 
Em qualquer caso, uma vez edificado e fortalecido o Estado e o Direito e, com 
isso, a intervenção vertical sobre o conflito através de uma pena, nasce a 
necessidade, assim como para qualquer ato do Estado, de conferir-lhe um fim, 
para que lhe possa orientar a aplicação, inclusive por sempre vir acompanhada 
de uma fator aflitivo que lesiona algum direito do apenado. 
 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 12 
No Estado Absolutista a pena era um castigo pelo qual o delinquente sofria o 
mal (pecado) praticado buscando a redenção de sua alma. 
Com o nascimento do Estado Burguês a pena passa a ser concebida como um 
modelo indenizatório face o inadimplemento do contrato, sendo expropriados 
os únicos objetos de valor e idôneos capazes de serem quantificáveis, a 
capacidade de trabalho e a liberdade, fazendo da privação da liberdade, que 
sempre fora medida de custódia, a principal sanção penal na modernidade. 
 
Segundo a Teoria Retributivista ou Absoluta a pena visa, tão somente, 
fazer “justiça”, retribuindo a perturbação da ordem pública, devendo sofrer um 
mal aquele que um mal tiver praticado. 
 
Essas teorias tiveram como principais colaboradores Hegel e Kant, sendo que 
este último defendia uma retribuição moral, rememorando o princípio taliônico, 
onde a pena, segundo ele “deve sempre ser contra o culpado pela simples 
razão de ter delinquido...”, não admitindo qualquer fim utilitário. 
 
Essas teorias tiveram como principais colaboradores Hegel e Kant, sendo que 
este último defendia uma retribuição moral, rememorando o princípio taliônico, 
onde a pena, segundo ele “deve sempre ser contra o culpado pela simples 
razão de ter delinquido...”, não admitindo qualquer fim utilitário. 
 
Crítica à teoria justificacionista da pena 
 
A crítica feita à teoria justificacionista da pena é no sentido de que a 
mesma trata a pena como um ato de fé, uma vez que não é compreensível se 
apagar um mal cometido com a aplicação de um segundo mal, o sofrimento da 
pena, além de violar a própria ideia de dignidade da pessoa humana, exige 
que o Estado intervenha sobre o homem sempre para satisfazer alguma 
necessidade sua. 
 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 13 
Com o Iluminismo surge na Europa um pensamento humanista justificando a 
pena como uma forma preventiva de um fato delituoso, são as Teorias 
Relativas. 
 
A Teoria da Prevenção Geral, através de um modelo intimidatório, visa, por 
intermédio da ameaça da pena e sua efetiva aplicação, inibir uma possível 
conduta delituosa. 
 
Seu principal expositor foi o Marquêsde Beccaria que, criando suas teses 
sustentadas pelo contratualismo, justificou o jus puniendi como a reunião de 
todas as parcelas de liberdade cedidas na feitura do pacto social, 
deslegitimando qualquer intervenção estatal que contrarie o pactuado, 
desrespeitando suas cláusulas em prejuízo do cidadão. 
Beccaria ataca o retributivismo, como se observa em uma de suas passagens: 
 
“Poderão os gritos de um desgraçado nas torturas tirar do seio do 
passado, que não volta mais, uma ação já praticada? Não. 
 
“Os castigos têm por finalidade única obstar o culpado de tornar-se 
futuramente prejudicial à sociedade e afastar os seus concidadãos do caminho 
do crime” (BECARIA, 2000, p. 29). 
 
Feuerbach, com sua teoria da coação psicológica, também concebeu a pena 
como uma ameaça da lei aos cidadãos para que se abstenham de cometer 
delitos. 
 
Com isso, existe uma teoria da prevenção geral negativa que visa dissuadir a 
prática de futuros delitos intimidando os membros da sociedade através da 
pena aplicada ao culpado e a prevenção geral positiva visa reforçar 
simbolicamente os valores presentes na norma, confirmando sua vigência, se 
aproximando dos paradigmas adotados pelo funcionalismo sistêmico na 
Alemanha. 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 14 
 
Essa teoria, contudo, torna-se frágil quando deparada com certos tipos de 
infrações que ocorrem independentes da coação da norma, principalmente 
quando não ocorre qualquer intenção de provocá-lo por parte do agente, como 
nos crimes culposos. 
 
Em seara psicanalítica também é possível concluir que dificilmente o sujeito 
motivado a praticar um injusto penal não tome todas as precauções necessárias 
para evitar qualquer infortúnio, ainda que ilusórias, o levando a falsa 
compreensão de que jamais será detido, pouco lhe importando qualquer pena 
cominada abstratamente à sua conduta. 
 
Com o desenvolvimento das ciências naturais, inevitáveis influências da 
medicina e da psiquiatria, tais como as obras de Lombroso e Ferri, incidiram no 
direito penal, que passa a ter como principal objeto de estudo o delinquente. 
 
Teoria da Prevenção 
 
Surge então a Teoria da Prevenção que trabalha a pena como fórmula de 
tratamento do delinquente, objetivando que este não volte a delinquir. 
Como expõe Foucault (2000), “a duração da pena só tem sentido em relação a 
uma possível correção e a uma utilização econômica dos criminosos corrigidos”, 
tendo por fim a transformação da alma e do comportamento do condenado. 
Para a prevenção especial negativa a pena visa intimidar o condenado para que 
este não volte a delinquir ou, simplesmente, conter o incorrigível, enquanto que 
a prevenção especial positiva busca ressocializar o criminoso, entender as 
causas que o levaram a delinquir e tratá-lo, buscando, através de métodos 
educacionais e laborativos, torná-lo mais condizente com as normas de 
convivência em sociedade. 
 
 
 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 15 
No entanto, tal teoria peca pelo fato de que nem todos os delinquentes 
precisam ser ressocializados, notadamente quando tratar-se de condutas 
isoladas, decorrentes de momentos esporádicos, imprevisíveis e que, 
provavelmente, não tornarão a ocorrer, tais como o aborto, uma lesão corporal 
movida pelas circunstâncias e outras mais. 
Questiona-se também a viabilidade de “tratamento” do condenado em um 
ambiente carcerário, onde as regras hierarquizadas impõe um comportamento 
autômato e mecanizado distinto do exigido na sociedade extramuros, como 
alguém que se prepara para uma maratona ficando deitado em uma cama por 
semanas. 
 
Teoria Unitária ou Mista 
Então surge a Teoria Unitária ou Mista, representada por Merkel, procurando 
combinar as teorias absolutas e relativas, entendendo a pena como retribuição, 
mas devendo também perseguir a intimidação dos demais membros da 
sociedade enquanto ressocializar o apenado, a qual é adotada pelo nosso 
Direito Penal, pois, enquanto o Artigo 1º da Lei de Execução Penal (LEP) afirma 
que a pena deve buscar a ressocialização, o Artigo 59 do Código Penal ainda 
afirma que a pena deve ser “suficiente para a reprovação e prevenção do 
crime”. 
Porém, verifica-se a incoerência dessa teoria ao perceber que tais finalidades 
são incompatíveis entre si! 
Como ressocializar um indivíduo que nem sequer foi socializado, e através de 
castigos que visam ao seu sofrimento e seu uso como “bode expiatório” de 
crimes futuros? 
 
Garantismo Penal 
 
Não há como tornar uma pessoa melhor através de mecanismos que visam 
exatamente injuriá-lo, afligi-lo. 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 16 
Muitos comparam com o castigo dado pelos pais, mas esquecem que nesse 
caso existe relação direta com sustento, amparo, carinho, o que inexiste na 
relação entre o indivíduo e o Estado. 
Atualmente, a teoria que mais se coaduna com os fins de um Estado 
Democrático de Direito é o Garantismo Penal, cujo principal articulador, Luigi 
Ferrajoli, defende a necessidade da pena como esta sendo uma alternativa à 
vingança privada, ou seja, uma reação do 
Estado para se inibir a reação desproporcionada da vítima lesada pela prática 
do delito, enquanto limita o poder punitivo do Estado. 
 
Apesar de esta teoria ser a que melhor delimita o campo de intervenção penal 
do Estado, merece crítica a missão que incumbe à pena, uma vez que se 
verificaria infundada a sua aplicação nas hipóteses em que a prática do delito 
não ensejaria qualquer reação por parte de particulares, uma vez que, como é 
cediço, nem todos os delitos produzem uma lesão ao bem jurídico de pessoa 
determinada, como os crimes formais, de mera conduta, ou os que atingem 
bens espiritualizados, como o meio ambiente. 
Assim, o crime de porte ilegal de armas, por exemplo, não enseja o desejo de 
quem quer que seja de retribuir o “mal” praticado, o que tornaria 
absolutamente desnecessária a aplicação de qualquer pena. 
 
 
Face todo o exposto, é fácil observar a crise que as atuais teorias 
justificacionistas se encontram por não conseguirem definir, com precisão, uma 
finalidade legítima para a aplicação de uma pena aquele que, por ventura, 
venha a praticar um injusto penal, pois, o que se verifica é uma utilização cruel 
e ilegítima da pena com uma função de controle e exclusão social, 
estigmatizando classes e condutas tidas como indesejadas por aqueles que 
possuem poder de definição. 
 
 
 
 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 17 
 
Por tanto, Zaffaroni, resgatando Tobias Barreto, conclui que, de fato, não há 
qualquer teoria capaz de justificar a pena, por tratar-se esta de mero fato 
político e, por isto, injustificável, o que ele chama de teoria agnóstica da pena. 
Para os autores, “justificar a pena é como tentar justificar a guerra”, ela 
simplesmente existe originada de decisões políticas orientadas para a satisfação 
de determinados interesses, os quais não se justificam tendo em vista os meios 
utilizados. 
Todavia, sem dúvida, é um mal necessário, pois sua supressão nos levaria 
novamente à vingança privada, e, com isso, à necessidade de se buscar meios 
menos repressivos, menos lesivos para responder aos conflitos. 
 
Criminalização primária e secundária 
Diante de tudo isso e já sabendo então que o Estado e o Direito, formas 
verticalizadas de solução de conflitos, foram criados segundo uma visão 
iluminista e garantista, para substituir a vingança privada, ou melhor, os 
excessos advindos das tentativas de as partes buscarem sozinhas a solução dos 
conflitos entre si, surge a necessidade de um regramento pelo Estadoda 
utilização dessa força, a qual deverá ser aplicada de forma mais limitada e 
menos intensa do que a que poderia ser utilizada pelas partes, gerando, com 
isso, menos danos. 
 
Criminalização Primária 
 
A primeira consiste em atos do legislativo, que através de um conjunto de 
decisões políticas cria uma lei federal que passa a definir uma determinada 
conduta como proibida, sancionando-a com uma pena, caso venha a ser 
praticada. 
 
 
 
 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 18 
Criminalização Secundária 
 
É realizada pelas agências responsáveis pela apuração, administração e 
execução dessas normas sobre determinado caso concreto, ou seja, enquanto 
que a criminalização primária decide o que deve ser crime, a secundária, 
formada por policiais, promotores, juízes e o sistema penitenciário, incide sobre 
pessoas determinadas para aplicar o que está previsto na norma. 
 
Críticas sobre criminalização primária 
 
Na Criminalização Primária, uma das primeiras críticas sobre os critérios 
utilizados foi de uma teoria criminológica chamada teoria do conflito, segundo a 
qual o crime é um fato político, uma vez que a maioria do parlamento, dos 
legisladores que se encontram no Congresso, é oriunda da classe dominante e, 
por isso, no momento de criminalizar uma conduta irá valorá-la segundo seus 
valores, seus interesses. 
 
O crime não é um fato natural, mas sim decorre de um processo de definição 
por aqueles que têm o poder. Assim, a lei penal seria só mais um instrumento 
de controle e submissão utilizado pela classe dominante contra os já 
marginalizados. 
 
 
Por que a Lei nº 11.343/2006 definiu uma pena restritiva de direitos 
para o usuário e uma pena mínima de reclusão para o traficante? 
 
Segundo a teoria do conflito, fica claro que o usuário, quando membro da 
classe dominante, a qual pertence o legislador, jamais será submetido à prisão 
e será tratado como doente, enquanto que o traficante, geralmente definido 
como pobre e favelado, será tratado como criminoso e sofrerá a exclusão 
gerada pelo sistema penal. 
 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 19 
Na Criminalização Secundária a seletividade é ainda maior. Sabendo ser inviável 
a plena satisfação do “dever ser” imposto pela norma e que seria impossível 
julgar e sancionar todos os crimes realizados, o sistema penal deve funcionar 
de forma seletiva, ou seja, nem todos os crimes passarão pelas estatísticas 
penais, gerando a denominada cifra negra da criminalidade, a qual se refere o 
total da imensa maioria de crimes que são praticados diariamente e o agente 
não será preso, investigado, processado, julgado e, muito menos, sancionado. 
 
Isto é normal em qualquer lugar do mundo. 
Nenhuma agência é ingênua o bastante para afirmar que seria possível acabar 
com o crime, uma vez que este é um fenômeno normal na sociedade, além de 
ser impossível para os agentes do Estado tomar conhecimento e se apropriar 
das verdades relacionadas a todas as condutas humanas praticadas em uma 
sociedade. 
 
Em razão disso o sistema penal deve selecionar quais dessas condutas delitivas 
devem aparecer nas estatísticas criminais e, infelizmente, como já seria de se 
esperar, o critério não é pautado pela gravidade do crime, mas sim pela posição 
do indivíduo na pirâmide social. 
Quanto mais pobre, mais fácil ser selecionado e rotulado pelo sistema, 
demonstrando que o mesmo não é imparcial, pelo contrário, temos uma 
máquina que funciona apenas para alguns desafortunados, encobrindo crimes 
graves, mas exercendo um controle geralmente eficaz sobre as camadas mais 
pobres e, por isso, perigosas, tal como uma rede de pescas às avessas que 
segura os peixes pequenos, mas permite que os grandes fujam. 
 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 20 
 
 
 
 
 
 
Aprenda Mais 
 
 
Material complementar 
 
Para saber mais sobre apena criminal – fundamentos e validade no 
Estado Democrático de Direito, acesse o vídeo e leia o artigo, 
disponíveis em nossa biblioteca virtual. 
 
Referências 
AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de. Sociologia e justiça penal. Teoria e 
prática da pesquisa sociocriminológica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. 
BITENCOURT, Cézar Roberto (Org.). Direito penal no terceiro milênio. 
Estudos em homenagem ao Prof. Francisco Muñoz Conde. Rio de 
Janeiro: Lúmen Júris, 2008. 
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: 
Revista dos Tribunais. 
GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio Garcia-Pablos. Criminologia. 6. ed. São 
Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. 
 
 
 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 21 
 
 
Exercícios de fixação 
Questão 1 
Pode-se dizer que a finalidade do Código de Hamurabi foi estabelecer uma 
proporcionalidade entre a lesão sofrida e a resposta a ser dada. 
a) Verdadeiro 
b) Falso 
 
Questão 2 
FCC – AL – Procurador – 2013 - A Lei nº 7.210/84 dispõe que a execução penal 
tem por objetivo efetivar as disposições da condenação criminal e proporcionar 
condições para a harmônica integração social do condenado (Artigo 1º ). Como 
nítido no item 13 da respectiva Exposição de Motivos, tem-se aí, por inteiro, 
tributo à teoria da pena denominada: 
a) Retribuição moderna 
b) Retribuição taliônica 
c) Prevenção geral 
d) Prevenção especial 
e) Mista ou eclética 
 
Questão 3 
Existem duas formas de se intervir sobre um conflito: de forma horizontal, entre 
as partes, ou verticalizada, hipótese em que existirá uma terceira pessoa, 
dotada de poder e que decidirá e aplicará a medida. 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 22 
a) Verdadeiro 
b) Falso 
 
Questão 4 
Segundo o vídeo com a entrevista com o prof. Zaffaroni e o conteúdo das 
aulas, podemos afirmar que a teoria agnóstica da pena defende que a sanção 
penal: 
a) Deve apenas retribuir o mal causado. 
b) Não possui qualquer fundamento legítimo, por ser um mero ato político. 
c) Visa sempre ressocializar o condenado. 
d) Tem como fim intimidar a sociedade. 
e) Tem como fim intimidar o condenado para que este não volte a 
delinquir. 
 
Questão 5 
José, ex-empregado do Sr. Lisboa, encontra-se preso, acusado de ter subtraído 
um relógio de seu patrão, o que foi encontrado junto a seus pertences. 
Entretanto, Sr. Lisboa encontra-se viajando pela Europa, usufruindo dos ganhos 
de várias falcatruas, como fraudes no INSS, corrupção ativa etc. Comparando 
essas duas realidades, marque a opção que melhor explica tal situação, 
segundo nossa aula sobre criminalização secundária. 
a) Isso ocorreu porque o crime praticado por José é mais grave. 
b) Isto se deu face ao princípio do in dubio pro reo, uma vez que não há 
provas contra o Sr. Lisboa. 
c) A seletividade do sistema faz com que incida sobre aqueles que atendam 
ao estereótipo de criminoso e que estejam mais vulneráveis, pela sua 
situação na pirâmide social. 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 23 
d) Ocorre que José demonstra uma maior periculosidade. 
e) Certamente haverá um pedido de extradição para o Sr. Lisboa, uma vez 
que todos os crimes são apurados no Brasil. 
 
Questão 6 
Segundo os estudos da presente aula sobre as possibilidades de solução de 
conflitos, marque a opção correta: 
a) Sempre foram adotadas intervenções horizontais. 
b) Sempre foram adotadas intervenções verticais. 
c) Tendo em vista a cifra negra é possível afirmar que ainda hoje vários 
conflitos tiveram que ser resolvidos pelas partes. 
d) A criminalização primária atende a um critério de delito natural,pois só 
criminaliza condutas já definidas como crime em todos os países. 
e) A pena é a única possibilidade de solução de conflito. 
 
Aula 1 
Exercícios de fixação 
Questão 1 - A 
Justificativa: Surgiu a necessidade de se regulamentar as condutas e definir as 
possíveis sanções, as quais devem ser de responsabilidade de uma ou mais 
pessoas previamente escolhidas, sendo o Código de Hamurabi uma das 
primeiras legislações que estabeleceu certa razoabilidade. 
 
Questão 2 - E 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 24 
Justificativa: Trata-se da teoria adotada no Brasil, prevista expressamente no 
Artigo 59 do CP, que traz como finalidade da pena a retribuição, a prevenção e 
a ressocialização. 
 
Questão 3 - A 
Justificativa: No processo penal brasileiro adota-se a forma verticalizada, haja 
vista que a autotutela, salvo raríssimas situações, é vedada no ordenamento 
jurídico brasileiro. 
 
Questão 4 - B 
Justificativa: Segundo essa teoria, que possui fundamento nos modelos ideais 
de estado de polícia e de estado de direito, a pena estaria cumprindo apenas o 
papel degenerador da neutralização, já que comprovada de forma empírica a 
impossibilidade de ressocialização do apenado, ou seja, a finalidade de 
reintegração do condenado ao convívio social deve ser revista e estruturada de 
uma maneira diferente. 
 
Questão 5 - C 
Justificativa: Sabe-se que é inviável a plena satisfação do “dever ser” imposto 
pela norma, sendo impossível julgar e sancionar todos os crimes realizados. 
Para tanto, o sistema penal deve funcionar de forma seletiva, ou seja, nem 
todos os crimes passarão pelas estatísticas penais, gerando a denominada cifra 
negra da criminalidade. 
 
Questão 6 - C 
Justificativa: A cifra negra da criminalidade se refere ao total da maioria de 
crimes que são praticados diariamente e o agente não será preso, investigado, 
processado, julgado e, muito menos, sancionado. 
 
 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 25 
Introdução 
Nesta aula, serão analisadas as transformações históricas na justiça criminal 
brasileira. Para tanto, seu estudo perpassará pelos seguintes temas: 
• Os primeiros tempos da moderna instituição carcerária na Europa; 
• O surgimento da instituição carcerária na Europa Continental e na 
Inglaterra entre a segunda metade do século XVI e as primeiras décadas 
do século XIX; 
• As primeiras experiências na Inglaterra (bridewells e workhouses) e na 
Holanda (rasp-ruis); 
• Os primórdios e o desenvolvimento da instituição carcerária em outras 
regiões da Europa; 
• Os desdobramentos da experiência inglesa; 
• A configuração da prática carcerária moderna no período compreendido 
entre o final do século XVIII e os primeiros decênios do século XIX; 
• A experiência penitenciária norte-americana na primeira metade do 
século XIX; 
• A prisão no contexto judicial-punitivo do Antigo Regime português. 
 
 
 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 26 
Objetivo: 
1. Estabelecer, no contexto histórico das sociedades ocidentais na Idade 
Moderna, as origens da instituição carcerária; 
2. Reconhecer os modelos de sistemas penitenciários do século XIX. 
 
Conteúdo 
A população carcerária: contextualização 
De um modo geral, podemos dizer que vivemos em sociedades marcadas pela 
prática generalizada do encarceramento – explicando melhor, vivemos em 
sociedades em que a agressão a bens jurídicos considerados importantes (a 
vida, a propriedade) é punida, via de regra (mas não exclusivamente), com a 
pena do encarceramento, a qual é cumprida, normalmente, em sistemas 
penitenciários. 
 
No Brasil, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça, a população 
carcerária aumentou, entre janeiro de 1992 e junho de 2013, em 403,5 %, ao 
passo que a população aumentou apenas 36 %. A população carcerária 
brasileira que, há pouco tempo, era a quarta maior do mundo, atrás dos EUA, 
da China e da Rússia, ultrapassou a Rússia, e, hoje, passou a ser a terceira 
maior do mundo, ficando atrás da China e dos EUA. Além disso, ela é 68 % 
superior ao número de vagas existentes no sistema penitenciário brasileiro (o 
déficit é de 210.736 vagas). Nas Américas, a sociedade brasileira só perde no 
“quesito encarceramento” para os EUA. Atualmente, segundo dados divulgados 
pelo CNJ, o Brasil possui uma população carcerária de 715.655 presos. 
 
Comparemos esse número com a população carcerária norte-americana, que, 
por exemplo, em 2005, correspondia 7.000.000 de pessoas sob algum tipo de 
controle por parte do sistema penitenciário daquela região, ou, ainda, com a 
União Europeia, (tomando 30 países como base), cuja população carcerária é 
superior à brasileira, sendo que os países que apresentavam as maiores 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 27 
populações carcerárias em 2009/2010 (incluindo-se os detidos em prisão 
preventiva) foram: Inglaterra/País de Gales (85.206 presos), Polônia (82.794 
presos), Espanha (73.520 presos), Alemanha (69.385 presos), Itália (68.795 
presos) e França (59.655 presos). 
 
A generalização do encarceramento pode nos levar à avaliação equivocada de 
que esse tipo de sanção penal sempre esteve presente em todas as sociedades 
humanas, assim como os sistemas penitenciários. 
 
A adoção do encarceramento como uma modalidade de punição penal em si (e 
não como uma antessala para outras modalidades de punição, como, por 
exemplo, o banimento, o castigo físico e a execução) começou a se configurar a 
partir de um conjunto de transformações de natureza social, política, 
econômica, ideológica e jurídica, que se consubstanciaram na chamada crise 
do antigo regime europeu e que proporcionaram a emergência de regimes 
políticos de perfil liberal marcados por processos de constitucionalização 
do ambiente jurídico-político das sociedades ocidentais e pela crescente 
consolidação de economias de mercado de perfil capitalista. 
 
Ao espetáculo de corpos torturados e/ou mutilados (elementos pertinentes a 
procedimentos de apuração, julgamento e condenação presentes no âmbito 
penal das sociedades ocidentais desde a implantação da Inquisição católica no 
início do século XIII e que se estenderam pela Idade Moderna europeia), 
sucedeu-se uma economia do castigo, com uma arrumação de sofrimentos 
mais sutis e mais eficientes que o suplício presente nas execuções 
espetaculares que se fizeram presentes especialmente durante o período de 
formação e consolidação das monarquias europeias da Idade Moderna (que 
se estendeu dos séculos XIV/XV ao final do século XVIII/primeiras 
décadas do século XIX). 
 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 28 
A primeira manifestação de um sistema penitenciário 
Tomemos como ponto de partida de nossas reflexões a questão da punição 
penal nas sociedades do feudalismo europeu – as disputas que surgiam entre 
os indivíduos, quando causadoras de dano, não estavam sujeitas a uma reação 
pública diante do dano, cabendo ao ofendido indicar o suposto responsável 
pela agressão, ao mesmo tempo em que o grupo respondia ao dano e à 
denúncia do dano através da perda da paz do ofensor (expulsão da 
comunidade, exposição à reação da vítima e/ou da família da vítima), podendo, 
todavia, na maioria dos casos, ocorrer a solução da ofensa mediante uma 
compensação econômica à parte afetada. 
 
Quando a contraprestação econômica não funcionava, a solução do conflito e a 
resposta ao dano causado se produziriam através da luta judicial ou pela 
configuração de prova judicial por meio da ordália ou “juízo de deus” – 
segundo Gabriel Anitua (2008). Nesses casos, nãose verificava a intervenção 
do representante da autoridade, importando, tão somente, a resolução pública 
da luta ou da prova e cabendo ao público velar pelo cumprimento das regras 
previamente estabelecidas (por um consenso comunitário) e dar seu parecer 
sobre o “juízo de deus”. 
 
De acordo com Dario Melossi e Massimo Pavarini (2006), em sistemas de 
produção “pré-capitalistas”, o cárcere, como pena, não faz sentido e, portanto, 
não existe. Isso não significa dizer que as sociedades feudais europeias 
desconhecessem o cárcere como instituição, mas, sim, a pena do 
internamento como privação de liberdade. 
O cárcere preventivo e o cárcere por dívidas faziam parte da realidade das 
sociedades feudais; todavia, a simples privação da liberdade fixada durante um 
determinado período de tempo, sem qualquer outro tipo de sofrimento e 
prevista como pena autônoma e ordinária, não fazia parte da realidades 
destas sociedades. 
 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 29 
Movimento de expropriação do conflito interindividual 
No curso da suspensão, podem ocorrer situações fáticas que conduzam à 
revogação da suspensão condicional. De acordo com o disposto nos §§ 3º e 4º, 
Artigo 89, da Lei nº 9.099/95, as causas de revogação podem se dividir em dois 
grupos: 
 
O movimento de expropriação do conflito interindividual, que resultou 
do processo de “racionalização” (profissionalização e burocratização dos órgãos 
encarregados da administração do poder penal – fenômenos que se firmaram 
tanto na Igreja Católica, em um primeiro momento, como nas nascentes 
monarquias europeias, a partir dos séculos XIV/XV) e se alicerçou no direito 
romano imperial revivido nas universidades a partir do século XII, não 
incorporou o encarceramento como pena autônoma. 
 
Ainda que o encarceramento não tenha sido adotado como pena autônoma 
pelo movimento de racionalização do poder penal da Igreja Católica e das 
nascentes monarquias europeias dos séculos XIV/XV, é possível afirmar que 
existiu uma experiência “penitenciária”, a qual pode ser considerada como 
uma “variante” do sistema punitivo feudal. 
 
Essa variante estava localizada no âmbito do direito penal canônico; tal 
sistema, segundo Melossi e Pavarini, experimentou configurações originais e 
autônomas que não existiam em nenhum sistema laico. 
 
Tais configurações originais e autônomas presentes no âmbito do direito penal 
canônico marcaram certos setores específicos em períodos determinados, que 
são, contudo, de difícil individualização, tal o elevado grau de participação do 
poder eclesiástico na organização política medieval. 
 
Assim, a importância do pensamento jurídico canônico no sistema punitivo 
medieval variou consideravelmente em função do nível de concorrência 
existente entre o poder eclesiástico e o poder laico. 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 30 
 
Pensamento jurídico canônico no sistema punitivo medieval 
O começo de tudo... 
 
A Igreja Católica promoveu a implementação das primeiras e incipientes formas 
de sanção em relação a clérigos que incidissem em alguma falta; na verdade, 
muitas das faltas cometidas por membros da Igreja não podiam ser 
consideradas como delitos, constituindo-se, provavelmente, em infrações 
religiosas, mas que, de alguma forma provocavam algum reflexo direto ou 
indireto sobre as autoridades eclesiásticas ou certo alarme social na 
comunidade religiosa. 
 
A reação do poder eclesiástico a infrações cometidas pelos clérigos, como não 
poderia deixar de ser, foi de natureza religiosa-sacramental inspirada no rito da 
confissão e da penitência; surgia, assim, a sanção de cumprimento da 
penitência em uma cela até que o culpado se arrependesse (usque ad 
correctionem). 
 
Com o tempo, essa pena eclesiástica adquiriu uma natureza pública, tornando-
se sua execução acessível a todos (deixando, portanto, de ser uma questão de 
foro interno), ao mesmo tempo em que se revestiu de um caráter de punição 
exemplar com o intuito de intimidar e prevenir. 
 
Assim, aquilo que, originalmente, era uma penitência (o recolhimento do 
clérigo faltoso a uma cela até que se arrependesse), transformou-se em uma 
sanção penal propriamente dita; tal sanção seria cumprida pela reclusão do 
clérigo considerado culpado em um mosteiro por um tempo determinado. 
 
Entretanto, apesar da transformação da penitência em sanção penal, manteve-
se algo da finalidade correcional inicial, ou seja, o isolamento em relação ao 
mundo externo, o contato mais estreito com o culto, e a vida religiosa deveria 
levar o condenado, através da meditação, à expiação da própria culpa. 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 31 
 
Regime penitenciário canônico 
 
Segundo Melossi e Pavarini, o regime penitenciário canônico conheceu formas 
diversas de execução da pena. Seu cumprimento poderia se dar por meio de 
simples recolhimento ao mosteiro, mas, também, com reclusão na cela ou na 
prisão episcopal, ao mesmo tempo em que a privação da liberdade poderia ser 
acrescida de sofrimentos de ordem física, de isolamento celular e de obrigação 
do silêncio. 
 
Organização religiosa 
 
A organização religiosa do tipo conventual exerceu influência significativa sobre 
as práticas carcerárias canônicas. A projeção no plano público institucional de 
um rito sacramental fundamentado na penitência se deu sob a égide de 
práticas religiosas-monacais de tipo oriental, práticas estas de natureza 
contemplativa e ascética. 
 
O regime penitenciário canônico desconsiderou completamente a adoção do 
trabalho carcerário como forma possível de execução da pena. 
 
O que poderia explicar a não adoção do trabalho carcerário na execução da 
pena no regime penitenciário canônico? 
 
Tal explicação pode ser encontrada no significado que a organização 
eclesiástica passou a atribuir à privação de liberdade por um determinado 
tempo. A pena do cárcere, tal como se deu na experiência canônica, tinha 
como objetivo atribuir ao período de privação da liberdade um quantum de 
tempo necessário à purificação de acordo com os critérios próprios do 
sacramento da penitência. 
 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 32 
Assim, a pena não era tanto a privação da liberdade em si, mas a oportunidade 
para que o condenado, em seu isolamento da vida social, pudesse alcançar 
aquele que era o objetivo a ser alcançado com a aplicação da pena: o 
arrependimento. 
 
Assim, poder-se-ia entender tal finalidade como correção ou como possibilidade 
de correção aos olhos de Deus. A pena fundamentava-se na gravidade do 
delito, sendo, portanto, de caráter meramente retributivo. 
 
A crise do século XIV 
A segunda metade do século XV constituiu-se na etapa de recuperação da 
Europa do longo período de crise que se estendera pelo século XIV e pela 
primeira metade do século XV. A crise do século XIV, como ficou conhecida, 
representou uma etapa de retrocesso demográfico na Europa, motivado por 
guerras, carestias, escassez de alimentos, condições climáticas adversas e 
epidemias. 
 
Essa crise do século XIV representou, na verdade, a crise definitiva do sistema 
feudal como modo de organização socioprodutiva dominante na Europa 
Ocidental. 
A partir do século XV, a organização política de diversas regiões da Europa, 
especialmente da Europa Ocidental, seria marcada pela ascensão de estados 
monárquicos cujas formações socioprodutivas, ainda que marcadas pela 
permanência de determinadas práticas feudais, se tornaram progressivamente 
mercantis. Para alguns historiadores, economistas e sociólogos, a Idade 
Moderna europeiaseria a etapa do chamado capitalismo comercial. 
 
As transformações que se processaram nas diversas regiões da Europa, por 
força da crescente mercantilização das relações sociais e produtivas, 
mostraram-se bastante desfavoráveis para as populações mais pobres, 
especialmente para parcelas significativas do campesinato, que se tornaram as 
principais vítimas do avanço inexorável das práticas capitalistas. 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 33 
 
Os acontecimentos que marcaram a Idade Moderna europeia refletiram no 
longo processo de dissolução econômica, política, ideológica e social do mundo 
feudal, que se confundiu com o regime de acumulação primitiva de capital e 
com a formação do proletariado. 
Na Inglaterra, por força da dissolução dos mosteiros, dos cercamentos das 
terras para criação de ovelhas, das mudanças nos métodos de cultivo e dos 
licenciamentos das manumissões feudais, verificou-se um grande movimento de 
opressão/expulsão dos camponeses das terras que encontravam na fuga para 
as cidades ou na vagabundagem nos campos formas de se livrarem de 
condições de vida extremamente duras. 
 
Legislação contra os fenômenos da vagabundagem e da 
mendicância 
Já desde o século XIV, porém, com mais intensidade nos séculos XV e XVI, 
desenvolveu-se uma legislação extremamente dura, especialmente contra os 
fenômenos da vagabundagem e da mendicância e, secundariamente, contra a 
criminalidade. 
 
Com o aumento do número de excluídos (condição esta que foi reforçada pela 
secularização dos bens eclesiásticos levada a cabo pela Reforma Protestante), 
as estruturas tradicionais medievais baseadas na caridade privada e eclesiástica 
mostraram-se impotentes para dar conta do incremento no número de 
desvalidos. 
 
Ocupação útil às multidões de desocupados 
 
 
No começo do século XVI, Thomas Morus, diante do incremento do número de 
pessoas desocupadas, oriundas das áreas rurais, que buscavam oportunidades 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 34 
nas cidades, propôs que se desse uma ocupação útil às multidões de 
desocupados. 
 
Medidas começaram a ser tomadas pelas autoridades inglesas no sentido do 
“enfrentamento” dos problemas gerados pelas turbas de 
desocupados/desalojados que vagavam pelo país. 
 
Um estatuto originado em 1530 estabelecia que os vagabundos deveriam ser 
registrados para que se estabelecesse a seguinte diferença: os que se 
mostrassem incapacitados para o trabalho (impotent) eram autorizados a 
mendigar. E os demais, que não estavam autorizados a receber qualquer tipo 
de caridade, seriam açoitados até o sangramento. 
 
Até a metade do século XVI, o açoite, o desterro e a pena de morte se 
constituíram em instrumentos da “política social inglesa”. 
 
O castelo de Bridewell 
 
Diante do aumento descontrolado da mendicância em Londres, por sugestão de 
algumas das figuras mais importantes do clero inglês, a Coroa Inglesa autorizou 
a utilização do castelo de Bridewell para o “acolhimento” de vagabundos, 
ociosos, ladrões e perpetradores de delitos de pouca importância (na linguagem 
atual, autores de delitos de pequeno ofensivo). 
 
O objetivo da instituição criada a partir da cessão do castelo de Bridewell para o 
acolhimento dos que pertenciam às “classes perigosas” era promover a reforma 
dos internos por meio do trabalho obrigatório e da disciplina. 
 
Dirigida de forma extremamente severa, essa instituição deveria, além de 
promover a reforma “moral” daqueles que estavam à margem da sociedade, 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 35 
desencorajar outras pessoas a seguirem o caminho da vagabundagem e do 
ócio, garantindo, por meio do trabalho, seu autossustento. 
 
O trabalho que se desenvolvia nessa instituição era relacionado ao ramo têxtil. 
Essa experiência, a princípio, deve ter sido bem-sucedida, já que, em um curto 
espaço de tempo, houses of correction (ou bridewells, como ficaram 
conhecidas) foram abertas em várias partes da Inglaterra. 
 
Contudo, foi somente a partir dos dispositivos contidos na Poor Law do reinado 
de Elizabeth I (e que permaneceu praticamente inalterada até 1834) que se 
elaborou uma orientação com razoável grau de univocidade e de generalidade 
visando ao enfrentamento da questão das “classes perigosas”. 
 
“Impotent poor” 
Em 1572, foi promulgada uma lei que organizou um sistema geral de subsídios 
(relief) com base paroquial, através do qual, por meio do pagamento de um 
imposto para os pobres, seus habitantes deveriam manter os “impotent poor” 
que viviam na localidade. Por outro lado, aos “rogues” e “vagabonds”, seriam 
oferecidos trabalhos. Como para esses grupos cabia tão somente o que sobrava 
do que era usado para a manutenção dos “impotent poor”, os desempregados 
em condições de trabalhar continuaram como objetos da repressão. 
 
Visando ao enfrentamento dos problemas dos desempregados em condições de 
trabalhar, foram criadas, a partir de 1576, as casas de correção, que deveriam 
fornecer trabalho aos desempregados ou obrigar os que não quisessem 
trabalhar a fazê-lo. 
Tais instituições se baseavam no modelo da primeira bridewell, atendendo a 
uma população bastante heterogênea: desempregados, filhos de pobres (que 
deveriam ser “educados” para o trabalho), vagabundos, “petty ofenders”, 
prostitutas e pobres rebeldes que não queriam trabalhar. 
 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 36 
A recusa ao trabalho 
A recusa ao trabalho se constituía em ato ao qual se atribuía uma verdadeira 
intenção criminosa; por exemplo, por uma lei de 1601 que complementou a 
legislação anterior (a Poor Law elizabetana), era facultado ao juiz enviar para a 
prisão comum (common gaol) os ociosos capazes de trabalhar e que se 
recusassem a fazê-lo. 
 
Necessário se faz que expliquemos o verdadeiro significado da chamada 
“recusa ao trabalho” no século XVI. 
Vários estatutos foram elaborados entre os séculos XIV e XVI; com isso, 
estipulou-se um teto para os salários, que, além do qual, não se permitia pagar 
(sob pena de aplicação de sanção penal ao empregador). Sendo assim, não 
havia autorização para qualquer contratação coletiva, o que obrigava o 
trabalhador a aceitar a primeira oferta de trabalho nas condições oferecidas 
pelo empregador. 
 
Assim, não se dava ao trabalhador a possibilidade de buscar um trabalho 
melhor remunerado, e as casas de correção, através do trabalho forçado, 
buscavam quebrar qualquer resistência que pudesse ser oferecida pela mão de 
obra. 
 
Existe uma certa concordância por parte de historiadores que afirmam que o 
século XVII foi um século holandês. Pode-se dizer que a liderança do processo 
de acumulação primitiva de capital foi exercida pela economia mercantil e 
manufatureira e pelo sistema financeiro das Províncias Unidas, especialmente 
da Holanda, uma das províncias constitutivas do país. 
 
Foi também na Holanda, na primeira metade deste século, que a nova 
instituição da casa de trabalho atingiu sua forma mais desenvolvida. A criação 
dessa nova instituição e de sua original modalidade de segregação punitiva 
encontrava-se referenciada às origens do desenvolvimento do modelo 
capitalista de organização socioprodutiva, e tudo indica que não houve qualquer 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 37 
influência direta da experiência inglesa das bridewells sobre as casas de 
trabalho (tuchthuis) holandesas. 
 
A escassez de mão de obra e um desenvolvimento mercantil muito vigoroso 
fizeram com que as elites dirigentes holandesas revisassem seus procedimentos 
punitivos de forma a desperdiçaro mínimo possível de mão de obra, controlá-la 
e regular sua utilização de acordo com o movimento de valorização do capital. 
 
Reformadores holandeses passaram a promover um movimento de caráter 
tipicamente burguês, que defendia a ideia de que aqueles que cometessem 
delitos deveriam ser forçados ao trabalho. Em julho de 1589, os magistrados de 
Amsterdã propuseram a instituição de uma casa para acolhimento daqueles que 
pertencessem às classes perigosas e que deveriam, como punição, estar presos 
e ocupados em trabalho pelo tempo que os magistrados considerassem 
adequado. 
 
O novo estabelecimento 
O novo estabelecimento foi inaugurado em 1596, e a instituição deveria se 
sustentar com o trabalho dos internos, não havendo lucro nem para os 
diretores, que seriam nomeados honorificamente, nem para os guardas, que 
receberiam um salário. 
 
A composição da “clientela” dessa nova instituição holandesa assemelhava-se 
muito àquela encontrada nas workhouses inglesas, e sua admissão a ela se 
dava por meio de mandado judicial ou administrativo. Geralmente, as sentenças 
eram breves e fixadas por um determinado período de tempo, que poderia ser 
modificado de acordo com o comportamento do interno. 
 
 
Essa instituição funcionava a partir de uma base celular, onde vários detentos 
conviviam em uma mesma cela, podendo o trabalho ser desenvolvido na 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 38 
própria cela ou no pátio central, dependendo da estação do ano. Tal instituição 
vinculava-se ao modelo produtivo dominante, ou seja, à manufatura. 
 
A casa de trabalho holandesa era conhecida como rasp-huis, porque, nelas, a 
atividade que se desenvolveu prioritariamente era a raspagem de madeiras 
tintoriais, raspas estas que eram transformadas em pó, de onde os tintureiros 
retiravam os pigmentos para o tingimento dos fios. 
 
Esse trabalho de raspagem era considerado particularmente adequado para 
ociosos e preguiçosos. Esse era um dos motivos pelos quais adotava-se esse 
modelo de trabalho mais cansativo. 
 
Em um mundo marcado pelas práticas mercantilistas, assegurou-se à casa de 
Amsterdã o monopólio desse tipo de trabalho, tendo ocorrido, em diversas 
oportunidades, embates legais entre a municipalidade de Amsterdã e outras 
municipalidades que tentavam a implantação de um sistema de trabalho mais 
moderno. 
 
Mais do que tabelar o preço dos salários, o objetivo da casa de trabalho era o 
controle da força de trabalho, de sua educação e de sua domesticação. 
 
Os modelos de sistemas penitenciários do século XIX 
Por ocasião do final do século XVIII e do início do século XIX, os sistemas 
penitenciários nos EUA e na Europa começaram a se constituir a partir da 
fixação da pena de prisão (em suas várias modalidades que viriam a ser 
desenvolvidas) como um procedimento punitivo em si, deixando para trás a 
prática da prisão como mero procedimento processual. 
 
Os sistemas penitenciários foram configurados no bojo das transformações 
ocorridas nas sociedades norte-americana e europeias. Essas mudanças 
encontravam-se referenciadas ao desenvolvimento de um modelo de 
organização socioprodutiva capitalista de perfil claramente industrial. 
 
 JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL, RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO 39 
 
Nesse contexto, começaram a ser discutidas formas de reclusão daqueles 
qualificados como “criminosos”. Tais discussões proporcionaram o 
desenvolvimento da teorização de modelos penitenciários e de suas aplicações 
práticas, como, por exemplo, o modelo de Filadélfia e o modelo de Auburn, em 
Nova York. 
 
Nesses modelos correcionais, as penas cominadas passaram a ser quantificadas 
em termos de tempo. A reclusão da vida social imposta ao infrator se daria 
assim por um período considerado suficiente para que o mal feito à sociedade 
fosse reparado. 
 
Tais inovações nos processos correcionais daqueles que infringiam a lei devem 
ser consideradas também na lógica dos processos disciplinares, que, a partir 
dos séculos XVII e XVIII, se tornam fórmulas gerais de dominação, que 
construiriam corpos submissos e exercitados; em suma, “corpos dóceis”, que se 
produziram, segundo Michel Foucault, a partir de uma política de coerções e 
restrições, que manipulam e configuram os elementos, gestualidades e 
comportamentos desses corpos. 
 
Modelos penitenciários norte-americanos: o modelo Filadélfia 
 
O modelo Filadélfia foi implantado no presídio da cidade de Filadélfia, em 1790, 
por William Penn, e se baseava nos princípios dos Quaker, segundo os quais 
a religião seria a única base confiável de educação. Assim, a reclusão e a leitura 
da Bíblia poderiam levar o preso à reflexão e ao arrependimento de seus 
pecados. 
 
O trabalho, nesse modelo, não era permitido, pois poderia provocar a dispersão 
do indivíduo em relação à sua reflexão. Dessa forma, no regime prisional 
adotado na Filadélfia, a correção do indivíduo se daria somente pela sua 
consciência e pela arquitetura que o mantinha isolado. 
 
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A característica principal desse modelo era o cumprimento da pena de forma 
isolada de todas as pessoas durante o período da condenação. 
 
Modelos penitenciários norte-americanos: o modelo Auburn 
Esse modelo foi implantado no presídio de Auburn, em 1821, na cidade de 
Nova York. Segundo esse padrão, a preparação do indivíduo preso para seu 
reingresso na sociedade se daria pela “convivência social” com os outros 
presos, pelo respeito à hierarquia e às regras, e pela vigilância constante. 
 
A característica principal desse modelo foi a adoção do trabalho como elemento 
regenerador do preso, o que o diferenciava do modelo adotado na Filadélfia. 
 
Um silêncio absoluto e constante era imposto aos internos que trabalhavam 
durante o dia nas oficinas e, à noite, ficavam recolhidos em celas individuais. O 
silêncio era imposto à base do chicote. 
 
Os modelos penitenciários europeus: o modelo irlandês 
Os sistemas penitenciários europeus, a partir do “sucesso” dos modelos 
prisionais norte-americanos, acabaram por adotar o modelo da Filadélfia depois 
de um longo debate que se desenvolveu no Primeiro Congresso Internacional 
das Prisões, realizado em 1856, na cidade de Frankfurt. Alemanha, França, 
Holanda e Bélgica adotaram pioneiramente esse modelo em suas prisões. 
 
Todavia, na Irlanda, desenvolveu-se um modelo que pode ser considerado, em 
parte, como uma combinação e um aperfeiçoamento dos dois modelos norte-
americanos. O chamado “modelo irlandês” foi idealizado por Walter 
Crofton, em 1853, e constava de quatro fases a serem percorridas 
pelo condenado desde sua entrada no presídio até a liberdade total. 
Tais fases se constituiriam de conquistas de parcelas cada vez mais amplas de 
liberdade. 
 
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Modelo penitenciário irlandês: as quatro etapas 
 
Primeira etapa: é uma cópia do modelo da Filadélfia, em que o interno fica 
recluso em uma cela durante oito ou nove meses para que pudesse 
refletir sobre seus delitos. 
 
Segunda etapa: segue-se aqui a proposta do modelo de Auborn, em que o 
preso passa a trabalhar durante o dia, em ambiente coletivo, em 
completo silêncio e sob rigoroso controle e vigilância, recolhendo-se à 
noite em cela individual. 
 
Terceira etapa: dar-se-ia a transferência do detento para uma prisão 
intermediária, de vigilância mais branda, podendo conversar, caminhar até uma 
certa distância e realizar atividades laborais no campo. 
 
Quarta etapa: antes do retorno definitivo ao convívio social, permitia-se ao 
preso viver em uma comunidade

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