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A EFICÁCIA DA MOBILIZAÇÃO ARTICULAR NO TRATAMENTO DA SÍNDROME DO IMPACTO DO OMBRO Maria Fernanda de Paula Souza Reis 1 mfernandapsreis@gmail.com Dayana Priscila Maia Mejia 2 Pós-graduação em Ortopedia e Traumatologia com Ênfase em Terapia Manual – Faculdade Ávila Resumo A mobilização articular é uma técnica muito utilizada na Fisioterapia para o tratamento das mais diversas doenças articulares. Surgiu por volta de 1940 e foi readaptada por diversos profissionais e ao longo dos anos vem se mostrando cada vez mais eficaz. É classificada como um recurso terapêutico manual, pois o profissional fisioterapeuta aplica as mobilizações e manipulações com suas mãos e o seu corpo, sem fazer uso de qualquer aparelho ou instrumento. Este trabalho tem como objetivo expor a importância da mobilização articular no tratamento da síndrome do impacto do ombro, mostrando a necessidade de tratar a articulação como um todo e os benefícios do tratamento utilizando uma técnica comprovada por seus diversos benefícios. Palavras-chave: mobilização articular, recurso terapêutico manual, fisioterapia, síndrome do impacto. Introdução O ombro é uma articulação complexa, sujeita a um grande número de afecções devido a sua instabilidade e ao grande número de movimentos que é capaz de realizar. Sua parte mais suscetível a essas afecções é a articulação glenoumeral devido a sua anatomia articular. É necessário que todas as estruturas que compõem a articulação trabalhem de maneira harmônica para uma boa funcionalidade do ombro. A síndrome do impacto é a afecção mais comum em membros superiores e a principal causa de dor no ombro. Os movimentos de abdução e flexão de ombro são realizados frequentemente, tanto por atividades laborais, de vida diária ou mesmo lazer, facilitando assim a instalação da lesão. Com a síndrome do impacto ocorre uma mudança na posição da cabeça do úmero que fica mais impactada na cavidade glenóide, prejudicando ainda mais a biomecânica normal do ombro, afetando, além do movimento fisiológico, os movimentos acessórios da articulação. A mobilização articular, que tem excelentes resultados em diversas articulaçõesn torna-se indicada e de suma importância no tratamento da síndrome do impacto, pois através dos micromovimentos aplicados na articulação é possível reposicionar e realinhar a cabeça do úmero, gerar redução significativa da dor, aumentar a amplitude de movimento, restaurando assim a boa funcionalidade do ombro. Na Síndrome do Impacto do Ombro (SIO) deve-se dar maior relevância para algumas estruturas em particular, pois envolve a compressão de estruturas periarticulares no espaço subacromial. Tais estruturas são o manguito rotador, o tendão da cabeça longa do bíceps e a bursa subacromial. É uma síndrome dolorosa, de natureza microtraumática e degenerativa, que acomete a funcionalidade do ombro, principalmente os movimentos de abdução e flexão, podendo haver ou não perda de força muscular. ________________________ ¹Pós Graduando em Ortopedia e Traumatologia com Ênfase em Terapia Manual ²Orientadora: Fisioterapeuta, Especialista em Metodologia do Ensino Superior, Mestranda em Bioética e Direito em Saúde. mailto:mfernandapsreis@gmail.com Anatomia do Ombro Segundo Calais-Germain (2002) o ombro não é uma articulação única, e sim um conjunto anatômico e funcional, atualmente mais conhecida como complexo do ombro. Basicamente existem duas funções para o ombro, de permitir mobilização de grande amplitude do braço e estabilidade quando o membro superior necessita de força. O complexo articular do ombro é constituído por cinco articulações divididas em dois grupos. No primeiro grupo a articulação glenoumeral, sendo a mais importante do grupo, e a articulação subdeltóide, uma está unida mecanicamente a outra, sendo assim, qualquer movimento que ocorre em uma, ocorre na outra simultaneamente. O segundo grupo é composto pela articulação escapulotorácica, a mais importante do grupo, a articulação acromioclavicular e a esternoclavicular, todas unidas mecanicamente. Os dois grupos funcionam simultaneamente, atuando necessariamente ao mesmo tempo (KAPANDJI, 2000). Articulação Glenoumeral A articulação glenoumeral é uma articulação triaxial incongruente, tipo bola e soquete com uma cápsula articular frouxa. Possui suporte dos tendões do manguito rotador e dos ligamentos glenoumerais e coracoumerais. A parte côncava da articulação é a cavidade glenóide e proporciona apenas alguma estabilidade à articulação, por ser pequena e rasa. A parte convexa é a cabeça do úmero que, tendo apenas uma porção em contato com a cavidade glenóide e, sendo grande e arredondada, possui uma instabilidade potencial e permite uma quantidade considerável de movimento umeral (KISNER, 2005; SANTOS, O. S. et al. 1995). A estabilidade dessa articulação se dá pois os tendões do manguito rotador, ligamentos e lábio glenoidal se unem nos locais de inserção de forma que quando os músculos se contraem proporcionam uma estabilidade dinâmica na articulação tensionando a contenção estática. A cabeça longa do bíceps estabiliza contra elevação do úmero e anteriormente resiste à torção nos movimentos de abdução e rotação externa (KISNER, 2005). Manguito Rotador: É composto por quatro músculos: o supra-espinal, infra-espinal, redondo menor e subescapular. São os músculos profundos da articulação glenoumeral que têm ação mobilizadora do úmero, porém sua principal função é a estabilização da articulação. Músculo supra-espinal Sua ação não é potente, não possui nenhum componente significativo de rotação, porém é responsável pela fixação da cabeça do úmero na cavidade glenóide, protegendo-a contra deslocamentos para cima, principalmente no início da abdução, quando o deltoide tenta deslocar a cabeça do úmero para cima. Tem sua origem na fossa supra-espinal e fáscia supra-espinal, e se insere na faceta superior do tubérculo maior. Músculo Infra-espinal É um poderoso rotador lateral, especialmente ao final da abdução. Também é responsável pela abdução por suas fibras superiores e a adução pelas fibras inferiores. Com origem na fossa infra-espinal, margem inferior da espinha da escápula e fáscia infra- espinal, e inserção na faceta média do tubérculo maior. Músculo Redondo Menor Responsável pela rotação lateral e adução no nível da articulação do ombro quando o mesmo está em abdução. Além disso, estabiliza o ombro por compor o manguito rotador. Origina-se do terço superior da margem lateral da escápula e da fáscia que separa o músculo redondo menor do músculo redondo maior e infra-espinal. Insere-se na faceta inferior do tubérculo maior abaixo da inserção do musculo infra-espinal Músculo Subescapular É um poderoso rotador medial, aproxima o braço em abdução para perto do tronco. Tem origem na fossa subescapular e inserção no tubérculo menor e cápsula anterior da articulação do ombro. Articulação acromioclavicular Segundo Kisner (2005), é uma articulação triaxial plana, com ou sem presença de disco. Possui cápsula fraca, reforçada pelos ligamentos acromioclaviculares superior e inferior. Do ponto de vista biomecânico é a principal articulação do complexo articular do ombro. Consiste na união do acrômio da escapula à extremidade lateral da clavícula. Essa articulação não possui suporte dinâmico, pois nenhum músculo cruza a mesma. Existem três tipos de acrômio, o plano, o curvado e em forma de gancho. Acredita-se que as pessoas com o acrômio em forma de gancho são 70% mais suscetíveis a sofrer impacto do que as pessoas com acrômio plano ou ligeiramente curvado. (figura1) Fonte – www.clinicadevita.com.br Figura 1 – tipos de acrômio Tendão da porção longa do bíceps De acordo com Kapandji (2000), é de conhecimento comum nos dias de hoje que o tendão da porção longa do bíceps desempenha papel importante, tanto na fisiologiaquanto na patologia do ombro, fazendo com que durante a contração do bíceps ao carregar um objeto pesado, suas duas porções realizam papel fundamental na coaptação simultânea do ombro. A porção curta eleva o úmero em relação à escápula e se apoia sobre o processo coracóide juntamente com outros músculos, tais como a porção longa do tríceps, coracobraquial e deltóide. Por sua vez, a porção longa coapta a cabeça do úmero na cavidade glenóide, no caso da abdução, já que a porção longa do bíceps constitui parte dos abdutores, por isso sua ligação com a síndrome do impacto. Quando ocorre uma ruptura da porção longa do bíceps, a força de abdução do ombro sofre uma diminuição de 29%. Coaptação muscular do ombro Os músculos periarticulares transversais funcionam como verdadeiros ligamentos ativos da articulação, proporcionando a coaptação das superfícies articulares, encaixando assim a cabeça do úmero na cavidade glenóide. Neste caso são observados os músculos do manguito rotador (supraespinal, infraespinal, redondo menor e subescapular) e o tendão da porção longa do bíceps, ambos descritos acima (KAPANDJI, 2000). Fases da abdução A abdução é dividida em três fases, uma dependente da outra. Em sua primeira fase o movimento ocorre de 0° a 90º e é realizado principalmente pelos músculos deltoide e supraespinal, formando o par da abdução da articulação glenoumeral, esta fase finaliza pois a articulação se bloqueia devido ao impacto da tuberosidade maior do úmero contra a glenóide. Com tal articulação bloqueada, a abdução só pode continuar devido à ação da cintura escapular, compondo a segunda fase, com movimento de 90º a 150º, através dos músculos trapézio e serrátil anterior realizando movimento pendular da escápula e rotação longitudinal das articulações esternoclavicular e acromioclavicular. Desta vez a limitação do movimento se dá pela resistência dos músculos adutores grande dorsal e peitoral maior. Na terceira e ultima fase, de 150º a 180º, é necessária a participação da coluna vertebral para que o movimento seja completo, quando o movimento de abdução é unilateral ocorre uma inclinação lateral pela ação dos músculos espinhais do lado contrário. Se o movimento é bilateral faz-se necessária uma hiperlordose lombar também através dos músculos espinhais. Vale ressaltar que no fim da abdução todos os músculos responsáveis pela mesma estão contraídos (KAPANDJI, 2000). Osteocinemática x Artrocinemática Existem dois tipos de movimento que ocorrem na articulação. O primeiro, e talvez mais conhecido, é o movimento fisiológico, ou movimento osteocinemático, que resulta das contrações musculares ativas, concêntricas e excêntricas que movem o osso ou a articulação. Realizados de maneira voluntária, são movimentos tradicionais como, por exemplo, flexão, abdução e rotação. O segundo é o movimento acessório ou artrocinemático, que é a maneira pela qual uma superfície articular move-se em relação à outra, sendo o movimento dentro da articulação e dos tecidos ao redor, necessários para uma amplitude de movimento normal (KISNER,2000; PRENTICE,2003). Os movimentos fisiológicos ocorrem de maneira voluntária, envolvendo as unidades musculotendinosas. Já os movimentos acessórios acompanham os fisiológicos, envolvendo cápsula articular e ligamentos. A amplitude de movimento normal depende de um bom funcionamento dos movimentos acessórios. Se algum componente dos movimentos acessórios estiver limitado, os movimentos fisiológicos normais não ocorrerão, ocasionando dores, espasmos e rigidez. Por isso a necessidade de reabilitar tanto os músculos quanto as articulações. Quando os movimentos fisiológicos estão restritos, alongamentos devem ser utilizados para ganho de amplitude de movimento. Caso a limitação ocorra em movimentos acessórios, a forma de tratamento mais indicada é a mobilização articular, com o objetivo de alongar ligamentos e cápsula articular, sendo mais segura do que algumas técnicas de alongamento. Artrocinemática Articular Os movimentos acessórios, ou artrocinemática articular podem ser descritos através de três movimentos: o giro, o rolamento e o deslizamento. O giro ocorre ao redor de um eixo mecânico longitudinal estático, podendo ser no sentido horário ou anti-horário. Um exemplo é o movimento do rádio em relação à articulação radioumeral durante a pronação e supinação. O rolamento ocorre quando pontos de uma superfície articular entram em contato com outros pontos de outra superfície articular. Exemplo disso seriam os côndilos femorais rolando sobre o platô tibial, plano e estático. Por ultimo, o deslizamento ocorre quando um ponto especifico de uma superfície articular entra em contato com vários pontos de outra superfície articular, também denominado translação. Ocorre durante um teste de gaveta anterior de joelho, quando o platô tibial plano desliza anteriormente os côndilos femorais arredondados e fixos (PRENTICE, 2003). O movimento de deslizamento geralmente ocorre simultaneamente ao rolamento, que não ocorre sozinho, evitando uma compressão ou mesmo luxação da articulação. No entanto, apesar de acontecerem simultaneamente, não significa que acontecem na mesma direção ou proporção. O movimento predominante depende da congruência da superfície articular. Se a congruência for menor, o rolamento se predominará, se a congruência for maior, o deslizamento é predominante. Ainda conforme Prentice (2003), “o sentido de deslizamento é determinado pelo formato da superfície articular que estiver em movimento”. Uma superfície articular terá forma convexa e a outra côncava. Na articulação glenoumeral a cabeça do úmero é a superfície convexa e a cavidade glenóide a superfície côncava. A relação entre forma e direção fica então definida como regra do côncavo-convexo. A figura 2 explica como a regra do côncavo- convexo deve ocorrer, de maneira que quando a superfície convexa for mobilizada, a mesma deverá ser feita para o sentido oposto ao movimento restrito, enquanto a superfície côncava é estabilizada. Contudo, quando a superfície a ser mobilizada é côncava, a mobilização deve se dar no mesmo sentido do movimento com limitação e a convexa ser estabilizada (KALTENBORN,2002). Fonte – www.osteodoc.ru Figura 2 – Regra do côncavo-convexo Artrocinemática da articulação glenoumeral Kisner (2005) descreve “De acordo com a teoria convexo-côncava de mobilidade articular, com os movimentos do úmero, a cabeça convexa rola na mesma direção e desliza na direção oposta dentro da cavidade glenóide.” É de fundamental importância a avaliação da mobilidade articular a fim de identificar possíveis restrições quanto aos movimentos acessórios, determinando assim a necessidade http://www.osteodoc.ru/ de um tratamento através de mobilização articular e, conhecendo a regra do côncavo- convexo, saber a direção da mobilização para obter resultados positivos e realizar a manobra de forma segura. Cyriax (1989) desenvolveu um dos sistemas de avaliação mais utilizados até os dias de hoje para o exame físico da amplitude de movimento. Especificou seis diferentes tipos para a sensação ao final do arco de movimento, também chamado de end feel, onde o fisioterapeuta realiza o movimento e com base nessa classificação pode determinar o tipo de restrição. Os tipos de sensação estão descritos a seguir. Duro - Esta é a sensação quando o movimento é interrompido por dois ossos em contato entre si. Um exemplo é o fim sensação de extensão do cotovelo. Espasmo - Quando o músculo apresenta espasmos, ele interrompe abruptamente o movimento antes do que deveria ser a amplitude de movimento normal. Geralmente acompanhado de dor percebida no final desse movimento, porque o músculo em espasmo será estirado. Capsular – End feel descrita pela amplitude de movimento limitada no final da cápsula articular. Este tipo de end feel ocorrequando a cápsula articular é a principal limitação para o intervalo final do movimento. Mola - Sensação de movimento curto de parada no momento certo, porém acompanhado por uma sensação elástica no final. Ela ocorre mais frequentemente nas articulações em que há um pedaço de cartilagem solto (como o menisco do joelho) e que pode estar bloqueando o movimento completo e causando que o membro "resalte " um pouco no fim do movimento. Mole - O movimento é interrompido por duas massas de tecido mole pressionadas uma contra a outra. Exemplo disso é o da flexão do cotovelo. Vazio – Não ocorre limitação mecânica no final do movimento, porém o paciente não permite que o fisioterapeuta continue o movimento devido à dor excessiva. Um exemplo seria na síndrome do impacto do ombro, em que a dor do tendão supraespinhoso sendo comprimido limita a mobilização do braço. Síndrome do Impacto Segundo Souza (2001), “[...] a síndrome do impacto é o termo geral designativo de variadas alterações no ombro que se manifesta por dor e limitação funcional, sobretudo na realização de atividades acima da cabeça.” Em geral, a síndrome do impacto refere-se à abdução do braço que fará com que as estruturas supraumerais (principalmente o tendão do supra-espinhal e as bolsas subacromiais) sejam comprimidas com força contra a superfície anterior do acrômio e o ligamento coracoacromial (WHITING; ZERNICKE, 2001). A síndrome do impacto do ombro é uma das afecções musculoesqueléticas mais frequentes em membros superiores, considerada uma das principais causas de dor no ombro, podendo levar a diminuição da função desta articulação e redução da qualidade de vida (BJELLE, 1989; ÖSTOR et al., 2005). Esta síndrome apresenta clara relação entre o fenômeno de impacto e a degeneração do manguito rotador, que durante a elevação do membro superior se choca contra a porção ântero-inferior do acrômio, ligamento coracoacromial e a articulação acromioclavicular, podendo lesar também a cabeça longa do bíceps e a bursa subacromial (NEER, 1972) Em pacientes com a síndrome do impacto, ao realizar a abdução do ombro, ocorre um deslocamento anterior e superior da cabeça do úmero em direção a articulação glenoumeral (DEUTSCH et al., 1996; LUDEWIG; COOK, 2002). A demora na procura por diagnóstico e tratamento fisioterapêutico pode acarretar em dificuldade de retorno às atividades normais, ocasionando possíveis afastamentos das atividades laborais, impossibilitando de exercer funções rotineiras da vida diária, e prejudicando até mesmo o lazer. Observa-se que, se não for tratada, a tendinopatia pode progredir para uma ruptura do manguito rotador, sendo necessária assim intervenção cirúrgica, por isso a importância de intervir precocemente. Alguns programas de reabilitação vêm sido propostos para melhorar a sintomatologia e função do ombro, com objetivo de evitar ou retardar a cirurgia, sendo válido ressaltar a importância de tratar a artrocinemática e não só a osteocinemática. Causas da Síndrome do Impacto As causas da síndrome do impacto podem ser divididas em fatores intrínsecos, quando estão relacionadas a alterações estruturais do espaço subacromial e extrínsecos relacionados ao impacto mecânico nas estruturas do arco coracoacromial. a) Fatores intrínsecos: Filho (2001) descreve como um dos fatores intrínsecos a fraqueza muscular. O manguito rotador é responsável pela estabilização do ombro, deixando ligamentos e a cápsula frouxos na maior parte dos movimentos funcionais, pois sendo os músculos os verdadeiros ligamentos ativos da articulação, quando se encontram fracos, tornam-se limitados na função de impedir o impacto pela elevação da cabeça do úmero em direção à cavidade glenóide. Giordano (2000) cita o uso excessivo, neste caso mais recorrente em atletas ou trabalhadores com movimentos repetitivos acima do nível da cabeça, fazendo com que haja um aumento no nível de tolerância das partes moles gerando inflamação e assim diminuindo espaço subacromial, devido ao aumento das estruturas inflamadas. b) Fatores extrínsecos: Como um dos principais fatores extrínsecos, o impacto subacromial, onde a cabeça do úmero entra em contato com acrômio, gerando degeneração do manguito rotador, como sugere Neer (1972). Quanto a este fator, é necessário comentar sobre os tipos de acrômio. Morrison e col. avaliaram duzentos pacientes e constataram que 80% dos avaliados com ruptura completa de manguito apresentavam o acrômio tipo III, também conhecido como acrômio em forma de gancho. Importante ressaltar também a instabilidade glenoumeral alterando a biomecânica do movimento sobre a cabeça, havendo uma mudança na atividade dos músculos, podendo levar ao impacto (DUTTON, 2004). Mecanismo de Lesão A síndrome de impacto ocorre quando há uma diminuição do espaço subacromial. Isso acontece quando alguma estrutura, estática ou dinâmica, falha em manter esse espaço preservado, fazendo com que as estruturas de tecido mole sejam comprimidas no mesmo. Quadro clínico Geralmente observa-se nas lesões por síndrome do impacto a incapacidade funcional do membro superior para as atividades acima da cabeça, relatando dores e rigidez articular, impedindo o movimento de ser realizado em sua total amplitude. A incapacidade de elevar ativamente o membro superior contra a gravidade pode ser um indicativo de lesão extensa aos tendões do manguito rotador, sobretudo do musculo supra-espinal, (SOUZA, 2001). Neer (1972) descreveu três graus para a síndrome do impacto, os quais são utilizados até os dias atuais: a) Grau I – Presença de edema e hemorragia. Ocorre com maior frequência em jovens com idade inferior a 25 anos, porém, pode ser diagnosticado e ocorrer em qualquer faixa etária. Geralmente decorrente da sobrecarga em atividades esportivas e ocupacionais do membro superior em posição de elevação acima de 90°. b) Grau II – Presença de fibrose, tendinite. Comumente ocorre em indivíduos com idade entre 25 e 40 anos. Está relacionado a traumas repetitivos, os quais podem gerar inflamação das estruturas contidas no espaço subacromial. Devido a inflamações recorrentes, a bursa torna-se fibrótica e espessa. Neste grau, a atividade funcional do ombro não é severamente afetada na realização de ações leves, no entanto torna-se dolorosa à sobrecarga de trabalho do membro superior em posição de elevação acima de 90°. c) Grau III – presença de lesões do manguito rotador, ruptura do bíceps, alterações ósseas. Raramente ocorre em pessoas com idade inferior a 40 anos. O desgaste causado pelo impacto pode levar a rupturas parciais ou completas do manguito rotador. Algumas alterações ósseas que podem ser observadas são diminuição do espaço subacromial, devido à elevação da cabeça do úmero e erosão do acrômio anteriormente, assim como uma leve protuberância na tuberosidade maior do úmero no ponto de inserção do músculo supra- espinal. A função do ombro torna-se progressivamente reduzida e dolorosa, mesmo em atividades leves. Mobilização Articular A mobilização articular é uma técnica da terapia manual que envolve movimentos lentos e passivos das superfícies articulares. É utilizada com diversas finalidades, como aumento de amplitude de movimento, reposicionamento e realinhamento da articulação, restauração da artrocinemática, redução de dor e redefinição da distribuição de forças de maneira uniforme ao redor da articulação. A união de todos esses fatores fará com que haja uma melhora da função articular, fazendo com que as estruturas que compõem a articulação funcionem de maneira harmônica. Posições articulares Segundo Prentice (2003), cada articulação do corpo tem uma posição em que o movimento acessório é possibilitado de realizar sua amplitude máxima. Essa posição é denominada posição de repouso. É necessário conhece-la, pois tanto a avaliação, quanto o tratamento atravésde mobilização articular ocorrerão nessa posição. Quando a articulação é colocada em posição loose-packed significa dizer que as superfícies articulares estão separadas ao máximo, em sua posição de repouso, nesse caso a articulação apresentará maior amplitude de movimento acessório. Quando a articulação está em posição closed-packed significa dizer que está ocorrendo o contato máximo entre as superfícies articulares, com a cápsula e os ligamentos tensos e encurtados. Contudo, a posição loose-packed é considerada a melhor posição para realizar a mobilização articular (PRENTICE, 2003). Técnicas de Mobilização Articular As técnicas de mobilização articular são eficazes para recuperar a mobilidade articular e reduzir a dor, pois a restauração dos movimentos acessórios permite restabelecer a amplitude normal do movimento. Além disso, elas podem ser utilizadas com vários objetivos, como alongamento de tecidos capsulares e ligamentares, diminuição de ação muscular protetora, efeitos reflexogênicos que facilitam o tônus muscular e efeitos proprioceptivos que melhoram a consciência postural e cinestésica. Prentice (2003) descreve que os movimentos acessórios podem ser classificados em hipomóveis, normais ou hipermóveis. Cada articulação possui uma barreira de movimento anatômico (BA), determinada pela disposição óssea e de tecidos moles adjacentes. Em uma articulação com restrição de movimento sua barreira é considerada patológica (BP), sendo assim encontrada antes da BA. Essa limitação pode ocorrer por dor, espasmo ou resistência do tecido. A articulação hipermóvel vai além da BA devido à frouxidão das estruturas adjacentes. A articulação a ser tratada pela mobilização articular é a articulação hipomóvel, ao contrário da hipermóvel que deve ser tratada com fortalecimento e estabilização. As técnicas para melhora do movimento acessório são realizadas de forma lenta e através de pequena amplitude, sendo realizada de maneira passiva dentro da amplitude total da articulação, onde uma das superfícies articulares desliza em uma direção apropriada para a restrição de movimento, quando se encontra a barreira. Tal direção é dada pela regra do côncavo-convexo. Quando a direção apropriada fizer com que o paciente sinta dor, deve-se fazer na direção oposta, até que o mesmo consiga tolerar a dor na direção apropriada. Maitland dividiu a mobilização articular em cinco os graus de oscilação, definindo o grau a partir de um ponto inicial, mobilizando até a barreira anatômica. a) Grau I – Realizados movimentos de pequena amplitude no inicio do arco de movimento. Indicado quando o paciente está com dor e espasmo, limitando o inicio do movimento. Tem como efeito fisiológico a ativação das comportas medulares; b) Grau II – Realizado no meio do arco de movimento, com movimentos de maior amplitude. Indicado quando a dor aparece no meio da amplitude de movimento e quando o espasmo limita o movimento em uma oscilação mais rápida. Neste grau, além de ativar as comportas medulares, ocorre a facilitação do retorno venoso e linfático, promovendo clearance articular; c) Grau III – Movimentos de grande amplitude até a barreira patológica, com o objetivo de gerar estresse no tecido encurtado por aderências. Utilizada quando a dor e o espasmo limitam o movimento próximo ao final do arco de movimento; d) Grau IV – Movimentos de pequena amplitude realizados no final do arco de movimento. É utilizado quando a resistência é responsável pela limitação do movimento, sem dor ou espasmo. O estresse gerado pelos micromovimentos neste grau é capaz de movimentar discretamente os tecidos fibróticos. e) Grau V – Movimentos de pequena amplitude com impulso rápido (thrust) ao final, podendo ou não ocorrer um estalido. O impulso é aplicado ao sentir uma resistência mínima ao extremo da amplitude de movimento. Neste grau, não mais considerado mobilização e sim manipulação articular, ocorre a quebra de aderências, ativa os órgãos tendinosos de Golgi, alterando significativamente as condições dos tecidos que envolvem a articulação. No sistema de Maitland, os graus I e II são utilizados para tratar a dor, e os graus III e IV são utilizados para tratar a hipomobilidade. Deve-se dar início ao tratamento primeiramente para reduzir a dor, evoluindo para a diminuição de restrição de movimento. A articulação deve ser avaliada constantemente para determinar a evolução de um grau para o outro. O objetivo dos movimentos em oscilações de pequena amplitude é de ativar os mecanorreceptores articulares podendo limitar a transmissão da percepção da dor na medula ou tronco cerebral (PRENTICE, 2003). Nos graus II e III, o objetivo da mobilização articular seria direcionar o processo de remodelamento tecidual, reduzir a fibrose, reduzir formação de pontes de colágeno e de adesões do tendão aos tecidos adjacentes. Ocorre também dinâmica dos fluidos reduzindo acúmulo de subprodutos da inflamação, reduzindo assim o processo da dor (LEDERMAN, 1997; MAITLAND, 1991). A articulação deve ser estabilizada bem próximo à superfície articular, enquanto o outro segmento é mobilizado de maneira firme e segura, também próximo a superfície articular a ser mobilizada. Algumas condições são contra-indicadas para a mobilização articular como artrite inflamatória, neoplasias, osteoporose, osteopenia, doença neurológica, fratura e distúrbios vasculares de artéria vertebral. Conclusão Sabe-se que o ombro afetado pela síndrome do impacto tem sua estrutura alterada como um todo. Músculos, ligamentos, tendões, bursa e as articulações em si sofrem alterações e as consequências de tal lesão, prejudicando toda a harmonia necessária para um bom funcionamento do complexo do ombro. A cabeça do úmero altera sua posição original, encontrando-se impactada na cavidade glenóide, fazendo com que as estruturas da articulação sejam comprimidas ao realizar os movimentos de elevação de braço acima do nível da cabeça. Movimentos como abdução e flexão, comuns em atividades do dia-a-dia, se tornam extremamente dolorosos e limitados, tornando tais atividades difíceis e desconfortáveis. Estes movimentos, quando realizados de maneira constante como em atividades laborais, podem até ser causa da síndrome por ser uma articulação extremamente móvel e instável, aumentando a probabilidade de ser acometido por tal lesão. Tendo em vista que a articulação não deve ser analisada somente através de movimentos fisiológicos como também a nível de movimentos acessórios, a mobilização articular se faz de extrema importância para o tratamento da síndrome do impacto. Lembrando-se da necessidade de harmonia entre as estruturas, os movimentos acessórios tem que estar completamente livres de restrições para que ocorra a amplitude de movimento total, podendo através desta técnica se tratar a dor, o edema, a rigidez articular liberando as aderências pela fibrose e reposicionando a cabeça do úmero, sendo assim um tratamento completo para a síndrome do impacto. Referências Bibliográficas BIGLIANI LU, LEVINE WN. Current concepts review: Subacromial impingement syndrome. J Bone Joint Surg Am 1997;79-A:1854-68. BJELLE, A. Epidemiology of Shoulder Problems. Baillieres Clin Rheumatol. 1989; 3:437-51. BULLOCK MP, FOSTER NE, WRIGHT CC. Shoulder impingement: the effect of sitting posture on shoulder pain and range of motion. 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