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FARMACOLOGIA HOMEOPÁTICA PROF. DSC. ALEX LUCENA O MODELO HOMEOPÁTICO Apresenta aspectos filosóficos e científicos. Ele é filosófico quando considera a força vital responsável pela manutenção da saúde; é científico quando recomenda experimentação e análise criteriosas nas pesquisas patogenética e clínica. Apoiado em experimentos científicos, Hahnemann constatou que drogas administradas a indivíduos sadios provocavam duas fases distintas e sucessivas de sintomas, as quais ele denominou efeitos primário e secundário. Toda força que atua sobre a vida, todo medicamento, afeta, em maior ou menor escala, a força vital, causando certa alteração no estado de saúde do homem por um período maior ou menor. A isto se chama ação primária. Nossa força vital se esforça para opor sua própria energia a esta ação. Tal ação oposta faz parte da nossa força de conservação, constituindo uma atividade automática dela, chamada ação secundária ou reação. (Hahnemann, S 63, 1996) AÇÃO PRIMÁRIA E SECUNDÁRIA A partir da absorção da droga, o efeito primário é imediatamente sentido. Este representa a propriedade da substância em alterar o meio interno; é a consequência direta (química) da droga no organismo, capaz de causar os chamados sintomas primários (patogenéticos). Na tentativa de restabelecer o equilíbrio perdido, o organismo lança mão do efeito secundário; é a consequência da reação homeostática do organismo, capaz de proporcionar efeitos secundários (reacionais), opostos aos sintomas primários, com a finalidade de neutralizá-los. Efeito primário ou ação primária é a modificação de maior ou menor duração provocada por toda substância na saúde do indivíduo. Efeito secundário ou reação secundária é a reação do próprio organismo ao estímulo que o altera. As primeiras referências à ação dupla e inversa das drogas foram feitas no século V a.C. por Hipócrates. Ele enunciou que “a droga não faz a mesma coisa neste instante e no instante seguinte, agindo de maneira contrária a ela mesma, no mesmo indivíduo, sendo essas ações opostas uma à outra”. Como exemplo, referindo-se ao sulfato de sódio, explicou que os purgativos nem sempre agem como tais, sendo dotados de dupla ação, ora purgando, ora constipando os intestinos. A farmacologia clássica permite esclarecer os mecanismos de ação das drogas responsáveis pelos efeitos primário e secundário. A farmacodinâmica, área básica da farmacologia, estuda os efeitos bioquímicos e fisiológicos das drogas e seus mecanismos de ação. Segundo Goodmann e Gilman, os objetivos da análise da ação das drogas são identificar o efeito primário que elas provocam no organismo humano, esclarecer suas interações, a sequência, o campo de ação e os efeitos completos. O efeito primário resulta da interação das drogas com componentes celulares (receptores e células-alvo), alterando as funções orgânicas, estimulando-as (efeito primário agonista) ou inibindo-as (efeito primário antagonista). Por meio do efeito primário, as drogas são potencialmente capazes de despertar ou modificar as funções orgânicas. Todavia, são totalmente incapazes de criá-las. Já o efeito secundário, chamado pela farmacologia moderna de efeito rebote ou reação paradoxal do organismo, representa a hiperatividade ou a supersensibilidade aos agonistas e antagonistas de receptores (drogas) após diminuição do nível crônico de estimulação do receptor pelo fármaco ou sua completa metabolização (meia-vida). O efeito secundário é responsável pela dessensibilização dos receptores (refratariedade), provocando o fenômeno de tolerância às drogas. Nesse caso, o efeito que acompanha a exposição continuada da droga fica reduzido ou é totalmente anulado. Droga é qualquer substância capaz de promover alterações somáticas e funcionais nos organismos vivos. As drogas podem ser utilizadas terapeuticamente de duas maneiras: por meio da lei dos contrários e por meio da lei dos semelhantes. Para compreender a viabilidade da cura mediante condutas terapêuticas tão antagônicas, é preciso saber que uma droga é capaz de despertar dois efeitos no organismo: o primário (drogal) e o secundário (reação orgânica), sendo o segundo oposto ao primeiro, para neutralizá-lo. Ex.: droga adrenalina. Se a injetarmos no tecido subcutâneo de um indivíduo haverá vasoconstrição, aumento da pressão sanguínea e do batimento cardíaco. É a manifestação do efeito primário. O organismo aciona seus mecanismos homeostáticos endógenos produzindo acetilcolina, por meio das glândulas suprarrenais. Essa substância provoca vasodilatação, diminuição da pressão sanguínea e do batimento cardíaco. É a manifestação do efeito secundário. Esse mecanismo, conhecido como feedback, compensa os estresses para manter a homeostase orgânica. A ação primária é imediatamente sentida nas doses elevadas. Quando a droga atinge baixo limiar sanguíneo ou é eliminada, a reação secundária (efeito rebote) é manifesta. Sua intensidade em geral é maior e de sentido oposto ao da ação primária que a droga produz. A cafeína, por exemplo, em sua dose usual, quando utilizamos o café como bebida, apresenta ação primária estimulante. À medida que essa substância é eliminada do organismo, a reação secundária passa a ser notada por um estado de sonolência e desânimo. Desse modo, ao contrário do que muitos pensam, o indivíduo viciado em café apresenta-se mais sonolento com o passar do tempo, pois, apesar de a cafeína tirar o sono por seu efeito estimulante (primário), estimula-o por seu efeito depressor (secundário). Ou seja, quanto mais o indivíduo ficar estimulado pela ingestão de café, mais sonolento ficará quando a cafeína não exercer mais sua ação direta e primária no organismo após sua eliminação. Para manter o estado de vigília, o indivíduo tem de ingerir mais café, em um círculo vicioso. Determinada droga de meia-vida curta terá ação imediata. À medida que o paciente ingere novas doses da droga, torna-se evidente o efeito rebote após a suspensão abrupta da droga. Entretanto, uma droga de meia-vida longa, com excreção lenta, produzirá o efeito rebote mais tardiamente, desde que ocorra sua suspensão abrupta. Os toxicômanos fornecem exemplos preciosos da ação dupla e inversa das drogas. No usuário de ópio, na fase primária de excitação, observamos os seguintes sintomas, entre outros: diminuição da excitabilidade nervosa, abolição da dor, sonolência e estado particular de sonho. Na fase secundária de reação orgânica, notamos os seguintes sintomas: irritabilidade excessiva, dores espasmódicas, insônia, superexcitação mental. O quadro proporcionado pela reação secundária do organismo às drogas que viciam é muito desagradável, levando o indivíduo à ingestão de novas doses. Para o organismo antagonizar os efeitos produzidos pela ação primária, tem de agir mais fortemente por meio de seus efeitos secundários. Para manter os sintomas primários, que lhe proporcionam o “bem-estar” passageiro, o viciado vai aumentando gradativamente a dose (tolerância) até que uma dose fortíssima (overdose), de caráter letal, promova a inibição dos centros nervosos, com consequentes coma e morte. FARMACOLOGIA DOS CONTRÁRIOS Com base na constatação de que uma droga é capaz de despertar dois efeitos no organismo, Hipócrates assumiu duas linhas específicas de tratamento: a lei dos contrários e a lei dos semelhantes. Para ele, era conveniente “sempre tratar, pelos contrários ou pelos semelhantes, qualquer que fosse o mal e de onde ele viesse”. A medicina alopática emprega a lei dos contrários para o tratamento de seus pacientes. Hahnemann fez referência a quatro diferentes maneiras de medicar: 1. Alopática. 2. Enantiopática. 3. Homeopática. 4. Isopática. O método alopático, do grego allo, diferente; e pathos, sofrimento, tende a desenvolver no homem sadio sintomas diferentes em relação àqueles apresentados pela doença a ser curada. Ex.: prescrever antibióticos ou antiparasitários. O método enantiopático, do grego enantios, contrário, oposto; e pathos, sofrimento, produz no homemsadio efeitos contrários (antipáticos) àqueles apresentados pelo doente. Ex.: antitérmicos ou antiácidos. O método homeopático, do grego homoios, semelhante; e pathos, sofrimento, faz uso de substâncias que produzem no homem sadio sintomas semelhantes àqueles apresentados pelo doente. Ex.: tratar cardiopatias com digitalina e metrorragias com ergotina. O método isopático, do grego isos, o mesmo; e pathos, sofrimento, é o método terapêutico que promove o tratamento da doença pelo mesmo princípio infeccioso que a produziu. Ex.: vacinas ou agentes dessensibilizantes. Entretanto, a medicina convencional, apesar de utilizar os quatro métodos terapêuticos referidos por Hahnemann, ainda que de maneira inconsciente, é chamada erroneamente de medicina “alopática”. Neste livro, adotamos o termo alopatia como sinônimo de enantiopatia, em decorrência de seu uso tradicional. Vejamos, a seguir, um exemplo de tratamento pela lei dos contrários de paciente que apresenta indisposição, sonolência, fadiga e bradicardia como sintomas. Ele receberá uma droga produtora de efeitos estimulantes, primários, para neutralizar esses sintomas. Enquanto a concentração da droga permanecer alta no sangue, o paciente se sentirá “curado”. Entretanto, para retornar à homeostase inicial, o organismo reagirá ao estímulo que a droga provocou, produzindo efeitos opostos, depressores, secundários. Quando essa droga for eliminada do organismo, o paciente voltará a sentir aqueles sintomas, porém mais fortes, pois o organismo produziu efeitos depressores contra a ação estimulante que a droga proporcionou em seu efeito primário Para evitar esse efeito rebote (reação secundária) e manter a concentração sanguínea da droga em patamar suficiente para produzir o efeito estimulante (ação primária), o paciente receberá, periodicamente, novas doses da droga. Suponhamos que os sintomas apresentados por esse paciente fossem relacionados a uma depressão causada pela perda de um filho muito querido. Ao receber a droga estimulante os sintomas seriam extintos, mas a causa do problema não. A não aceitação dos fatos da vida exigirá a continuidade do tratamento enantiopático. Se o paciente optar por interromper o tratamento, seu estado se agravará em função do efeito rebote, cujos sintomas são semelhantes aos provocados pela depressão. Com isso, o paciente retomará o tratamento. Com o uso prolongado da droga, ele se tornará dependente. No início do tratamento ele apresentava estado depressivo; agora tem de combater dois problemas: a doença e a dependência química. Relacionando o efeito rebote ao efeito de abstinência (dependência física à droga), encontramos na literatura farmacológica moderna inúmeras constatações da manifestação da reação secundária: As explicações para os efeitos observados com a abstinência da droga, discutidos agora, refletem algumas implicações importantes para a dependência das drogas. Os sinais e sintomas de uma verdadeira abstinência da droga são, em geral, exatamente opostos aos efeitos agudos desta, de modo que drogas estimulantes podem provocar depressão e lassitude por ocasião da retirada, enquanto ansiolíticos podem causar ansiedade grave. Hahnemann combateu o método terapêutico dos contrários por julgá-lo prejudicial aos doentes. Afirmou que, após uma pequena pausa promovida pelos medicamentos alopáticos, a doença piora. Isso porque o efeito primário, promovido pela ação do medicamento paliativo, induz à manifestação de um efeito secundário do organismo semelhante à doença. Nos livros clássicos de farmacologia encontramos vários exemplos de intensificação dos sintomas da doença após descontinuação ou suspensão abrupta de medicamentos. Todavia, o efeito rebote, que é apenas a reação secundária de Hahnemann, é tido como um efeito indesejável, sendo muito pouco estudado. Como exemplo evidente da observação do efeito rebote (secundário) após a suspensão da droga, apresentamos, a seguir, alguns relatos experimentais desse fenômeno, citados por Teixeira (1998, 1999), em indivíduos submetidos a tratamento farmacológico clássico e referendados no United States Pharmacopeia Dispensing Information (USPDI) e no American Hospital Formulary Service (AHES). ❖Bloqueadores beta-adrenérgicos (atenolol, propranolol, timolol etc.) ❖Indicação terapêutica: arritmia ventricular. ❖Efeito rebote: batimentos cardíacos rápidos ou irregulares. A suspensão brusca pode causar taquicardia ventricular. (USPDI, 1996, p. 579) ❖Nitratos ❖Indicação terapêutica: hipertensão arterial. ❖Efeito rebote: pacientes que consomem nitroglicerina cronicamente relatam efeito rebote nos parâmetros hemodinâmicos após a suspensão da droga. (AHFS, p. 959). ❖Dopamina ❖Indicação terapêutica: hipotensão aguda. ❖Efeito rebote: hipotensão arterial. (USPDI, 1994, p. 1234; AHFS, p. 620) ❖Barbitúricos ❖Indicação terapêutica: ansiedade, tensão e apreensão. ❖Efeito rebote: ansiedade, nervosismo e inquietude. (USPDI, 1996, p. 511) ❖Benzodiazepínicos ❖ Indicação terapêutica: crise convulsiva. ❖Efeito rebote: convulsões. (USPDI, 1996, p. 542; AHES, p. 1129) ❖Haloperidol ❖ Indicação terapêutica: distúrbios psicóticos. ❖Efeito rebote: exacerbação dos sintomas psicóticos. (USPDI, 1996, p. 1593; AHEFS, p. 1205) ❖Codeina ❖Indicação terapêutica: tratamento da dor. ❖Efeito rebote: dores generalizadas. (USPDI, 1996, p. 2216; AHFS, p. 1069) ❖Cafeína ❖Indicação terapêutica: tratamento das cefaleias vasculares; coadjuvante da analgesia. ❖Efeito rebote: dor de cabeça; aumento da sensibilidade ao tato ou à dor. (USPDI, p. 683; AHES, p. 1235) ❖Corticosteroides - via nasal (beclometasona, dexametasona) ❖Indicação terapêutica: estados alérgicos e inflamatórios nasais (p. ex., rinite). ❖Efeito rebote: congestão nasal contínua, aumento não habitual de espirros, ardor, secura ou outra irritação no interior do nariz. (USPDI, 1996, p. 942; AHES, 1546) ❖Paracetamol ❖Indicação terapêutica: tratamento da febre. ❖Efeito rebote: febre inexplicável. (USPDI, 1996, p. 3; AHFS, p. 1104) FARMACOLOGIA DOS SEMELHANTES Para Hahnemann, o verdadeiro e sólido método de cura está no emprego da lei dos semelhantes. Com a administração de uma droga capaz de provocar no homem sadio sintomas semelhantes aos que se deseja curar no doente, o organismo, por meio da reação secundária, reagirá contra a doença artificial provocada pela droga, semelhante à doença natural, eliminando-a e promovendo o equilíbrio orgânico. Se os médicos tivessem sido capazes de refletir sobre esses tristes resultados do emprego de medicamentos antagônicos, teriam, então, há muito tempo descoberto a grande verdade: que é justamente no oposto de tal tratamento antipático dos sintomas da doença que deve ser encontrado o verdadeiro e sólido método da cura. Eles teriam percebido que, assim como uma ação medicamentosa antagônica (medicamento empregado de modo antipático) tem alívio apenas temporário, agravando-se sempre após sua ação, o procedimento oposto, o emprego homeopático dos medicamentos, de acordo com a semelhança dos sintomas, deveria, necessariamente, realizar uma cura duradoura e perfeita se, nesse processo, o oposto de suas grandes doses, as doses mais diminutas fossem empregadas [...]. (Hahnemann, $ 61, 1996) Vejamos, a seguir, um exemplo de tratamento pela lei dos semelhantes de paciente portador dos mesmos sinais e sintomas apresentados pelo doente do exemplo anterior (indisposição, sonolência, fadiga e bradicardia). Ele receberá uma droga que produzirá efeitos depressores, primários, exatamente para estimular o organismo a reagir contra esses sintomas. Enquanto a concentração da droga permanecer alta no sangue o paciente se sentirá muito pior, pela soma dos sintomas naturais relacionados à doença com os sintomas artificiais provocados pela droga (agravação homeopática). Entretanto, para manter a homeostase, o organismo reagirá à depressão que a droga provocou, produzindo efeitos estimulantes secundários. Quando a droga depressora for eliminada, o pacientese sentirá melhor, pois o organismo produziu efeitos estimulantes contra a ação depressora que a droga proporcionou em seu efeito primário. No início de sua carreira como homeopata, Hahnemann não utilizava medicamentos diluídos e potencializados. Ele empregava drogas em concentrações elevadas, o que ocasionava a referida agravação inicial dos sintomas. Atualmente, a cura por meio da terapêutica dos semelhantes pode ser explicada com o conceito de homeostase - tendência que os organismos vivos apresentam de manter um estado de equilíbrio interno, apesar das variações do meio ambiente externo. Sob a ação de estresses internos e externos, o sistema nervoso pode modular o sistema imunoendócrino, por meio dos nervos e das glândulas. Cada hormônio da glândula pituitária posterior está sob o controle neuroendócrino do hipotálamo. Sua secreção pode ser influenciada por estímulos vindos de outras glândulas distribuídas pelo corpo e por influências ambientais, ritmos do sono, estresse físico e emocional. Cada um desses hormônios tem efeito direto ou indireto na resposta imunológica e vice-versa. Por outro lado, o sistema imunológico gera sinais que são captados para alterar a atividade do sistema nervoso central, proporcionando resposta modulatória neuro endócrina e sinais nervosos autonômicos, promovendo uma regulação em feedback sobre a sua própria atividade. Essa comunicação provocada pelo sistema nervoso central proporciona uma melhora do sistema imunológico. Desse modo, existe uma vasta rede de comunicação pela qual o organismo age como um ser bio-psíquico-mental, por meio da fisiologia integrativa patrocinada pelo sistema neuroimunoendócrino. Hahnemann atribuía à força vital o papel de manter o equilíbrio entre estes três níveis dinâmicos: físico, emocional e mental. O exemplo mais esclarecedor da neuroimunomodulação é demonstrado pela ativação da secreção da glândula suprarrenal, que ocorre em resposta a estímulos inflamatórios. Quando o organismo reage a uma agressão aos tecidos, ele o faz por meio de células de defesa, fatores quimiotáticos e mediadores químicos acionados pela comunicação entre os sistemas nervoso, endócrino e imunológico. O resultado dessa complexa resposta é a inflamação. Com esses dois exemplos procuramos atualizar a visão de como a força vital opera no controle da homeostase orgânica. A ENERGIA MEDICAMENTOSA Para evitar a agravação dos sintomas, a homeopatia emprega medicamentos diluídos e potencializados por meio do processo de dinamização. Dessa forma, é rara a ocorrência de sintomas primários perceptíveis, a não ser em indivíduos suscetíveis. O medicamento dinamizado é o estímulo necessário para despertar a reação vital. Com a diluição da droga, a agravação é controlada; e com a potencialização, a reação orgânica é estimulada ainda mais no sentido da cura. O principal entrave para explicar cientificamente o fenômeno homeopático está nas diluições elevadas empregadas nos medicamentos homeopáticos. Sabemos que o efeito farmacológico aumenta com a concentração da droga. Todavia, com o processo de dinamização, ou seja, com o emprego de doses mínimas potencializadas, até mesmo na ausência de moléculas da droga original, ocorre uma ação farmacológica de sinal contrário, a reação secundária. Como explicar a ação homeopática de substâncias ausentes em uma solução? Esta questão é difícil de ser respondida com o conhecimento científico atual. Todavia, não podemos descartar a existência de um fenômeno reprodutível. Essa reprodutibilidade vem sendo demonstrada por meio de experimentos biológicos e divulgada em artigos publicados em revistas indexadas, livros e conferências. Entre essas pesquisas, citamos os trabalhos de Youbicier (J. Int. Immunotherapy, 1993), Endler (Veterinary and Human Toxicology, 1995) e Bastide (Signals and Images, 1997). O medicamento dinamizado, semelhante à enfermidade potencializada, faz o efeito primário passar despercebido, a não ser nos indivíduos suscetíveis; entretanto, desperta o efeito secundário do organismo. Essa é a razão de seu uso. A concentração de um medicamento homeopático é proporcional a 100-n molar, sendo n o grau de dinamização (diluições sucessivas, seguidas de agitações). O limite de Avogadro é superado quando n > 12, ou seja, a partir de uma diluição 100-12 não há mais moléculas da droga original. Desse modo, a ação do medicamento homeopático não depende da presença de moléculas da droga. Todavia, existe uma “informação”, algum tipo desconhecido de energia, uma vez que os organismos vivos reagem a ela. À energia produzida pelas agitações deve ser a responsável pela transferência das informações medicamentosas à solução. Atualmente existem duas linhas de pesquisa que tentam explicar o fenômeno das ultradiluições homeopáticas: a hipótese molecular e a não molecular. A primeira linha busca associar aos medicamentos homeopáticos alterações estruturais nas moléculas do solvente (tamanho e ângulo). Demangeat (1992), empregando técnicas de ressonância nuclear magnética, observou que as moléculas da água dos medicamentos homeopáticos apresentavam alterações em seus tamanhos e ângulos. Giudice (1988), Lobyshev (1999) e Lo (2000), empregando técnicas de espectroscopia de infravermelho e Raman, descreveram modificações na auto-organização das moléculas da água após o processo de dinamização, originando quase cristais, formados por ligações de hidrogênio entre as moléculas da água (clusters). Esses e outros trabalhos mostram, de modo experimental, que o soluto impõe a estruturação de clusters; campos elétricos, correntes elétricas, ultrassons e agitações alteram as propriedades da água, originando-os; seu tamanho e geometria são responsáveis por modificações das propriedades físico-químicas da água (condutividade elétrica, pressão de vapor, tensão superficial etc.). Campos magnéticos enfraquecem e quebram as ligações de hidrogênio destruindo os clusters, os quais se aderem fortemente às superfícies sólidas. Temperaturas superiores a 60°C os degradam. Apesar das evidências experimentais e dos relatos sobre as alterações do comportamento da água após ser submetida ao processo de dinamização, não há resultado cientificamente conclusivo sobre o mecanismo de ação dos medicamentos homeopáticos. A segunda linha baseia-se na ideia de que a informação contida em uma substância exerce papel de significante biológico capaz de gerar modificações fisiológicas, após sua interpretação pelo organismo (teoria dos significados corporais), de acordo com Bastide (1997) e Zacharias e Zacharias (1997). A palavra “informação” é usada com base na observação experimental de que propriedades físico-químicas de uma substância podem ser transmitidas nas dinamizações. Segundo a teoria dos significados corporais, sistemas em interação podem trocar informação não molecular. Os organismos vivos são capazes de intercambiar informação com o mundo exterior, sendo que essa informação, ao circular em seu interior, permite trocas em cada nível. À informação não existe sem três elementos fundamentais: a matriz da informação, a mediadora da informação e o receptor da informação. O organismo vivo atua como um sistema aberto que ressoa com os acontecimentos provenientes do ambiente externo que tenham sentido para ele. Dessa forma, enquanto o insumo ativo é a matriz da informação, a água (clusterizada) é sua mediadora. O doente, por sua vez, é o receptor sensível, capaz de ler e traduzir a informação. Essa linha de pesquisa permite a comparação de resultados experimentais. As hipóteses molecular e não molecular oferecem caminhos teóricos para a construção de modelos conceituais que possam explicar o mecanismo de ação dos medicamentos homeopáticos. Esses modelos devem considerar a capacidade de auto-organização das moléculas da água diante de uma informação passada pelo processo de dinamização, bem como a capacidade dos corpos vivos de interpretá-la. À maneira pela qual essa informaçãoinfluencia a formação dos clusters e age terapeuticamente sobre os organismos vivos é uma questão fundamental que se vem tentando esclarecer. O filósofo Friedrich Nietzsche diz que frente ao desconhecido o primeiro instinto humano é: “qualquer explicação é preferível a falta de explicação”. Por isso, os céticos comodistas passaram séculos dizendo para si mesmos que a ultradiluição é impossível, buscam o alívio, pois o desconhecido é perigoso. Excluem o imprevisto das possibilidades e, pior, impedem a sua investigação. Um livro de farmacologia convencional (Rang – Dale) muito utilizado pelos alunos de medicina ilustra bem já em seu primeiro capítulo essa postura preconceituosa frente à farmacologia homeopática: “O sistema (da Homeopatia) rapidamente desviou-se para o absurdo: por exemplo, Hahnemann recomendou o uso de diluições de 1: 1060, equivalente a uma molécula na órbita de Netuno”. Para a farmacologia clássica, entender a ação dos medicamentos é estudar “interações químicas convencionais entre fármacos e tecidos”. Para a Homeopatia, entender a ação dos remédios é observar aquilo que provocam na totalidade (mental-geral-físico) do sujeito. A pergunta que sempre se fez é: - Será possível que a água, na qual a substância foi diluída, possa produzir efeitos farmacológicos mesmo na ausência da substância? Hahnemann respondeu à mesma questão nestes termos: “Algo que de fato ocorre deve ao menos ser possível”. Para o bom cientista, primeiro vêm os fatos e depois as explicações. E o fato é este: há 200 anos os homeopatas observam curas e patogenesias desencadeadas por medicamentos ultradiluídos. Lei de Arndt e Schultz