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Ética, Cidadania e Sustentabilidade Ética, Cidadania e Sustentabilidade Aula 02 Ética e direitos humanos Objetivos Específicos • Compreender os direitos humanos. Temas Introdução 1 Os conceitos de ética e direitos humanos 2 A fundamentação ética 3 A questão histórica 4 A diferenciação social Considerações finais Referências José Antônio Fracalossi Meister Professor Autor Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Ética, Cidadania e Sustentabilidade 2 Introdução Nesta aula, buscaremos um entendimento da ética e seus elementos constituintes, analisando a sua relação com os direitos humanos e o que eles podem oferecer de fonte inspiradora para a ética. A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um tratado sobre os direitos fundamentais, que orienta pessoas e nações e, nesse sentido, inspira a ética, oferecendo um caminho melhor a seguir. Quando nos questionamos sobre alguma atitude ou reconhecemos que não foi uma ação correta, de uma forma ou de outra, sentimo-nos insatisfeitos com nós mesmo. Ao contrário, cada vez que fomos capazes de deitar a cabeça o travesseiro e dizer, cada um a si mesmo, com absoluta convicção de estar sendo sincero, agi bem, fiz o certo, experimentamos alegria (Introdução – para começo de conversa: o que é ética? (LACERDA; PESSOA, 2018, p. 10). Podemos compreender os direitos humanos de dois modos. Como um conjunto de princípios elaborados e estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), que visa à garantia de direitos considerados fundamentais e essenciais para um bom convívio social, e, segundo Mondaini (2009, p. 12), como um: […] conjunto articulado e interdependente dos direitos civis, políticos, sociais econômicos e culturais, fundados, para além da ideia de universalidade, no princípio da indivisibilidade e no horizonte da internacionalização, condição indispensável para a luta pela construção de uma cidadania global. Um modo representa o conjunto fixado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e que nos é acessível. Já o segundo, pelo fato de ter um caráter mais jurídico, está expresso em muitas leis e, em especial, no caso brasileiro, na Constituição da República Federativa do Brasil. As duas concepções não se contradizem, mas têm um caráter diferencial. A declaração da ONU é uma recomendação aos países membros para que preservem os direitos fundamentais, já a Constituição, pelo seu caráter jurídico é impositiva. A título de exemplificação, o artigo 5º da Constituição Federal afirma: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros, e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade, nos termos seguintes: [...] XXII – é garantido o direito de propriedade; XXIII – a propriedade atenderá sua função social; […] (BRASIL, 1988). A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo XVII, recomenda: 1. Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros. Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Ética, Cidadania e Sustentabilidade 3 2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade (ONU, 1948, p. 10). Comparando as duas redações, podemos observar que tratam do mesmo assunto – propriedade privada –, de forma diferente, mas não divergente. Para a Declaração, a propriedade é um direito; já para a Constituição, ela é uma garantia. E assim se poderia fazer em relação a outros aspectos. O Brasil, como um país signatário da ONU, acolhe o que diz a Declaração e a transforma em lei, a fim de cumprir essa recomendação importante para o desenvolvimento do ser humano. 1 Os conceitos de ética e direitos humanos A ética surge na história como uma forma de auxílio na resolução dos problemas diários. Isso nos mostra que a humanidade, desde os primeiros agrupamentos, precisou de elementos para agir com correção e justiça. Não devemos esquecer que o ser humano precisa dos outros para se desenvolver, ou seja, a convivência é fundamental. Por outro lado, apesar de fundamental, a convivência pode ser também problemática, pois nas relações estabelecidas surgem os conflitos. A sociedade ideal é, e sempre foi, o sonho da humanidade. Como exemplo, podemos pensar na história do paraíso descrita na bíblia. Lá, temos a realidade perfeita, em que tudo ocorre em harmonia e paz, até o momento em que a harmonia é desafiada pelo ser humano. Este, ao usar sua liberdade, destrói a harmonia. O desafio presente é encontrar formas para fazer com que os seres humanos venham a agir bem e possam conviver harmoniosamente, já que a convivência é uma necessidade humana. A ética é protetiva e auxilia no convívio social. Ela não surgiu como um ato impositivo, mas como uma necessidade humana. Muitas vezes, encaramos a ética como imposição de um grupo sobre outro, porém, é preciso ir além desta concepção e pensá-la como uma necessidade humana para viver bem e se desenvolver plenamente. Tanto os direitos humanos como a ética são constituídos historicamente a partir das situações vivenciadas pela humanidade. Delas, surgem as questões a serem pensadas e respondidas. Direitos humanos e ética buscam oferecer respostas às diversas situações vividas pelas pessoas em sua individualidade e pela humanidade, como um todo, por isso é importante que as relações humanas sejam aceitas e executadas por todos, sem exceção. O pensamento ético e os direitos humanos surgem para proteger o que nos é mais significativo, como a vida, os bens que se dispõem e os direitos fundamentais para que se Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Ética, Cidadania e Sustentabilidade 4 possa viver dignamente. As normas éticas podem ou não constar de leis ou códigos. Mas o juízo ético é, essencialmente, um juízo moral. Uma ação pode ser legal e não ser ética. E, em certos casos, pode ser ilegal e considerada moralmente ética. Em resumo, a palavra ética se aplica à conduta humana. A ética aprova u desaprova os atos de um ser humano, qualificando-os como certos ou errados, do ponto de vista moral (LACERDA; PESSOA, 2018, p. 10-11). Os direitos humanos são ditos como fundamentais, pois não se pode abrir mão deles. O mesmo se dá com a ética. Algumas pessoas podem não agir eticamente, mas não se pode afirmar que a ética é desnecessária. Temos que manter presente que ética e direitos humanos existem para justificar o nosso convívio social. Direitos devem ser realizados e, por isso, cabe a cada um fazer com que seus direitos se cumpram. Saúde, educação e previdência, entre outros, são direitos fundamentais para que as pessoas possam viver bem. As pessoas, ao se organizarem em sociedade, entendem que juntas tendem a realizar o que está na vontade de cada um e, ao mesmo tempo, faz parte da vontade de todos. Em resumo, todos desejam viver bem, conforme aquilo que reconhecem ser fundamental para si e também para os outros. 2 A fundamentação ética A pergunta sobre como justificar eticamente as ações expressas na Declaração Universal dos Direitos Humanos leva os teóricos a muitas discussões. Surgem questões, como: onde justificar a afirmação que somos todos iguais em dignidade e direitos? É preciso considerar que nascemos diferentes, somos diferentes e precisamos dessas diferenças para que possamos nos desenvolver como humanidade. A discussão aprofunda-se quando nos referimos aos direitos humanos, que envolve duas situações: o direito à vida, ou seja, ao existir, e os direitos aos quais não se pode abrir mão (como liberdade, igualdade etc.). Uma pessoa tem uma dívida para com outra e não tem como pagá-la. Então, resolve trabalhar para o credor de graça até que a dívida seja paga. Você concordaria com isso? Se disser que sim, como essa pessoa se sustentaria? Qual é a diferença entre este trabalho e a escravidão? Como se estabeleceria o tempo que o devedor precisaria trabalhar para pagar essa conta? Quem determinaria esse tempo? Como nós podemosnegociar uma dívida? Geralmente, aquele que detém o poder impõe sua vontade sobre o mais frágil; dessa forma, é mais difícil estabelecer uma relação de igualdade Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Ética, Cidadania e Sustentabilidade 5 A justificação para os direitos humanos é necessária, pois vivemos em uma sociedade em que tudo deve ser justificado e fundamentado. Dentro dessa lógica, o que não for assimilado não se torna defensável. A tarefa de justificação é difícil, mas, ao mesmo tempo, necessária. O que mais se aproxima de uma justificativa para este caso é o fato de dizer que os direitos humanos são elementares, ou seja, são essenciais para todas as pessoas viverem bem. Não basta para o ser humano apenas viver. É preciso que ele viva bem! Tal característica é uma qualidade humana, ao contrário de outros animais para os quais sua condição natural é estar bem. O ser humano, pelo fato de se formar, se tornar humano, precisa de diversos fatores que garantam seu modo de melhor viver. Conforme Mondaini (2009), historicamente, o que se viu foi que os direitos foram aos pouco sendo reconhecidos: as liberdades individuais (direitos civis), a igualdade política (os direitos políticos) e a igualdade social (os direitos sociais). No Brasil, primeiro foram reconhecidos os direitos sociais, já os direitos civis e políticos não eram garantidos. A busca pela efetivação dos direitos humanos é eterna, assim como foi necessário estabelecer seus princípios. Deve-se sempre zelar para que jamais sejam desrespeitados e que os direitos não sejam reconhecidos como tal apenas para alguns. Por isso, vale afirmar os direitos humanos e sua defesa é uma necessidade. Mas as pessoas precisam estar convictas de que lutar por seus direitos é fundamental e, se alguns se apropriarem de direitos que são de todos e excluírem grupos ou alguns dessa obrigação, será ruim para todos. 2.1 Construção social É importante percebermos que os direitos, assim como a ética, são resultantes de uma construção social. As pessoas devem se esforçar para garantir uma ética capaz de concretizar os direitos. Admitir que nos direitos humanos há uma inspiração ética é admitir que em seus fundamentos existe uma concepção de pessoa, de bem e de mal e que os direitos valem para todos, independentemente da orientação religiosa, política ou filosófica individual. Na Declaração Universal dos Direitos Humanos se afirma que todos os cidadãos devem ter direitos garantidos, dentre os quais destacam-se os direitos à: liberdade, propriedade, segurança e resistência à opressão. Cada pessoa tem como limite os mesmos direitos que os outros, um direito não deve se sobrepor ao outro. É preciso pensar “o que não desejo para mim, não desejo para os outros também”, ou seja, é assegurado aos demais membros Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Ética, Cidadania e Sustentabilidade 6 da sociedade o desfrutar de direitos que proclamo para mim. Portanto, a Declaração vê a lei como uma expressão da vontade geral. Com isso, busca-se promover a igualdade de direitos e a proibição do que é prejudicial para a sociedade. 2.2 Justificativas para a Declaração Observando o preâmbulo da Declaração, compreendemos o motivo pelo qual esse tratado composto por 30 artigos deve ser seguido por todos: [...] O reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo (ONU, 2009, p. 2). Todas as constituições do mundo democrático são muito maiores do que esses 30 artigos, mas são imprescindíveis para a coexistência, especialmente em um mundo globalizado, quando os problemas já não são mais pensados localmente. No site da ONU, encontramos justificativas que fundamentam um agir conforme a Declaração Universal dos Direitos Humanos e estes nos demostram ou se justificam por serem éticos. • Os direitos humanos são fundados sobre o respeito pela dignidade e o valor de cada pessoa; • Os direitos humanos são universais, o que quer dizer que são aplicados de forma igual e sem discriminação a todas as pessoas; • Os direitos humanos são inalienáveis, e ninguém pode ser privado de seus direitos humanos; eles podem ser limitados em situações específicas. Por exemplo, o direito à liberdade pode ser restringido se uma pessoa é considerada culpada de um crime diante de um tribunal e com o devido processo legal; • Os direitos humanos são indivisíveis, inter-relacionados e interdependentes, já que é insuficiente respeitar alguns direitos humanos e outros não. Na prática, a violação de um direito vai afetar o respeito por muitos outros; • Todos os direitos humanos devem, portanto, ser vistos como de igual importância, sendo igualmente essencial respeitar a dignidade e o valor de cada pessoa (ONU, 2015). Para mais informações sobre as características da Declaração Universal dos Direitos Humanos, acesse a Midiateca. Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Ética, Cidadania e Sustentabilidade 7 Embora dessa forma tenhamos a justificativa, muitos conceitos precisam ser trabalhados para que se entenda bem o que significam. Um erro comum é acreditar que um termo tem o mesmo significado/valor para todas as pessoas, por exemplo: O que se entende por dignidade humana? Entende-se uma dignidade que inere ao homem, que lhe é concedida independentemente de outro qualificativo, seja biológico, social ou moral. [...] Ela se difere das diversas formas de dignidade contingente. Fala-se [...] de dignidade social em relação aos portadores de cargos políticos ou clericais, de dignidade expressiva, quando a aura de um homem sábio infunde reverência (KAUFMANN, 2013, p. 55, grifo nosso). Mesmo assim, deve-se questionar: será que o que eu entendo é o mesmo que meu amigo, vizinho ou colega entende? Por isso, mesmo tendo uma fundamentação, uma justificativa para a Declaração e para os direitos humanos, deve-se ter claro que a compreensão humana é múltipla e envolve a história, as experiências e os entendimentos individuais e que, por isso, é preciso esclarecer e buscar sempre maiores consensos para que todos possam viver e entender a mesma coisa. A dignidade humana [...] consiste num conceito normativo, que deve proteger todo homem de ser tratado por outro homem como meio, isto é, como um simples objetivo para consecução de seus fins. Isso implica que todos sejam tratados como possuidores de certo grau de dignidade contingente, que é uma tentativa de proteger os homens de humilhações (KAUFMANN, 2013, p. 55). O quão importante é sabermos o que se entende por dignidade? Embora não se possa dizer tudo o que o conceito abrange, é fundamental entendermos que é a dignidade é inerente ao ser humano, isto é, não pode lhe ser tirada por nada e nem por ninguém. Além disso, não deve ser confundida com outras formas de dignidade, como a social e a expressiva, conforme citação anterior. Além disso, deve-se entendê-la como um conceito normativo, ou seja, uma forma de determinar a conduta humana, assim como a ética e a lógica que levam as pessoas a agirem porque entendem ser o melhor meio para se atingir o bom convívio social. 3 A questão histórica A história da humanidade nos mostra que tivemos que passar por um longo período para percebermos que o direito realmente é parte integrante do nosso ser, assim como o é nossa pele, nossos olhos e cada parte de nosso corpo. A ética e os direitos humanos também são nossos constituintes. Só podemos dizer que somos verdadeiramente humanos se somos reconhecidos e nos reconhecemos como tal. Poderíamos buscar a justificativa para os direitos humanos na história, desde os primeiros códigos constituídos, mas vamos partir de nossa realidade mais recente, fundamentalmente, o período em que a questão dos direitos do homem foi mais pensada e buscada. Não que Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Ética, Cidadania e Sustentabilidade8 em outras épocas isso também não tenha sido estudado e aparecesse em códigos jurídicos ou mesmo nas tradições religiosas, mas é a partir do período moderno (final do século XVIII) que encontramos os passos decisivos para que os direitos humanos, tal qual conhecemos hoje, tomassem forma. As primeiras afirmações sobre os direitos humanos surgem na Declaração da Independência dos Estados Unidos, de 4 de julho de 1776. Nela, podemos encontrar vários motivos para que a independência americana se efetive, pois estava pautada no interesse de vários grupos, desde escravocratas, religiosos, até mesmo libertários. A Declaração da Independência afirma solenemente, ao denunciar os motivos da separação promovida pelo segundo congresso Continental da Filadélfia, que o rei da Grã-Bretanha estaria violando os direitos mais básicos da liberdade. [...] Os documentos fundadores na nova nação são amplos e generosos. A Declaração de Independência afirma que todos os homens foram criados iguais e dotados pelo Criador de direitos inalienáveis, como vida, liberdade, busca da felicidade (KARNAL, 2015, p. 139). Filosoficamente, a Declaração acentuou dois temas: os direitos individuais e o direito de revolução. Duas condições fundamentais para justificar os atos que deveriam tomar, pois, se não afirmassem os direitos individuais, como poderiam dizer que fariam o desligamento do Reino Unido, deixando de ser uma colônia? E se também não declarassem o direito de revolução, também não poderiam desmembrar-se. Assim, a primeira declaração do mundo moderno afirma algo fundamental para a ética: as garantias individuais e a possibilidade de revoltar-se contra o que não se concorda. No caso dos Estados Unidos, já não se concordava em ser colônia. Um segundo momento histórico importante é a Revolução Francesa. Ela nasce sobre o lema: “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. O marco fundamental dessa revolução é a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, em que estão expressos os anseios e a busca do seu grande ideal de liberdade e igualdade. As declarações americanas e francesas foram a fonte de inspiração para a libertação de muitas nações e inspiraram as pessoas a encontrar sua razão de ser e pensar como cidadãos de um mundo onde as amarras e as prisões devem ser pensadas não como uma forma de interesse de alguns, mas que, em primeiro lugar, as pessoas tenham a possibilidade de se expressarem, de se enxergaram como iguais e de construírem um mundo mais fraterno e melhor para se viver. A partir da Revolução Francesa se intensificam grandes movimentos de mudanças no mundo, pois seus três princípios (liberdade, igualdade e fraternidade) são fundamentais para que o ser humano desenvolva-se plenamente. Lembremos que, durante o período ou século XVII, especialmente na Europa, existiam dinastias que impunham formas de trabalho e de controle rígidos, próximos da escravidão. O Estado intervinha nas relações comerciais Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Ética, Cidadania e Sustentabilidade 9 – de servidão e cobrança de altos impostos –, e um pequeno grupo, a elite, podia desfrutar. Mesmo assim, não foram os mais pobres que promoveram a revolução, mas sim um grupo burguês, isto é, um determinado grupo que também pensava em acumular para manter sua posição social. O século XVII foi um período profícuo, no sentido de se estabelecer situações favoráveis para o pensamento sobre a condição humana. O contexto da reflexão sobre as liberdades buscadas leva à construção da libertação das terras americanas e à própria revolução francesa, e também ao período em que surge a primeira Revolução Industrial. Tem-se, portanto, um mundo “em ebulição”, que levara os governos, as pessoas e os pensadores desse período a sérios questionamentos sobre o ser humano e seus direitos. Assim, a partir dos momentos históricos que deram origem a essa reflexão, a humanidade não mais deixara de lado os questionamentos sobre sua importância. Esses momentos fundantes levaram a filosofia política, a ética e tudo o que se refere à condição humana e, nesse sentido, também a religião a se questionar sobre o humano e a humanidade. A culminância de tudo isso se dará mais de um século depois com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Nesse período, as regalias, as benesses sociais eram direcionadas apenas para um grupo. Apenas os mais próximos do poder ou que tinham dinheiro podiam desfrutar do que se oferecia na época. Embora muitos possam dizer que hoje também é assim, podemos, por outro lado, afirmar que esses direitos são garantidos a todos. Para nós brasileiros, um marco importante na garantia desses direitos é a Constituição Brasileira de 1988, que ainda não fez frutificar tudo o que ali está expresso. Caberia à sociedade fazer valer esse direito, cobrando das autoridades o que lhes é devido, assim como também fazendo a sua parte de forma a minorar as diferenças. 4 A diferenciação social A sociedade é uma forma essencial para que todos nós possamos existir e sobreviver. Hoje já não é possível desejar retroceder a um estágio natural. Temos necessidades emocionais, afetivas, psicológicas etc. Nada pode substituir a necessidade da convivência, assim como as demais, as quais podem ser consideradas da natureza humana. Para que as relações aconteçam, é necessário que a sociedade se organize, conheça os direitos de cada um e de todos, e inclua todos em uma perspectiva humanitária, ética e de direito. Seria possível pensar em uma sociedade “perfeita”? Esta seria formada apenas pelos mais capazes e melhores? Esse tipo de pensamento seria excludente e anti-humano; não cabe em nossa reflexão acerca da sociedade de direitos a qual tratamos até o momento. Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Ética, Cidadania e Sustentabilidade 10 Posições como essas já foram defendidas em Esparta, cidade guerreira em que, quem não fosse capaz de entrar em guerra deveria ser morto ao nascer. Porém, não precisamos ir muito longe. Vejamos o exemplo nazista. Por que judeus, doentes e outros grupos foram assassinados inicialmente na Alemanha e, posteriormente, foram perseguidos por toda a Europa? Porque se defendia uma ideia de supremacia de um grupo de uma determinada parte da sociedade sobre outros. Hoje, felizmente, a defesa de direitos e a possibilidade de inclusão das pessoas permitem o entendimento de que ações desse tipo são inadequadas. Pode-se dizer que, ao nascermos, todos somos iguais, o que nos diferencia é o lugar onde nos inserimos após o nascimento. Por outro lado, as discriminações criadas socialmente fazem com que sejam vividos e expressados preconceitos de raça, cor, sexo etc. Procurar então uma forma de igualdade é buscar a garantia do direito de oportunidades sociais e para que ninguém seja tratado como superior ou inferior. São direitos fundamentais de qualquer pessoa: ter uma família, educação, alimentação, serviços de saúde, trabalho digno, acesso a bens e serviços, participar da vida pública e ter o respeito dos semelhantes, entre outros. É nesse sentido que se inserem os direitos humanos como uma forma complementar e fundamental, ou seja: [...] os direitos humanos devem ser observados como conjunto articulado e interdependente dos direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais, fundados, para além da ideia de universalidade, no princípio da indivisibilidade e no horizonte da internacionalização, condição indispensável para a luta pela construção de uma cidadania global (MONDAINI, 2009, p. 12). A participação na sociedade não é como muitos pensam, ou seja, apenas de se ter o direito de ir e vir, de votar e ser votado, é muito mais do que isso. Participar é entender que se possui direitos e lutar para que eles se efetivem socialmente. Um exemplo de boa forma de participação social é o orçamento participativo. Essa prática se tornou conhecida quando a cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, passoua adotá-la e, hoje, já é uma realidade de muitas cidades e estados brasileiros. O orçamento participativo é uma forma efetiva de a população ter voz para que seus direitos sejam ouvidos, discutidos e principalmente respeitados. Considerações finais Nesta aula, compreendemos a formação histórica dos direitos humanos e da ética. Aprendemos que tal surgimento se deu a partir das relações que a humanidade estabeleceu no Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Ética, Cidadania e Sustentabilidade 11 decorrer da história, e que os direitos humanos foram sendo elaborados durante séculos, em especial, no período moderno a partir da Independência dos Estados Unidos e da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Passamos a entender que não basta termos direitos, é preciso mais do que isso, é necessário buscar a sua concretização, por meio da participação social sempre que possível. O ser humano tem muitos direitos, e o fato de muitos serem descumpridos levou à necessidade de se construir uma declaração. Muitas vezes, vivemos e não nos damos conta que temos direitos – à liberdade, propriedade, segurança, à vida etc. –, mas, quando eles são suprimidos, logo percebemos a sua importância e, por isso, devem ser garantidos. Busquemos viver bem em sociedade e talvez assim não seja preciso exigir tanto os direitos, muito embora, como afirmam Pinsky e Pinsky (2015, p. 9): A ideia de que o poder público deve garantir um mínimo de renda a todos os cidadãos e o acesso a bens coletivos como saúde, educação e previdência deixa ainda muita gente arrepiada, pois se confunde facilmente o simples assistencialismo com dever do Estado. A ética e a Declaração dos Direitos Humanos nos propõem desafios. E cada pessoa, ao entender esses desafios, tem diante de si a possibilidade de assumir-se cada vez mais como cidadão e membro de uma grande sociedade. Entender-se como um ser que não pertence somente a um país, mas a uma grande nação que nos possibilita viver esse momento histórico, nos torna comprometidos com o “destino” de cada um e ao mesmo tempo de todos. Referências BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 23 nov. 2016. KAUFMANN, Matthias. Em defesa dos direitos humanos: considerações históricas e de princípios. São Leopoldo: UNISINOS, 2013. KARNAL, Leandro. Estados Unidos, liberdade e cidadania. In: PINSKY, Jaime, PINSKY, Carla Bassanezi (Orgs.). História da Cidadania. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2015, p.134-157. LACERDA, Gabriela; PESSOA, M. Agir bem é bom: ética ontem, hoje e amanhã. São Paulo: Editora Senac: São Paulo, 2018. MONDAINI, Marco. Direitos humanos no Brasil. São Paulo: Contexto, 2009. ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.dudh.org.br/ wp-content/uploads/2014/12/dudh.pdf>. Acesso em: 23 nov. 2016. PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (Orgs.). História da cidadania. São Paulo: Contexto, 2015. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm Ética, Cidadania e Sustentabilidade Aula 03 Princípios dos direitos humanos Objetivos Específicos • Contextualizar as lutas pelos direitos humanos. Temas Introdução 1 Características dos direitos humanos 2 Dimensões dos direitos humanos 3 As lutas por reconhecimento como reivindicação de direitos 4 Direitos humanos no Brasil Referências José Antônio Fracalossi Meister Professor Autor Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Ética, Cidadania e Sustentabilidade 2 Introdução Para estudarmos os direitos humanos, é fundamental conhecermos o texto completo deste documento, publicado pela ONU e disponível para leitura livre e gratuita na internet. Além de o texto não ser longo, ele é bastante acessível, com linguagem direta e de fácil compreensão. O rol dos direitos humanos aumentou muito desde a sua Declaração de 1948 e uma de suas características é a “abertura” para novos direitos, pois nunca param de surgir formas de aviltamento da dignidade humana. A escolha de estudar a Declaração Universal de 1948 não se dá pelo fato de nela estarem todos os direitos humanos estabelecidos até o momento, mas sim por este ser um documento que adquiriu consenso e legitimidade entre as nações do mundo no decorrer da segunda metade do século XX. A Declaração se inicia com uma série de justificativas para a sua criação. Esses aspectos iniciais são chamados considerandos, isto é, os motivos que levaram as autoridades no assunto a fazer a descrição dos 30 itens constantes no documento. Lembremos também que a Declaração foi proclamada em dezembro de 1948, três anos após o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a qual trouxe problemas e repercussões imensas nas relações entre pessoas e países. Com a Declaração, muitos movimentos sociais surgiram, acompanhando os outros já existentes antes desses documentos, ganhando força e o elemento fundamental para que diferentes grupos sociais tivessem a possibilidade de organizar-se de forma oficial, visto que outros tantos deixaram de ter reconhecimento. 1 Características dos direitos humanos A busca pelos direitos humanos impulsionará o que chamamos de cidadania, o resultado do que as pessoas passam a fazer a partir da constatação que são agentes sociais, isto é, formadores da sociedade e que devem agir buscando seu espaço e sua valorização. O resultado disso é o surgimento ou o desenvolvimento de muitos grupos sociais que passaram a agir em vista da defesa das pessoas e de suas realidades fundamentais. Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Ética, Cidadania e Sustentabilidade 3 O surgimento de grupos sociais, tanto no Brasil como em muitos outros lugares do mundo, ajuda-nos a perceber que as relações humanas são imprescindíveis para a forma como cada país se organiza. O surgimento da sociedade civil organizada vem concretizar o que realmente a Declaração Universal dos Direitos Humanos traz como fundamental para todos. Existem muitas dificuldades para se colocar em prática o que está expresso na Declaração e que é vontade de todos (ou ao menos deveria ser), pois a sociedade é um jogo de interesses e cada um defende seu modo de viver e ponto de vista. Quando lutamos por direitos humanos, precisamos entender como se chegar a eles. Devemos ter claro que, ou eles existem para todos, ou algo está errado na sociedade. Para isso não há exceção. Não se pode admitir que em determinadas situações os direitos sejam admitidos e em outras possam ser deixados de lado. Isto está visto e posto no preâmbulo da própria Declaração Universal dos Direitos Humanos: “O reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo” (ONU, 1948, p. 2). Diante disso, devemos compreender alguns conceitos fundamentais apresentados na Declaração. Os direitos são inerentes, isto é, não podem ser separados de nossa condição humana, assim como nossa pele, nossa vida, nosso ser. Eles existem como uma forma de fazer o ser humano como tal: • Somos da família humana, que é composta por pessoas que se reconhecem como membros de um grupo com seus objetivos e interesses comuns ligados por laços afetivos e de cuidado mútuo. • Vivemos juntos, temos nossas divergências, mas estamos unidos por laços de reconhecimento e todos os membros dessa família têm importância. Isso se afirma quando essa declaração diz que os direitos são regidos pela igualdade, ou seja, não deve haver diferença em relação a raça, cor, credo, nacionalidade. • Os direitos humanos são inalienáveis, isto é, não podem ser retirados por ninguém. Eles fazem parte de nós e não há exceção à regra. Por isso, a luta contraas ditaduras é tão importante. Não se pode admitir a ditadura em quaisquer níveis (familiares, sociais, políticos, econômicos etc.). Disso, desprende-se o fato de que buscar igualdade não é algo tácito e garantido sem ressalvas. A garantia se dará na medida em que as pessoas não aceitarem mais condições de submissão e falta de direitos. Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Ética, Cidadania e Sustentabilidade 4 2 Dimensões dos direitos humanos Como sabemos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 possui 30 artigos. Ela será fonte posterior para outras reflexões e documentos, como a Declaração e Programa de Ação de Viena, fruto de uma conferência mundial sobre os direitos humanos de 1993. Nesses artigos, são refletidos os problemas mais importantes e urgentes para a vida em sociedade. Figura 1 – Dimensões dos direitos humanos Cultura e ambiental Civil e política Economia e social Os direitos civis e políticos correspondem ao lema liberdade da bandeira francesa, en- quanto os direitos sociais correspondem ao lema igualdade, e os direitos de natureza difusa ao lema fraternidade. 2.1 Dimensão civil e política (direitos civis e políticos) A dimensão civil e política abarca os direitos de liberdade (de ir e vir, expressão, religião etc.), vida, propriedade e participação nos negócios públicos. Reconhece-se, por exemplo, a liberdade de pensamento, consciência e religião, opinião, reunião e associação pacífica, igualdade entre as pessoas e perante a lei, e nisso consta o direito de recorrer judicialmente, assim como o direito à vida, à segurança, à nacionalidade, ao casamento e, enquanto este durar, direitos iguais para o casal, por isso, também deve ser um ato livre. Excluem-se torturas e penas cruéis, toda forma de escravidão, prisão e exílio arbitrário, a culpa até que seja provado o contrário, não podendo aplicar uma pena maior do que a do momento do ato, intromissão na vida familiar, domicílio, correspondência, ataques à honra e à reputação. Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Ética, Cidadania e Sustentabilidade 5 A observância de todos esses princípios é fundamental. É preciso reconhecer, porém, que muitas coisas ocorrem no mundo e no Brasil e ferem de algum modo esses direitos. Por exemplo: a violação de privacidade e do direito à vida, em guerras internas, como na República Árabe da Síria, República Islâmica do Afeganistão e na Palestina; há ainda povos que não têm seus países constituídos (os ciganos, os curdos no Iraque). O direito de opinião, quando não bem entendido, pode causar problemas. Ter direito de opinião envolve uma vontade – a de se dizer algo –, mas essa só pode ser expressa se não ferir a moral de uma pessoa ou instituição. Pode-se dizer o que se pensa, em público ou para alguém, quando isso for feito com o intuito de corrigir distorções ou de melhorar algo que não está bem. Mas, não é permitido atingir a pessoa ou levá-la a uma situação degradante quando se emite uma opinião. Esse direito é reafirmado quando se expressa que a vontade do povo é o fundamento da autoridade, desde que seja em eleições honestas. 2.2 Dimensão econômica e social (direitos econômicos e sociais) Faz parte da dimensão econômica e social o direito à educação, que deve ser gratuita no ensino básico e generalizada no ensino técnico e profissional. Educação é um direito social pela necessidade da manutenção de um sistema de educação pública para atendimento da etapa de educação básica. Outro aspecto que devemos refletir são os objetivos da educação, que deve levar o que menciona o item 2 do artigo 26 da Declaração: A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz (ONU, 1948, p. 14). Temos aqui até uma justificativa para o conteúdo que estudamos no momento: ética, cidadania e sustentabilidade. Não porque é uma imposição, mas por ser uma necessidade para que as pessoas possam realmente aprender a expandir sua personalidade. Esse é, no fundo, o objetivo da educação. Diante disso, cabe aos pais a responsabilidade de escolher o tipo de educação a ser dada aos filhos, que não pode ser resultante de uma imposição do Estado, de um grupo, ou de uma religião. A responsabilidade é dos pais. O art. 6º da Constituição Federal nos dá o repertório dos direitos sociais: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados [...]” (BRASIL, 1988). Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Ética, Cidadania e Sustentabilidade 6 Têm-se ainda os direitos à propriedade de assumir negócios em seu país diretamente ou por representantes, direito ao trabalho e à proteção contra o desemprego, a fundar sindicatos e se filiar a eles, ao repouso e lazer, assim como a férias remuneradas. O direito de assumir os negócios de seu país defende a democracia como a forma por excelência de organização social. Também devemos refletir sobre o direito ao trabalho, pois por meio dele a pessoa consegue seu sustento. Quando faltar trabalho, a declaração conclama por uma proteção. Por exemplo, no Brasil, o seguro desemprego é uma forma de cumprir um direito. Podemos levantar críticas contra um ou outro modo de fazer esse pagamento, mas ele tem sua fundamentação na própria Declaração Universal dos Direitos Humanos. O direito ao repouso e lazer pregado na Declaração nos chama a atenção para um fato importante, especialmente quando se viu e se vê em muitos lugares do mundo as pessoas sem esse direito, o que não é novo; se considerarmos a história dos povos, observaremos que o repouso sempre foi uma medida protegida e considerada importante. Em alguns períodos da história, se dava esse repouso à própria terra que se cultivava, como no Antigo Egito e em Israel. A Declaração afirma, ainda, que deve haver “[...] a limitação razoável das horas de trabalho [...]” (ONU, 1948, p. 13), esta não pode ser fonte de esgotamento físico e mental. Não é sem razão que hoje, como em nenhuma outra época de nossa história, o estresse é uma constante na vida dos trabalhadores e precisa ter a devida atenção e o devido cuidado por quem o regula. Por isso, trabalhadores de algumas profissões – como caminhoneiros e professores do ensino básico – têm direito à aposentadoria antes do tempo previsto para trabalhadores regulares. Essa redução é de, geralmente, cinco anos. O artigo 25 da Declaração é altamente complexo, pois chama a atenção para a garantia de um nível de vida, tanto para si como para a família. Dentro disso estão: saúde, bem-estar, alimentação, vestuário, alojamento, assistência médica, serviços sociais na doença, invalidez, viuvez, velhice e em casos de perdas de meios de subsistência. Esse artigo analisado nos dá a clara ideia do que se vê no Brasil. Apesar de este direito estar instituído a partir da Constituição de 1988, ainda falta a ser feito para que seja garantido e assegurado. Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Ética, Cidadania e Sustentabilidade 7 2.3 Dimensão cultural e ambiental (direitos culturais e ambientais) Assim como é o direito à participação livre na cultura da comunidade, a Declaração ainda propõe os efetivos direitos de liberdade. A questão ambiental ainda não tem a ênfase merecida, mas não se pode esquecer que surgiram outros documentos da própria ONU e tratados que nos chamam a atenção para essa realidade, por exemplo: a Rio-92, o Protocolo de Kyoto, entre outros. Diante de um quadro de direitos propostos pela Declaração, destacamos o artigo 29 como um dever para com a comunidade, onde as pessoas podem serlivres e ter pleno desenvolvimento. A lei, como sabemos, é impositiva e limitadora da ação, pois, se deixasse de ser uma forma reguladora, não haveria a possibilidade de garantir direitos e liberdades, porém, mesmo esses limitadores não são contrários ao que afirma a Declaração. A Declaração Universal dos Direitos Humanos defende o ser humano e lhe propõe a vida em sociedade. Se quisermos liberdade e direitos, devemos também fazer com que estes sejam respeitados por todos. A luta e a constante vigilância da execução desses direitos é tarefa ao mesmo tempo individual (de cada um) e coletiva (de todos que vivem em sociedade). Ninguém tem mais ou menos obrigação, mas aqueles em situação de maior vulnerabilidade têm a seu favor a Declaração como forma de garantia de seu espaço vital. É importante chamar a atenção para esse fato, pois muito se tem visto de que cabe aos outros fazer com que os direitos sejam cumpridos. Aqui, o que precisamos entender e colocar em prática é que a exigência que se coloca é de uma vigilância na execução dessa declaração como compromisso de todos. A Declaração de Viena nos traz aspectos não tratados na Declaração de 1948, por não serem temas recorrentes até o momento. Se em algum aspecto eles apareciam, não era da mesma forma como aparecem em nosso contexto. Entre os temas que para nós são importantes e não o eram, podemos citar: a violência contra a mulher, a violência e o extermínio de povos indígenas, a dominação colonial etc. Por isso, a Declaração de Viena, em seu artigo 5, vem elencar e chamar a atenção para fatos importantes a serem cuidados e observados: Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis interdependentes e inter- relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de forma global, justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. Embora particularidades nacionais e regionais devam ser levadas em consideração, assim como diversos contextos históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, sejam quais forem seus sistemas políticos, econômicos e culturais. (ONU, 1993, p. 4). Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Ética, Cidadania e Sustentabilidade 8 Embora possamos, para efeito didático, classificar os direitos humanos de acordo com o aspecto da dignidade humana que eles protegem, eles são interdependentes e inter- relacionados. Dizer que há o direito de liberdade de expressão ou de participação política sem a garantia do direito à educação que deve preparar o futuro cidadão para expressar as suas ideias livremente, é algo inócuo, inútil. Para que haja participação política e liberdade de expressão, as pessoas devem capacitar-se para tal e como fazê-lo a não ser pelos direitos à educação e à liberdade de expressão, tendo em vista que ajuda na escolha dos representantes? Nesse sentido, os meios de comunicação têm um papel muito importante, quando visam à informação e ao esclarecimento das pessoas. Portanto, os direitos humanos precisam ser garantidos em todas as suas dimensões. Outro aspecto a se destacar é o que se refere aos benefícios advindos do progresso, como um direito de todos (artigo 11 da Declaração de Viena) que, sem dúvida, traz novidades em relação à Declaração dos Direitos Humanos de 1948, até mesmo porque o progresso que a humanidade tem no final do século XX e início desse século XXI é algo até então inimaginável. Além da questão da pobreza extrema, que gera uma situação de grande desigualdade (artigo 14 da Declaração de Viena) e terrorismo (artigo 17). Os Direitos Humanos das mulheres e das crianças do sexo feminino constituem uma parte inalienável, integral e indivisível dos Direitos Humanos universais. [...] A violência baseada no sexo da pessoa e todas as formas de assédio e exploração sexual, nomeadamente as que resultam de preconceitos culturais e do tráfico internacional, são incompatíveis com a dignidade e o valor da pessoa humana e devem ser eliminadas (ONU, 1993, p. 5). E assim segue a Declaração de 1993 preocupada com a efetivação e a reafirmação do papel dos Estados na implantação dos direitos expressos na primeira Declaração (1948), inclusive solicitando: À assembleia Geral que, ao analisar o relatório da Conferência por ocasião da sua quadragésima oitava sessão, comece por considerar, com caráter prioritário, a questão da criação de um Alto Comissariado para os Direitos Humanos para a promoção e proteção de todos os Direitos Humanos (ONU, 1993, p. 12). O documento também reafirma a questão dos trabalhadores imigrantes, e não podemos esquecer, nesse sentido, que o Brasil, como um país que recebe muitos imigrantes, tem ou deve ter um cuidado especial em relação a essas pessoas. Assim, o que se vê é que a partir da Declaração de 1948 surgem outros documentos, não só por parte da Organização das Nações Unidas, mas de países que afirmam a necessidade de se implantar uma política que atenda às pessoas em suas necessidades fundamentais e em direitos básicos. Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Ética, Cidadania e Sustentabilidade 9 3 As lutas por reconhecimento como reivindicação de direitos A tarefa de efetivar os direitos humanos é difícil, não se dá de forma universal e, às vezes, até mesmo a implantação em locais menores é difícil de ser realizada. A busca para que os direitos humanos ocorram exige cada vez mais das pessoas o entendimento do que vem a ser um efetivo direito. Por exemplo: Por que não se reconhece o Estado palestino no mesmo sentido que se reconheceu o Estado de Israel? Argumentos não nos faltam para justificar que esse Estado exista e o mesmo para que não exista. Mas, se é um direito das pessoas terem reconhecidas sua origem, sua nacionalidade, seu solo, por que tanta dificuldade? Em pleno século 21, ainda ouvimos falar de escravidão no Brasil: De acordo com o relatório da OIT de 2001, o trabalho forçado no mundo tem duas características em comum: o uso da coação e a negação da liberdade. No Brasil, o trabalho escravo resulta da soma do trabalho degradante com a privação de liberdade. Além de o trabalhador ficar atrelado a uma dívida, tem seus documentos retidos e, nas áreas rurais, normalmente fica em local geograficamente isolado. Nota-se que o conceito de trabalho escravo é universal e todo mundo sabe o que é escravidão (CAMARGO, 2016). O período atual deveria ser um momento de realização, de encontro entre pessoas para que todos possam dispor dos bens produzidos e, com isso, alcançarem benefícios comuns e o respeito a lugares, pessoas, crenças etc. Tudo isso para que tenham um motivo para estarem juntas e viverem juntas por opção e não por obrigação (medo ou prisão). Assim posto, devemos reconhecer que, apesar de mais de seis décadas da Declaração dos Direitos Humanos, em muitos lugares do mundo, se não em todos, percebe-se o desrespeito a algum dos direitos humanos. Segundo Daero (2013): Segundo o estudo Human Right Risk Atlas de 2014, da Maplecroft, o número de países que apresentam ‘risco extremo’ aos direitos humanos cresceu 70% nos últimos seis anos. Houve um salto de 20 países em 2008 para 34 agora. [...] China, Índia, Rússia e México aparecem com países ‘de extremo risco’. O Brasil aparece como ‘de alto risco’. http://maplecroft.com/portfolio/new-analysis/2013/12/04/70-increase-countries-identified-extreme-risk-human-rights-2008-bhuman-rights-risk-atlas-2014b/ http://www.exame.com.br/topicos/china http://www.exame.com.br/topicos/india http://www.exame.com.br/topicos/russia http://www.exame.com.br/topicos/mexico Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Ética, Cidadania e Sustentabilidade 10 O governo brasileiro também apresenta uma posição oficial sobre o tema: O poder público, nas suas três esferas, tem por obrigação assegurar, prevenir, proteger, reparar e promover políticas públicas que busquem sempre a afirmação dos Direitos Humanos paratoda Sociedade. O Estado, verdadeiramente democrático, pressupõe a prevalência de ações e iniciativas coercitivas a todas as modalidades de preconceito, discriminação, intolerância ou violência motivada por aspectos de origem, raça, sexo, cor, idade, crença religiosa, condição social ou orientação sexual (BRASIL, 2007, p. 4 apud BRASIL, 2012, p. 7). No site da Secretaria Especial de Direitos Humanos, cujo endereço está disponível na Midiateca, podemos verificar uma série de dados, com relatório de diversos anos e ações sobre o assunto. Esses dados são apresentados por temas: crianças e adolescentes, pessoa com deficiência, pessoa idosa, LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros), adoção e sequestro internacional, mortos e desaparecidos políticos, combate às violações, combate ao trabalho escravo e direitos para todos. Há no Balanço Semestral do Disque Direitos Humanos, implantado pelo Governo Federal, dados recebidos pelo Disque 100, que devem nos preocupar: No primeiro semestre de 2015 foram registradas 66.518 denúncias, 63,2% são relacionadas a violações de direitos humanos de crianças e adolescentes (42.114); 24,2% de pessoas idosas (16.014); 7,3% de pessoas com deficiência (4.863); 0,8% de denúncias de violações cometidas contra a população LGBT (532); 0,5% de população em situação de rua (334); 2,6% de pessoas em restrição de liberdade (1.745); e 1,4% de denúncias de outras populações, tais como: quilombolas, indígenas, ciganos, violência contra comunicadores, conflitos agrários e fundiários, fundiários urbanos, intolerância religiosa, entre outros (916) (BRASIL, 2015, p. 11). Nesse relatório, há o registro de toda vez que alguém faz alguma denúncia. Mas, e quanto ao que não é denunciado? As pessoas não realizam a denúncia por diferentes motivos, às vezes não sabem o que fazer ou não têm os meios de chegar até os canais adequados, há também aquelas que são desrespeitadas por seus próprios familiares (idosos, crianças e mulheres) e não têm condições de solicitar ajuda. Por que mesmo depois de tanto tempo da Declaração Universal dos Direitos Humanos isso ainda ocorre? Não há como apontar somente uma causa específica, podemos apontar algumas, como: a desigualdade originada pelas classes sociais, as ideologias políticas dos Estados, a economia capitalista, grandes conglomerados que hegemonizam o poder econômico, político e ideológico, o uso do Estado para garantia de privilégios em vez da garantia de todos, entre outros. Devemos ter claro que determinados problemas humanos não podem ser resolvidos Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Ética, Cidadania e Sustentabilidade 11 com a ciência, com pesquisas. Problemas científicos são próprios de nosso ser enquanto homens e mulheres, e podem e devem ser resolvidos pela ciência. Mas ninguém consegue resolver um problema de nossa humanidade como se resolve um problema de matemática. As situações humanas são fundamentais para nossa vida, para a democracia, a sociedade e a defesa de nossa humanidade. Nesse sentido, é fundamental termos uma formação filosófica, ética, antropológica, isto é, de conhecimentos acerca da humanidade, pois essas ciências buscam resolver ou nos aproximar de verdades complexas e de difícil solução. Para Singer (2015, p. 191): Sabe-se que as sociedades capitalistas contemporâneas se dividem em duas classes sociais: a primeira é a classe proprietária ou capitalista, composta por pessoas com posses econômicas suficientes para assegurar a satisfação de suas necessidades e das de seus dependentes, sem que tenham necessidade de exercer alguma atividade remunerada. A outra classe social é a trabalhadora, composta pelos demais, que por não terem tais posses subsistem com os ganhos do exercício de atividade remunerada. A ótica de Singer, que não nos cabe julgar se é certa ou errada, é uma maneira de ver os fatos, por meio de uma visão social em que também se uniformizam os grupos sociais: para o autor, as pessoas ou são capitalistas ou são trabalhadores. Qual o problema que se pode constatar aqui? Parece que as classes capitalistas não são trabalhadoras e que o conceito de trabalhador é o de assalariado. Trabalho deve ser entendido por nós como toda a ação que modifica alguma situação e que gera determinado resultado. Nesse sentido, vamos considerar trabalho como tudo o que se faz dentro da sociedade. Por isso, poderíamos pensar em duas classes dentro da sociedade, se assim desejarmos pensar, mas não como Singer faz. A classe capitalista pode ser encarada como a investidora, que, pelo seu investimento, busca obter ganhos, os quais, em sua maioria, têm intuito de obter estabilidade econômica. Em geral, os assalariados não conseguem, na maioria das situações, obter essa estabilidade e possibilidade de sustentação afirmada por Singer (2015). O que deseja a Declaração Universal dos Direitos Humanos é proteger as classes mais desfavorecidas para que tenham, assim como as demais, a possibilidade de se desenvolver com plenitude e ter uma vida com dignidade, que não envolva somente uma questão econômica, mas também liberdade, educação, moradia, proteção no desemprego, saúde etc. 4 Direitos humanos no Brasil Em seu livro, “Direitos humanos no Brasil”, Marco Mondaini (2009) apresenta um transcorrer histórico entre o Brasil Colônia e o atual para entender o caminho que percorremos até chegar no país onde vivemos hoje. Cada capítulo do livro traz um momento forte de nossa história, que o autor divide por etapas. Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Ética, Cidadania e Sustentabilidade 12 • A primeira, que vai de 1930 a 1964, proclama os direitos humanos na República Nova: enfocando especialmente os direitos sociais entre a ditadura e a democracia. Veja que a primeira etapa tem início em um período em que ainda não existia a Declaração Universal dos Direitos Humanos, criada somente em 1948. • A segunda parte envolve o período da ditadura no Brasil e a luta pelos direitos civis e políticos entre os anos de 1964 a 1985, quando reiniciamos um período democrático na história do Brasil. • E, por fim, o período mais contemporâneo, dos anos de 1985 a 2002, denominado Nova República, com a universalização dos direitos e a conquista da democracia. Trata-se de um período em que novos direitos são garantidos à população brasileira, por meio da nova Constituição de 1988, um marco na história da democratização brasileira. Para quem deseja passar pela história da democratização no Brasil, este livro tem uma fonte riquíssima de dados, traz textos, discursos e canções que marcaram essa época de nossa vida social e política. MONDAINI, Marco. Direitos humanos no Brasil. São Paulo: Contexto, 2009. Por fim, vale citar a Constituição Federal brasileira em seu artigo 3º: Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (BRASIL, 1988). O que está contido nesse artigo é o que vem se reafirmando na Declaração Universal dos Direitos Humanos. O Brasil, como membro da ONU e signatário da Declaração, deve fazer constar em sua legislação os mesmos princípios do documento de 1948. Os estudos jurídicos e a Declaração Universal dos Direitos Humanos caminham lado a lado, uma vez que a última é fonte inspiradora para as boas relações sociais. Assim posto, cabe darmo-nos conta que se deve buscar a unidade do Brasil, em que ser cidadão não é apenas termos uma constituição, uma declaração escrita, mas que os direitos Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Ética, Cidadania e Sustentabilidade 13 assegurados por ela sejam reconhecidos e cumpridos. Cabe a cada um e a todos buscar uma transformaçãoda realidade, por meio da participação nos diferentes âmbitos sociais, seja na família, na escola, no trabalho, na política. Para isso, precisa-se sem dúvida de um amadurecimento da população, pois, como diz Mondaini (2009), ainda vivemos em uma democracia recente. Democracia não se aprende somente na teoria, mas especialmente por meio da vivência prática. Referências BRASIL. Balanço Semestral do Disque Direitos Humanos. Secretaria Nacional de Direitos Humanos, 2015. Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/assuntos/bibliotecavirtual/ balancodisque100>. Acesso em: 15 nov. 2015. ______. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 16 jan. 2016. ______. Relatório sobre violência homofóbica no Brasil: ano de 2011. Brasília, DF: Secretaria de Direitos Humanos, 2012. CAMARGO, Orson. Trabalho escravo na atualidade. Brasil Escola. Disponível em: <http://www. brasilescola.com/sociologia/escravidao-nos-dias-de-hoje.htm>. Acesso em: 6 set. 2015. DAERO, Guilherme. Os 10 piores países para os direitos humanos. Exame.com. 8 dez. 2013. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/os-10-piores-paises-para-os- direitos-humanos>. Acesso em: 6 jul. 2015. MONDAINI, Marco. Direitos Humanos no Brasil. São Paulo: Contexto, 2009. ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.dudh.org.br/ wp-content/uploads/2014/12/dudh.pdf>. Acesso em: 16 jan. 2016. ______. Declaração e Programa de Ação de Viena – Conferência Mundial sobre Direitos Humanos. Disponível em: < http://www.cedin.com.br/wp-content/uploads/2014/05/ Declara%C3%A7%C3%A3o-e-Programa-de-A%C3%A7%C3%A3o-de-Viena-Confer%C3%AAncia- Mundial-sobre-DH.pdf >. Acesso em: 15 nov. 2015. SINGER, Paul. A cidadania para todos. In: PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (Orgs.). História da cidadania. São Paulo: Contexto, 2015. http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/os-10-piores-paises-para-os-direitos-humanos http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/os-10-piores-paises-para-os-direitos-humanos Ética, Cidadania e Sustentabilidade Aula 04 Ética e moral na cultura brasileira Objetivos Específicos • Relacionar ética e moral nas questões étnico-raciais, sociais e culturais. Temas Introdução 1 Cultura e formas de compreender a realidade 2 Moral e ética na cultura brasileira 3 As tensões étnico-raciais no Brasil 4 Discriminação social e cultural: questões migratórias Considerações finais Referências José Antônio Fracalossi Meister Professor Autor Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Ética, Cidadania e Sustentabilidade 2 Introdução Pensar a realidade de um país como o Brasil envolve muitos aspectos e, por isso, é sempre difícil analisá-lo culturalmente. Porém, existem características comuns que nos identificam como brasileiros e demonstram a nossa unidade enquanto nação1 e país. O que nos identifica como brasileiros? O que nos torna uma nação? Existe uma realidade brasileira que denominamos de formal, que é estabelecida pela classe dominante, pelas leis, normas e por quem mantém uma determinada ordem na sociedade. No entanto, existe também uma realidade informal, que é vivida e que, muitas vezes, se contradiz, colidindo entre o que se diz e o que realmente se faz. Esse é o nosso grande objetivo nesta aula: compreender o que realmente ocorre no Brasil no âmbito formal e que nos faz ser um país diferente em nossa vivência. Por isso, abordaremos três grandes aspectos: a moral, a ética e a cultura brasileira. Além disso, compreenderemos as tensões étnico-raciais, que envolvem as matrizes culturais formadoras do Brasil (culturas africana e indígena) e as questões migratórias que, consequentemente, alimentam a discriminação sociocultural. Segundo Roberto DaMatta (1993, p. 12): “O Brasil com B maiúsculo é algo muito mais complexo. É o país, cultura, local geográfico, fronteira e território reconhecidos internacionalmente, e também a casa, pedaço de chão calçado com o calor de nossos corpos, lar, memória e consciência de um lugar com o qual se tem uma ligação especial, única, totalmente sagrada”. É esse Brasil que desejamos descortinar em nossos estudos. A dificuldade é conseguirmos realmente perceber tudo o que envolve essa realidade, pois, como sabemos, tudo o que envolve cultura, envolve múltiplas interpretações. 1 Cultura e formas de compreender a realidade A história que normalmente estamos acostumados a conhecer parte de uma determinada ótica, geralmente a ótica dos vencedores, mesmo porque os perdedores ou morreram, foram silenciados ou, muitas vezes, não têm a devida atenção ou voz. O que ocorre no Brasil e em muitos países do mundo é que a forma predominante de se fazer entender a realidade passa a ser divulgada como única e verdadeira. 1 Devemos ter cuidado para não confundirmos país com nação. País envolve território, culturas, forma de governo etc. Já a nação envolve a população, o povo que constitui esse país. Assim, nação será um grupo de pessoas que fala o mesmo idioma (ou ao menos o idioma reconhecido como sendo pátrio), que tem os mesmos costumes, embora podendo diferenciar-se em algumas particularidades de região para região, mas que se possa afirmar como sendo um povo. População constitui o conjunto de pessoas que vivem nesse país de modo permanente. Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Ética, Cidadania e Sustentabilidade 3 Vamos para um exemplo bem prático. Todos nós estudamos geografia, seja no ensino médio, seja no ensino fundamental, e estamos acostumados a visualizar os mapas do mundo colocando Europa, Canadá, Estados Unidos, Rússia na parte de cima do mapa. A questão é: por que o mapa deve ser desse modo? Não se poderia fazer o inverso, com a América do Sul, a África e a Ásia na parte de cima? Poderia se dizer: “estão loucos”! Mas não, o que devemos nos dar conta é que a forma como sempre vimos o mapa foi a forma desenhada pela Europa dominante, colocando-se na parte superior. Ou seja, tudo depende da maneira de se enxergar e interpretar o mundo. Figura 1 – Formas de entender a realidade Colocamos desta forma para que possamos, já de início, perceber que a ordem existente em nossa sociedade não precisa continuar do modo que é. Ela pode ser mudada e invertida, pois quem escreve e faz a história é um determinado grupo, geralmente dominante. E se a história fosse escrita pelos perdedores ou pelos desfavorecidos? Talvez, teríamos uma maneira diferente de entender muito mais as realidades as quais estamos acostumados a presenciar e aceitar. De acordo com Boff (1992, p. 9): Estamos habituados a ouvir a versão da conquista da América Latina da perspectiva do poder dominante. Falam os vencedores. Eles têm seus Camões que cantam suas aventuras. Têm seus artistas que consignam em pinturas o seu protagonismo, seus escultores que eternizam seus gestos triunfais. Esse modo de pensar gera uma série de dilemas, pois, a partir dele, constatamos que muito da realidade vivida por nós pode ser alterada. Os dilemas nos incitam a pensar na ética, pois ela surge no contexto social para auxiliar na resolução dos conflitos que o convívio, o Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Ética, Cidadania e Sustentabilidade 4 entendimento e os valores que são propostos como corretos em uma sociedade passam a ditar o modo de vida das pessoas. Quando nos defrontamos com a ética, temos certeza que é por causa de determinados dilemas. A partir deles, iniciamos uma busca entre situações que não sabemos ao certo o que são e o que devem ser, e o que desejamos buscar. Os dilemas surgem porque não temos certeza de nosso curso de ação e isso nos desestabiliza, nos levando a buscar soluções. Muitas incógnitas surgem porque nem sempre sabemos como resolver os problemas surgidos em nosso convívio diário. Diante de um dilema moral, a definição corrente de moralidadecomo escolha entre o bem e o mal (maniqueísmo) conduz muitos a uma conclusão precipitada. “se estou fazendo a coisa certa, isso significa que quem se opõe a mim está fazendo a coisa errada...”. Ora, as duas coisas podem estar certas! Isso põe em xeque a visão convencional. Optar entre o bem e o mal, segundo o odo maniqueísta da tolerância zero ou segundo o modo situacional da análise de riscos, exige grande lucidez. [...]; Temos diante de nós escolhas que não são fáceis, sobretudo porque não existem respostas padronizadas. A maior parte dos códigos de conduta moral, aliás, segue a cartilha de contrastar o certo e o errado, o aceitável e o inaceitável, as virtudes e os vícios. Ora, as escolhas entre o bem e o bem são igualmente prementes e exigem maturidade e discernimento. (SOUR, 2014, p.120). Do resultado da construção de uma sociedade, surge o que chamamos de cultura, que é tudo o que envolve a ação das pessoas dentro de um determinado lugar e tempo. A música, o jeito de se vestir, o que se come, o que se fala, como se fala. Tudo o que as pessoas fazem dentro de uma realidade. Por isso, cultura é sempre um conceito muito concreto, pois é a vida materializada. E, como brasileiros, temos uma cultura que não é uniforme ou igual para todos, mas, como uma nação e um país, temos traços culturais característicos, oriundos das pessoas que constituem nosso país, nosso modo de ser e que nos dá o direito de dizer que somos brasileiros. 2 Moral e ética na cultura brasileira A partir do entendimento de cultura e sobre as possibilidades de se entender e escrever as realidades por nós vivenciadas, não se pode deixar relacionar tais conceitos à moral. Cultura e moral são formas vividas pelas pessoas para dentro de uma determinada realidade e lugar. Por que então termos dois conceitos? A diferença está na função ou no modo como cada termo é usado e se insere na realidade, isto é, a funcionalidade de cada um dentro do que uma sociedade precisa para se estruturar como tal. Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Ética, Cidadania e Sustentabilidade 5 Vamos entender moral como ações que realizamos e são avaliadas a partir do modo como o Brasil se constrói. DaMatta (1993) nos chama a atenção para muitos aspectos da realidade socialmente construída em nosso contexto. Por exemplo, a relação entre a lei que pretende ser universal e não pode pactuar com privilégios, mas que, ao mesmo tempo, no Brasil, se transporta para o “não pode”, isto é, ela é “[…] formal, capaz de tirar todos os prazeres e desmanchar todos os projetos e iniciativas. […] E vai além, devido a esse contexto é que surge o ‘jeitinho’” (DAMATTA, 1993, p. 98), como o modo pelo qual tentamos nos arranjar dentro dessa forma de constituir-se socialmente. Assim, o jeitinho vem a ser uma forma de resolver os problemas de modo pacífico diante da realidade que se apresenta como “não pode”, e a realidade da pessoa que quer agir. E, nesse momento, aparece a malandragem, prática de muitos para resolver problemas ou situações que se apresentam: “[...] antes de ser um acidente ou mero aspecto da vida social brasileira, coisa sem consequência, a malandragem é um modo possível de ser. Algo muito sério, contendo suas regras, espaços e paradoxos” (DAMATTA, 1993, p. 105). O que nos cabe perguntar é: esse modo de agir deve ser a regra ou deveríamos adotar outros modos? Dentro dos arranjos pelos quais a sociedade passa o jeitinho foi uma forma de agir (não se sabe se a melhor), e um modo de ajeitar-se dentro do contexto. Figura 2 – Brasil de multiculturas Muito já se ouviu falar que o Brasil é o país do futebol e do carnaval. Isso não deixa Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Ética, Cidadania e Sustentabilidade 6 de ser verdade, mas, ao mesmo tempo, não se pode reduzir o país e sua cultura a apenas esses dois aspectos. Porém, somos também um povo trabalhador que construiu uma nação multicultural. Na realidade atual, os padrões sociais são estabelecidos pelas forças da mídia, da religião, de quem detém o poder, seja na escola, seja na família. Eles podem ser propostos pacificamente e assimilados pelas pessoas, ou por meio de coação e violência, com a imposição de um grupo sobre outro(s). Por exemplo: patrões sobre empregados, chefes do tráfico de drogas sobre a população de uma região e assim por diante. No entanto, também podem ser apresentados de forma mais discreta e passar a ser visto como correto. É diante disso que devemos estar sempre atentos, para não servirmos de “massa de manobra” para os mais diferentes interesses a partir de imposições – as quais podem passar como normais, quando, na verdade, são manipulações. Mesmo em tempos iguais, mas em contextos variados, podemos perceber que a cultura e a própria ética podem ser diferentes. Ser cidadão no Brasil é diferente de ser cidadão na Turquia, no Egito, no Afeganistão. Da mesma forma, a cultura desses lugares também é muito diferente. Comparando esses países com os Estados Unidos, França, Itália ou Inglaterra, temos contextos culturais e éticos diferentes, embora em alguns aspectos possam se assemelhar, considerando que a globalização também provoca uniformidades, como na música (artistas famosos internacionalmente, como Madonna, Rihanna, The Rolling Stones etc.), nas vestimentas (uso de jeans e marcas conhecidas mundialmente como Adidas, Nike etc.), nos hábitos alimentares (redes de fastfood, como o McDonald’s estão presentes em diferentes lugares do globo). A cultura difere de lugar para lugar, embora alguns conceitos sejam universais e tenham validade para todos os povos e as pessoas, as diferenças consistem na forma como os princípios culturais são vividos e executados. O desafio da vivência moral e cultural é realmente o seu exercício, isto é, que as pessoas consigam praticar e exigir que as autoridades responsáveis, em todos os seus âmbitos, o façam também, seja nas empresas, nas famílias, nas ruas, nos municípios, no seu estado e no país. A partir dessa compreensão, percebemos que ainda há muito a se fazer no Brasil, embora já tenhamos evoluído bastante. 2.1 Culturas indígena e africana no Brasil O objetivo desta aula é chamar a atenção para a vivência cultural e moral na sociedade brasileira, em especial, no que tange grupos culturais específicos, como os indígenas e os afrodescendentes. São percebidos alguns avanços no trato com culturas diferentes na Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Ética, Cidadania e Sustentabilidade 7 realidade brasileira, mas ainda há muito a se fazer, pois os conflitos de interesses que envolvem reconhecimento e respeito às diferenças ainda são um grande desafio a ser trilhado pelas pessoas em nosso contexto cultural. No tocante aos povos indígenas, ainda temos sérios problemas quanto às disputas por terras, pois seu modo de vida é contrastante com o modo de vida capitalista, que usa a posse e exploração da terra ao máximo. O desrespeito com os indígenas se agravou no decorrer do tempo. Primeiro, foram considerados como não humanos, pois viviam conforme a natureza. O que trouxe a discussão sobre poderem ser considerados donos ou não das terras que habitavam, pois, segundo Kaufmann (2013, p. 23): [...] se caso, o fossem, ninguém teria o direito de subtraí-la. Uma discussão bastante citada a esse propósito e a que versa sobre o conceito de dominium em Domingo Soto (1494-1560). Sob a influência de Jean Gerson, ele define a propriedade da seguinte forma: A propriedade (dominium), por isto, é uma faculdade (facultas) própria a qualquer um, expressando o direito (ius) que uma pessoa tem de poder utilizar-se (usurpare) de uma coisa qualquer para sua própria comodidade e para qualquer finalidade por meio da lei (quocumqueusu lege permesso). Embora o contexto que se expressa seja de domínio, torna-se importante perceber que há uma distinção entre os fatos, pois a propriedade é uma “faculdade de dispor da coisa”. Se no caso os índios dispõemda terra, nos parece lógico e certo que seriam eles os donos dessas terras, mas, para a concepção europeia dominadora da época da colonização brasileira, essa não era a compreensão, especialmente no período da expansão comercial e econômica do mundo a partir do século XIV. Quanto aos africanos, a situação é diferente, pois chegam a nossas terras na condição de escravos para exploração da sua mão de obra. Isso causou um impacto muito grande em seu modo de viver e de como eram vistos na época em que aqui chegaram, o que tem reflexo até hoje no modo como a sociedade encara seus descendentes. Assim, foram classificados como sem direitos e, hoje, quando se busca o restabelecimento de direitos para esse grupo étnico, o preconceito surge de forma até raivosa. Não é sem razão que no Brasil surgiu a necessidade de se aprovar o Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288 de 20/07/2010), para que se conseguisse estancar o modo preconceituoso como são vistos. E assim expressa a lei em seu primeiro artigo: “Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica” (BRASIL, 2010). Embora a lei tenha surgido para chamar a atenção de uma realidade vivida, devemos compreender que a aplicação de uma lei nesses teores ocorre porque se percebe socialmente a existência de desrespeito em relação ao trato e às relações entre as pessoas de etnias Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Ética, Cidadania e Sustentabilidade 8 diferentes, em especial indígena e negra. É importante compreender que chamar alguém ou reconhecer alguém como negro não é discriminação, mas adjetivar as pessoas que assim o são declaradas de forma discriminatória passa a ser crime. 3 As tensões étnico-raciais no Brasil A reflexão sobre ética e cultura é fundamental para uma sociedade que busca encontrar sua identidade, pois são dois aspectos da vivência em sociedade que caracterizam os modos de ser de uma nação ou de um povo. Os dois conceitos são históricos, ou seja, eles dependem do lugar e do tempo em que forem utilizados. Por exemplo, pertencer a uma cultura na Roma Antiga é diferente de ser cidadão no Brasil de hoje, o mesmo vale em relação à ética. A realidade do mundo hoje é outra, por um lado temos problemas globais – como a situação dos refugiados africanos, sírios etc. –, e, por outro, temos problemas localizados, como a pobreza, a qual, no Brasil, é também ligada a questão racial (a maioria da população pobre ou carente é negra). Exige-se cada vez mais que as realidades locais sejam respeitadas, mas também que os problemas universais ou globais sejam tratados com o devido cuidado por todos. Segundo Boff (2006), é necessário aprender a conviver novamente. Antigamente, os povos viviam recolhidos em sua comunidade e, nos dias de hoje, todos vivem uma relação de interdependência. Viver pacificamente depende do acolhimento e respeito às diferenças. DaMatta (1993, p. 39) nos fala sobre as diversas realidades que encontramos no Brasil. Segundo ele, vivemos uma ilusão a respeito das relações raciais: “A palavra ‘mulato’, que vem de mulo, o animal ambíguo e híbrido por excelência; aquele que é incapaz de reproduzir-se enquanto tal, pois é o resultado de um cruzamento entre tipos genéticos altamente deferentes”. Percebamos que até mesmo na palavra usada já se tem um grau de preconceito e que isso continua a ser reproduzido em muitas das classificações. Hoje, a palavra pardo tem substituído o termo mulato, mas essa expressão, ainda não entendida e refletida, passa a ser usada por muitos como sendo sinal de aceitação incondicional. De acordo com Gomes (2015, p. 420), “com a chegada dos portugueses e demais europeus às costas do Brasil, os povos autóctones americanos somavam uns cinco milhões de indivíduos, divididos em uns seiscentos povos com culturas e falantes de línguas próprias”. A citação de Gomes nos chama a atenção para fatos importantes da realidade brasileira. Aqui, os índios estavam localizados antes de qualquer um, com sua cultura e modo de vida próprios. A chegada de outros povos fez com que praticamente fossem dizimados. Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Ética, Cidadania e Sustentabilidade 9 O primeiro e grande conflito que se prolonga até hoje é a luta pela terra. Povos são deslocados (exemplo do Xingu, onde grupos de índios deslocados para um determinado lugar para terem ali a possibilidade de viverem conforme seu modo cultural de ser2), e ameaçados, como os ianomâmis em Roraima. Cerca de 35 mil ianomâmis vivem hoje na floresta Amazônica, entre o Brasil e a Venezuela. No Brasil, são 19.338 (dados do DSEI Yanomami – Sesai, 2011) que habitam os estados de Roraima e Amazonas. Em 1992, o governo brasileiro demarcou uma área para esses indígenas, a Reserva Ianomâmi, com 96.650 km2 (BRITANNICA ESCOLA, 2016). Exemplos não nos faltam quando nos referirmos a conflitos entre os povos indígenas e os ocupantes próximos de suas terras. Felizmente, aos poucos, o Governo Federal vai delimitando essas terras, mas isso também não tem sido suficiente para que a sua exploração não ocorra. Em muitos lugares onde esses povos habitam se descobrem riquezas minerais, árvores centenárias e isso tudo tem despertado a ganância de exploradores que subvertem muitas vezes as lideranças desses povos para explorar suas áreas de modo desordenado e irregular. Se não bastasse a realidade dos indígenas dentro da cultura brasileira, temos outros tantos problemas que nos são próprios. Vamos pensar, agora, na realidade dos grupos afrodescendentes, herdeiros, em sua maioria, dos que foram forçados a vir para o Brasil como escravos e que aqui chegando tiveram que assimilar outra cultura. A imposição dos dominadores escravocratas os descaracterizou e até hoje seus descendentes ainda sofrem preconceito por conta da cor de sua pele. A chegada dos escravos na América provocou profundas mudanças e transformações nos continentes africano, americano e europeu. De acordo com Gomes (2015, p. 447), “As colonizações nas Américas produziram encontros desiguais, fundamentalmente experiências históricas, envolvendo trocas culturais, dominação, conflitos, protestos e confrontos que uniram, inventando, Europas, Américas e Áfricas”. Figura 3 – A crueldade da escravidão 2 O parque Indígena do Xingu (PIX), criado em 1961 pelo Governo Federal, está localizado no Estado do Mato Grosso e é composto por 2.642.003 hectares de terra. É composto por vários povos indígenas, cada um com sua cultura e língua própria. Para que não houvesse tanta discrepância entre os grupos, estes foram reunidos por cultura semelhante em três grandes regiões da área. http://escola.britannica.com.br/article/483528/Roraima http://escola.britannica.com.br/article/483057/Amazonas Senac São Paulo - Todos os Direitos Reservados Ética, Cidadania e Sustentabilidade 10 A realidade dos africanos que aqui chegaram é diferente da realidade dos indígenas que viviam nas terras brasileiras. Os indígenas conheciam o terreno, tinham a possibilidade de “fugir” e um tipo de cultura que não os levava a trabalhar no modelo europeu para conseguir seu sustento. Já os africanos nada conheciam, tinham línguas e costumes diferentes e, assim como os indígenas, tinham que, em primeiro lugar, aceitar a cultura europeia e a religião católica. A imposição cultural sobre os africanos fez com que eles tivessem de buscar modos diferentes ou disfarçados de viverem sua cultura. Um exemplo claro é a religião: os santos cultuados pelos europeus receberam nomes africanos, conforme suas características. No Brasil, receberam o nome de religiões afro-brasileiras, pois a forma como são cultuadas aqui não é encontrada na África. Destacam-se dentre elas: a Umbanda e o Candomblé, as quais têm estruturas específicas e particulares.
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