Buscar

Os astecas na véspera da conquista espanhola. Cap V, do nascimento à morte

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 21 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 21 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 21 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

• 
No ano de 1500, antes da chegada dos espanhóis, um 
vasto império reunia povos tão diferentes como os das tribos 
da selva e os das grandes cidades nos planaltos mais eleva-
dos, abrangendo grande parte do atual território do Méxi- -
co. Esse era o mundo dos astecas. 
Sua incessante atividade guerreira traduzia um dese-
jo de estabelecer relações comerciais vantajosas bem como 
a necessidade contínua de capturar e sacrificar adversários, 
cujo sangue fazia com que o Sol pros~eguisse em seu movi-
mento. Imbatíveis em guerras de conquista, desconheciam, 
no entanto, as guerras de extermínio como a que causou sua 
destruição após o desembarque dos espanhóis em 1519. 
Utilizando-se de documentos da época - muitos de- "' 
les registros dos próprios astecas-Jacques Soustelle recons-
titui desde o esplendor da corte do imperador na capital 
México.'.fenochtitlan até o cotidiano de astecas "comuns". 
jl, li 
1 
. ' 
OS ASTECAS 
~ 
· NA VESPERA DA 
·CONQUISTA ESPANHOLA 
• 
JACQUES SOUSTELLE 
:~ .- . -o 1 
1 
rj 
1 
as audiências judiciárias. Os instrumentos dos templ 
lavam o dia como, numa comunidade cristã O toas redgu-. ' que os 
smos. 
Ao contrário do que se poderia acreditar tratand d · ·i· N , o-se e 
uma c1v1 1zaçao ·quase completamente privada de ilum· ~ 
· f · · 1 · N • • maçao art1 ic1a , a noite nao mterromp1a as atividades, Sace d 
1 
, . r otes 
que se evantavam vanas vezes para rezar e cantar· J. 
d 1, · d b • , ovens o
1
s dco eg1os e a1rro que costumavam tomar banho na água 
ge a a do lago ou das fontes; senhores e comerciantes 
b Ih 
. que 
anqueteavam; mu eres e guerreiros que dançavam à 1 
d h . f . uz os are ates; negociantes uruvos que se esgueiravam na la-
?una com suas ca~o~s carregadas de riquezas; feiticeiros que 
1am a encontros sm1stros; toda uma vida noturna animava 
a cidade imersa numa escuridão rompida, de quando em quan-
do, pelos fogos avermelhados dos templos e a claridade das 
tochas resinosas. 
A noite, temida e atraente ao mesmo tempo, oferecia as 
horas escuras às visitas mais importantes, aos ritos mais sa-
grados, ao segredo dos amores dos guerreiros com as corte-
sãs. Freqüentemente, o imperador, nas trevas, levantava-se 
para oferecer seu sangue e orar. Um observador dotado de 
sentidos sutis que pudesse dominar, do alto de um dos vul-
cões, o conjunto do vale, teria visto palpitar nele, aqui e ali, 
os fogos acesos, e teria percebido a música das festas, o bater 
dos pés das danças, a voz dos cantores; e, a intervalos, o to-
que dos teponaztli e o planger dos búzios. Assim passava a 
noite, sem que um olhar humano cessasse de fixar a abóba-
da celeste à espera sempre angustiada do amanhã que talvez 
não chegasse. Depois, vinha a aurora. Acima do rumor da 
cidade despertada, o som triunfal dos instrumentos sacerdo-
tais se elevava para o sol, "príncipe de turquesa, águia que 
alça vôo". Um novo dia começava. 
190 
li 
i 
1 
; . 
CAPÍTULO V 
DO NASCIMENTO À MOR TE 
O batismo 
Quando uma criança vinha ao mundo numa família me-
xicana, a parteira responsável servia de sacerdote ·e velava pela 
observância dos ritos. Era ela que, dirigindo-se ao bebê, 
desejava-lhe as boas-vindas, saudava-o com os nomes de "pedra 
preciosa, pluma de quetzal" e o advertia, ao mesmo tempo, 
da incerteza e das tristezas da vida: "Ei-lo chegado a este mun-
do em que seus pais vivem na dor e nas fadigas, onde reinam 
o calor excessivo, o frio e o vento. . . não sabemos se vive-
rás muito tempo entre nós. . . não sabemos a sorte que te 
está reservada" .1 Todos esses temas tradicionais serão inde-
finidamente repetidos durante as cerimônias que se seguirão. 
~ 
1 
A parteira cortava o cordão umbilical do bebê, não sem 
X-j antes dirigir-lhe longos discursos. Se fosse um menino, ela 
dizia: "Meu filho amado. . . sabe que tua casa não é aqui onde 
nasceste, pois és um guerreiro, um passarinho quecholli, e esta 
casa em que acabas de nascer é apenas um ninho ... Tua mis-
são é dar de beber ao sol com o sangue dos inimigos e nutrir 
a terra de Tlaltecuhtli com o corpo deles. Teu país, tua he-
rança, teu pai estão na casa do sol, no céu". E a uma menina 
ela dizia: "Deves estar na casa como o coração no corpo, 
não deves sair de casa. . . Deves ser como a cinza do fo-
X, gão".2 Assim, desde o primeiro instante, o homem estava 
li" destinado ao fado de um guerreiro; a mulher, ao de uma cin-
derela sentada no lar. 
{ 
A seguir, a parteira lavava a criança, dirigindo preces a 
Chalchiuhtlicue, deusa da água: "Quer, deusa, que o cora-
ção e a vida desta criança sejam purificados; que a água leve 
191 
1 
1 
1 
1 
{ 
toda mácula, pois esta criança se entrega em tuas mãos , 
Chalchiuhtlicue, mãe e irmã dos deuses". ' 
0 
( 
Assim que o nascimd enfto e:
1
~ noti~iado à fa~ília e ao bair-
ro, e, no caso das gran es am1 ias, ~te m~smo as outras cid _ 
des, tinha início um complexo cenmomal de "saudaçõe .~ 
As mulheres mais velhas da ~amília agrad_eciam soleneme~t~ 
/ à parteira, que lhes respondia com um discurso metafórico 
', Bons oradores, geralmente anciãos, iam saudar o recém: 
\ 
nascido, e outros anciãos designados para tanto respondiam 
-~ com longas arengas. 3 
/ u 
O gosto dos astecas pela retórica se satisfazia em inter-
" mináveis e pomposas dissertações sobre o favor dos deuses 
e o mistério do destino. A criança era comparada mil vezes 
a um colar, uma jóia de pedra preciosa, uma pluma rara. 
Exaltava-se a mãe, "que se igualara à deusa Ciuacoatl Qui-
laztli". Elogiava-se o passado ilustre da família. Se o pai era 
<s-· um dignitário ou um magistrado, lembravam-lhe "suas fun-
-:<~ ções, de grande importância e de grande peso, nos estrados 
'~ dos tribunais e no governo do Estado". "Senhor", diziam-
-::-~ lhe, "é de fato tua imagem, teu retrato: tens um rebento, fio-
~ resceste!" De vez em quando - e isso era uma das figuras 
· ri· obrigatórias do bem falar - o orador se desculpava por es-
1 - tender demais seu discurso: "Tema aborrecer-vos e dar-vos 
dores de· cabeça e de estômago"; depois, prosseguia com maior 
ardor. Os que falavam em nome da família agradeciam com 
igual prolixidade. Enfim, aqueles que tinham vindo saudar 
o recém-nascido ofereciam presentes: '!,té vinte ou quarenta 
_ip~nE~IE. dªsse dirige.me, au siroplesmente...alimento e be-
bida entre os plebeus. 
/ Durante as festas, o pai mandava buscar um tonalpouh-
qui ou adivinho, especialista no estudo dos livros sagrados. 
Este, que recebia por seu trabalho tecidos, perus e a refeição 
que lhe ofereciam, inicialmente pedia informações sobre o 
momento exato do nascimento, a-fim de determinar o signo 
da criança. Em seguida, consultava o tonalamatl para desco-
brir o signo do dia de nascimento e a série de treze dias a 
que pertencia. 
~~ Quando o signo do dia de nascimento era considerado 
,.-- bom e afortunado, o adivinho podia dizer: "Teu filho nas-
ceu sob um bom signo. Ele será senhor ou senador, rico, va-
192 
1 
\ 
,, 
L 
' . 
; t 
• 1 
/ 1 
1 
1 ,,. 
, \ 
) ' li 
n 
t:' S G OU ,{4, 0 0 í l (;tuO 
~ lente, belicoso, será corajoso e brilhante na ~ue~-ra,.~lcan~a-
Ll rá as dignidades entre os que comandam os exercitas . P~d1a-
b . b bA •, no di·a seguinte Mas que fazer se o signo se atizar o e e Jª · . 
do dia de nascimento era funesto? A engenhos1dade do, t?· 
nalpouhqui exercia-se então para encont~ar, na mes';1a sene 
de treze dias, um signo melhor, na medida do poss1vel nos 
quatro dias seguintes. "A criança n~o. nasceu . sob um b,om 
· " anunciava " mas há nesta sene um signo razoavel 
signo , , d · · · J " 
que atenua e corrige a influência ~efasta. o signo prm,cipa . 
G !mente isso era possível, pois os signos com numeras era , . b 
superiores a dez sempre eram favoraveis, ~°:1 como os que 
· h m O número 7.4 Em último caso, decidia-se postergar 
un ª ' d d. h b. 1 a data do batismo além do penado e quatro ias a 1tua -
mente admitido como limite. . 
o batismo propriamente dito era celebr.ad? não pel~ ad}-
vinho1 nem por um saçerdote,..mas..p.el~µar.t;i~a. A ce~imo-
nia compreendia duas partes: a lavagem n !_tE-JI§tlCa d~_cnanç~ 
~ a determinação do nome. 
- Começava-se preparando certa quantidade de comida e 
de bebida para o banquete familiar que se seguiria. Também 
se confeccionavam um pequeno escudo, um arco e quatro 
flechas, correspondentes aos quatro pontos cardeais, caso o 
recém-nascido fosse um menino; e pequenos biiras, uma lan-
çadeira, uma arca, se fosse uma menina. Todos os pàrentes 
e amigos se reuniam na casa da mãe antes do amanhecer. 
Assim que amanhecia, dispunham-se no meio do pátio 
interno ou do jardim os objetos simbólicos. A parteira, mu-
nida de uma jarra cheia de água, dirigia-se ao recém-nascido 
e lhe dizia: "Águia, jaguar, bravo guerreiro, tu, meu neti-
nho! Eis-te chegado a este mundo, a que te enviaram teu pai 
e tua mãe, o grande deus e a grande deusa. Tu foste criado 
e gerado em tua casa, em casa dos deuses supremos, do gran-
de deus e da grande deusa que vivem acima dos nove céus. 
Foi Quetzalcoatl quem te fez esse favor, ele, que está em to-
dos os lugares. Agora, reúne-te a tua mãe, a deusa da água, 
Chalchiuhtlicue, Chalchiuhtlatonac". Com os dedos molha-
dos, ela depositava algumas gotas de água na boca da crian-
ça: "Torna, recebe, é com esta água que viverás na terra, que 
crescerás, que florescerás; é por meio dela que recebemos o 
que nos é necessário para viver na terra. Recebe esta água". 
193 
Em seguida, ela tocava o peito da criança com ~ 
Ih d 
"E' , 1 . , . ' a mao mo 
a a: 1s a agua ~e ested, eis a p~nss1ma agua que lava e limp-
teu coração, que ura to a a suJe1ra. Recebe-a. Que 1 .. ª 
~ " D . 1 Ih 1 e a punf1 
9ue teu corbaçao ,;Q epo1s, e, a e ançava algumas gotas d~ 
agua na ca eça: ue esta agua entre em teu cor 
. ' 1 , l'" po e nele 
viva, est~ ag~a ~; este, esta _ag~a az~ ,· Por fim, lavava todo 
o corpo i° ~.~• ~ronunc1an o a. ormula destinada a afas-
tar 1os ma es: . n edq~er que ~steJabs, tu, que poderias fazer 
ma a esta cnança, e1xa-a, vai em ora, afasta-te dei . . d d a, pois 
agora esta cnança nasce e novo, e novo nossa mã Ch 1 
chiuhtlicue a forma e lhe dá à luz". e ª · 
Depois dos quatro ritos da água, quatro vezes a p · . , . arteira 
apresentava a cnança ao ceu, invocando o sol e as div· d 
d 
. A . , m a-
es astrais. ss1m, o numero sagrado regia os gestos t d' 
· · A ' 1 · f ' 1 b' ra I· 
d
c~o?a1sd. u
1
uEma ormuda tam em invocava a terra, esposa 
1vina o so . , agarran o o escudo e as flechas a 0 f1'c1· . , ante 
implorava aos deuses para que o menino se tornasse um g 
r~iro corajoso, "para que ele possa ir a seu palácio de Jeel~: 
c1as onde repousam e se regozijam os bravos que morreram 
em combate". 
: ; t..,, · A cerimônia de batismo das meninas era semelhrrite à 
-: ~ o menino, mas não se apresentava a criança ao sol, deus ✓ , ...., d . 
.::;_ ~ dos homens e dos guerreiros; depois da lavagem ritual, a par-
,_ teira e os pais se dirigiam, numa cerimônia comovedora, ao 
. -t. \L berço onde a menina repousaria e invocavam-na, chamando-a 
~- t-... de Yoalticitl, "a curandeira noturna". "Tu, que és sua mãe", 
, 1~ ~ diziam,"recebe-a, ó velha deusa. Não lhe faças mal, vela por 
;,_ ~ ela com doçura.»; 
~ ~ ~ 1: erminados os ritos, escolhia-se e anunciava-se o nome 
"' da cnança. 
Os antigos mexicanos não tinham nome 12atronímico; 1 
contudo, certos nomes eram transmitidos mui~ 
mesma família, do avô ao neto. A data de nascimento tam-
bém era levada em consideração: uma criança que nascia du-
rante a série de treze dias dominada pelo signo ce miquiztli, 
sob a influência de Tezcatlipoca, recebia um dos apelidos desse 
deus.6 
Em certas tribos, notadamente entre os mistecas, todos 
tinham o nome do seu dia de nascimento, seguido em geral 
de um cognome, por exemplo, "sete-flor-pena de águia" ou 
194 
"quatro-coelho-guirlanda de flores" .7 A variedad~ dos no-
mes próprios mexicanos era enorme. Podemos assinalar no-
mes como Acamapichtli ("punhado de caniços"), 
Chimalpopoca ("escudo fumegante"), ltzcoatl ("serpente de 
obsidiana"), Xiuhcozcatl ("colar de turquesa"), Quauhcoatl 
("serpente-águia"), Ciclalcoacl ("serpente de estrelas"), Tla-
cateotl ("homem divino"), Quauhtlatoa ("águia que fala"). 
As mulheres recebiam nomes graciosos, como Matlalxochicl 
("flor verde"), Quiauhxochitl ("flor de chuva"), Miahuaxiuitl 
("turquesa-flor de milho"), Atototl ("pássaro d'água"). To-
dos os nomes, como os das aldeias, montanhas, etc., podiam 
ser representados por pictogramas nos manuscritos histó-
ricos. 8 
A festa acabava com um banquete familiar, após o qual 
todos os velhos podiam entregar-se às delícias da bebida. 
'2l 
1.(. 
'-'' infância e a juventude, a educação ~ A 
i-... 
Jf 
~-~ . . (? Codex Mendoza pro~orciona, numa série de imagens 
~J divididas em duas colunas (a esquerda para os meninos à di-
~ ~ reita ~ara_ as me~inas), um quadro das etapas da edu~ação 
¼ -=â. das crianças mexicanas. A educação parece ter sido uma das 
~ · e;r·incipai~ preocupações dos adultos.dada como muita soli-
\...... .s;~tude e ~igor. Esse quadro precisa, ao mesmo tempo, as ra-
çoes de alimento destmadas a cada criança: meia broa éle milho 
por refeição ao~ três a~os, uma broa dos quatro aos cinco 
anos, uma e meia de seis a doze anos, duas a partir de treze 
anos. As rações são idênticas para os dois sexos. 
Entre três e quinze anos, a julgar por esse manuscrito 
a :ducação do menino era confiada ao_Rªi, a da menina, ~ 
, mae: trata-se, provªyel7;1~~...dtlamJlias..modestas, pois o~ 
...!!EgJgr;!@S ou _fun_c1onanos 1m12ortantes_d.~ erto não tinham 
,temR,o pC!!]_cu1dar_?~ eduq ~ão doL filhos. Veremos, ali.G, 
que o p_apel da familia geralmente cessava bem antes disso. 
~s imagens do Mendoza mostram como as crianças se 
vestiam. Até treze anos, o menino usa às vezes um pequeno 
manto amarrado no ombro, mas não veste o maxtlatl: só a 
195 
1 l 
, . partir dos treze anos, a idade viril, é que ele passa a u 
. ' . d sar tan 
gb~· A
1
menma, ~o contr~r~o.' v
1 
este esde o início a blusa ha. 
1tua e uma saia, que, m1c1a mente curta logo desc , · 
tornozelos. ' e ate os 
Nos primeiros anos, a educação dada pelos pais l' . 
ta aJ,ons conselhos (uma voluta azul, cor da pedra pse _imi-
, f' . d . d d l'b' ) rec1osa e 1gura a sam o os a 10s ~e~uenas tarefas do , . ' o · d , - mest1-
cahs. ~enmo aprden e a carhregar :gua, madeira, acompa-
n a o pai ao merca o e apan a os graos de milho espalh d 
"· h ~ A . b ~ a os 
1 
1 
no c ª?· mb.e
1
mna o s_erva a mDae tecendo, mas só começa 
a maneiar o 1 ro aos seis anos. os sete até os catorze a 
. d d' . . nos, os menmos apren em a pescar e a mg1r os barcos na 1 
. fi ~~ ~ na, enquanto as merunas 1am o algodão, varrem a casa mo 
~ 1 o milho no metlatl e, por fim, manejam o tear, de tã~ de/~ 
't- d . d M . ' 1 b tca \. o manuseio, o ex1co pre-co om iano. 
Educacã~ essencialment~ P-J=átlca..e. também~ severíssima: 
~ \ , chovem castigos sobre a cnança preguiçosa, que os pais ar-
--µ ~m com espinhos de agave. ~u- às 9.uais ~brigam2_ respi-
~ v~por acre dJ: uma fogueira onde que1niam pimentas 
, verme! as. Qs educadores mexicanos parecem ter sido adeptos 
da linha dura. 
J 
.)S.,!llpre Ee acordo com_Q_CQdex.Mendoza,_er_a__aos quinze. 
anos que...osjQYW.s_p_Qdia.m..enu:ar...para. o calmecac, templo 
_2u mosteiro q_nde_eram confiados-ª sacerda.t~s, o~ara o co-
J~ chamado telpochcalli, "caSí!_ dos jovens". dirigido por 
..._mestres escolhidos entre guerreiros experientes. No entan-
to, neste ponto, o documento está em desacordo com os textos 
mais confiáveis. Parece que a educação puramente familiar 
cessava muito antes. Alguns pais punh.lm-0s filhos no caj-
_mecac.asslln__J}~tes apceadia ... m a andac;-em-todo caso, as 
____ crianças entra~ m_.n.o-coJigio entre seis eJlQY..e anos.9 
Como vimos, duas p_q_ssi!,jlidades ~e apresentavam à fa. 
mília: o ca!mecac e o .!!Jpochcalli. O calmecac era re~ rva_do 
-ª prinCÍpÍQ.ílQS filhÕs e filbas .. de_dignitários,Jnas.J.iilllbém ~am 
, admitidos _o~Jilhos da classe do~ co2.!lerciantes10,e um ,t:e· 
cho. de Sahagún 11 nos permite supor que filhos de familias 
plebéias também podiam ser admitidos. Essa suposição é co~-
roborada pelo fato de que os grão-sacerdotes eram "escolhi-
dos sem que se levasse em conta a família, mas apenas os 
costumes, as práticas, o conhecimento da doutrina e a pure-
196 
... 
~ 
f"" 
d. 
Q 
o e.. 
À 
~ 
'.:::> 
s.. 
d 'd " 12 Ora os sacerdotes deviam ser obrigato-za e sua v1 a · ' 
riamente educados no calmecac. 
H · México vários calmecac, cada um deles depen-av1a em d . . .. d 
d d d terminado templo. A a mm1straçao e a e uca-ente e e d' d . / 
" d zes ou das moças depcn 1am o mexicat teo-
çao os rapa . . 13 J, / h 
h tz · "vigário-geral" da IgreJa mexicana. a os te poc · "ª m, b . d . 
li . espalhavam em quantidade pelos a1rros, e sua a mi-ca i se d ,, 
· traça"o cabia aos telpochtlatoque, "mestres os rapazes , ou, 
ms " d ,, no caso das moças, às ichpochtlatoque, mestras as moças , 
funcionários laicos e não religiosos. 14 
De modo geral, a educação "superior" proporcionada 
no calmecac preparava para.o sacerdócio ou para as altas fun-
ções do Estado; ela, e:a s~vera, rigoro~~· O :el~ochcal!i for-
mava cidadãos "med1os' - o que, alias, nao 1mped1a que 
alguns deles tivessem acesso aos postos mais elevados - , da-
va a seus alunos muito mais liberdade e os tratava com me-
nos dureza do que na escola sacerdotal. 
Para os pensionistas do calmecac não havia noite de so-
no ininterrupta. Eles se levantavam nas trevas e iam ofere-
cer, isoladamente, na montanha, incenso aos deuses e tirar 
sangue das orelhas e das pernas com espinhos de agave. Eram 
submetidos a jejuns freqüentes e rigorosos. Tinham de tra-
balhar duro nas terras dos templos, e o mais ínfimo deslize 
era castigado com rigor . 
Nessa educação, dava-se ênfase ao sacrifício e à abnega-
ção. "Ouve, meu filho", dizia um pai ao menino que ia en-
trar no colégio sacerdotal, "tu não vais ser honrado, nem 
obedecido, nem estimado. Tu vais ser humilde, desprezado 
e rebaixado. Todos os dias, cortarás espinhos de agave para 
fazer penitência e te banharás de noite, mesmo que faça muito -
frio. . . Enrijece o corpo com o frio. . . e, quando for tem- , 
pode jejuar, não rompe o jejum, faze boa cara para o jejum ' 
e a penitência."15 Era antes de mais nada u e.s~ 
tocontrole, em ~e se aprendia a ser duro c~mes,mo. 
Também se aprencfíã''afalar bem, a cumprimentar e fazer 
reverência"; enfim, os sacerdotes "ensinavam aos jovens todos 
os cantos que se chamam divinos, que estavam escritos em 
seus·livros com seus caracteres, bem como a astrologia indí-
gena, a interpretação dos sonhos e o cômputo dos anos" .16 
197 
LJ 
o 
Q. 
As meninas eram destinadas ao remplo_d.esdc a 111 · .-,, . d . ais ten. 
-~ ª-ªª~ se1a~1.per.lll.íll).eC.CJ:..P_Q.r. etenmnado...temp . 
D .. 'd o, sep 12ara,.es~ar o çasanl,ffilQ. mg1 as por sacerdotisas ·d · 
d · 1 · · 
1 asas que as outnna,·am, e as v1v1am castamente, exercit . . · ' 
f . b 1 .d b d avam-se cm con ecc1onar e os teci os or ados tomavam p . f . . ' d. . d , , ane nos 
ritos e o erec1am mcenso as 1vm ades várias veze · . 
te. Recebiam o tÍtulo de sacerdotisas.17 s por no,. 
Bastante diferente e muito menos austera era ·d . . , a v1 a dos 
outros iovens. O menino que entrava para O relpo , tl · 
d b .d f wca I era ecerto, su meti o a tare as penosas e pouco br'ilh · ' antes, co-
mo varrer a casa, 1Lcam os 01w:o~eJu_1, rupos . . . 1 
1
, • . . o- , <..:..art,ll enha 
,para .2 co e~io q_u parncma.r:_ de_ trabaJhos de. interesse púb .·_ 
co: rep! raçao _gas foss.i.s_e_çjlna1s, culü_vo de terras col . li; 
"Com d , d 1 " d . etiv.ts u o, ao por- o-so ' to os os Jovens iam cam - d . 
h d 
, . ar e an-
çar numa casa c ama a cmcacalco' ['casa do canto'] 
d d 1 
, e ora-
paz ançava com outros a o escentes ate' d · d · • . . · · · · epo1s a me1a-
no1te .. . e os que tinham amantes 1am dormir com 1 ,, 1s 
S d ~ d , f e as . ua e ucaçao ava pouca en ase aos exercícios 1· · . . , . , . re 1g10-
s?s, aos JeJuns e as penttenc~as, que tinham muita importân-
eta no calmecac. J.udo era...fcit~~pará-los para . 
d d 
. 'd d f a guerra, 
es_ e a ma1s_tenr~ 1 a e ~eqüentavam apenas gÜerreiros ex: 
penentes, cu!os feitos _admiravam antes de igualá-los. Enquan-
to permaneciam solteiros, levavam uma vida coletiva alegrada 
p~la dan~a_, pelo canto e pela companhia das moças, aS..í!Jili!· 
mme. ?Íl~1almeme admitidas para des_ell}~ni}ar o papel de 
f.2.._rtesas JUnta..deles. 
Os dois sistemas de educação são tão diferentes que, sob 
certos aspectos, parecem opostos e antagônicos. Sahagún 
fazendo-se intérprete dos nobres, ex-alunos do calmecac, de: 
clara que os jovens dos telpochcalli "não levavam uma vida 
sadia, pois tinham amantes, ousavam pronuciar palavras in-
decentes e irônicas, e falavam com soberba e audácia".19 Es-
se antagonismo manifestava-se, eclodia com a tolerância da 
opinião pública em certas circunstâncias, por exemplo, du-
rante o mês Atemoztli, quando os jovens dos calmecac e dos 
telpochcalli se lançavam uns sobre os outros em combates si-
mulados. 20 
No fundo desse anragaoismo, encontr~sc;_<Ldo_s_deuses 
__gue presidiam respectivamente_a cada um dos ramos da edu-
198 
cação. O deus dos ... mlmecac, qued_~ai:nbdémd odé dos sacer?f~t~ 
--- - ,, eia é Quetzalcoatl, 1vm a e o auto-sacn 1c10 
por excc en , I d, . d , b 
c:::a:i"'p.e.nitência, dos livros, do caden ard10 ~ as art~sT, sim o
1
_-
I d 
bne11arão e de cultura. O cus os Jovens e ezcat 1-0 e a o,;>= 1. " ,, y I .. . ,. ~chamado de Telpocht 1, rapaz , e aot, guerreiro , 
velho inimigo de Quctzalcoacl, que ele expulsou out rora do 
paraíso terrestre d_c Tula com seus ; ncanta11;c
1
ntosQ. I 
Enviar uma criança ao calmecac e consagra- a a uctza -
oatl· enviá-la ao telpochcalli é devotá-la a Tezcatlipoca.21 
~ua; concepções da vida cofccoum-s~ob a_másca.ra dessas 
personalidades divinas: de um Iado, o 1deals.ac1!~de...r.e.-
núncia a si mesmo de a..d.os..asu:o.u:....do..s signos, de co-
n 1ec1mento c p,lativo, de castidade; de..outro, o ideal 
os guerreiros em que a tônica é p_Qilll....de.libe.cadamcnt~ na 
açlo, no comb~ na vida coletiva, nq_s_prazcres efêmcrQ_s 
dãjüverltudc. Não é um dos traços menos curiosos da civili-
'üição asteca o fato de que uma sociedade tão ardentemente 
voltada para a guerra tenha escolhido, para formar sua elite, 
0 ensino de Quetzalcoatl e que tenha deixado o de T ezcatli-
poca para a classe mais numerosa, porém menos honrada. 
Um estudo mais detalhado dessa s~iedad~ mostraria, semj 
\1 dúvµIâ, profundas contradiçç~s_, as quais explicam, por. sua 
\ vez,, as tensões · as de.que ela..se..libertava ocasionalmente 
1 
sob um_ arma ritual. E a ori cm dessas contradições deve· 
ser busca a na superposição e na mistura ctecÜlturas dife-
rentes - a dos toltecas, transmitida pelos sedentários do v,t 
le, e a das tribos nômades, de 9.ue os astecas fizeram par-
te -, que concorreram E_ara formar a civilização mexicana, 
tâl como ela era na época da descoberta. O dualismo que do-
mina o pensamento autóctone, no caso o que opõe Quctzal-
coatl e Tezcatlipoca, se encontra na própria educação. 
Como quer que seja, a educação desempenhava seu pa-
pel. Ela preparava chefes, sacerdotes, guerreiros, mulheres 
que conheciam as tarefas futuras. A instrução intelectual pro-
priamente dita só tinha um papel importante no calmecac, 
onde se ensinava tudo o que· dizia respeito à ciência do tem-
P? e do país: leitura e escrita dos caracteres pictográficos, adi-
vmhação, cronologia, poesia, retórica. 
De~e-se levar em conta também o fato~ c os cantos 
~ prendidos se relacionavam ao passado das cictades, aos rei---·---
199 
nados precedentes, às guerr~, para c,ue assim · ~ 1- . ' - -::i.::.: ' , os Jovens 
~am1 1anzassem com sua historia. No telpochcalli, os can se 
e as danças, a musica, proporcionavam aos futur tos . os guerr . 
ros apenas uma bagagem mutto reduzida. Quant ei-
d • · b 
O ao resto a e ucaçao mexicana em am os os casos visava f ' 
, · ormar ca 
racteresenerg1cos, corpos robustos, espÍritos d d -
b '61º O · · evota os ao em pu 1co. esto1c1smo que os astecas soub 
. ' 1 eram mos 
trar na mais tem ve provação demonstra que t l d , -
alcançara seu objetivo. a e ucaçao 
.Fofim, ernbaca a sistema fosse diYi_d;do d . 
· ·d -J · • " e~ 01s ramos 
. nm ª~. e !.!.lstmtos, note-se que a separarão d . 
• · b • . :i:..::: os ensinos 
nao erguia uma arre1ra mtransp_onível diante dos . 
b d f ,,. h • - Jovens po-
... res ou e am1 ia um1lde, uma vez que as ma1·s 1 f 
• d l ;a-- . _ a tas un-çoes, como a e t acochcalcat, poâiam ser exercidas 1 b 'd d 1' . por p e-eus sai os o co eg10 popular. E os filhos dos pleb 
h . d dº . , . eus que se aviam torna o 1gmtanos tinham por sua vez 
1, . d 1
. , , acesso 
ao co eg10 a e 1te. 
'
- É notável que, naquela época e naquele continente ~I 
. d' d ' . ' um 
o~o. m ~ena -ª-.~lliwmDª-.prati~ª-QQ.__ a~ação obri 
at_Qna para todos e que nenhuma cnança mexicana do sé-
cu~o XVI, qualquer que fosse sua origem social, tenha ficado 
pnvada de escola. Basta comparar esse estado de coisas com 
o que nos mostram nossa Antiguidade clássica ou nossa Ida-
de Média, para se ver com que cuidado a civilização autóc-
tone d~ Méxi_co, a despeito de ~uas limit~ões, velava pela 
formaçao da Juventude e dos cidadãos. '\\ 
~},,f - '?C10 ( Cf /' r/ · 
O casamento, a vida familiar 
O adolescente podia se casar a partir dos vinte anos, e 
a maioria dos mexicanos se casava entre os vinte e vinte e 
dois anos. Só aos altos dignitários era permitido viver por 
longos anos com concubinas, antes que se casassem oficial-
mente, como foi o caso do rei de Texcoco, Nezaualcoyotl.23 
O casamento era considerado, antes de mais nada, como as-
sunto das famílias, não dos indivíduos - em todo caso, era 
200 
d.. . 1 E' provável que os jovens pudes-# 0 era 1c10na . . essa a versa fazer algumas sugestões aos pais. 
sem, pelo menos, . meiro lugar, para passar do celibato 
Entretanto, em pn d d · d 1 
d d 
isto é ao estado de ver a e1ro a u to, 
estado e casa o, ' I h 11· b ao . 1.6 -se do calmecac ou do te poc ca i e o ter era preciso I erar . . h 
. • d mestres Junto dos quais tantos anos a-autonzaçao os ' . 1 f ,,. ª. ºd dos Um banquete oferecido pe a am1 ia per-viam s1 o passa · . • 
mitia pedir e obter essa autonzaçao. . 
Convidavam-se os telpochtlatoque ao banquete mais lu-
a faml'lia podia oferecer. Preparavam-se tamales, xuoso que 
dos variados cacau. Os mestres saboreavam os pra-ensopa , . b . . 
. m seguida fumavam os cach1m os. Feito isso e na eu-tos, e , f . • . d 
foria que se sucede a uma boa re e1ç~o, o pai . o rapaz'. os 
ciãos da linha paterna e os conselheiros do bairro traziam 
::m grande pompa um machado de pedra polida e, diri?indo-
se aos mestres, diziam-lhes: "Senhores, mestres dos Jovens 
aqui presentes, não ficais tão pesaros~s se vosso irmão_, nos-
so filho deseja deixar vossa companhia. Ele agora anseia por 
contrai; matrimônio. Eis este machado: é o sinal de que este 
rapaz irá separar-se de vós, conforme nosso costume mexi-
cano. Tomai-o e liberai nosso filho". A que um telpochtlato 
respondia: "Nós ouvimos, todos nós, e os jovens com que 
vosso filho foi educado, que vós decidistes casá-lo e que ago-
ra ele nos deixa para sempre: seja feito como vós quereis". 
Então, os mestres pegavam o machado, o que significava a 
liberação do rapaz do colégio e saíam da casa.24 
Nem é preciso dizer que tudo estava previsto desde o 
início, banquete, pedido e resposta, mas o formalismo do po-
vo mexicano, o gosto pelos atos e pelas palavras tradicional-
m ente estabelecidos se manifestavam mais uma vez nessa 
õcasião. Segundo Motolinía25, o telpochtlato não se separa-
va dos alunos sem lhes dirigir uma homilia, "exortando-os 
a se conduzirem como bons servidores dos deuses, a não es-
quecer o que aprenderam no colégio e, uma vez que iam casar-
se e fundar um lar, a trabalhar como homens para alimentar 
e sustentar a família. . . Dizia-lhes também que, em tempo 
de guerra, deveriam comportar-se como soldados valentes e 
corajosos". Quanto às moças, "também não eram deixadas 
sem conselhos, nem doutrina; ao contrário eram-lhes diri-
gidas longas admoestações, sobretudo às filhas dos senhores 
201 
1 ~ 
l 
e dos dignitários". Três pre~eitos, diziam-lhes, deviam orientar 
a vida acima de tudo: servir aos deuses; manter a honestida-
de; amar, servir e respeitar o marido. "Embora infiéis", acres-
centa o missionário, "os mexicanos não deixavam de ter bons 
costumes." 
Quando os pais do jovem se decidiam a respeito da futu-
ra esposa - não sem ter consultado os adivinhos para co-
nhecer~m os pressági~s que podiam ser tirados dos signos 
de nascimento dos noivos-, entravam em cena as cihuatlan-
que, anciãs encarregadas de servir de intermediárias entre as 
famílias. De fato, nenhuma diligência devia ser feita direta-
mente. As matronas iam visitar os pais da moça e, "com muita 
retórica e belo linguajar"26, expunham o objetivo da missão. 
O costume exigia que a primeira resposta fosse uma recusa 
polida e humildes desculpas. A moça ainda não estava na idade 
de se casar, não era digna daquele que a desejava. 
Todo mundo, aliás, sabia perfeitamente como as coisas 
se desenrolariam. Sem se comover, as matronas voltavam no 
dia seguinte ou alguns dias depois, e os pais finalmente con-
cordavam: ''..Não sabemos como esse ra12az pode se enganar 
a tal pomo, pois nossa filha não serve 12ara nada e ~ meio 
toh. Mas uma vez que vós pareceis fazer tanta questão, será 
preciso conversarmos todos juntos, com os tios e as tias, os 
parentes e as parentas da menina, e também que ela própria 
seja posta a par do assunto. Por isso, voltai amanhã, para re-
solvermos a questão". 
Após um conselho de família e tendo obtido o acordo 
de todos, levava-se enfim ao conhecimento dos pais do ra-
paz o consentimento dos genitores da moça. Faltava apenas 
marcar o dia das núpcias. Para tanto, consultavam-se mais 
uma vez os adivinhos, de maneira a colocar o casamento sob 
um signo favorável, como acatl (cana), ozomatli (macaco), 
cipactli (monstro marinho), quauhtli (águia), calli (casa). Era 
preciso, também, preparar os pratos, o cacau, as flores e os 
cachimbos para a festa de casamento. "Faziam-se tamales du-
rante toda a noite e todo o dia, por dois ou três dias, e mal 
se dormia" por ocasião dos preparativos.27 Pois o casamen-
to era coisa importantíssima, desde que a família tivesse al-
guns meios e algumas pretensões. Convidavam-se todos os 
202 
ml·gos os ex-mestres dos noivos, as "persona-parentes, os a , . 
!idades" do bairro ou da cidade. . . . 
A 
. • - de casamento eropnamente dita era realt-cenmoma . -
d 
do ra az ao cairctâ noite. No dia recedente, 
za a na casa . d 1 
"azia-se uma_íe.srança na casa cta noiva. um grande-•-~~~ 
era servido ao meio-dia, os anciãos 5eoiam octli, as mulhe-
res casadas traziam presentes. À tarde, a noiva tomava ba-
nho e lavava os cabelos. Os braços e pernas eram enfeitados 
com plumas vermelhas, e o rosto pintado de amarelo-claro 
com tecozaiútl. Assim preparada, ela sentava-se perto do fo. 
gão, num estrado coberto de_ esteiras, e os anciãos ~a fam!lia 
A
o noiv~ apresenta~7m:se d1a_nte ,?ela_ ~ara c~mpnmenta-la erimomosamente. Minha filha , d1Z1am, tu honraste a 
nós, velhos e velhas, teus parentes. Agora, és uma mulher, 
não és mais uma criança, começas a ser uma adulta. Coita-
da! Vais ter de te separar do teu pai e da tua mãe! Ó filha 
nossa, desejamos boas-vindas e prosperidade a ti." 
E a noiva respondia (podemos imaginá-la, comovida e 
algo trêmula, acostumada pela educação a esconder os senti-
mentos e esforçando-se por se manter calma, enfeitada com 
plumas e flores, pintada, vestida de bordados multicores): 
"Vosso coração foi bom para mim, as palavras que medis-
sestes, as considero preciosas; falastes comigo e destes vos-
sos conselhos como verdadeiros pais e mães. Agradeço por 
todo o bem que me fizestes". 
À noite, formava-se o cortejo para conduzir a noiva a 
seu novo lar. Àfrente iam os parentes do rapaz, "muitas an-
ciãs honradas e matronas", depois a noiva; uma anciã a car-
regava nas costas, ou, se ela era de boa família, ia de liteira, 
nos ombros de dois carregadores, para sua futura residência. 
As moças do bairro, seus parentes e amigas ainda solteiras, 
formando duas filas, acompanhavam-na, levando archotes na 
mão.28 
Em meio a cantos e gritos, entre duas fileiras de curio-
sos que exclamavam "Que moça feliz!", a alegre procissão 
s~rpeava pelas ruas até a casa do noivo. Este, adiantando-se, 
vmha recebê-la. Trazia na mão um incensório e, quando a 
~oça se aproximava da porta, davam-lhe mais outro; os dois 
JO~ens ofereciam um ao outro incenso em sinal de respeito 
mutuo, e todos entravam na casa cantando e dançando. 
203 
O rito do casamento era celebrado p~rto do fogão. Sen-
tados um ao lado do outro em duas esteiras, os noivos · • lnI-
ciaJmente recebiam presentes. A mãe da moça oferecia 
f 1. N d ªº uturo genro roupas mascu mas; a mae o rapaz ofereci , 
noiva uma bata e uma saia. Depois, os cihuatlanque amar~a~ 
vam um ao outro o m~nto_ do rapaz e a ?~ta da moça: eles 
estavam casados, e o pnme1ro g~sto era d1v1dir um prato de 
tamales, de modo que um oferecia ao outro os pãezinhos de 
milho com suas próprias mãos. 
Nesse instante, a alegria dos convidados manifestava-se 
P,?r cantos e danças; depois, todos in~estiam para as provi-
soes acumuladas e aqueles a quem a idade permitia se em-
briagavam copiosamente. Entrementes, os esposos, tendo se 
instalado no quarto nupcial, lá permaneciam quatro dias fa. 
zendo orações, sem consumar o casamento. Durante esse tem-
po, só saíam do quarto para acender incensos no altar familiar 
ao meio-dia e à meia-noite. Para a quarta noite, preparavam-
lhes uma cama de esteiras, entre as quais se dispunham plu-
(j m~s e um p~d_aço de jade - provaveI_n:iente, símbolos das 
\
crianças que mam nascer, sempre qualificadas de "ricas plu-
mas" e " pedras preciosas". No quinto dia, eles se banhavam 
no temazcallz: e um sacerdote vinha abençoá-los, aspergindo-os 
com um pouco de água benta. 
Nas famílias de dignitários, a cerimônia do quinto dia 
era quase tão elaborada quanto a das núpcias; os pais aben-
' d I çoavam quatro vezes os recem-casa os com agua e quatro 
vezes com octli. A moça enfeitava a cabeça com plumas bran-
cas, as pernas e os braços com plumas coloridas, efetuava-se 
nova troca de presentes, e um novo banquete oferecia às duas 
famílias e aos amigos a oportunidade de divertirem-se, dan-
çar, cantar e beber. Entre os plebeus, os festejos eram mais 
discretos e menos onerosos, mas a ordem geral era idêntica 
à que acabamos de descrever. 
e_<:!~, pcl_o menos, o_ideal que os mexicanos p,i:o_cura· 
v~p realiza!. J:-J:a prática, sucedia qu.e um_ jQvem casal g__e na· 
"°-lorados nã0' pedia a autorizaªº dos_12ais ~ unia s~: 
,_tamente. Na maior parte das vezes, ao que parece, tratava-se 
de plebeus que não queriam esperar acumular tudo o que 
era necessário para os presentes, os banquetes, etc. "Ao ca· 
bode algum tempo, tendo economizado o que era preciso 
204 
para convidar as famílias, o rapaz ia ao encontro dos pais 
de sua mulher e lhes dizia: 'Reconhe~o meu erro. . . ~rra-
nos unir sem O vosso consentimento. . . Deveis ter 
fic:d~:urpresos por não ver mais vossa fil_ha [sic]. Contudo, 
foi de comum acordo que decidimo~ morar Juntos co?1o gente 
casada, e agora queremos tentar v1verf~~mod convemf~lhtra-
balhar em benefício próprio e em b~ne 1c10 , e noss?s 1 _os: 
perdoai-nos e dai-nos vosso consenumen_to. Os pais aquies-
ciam "e procediam às solenidades e festejos que seus po,~res 
. . . "29 (J/)14-1/AtvfE /.7í0 aos PD~:-JR J 
me10s perm1t1am . . . Dç; '> 
Era nessas condições e por meio desses ntos que ov o- · 
mem desposava a mulher principal, e só podia celebrar ess..e 
casamento com uma {mica mulher. I2davia.-além-dela,_p,.,o-
dia ter quantas esposas secundárias lhe conviesse. O sistema 
s:J:: ~ matrimonial dos mexicanos apresenta-se como um compro-
. i misso entre a monogamia e a poligamia: uma só esposa " le-
<.t;: gítima" ( esta a expressão geralmente empregada pelos. cr~-
~ nistas), com a qual ele se casou celebrando ~odas ~s _c~nmo-i nias, mas um número indefinido de concubinas of1cia1s, que 
<:s:.. tinham seu lugar no lar e cujo estatuto não era absolutamente 
objeto de zombaria ou desprezo. . 
O historiador Oviedo relata uma conversa que diz ter 
mantido com o espanhol Juan Cano, terceiro marido de do-
na Isabel Montezuma, filha do imperador Motecuhzoma II. 
"Pergunta - Fui informado de que Montezuma teve cento 
e cinqüenta filhos e filhas. . . Como o sénhor pode ter dona 
Isabel, sua esposa, como filha legítima de Montezuma e co-
mo fazia seu sogro para distinguir entre os filhos legítimos 
ou bastardos, e entre as mulheres legítimas e as concubinas? 
Resposta de don Juan Cano - O costume observado pe-
los mexicanos para legitimar uma esposa era o seguinte ... 
Pegava-se a aba da bata da noiva e amarrava-se essa aba com 
o manto de algodão que o noivo vestia. . . Os que se casam 
sem essa cerimônia não são considerados casados, e os filhos 
nascidos dessas uniões não são legítimos e não têm direito 
à herança." 3º 
"O rei [de Texcoco] tinha tantas mulheres quantas qui-
sesse e de todos os tipos de linhagens, altas ou baixas, mas 
205 
só uma legítima entre todas elas" escrev . 
P 
3 ' e o cron1st . d 
na ornar. 1 Todas os textos são unân · ª 1n íge-
ponto. Ixtlilxochitl, por exemplo diz q imes quanto a esse 
b " ' ue o costum d ~ eranos era ter uma mulher legítima de e os so-
- " ·2 o quem pudes 
--l cer seu sucessor .~ conquistador anô • se nas-
" , d ' , . mmo tamb ' d' 
- que os m 10s tem muitas mulheres tant em 12 - 1· ' as quantas d 
1 
a 1mentar, como os mouros ... No entant h , po em 
- ' . d . o, a uma ~ ta acima as outras e cuios filhos têm d' · , h que es-) d . d 1re1to a era 
_ _l°"\ etnmento e seus irmãos consangüíne ,, 33 M ~ça, em 
~ margo precisa que a mulher legítima dav~s ·d ~noz Ca-
"(: binas do marido e que era ela quem or ens as concu-
i
:-~ a que o marido escolhia "para dorm1·arrumavla e enfeitava 
- ~ , , . , r com e e" 34 
Nao ha duvida de que as tribos semibárb .. . aras vmdas d 
, /) norte praticassem a monogamia como . 
0 
~ ,, d d ' d ' ' mostra a hte 
_:;-~ e 1ca a a sua história. A poligamia deve ter ' rat~ra 
'-'-~- em d , · ermanec1do 
':,t ' _,...l uso entre os se entanos o va e central ( I 0 \J--.. • d ' ex-to tecas ten õ-
"' ~ s~ im,ereg?-_a oca a vez mais nos costumes à medid; 
':: CJ:7, mvel ctev1aa melhorava, sobretudo emre a elas d' _que...2,_ 
- \\.li b ---- ' se 1noeme 
,r:,/, ~ \'-- e os so eranos. Estes contavam as es osas secund ' · , t> qv 'Ih ( · anas as cen-
:) v .,,ntenas ou m1 ares mais de duas mil no caso T -01 ~ 
1 
, o rei e ex-
coco, ezaua p1I1e~), tendo se estabelecido o costume_di 
v) 
o 
selar os acordos entre cidades com a troca de m Ih e. , d. u eres per-
tencentes as1versas dinastias. 
As exp_ressoes "le?1t1m1daderr ou "ilegitimidade" empre-
gadas ~~po1~ da conqmsta espanhola sob a influência das idéias 
e~rope1as nao nos devem confundir: nenhum estigma se pren-
dia ao esta~ut? ~as esposas secundárias, nem ao de seus fi-
lh~s. _A pnnc1p10, sem dúvida, apenas os filhos da mulher 
pnnc1pal sucediam ao pai; contudo, a literatura abunda em 
exemplos que contrariam esse preceito: já bastaria o mais ilus-
tre ~e todos e!es, o do imperador Itzcoad, filho de uma con-
cubina de ongem humílima. Em todo caso os filhos das 
esposa~ secu?dárias sempre eram considerado; pi/li e tinham 
ac~sso as mais altas funções, se delas fossem dignos. Cometer-
se-1a um erro cabal considerá-los "filhos naturais" "bastar-
d " d ' os , co~ to a a conotação que nosso mundo dá ou dava 
a essa designação. 
. _Conqu~anto'. teoricamente, a família poligâmica fosse ad-
n mitida e nao cnasse problemas, na realidade o ciúme entre 
~ as mulheres do mesmo marido e a rivalidade entre os filhos 
J tJT r,1~A E,rv TfZ f r~ F~ .pD.:;A '.>206 
causavam terríveis distúrbios. As concubinas às vezes tenta-
vam, por meio da intrig~, se_mear a d_iscórdia entre ? marido 
e os filhos da mulher pnnc1pal. Assim, uma favonta do rei 
Nezaualcoyotl conseguiu atrair a desgraça sobre o jovem prín-
cipe Tetzauhpiltzin~li, "o menino mar~vil?oso::-
Este, filho do rei e de sua mulher pnnc1pal, gozava de 
todos os dons que a natureza pode dotar a um príncipe ilus-
tre. Ele tinha uma excelente índole e, sem dar grande traba-
lho aos preceptores e mestres, revelou-se perfeito em todas 
as coisas: filósofo de valor, poeta e soldado de primeira or-
dem e, inclusive, versado em quase todas as artes mecâni-
cas . . . Um príncipe, filho do rei e de uma concubina, cin-
zelou uma pedra preciosa em forma de passarinho, tão na-
tural que parecia vivo, e quis oferecê-la ao rei, seu pai. Este 
alegrou-se de ver a jóia e quis dá-la ao filho Tetzauhpiltzin-
tli, pois o amava infinitamente". 
Quem poderia acreditar que essa amável cena familiar 
pudesse degenerar em drama? Pois foi o que aconteceu. O 
filho da concubina, seguindo os conselhos da mãe, disse ao 
rei "que o príncipe lhe dera uma má resposta, o que o fazia 
suspeitar de que tinha a intenção de rebelar-se contra o pai; 
que ele declarara não se interessar pelas artes mecânicas, às 
quais se aplicava o príncipe que cinzelara a jóia, e sim pelas 
questões militares, e que pretendia chegar a dominar o mundo 
e, se possível, a ser mais que seu pai; e que, dizendo isso, 
mostrara-lhe um depósito cheio de armas". 
Abaladíssimo com essas nodcias, o rei mandou um fun-
cionário de confiança visitar o filho. O mensageiro consta-
tou que, de fato, o palácio que lhe era reservado estava ornado 
com armas de todas as partes. De comum acordo com osso-
beranos de México e Tlacopán, seus aliados, Nezaualcoyotl 
pediu-lhes para visitar o filho e repreendê-lo, a fim de pô-lo 
de novo no bom caminho. No entanto, os outros dois mo-
narcas, que provavelmente não viam com maus olhos o en-
fraquecimento da dinastia do vizinho, "foram até o palácio 
do príncipe com o pretexto de visitá-lo e ver as dependên-
cias que ele estava construindo, e certos oficiais que os acom-
panhavam, simulando pôr em seu pescoço uma guirlanda de 
flores, estrangularam-no. . . Quando o rei ficou sabendo da 
morte do príncipe, que ele amava com ternura, pôs-se a chorar 
207 
amargamente, lamentando a dureza dos d . . 
h l b , . . 01s reis. . E b 
n ou-se pe os osques vanos dias tri'ste n· · m re-
. f 1· ºd d , e a ito eh 
sua tn e ic1 a e, pois não tinha outro filho l ', . orando 
suceder-lhe à freme do reino embo . e_gitimo para 
b. . . , ra tivesse tido d cu mas sessenta filhos e cmqüema e f'lh as con-d sete i as A . . 
os rapazes se tornaram soldados célebres · n:1ª10na 
d h 
, e as moças t1nh 
se casa o com sen ores da corte ou e M, . am-
, A d l , m exico e em TI 
pan. to os e e dera muitas terras aldeias d , . aco-
p l. , ' e om1nios" 36 arece, a ias, que a família real de T • 
frentando um destino trágico Na'o f excoco acabou en-
l . . ora o sucessor de N 
zaua coyotl, o rei Nezaualpilli, também levado d e-
~orte do próprio filho? O filho mais velho' H a or e_nar a 
llJ "ai , d ' uexotzmcat-
\-.. zm, em as outras graças e dons naturais que o dº . . 
, ::i . · f'l' f 1stmgu1am ;-:. era um eminente t oso o e poeta. Assim con1po's , .' 
~ :r d'· "d ' d ' umasat1-
"' .../ ra m~1 a a ª?1ª_de Tula, ~ue era a concubina favorita de 
i::-. - seu pai. Ela propna era muito hábil na arte da poes· . d · ta, por-
ta~to, os 01s_trocaram_ respostas, e o príncipe tornou-se sus-
peito d_e corteJar a favorita. O episódio foi levado aos tribunais 
e _cons1de:ado, se~undo os preceitos da lei, um caso de trai-
çao ao rei; a punição ~ar~ ~ai crime era a pena de morte e, 
embora o pai amasse mfm1tamente o príncipe, foi preciso 
executar a sentença" .37 
~ Observe-se, de passagem, que esse drama palaciano foi 
~~a::;, uma das causas remotas da queOaclo 1mpéno mexicano. De 
~~ ~ fato,_tendo ~ herdeiro designado de Nezaualp11li morndo nes-
..., :_r:... -;:: sas c1rcunstanc1as, a sucessao ao t1'mn,de Texcoco foi feroz-
~~~~ mente disputada por vários irmãos consangüíneo~um deles, 
~ Jxtl1~a~c_httl1.J:!!1IU·Se~ p..o.r..d-ê_P-~1.9, 3,_QS espanhóis, com seus 
· parti anos e suas tropas . 
. A "dama _de Tula", que provocou, não se sabe ao certo , 
~e mvol~n_tanamente, a morte trágica de Huexotzincatzin, 
e O prototipo da favorita de um grão-senhor mexicano. Tão 
c~lta quan~o b~la - embora fosse apenas filha de um nego-
ciante - , nvahzava com o rei e os grandes em conhecimen-
tos : em arte poética. Ela vivia com uma espécie de corte 
particular num palácio construído para si e " mantinha o rei 
submetido à sua vontade" _38 
Mul~eres principais ou secundárias, todas elas, ao que 
parece, unham muitos filhos, e as famílias poligâmicas che-
gavam a ser numerosíssimas. Nezaualpilli tinha cento e qua-
208 
renta e quatro filhos, onze dos quais c~m a mul_he~ princi-
pal.39 A Crónica Mexicayotl enumera vrnte e dois filhos de 
Axayacatl, vinte de ~uit~ol,_ ~e~enov~ de ~otecuhzoma. O 
ciuacoatl Tlacaeleltzm, d1gmtano do 1mpeno sob Motecuh-
zoma I, casou-se primeiro com uma m?ça nobre de Ameca-
meca, com quem teve cinco filhos; depois, co~ doze mulher~s 
secundárias, que lhe deram, cada uma, um filho ~u uma f~ -
lha _ contudo, acrescenta o texto, "outros mex1can?s di-
zem que Tlacaeleltzin, o velho, um ciuacoatl, gerou oitenta 
e três filhos". 40 . . 
Evidentemente, apenas os dignitárias e os.ncQS_Rodiam 
arcar com as des esas ue tais famílias acarretavam. Embo- ~ 
ra 1m1ta a as c asses s':Periores, a p_9ligamia-contri!?uía ~ara Ll 
;i&elerar a evolução demQgráfica e contrabalançar os efeitos 
das freqüentes guerras. Muitos homens morr!am no campo 
de batalha ou sacrificados antes de terem pochctô casar-seou 
de terem engendrado vános hlhos. Naslistas--de-nomes-qcre-
certas crorucas fornecem, a menção "morfoem-combate-Gon-
tra Uexotzinco", "morto em combate em Kflíxéõ', reapa-
rece, sem cessar, como um leitmottv fúnebre. 41 As viúvãs 
12odiaro cootmua.r-.sós,..depois..tomau...casar (acontecia que 
uma esposa se casava com um escravo do marido e dêiê fazia 
seu 1meQcl!!nte42)_ou tornªrel!.l·Se esposas secundárias de um 
do~_i.anãos do..fale<údo. 43 
· O homem era o chefe inconteste da família, e esta vivia 
num ambi~te ni_tidam~e p,.atriarcal. O marido devia tra-
tar igualmente bem todas as mulheres, mas sucedia que um 
mau marido fizesse uma delas, em particular a principal, so-
frer toda sorte de afrontas. A opinião pública condenava com 
severidade tal atitude. O soberano de Tlatelolco, Moquiuix-
tli, casara-se com uma irmã do imperador mexicano Axaya-
catl, a princesa Chalchiuhnenetzin. Ora, esta, além de ter mau 
hálito, "era magricela, não tinha carne e, por isso, o marido 
não queria vê-la. Todos os presentes que o irmão Axayacatl 
mandava para ela, o soberano os dava para as mulheres se-
cundárias. A princesa Chalchiuhnenetzin sofria muito: era 
obrigada a dormir num canto, contra a parede, ao lado do 
metlatl, e só tinha para se cobrir um manto grosseiro em far-
rapos. O rei Moquiuixtli não queria dormir com ela e passa· 
va as noites unicamente com as concubinas, belíssimas mu-
209 
\,(. 
lheres, pois a nobre Chalchiuhnenetzin não era cheia, mas 
muito magra, não tinha carnes, e o peito era só ossos. Por-
tanto, Moquiuixtli não a amava e a maltratava. Tudo isso 
acabou por \'ir à tona. O imperador Axayacatl sentiu uma 
grande cólera, e foi_ assim que começou a guerra [entre Mé-
xico e Tlatelolco ]. E por isso que se diz que Tlatelolco pere-
ceu por causa das concubinas". 44 
Todavia, não se deve representar a mulher mexicana co-
mo urna espécie de perpétua menor. No âmbito de uma so-
c~ed,1de dominada pelo hom_em, el~ nã? er~, se~n embargo, 
tao apagada quanto se poderia crer a pnme1ra vista. Na An-
tiguidade, mulheres tinham exercido o poder supremo, em 
T ula, por exemplo4\ e parece inclusive que uma mulher 
Ilancueitl, se acha na origem dopoder monárquico em Mé~ 
xico.46 As mulheres, pelo menos no início, transmitiam 0 
sangue dinástico: Ilancueitl transplantou para México a li-
nhagem tolteca de Colhuacán, o que permitiu que a dinastia 
asteca reivindicasse a prestigiosa linhagem de Quetzakoat!Y 
Numa época mais recente, pode-se ver um plebeu da ori-
gem mais humilde tornar-se tlatoani de uma província por 
ter se casado com uma filha do imperador Itzcoatl.48 É bem 
possível que, com o passar do tempo, o poder masculino te-
nha se fortalecido e que se haja tendido a encerrar cada vez 
mais a mulher entre as quatro paredes da casa. Entretanto, 
ela conserva~s_ws bens.. podiaJazer.negócio.s, confiando as 
J.D ec~ad_arias a_v_ende~eumbul.ê_ntes49 ~eu:eLalgumas __ 
1 ~ Àr,, prof1ssoes - sacerdot1sª, parteira,surandeira -, em g_ue des-
1(:::;.,v fr_utaya de gra,~de_indep~nd_ên_çia. As auianiníe, que os_cr:.~ 
lf 
1 ~ 
nistas espanho1s tendem a apresentar como prostitutas, ao 
mesmo temp~ q_ue pr~isavam que "elas davam o corpo por 
nada";o, exerciam uma profissão não só rêconhecida, c6mo 
estima~ : nas _cerimônj~r~igios~s, tinham o lugar reservi"-
do ~o lado dos jovens guerreiros de que eram comp.w.fiei:-
ras.01 
~erto antagonismo entre os dois sexos transparece em 
determinados costumes. Às vezes, eram os garotos ou os ra-
pazes que atacavam as mulheres na rua a "travesseiradas" 
- recebendo, de vez em quando, um bom corretivo; - às 
vezes, eram a~ moças que cobriam de zombarias e injúrias 
mordazes os Jovens guerreiros indelicados. 
210 
Durante as festas do mês Ue-y Tozoztli, as moças desfila-
vam em cortejo, de rosto pintado, braços e pernas enfeita-
dos com plumas, empunhando espigas de milho consagradas, 
e, se um rapaz se arriscava a dirigir-lhes a palavra, zomba-
vam dele, gritando: "Vede só! Um deles tem cabelos com-
pridos [isto é, um jovem que ainda não combatera] e fala! 
Mas será que tu falas mesmo? Seria melhor se fizesses o que 
é preciso para poder cortar os cachos compridos, cabeludo! 
Não serás tu uma mulher como eu?" Então, os rapazes ten-
tavam salvar a reputação, respondendo com uma grosseria 
afetada: "Vai cobrir teu ventre de lama! Vai te arrastar na 
poeira!" Contudo, entre si, os rapazes diziam perplexos: "As 
palavras das mulheres são sangrentas, cruéis, rasgam o nos-
so coração. Vamos embora, oferecer-nos como guerreiros. 
Quem sabe, meus amigos, obteremos uma recompensa".;2 
f 
As anciãs, que haviam passado da idade de submissão ao 
marido, não raro viúvas, cercadas de respeito, até autoriza-
das, como os anciãos, a tomar de vez em quando algumas 
taças de octli, gozavam de grande independência. Através dos 
textos, vêmo-las indo assistir às filhas ou às parentas e devo-
tas, assíduas às inúmeras cerimônias, em que representam um 
papel importante. ,§las não têm 12,êP,as naJíngua~ falam _ _Re=._ ; 
los coto':loj,. Matronas, casame~~eiras, f :eqüentam as casas ; • 
em que sao celebradas festas familiares, nao poupam discur-
s?s ,e tomam ~ugar à mesa. ~,m país em que..a.,yelhice. p_or ,. 
s1 so se dava direitos, a.mulheLid.osa..faz.ia..par.te-daqueles cu- _J / 
ja oeinião er_a solicitada e ouvida, neI1Lque fosse apenas no 
bai!;.t:_o. 
Durante a vid~ de esposa e de mãe, entre vinte e cinqüenta 
anos, podemos dizer, a mexicana tinha muito o que fazer, 
pelo menos nas classes menos abastadas. As favoritas do so-
~erano podiam cultivar a poesia, mas a plebéia em geral não 
ficava à toa, com a~ c:ianças, a cozinha, a tecelagem, as inú-
meras tarefas domesticas. No campo, ela também participa-
va dos trabalhos agrícolas e, na cidade se encarregava da 
criação das aves. ' 
É difícil dizer se o adultério era muito difundido. O ri-
gor _extremo ~a repressão, a freqüência das referências feitas 
na lit~ratura a execução dos culpados parecem indicar - co-
mo vimos no que concerne a embriaguez - que a sociedade 
211 
~I 
Y: f-1 fl n t fl ) ., _,,, 1 (,, ,a 
/
1 tinha consciência de um grave perigo e que . 
1
, · reagia c . 
~ 
enc1a contra ele. O adultério acarretava a om v10-. ...._ - morte para o d . 
parceiros - matavam-nos esmagando-lhe 6- s 
01s 
:i - :,-.----- saca eça a d . 
uas, mas a muiher era antes estrangiilad 53 N _ pe ra-
mais altos dignitários escapavam desse cas~go ~7 _mesmo ~s -
severa que fosse, exigia, porém que se com. e1, por mais 
O 
. 1 , provasse o . 
me. s1mp es testemunho do marido era con ·d d cn-
fi 
· . s1 era O i n 
1c1ente: era preciso que testemunhas imparciais f. su-
f
. N d 'd con irmasse 
as a irmaçoes o trai o. E o marido que matava a mui m 
mesi:no que a surpreendesse em flagrante delito t b , h~r, . 1 ·4 , am em tn 
carna na pena capita . ' · 
O exemplo talvez mais célebre e O mais dra , . d , · d hº , . d , . manco a ui 
ten~ . a IStona o Mex1co antigo também nos é dado el -
familia real de T excoco. O rei Nezaualpilli contav p ª 
d
,. . aentreas 
esposas secun anas uma filha do imperador astec A 1 E · b a xaya-
cat . ssa pnncesa, em ora ainda fosse quase uma · 
" N • • dº b , . cnança 
era tao v1c10sa e 1a olica que, vendo-se só em seus apo~ 
s~ntos e ce_rcada de pessoas que a serviam e respeitavam de-
~1do ao bnlho do seu nome [Ixtlilxochitl diz, aliás, que ela 
tinha n_ada menos de dois mil servidores], passou a entregar-
se a mil excessos. 
"Ch:go~ a tal pon_to q~e, se via um rapaz elegante e de 
boa aparenc1a, que sausfaz1a seus gostos e suas inclinações 
dava em segredo ordens para que ele gozasse de seus favo~ 
res. Quando saciava seus desejos, mandava matá-lo e escul-
pir uma estátua à imagem dele. Enfeitava a estátua com ricas 
roupas, jóias de ouro e pedrarias, e colocava-a no salão onde 
costumava ficar. Havia tantas estátuas, que elas preenchiam 
quase todo o perímetro da sala. 
"Quando ia vê-la, o rei perguntava o que significavam 
aquel~s estát~as, e ela respondia que eram seus deuses. Ele 
acreditava, ciente de como a nação mexicana era religiosa e 
apegada a suas divindades falsas." 
. Contudo, um incidente deveria desvendar o segredo da 
prmcesa asteca. De fato, ela cometeu a imprudência de pre-
sentear um de seus amantes - ainda em vida - com uma 
jóia que o 1:1arido lhe dera. Suspeitoso, Nezaualpilli apare-
c~u uma no1t~ na residência da moça. "As matronas e os ser-
vidores lhe disseram que ela estava dormindo na esperança 
de que o rei fosse embora, como das outras v:zes. Mas, des-
212 
·â 
f
. d ele entrou no quarto para despertá-la. Encontrou 
con 1a o, b " 
ta'tua deitada na cama com uma peruca na ca eça. uma es . ' . • 1 d a] 
Enquanto isso, a princesa d1vert1a-se com tres ga antes e -
ta linhagem. 
Os quatro foram cond~nad~s à morte e e~~cutados, bem 
m
o grande número de cumphces do adulteno e dos assas-
co 1 'd E . ·natos diante de uma enorme mu t1 ão. sses acontec1men-
s1 , l N d' · 
tos contribuíam para estremecer as re açoes entre a masua 
de Texcoco e a família imperial de México, que, embora dis-
simulasse seu rancor, não perdoou ao rei aliado o castigo in-
fligido à princesa asteca. 55 
/ Fala-se pouco de divórcio no México antigo. O abando-
no do domicílio conjugal, seja pela mulher, seja pelo mari-
do. constituía uma causa de dissolução do casamento. Os 
tribunais podiam autorizar um homem a repudiar a mulher, 
se provasse que ela era estéril ou descuidava de maneira afron-
tosa de suas tarefas de dona de casa. Por sua vez, a mulher 
podia queixar-se do marido e obter um julgamento favorá-
vel, se ele fosse acusado, por exemplo, de ter-lhe batido, de 
não lhe fornecer o que necessitava ou de deixar os filhos ao 
abandono. Nesse caso, o tribunal lhe confiava a guarda das 
crianças, e os bens do casamento desfeito eram divididos en-
tre os ex-cônjuges. A mulher divorciada era livre para se ca-
sar de novo.56 
Fosse ou não agitado por vicissitudes, o casamento assi-
nalava a entrada do mexicano na companhia dos adultos. "As-
sim que [os jovens] se casavam, eram inscritos no registro 
público com outros casais. . . e, embora o país fosse povoa-
díssimo e transbordante de gente, todos eram levados em con-ta. "57 O homem casado tinha direito a uma parcela das 
terras pertencentes a seu calpull~ às eventuais distribuições 
de víver~s ou de roupas. Era um cidadão de pleno direito, 
e a consideração de que desfrutava em seu bairro se media, 
em g~ande parte, pela dignidade da sua vida em família e pe-
lo cmdado que dava à educação dos filhos. 
. _Sob a aparência do formalismo que cobria as relações fa-
m1!tares, não há dúvida de que os mexicanos amassem ter-
~amente ~s filhos. "Nopiltze, nocuzque, noquetzale", "Meu 
filho quendo, minha jóia, minha pluma preciosa" - é nes-
ses termos que um pai se dirige ao filho.58 Quando uma mu-
213 
1, 
'I 
1 11 
1 1 
' 
lher ficava grávida, a notícia dava lugar, em ambas as famíli 
a grandes demonstrações de alegria e a festejos, para os q/~• 
'd d , . d ais eram conv1 a os os parentes e os notave1s o bairro ou d 
aldeia. ª 
Depois de um banquete, enquanto os convivas fumava 
cachimbo, um ancião tomava a palavra em nome do futu; 
p~i. ~ dirigia-se aos notáveis:, "~arentes e ~enhores, quer~ 
dmgir-vos algumas palavras rust1cas e grosseiras, pois eis-vos 
reunidos pela vontade de nosso deus Y oalli Eecatl (' 0 vemo 
noturno', Tezcatlipoca], que está em todas as partes. Foi ele 
que vos deu vida até agora, a vós, que sois nossa sombra e 
nossa proteção, vós, que sois como o pochot4 que dá muita 
sombra, e o ahuehuet~ que abriga os animais sob seus ramos. 
Do mesmo modo, vos, senhores, sois os protetores e O sus-
tentáculo dos humildes e dos pequenos, que habitam nas mon-
tanhas e nas estepes. Vós protegeis os pobres soldados e a 
gente guerreira, que vos consideram seus bens e seus consola-
dores. Sem dúvida, sofreis pesares e preocupações, e nós vos 
causam~s dor e.:mbaraç~·~· . Ouvi, senhores 9ue estais aqui, 
todos vos, anc1aos e anc1as, cabeças encanec1das: sabei que 
nosso deus houve por bem, em sua misericórdia, dar a ,;,;,; 
[o nome da mulher grávida], casada recentemente, uma pe-
dra preciosa, uma rica pluma". 
O orador entregava-se ainda a longas explanações, recor-
dando os antepassados mortos, "que estão repousando nas 
c~vernas, nas águas, no mundo subterrâneo". Depois, suces-
sivamente, tomavam a palavra: um segundo orador em no-
me dos parentes; um dos notáveis, que se dirigia particu-
larmente à moça, comparando-a a uma peça de jade e à safi-
ra e lemb~a~do-lhe que a vida que ela trazia em si provinha 
do casal d1V1no Ometecuhtli-Omeciuatl; em seguida o pai e 
a mãe da mulher; e, por fim, esta, que agradecia aos presen-
tes e se perguntava se era merecedora da felicidade de ter um 
filho. Encontramos em suas palavras, sob as fórmulas con-
vencionais, aquele quê de incerteza, de angústia diante do 
futuro que tanta vez ressoa na alma asteca.59 
A mulher casada era colocada sob a proteção das deusas 
da g~ração e da saúde, de T eteo lnnan, a mãe dos deuses, pa-
droeira das parteiras, que também era chamada Temazcalte-
ci, "a avó do banho de vapor", e de Ayopechtli ou Ayo-
214 
h ti divindade feminina menor dos partos. Conhecemos pec ca , . f , 1 , . 
0 
texto de uma prece, verdadeira ormu a magica, que se can-
tava para invocar esta última: 
"Lá, na morada de Ayopechcatl, a jóia nasceu, uma crian-
ça veio ao mundo. 
Lá na morada de Ayopechcatl, a jóia nasceu, uma criança 
veio a~ mundo. É lá, na casa dela, que nascem as crianças. 
Vem, vem aqui, recém-nascido, vem a.qui! 
Vem, vem aqui, criança-jóia, vem aqu1!"6º 
Ao menos nas famílias das classes superiores, a moça re-
cebia, bem antes do nascimento da criança, cuidados extre-
mos. Escolhia-se com grande cerimônia uma parteira, con-
tratada pelos velhos paren,tes, para cuidar da futura mãe. As-
sim que esta aceitava, não sem antes objetar que não era mais 
que "uma velha infeliz, tola e sem inteligência", a parteira 
ia à casa da cliente e acendia o fogo para preparar o banho 
de vapor. Entrava com a mulher no temazcall~ atentando 
para que o banho não ficasse quente demais, e apalpava o 
abdômen da cliente para assegurar-se da posição da criança. 
Em seguida fazia as recomendações: a mulher devia abster-
se de mascar tzictl~ pois isso poderia causar o inchaço do 
palato e das gengivas da criança, o que a impediria de se ali-
mentar; não devia ter acessos de cólera, nem ficar com me-
do, e as pessoas da família eram lembradas de que deviam 
lhe dar tudo o que ela desejasse. Se ela olhasse para objetos 
vermelhos, a criança nasceria "de través". Se ela saía de noi-
te, devia pôr um pouco de cinza na bata ou no cinto, caso 
contrário corria o risco de ser assustada por fantasmas. Se 
olhava para o céu durante um eclipse, a criança nasceria com 
lábio leporino, a menos que a mãe tivesse tomado a precau-
ção de usar, sob as roupas, colada à pele, uma faca de obsi-
diana. Dizia-se também que, se o pai, saindo de noite, visse 
um fantasma, a criança teria uma doença cardíaca.61 Em su-
ma, durante todo o período que precedia o parto, uma rede 
de proibições e de preceitos tradicionais encerrava a mãe e 
o próprio pai, com o intuito, pensava-se, de proteger a criança. 
O próprio parto era realizado sob a orientação exclusi-
va da parteira, que assumia a direção da casa, preparava a 
215 
\ 
1 
,1 
1 
. 1 
1 
1 1' 
11 
:: , 
comida e os banhos, massageava o ventre da paciente. Se 0 
parto demorava, faziam a mulher tomar_ u1!1a tisana de ciua-
patli 61 (Montanoa tomentosa}, planta cuia mfusão provoca-
va fortes contrações. Se essa medicação não fizesse efeito, 
recorria-se então ao último meio, uma bebida composta de 
água em que se dissolvia um fragmento de rabo de tlaquat-
zin (gambá). Atribuía-se a essa bebida a propriedade de pro-
vocar um parto imediato e até brutal.63 
Se os banhos, as massagens, os medicamentos não des-
sem resultado, a parteira se trancava num _cômodo com a pa-
ciente. Ela invocava as deusas, em particular Ciuacoatl e 
Quilaztli. Quando percebia que a criança morrera no ven-
tre da mãe, armava-se de uma faca de sílex e cortava o feto 
em pedaços.64 
A mulher que morria de parto era associada expressa-
mente a um guerreiro morto em combate ou no sacrifício. 
"Depois da morte, lavavam-lhe todo o corpo, ensaboavam-
lhe a cabeça e os cabelos e vestiam-na com as melhores rou-
pas que ela tinha. E o marido carregava-a nas costas até o 
lugar em que iam enterrá-la. Os cabelos da morta eram sol-
tos. Todas as parteiras e as anciãs se reuniam para acompa-
nhar o corpo; elas iam munidas de escudos e gládios, dando 
gritos como os dos soldados no momento do ataque. Os jo-
'.I vens chamados "telpopochtin" [ trata-se dos alunos dos telpoch-
11 callij iam ao encontro delas e lutavam para roubar-lhes o 
; : corpo da mulher ... 
1 , 1 ~ 11 "A defunta era enterrada ao pôr-do-sol. .. no pátio do 
11 
1 1 lJ templo consagrado às deusas chamadas 'mulheres celestes' ou 
'ciuapipiltin' ['princesas']. . . e o marido e os amigos guar-
davam-na quatro noites seguidas para impedir que alguém 
roubasse o corpo. Os jovens guerreiros velavam para se apo-
derar daquele corpo, pois consideravam-no uma coisa santa 
ou divina, e se, batendo-se com as parteiras, conseguiam lo-
grar seu objetivo, imediatamente e em presença dessas pró-
prias mulheres, cortavam-lhe o dedo mediano da mão esquer-
da. Se conseguissem roubar o corpo à noite, cortavam-lhe 
o mesmo dedo e os cabelos e conservavam-nos como relí-
quia~. A razão pela qual os guerreiros se esforçavam por con-
segu_rr o dedo e os cabelos da defuma era a seguinte: quando 
partiam para a guerra, colocavam os cabelos ou o dedo em 
216 
di 
. ue assim seriam bravos e corajosos ... 
cudo e z1am q , , f 
seu es 
I 
b l e aquele dedo lhes davam orças e cega-
que aque es ca e o~ . . 
,b os olhos dos inimigos. _ . 
,:;7" vam . . a mulher [morta de parto] nao 1a ara o 
"Dizia-se ue -
. mas ara o pa acio o so e ue o ornava un-
in erno, p a sua ravura ... As mulheres mortas na guer-
to e s1 evi o d , . , 
d primeiro pano-;âo chama as moau uet ue -raou urante o 
· 1 as en re os mortos em uerra. 
mu eres va en 
T d 
- ara iunto O sos1 em na parte oc1 ental do o as vao P 'd d , · l , p · os anciãos chamavam o oc1 ente e ctuat am-ceu. or isso, · d d , 
a' ['o lado das mulheres'). .. As mulheres, fartm . o o ze-
p · f teJ·avam o sol descendo com ele ate o ocidente, e mte, es , . . t e · 
m no num leito fetto de plumas de quetza . am1-carregava - . 
nhavam à frente dele, dando gritos de alegria, combatendo, 
festejando-o. Elas abandona:am-~o n~ lugar em q~e ~.!~l 
P
õe e ali os do mundo mfenor vmham recebe-lo. 
se ' ' ' " lh l " A sorte reservada no alem a essas mu eres va entes 
' pois O equivalente, a cópia, da dos guerreiros mortos em 
~~mba~e ou na p~dra_ dos sacrifíci?s·. Eles acompan~am o sol 
do nascer ao meio-dia; elas, do zemte ao ocaso. Tmham-se 
tornado deusas, por isso chamavam-nas também de '_'ciuate-
teo ': "mulheres divinas". Seu sofrimento e sua morte unham-
lhes valido a apoteose. Divindades temíveis do crepúsculo, 
elas apar~ciam certas noites nas encruzilhadas_ e vi~ii_navam 
de paralisia os que as encontravam. 66 Elas se 1dent1f icavam 
ao mesmo tempo com as deusas do oeste, do paraíso ociden-
tal Tamoanchán, e com os monstros do fim do mundo. 
A doença, a velhice 
As noções e práticas relativas à doença e à medicina en-
tre os antigos mexicanos se apresentam como uma mistura 
inextricável de religião, magia e ciência. De religião, pois 
considera-se que certas divindades enviam doenças, outras 
curam-nas; de magia, porque se atribui na maioria das vezes 
a doença à magia negra de algum feiticeiro, e é por uma ação 
mágica que se procura curá-la; de ciência, enfim, porque o 
217 
conhecimento das . 
o uso da san ria e ropnedades das plantas ou d . 
teca, em cert~s caso;subanhf?~ proporcionam à ;:d~I?erais, 
na N , ma 1s1onom · · 1cina as 
d
. ·. o entanto, não há d' 'd d ia curiosamente m d . 
O1s p · · uv1 a e que d A O er-
' . nme1ros eram dom· . , . os tres aspecto 
magico O 'd' t, . . mantes, pnnc1palm s, os 
m . . me ico ,ticitlj, homem o ente o aspecto 
ais nada um feiticeiro, mas u _u_ m~lher, era antes de 
e aprovado pela sociedade m fe1t1ce1ro bom, admitid 
olhados, o bruxo , que condenava o lançador de m o 
• aus-
Entre os índios nah • . 
ça é atribuída a quatro uacaautuais d~ S1erra de Orizaba, a doen-
g d sas: a Introdu N • ra, e um corpo estranh . çao, por magia ne-
f · o no orgamsm d d nmentos ou a morte . fl' 'd o o oeme· os so-• 
d l m 1g1 os ao "t " d , 
up o animal ou naualli . . o~em O doente, seu 
malfeitor; a "perda" do 't%:/m mimigo ou ~m feiticeiro 
mo tempo a alma o so . t,l ter~o que designa ao mes-
. , pro v1ta e o sign b 1 o paciente, portanto sua O so . 0 qua nasceu 
"ares"' em espanhol , " . s~rte ou seu desuno; enfim, os 
Z~ngolica,_ el~i9atl c~co~;;;:e,' ,::e;ªfeu~~e~~:.
1, d~ ~ie~ra _de 
~;e:~~: ~ 1~;::~:;is que erram em torno dos h~:a::~c:~~ 
. Essa~ noções procedem diretamente das que eram admi-
tidas na epoc~ pré-hispânica. A crença de que a doença é pro-
v?cada_ ~el~ Introdução m_ágica de um corpo estranho era 
dif~?~1d1ss1ma: ~ curandeiras eram cham;_idas "tetlacuicuili-
~ue , as que retiram pedras [ do corpo]", "tetlanocuilanque': 
as que_ extraem vermes dos dentes", "teixocuilanque': "as 
que reuram vermes dos olhos".68 
Embora o "nahualismo" no sentido atual seja, provavel-
mente, um fenômeno relativamente recente, englobava-se ou-
trora sob o nome de "tona/Li" o "gênio" particular de cada 
um, sua boa sorte e sua "estrela", no sentido de sorte prede-
terminada.69 Quanto aos "ares" nefastos, sua origem era 
atribuída antigamente a Tlaloc e aos Tlaloque, deuses das 
montanhas: "Eles [ os índios] imaginavam que certas doen-
ças, que parecem ser enfermidades causadas pelo frio, vinham 
das montanhas, ou que essas montanhas tinham o poder de 
curá-las. Os acometidos por essas doenças faziam a promes-
sa de dar uma festa ou uma oferenda à montanha que ficasse 
nas proximidades ou pela qual sentissem uma devoção par-
218 
. A ueles que se viam perto da morte, afogados nos 
ucular. q faziam promessas semelhantes. As doenças 
. s ou no mar, d 
no i'ndios a fazer tais promessas eram a gota as 
ue levavam os d 
q N d és ou de qualquer outra parte o corpo, a pa-
maos ou os p , . h 
. • d membro ou de todo o corpo, o me amemo 
ral!Sla e um f' d 
de outra parte do corpo, a atro 1a e um mem-do pescoço ou ' . d . 1 · ·dez geral As vmmas e tais ma es prome-bro ou a ng1 · · · 
. confeccionar imagens do deus do vento, da deusa da 
uam h "70 
' a e do deus da e uva . 
agu A 'buía-se também a Tlaloc as doenças da pele, as úlce-
m 1 N 1· . d 
1 ra e a hidropisia.7
1 As convu soes e a para ISla as 
ras, a ep . d e· . ·1 . d 
· as eram consideradas provementes as mapip1 un, e cnanç N • 
que já falamos. "Essas d~usas vao Juntas no ar e aparecem 
ando deseJ· am aos que vivem na terra, e acometem de doen-qu d a1· . d ;,,s os rapazes e as moças, provocan o a par 1S1a e entran o 
ç ,, 1 " ,, ' no corpo humano. 72 A crença atua . nos ares pertence a 
mesma tradição, só que despersonalizada. 
Enfim, outras divindades também podiam causar doen-
ças: as que presidiam o amor carnal, Tlazolteotl e suas com-
panheiras. Acreditava-se que o homem ou a mulher que se 
entregavam aos amores ilícitos difundiam à sua volta, como 
por um malefício permanente, o que se chamava "tlazolmi-
quiztli'~ "a morte [causada pelo] amor" e que, assim, os fi. 
lhos ou os pais eram acometidos de melancolia e de defi-
nhamento. Era como uma mácula ao mesmo tempo moral 
e física, de que só se podia curar pelo banho de vapor, rito 
de purificação, e com a invocação das Tlazolteteo, deusas do 
amor e do desejo.73 ....._ 
O deus da juventude, da música e das flores, Xochipilli, 
também chamado Macuilxochitl, punia os que não respeita- · 
nvam as proibições; por exemplo, os homens e as mulheres 
r9ue ma~t_inham relações sexuais durante os períodos de je-
Jum, afligmdo-os com doenças venéreas, hemorróidas e doen~ 
ças da pele. Xipe Totec era considerado o responsável pelas 
oftalmias.74 -Se al~1ms de~ses causavam doenças, outros, ou os mes-
mo~, podiam cura-las. Os Tlaloque e Xochipilli responden-
do as pr 'f' · ' _eces e ª?s sacn 1c1os, eram capazes de tirar as doenças 
que haviam enviado. O deus do fogo, bem como a deusa Ciua-
coatl, protetora dos que tomavam banhos de vapor, ajudava 
219 
as parturientes.75 Outra deusa, Tzapotlatenán cu ' 
ceras ou erupções do couro cabeludo . . , rav~ as ui-
um d d , cieiros, rouquidão 
eus menor, e rosto preto, lxtlilton curava . , e 
ças· "Havia l . . ' as cnan-
d · ei:n seu temp o recipientes de cerâmica f h 
?s,_ que, continham o que se chamava de sua 'á u~ ec ª: 
fitlilauhJ. Quando uma criança ficava doente 1!vav preta 
ao templo de lxtl'l b · • am-na 
b b ' i ton, a nam uma das jarras, davam-lhe de 
e er ª agua preta e a criança ficava boa".76 
. . Quan~o ~m í?dio ficava doente, a primeira medida con-
sistia em distinguir a c:,usa do ~eu mal. Esse diagnóstico não 
~ baseava na ob,se~a~ao dos sintomas, mas na adivinhação. 
ara tanto, o medico JO~ava g:ãos de milho num pedaço de 
bano, ou num vaso cheio de agua, e tirava suas conclusões 
~seando-se na maneira como os grãos caíam, agrupados ou 
dispersos, ou como flutuavam na água ou, ao contrário iam 
ao fundo. ' 
Par~ saber se uma criança doente perdera seu tonall~ a 
curandeira_ a segurava ac_ima de um recipiente cheio de água 
~ olhava a imagem da criança refletida no líquido, enquanto 
in~ocava a deusa desta: "Tlacuel, tia xihuallauh, nonan chal-
c~tuhe, ch'!'~chi~~tl~ ycue, chalchiuhtli ihuipil, xoxouhqui ycue, 
xoxouh~ut ihuipz~ tztaccihuatl" ("Ouve, vem, minha mãe, pe-
dra de iade, tu, que tens uma saia de jade, tu, que tens uma 
blusa de jade, saia verde, blusa verde, mulher branca"). Ca-
so o rosto da criança aparecesse obscurecido no espelho 
d'água, como que coberto de sombra, isso significava que seu 
tonalli lhe fora roubado.77 
Em outros casos, o ticitl recorria à planta sagrada cha-
mada "ololiuhqui"78, cuja semente provocava uma espécie de 
embriaguez e visões. Às vezes, o médico,o paciente ou uma 
terceira pessoa absorviam peyotl ou tabaco. Acreditava-se que 
as alucinações causadas por essas plantas traziam revelações 
sobre a causa da doença, isto é, sobre a magia que a origina-
ra e sobre a identidade do feiticeiro. A denúncia feita por 
esses oráculos contra um indivíduo era tida como indiscutÍ-
vel: daí decorriam rancores e ódios irreparáveis entre as fa-
mílias dos doentes e os pretensos feiticeiros.79 
Também eram utilizados, enfim, outros procedimentos 
de diagnóstico: a adivinhação pelas cordinhas, especialidade 
das mecatlapouhque ("adivinhadeiras pelas cordinhas"80), e 
220 
" edida do braço", rito em que o curandeiro, tendo unta-
a m d' " b d d . 
d 
mãos de fumo, "me ta o raço esquer o o paciente 
o as N d' . s1 
com a palma da sua _mao 1re1ta. 
Uma vez determinadas a natureza e a causa da doença, 
· ha início o tratamento propriamente dito. Se fosse uma 
tdm nça enviada por um deus, procurava-se aplacá-la fazendo-
oe , d , . 
lhe oferendas. Nos outros casos, os meto os terapeuucos com-
ortavam, numa proporção variável, operações mágicas: in-
p 'Nd N" N"d vocações, insuflações, apos1çao as maos, ext~açao e pe-
dras vermes, pedaços de papel que se pretendia terem sido 
, . d . 82 d' N b introduzidos no organismo o paciente , e me 1caçoes a-
seadas em conhecimentos positivos: sangrias, banhos, pur-
gações, curativos, emplastros, administração de extratos ou 
de infusões de plantas. 
O fumo e o incenso vegetal (copalli) desempenhavam um 
papel importante em todas as práticas. O curandeiro dirigia-se 
ao fumo, que era esmagado e pilado, chamando-o de "aque-
le que foi golpeado nove vezes". Os dedos do curandeiro eram 
designados pela expressão "os cinco tonalli''B3, e de modo 
geral a linguagem empregada nessas fórmulas mágicas era bas-
tante metafórica e obscura. 
Eis, por exemplo, como se tratavam as dores de cabeça. 
O ticitl massageava a cabeça do doente com força e dizia: 
"Vós, cinco tona/li que olhais todos para o mesmo lado, e 
vós, deusas Quato, Caxoch, quem é o ser poderoso e vene-
rável que destrói nosso maceualli? Sou eu que falo, eu, o sa-
cerdote, eu, o senhor dos encantamentos. Nós o encontra-
remos à beira da água divina [do mar], nós o jogaremos na 
água divina". 
Pronunciando essas palavras, ele apertava entre as mãos 
as têmporas do doente e soprava-lhe a cabeça. Depois invo-
cava a água nestes termos: 
"Ouve, minha mãe, tu, que tens uma saia de jade. Vem 
aqui, salva a vida a esse maceuall~ servidor do nosso deus". 
Dizendo isso, derramava água na cabeça e no rosto do 
paciente. Se essa medicação não desse resultado e a cabeça 
inchasse, o curandeiro aplicava fumo misturado com uma 
raiz chamada "chalalatli". Ao mesmo tempo, pronunciava 
esse encantamento: 
221 
I 
"Eu, o sacerdote, eu, o senhor dos encantamentos [per-
gunto], onde se encontra aquele que está destruindo e 
b r · · d ssa ca-
eça enremça a. Vem, tu que foste golpeado nove vezes, 
es_n~agado nove veze~ ~ o fumo], vamos curar essa cabeça en-
feitiçada com ~ med1cma vermelha [a raiz chalalatlrj Cha-
1:10 o vento frio para que ele cure essa cabeça enfeitiçada. 
O v~~to, eu te pergunto: trazes o remédio para esta cabe 
enfe1t1çada?"84 ça 
. Quando um doente sofria do peito, davam-lhe de beber 
mi_~?.:~ de milho mis~urado com casca de quanenepilli ("mara-
CUJa . ~), e o curandeiro apunha-lhe as mãos dizendo: "Vin-
de, cinco tonaliz: Eu, o sacerdote, eu, o senhor dos encanta-
men~o~, procuro a dor verde, a dor fulva. Onde ela se esconde? 
MedJCrna encantada, eu te digo, eu, o senhor dos encanta-
mentos: quero curar esta carne doente. Tu entrarás nas sete 
c~~ernas [os pulmões]. Não toques o coração amarelo, me-
dicina encantada: expulso daqui a dor verde, a dor fulva. Vin-
de, nove ventos, expulsai a dor verde, a dor fulva". 86 
!unto com as invocações e gestos mágicos, os médicos 
mexica?os empregavam uma terapêutica baseada em certo 
conhecimento do corpo humano (sem dúvida, bastante di-
fundida n_um país em que os sacrifícios eram freqüentes) e 
das propnedades das plantas ou dos minerais. Eles reduziam 
as fraturas e colocavam talas nos membros quebrados.87 San-
gravam habilmente os pacientes com lancetas de obsidiana. 88 
Colocavam emplastros emolientes nos abscessos e obsidia-
na pilada bem fino nos ferimentos: "Moída como farinha, 
essa pedra, espalhada nas cicatrizes recentes ou nos ferimen-
ros, cura-os rapidamente"89• 
A farmacopéia mexicana compreendia certos minerais, 
a carne de alguns animais e, sobretudo, uma vasta quantida-
de de plantas. O padre Sahagún chega a garantir as "virtu-
des" de certas pedras: "Há também pedras chamadas 'eztetl: 
'pedras de sangue', que têm a virtude de deter os sangramentos 
de nariz", escreve ele. "Eu mesmo experimentei a virtude 
dessa pedra, pois tenho um pedaço grande como o punho, 
ou pouco menor, e, neste ano de 1576, durante a epidemia, 
salvei a vida de muita gente que perdia sangue e vida pelas 
narinas. Baseava segurá-la na mão e conservá-la alguns ins-
222 
·-..ci ;, 
a que a hemorragia logo cessasse, e os pacientes sa-cantes par . d 
dessa doença da qual morreu e ato a morre tanta gente ravam ' , h d f 
N va Espanha. Há inumeras testemun as esses atos neste na o l 1 •~o 
burgo de Santiago Tlate o co • " . 
O mesmo cronista relata que certa pedra chamada qm-
d h ")"'b ht ocuitlatl" ("ouro e c uva e oa para os que se as-a11 e b' , 
sustam com uma trovoada. . . e ,tam em para os que tem 
Jor interno [febre]. Essa pedra e encontrada nas paragens 
ca h . . d 
de ]alapa, Itztepec e Tlatlau qu1tepec, e o~ nativos essas re-
giões dizem que, quando começa a troveiar e a chover nas 
montanhas, essas pedras caem das nuvens, penetram na ter-
ra e põem-se a crescer a cada ano, e os índios procuram-nas . .. 
d "91 cavam a terra e extraem as pe ras . 
É verdade que eram atribuídas propriedades fantásti cas 
a Pedras a animais (por exemplo, como vimos, ao rabo de ' b' , gambá), ou a plantas. No entanto, tam e~ e ~erto que os 
índios, com o correr do tempo e por expenenc1a, souberam 
acumular uma soma considerável de conhecimentos acerca 
das plantas de seu país. Desse ponto de vista, se co~parar-
mos sua medicina com a que grassava na Europa ocidental 
na mesma época, podemos nos perguntar se a dos astecas não 
era a mais científica delas. Sem dúvida, à parte o aparato má-
gico de que se cercava o ticitl mexicano, o uso das plantas 
medicinais pelos astecas era um método mais científico que 
as prescrições do Diafoirus'} europeu daquela época. 
Os conquistadores não deixaram de se impressionar com 
a eficácia de certos medicamentos indígenas. Em 1570, o rei 
da Espanha, Felipe II, enviou ao México seu médico, Fran-
cisco Hernández, que, em sete anos de trabalho exaustivo, 
com um dispêndio de sessenta mil ducados, enorme para a 
época, reuniu uma quantidade considerável de informações 
sobre as plantas medicinais do país e recolheu um magnífico 
herbário. Infelizmente, ele morreu antes da publicação de 
sua obra, e uma parte dos manuscritos foi destruída em 1671 
no incêndio do Escorial. Apesar disso, amplos extratos de 
seus trabalhos foram publicados no México e na Itália, pro-
porcionando uma idéia da extraordinária riqueza da mate-
,. Os Diafoims, pai e filho, eram dois médicos grotescos, personagens da peç11 
O doente imaginário, de Moliere (N. do T.). 
223 
rza rned· • ica mex1ca d ' 
cerca de mil d na o seculo XVI: He , 
e uzentas pi rnandez 
. Sahagún cansa r antas empregadas na en~rnerara 
livro às ervas I g a grande pane de seu d ' . terapeutica.92 
d e p antas m d. · . ec1rn0 · emonstram ue ' . e 1cma1s, e as pes ui Pnrneiro 
viam definidd em' ep1:1_vanos casos, os curanc1irsoas rnodernas 
d d incament s astec h 
es as plantas qu ·1 · e, com presteza as a-
d . ' . e ut1 izava , as prop . d 1 uret1cos, sedat. . , m ~orno purgativos . :1~ a-
p d . ivos, ant1term1cos et , vom1ton os 
o em-se citar b ' l ' c. , 
sa "Ih o a samo-do-pe . 
parn a, o iztacpatli (P l . ru, a raiz de jalapa 1 
co

Continue navegando