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Paper II

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Princípio da lealdade federativa e instrumentos de cooperação previstos na Constituição Federal de 1988.
WELLINGTON MÁRCIO KUBLISCKAS
Assessor do Núcleo de Infraestrutura – Subchefia para Assuntos Jurídicos.
I. Plano de Trabalho
O presente artigo tem por objetivo apresentar os principais aspectos teórico-doutrinários acerca do princípio da lealdade federativa, demonstrar a sua incidência no contexto da Constituição Federal de 1988, bem como defender a necessidade da concretização dos instrumentos de cooperação interfederativa previstos no texto constitucional à luz do referido princípio, de modo a que o federalismo brasileiro evolua de um “federalismo de competição” para um verdadeiro “federalismo solidário”. 
II. Estado Federal e Federalismo
 
 	Os Estados em geral, em decorrência de aspectos históricos, geográficos, sociais e culturais, estão organizados das mais diversas formas: unitária, federal, regional, etc. Nos dias atuais, contudo, a forma de organização mais relevante é o Estado Federal, modelo adotado em mais de 25 países - muitos dos quais de grande extensão territorial e enorme peso político e econômico -, que representam aproximadamente 40% da população mundial.
 	Em linhas gerais, o Estado Federal pode ser entendido como o tipo de Estado composto por mais de uma organização política, todas dotadas de autonomia política, competências legislativas/administrativas e fontes de receitas próprias, previstas e asseguradas na Constituição Federal. Trata-se, basicamente, de uma forma de distribuição territorial do poder político na qual coexistem dois ou mais níveis de poder no âmbito de um mesmo Estado: o ente central e os entes locais.
Note-se que a referida forma de organização está fundamentada em dois elementos básicos: (a) autonomia – na medida em que os entes federados conservam uma ampla liberdade de gestão dos seus próprios assuntos; e (b) participação – uma vez que as unidades que compõem a Federação devem conformar as suas decisões com as decisões adotadas pela União Federal.[footnoteRef:1] Nesse sentido, ensina Georges Burdeau que o primeiro se refere à descentralização, ou seja, à autogestão garantida institucionalmente pela Constituição às partes federadas e o segundo à responsabilidade que cabe a cada subsistema na gestão de si próprio e do país inteiro. Este último remete diretamente para a noção de cooperação das ações entre os entes federados – aqui entendida como uma cooperação pactuada entre as unidades federadas e o ente central.[footnoteRef:2] [1: BADIA, Ferrando. El Estado Unitário, el Federal y el Regional. Madrid: Ed. Tecnos, 1978, p. 77-78. ] [2: Droit Constitutionnel et Institutions Politiques, 15ª e., Paris: Librarie Generale de Droit et Jurisprudence, 1968, p. 50. No mesmo sentido, cf. BOTHE, Michael. Federalismo: Um conceito em transformação histórica. In.: O federalismo na Alemanha. Traduções n. 07, São Paulo: Konrad Adenauer, 1995, p. 4. ] 
O Estado Federal é um modelo plurifacetário e em constante transformação, tendo assumido diversas configurações de acordo com as características de cada povo e com as condições históricas de cada momento, sendo que os dois modelos federativos que exerceram maior influência foram o americano e o alemão.
 	A Constituição dos Estados Unidos instituiu o federalismo por meio da fixação no texto constitucional de duas esferas estanques e auto-excludentes de competências: poderes enumerados atribuídos à União e poderes residuais atribuídos aos Estados. A primeira fase do federalismo americano – federalismo dual – era caracterizada pela existência de um poder central altamente fragilizado e esferas estaduais dotadas de amplas atribuições, sistemática esta que – além de guardar consonância com o momento histórico norte-americano – estava vinculada aos postulados do Estado Liberal pois limitava a possibilidade da adoção de uma postura mais ativa pela União - em especial nos setores econômico e social.[footnoteRef:3] Ocorre que, com o crescimento das funções do Estado – principalmente a partir da década de 1930 -, surgiu a necessidade do fortalecimento da União de modo a viabilizar o planejamento e a execução de políticas econômicas e sociais uniformes. O mecanismo utilizado para promover o fortalecimento do papel do ente central foi o chamado federalismo cooperativo, entendido como uma reformulação da distribuição de competências e encargos entre os entes federados com base em inúmeros mecanismos, dentre os quais a regulação do comércio, o poder de tributação e a concessão de subvenções.[footnoteRef:4] Com isso, o sistema de federalismo dual foi paulatinamente substituído por um sistema de federalismo cooperativo, no qual a delimitação das competências e poderes atribuídos aos entes federados se tornou mais flexível, possibilitando inclusive a atuação de um ente em área reservada aos demais, bem como foi estabelecida uma interação entre a União e os Estados passaram a atuar como parceiros na definição de objetivos e na implementação de políticas comuns. [3: O federalismo dual foi reconhecido pela jurisprudência da Suprema Corte dos EUA, em especial nos casos “Collector vs. Day”, de 1871, e “Hammer vs. Dagenhart”, de 1918. Acerca do tema, cf. TRIBE, Laurence H., American Constitutional Law, 3ª e., New York: New York Foundation Press, 2000.] [4: O federalismo cooperativo foi implementado nos EUA com base em alguns instrumentos, tais como: (a) regulação do comércio (v.g., a “Lei dos Padrões de Trabalho Justo” (1938), que, sob a justificativa de regulamentar o comércio interestadual, impôs regras mínimas para o salário e condições de trabalho); (b) poder de tributação (v.g., a “Lei de Ajuste Agrícola” (1933), por meio da qual o governo procurou eliminar o excesso de mercadorias, dotando os agricultores americanos de suficientes incentivos para reduzir a produção; e (c) concessão de subvenções federais ou “grants-in-aid” (transferência aos Estados-membros de grandes somas de recursos financeiros destinados ao custeio de políticas públicas definidas pelo governo federal como prioritárias dentro do programa nacional de governo). ] 
 	O federalismo alemão – que também exerceu forte influência na configuração do federalismo contemporâneo – inovou na técnica de repartição de competências (a) ao combinar competências legislativas enumeradas e remanescentes com competências concorrentes e comuns, em que a mesma matéria pode ser subdividida entre diferentes níveis e entre diversos entes federativos ou exercida, igualmente, por todos os entes federativos envolvidos; e (b) ao conferir aos Estados ampla competência administrativa, que inclui a execução do direito federal, originariamente ou por delegação. Na década de 1960 ocorreu um movimento de fortalecimento do federalismo cooperativo, que culminou na introdução no texto constitucional de diversos instrumentos de cooperação interfederativa (v.g. órgãos mistos, tarefas comuns, financiamento compartilhado, etc.), tendo sido estabelecido – com alguns ajustes realizados nas décadas subseqüentes - um federalismo de equilíbrio, no qual estão presentes: (a) um complexo sistema de divisão de competências legislativas e executivas – inclusive compartilhadas; (b) a repartição de competências tributárias entre o ente central e os entes periféricos; (c) a previsão de subvenções e auxílios financeiros entre os entes federados; e (d) mecanismos de colaboração para a realização de planos estaduais de interesse comum.
 	Partindo da avaliação da evolução dos principais modelos federativos – guardadas as devidas peculiaridades – é possível extrair duas características do federalismo contemporâneo: (a) o estabelecimento de uma nova repartição de competências, representada pela técnica da fixação de competências concorrentes ou mistas; e (b) o fortalecimento da idéia de cooperação interfederativa, por meio de alguns mecanismos, tais como os novos instrumentos de colaboração para a consecução conjunta de políticas públicas e a atuação de órgãos de desenvolvimento regional, a ajuda financeira entre os entesfederativos, a participação das unidades federadas em parcelas da tributação de outros entes, dentre outros.
Nos últimos anos, o Estado Federal tem recebido inúmeras críticas sob a alegação de que não seria o sistema mais adequado para atender às necessidades da sociedade contemporânea na medida em que não estaria apto a (a) assegurar a uniformidade e a eficiência no planejamento e na atuação estatal; e (b) evitar a ocorrência de conflitos decorrentes da coexistência de inúmeras esferas autônomas, cujos limites nem sempre podem ser claramente fixados. As críticas apresentadas – que em situações isoladas podem ter alguma pertinência – não devem ser vistas como procedentes posto que o Estado Federal ainda é o modelo mais adequado para assegurar a unidade da ação governamental em um ambiente de ampla fragmentação política. O Estado Federal é a melhor engenharia constitucional disponível destinada a garantir a uniformidade na diversidade, fundamental no estágio atual de organização estatal, caracterizado pela necessidade da ação concatenada dos diversos entes – de modo a que possam superar os desafios cada vez mais complexos da sociedade - e pela demanda de participação - típica das sociedades democráticas. 
Frise-se que o grande desafio dos sistemas federativos é conciliar o respeito à autonomia e participação dos entes locais - premissa básica do federalismo - com a necessidade da implantação de ações uniformes e eficientes, em uma sociedade de massas na qual atendimento das demandas coletivas depende cada vez mais de um planejamento adequado e da conjugação de grande quantidade de recursos humanos e financeiros. Nesse sentido, partimos da premissa de que a única forma de conciliar de maneira satisfatória estas duas necessidades é por meio do federalismo solidário, i.e., um tipo de federalismo fundado na relação harmoniosa entre os entes federativos, na busca pela redução das desigualdades regionais, bem como na cooperação entre os membros da Federação visando a ampliação da capacidade da prestação de serviços e do desenvolvimento de atividades de interesse comum.
III. Da cooperação interfederativa no Estado Contemporâneo
O Estado Federal contemporâneo é caracterizado, em grande medida, pela valorização e pelo fortalecimento das relações de cooperação interfederativa. O papel central assumido pela cooperação entre os entes federados na atualidade se deve à conjugação de vários fatores de ordem sócio-econômica e política, tais como a intensificação do movimento de urbanização, metropolização e adensamento populacional, o crescimento da demanda pela prestação de serviços públicos e sociais em escala, o aumento da necessidade da regulação e do fomento das atividades econômicas, a busca pela redução das desigualdades regionais e pela equalização das condições de vida da população, dentre inúmeros outros.
No atual contexto de profundas alterações do papel do Estado, é possível observar um acirramento da dicotomia entre os vetores (a) uniformidade, visto que os problemas contemporâneos demandam o planejamento e a adoção de ações uniformes por parte do Poder Público bem como a reunião de uma grande quantidade de recursos materiais, financeiros e humanos; e (b) autonomia, na medida em que a concentração excessiva de poderes nas mãos dos entes centrais acarreta inúmeros riscos, dentre os quais a progressiva descaracterização do pacto federativo, o enfraquecimento da função de contenção representado pela divisão territorial do poder, o aumento da burocratização, a redução da accountability social e a perda de eficiência. 
O equacionamento da dicotomia acima apontada tem sido buscada nos sistemas federais justamente por meio da valorização da cooperação vertical e horizontal entre os entes federativos, nas suas mais diversas formas, visto que a cooperação interfederativa possibilita conciliar as necessidades de (a) planejamento e implementação de ações públicas de maneira uniforme, por meio da coordenação exercida por um dos entes nos âmbitos administrativo e legislativo e/ou da tomada de decisões em conjunto nos foros próprios de atuação concertada; (b) conjugação de esforços na resolução dos problemas comuns – por meio do compartilhamento de competências e recursos das mais diversas ordens; e (c) participação dos diversos entes na tomada das decisões e na execução das ações, restando preservadas as funções dos entes federativos e asseguradas as vantagens da descentralização do poder. 
 	O fortalecimento da cooperação interfederativa pode ser apontado como um dos fatores mais importantes da evolução do federalismo no constitucionalismo contemporâneo. A alteração do perfil de atuação do Estado ocorrida ao longo do século XX associada ao aumento da complexidade das sociedades em geral acarretaram a intensificação das demandas pela interrelação e interdependência entre os entes federados, na medida em que muitas das questões postas diante das esferas governamentais passaram a não poder mais ser tratadas de forma eficaz no âmbito exclusivamente regional ou local. 
 	De modo a atender a necessidade da uniformização de tratamento das matérias objeto da atuação estatal, surgiram duas alternativas de revisão das bases do federalismo clássico: a centralização e a cooperação. A primeira alternativa consiste na concentração de poderes nas instâncias federais, com um conseqüente enfraquecimento dos entes locais, sendo que o efeito uniformizador é obtido por meio da transferência da capacidade de decisão da pluralidade de seus titulares para a instância central (“federalismo de integração”) – acarretando, em muitos casos, a eliminação das autonomias locais, a unilateralidade das decisões e o enfraquecimento da função de limitação de poder exercida pelo federalismo. A segunda consiste na concertação entre as diversas instâncias dos seus respectivos poderes em busca de objetivos de interesse comum, orientando harmônica e complementarmente seu exercício, sendo que o tratamento uniforme se apresenta como o resultado do acordo entre as partes, mantendo todas elas seus próprios e respectivos poderes (“federalismo de equilíbrio”). 
 	A dicotomia entre a centralização e a cooperação tem sido solucionada nos Estados Federais democráticos contemporâneos por meio da colaboração, do compartilhamento, do auxílio e da ação concertada e solidária entre os entes federativos, refletiva na introdução nos textos constitucionais atuais de inúmeros mecanismos e instrumentos de cooperação interfederativa.[footnoteRef:5] [5: Frise-se que a cooperação interfederativa não é um instrumento ilimitado. Nesse sentido, a doutrina aponta, basicamente, três limites para a cooperação interfederativa: (a) autonomia dos entes federados; (b) necessidade efetiva da substituição da pluralidade e diversidade pela unidade da ação dos diversos entes federados; e (c) respeito à sistemática de distribuição constitucional de competências. ] 
 	Note-se que a opção pela cooperação interfederativa como forma da obtenção da uniformização no planejamento, decisão e atuação governamental está intimamente vinculada ao movimento de reformulação das bases do constitucionalismo ocorrido no período pós-II Guerra Mundial. Dentre as características inerentes das Constituições democráticas promulgadas nos Estados compostos a partir da segunda metade do século XX podem ser mencionadas (a) o reconhecimento de um dever de colaboração entre os entes central e periféricos; e (b) a previsão de instrumentos de cooperação interfederativa. 
Nesse contexto, se consolidou o “federalismo democrático” ou “federalismo solidário” que pode ser definido como uma forma de organização que parte da premissa de que no mundo contemporâneo é absolutamente indispensável a uniformização da atuação estatal em nível regional e nacional, mas que propugna que tal uniformização deve ser obtida sempre e necessariamente por meio da negociação e do acordo entre os entes federados, que devem definir em conjunto as pautas da ação, e nunca por meio da imposição unilateral da vontade de um deles sobre os demais.A atuação consensual dos entes federados é de fundamental importância no atual contexto pois assegura a legitimidade, privilegia a solidariedade e fortalece a eficiência da ação estatal. 
IV. Do compromisso constitucional de cooperação
		
 	No constitucionalismo contemporâneo, todos os entes federados devem exercer as suas competências de acordo com o interesse geral, sendo que a atuação nesse sentido não é uma manifestação de boa vontade, uma opção livre e soberana, mas um dever constitucional, de natureza político-jurídica, que deriva da própria estrutura do Estado Federal. 
 	Em algumas situações, o interesse geral é melhor atendido por meio da atuação isolada dos diversos entes federados. Em outras – muito mais freqüentes nos dias atuais – há a necessidade de uma ação conjunta e coordenada entre os entes federativos dos diversos níveis. Em face da importância crescente das funções compartilhadas, há de se reconhecer que um dos princípios essências do federalismo atual consiste no dever existente entre as ordens de governo de prestarem apoio mútuo e recíproco no cumprimento de suas responsabilidades – um verdadeiro ‘compromisso constitucional de cooperação’. 
O compromisso constitucional de cooperação pode ser entendido como um compromisso assumido pelos entes federativos no momento da celebração do pacto federativo de fidelidade e solidariedade com os demais entes federados, na busca da consecução do interesse comum. Tal compromisso, sem dúvida alguma, possui uma alta carga política, pois se fundamenta no exercício da soberania dos entes federados no momento da formação do pacto federativo, mas apresenta também um inegável viés jurídico, pois dá origem a direitos e obrigações exigíveis mutuamente entre as partes. Nesse sentido, é possível afirmar que o compromisso constitucional de cooperação é fonte de um verdadeiro dever jurídico e/ou de um dever político-jurídico de cooperação entre os entes federados. 
 	O pacto de cooperação acima referido apresenta, basicamente, duas dimensões: uma dimensão passiva e uma dimensão ativa. A dimensão passiva pode ser entendida como o compromisso assumido pelos entes federativos de não adotarem condutas que prejudiquem os demais entes federados – i.e, um ‘dever de lealdade’ para com os demais entes federativos e para com a Federação de não exercerem as suas competências de modo abusivo e/ou não prejudicarem os demais no exercício de suas competências. Por sua vez, a dimensão ativa pode ser entendida como o compromisso assumido pelos entes federados de colaborarem mutuamente para a plena satisfação dos objetivos da Federação - i.e, um ‘dever de solidariedade’ imposto aos entes de prestarem auxílio quando necessário e/ou desenvolverem atividades de forma conjunta e concertada na busca da concretização do interesse comum.
 	O compromisso constitucional de cooperação se expressa nos textos constitucionais de inúmeras maneiras. Para fins do presente trabalho, contudo, foram analisadas as duas principais formas de manifestação do referido compromisso no constitucionalismo contemporâneo, a saber: (a) o princípio da lealdade federativa; e (b) a previsão de instrumentos de cooperação interfederativa. 
V. Do princípio da lealdade federativa e dos instrumentos de cooperação interfederativa 
V.1. Do princípio da lealdade federativa
 	O princípio da lealdade federativa (“bundestreue”) pode ser entendido, grosso modo, como um princípio constitucional implícito, construído pela doutrina e pela jurisprudência alemã, segundo o qual as relações verticais e horizontais estabelecidas entre os entes federativos devem ser pautadas por condutas de fidelidade e solidariedade recíprocas. Trata-se, pois, de uma cláusula geral que permeia a relação entre os entes federativos e que funciona como substrato axiológico para outros princípios expressos na Carta Política.[footnoteRef:6] [6: LAMARÃO, Patrícia. O princípio da lealdade federativa como cláusula geral nas relações federativas. In: Consulex: Revista Jurídica, vol. 14, n.º 326, p. 2010. ] 
 	O princípio em comento não possui uma definição apriorística, tendo seu conceito sido construído ao longo do tempo com base em elementos extraídos da doutrina e jurisprudência. Rudolf Smend, primeiro autor a abordar o tema de forma específica, definiu o princípio da lealdade federativa como “o dever de fidelidade dos membros com os compromissos assumidos (ou seja, com a própria Constituição e com o Reich em seu conjunto) e a obrigação de todas as partes em manter um ânimo amistoso, uma atitude construtiva nas relações federais, além da mera cortesia ou do respeito formal às regras de relação dispostas expressamente na Constituição”.[footnoteRef:7] Por sua vez, Hartmut Bauer, em monografia específica sobre o assunto, define o princípio como sendo “o dever do Bund e dos Länder de levar em consideração em suas relações os interesses comuns, gerais ou de conjunto (‘gemeinsame Interesse’), dever que cristaliza uma limitação à discricionariedade do Bund e dos Länder no exercício de suas respectivas competências”.[footnoteRef:8] [7: SMEND, Rudolf. Ungeschriebenes Verfassungsrecht in Monarchischen Bundesstaat, In: Festsgabe für Otto Mayer, Türbigen, 1916, p. 51. Acerca do pensamento de Rudolf Smend, cf. ANZON, Adele. La bundestreue e il sistema federale tedesco: un modello per la riforma del regionalism in Italia? Milão: Guiuffrè, 1995, p. 46; MARGO, Antonello. Il principio costituzionale di leale colaborazione e Il Consiglio Dell Autonomie Locali. 2005. Tese (Doutorado). Università degli Studi di Salerno, p. 9.] [8: Die Bundestreue, Türbingen, 1992, p. 55 (apud. MARGO, Antonello. Il principio... p. 10).] 
 O conceito de lealdade federativa, todavia, somente ganhou contornos mais precisos nas decisões proferidas pelo Tribunal Constitucional Federal alemão. Na primeira decisão acerca do tema, o tribunal conceituou o princípio como “a obrigação jurídico-constitucional de que os membros da Federação, tanto entre eles como em sua totalidade, e igualmente o Bund em relação aos mesmos guardem fidelidade e se entendam mutuamente” (...) e como “a obrigação de jurídica dos Bund e de todos os seus membros de observar um comportamento leal, i.e., que todos os membros desta aliança estão obrigados a contribuir e desenvolver conjuntamente a essência da mesma, sua consolidação, sua defesa e perseguir os melhores interesses para os seus membros”.[footnoteRef:9] Posteriormente, delineou algumas características do princípio – tais como a sua estatura constitucional, o seu caráter implícito e a sua vinculação imanente com a estrutura do Estado Federal – bem como reafirmou que “à luz de tal princípio (constitucional), Bund e Länder devem colaborar, através de um dever de consideração recíproca, para um fortalecimento do Estado Federal”.[footnoteRef:10] [9: Cf. BVerfGE 1, 299 (315);] [10: Cf. BverfGE 31, 314 (354 ss).] 
 	A jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão também foi decisiva para a delimitação do conteúdo do princípio da lealdade federativa. Com base nas diversas decisões proferidas pelo tribunal, é possível afirmar que a lealdade federativa opera como (a) um dever imposto a todos os entes federados de atuarem conjuntamente em conformidade com a natureza da Federação, contribuindo para reforçá-la e para a realização dos legítimos interesses da União e dos Estados; (b) um dever, aplicável em todos os ramos das relações interfederativas, de desenvolver um comportamento leal nas suas relações recíprocas; (c) como um princípio voltado a conter o egoísmo dos entes federados, que se traduz em um dever de consideração recíproca; e (d) um princípio de solidariedade federal, da qual nasce um dever de auxílio recíproco (em especial financeiro) entre os entes da Federação.[footnoteRef:11] [11: Acerca do tema, dentre outros julgados, cf. BVerfGE 1, 299 (315); 6, 309 (361); 12, 205 (254); 39, 96 (108); 4, 115 (140); e 31, 315 (354). ] 
 	O último aspecto mencionado demanda um esclarecimento complementar. Particularmente nas questões envolvendoo relacionamento financeiro entre os entes, o Tribunal Constitucional Federal alemão, de forma recorrente, fundamenta as suas decisões no princípio da lealdade federativa e no princípio da solidariedade federativa. Com isso, surgiu uma discussão acerca do relacionamento entre os dois princípios: seriam sinônimos ou princípios distintos? A questão foi respondida de forma satisfatória por Adele Anzón, segundo a qual o princípio da solidariedade federal não é um princípio autônomo e distinto da lealdade federativa mas o desenvolvimento de um dos seus aspectos específicos: a sua dimensão ativa. A idéia de solidariedade federativa, conforme pontua, já estava presente na concepção original de Rudolf Smend bem como nas primeiras decisões do Tribunal Constitucional Federal quando estes defendiam que a lealdade federativa tinha por escopo assegurar a “coesão federal”, “conter o egoísmo dos Länder” e impor “a obrigação de consideração recíproca”. Nesse sentido, a lealdade e a solidariedade federativas “coincidem substancialmente no seu significado de fundo” restando, porém, a esta última “uma conotação de obrigação ativa, que na primeira configuração da lealdade era menos acentuada (entendida como um mero dever de não lesionar, mais do que de agir positivamente)”, não sendo por acaso que “o aspecto ‘solidarístico’ foi ressaltados justamente no campo das relações financeiras, que é o campo de maior tensão e no se coloca em jogo, efetivamente, questão da coesão federal”.[footnoteRef:12] [12: ANZON, Adele. La bundestreue..., p. 70.] 
 	Frise-se que, da conjugação da concepção original da lealdade federativa com a idéia de solidariedade federativa (desenvolvida pela jurisprudência alemã nos casos envolvendo a cooperação financeira), é possível extrair uma importante conclusão: o princípio da lealdade federativa possui uma dimensão passiva (obrigação de não prejudicar os demais entes, mesmo que agindo dentro da legalidade; obrigação de não abusar de suas prerrogativas; etc.) e uma dimensão ativa (obrigação de solidariedade; de auxílio; de colaboração mútua na execução das tarefas comuns). 
 	Assim, partindo dos elementos trazidos pela doutrina e jurisprudência alemã, é possível conceituar o princípio da lealdade federativa como sendo um princípio constitucional implícito, derivado das regras e princípios que disciplinam o Estado Federal, segundo o qual todas as unidades federadas devem atuar (a) de forma leal no exercício das suas competências próprias, evitando prejudicar os demais entes federativos e pautando a sua conduta pelo princípio da boa-fé; (b) de forma solidária, ajudando-se mutuamente sempre que necessário para a manutenção da coesão federal; e (c) de forma harmônica e complementar no planejamento e execução de políticas públicas, na consecução dos objetivos fundamentais e na concretização das determinações constitucionais de interesse comum. 
 	O reconhecimento do princípio da lealdade federativa tem suscitado algumas discussões importantes. 
 	Em primeiro lugar, o princípio da lealdade federativa é amplamente reconhecido como um princípio constitucional implícito, decorrente da essência do Estado Federal. Contudo, alguns autores questionam (a) a natureza constitucional do referido princípio; e (b) a sua utilidade em face do princípio federativo. O primeiro questionamento pode ser respondido por meio do reconhecimento de que o princípio da lealdade federativa, apesar de implícito, integra o chamado ‘bloco de constitucionalidade’ dos Estados Federais, i.e., o conjunto normativo que contém disposições, princípios e valores materialmente constitucionais fora do texto da Constituição formal. Por sua vez, o segundo questionamento pode ser rechaçado com base no entendimento de que o princípio da lealdade federativa, por ser mais concreto que o princípio federativo, possui a função de densificar o referido princípio, atribuindo contornos específicos ao Estado Federal. 
 	A doutrina também discute as funções do princípio da lealdade federativa. Com base nas premissas assumidas no presente artigo, é possível afirmar que o princípio: (a) densifica e especifica o princípio federativo, criando condições concretas para a sua aplicação; (b) promove o equilíbrio entre a autonomização excessiva dos entes federativos e a centralização de poderes nas mãos do ente central, valorizando a cooperação e a solidariedade nas relações federativas; e (c) apresenta uma tripla função: (i) interpretativa: agindo como um vetor de interpretação da adequação da conduta dos entes com o espírito cooperativo-democrático do federalismo; (ii) limitadora: implicando na obrigatoriedade da cessação de qualquer ato que acarrete dificuldades para que os entes desenvolvam suas competências de forma plena; e (iii) de aplicação direta: podendo dar origem a ‘obrigações concretas’ para os entes federados. Particularmente no que concerne às obrigações concretas, é possível dividir tais obrigações em duas categorias: (a) limites concretos: dever de não adotar condutas que importem no uso abusivo das competências outorgadas pela Constituição Federal; e (b) deveres concretos: obrigação de fazer algo, de adotar condutas positivas em prol do conjunto federativo.
As duas categorias de obrigações concretas remetem a outra classificação, que trata das dimensões do princípio da lealdade federativa. 
Na dimensão passiva, o princípio da lealdade federativa atua como um limite ao exercício das competências legitimamente acometidas sempre que o exercício das mesmas prejudique os interesses de outro ente específico ou do conjunto federativo, impondo a abstenção ou, no mínimo, a adoção da solução que acarrete menos sacrifícios aos interesses em jogo e produzindo o efeito jurídico de obrigar os entes federativos a considerar o interesse geral e dos interesses concretos dos demais entes federados. Por outro lado, na sua dimensão ativa, o princípio da lealdade federativa fundamenta deveres positivos de ajuda, assistência ou facilitação do exercício de competências alheias, operando como um padrão de conduta que induz e condiciona os entes federados a promoverem ações e iniciativas de modo conjunto, pactuado ou concertado (v.g. planejamento integrado, gestão associada de bens e serviços públicos, auxílio financeiro, resolução consensual de conflitos, etc.). 
O princípio da lealdade federativa, nas suas dimensões ativa e passiva, pode se concretizado de diversas formas. A forma de concretização do princípio da lealdade federativa, por excelência, é a negociação e o acordo. O princípio da lealdade federativa, contudo, também pode ser concretizado pela via judicial, principalmente no que concerne à sua dimensão passiva. Consoante as premissas expostas, a lealdade federativa pode ser aplicada diretamente pelos tribunais, sendo que vários tribunais constitucionais têm julgado a constitucionalidade de leis e atos normativos que – mesmo que exercidos em conformidade com as competências jurídico-formais – prejudicam a Federação com um todo (v.g. “guerra fiscal”). A imposição judicial do referido princípio, contudo, deve ser analisada caso-a-caso, sendo que (a) nas hipóteses em que há uma relação jurídica concreta entre dois ou mais entes federados ou nas hipóteses em que for constatado o abuso de direito, é perfeitamente possível exigir a sua imposição pela via judicial; e (b) nos casos que envolvem uma decisão estritamente política de um determinado ente em coordenar esforços na consecução de um objetivo comum, a sua imposição judicial se torna impossível – ainda que se reconheça que os entes federados são obrigados a considerar o princípio da lealdade federativa na tomada e na implementação das suas decisões.[footnoteRef:13] [13: O princípio da lealdade federativa, como visto, é uma construção eminentemente jurisprudencial. Em decorrência disso, o estudo sistematizado do referido princípio deve partir da sua evolução na jurisprudência das cortes constitucionais dos mais diversos países. Nesse sentido, no ANEXO I ao presente artigo é apresentada uma exposição histórico-evolutivada consolidação do princípio da lealdade federativa primeiramente na Alemanha - por se tratar do primeiro país em que foi desenvolvido seu conceito -, posteriormente na Itália e na Espanha - países que não são propriamente Estados Federais, mas cuja jurisprudência contribuiu decisivamente para a consolidação da noção da existência de um dever jurídico de cooperação entre os entes que integram os Estados compostos – e, por fim, na União Européia - um modelo confederativo que reconheceu normativa e jurisprudencialmente a existência do dever de lealdade entre os seus membros. ] 
V.2. Dos instrumentos de cooperação interfederativa 
			 
 	Os instrumentos de cooperação interfederativa variam enormemente de país para país, de acordo com a estrutura federal, o desenvolvimento histórico e as necessidades específicas de cada povo. Nesse sentido, foram analisados de forma mais detida os instrumentos de cooperação presentes em quatro ordenamentos específicos: Estados Unidos, Alemanha, Suíça e Áustria. A análise dos referidos ordenamentos aponta a existência de instrumentos verticais e horizontais de cooperação, estruturados nas formas de coordenação legislativa e administrativa, convênios e acordos, órgãos comuns e/ou mistos e mecanismos de cooperação financeira, conforme detalhado no ANEXO II ao presente trabalho. 
VI. Constituição Federal de 1988: lealdade federativa e instrumentos de cooperação interfederativa
 	O compromisso constitucional de cooperação também está presente – e de forma bastante intensa – na Constituição Federal de 1988, o que pode ser comprovado com base na importância conferida ao federalismo e aos instrumentos de cooperação interfederativa. Nesse sentido, o texto constitucional brasileiro (a) erigiu a Federação à categoria de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, I); (b) reafirmou o princípio federativo e acolheu implicitamente o princípio da lealdade federativa (art. 1.º c/c o art. 18); (c) estabeleceu uma complexa sistemática de distribuição de competências (art. 21 a 33) e de rendas (art. 145 a 162); (d) previu instrumentos para a participação dos entes federados na formação da vontade nacional (art. 52; art. 60, III; e art. 103, IV e V) e mecanismos de solução pacífica de conflitos federativos (art. 34 a 36; e art. 102, I, ‘f’); e (e) positivou uma série de instrumentos de cooperação interfederativa, dentre os quais merecem destaque: o art. 25, §3º, que trata da instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões; o art. 43, que versa sobre a competência da União para a instituição de regiões de desenvolvimento; e o art. 241, que disciplina os consórcios públicos e convênios de cooperação. 
 	Ocorre que, apesar do texto constitucional brasileiro ter assumido o compromisso constitucional de cooperação de forma evidente, tal compromisso ainda não foi concretizado de maneira plena e efetiva, não tendo o Estado Federal brasileiro desenvolvido um verdadeiro ‘espírito de cooperação’ o que decorre, dentre outros fatores, (a) da formação histórica do federalismo brasileiro (“desagregação”); (b) das enormes desigualdades regionais; (c) da tradição autoritária e centralizadora do federalismo brasileiro; e (d) da descentralização excessiva e desorganizada promovida pela Carta Magna de 1988, fomentando a competição entre os entes federados (“guerra fiscal”) e/ou o advento de posturas oportunistas (“free rider”). 
 	A inserção do federalismo brasileiro no federalismo democrático ou federalismo solidário somente será efetivada por meio de uma mudança concreta no padrão das relações intergovernamentais desenvolvidas pelos entes federativos. Nesse sentido, consoante as premissas defendidas no presente artigo, a evolução do federalismo brasileiro depende: (a) do reconhecimento pleno do princípio da lealdade federativa – em suas dimensões ativa e passiva – como um princípio norteador das relações interfederativas no direito brasileiro; e (b) da efetiva concretização dos instrumentos de cooperação interfederativa previstos nos texto constitucional, concretização esta a ser feita à luz do princípio da lealdade federativa, que impõe a obrigatoriedade das relações serem desenvolvidas em um ambiente de negociação e acordo. 
VI.1. Do princípio da lealdade federativa e a Constituição Federal de 1988
A Constituição Federal de 1988, a exemplo do que ocorre em vários outros países, não positivou expressamente o princípio da lealdade federativa. Não obstante, com base em uma interpretação lógico-sistemática e tendo em vista o princípio da unidade da Constituição, é perfeitamente possível sustentar que o ordenamento jurídico-constitucional brasileiro acolhe o referido princípio como um princípio constitucional implícito, de caráter vinculante, que condiciona a interpretação e aplicação da Constituição Federal bem como impõe padrões de conduta aos entes federados nas suas relações institucionais. 
 	O princípio da lealdade federativa deriva da leitura conjunta do princípio federativo (art. 1º, caput), das regras que asseguram a autonomia dos entes federados (art. 18), do princípio da solidariedade (art. 3º, I), das regras que disciplinam a repartição de competências (distribuídas no texto constitucional) e dos dispositivos que disciplina o desenvolvimento das atividades de interesse comum (art. 25, §3º, art. 43 e art. 241). A afirmação acima decorre de uma interpretação lógico-sistemática do texto constitucional, feita com base no princípio da unidade da Constituição, na medida em que todas as normas acima mencionadas possuem a mesma finalidade: possibilitar, promover e disciplinar a cooperação entre os entes federativos. 
 	O tema da lealdade federativa, apesar da sua inegável importância no âmbito do federalismo, é praticamente ignorado na doutrina brasileira. A ausência de uma abordagem sistemática acerca do assunto decorre de vários motivos dentre os quais: (a) o fato de se tratar de um princípio constitucional implícito, que nunca contou com uma expressão positivada nos textos constitucionais brasileiros; e (b) a homogeneização da atuação dos entes federativos no federalismo brasileiro sempre foi obtida via centralização de poderes na União. Nesse sentido, a doutrina brasileira – nos poucos registros sobre o assunto – aborda o tema de maneira pontual, em pareceres jurídicos elaborados com o objetivo de abordar questões concretas envolvendo o relacionamento entre os entes federativos: o endividamento dos entes federados, a distribuição dos royalties do petróleo, etc.
 	O Supremo Tribunal Federal – diferentemente de muitos tribunais constitucionais – ainda não acolheu o princípio da lealdade federativa como fundamento para as suas decisões. Todavia, é possível extrair da recente jurisprudência do Pretório Excelso sinalizações diretas e indiretas no sentido da sua afirmação. As referências diretas ao princípio da lealdade federativa podem ser encontradas nos seguintes casos: (a) na PET n.º 3388/RR, que versa sobre a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em que o STF afirmou que a União, no exercício das suas competências próprias, deve garantir aos Estados e Municípios afetados a participação efetiva em todas as etapas do procedimento demarcatório; e (b) no julgamento conjunto das STA n.º 175, 211 e 278; das SS n.º 3724, 2944, 2361 e 3355 e da SL n.º 47, no qual o STF, com fundamento no princípio da lealdade federativa e nas regras contidas no art. 23, II c/c art. 196 e sgts. da Constituição Federal, entendeu haver uma solidariedade jurídica entre os entes federados no fornecimento de medicamentos à população. Por outro lado, também é possível identificar um conjunto de decisões em que o STF - mesmo sem reconhecer a existência do princípio da lealdade federativa - busca fortalecer a coesão do pacto federativo, dentre as quais (a) a ADI n.º 3794/PR na qual reafirma as competências do CONFAZ e, por via indireta, limita a chamada ‘guerra fiscal’; (b) o RE n.° 572.762/SC, no qual entendeu que é inconstitucional a concessão de benefícios fiscais pelos Estados quando estaafetar a quota-parte do ICMS de propriedade dos Municípios; e (c) a ACO-QO n.º 1048-6/RS, em que entendeu como abusiva a inclusão dos entes federativos no SIAFI/CADIN em vista dos impactos causados pela medida para a continuidade na prestação dos serviços públicos. 
VI.2. Dos instrumentos de cooperação interfederativa e a Constituição Federal de 1988
 	O compromisso constitucional de cooperação também se manifesta por meio dos diversos instrumentos de cooperação interfederativa previstos no texto constitucional brasileiro. Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 inova ao ampliar significativamente a presença e a importância dos instrumentos de cooperação interfederativa em seu bojo, o que denota um compromisso do legislador constituinte brasileiro com a pauta da cooperação interfederativa como diretiva voltada a possibilitar a uniformização das ações públicas em um ambiente essencialmente democrático. Assim, temos:
A. Distribuição de competências: 
A primeira expressão do compromisso constitucional de cooperação na Constituição Federal de 1988 é a previsão de competências materiais comuns e de competências legislativas concorrentes. No sistema de distribuição de competências, o texto constitucional estabeleceu (a) um dever de cooperação material em sentido estrito no que tange às matérias previstas no art. 23, impondo a obrigação de atuação conjunta e a responsabilidade solidária entre os entes na implementação de ações voltadas à sua consecução; e (b) um dever de cooperação legislativa em sentido amplo – na forma de coordenação – no que concerne às matérias elencadas no art. 24, outorgando à União a competência para estabelecer normas gerais – visando obter um tratamento uniforme quanto à matéria - e aos demais entes federados a competência suplementar – de modo a possibilitar a adaptação das normas às peculiaridades locais.
 	O art. 23 da Constituição Federal de 1988 é de suma importância no estudo da cooperação interfederativa na medida em que estabelece um verdadeiro ‘condomínio competencial’, atribuindo aos diversos entes federativos competências e responsabilidades solidárias no cumprimento das atividades, de modo a conferir uma maior proteção às matérias elencadas. A previsão de competências comuns, contudo, acarreta inevitáveis dificuldades práticas na medida em que demanda a fixação de critérios confiáveis para a solução das superposições de competências. O estabelecimento dos referidos critérios, em tese, deveria ser feito por leis complementares (art. 23, parágrafo único) mas, até o momento, referidas leis não foram editadas, gerando um cenário de incertezas e dificuldades no exercício das competências materiais comuns. Nesse contexto, surgiram dois questionamentos: (a) o que deveriam prever as leis complementares? e (b) na ausência das referidas leis, como proceder? No que tange ao primeiro questionamento, as leis complementares deverão estabelecer a forma como os entes federativos devem colaborar entre si; as diretrizes para a especificação do que compete a cada esfera política na prestação dos serviços; e os instrumentos de ação administrativa que podem ser utilizados no exercício das competências comuns. No que concerne ao segundo ponto, as competências materiais comuns podem ser implementadas por meio da celebração de consórcios públicos, convênios de cooperação, convênios administrativos, a constituição de órgãos comuns, conselhos, comissões e etc.; ou da concretização judicial, com base no reconhecimento da responsabilidade solidária dos entes. 
 	O art. 24 da Constituição Federal de 1988, por sua vez, previu um rol de competências legislativas concorrentes, o que assegura aos entes periféricos - observadas as normas gerais federais - a possibilidade de desenvolver toda uma legislação específica sobre temas de grande importância, podendo melhor equacionar problemas sociais graves, mas que não se projetam com a mesma intensidade em todos os lugares e que comportam tratamento diferenciado em atenção às peculiaridades com que se apresentam em cada Estado. A competência legislativa concorrente, contudo, tem tido pouca aplicação prática em função de dois fatores: (a) a necessidade de edição de normas gerais por parte da União; e (b) a inércia dos Estados no exercício de sua competência suplementar.
 	O compromisso constitucional de cooperação pode ser observado em matéria de distribuição de competências em dois sentidos. No que tange às competências materiais comuns, a Constituição Federal prevê um verdadeiro compartilhamento de poderes, obrigações e responsabilidades entre os diversos entes federativos, o que contribui para a consolidação de um sentimento de lealdade federativa. Ocorre que, em função da ausência das leis complementares bem como da inexistência de uma postura cooperativa entre os entes federados, a concretização das referidas competências ainda permanece bastante limitada do ponto de vista prático. Nesse sentido, a regulamentação do art. 23 da Carta tem o potencial de fortalecer as relações de lealdade federativa por meio do estabelecimento de mecanismos que assegurem o compartilhamento do planejamento e da tomada de decisões com relação dos temas elencados e a colaboração entre os entes federativos na sua execução. No que concerne às competências legislativas concorrentes, estas também podem ser vistas como um instrumento de fortalecimento da lealdade federativa pois asseguram a conjugação entre a necessidade de tratamento uniforme das matérias elencadas – favorecendo a coesão federal - e a possibilidade da incorporação das peculiaridades locais – privilegiando o tratamento diversificado. Ocorre que, também nesse caso, a concretização do princípio da lealdade federativa não tem sido feito de maneira plena posto que, em alguns casos, ainda não foi editada uma legislação federal que contemple normas gerais e, em outros, a legislação federal claramente invade os espaços deixados pelo legislador constituinte para a complementação pelos entes locais.
B. Atividade de Interesse Comum:
 
 	O compromisso constitucional de cooperação também pode ser observado – com traços bastante acentuados – nas figuras que disciplinam a atuação conjunta dos entes federativos na realização de atividades de interesse comum, a saber: (a) regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões (art. 25, § 3º); e (b) consórcios públicos e convênios de cooperação (art. 241).
B.1. Regiões metropolitanas e afins:
 	O art. 25, § 3º, da Constituição Federal estabelece que os Estados, mediante lei complementar, poderão instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum. Trata-se, pois, de um instrumento de cooperação interfederativa obrigatória desde que presentes os três requisitos constitucionais: (a) criação por lei complementar estadual; (b) ligação geográfica e geoeconômica; e (c) existência de funções públicas de interesse comum.
 	As regiões metropolitanas e figuras afins têm suscitado inúmeras questões do ponto de vista jurídico-constitucional, dentre as quais: (a) a possibilidade de compatibilização da autonomia municipal com a obrigatoriedade da participação nos organismos metropolitanos; (b) a dimensão das competências compartilhadas; e (c) a titularidade dos serviços públicos nas regiões metropolitanas. 
 	No que tange ao primeiro aspecto, a Carta Magna atribuiu às regiões metropolitanas e afins a competência para tratar de assuntos de ‘interesse comum’ e aos Municípios para tratar de assuntos de ‘interesse local’. Nas hipóteses em que restar verificada a existência de assuntos que demandam um tratamento integrado, a repartição de competências determina que as matérias devem ser tratadas no âmbito metropolitano, com a participação obrigatória de Estados e Municípios. Trata-se, pois, do exercício de uma competência própria outorgada pela Constituição Federal aos entes metropolitanos. Além disso, consoante a sistemática constitucional, não há uma transferênciade competências dos Municípios para o Estado mas uma co-atribuição e uma co-responsabilidade na gestão da matéria, restando assegurada a participação dos entes locais na tomada de decisão, não havendo qualquer violação à autonomia municipal com a instituição e funcionamento das regiões metropolitanas. No que concerne ao segundo aspecto, o texto constitucional atribuiu às instâncias metropolitanas a competência para ‘integrar’ as funções de interesse comum, i.e., estabelecer parâmetros e diretrizes gerais. Trata-se de uma competência própria dos entes metropolitanos mas restrita às atividades necessárias a possibilitar a uniformização e/ou padronização da organização, do planejamento e da execução das funções de interesse comum, não incluindo a execução direta das atividades. Por fim, com relação ao terceiro ponto, a questão da titularidade dos serviços públicos nas regiões metropolitanas e afins ainda está em discussão no STF, tendo sido formadas três correntes: (a) a titularidade é dos Estados-membros; (b) a titularidade é dos Municípios, que devem exercê-la conjuntamente; e (c) a titularidade é dos órgãos metropolitanos mistos, nos moldes do Kreise alemão. O presente trabalho defende, em partes, a terceira corrente pois reconhece a existência de competências próprias das instâncias metropolitanas mas entende que tais competências são restritas às atividades necessárias à integração dos serviços – o que não envolve a titularidade para a prestação dos serviços propriamente dita (que continua sendo dos entes federados). 
 	O art. 25, § 3º da Constituição Federal é um dos instrumentos que retratam de forma mais evidente o compromisso de cooperação na medida em que prevê a existência de competências, atribuições e responsabilidades compartilhadas entre os diversos entes federativos. O compromisso de cooperação plasmado no dispositivo mencionado, contudo, precisa ser concretizado de forma efetiva à luz do princípio da lealdade federativa, o que ainda não ocorreu na estrutura organizacional brasileira. Note-se, todavia, que há uma tendência no sentido da concretização do referido dispositivo, o que pode ser comprovado por meio (a) da retomada da pauta metropolitana na agenda política dos entes federados; (b) da progressiva assunção pelos Estados do planejamento regional e da articulação da cooperação entre os diversos níveis de governo; e (c) da reformulação dos órgãos metropolitanos e do processo decisório no âmbito metropolitano, possibilitando a adoção de soluções negociadas entre os diversos entes.[footnoteRef:14] [14: Partindo da análise da evolução histórica das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões no direito brasileiro, é possível afirmar que tais figuras nunca foram efetivamente concretizadas à luz do referido princípio, que impõe que as relações estabelecidas entre os entes federativos devem ser pautadas por condutas de fidelidade e solidariedade recíprocas. Na primeira fase da evolução do tratamento da matéria – que coincide com o período anterior à edição da atual Carta Política -, o compromisso de cooperação não foi concretizado em função da excessiva centralização de poderes decisórios nas mãos da União e, em última análise, dos Estados-membros. Não se buscavam soluções consensuais e acordadas entres os entes federados como forma de viabilizar a solução dos problemas comuns, mas a imposição unilateral de uma única vontade. Isso, em última análise, inviabilizava o estabelecimento de laços e fidelidade e solidariedade entre os entes federados. Na segunda fase, o compromisso constitucional de cooperação também não pode ser concretizado de maneira plena em função da excessiva importância dada ao vetor autonomia no âmbito da gestão metropolitana. Nesse período, prevalecia quase que como um dogma a idéia de que as decisões para serem implementadas dependiam sempre e necessariamente da concordância de todos os entes envolvidos, que deveriam tomar suas decisões de forma independente e isolada (podendo, inclusive, barrar as iniciativas necessárias a implementação do interesse comum). Não por acaso, durante a década de 1990 houve um fortalecimento do viés competitivo entre os entes federados (v.g. “guerra fiscal”) e um quase que total esquecimento da pauta metropolitana. Finalmente, na terceira fase da evolução das regiões metropolitanas é possível identificar uma tendência no sentido do efetivo cumprimento do compromisso de cooperação e da concretização dos postulados da lealdade federativa na questão metropolitana, tendência esta que se manifesta de diversas formas. Em primeiro lugar, nos últimos anos, é possível observar que - em virtude da necessidade concreta do tratamento uniforme e em escala das questões urbanas - o tema da gestão metropolitana voltou a fazer parte da pauta política. Na esfera federal, pode ser mencionada a criação do Comitê de Articulação Federativa – CAF, no âmbito da Presidência da República (Decreto Federal n.º 6.181, de 03 de agosto de 2007), com a competência para tratar de forma específica das relações federativas. No âmbito estadual, o grande exemplo é o Estado de São Paulo que, apenas no ano de 2011, reformulou completamente o seu marco legal acerca do tema por meio dos seguintes normativos: (a) Decreto n.º 56.635, de 01/01/11: Cria a Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano e dá outras providências; (b) Lei Complementar n.º 1.139, de 16/07/11: Reorganiza a Região Metropolitana de São Paulo (“RMSP”), cria o Conselho de Desenvolvimento e dá providências correlatas; e (c) Lei Complementar n.º 1.146, de 24/08/11: Cria a Aglomeração Urbana de Jundiaí (“AU-Jundiaí”), e dá providências correlatas. Além disso, tem havido um reconhecimento da necessidade da cooperação efetiva entre os Estados e dos Municípios na consecução dos problemas comuns, assumindo os Estados um papel importante no planejamento regional, na articulação da cooperação entre os diversos níveis de governo e na redução das desigualdades regionais, sem a assunção de uma postura centralizadora e unilateral (um exemplo é a articulação entre o Estado de São Paulo e o Município de São Paulo para o compartilhamento do Bilhete Único Integrado). Por fim, é possível constatar uma tendência de reformulação dos órgãos metropolitanos - por meio da criação de assembléias, agências, fundos, etc. - e do processo decisório no âmbito metropolitano – com a introdução de instrumentos que possibilitam o reconhecimento da interdependência entre os diversos entes (em oposição à exacerbada autonomia), a participação da sociedade civil e a adoção de soluções negociadas entre os diversos entes (mesmo no âmbito das regiões metropolitanas, em que a participação é obrigatória). Trata-se, pois, da chamada “integração negociada”, que nada mais é do que a aplicação do princípio da lealdade federativa no âmbito das relações metropolitanas. A incidência concreta dessa nova fase das relações metropolitanas pode ser observada, por exemplo, na reformulação estrutural da Região Metropolitana de Belo Horizonte. De forma bastante resumidas, a Região Metropolitana de Belo Horizonte foi instituída na década de 1970, com base na Lei Complementar n.º 14/73. Na segunda metade dos anos 2000, ocorreram profundas alterações estruturais, representadas pela retomada da agenda metropolitana pelo governo estadual, pelo arrefecimento do processo de municipalização dos serviços de interesse comum e pela reformulação da legislação que disciplina as regiões metropolitanas. Especificamente no que tange a esse último aspecto, foram aprovadas a Emenda Constitucional n.º 65/2004; a Lei Complementar n.º 88/2006, que dispõe sobre a instituição e a gestão das regiões metropolitanas em Minas Gerais; a Lei Complementar n.º 89/2006, que dispõe sobre a Região Metropolitana de Belo Horizonte; e a Lei Complementar n.º 107/09, que cria a Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte. A aprovação da legislação acima modernizou o tratamento dado ao assunto das regiões metropolitanas no sentido da concretização do princípioda lealdade federativa por meio: (a) da unificação da gestão do interesse comum; (b) da reformulação dos órgãos metropolitanos, diferenciando de maneira clara as instâncias de decisão política, deliberativa e técnica (agência, fundos, conselhos, etc); (c) da introdução de uma relação de paridade entre o Estado e o conjunto de Municípios; (d) da ponderação diferenciada entre os diversos Municípios no processo decisório; (e) do estabelecimento de mecanismos que impedem a obstrução das decisões comuns, fortalecendo a obtenção de soluções negociadas; e (f) da previsão da participação da sociedade civil no conselho deliberativo.] 
 
B.2. Consórcios públicos e convênios de cooperação: 
 	O art. 241 da Constituição Federal de 1988, na redação dada pela Emenda Constitucional n.º 19/98, prevê outro importante instrumento de cooperação interfederativa: os consórcios públicos e os convênios de cooperação. 
 	Os consórcios públicos e os convênios de cooperação podem ser qualificados como instrumentos de cooperação (a) voluntária, sendo que a participação dos entes federados sempre depende de uma decisão discricionária, livre e soberana de unir esforços com os demais entes de modo a atingir uma finalidade comum; (b) instituídos de forma negociada e pactuada, com base em protocolos de intenções, contratos de programas, etc., e (c) com o objetivo de viabilizar a gestão associada de bens e serviços públicos, de forma a assegurar uma maior eficiência e produtividade na utilização dos bens e/ou na prestação dos serviços públicos. Trata-se de uma evolução na sistemática de repartição de competências na medida em que cria uma poderosa ferramenta que possibilita e legitima os entes federativos a exercerem suas atribuições de modo conjunto, compartilhado e concertado nas diversas áreas.
 	A nova redação do art. 241 da Carta Magna trouxe inovações significativas em matéria de cooperação interfederativa, dentre as quais: (a) instituiu as figuras do consórcio público e do convênio de cooperação; (b) afirmou a possibilidade da participação nessas figuras de todos os entes federativos; (c) estabeleceu que os entes federativos disciplinariam, por meio de lei, os referidos instrumentos de cooperação; e (d) previu a possibilidade das novas figuras autorizarem a gestão associada de serviços públicos e a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos. Ademais, a legislação infraconstitucional complementou o quadro de inovações ao (a) atribuir personalidade jurídica de direito público ou privado aos consórcios públicos; (b) disciplinar a sua forma de constituição e funcionamento, com base em parâmetros democráticos e participativos; e (c) alargar o seu campo de atuação para além da gestão associada. 
 	O art. 241 da Constituição Federal é um dos dispositivos que refletem de forma mais clara o compromisso de cooperação na medida em que habilita, com fundamento constitucional, o compartilhamento de competências entre os entes federados, a articulação das iniciativas e políticas públicas entre as diferentes esferas de governo, bem como a realização de atividades de interesse comum. Ocorre, todavia, que apesar da existência de algumas experiências pioneiras, ainda não se tornou uma praxe a utilização dos consórcios públicos e convênios de cooperação na solução dos problemas comuns. Nesse sentido, com base nas premissas expostas, a efetiva utilização dos consórcios públicos e convênios de cooperação é uma forma de concretização do princípio da lealdade federativa posto que fortalece os laços de solidariedade entre os entes federativos - condicionando-os a atuar em conjunto nas mais diversas tarefas visando dar conta dos anseios de uma sociedade cada vez mais complexa e exigente – e reduz a tendência à adoção de posturas competitivas, contribuindo para a evolução do pacto brasileiro na direção de um federalismo solidário e democrático. 
C. Regiões de desenvolvimento:
O compromisso constitucional de cooperação também se manifesta na busca pelo desenvolvimento e pela redução das desigualdades regionais. A Constituição Federal de 1988 avançou significativamente no que tange à matéria ao constitucionalizar - pela primeira vez na história - a chamada ‘questão regional’, prevendo a adoção por parte da União de ações voltadas à integração das regiões em desenvolvimento, por meio da composição de organismos regionais para a execução dos planos regionais de desenvolvimento e da concessão de incentivos regionais ao setor produtivo (art. 43, §1º e 2º da CF/88), dentre outras medidas administrativas.
 	O art. 43 da Carta prevê como instrumentos de atuação da União para a integração de regiões em desenvolvimento: (a) a instituição de organismos regionais que executarão os planos regionais, integrantes dos planos nacionais de desenvolvimento econômico e social, nos termos de lei complementar (v.g. RIDEs, superintendências, agências, etc.); e (b) a concessão de incentivos regionais, que compreenderão, na forma da lei, igualdade de tarifas, fretes, seguros e outros itens de custos e preços de responsabilidade do Poder Público; juros favorecidos para financiamento de atividades prioritárias; e isenções, reduções ou diferimento temporário de tributos federais devido por pessoas físicas ou jurídicas (v.g. Fundos Constitucionais de Financiamento, Fundos de Desenvolvimento Regional, etc.). 
 	O tratamento dado à matéria no texto constitucional foi objeto de inúmeras críticas, sob a alegação de que (a) institui um modelo limitado e centralizador, sendo que alguns autores chegaram a propor a transformação das regiões administrativas em verdadeiros entes federados; (b) a ações concretas voltadas a promover o desenvolvimento e a redução das desigualdades regionais no Brasil pós-88 têm sido pendulares e tímidas; e (c) as ações são concentradas em determinadas regiões específicas, demonstrando a ausência de um projeto de desenvolvimento nacional. 
 	A busca pelo desenvolvimento e redução das desigualdades regionais é uma das manifestações concretas mais evidentes do compromisso constitucional de cooperação na medida em que é absolutamente inviável a redução das desigualdades regionais e a obtenção do crescimento econômico integrado com base em ações unilaterais e isoladas tanto do poder central quanto dos poderes locais. Ocorre que, a exemplo dos demais instrumentos de cooperação interfederativa, o art. 43 da Constituição Federal não foi concretizado até o presente momento em sua plenitude posto que, nas duas últimas décadas, foram feitos poucos avanços no sentido da redução das desigualdades e não foi estabelecida uma verdadeira “política de Estado” voltada à resolução da questão regional. Nesse sentido, partimos da premissa de que a única forma de enfrentar a questão regional de modo eficaz é por meio da concretização do art. 43 da Carta Política à luz do princípio da lealdade federativa, o que depende da adoção de algumas medidas específicas, dentre as quais o estabelecimento de um órgão de planejamento e de articulação de políticas regionais, dotado das seguintes características: (a) composição plural, da qual participem efetivamente representantes da União, Estados, Municípios e da sociedade civil organizada; (b) real peso político e capacidade decisória, por meio da sua vinculação às instâncias máximas de poder em cada uma das esferas; (c) concentração das decisões acerca do planejamento e da articulação das ações; (d) processo decisório interno pautado pela negociação e pelo acordo; e (e) existência de fonte de recursos independente para a implementação de suas decisões (v.g. um fundo independente). 
 	Ademais, a busca pelo desenvolvimento e pela redução das desigualdades regionais tem ainda outra dimensão: a busca pela homogeneização das condições de vida. O ‘princípio da homogeneização das condições de vida’ significa que os cidadãos das regiões menos desenvolvidas têm um direito subjetivo perante o Estado de receber a prestação de serviços com o mesmo padrão de qualidadeem comparação os cidadãos das regiões mais desenvolvidas. A consecução do referido princípio depende de duas condições vinculadas ao princípio da lealdade federativa: (a) a equalização da capacidade política, econômica e financeira dos entes federados em cumprirem de forma eficaz as suas atribuições; e (b) da atuação conjunta entre o ente central e os entes periféricos visando assegurar a igualdade na prestação dos serviços essenciais a todos. 
D. Serviços sociais: Saúde e educação
 
 	Por fim, completando o quadro dos instrumentos de cooperação interfederativa presentes no texto da Constituição Federal de 1988, temos que o compromisso constitucional de cooperação também se manifesta no âmbito dos serviços sociais, particularmente nos serviços de saúde (art. 208) e educação (art. 211). 
 	A Constituição Federal de 1988 tem como um dos seus principais pilares a garantia e a proteção dos direitos fundamentais, em todas as suas dimensões. No que tange particularmente aos serviços sociais, o texto constitucional adota claramente três premissas: (a) universalização do acesso: como regra, todos os cidadãos têm o direito ter acesso à prestação dos serviços sociais; (b) responsabilidade compartilhada: a responsabilidade pelo provimento de muitos dos serviços sociais é atribuída a todos os entes federativos; e (c) descentralização na prestação dos serviços: sempre que possível, a prestação direta dos serviços sociais deve ser feita pela esfera de poder mais próxima do cidadão. Na prática, contudo, a implementação dessas premissas não ocorreu de maneira plena, sendo que: (a) a universalização tem esbarrado na questão da incapacidade econômico-financeira do poder público na disponibilização da prestação dos serviços a todas as pessoas, em todos os lugares e com padrões de qualidade similares; (b) a atribuição de responsabilidade compartilhada tem gerado divergências na definição acerca de qual esfera de governo é responsável pelo serviço público, acarretando tanto uma sobreposição de ações como um vácuo na prestação dos serviços; e (c) a descentralização também tem enfrentado problemas representados pela dificuldade no estabelecimento de padrões uniformes na prestação dos serviços entre os diversos entes, pelo acirramento da competição predatória e do surgimento da figura do “free rider” e a perda da oportunidade da redução de custos em função da prestação de serviços em escala. 
 	Nesse contexto, a cooperação interfederativa assume um papel fundamental no desenvolvimento e implementação das políticas públicas sociais na medida em que (a) amplia a capacidade financeira dos entes federados por meio da conjugação de recursos advindos das mais diversas fontes e da redução do tamanho das estruturas administrativas necessárias à sua gestão e prestação; (b) confere parâmetros de solução para os conflitos verticais por meio da definição consensuada e pactuada das atribuições de cada um dos entes no provimento dos serviços públicos; (c) promove uma uniformização nos padrões da prestação dos serviços entre os diversos entes e a redução da competição horizontal; e (d) amplia a capacidade de prestação dos serviços pelos entes, por meio da possibilidade do compartilhamento de infraestruturas e a sua utilização em ‘grau máximo’. 
 	Do ponto de vista jurídico-institucional, os setores da saúde e da educação são os ramos que contam com uma disciplina mais avançada no sentido da instrumentalização da cooperação interfederativa, tendo sido desenvolvido ao longo das duas últimas décadas um arcabouço legislativo que disciplina a forma do compartilhamento de atribuição e responsabilidades entre os diversos entes federativos por meio da coordenação exercida pelo ente central, que articula, incentiva e induz a implementação de políticas públicas pelos entes locais. O funcionamento pleno de tal sistemática, contudo, ainda carece de aperfeiçoamentos visando o aprofundamento da gestão democrática e participativa do sistema bem como do fortalecimento dos mecanismos de fiscalização e accountability social. 
VII. Conclusão 
 	Diante do exposto, é possível concluir que a Constituição Federal de 1988 assumiu um ‘compromisso constitucional de cooperação’, representado pelo acolhimento do princípio da lealdade federativa – ainda que de forma implícita – e da previsão de inúmeros instrumentos de cooperação interfederativa. Contudo, a evolução do federalismo brasileiro no sentido da consolidação de um verdadeiro ‘federalismo solidário’ ainda carece do reconhecimento pleno e da aplicação efetiva do princípio da lealdade federativa – na sua dimensão ativa e passiva - bem como da concretização dos instrumentos de cooperação interfederativa. 
VIII. Bibliografia
ANZON, Adele. La bundestreue e il sistema federale tedesco: un modello per la riforma del regionalism in Italia? Milão: Guiuffrè, 1995.
BADIA, Ferrando. El Estado Unitário, el Federal y el Regional. Madrid: Ed. Tecnos, 1978. 
BOTHE, Michael. Federalismo: Um conceito em transformação histórica. In.: O federalismo na Alemanha. Traduções n. 07, São Paulo: Konrad Adenauer, 1995,. 
BURDEAU, Georges. Droit Constitutionnel et Institutions Politiques, 15ª e., Paris: Librarie Generale de Droit et Jurisprudence, 1968.
LAMARÃO, Patrícia. O princípio da lealdade federativa como cláusula geral nas relações federativas. In: Consulex: Revista Jurídica, vol. 14, n.º 326, p. 2010. 
MARGO, Antonello. Il principio costituzionale di leale colaborazione e Il Consiglio Dell Autonomie Locali. 2005. Tese (Doutorado). Università degli Studi di Salerno.
SMEND, Rudolf. Ungeschriebenes Verfassungsrecht in Monarchischen Bundesstaat, In: Festsgabe für Otto Mayer, Türbigen, 1916. 
TRIBE, Laurence H., American Constitutional Law, 3ª e., New York: New York Foundation Press, 2000.
ANEXO I
Jurisprudência dos Tribunais Constitucionais
A. Tribunal Constitucional Federal da Alemanha: 
A jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão acerca do tema pode ser dividida em três fases distintas. 
· 1ª FASE (1952 e 1957): O princípio não era utilizado como argumento principal das decisões – que, na maioria dos casos, eram fundamentadas na repartição constitucional de competências - mas como uma regra acessória destinada a proceder a modulação destas competências em favor do Bund. Nesse período merece destaque a primeira decisão do Tribunal Constitucional Federal (BVerfGE 1, 299 (310)) na qual definiu o princípio da lealdade federativa como “um princípio constitucional próprio do Estado Federal (...) segundo o qual todas as partes da federação (...) devem agir conjuntamente, em conformidade com a natureza desta, a contribuir com o seu fortalecimento e a garantir os legítimos interesses próprios e dos seus membros”;
· 2ª FASE (1957 e 1962): O princípio da lealdade federativa assumiu grande valor interpretativo, passando inclusive a figurar como elemento central de várias decisões. Durante o período foram proferidas as mais célebres decisões acerca do tema, dentre as quais (a) a Decisão da Gratificação Natalina (BVerfGE 3, 52 (57)), na qual o Tribunal entendeu que, apesar dos Länder terem o direito de fixar suas próprias remunerações extraordinárias, tal direito deve ser exercido levando em consideração a situação financeira global da Federação; (b) a Decisão das Armas Atômicas (BVerfGE 8, 122 (138)) na qual o Tribunal declarou inconstitucionais os plebiscitos realizados por alguns municípios localizados em Hessen visando aprovar a instalação de armas atômicas e obrigou o referido Länder a anular tais consultas populares; e (c) a Decisão da Televisão (BVerfGE 12, 205 (255)), na qual o Tribunal entendeu ilegítima a discriminação imposta pelo Bund ao negociar separadamente e por motivos político-partidários com os Länder a constituição de uma empresa de televisão estatal. Nesse período, merecem particular atenção as decisões proferidas em questões envolvendo o auxílio financeiro entre os entes federativos, nas quais a Corte alargou o conceito de lealdade federativa conferindo-lhe uma dimensãoativa, de solidariedade entre os entes da Federação. Nesse sentido, o Tribunal Constitucional firmou o entendimento de que o princípio da lealdade federativa não apenas fundamenta direitos mas também deveres, dentre os quais a obrigatoriedade dos entes mais fortes financeiramente oferecerem ajuda aos entes mais fracos bem como de exercerem a recíproca cooperação em assuntos de interesses mútuo (BVerfGE 1, 117 (131)). No mesmo sentido, afirmou a existência de um dever de auxílio entre os membros da Federação nas situações de emergência financeira, sustentando que “quando um membro da comunidade federal – seja o Bund, sejam os Länder – se encontra em uma situação de extrema emergência financeira - que coloca em perigo a sua capacidade de cumprir com as suas competências constitucionais e da qual não é capaz de se libertar pelas suas próprias forças -, o princípio federalista (...) da exigência do equilíbrio econômico geral se concretiza no dever de todos os outros membros da comunidade federal prestarem auxílio ao membro em dificuldade, a fim de estabilizar sua situação econômica (...). A emergência, que por força de um dever de solidariedade deve ser combatida em conjunto, requer esforços e sacrifícios por parte de todos” (BVerfGE 72, 330 (402));
· 3ª FASE (1962 a 1990): O Tribunal restringiu a amplitude do princípio da lealdade federativa ao pontuar na Decisão sobre a Reorganização Territorial (BVerfGE 13, 54 (75)), que este “(...) constitui ou delimita deveres no seio de uma relação jurídica existente entre o Bund e os Länder, mas não estabelece de forma independente as relações entre eles”. Nesse sentido, a partir da referida decisão, o princípio da lealdade federativa reassumiu um papel acessório na medida em que não pode criar nenhuma obrigação de atuação, omissão ou tolerância por parte do Bund e/ou dos Länder, mas deve servir apenas como um mecanismo de proteção contra o abuso cometido por qualquer um desses em situações concretas.
 			 
B. Corte Constitucional da Itália: 
Na Itália, o princípio da leale colaborazione (que equivale à lealdade federativa) foi construído em sucessivas decisões da Corte Constitucional, tendo sido incorporado ao texto constitucional por meio da Lei Constitucional n.º 3, de 2001, que modificou o art. 120 (2) do Título V da Constituição, o qual passou a prever que “os poderes substantivos do Estado devem ser exercidos em respeito do princípio da subsidiariedade e da leal colaboração”.
O princípio da leal colaboração começou a ser formatado pela Corte Constitucional italiana em 1958 e passou por um processo de alargamento de significado, até a sua consolidação como um princípio geral e abrangente, incidente sobre todas as relações entre o Estado Central e as Regiões. 
Desse modo, podem ser mencionadas as seguintes decisões: (a) Sentença n.º 49/1958: a Corte Constitucional italiana afirmou pela primeira vez que “a colaboração entre Estado e Regiões é decorrente do sistema de nossa autonomia, seja em se tratando de atividade legislativa, seja em se tratando de atividade administrativa (...) e evidencia como determinadas atividades, pelo seu próprio exercício, necessitam de consenso da Administração competente (...) pois influenciam funções reservadas”; (b) Sentença n.º 175/1976: a Corte afirma que “as competências regionais e as competências estatais devem ser coordenar entre si, de modo a que possam ser atingidas finalidades comuns”; (c) Sentença n.º 39/1984: o Tribunal reconhece de forma expressa que os acordos (“l’intesa”) são mecanismos constitucionais de colaboração entre o Estado Central e as Regiões; (d) Sentença n.º 219/1984: a Corte afirma que as relações entre os Estados e as Regiões devem ser baseadas no modelo cooperativo; (e) Sentença n.º 94/1985: o Tribunal interpreta o art. 9º da Constituição italiana e afirma que a tutela à paisagem urbana compete concomitantemente ao Estado Central e às Regiões em decorrência do princípio da colaboração que, embora não expresso, é necessário para harmonizar os diversos interesses públicos envolvidos; (f) Sentença n.º 187/1985: a Corte sustenta que a atividade promocional facultada às Regiões deve respeitar o princípio colaborativo e deve ser exercida mediante acordos entre o Estado Central e as Regiões, de modo a garantir a coordenação das decisões regionais com as diretrizes da política do Estado Central; (g) Sentença n.º 359/1985: a jurisprudência utiliza pela primeira vez a expressão “princípio da leal colaboração”; (h) Sentença n.º 292/1986: a Corte Constitucional utiliza pela primeira vez o princípio da leal colaboração na solução de controvérsia relacionada ao direito à saúde; (i) Sentença n.º 177/1988: o tribunal aponta que o princípio da leal colaboração está entre os valores fundamentais informados pela Constituição; (j) Sentença 214/1988: o Tribunal coloca o princípio da leal colaboração entre as exigências de eficiência e bom funcionamento da Administração Pública; (k) Sentença n.º 550/90: a Corte Constitucional reconhece, pela primeira vez, o status constitucional do princípio da leal colaboração; e (l) Sentença n.º 366/1992: a corte reconhece o caráter geral do princípio da leal colaboração.
 
C. Tribunal Constitucional da Espanha:
 O Tribunal Constitucional espanhol reconheceu pela primeira vez na famosa Sentença n.º 18/1982 a existência de um ‘dever genérico de colaboração’ entre a organização central e as comunidades autônomas que “se explica como um dever decorrente do dever geral de auxílio recíproco entre autoridades estatais (centrais e periféricas) e autônomas. Este dever, que não é possível justificar em preceitos concretos, se encontra implícito na própria essência da forma de organização territorial do Estado que se implanta na Constituição”. Posteriormente à decisão acima, seguiram-se várias decisões em que o Tribunal Constitucional afirma a existência da obrigação dos entes autônomos de (a) se absterem de lesionar os interesses de outrem ou obstaculizarem o exercício das competências alheias; (b) exercerem as próprias competências em benefício dos demais quando necessário para a eficaz satisfação das competências alheias; e (c) exercerem a sua autonomia de forma a não incidir negativamente sobre os interesses gerais distintos da própria entidade. 
 Nesse sentido, a Corte espanhola passou reiteradamente a reconhecer a existência de um compromisso constitucional de cooperação do qual decorre o dever para os entes políticos de se comportarem em conformidade com os critérios de boa-fé e fidelidade ao sistema, i.e, de um compromisso do qual deriva um princípio de leal cooperação que demanda a não realização - no exercício das próprias competências - de condutas que possam lesionar os interesses de algumas das entidades federadas e, conseqüentemente, o próprio interesse geral.[footnoteRef:15] [15: SILVEIRA, Alessandra. Cooperação e compromisso..., p. 290.] 
 Em geral, as decisões do Tribunal Constitucional espanhol partem do seguinte postulado: o exercício das competências centrais e periféricas deve ser implementado com base no dever de lealdade ao sistema instituído pela Constituição, de modo a facilitar - e nunca impedir – o exercício das competências dos demais. De forma ilustrativa, podem ser mencionados os seguintes casos:
· Dever de prestar informações (Sentenças n.º 152/1988, n.º 201/1988 e n.º 96/1990): O Tribunal Constitucional considerou válida a exigência imposta pelo governo central ao País Basco de prestar informações acerca das ações implementadas no financiamento das habitações sociais. Nos referidos casos, o Tribunal evocou os princípios da colaboração, solidariedade e lealdade constitucional para decidir que a obrigação de prestar informações acerca dos recursos empregados não cria nenhum obstáculo ao exercício das competências autonômicas e nem atenta contra a autonomia financeira;
· Ente central - Exercício de competências próprias em detrimento do exercício das competências locais (Sentença n.º 181/1988): O Tribunal Constitucional entendeu que há violação ao princípio

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