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TCC Uma Reflexão sobre a Sociedade Fictícia de Aldous Huxley e a sua Educação

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Uma Reflexão sobre a Sociedade Fictícia de Aldous Huxley e a sua Educação
Débora Medeiros Dantas¹
Maria Adelaide Maio Rodrigues²
RESUMO
Nesse trabalho analisamos a função da Educação como instrumento de condicionamento e preparação ao mercado de trabalho na sociedade de Admirável Mundo Novo, livro de Aldous Huxley. Ainda estudamos as diferentes facetas da Educação e como o regime político pode se utilizar da educação como condicionante. Além disso, avaliamos o Estado como um produto do Antagonismo inconciliável das classes. Por último, exploramos a ação antidialógica de Admirável Mundo Novo e as suas consequências. 
Palavras-chave: Educação, antagonismo de classes, política, filosofia
1. INTRODUÇÃO 
A linha de pesquisa desse artigo consiste em “Políticas, gestão, formação de educador e fundamentos da educação.” Bem como, o assunto de reflexão é “Filosofia e Educação” e o tema, a “Educação na sociedade fictícia de Aldous Huxley, utilizando da filosofia como base de reflexão sobre a educação nessa sociedade e a sua contemporaneidade”. 
O livro Admirável Mundo Novo do autor Aldous Huxley é o objeto de estudo para elaboração desse projeto. Esse livro foi publicado em 1932, e reflete uma possibilidade futura da sociedade do capital de se tornar totalitarista. Toda a razão em que nos torna humanos quando utilizada para os meios que nos desumaniza, reflete no poder que a Educação tem tanto para possibilitar a libertação com o esclarecimento, como também de nos desumanizar com os valores das classes dominantes.
A problemática envolvida nesse artigo é “A educação como somente instrumento de condicionamento, controle e a preparação ao mercado de trabalho”, elaborada a partir da necessidade de compreender a Educação em uma sociedade totalitarista e suas consequências, em que se realiza um comparativo com a nossa sociedade contemporânea.
Para responder essa problemática, divide-se o artigo nos seguintes tópicos: A função da educação; A ação antidialógica de Admirável Mundo Novo; Antagonismo: o Mundo Velho e o Mundo Novo; e a Oferta (recusa) da Educação e o Regime Político em Admirável Mundo Novo.
Esse trabalho tem como objetivo realizar a reflexão sobre uma sociedade totalitarista e avaliar as consequências na educação, quando utilizada como ferramenta estatal para controle e condicionamento da população. 
A metodologia dessa pesquisa consiste em uma análise explicativa bibliográfica, em que se reflete sobre o livro “Admirável Mundo Novo” e a sua sociedade por meio de comparação com a nossa sociedade contemporânea.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1. REFERÊNCIAL TEÓRICO
Utilizamos como referencial teórico para essa pesquisa bibliográfica os autores: Paulo Freire, Regina Leal, Lucas Cunha, Durkheim e o Zatti. Esse artigo foi estruturado nos seguintes tópicos: A função da educação; A ação antidialógica de Admirável Mundo Novo; Antagonismo: o Mundo Velho e o Mundo Novo; e a Oferta (recusa) da Educação e o Regime Político em Admirável Mundo Novo.
 Com o autor Paulo Freire os seus livros utilizados foram: Pedagogia do Oprimido, Pedagogia da Autonomia e o livro Conscientização : teoria e prática da libertação : uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. , nos quais através de suas teorias sobre a Educação, discutimos a ação antidialógica de Admirável Mundo Novo, a divisão de classes, o antagonismo opressor/oprimido e a função da educação como agente mantedor do status quo. 
Regina Leal pelo artigo na Revista Ibero Americana de Educación, em que iremos verificar sobre as dimensões educativas e a sua importância numa educação para desenvolver todas as capacidades educativas plenamente.
 Lucas Cunha pelo artigo na PLURAL, Revista do Programa de Pós Graduação em Sociologia da USP, analisaremos seus estudos sociológicos sobre o ponto de vista de Durkheim na educação. 
Durkheim utilizamos seus livros Educação e Sociologia e A educação moral, com os quais analisaremos a educação como função de perpetuação da continuidade da ordem social, e a utilização da educação moral como ferramenta de condicionamento. 
E finalmente Zatti no livro Autonomia e educação em Immanuel Kant e Paulo Freire, em que analisamos com seus estudos elaborados a partir das teorias de Paulo Freire sobre o verbalismo e ação antidialógica.
2.2. A FUNÇÃO DA EDUCAÇÃO
Através do lema do Estado Mundial de Admirável Mundo novo “Comunidade, identidade, estabilidade”, consegue-se entender os mecanismos que se utilizam para controlar, condicionar e oprimir a sociedade do livro. O Estado se utiliza do sistema de castas para diferenciar os tratamentos de educação, qualidade de vida, trabalho, etc. 
Todos as decisões da sociedade são definidas de acordo com os planos do Estado Mundial. O senso de comunidade, de fazer parte, resume-se em um dos mecanismos de controle, para que os cidadãos fiquem sempre se autorregulando na sua própria casta. Esse autoregulamento de castas é imposto desde infância, por meio do Curso Elementar de Consciência de classe, em que as crianças são educadas por meio de frases sugestivas sobre sua posição no sistema de castas, vangloriando quem está acima e desprezando quem está abaixo.
De acordo com Cunha (2013), quando analisamos o pensamento Durkhemiano, o processo de transmissão de conhecimento é socialmente construídos. A socialização se desenvolve com a interação contínua dos indivíduos que tem algo a ensinar e os que tem algo a aprender. Na sociedade essa composição ensinar/aprender compreende-se por um adulto/educador e uma criança/educando. Pode se visualizar a intensidade do processo de socialização na coesão e na continuidade das sociedades. A função da Educação consiste em utilizar da socialização como elemento central de transmissão de conhecimento, cultura e hábitos. Na sociedade de Admirável Mundo Novo, verificamos a utilização da socialização como ferramenta educativa, por meio de lições em que cada casta é diferente e por serem diferente são tratadas de distintas formas.
A sociedade de Admirável Mundo Novo tem um pensamento parcialmente parecido com o de Durkheim, o que explica a necessidade de homogeneidade na sociedade:  A sociedade só pode subsistir se existir entre seus membros uma homogeneidade suficiente; a educação perpetua e reforça esta homogeneidade fixando com antecedência na alma da criança as similitudes essenciais que a vida coletiva exige (DURKHEIM, 2007, p. 52). Compreende-se que a sociedade de Admirável Mundo Novo é heterogênea, por possuir um sistema de castas na qual existem tratamentos diferenciados entre classes, no entanto dentro de cada classe existe uma homogeneidade, um modelo a se seguir.
Durkheim (2008) credita à educação moral das crianças a função de mantenedora da continuidade da ordem social entre as gerações.  Analisa-se a utilização dessa teoria de Durkheim na sociedade de Admirável Mundo Novo quando a infância pertence ao Estado, e ele utiliza-a para perpetuação da sociedade fordista por meio da educação moral do sistema de castas, podando quaisquer possibilidades de mudança, levando a continuidade e manutenção do sistema totalitarista. 
A criança segundo Durkheim é anômica por natureza, por não compreender as normas e regras da sociedade. Existindo a necessidade de tornar as crianças seres "sociais" para retirar essa "natureza infantil", anômica. Ao se retirar essa natureza anômica, a criança perpertua o sistema em que foi educada.
Um dos trechos do livro que demonstra essa educação moral está no diálogo do Diretor “ A educação moral, que não deve nunca, em circunstância alguma, ser racional” (HUXLEY, 47). A educação moral em Admirável mundo novo não se é obtida por meios racionais, mas por meio de manipulação psicológica, utilizando de “sugestões” para que as crianças entendam o seu papel na sociedade e que mantenham a luta de classes.
A função da educação na sociedade Fordista de Admirável Mundo Novo é como um instrumento de opressão, de condicionamento e de preparação para o mercado de trabalho. A educação voltada para o mercado de trabalho não é em si errada, mas retirartodas as outras dimensões da educação, forçando o indivíduo a ser somente uma peça no maquinário do Estado é o que torna essa educação opressora, é uma educação que nega o conhecimento e que é utilizada como condicionadora pela classe dominante, como meio para gerar novas peças que fazem funcionar a máquina estatal. Utilizam do consumismo desfreado como forma de cabresto, tornando eles dependentes do Estado, com as Somas que são drogas administradas pelo Estado para manter sempre calmos, tranquilos, satisfeitos, sem questionar se essa felicidade instantânea é correta, se sentir inebriado e com os sentidos torpes é uma felicidade real.
O Estado de Admirável Mundo Novo, não enxerga indivíduos, muito menos se forem parte da massa popular, são massas, em que fazem questão de deixar bem claro que se valem somente para trabalhos manuais e sincronizados em quantidade, não qualidade, e que são privados de todos os direitos. Os poucos indivíduos que o Estado ainda enxerga é os Alfas e ainda assim, não são enxergados por sua individualidade mas sim por fazerem parte de uma casta que controla o restante, por seus trabalhos serem de comando e de gerenciamento do Estado, possuem certos privilégios acima do restante, mas ainda assim estão presos ao sistema, se pensarem diferente serão isolados e enviados para uma ilha de isolamento, para não “descondicionar” o restante com seus pensamentos progressistas. 
O progresso é visto como algo a ser combatido em Admirável Mundo Novo, com exceção se o “progesso” for de exploração cada vez maior das camadas mais oprimidas, por meio de novas técnicas de clonagem utilizando o máximo possível da capacidade dos mais oprimidos para serem cada vez mais explorados. E a função da Educação está aí, em servir para cada vez mais a exploração, condicionamento e manutenção do Estado totalitarista.
O sistema opressor separa os indivíduos em castas desde quando eles são embriões. Diferenciam-se os recursos a serem utilizados ao percurso da gestação artificial, ou seja, não existe mais uma gestação natural. O condicionamento começa com o processo Bokanovsky, que é um dos instrumentos da estabilidade social, que artificialmente geram gêmeos idênticos para trabalhos idênticos. Isso somente para castas “inferiores”, já para as castas superiores, há somente um ovo, que forma um embrião.
A partir do trecho “Noventa e seis gêmeos idênticos fazendo funcionar noventa e seis máquinas idênticas!” (HUXLEY ,p. 26), fica explícito o propósito de criar seres humanos meramente para manter a produção industrial. Utilizam-se de técnicas de fecundação para ter a maior quantidade possível de irmãos com no máximo 2 anos de diferença, formando grupos de gêmeos. Isso é feito para que se tenha em fábricas, homens e mulheres padronizados, em grupos uniformes.  
A seleção dos gametas é feita de acordo com a casta que se deseja originar, isto é, utiliza-se, por exemplo, um ovo alfa para originar um alfa ou um ovo gama para originar um gama. Além da hereditariedade da casta predestinada, necessita-se do condicionamento do embrião. Esse condicionamento é feito por uma criação de limitações para gerarem um ambiente artificial de acordo com a casta. Se o embrião é de uma casta inferior, uma dessas limitações é retirada de oxigênio. A partir do trecho “Quanto mais baixa é a casta  – disse o sr. Foster  –, menos oxigênio se dá.” (p.33), infere-se a regulação do oxigênio de acordo com a casta. No trecho a seguir do Sr. Foster demonstra que é feito conscientemente esse condicionamento. “ Nós também predestinamos e condicionamos. Decantamos nossos bebês sob a forma de seres vivos socializados, sob a forma de Alfas ou de Ípsilons”. (HUXLEY, p.33)
A sociedade de Admirável Mundo Novo condiciona os indivíduos para que sejam felizes fazendo o que são obrigados a fazer, para que não possam fugir do seu destino social. Ela também cria uma mão de obra extremamente específica, que os separa por um sistema de castas. Essa é a função do condicionamento para que as pessoas amem o que elas são condicionadas a trabalhar. Esse condicionamento é também uma preparação para o mercado de trabalho — desde a fecundação já se determina no que se vai trabalhar–, logo, todo o condicionamento é direcionado para que ele aprenda a gostar de tudo que seja relacionado ao seu futuro trabalho. Além de retirar qualquer possibilidade pensamento contrário aos preceitos da sociedade consumista, as lições hipnopédicas são repetições de frases com efeitos no subconsciente que são administradas durante o sono por períodos variados, desde da tenra infância e continua na vida adulta.
As dimensões educativas de acordo com LEAL (1997) são todas as dimensões que incorporam à educação e elas são: a dimensão das possibilidades, a dimensão político-social, a dimensão familiar, a dimensão da estética, a dimensão lúdica, e a dimensão humano relacional. Cada uma dessas dimensões são importantes para uma educação de qualidade, oferecendo ao educando todas as possibilidades de desenvolvimento pleno.
As dimensões educativas são reestruturadas para dar suporte à educação da sociedade. As dimensões educativas eliminadas são: a dimensão educativa das possibilidades, que despertam os sonhos as metas e objetivos; a dimensão educativa político-social, em que o sujeito é histórico, questionador e crítico; a dimensão educativo familiar, em que o núcleo familiar afetivo é importante na educação. Com a retirada dessas dimensões da educação, existiu a necessidade de um reforço de outras dimensões para suporte da educação na sociedade, como a dimensão da estética – valorização do belo–, a dimensão lúdica aliada ao prazer de aprender o que você nasceu para fazer, a dimensão humano relacional. Nessa sociedade todos pertencem a todos, mas com ressalva, se for da mesma casta. As dimensões educativas foram distorcidas para satisfazer as necessidades educacionais de Admirável Mundo Novo.
Todas as dimensões educativas são importantes na construção de um ensino e na aprendizagem de qualidade. Não existe hierarquia nas dimensões educativas, nenhuma é superior a outra. As dimensões educativas presentes na prática formativa são: A dimensão da estética, a do conhecimento, a das possibilidades, a axiológica, a político-social, a humana relacional, a didático-pedagógica e a familiar. E na sociedade de Admirável Mundo Novo, eles consideraram algumas dimensões como “perigosas” para a manutenção do Status Quo, as eliminando, mas tentou compensar com outras dimensões, como já foi visto.
A função da educação nessa sociedade fictícia é de atender as necessidades do Estado Mundial, dividindo as massas populares, segregando, criando barreiras de relacionamentos, deixando sempre dependentes do destino que lhes foi ditado. A educação tem suas multifunções dependendo do interesse daquele que a condiciona, de acordo com Paulo Freire a educação amorosa, crítica, esperançosa, e comunicativa é a que liberta, não somente aos oprimidos mas também aos opressores. Nessa sociedade fictícia todos estão presos nessa educação antidiálogica, em que não existe diálogo, não existe crítica, não existe esperança de liberdade. 
A pedagogia de Paulo Freire é a progressista, e segundo Aiko Santos (2005), a Pedagogia Progressista pretende, em última instância, a transformação social, reivindicando o ensino público de qualidade, gratuito e democrático. Ela cuida da relação da educação com o social, com o político e com a filosofia. Além disso, ela também se preocupa com a relação entre os Objetivos Educacionais, Conteúdos e Métodos. Ainda, está pedagogia incentiva a análise crítica da estrutura social dominante e de sua ideologia. Os alunos são agentes de transformação da sociedade com participação ativa. Há importância no domínio de conteúdo científico, para alcançar a consciência crítica.
2.3. A AÇÃO ANTIDIALÓGICA DE ADMIRÁVEL MUNDO NOVO
 No livro Admirável Mundo Novo, a Educação é antidiálogica, verbalista e doutrinadora. Segundo Paulo Freire (2010), uma das formas antidiálogica que os dominadores usam para manterseu status quo é a divisão das massas populares. 
A Ação antidialógica de acordo com Paulo Freire é acrítica, desamorosa, autossuficiente, desesperançosa, arrogante, que não se comunica e impede a autonomia. O sistema educacional que é baseado na ação antidiálogica é a favor da heteronomia, da opressão, da dominação e subjugação de classes à favor da classe dominante. Sendo a ação dialógica o seu completo oposto, ela é crítica, amorosa, esperançosa, é aberta ao diálogo horizontal, onde não existe ninguém superior a ninguém, todos tem a mesma voz, para ouvir e dizer sua opinião.
A autonomia é o pensar autêntico, ter a liberdade de pensamento, ser responsável pela sua própria tutela. Paulo Freire acredita que o dado fundamental de relação de todas as coisas no mundo é o diálogo, sendo esse uma relação horizontal entre A e B, nascendo de uma matriz crítica e que gera criticidade. Para Paulo Freire, autonomia é libertar o ser humano das cadeias do determinismo neoliberal. Todo processo de autonomia e de construção de consciência exige uma reflexão crítica e prática e um discurso teórico que seja alinhado com a prática. A educação deve ser dialógica, com a relação dialógica homem/natureza em que o mundo é transformado e a história é feita. A sociedade de Admirável Mundo Novo necessita de uma ação dialógica. Uma transformação nesse sistema que em que visa somente a estabilidade e a felicidade artificial, como por exemplo John descreve no livro “Eu não quero conforto. Quero Deus, quero a poesia, quero o perigo autêntico, quero a liberdade, quero a bondade. Quero o pecado.”(Huxley, p. 286) Ele estava reclamando o direito de liberdade de escolha e a escolha de ser feliz ou, ser liberto do controle autoritário que o conforto e a felicidade artificial  impõe.
De acordo com Zatti uma das caracteristicas comuns na educação antidialógica é o verbalismo, do qual Paulo Freire compreende como " Este modo de pensar, dissociado da ação que supõe, um pensamento autêntico, perde-se em palavras falsas e ineficazes" (FREIRE, 1980, p.87). Com o verbalismo o homem deixa de lado a práxis que é o saber-fazer, compreender o que está fazendo e porque está fazendo. Na sociedade do Admirável Mundo novo, eles fazem suas atividades sem ter o senso crítico de o porquê estão fazendo, qual seria o saber-fazer, a práxis. Sendo negado as massas populares a práxis verdadeira, e o espaço de fala. Segundo Zatti, no pensamento de Paulo Freire, "Para eles as massas não devem admirar, questionar, denunciar e transformar o mundo, devem apenas se adaptar à realidade que eles, dominadores, determinam." (Zatti, 2007)
 A divisão de classes enfraquece as camadas oprimidas, além de facilitar a dominação. A manipulação com objetivo de anestesiar as massas populares para que não pensem, utiliza-se das repetições hipnopédicas e da soma. A soma é uma droga que retira qualquer sensação desconfortável, uma felicidade artificial. Freire denuncia a ideologia opressora que promove a absolutização da ignorância, como ocorre em Admirável Mundo Novo, como o condicionamento dos bebês de casta inferior de forma a odiarem livros e plantas. Por questões econômicas, leitura é vista como algo desnecessário para castas inferiores, essa ideia da leitura como algo desnecessário para os oprimidos os retira a oportunidade de se reconhecer como tal, ficam sempre nas mesmas atividades que geram a felicidade artificial, entorpecidos sem capacidade de sair dessa condição em que se encontram, a literatura, a filosofia, poderia ser uma porta de abertura para sair dessa condição de oprimidos, de “castas inferiores”, de criar seu próprio destino, de fazer o que gostariam de fazer e não o que são impostos, mas foram condicionados a não gostar da literatura, assim, presos a essa condição desde do nascimento até a morte.
Segundo Paulo Freire, uma estrutura social rígida, dominadora e antidialógica favorece o desenvolvimento de pessoas que aceitam a dominação. A ambiguidade da Educação, que tanto pode ser a libertadora quanto a opressora, para transformar uma sociedade, e, que visa formar uma autonomia, deve encara a História como possibilidade e não como determinação, a história que por ser uma possibilidade pode ser modificada e deve ser modificada. 
De acordo com Paulo Freire (1980) a Educação libertadora é um ato político, de construção de conhecimento e a base da construção de uma nova sociedade, mais justa, mais humana, mais ética, mais solidária. Para Paulo Freire (2011) a função da Educação é conscientizar para transformar a realidade, os conteúdos são extraídos da prática social e cotidiana. Na sociedade de Huxley, a educação não é feita para conscientizar, não existe transformação, ela é estagnada, é acrítica, é desumana, e os conteúdos são extraídos a partir de uma censura imposta do Estado, é uma educação bancária, em que todo o conhecimento é depositado, sem questionamentos sobre o seu significado, de tal forma o individuo se prepara somente para sua função, não compreendendo todos os passos do processo do seu próprio trabalho, sendo preso a mesma função pro resto da vida. Como funciona no sistema fordista, em que eram trabalhadores pouco qualificados, mas que cumpriam sua função sem questionar, com velocidade e destreza. 
No entanto nesse mundo fictício de Aldous Huxley a educação é utilizada como uma forma de controle, condicionamento e preparação para o mercado de trabalho, a única finalidade de existência humana é se encaixar em uma profissão pré-selecionada pelo estado a partir do nascimento e assim servir as necessidades do estado de acordo com a sua predeterminação genética. O Estado cria um sistema de castas utilizando a genética como uma argumentação de superioridade e inferioridade entre classes.
2.4. ANTAGONISMO: O MUNDO VELHO E O MUNDO NOVO
O contexto que se encontra esse mundo fictício é uma sociedade totalitarista em que é separado por castas que são criadas por manipulação genética, oferecendo mais ou menos condições adequadas de acordo com a classe que estão inseridos. O regime totalitarista possuí o controle total da vida pública e da vida privada dos seus cidadãos. Investem fortemente na propaganda, sempre criando um "inimigo" em comum para ter suas justificativas no controle. No caso de Admirável Mundo Novo, os inimigos são todos e quaisquer que tentam mudar o status quo, sendo despachados para uma ilha isolada, as vezes só por ousarem pensar, pesquisar ou se expressar.
A base dessa sociedade é composta pelos Ípsilons, em que são criados por meio de manipulação genética para utilização de trabalhos mais manuais que não necessitam de muita inteligência, por isso que na hora de manipulação dos embriões eles são restringidos de certos nutrientes assim os tornando mais "dóceis" e obedientes sem questionar muito a sua própria existência.
Logo acima dos Ípsilons estão os Deltas que são satisfeitos como sendo deltas e são felizes porque são superiores aos Ípsilon, possuem um jornal (meio de comunicação) próprio, como forma de identificação de comunidade, que se chama "Espelho dos Deltas".
Acima dos Deltas estão os Gama, que são felizes que são superiores aos Deltas, seu jornal próprio se chama "Gazeta dos Gamas", é um mecanismo de controle do estado sempre deixar uma classe oprimindo a que está abaixo da sua, sempre utilizando o sistema opressor-oprimir como forma de continuação do sistema.
Acima dos Gama estão os Beta, que se sente superior aos demais mesmo existindo acima deles os Alfa, os Betas são normalmente assistentes dos Alfa, o que para eles é um motivo de orgulho, seu meio de comunicação é o mesmo dos Alfas, o Rádio Horário. E os Alfas que estão responsáveis por cargos de chefia, recebem a melhor educação e as melhores condições desde a fecundação.
Todas as classes com exceção dos betas e alfas, fazem parte de um processo chamado Bokanovsky, em que são clonados para melhor "servir" ao estado em profissões em que são necessários atividades em série. Por exemplo, indústrias, aonde de acordo com o Estado, a utilização de gêmeos deixa amáquina rodando com maior fluidez. Essa separação por classes é feita tanto por genética quanto por doutrinação, sendo a escola que é mantida pelo Estado responsável pela doutrinação, seja por hipnose ou atividades exclusivas de cada casta. Utilizam além da educação como forma de controle e doutrinação, a utilização de um medicamento que entorpece os sentidos, deixando eles num estado de “felicidade” contínua, sem ter condições de questionar a própria existência desse sistema, qualquer informação sobre como funcionava a sociedade anteriormente a esse Estado totalitarista é proibida, como também noções de família, amor, são proibidas por colocar em risco o controle do Estado sobre a vida e futuro das pessoas. É proibido engravidar por meios naturais que não seja controlado pelo Estado, quem fizer será totalmente considerado um paria da sociedade, por ter cometido um crime tão bárbaro.
Em contraste com essa civilização totalmente controlada pelo estado, existe além dos muros dessa sociedade tecnológica, uma civilização que ainda possui os laços de família, amor, companheirismo e que não controla seus membros desde o nascimento por castas preestabelecidas, possuindo as atitudes anteriores ao sistema que foi instalado. São tratados como “Reservas históricas”, aonde são conhecidos como os “selvagens”, essa sociedade é atrasada em termos de tecnologia, não possuem um sistema de educação e saúde muito elaborado, mas ainda assim, tem em seu poder algo que não existe mais no mundo “avançado”, que são livros clássicos, como os de William Shakespeare, que foi banido junto com outros livros que poderiam causar “problemas” a tão “perfeita” sociedade. Essa sociedade dos “selvagens” ainda também mantem uma religião que parece ser derivada de várias religiões, como uma metamorfose em que aglutinou tudo o que existia em uma religião própria. Eles podem ser referenciados como “Mundo Velho”, em que as tradições se misturaram e geraram novas tradições, novos misticismos, novas crenças. 
De acordo com Lenin (2007) para Engels o Estado é um produto da sociedade numa certa fase do seu desenvolvimento. Como vemos em Admirável Mundo Novo o Estado é o produto e a manifestação do antagonismo inconciliável das classes. E que sem a luta de classes, o Estado é desnecessário, necessita das diferentes castas para manter a existência de um Estado controlador. Como Estado é um instrumento de exploração da classe oprimida, necessitando da existência de classes opressoras e classes oprimidas, logo a classe dominante legitima-se com a existência do Estado. Em Admirável Mundo Novo, quem comanda a sociedade são os Administradores Mundiais, da classe dominante, a casta Alfa. 
O Antagonismo do mundo velho e do novo está presente em Admirável Mundo Novo. O velho representa os selvagens que não conseguiram largar o estilo de vida do passado, como seus conceitos de família, religião, sentimentos e emoções. Os selvagens têm os conceitos de família, pai, mãe, casamento, religiões, mas não são limpos ou consumistas. A sociedade dos selvagens se adaptou aos conhecimentos sobre religiões, crenças e família. Existem trechos no livro onde fica claro que existiu uma mistura de religiões para atender todos os integrantes do Velho Mundo. 
O novo representa os cidadãos de Admirável Mundo Novo, que sob a eficácia perfeita, não deixam lugar para a liberdade ou para a iniciativa pessoal. Os civilizados tem limpeza, consumismo, ordem social. Não existe casamento, não existe pai ou mãe, não existe conceito de família. O Deus é o próprio Ford, representação do próprio capitalismo de produção em massa. A sociedade de Admirável Mundo Novo se adaptou por meio de condicionamento genético e de controle social, desde o processo embrionário até o fim da vida. Tudo é controlado pelo estado. Todos os sentimentos e ações são controladas para manter a sociedade estável. Essa adaptação é citada no livro por meio de trechos que discorrem sobre as lições hipnopédicas, que condicionam a sociedade num padrão a fim de controlá-la de forma mais eficaz e segura.
No Mundo Novo, criou-se uma sociedade extremamente estável. Tudo gira em torno do prazer/satisfação imediata. Não é permitido questionamentos sobre o sistema. O objetivo da sociedade é manter a estabilidade, de modo a tirar fora o senso crítico e o questionamento. O preço da estabilidade é exatamente o pensamento crítico, a liberdade de expressão, as questões, os sentimentos. 
O sacríficio da grande arte fica claro quando o selvagem discute com o Administrador Mundial Mustafá Mond sobre a proibição dos livros de Shakespeare. Mustafá Mond argumenta que os livros são antigos e não quer que sejam atraídos pela beleza do antigo, desestabilizando a sociedade. O preço da estabilidade social almejada pela sociedade de Admirável Mundo Novo é a própria artes e as emoções. Como também da liberdade, da expressão, do pensamento, da filosofia, e da própria educação. 
Esse antagonismo entre Novo e Velho, pode ser visto também na nossa sociedade quando comparamos o que era a educação tradicional conteudista, em que a criança era um deposito de conhecimentos, esses muitas vezes manipulados para atender as necessidades do regime político, com a ideologia de controle, e condicionamento dos educandos. E o novo onde o educando é visto como um ser crítico, autônomo, respeitando sua opinião, dando voz para questionar o próprio conteúdo e os sistemas em que está inserido. Trabalhando em conjunto com toda a comunidade para elaboração dos projetos políticos pedagógicos, incluindo assim a todos na educação, para transforma-la cada vez mais em algo acessível e transformador. 
2.5. A OFERTA( RECUSA) DA EDUCAÇÃO E O REGIME POLÍTICO EM ADMIRÁVEL MUNDO NOVO
A oferta de educação, proposta às castas superiores, é diferente da das castas inferiores. Enquanto as castas superiores são preparados para assumir postos de chefia, as castas inferiores são preparadas para trabalhos braçais, isto é, sua educação é voltada somente para os meios de produção, sendo bem específico para seu trabalho. O condicionamento das castas inferiores é imposto para odiar a leitura de livros, principalmente, se não for algo relacionado à trabalho, a fim de evitar ideias subversivas que alterem a ordem social. O descondicionamento de “espíritos menos estáveis” das castas superiores é uma preocupação, por terem o poder de mudança na estrutura da sociedade do Admirável Mundo Novo. 
O condicionamento é imposto desde o início, enquanto o ser ainda é um embrião, para manter a distribuição e o controle do regime político.  A educação é ofertada de acordo com a casta, de forma a separar os indivíduos entre centros de condicionamentos diferenciados. Não existe realmente uma oferta de educação, mas uma imposição do estado sobre o sujeito. Se você é de uma casta inferior, nunca lhe vai ser ofertada uma educação de uma classe superior. Portanto, há a recusa da educação igualitária. Alguns temas são censurados como “subversivos”, por terem o poder de desestabilizar a sociedade. Os autores são perseguidos e enviados para uma ilha, se não modificarem seu pensamento subversivo e ameaçador a estabilidade. A educação é voltada ao mercado de trabalho e a manutenção do status quo da estabilidade.
Com um regime político autoritário e totalitarista, tudo é decidido pelos 10 Administradores Mundiais, que ficam responsáveis pela censura de informações e pelo controle populacional, ou seja, tudo na sociedade, relacionado a manutenção da estabilidade da sociedade, é decidido por eles. Mustafá Mond um dos Administradores Mundiais confessa que até mesmo a ciência é censurada, por mais que a sociedade em geral diga que ela é incentivada. Na ciência, quando se chega ao ponto de desestabilizar a estrutura da sociedade, veta-se a continuação dos experimentos. Os cientistas responsáveis são, então, enviados para uma ilha para evitar o “descondicionamento” de outros, por serem considerados um risco à sociedade, ou podem, como o Mustafá Mond, serem admitidos no Conselho Supremo e servir ao sistema,dedicando-se ao trabalho de responsável pela manutenção da estabilidade. Essa manutenção constante da estabilidade do governo totalitarista, chegando ao ponto de censurar a própria ciência acaba atrasando o desenvolvimento, mesmo que eles achem que o desenvolvimento não seja algo bom porque desestabiliza, leva ao desconhecido, a ter um pensamento crítico em relação as tradições, uma reflexão sobre o que pode ser alcançado se todos tiverem as mesmas oportunidades e acesso à educação. Eles são isolados pelo sistema ou então abraçados para fazerem parte da perpetuação do mesmo, aproximando das classes dominantes como forma de permanência das mesmas.
Na nossa sociedade sem ser a fictícia de Huxley a oferta(recusa) da educação também é dividida por classes sociais, os que estão nas camadas de poder, os opressores, possuem as melhores oportunidades de estudo, podendo escolher quaisquer áreas em que tenham interesse. Enquanto a camada oprimida tem que se conter com uma educação às vezes até mesmo precária, em que é a educação que tiver disponível, aquela mesma educação em que é ditada a partir dos moldes dos interesses da classe dominante, para facilitar o controle das camadas oprimidas, perpetuando assim essa opressão. E da mesma forma acontece quando um oprimido chega ao poder, ele é convencido que seu novo papel é ser opressor, então oprimindo aqueles que até então eram os mesmos companheiros de opressão que sofria, de acordo com Paulo Freire (2010) quando a educação não é libertadora o sonho do oprimido é se tornar opressor, logo quando o oprimido consegue sair da sua condição de oprimido, por não ter tido uma educação verdadeiramente libertadora ele perpetua o mesmo sistema o que o fez sofrer.
3. CONCLUSÃO
O mundo fictício de Admirável Mundo Novo está cada vez mais próximo da realidade atual, como o consumismo exacerbado, ou como o controle em nível mundial sobre o que devemos fazer ou gostar nas modas que são lançadas pelo sistema capitalista. Ter sucesso na sociedade moderna é possuir coisas: objetos, carreira, educação, pessoas (seguidores). “Cada um pertence a todos”, com o advento do facebook, sua imagem é algo que não te pertence mais, você pertence a todos, como também todos te pertence. 
Estamos cada vez mais solitários no meio de uma multidão, os significados de “viver em comunhão” com seus 1200 amigos do facebook, twitter, instagram, na realidade as pessoas estão cada vez mais isoladas e depressivas. A fuga dessa realidade já começou com a utilização de psicotrópicos em excesso, desde a infância. Se uma criança tem qualquer tipo de comportamento não “normal” já é recomendado o uso de psicotrópicos, “fará bem, não tem problemas”, “é um remedinho para dormir, já é tão agitado”, o que faz pensar na Soma que utilizam em Admirável Mundo Novo. 
A educação onde quem possui mais dinheiro, existem melhores possibilidades de escolha, lembra sim o sistema de castas de Admirável Mundo Novo, sendo que o financiador não é o Estado e sim os próprios pais, que já são alimentados pelo próprio sistema capitalista para se manterem no poder sobre as outras camadas da sociedade. O sistema de castas de Admirável Mundo Novo pode ser trocado pelo sistema de classes do capitalismo, a mudança seria pouca, tirando os gêmeos e que eles pelo menos têm garantia de emprego, moradia, horas de trabalho reguladas e alimentação.
Podemos concluir que a utilização da educação como instrumento de condicionamento, controle e preparação para o mercado não ocorre somente no mundo fictício de Huxley, é uma realidade cruel em que convivemos. Sempre que a educação é moldada para atender as necessidades da classe dominante e a classe oprimida vive para o trabalho mesmo nas situações mais insalubres, somente para ter o que sobreviver, estamos muito próximos da ficção do que deveríamos.
A educação molda a sociedade em que ela se constitui, se a educação for libertadora, então sua sociedade encontrará liberdade, liberdade de se expressar, liberdade de pensar, de revolucionar. Se a educação é somente uma ferramenta de condicionamento e mantedora de status quo, dificilmente essa sociedade conseguirá se livrar dos grilhões que as prende, e para conseguir se libertar seria necessário uma revolução na própria educação, liberdade de expressão, liberdade de pensamento, sem isso, as pessoas irão continuar no pensamento e na expressão que a classe dominante deseja que tenham.
4. REFERÊNCIAS
¹Aluno concluinte do curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Estácio de Sá.
² Professor (a) Orientador (a) do artigo da Universidade Estácio de Sá.
CUNHA, Lucas de Lima e. Os Clássicos da “Literatura” Sociológica Infantil : as crianças e a infância de acordo com Marx, Weber, Durkheim e Mauss. PLURAL, Revista do Programa de Pós Graduação em Sociologia da USP, São Paulo, v.20.1, 2013, pp. 83 98. Disponível em:http://www.revistas.usp.br/plural/article/view/74416/78040. Acesso em: 20 de março 2020 . 
Durkheim, Émile. Educação e Sociologia. Lisboa: Edições 70, 2007. 
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LEAL, Regina Barros. As dimensões educativas. Revista Ibero Americana de Educación, p. 1-5, 1997
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ZATTI, V. Autonomia e educação em Immanuel Kant e Paulo Freire. Porto 
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