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“Eu estou absolutamente feliz por estar vivo ainda e ter acompanhado essa marcha da vontade amorosa de mudar o mundo; marcha dos reprovados; marcha dos que se rebelão; marcha dos que querem ser e estão proibidos de ser.” As ideologias políticas da Europa refletiam ao redor do globo. O Brasil não era uma exceção. Um golpe militar derrubou a monarquia e, na instauração da república, foi tocado o hino da revolução francesa. Paulo Freire Com dimensões continentais, o Brasil era administrado de forma federativa. Os estados tinham autonomia em relação ao governo central. Uma dessas autonomias era a política educacional: cada estado decidia como funcionava seu sistema de ensino. Foi só quando Getúlio Vargas fez sua revolução que foram criados os ministérios, que permitiriam ao governo central expandir seu controle. Um deles foi o Ministério da Educação. A criação de um órgão centralizador do sistema de ensino nacional traria mudanças profundas na nossa história. “Pensem quais são as grandes autoridades, no Brasil, em matéria de educação, antes dessa centralização burocrática. Você tem as igrejas católicas. Praticamente todo o país, as melhores escolas seguiam métodos católicos, Montessori, Dom Bosco e assim por diante, e os militares eram as escolas mais técnicas, geralmente com uma mentalidade positivista.” “Só que esta mudança não era especificamente para a doutrinação, mas tentava atender demandas reprimidas que o Estado brasileiro de fato possuía, como, por exemplo, índices muito expressivos de analfabetos, índices de pobreza, etc.. Com estas ramificações, com essas demandas, nós vamos ter, ao longo das décadas de 10, 20 e de 30 do século XX, diferentes maneiras de conseguir responder a isso. E eu gosto de dividir essas maneiras em pelo menos três grandes escolas, três linhas de pensamento: a primeira linha seria a linha católica.” Flávio Morgenstern Thomas Giulliano No governo de Getúlio Vargas, há um ressurgimento do catolicismo brasileiro, que agora buscava espaço também na política. O movimento católico tentava reestabelecer o ensino religioso no Brasil, apagado desde a monarquia brasileira. “O segundo ponto de debate e de choque será organizado basicamente pelos comunistas brasileiros, que também entendiam que o Estado brasileiro tinha que atender as suas demandas.” Thomas Giulliano A doutrina marxista também marcava presença no país. Fundado em 1922, o Partido Comunista Brasileiro seguia à risca as diretrizes estabelecidas pela Internacional Comunista; organizando frentes políticas, militares e culturais que perseguiam a revolução. “Vejam que aqui há um paradoxo. Nós temos um marxismo no Brasil que formou-se a partir de um entendimento do papel do Estado. Ou seja, nós não vamos ter aquela linha clássica de Marx em que o Estado deve ser superado. Nós vamos ter, no marxismo brasileiro, o entendimento que o Estado deve operar a política brasileira, tendo em vista que o Brasil não atingiu ainda as condições ideais para a supressão do Estado. Então os comunistas aqui estarão, que se formaram tendo uma leitura muito precária de Marx. Ainda que com um certo talento individual, por exemplo, do professor Vicente de Souza, que era um lógico, latinista, enfim, figuras como, por exemplo, um Graciliano Ramos, um Drummond. Mas este comunismo brasileiro é um comunismo muito incipiente, ainda com uma visão muito precária inclusive do próprio stalinismo, do próprio leninismo. Mas nós vamos ter uma outra escola que ganhará força de uma maneira progressiva. Esta, a chamada Escola nova.” Thomas Giulliano As antigas ideias de Hegel, de uma filosofia com forte presença do Estado, exerceram profunda influência no mundo todo. Um dos casos mais importantes é o do americano John Dewey, fundador da pedagogia da Escola Nova e entusiasmado leitor de Rousseau, Kant e Hegel. Suas propostas baseavam-se numa educação pública, gratuita e laica, que prepara o país para o mercado de trabalho. Para Dewey, a educação servia para capacitar os alunos com habilidades técnicas e ensiná-los a viver adequadamente na sociedade. “O John Dewey era um herdeiro da escola pragmática. Para o pragmatismo, o conhecimento praticamente não existe. Só existem convenções. Então, qual o sentido de um conceito, por exemplo? O sentido de um conceito é o sentido em que você vai usar o conceito. Se você define uma bola como isto, assim e assim, não é porque a bola seja isto, é porque você vai usar a bola desta maneira. Tudo fica condicionado ao uso prático e imediato. Não há mais... a questão da veracidade não existe mais. Veracidade é apenas prática, praticidade.” Olavo de Carvalho A pedagogia da Escola Nova foi disseminada no Brasil por um de seus admiradores: Anísio Teixeira. Influenciados pela filosofia de Dewey, um grupo de educadores brasileiros assina um manifesto para introduzir a pedagogia da Escola Nova no Brasil. “Aquele documento que é o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, se você ler o texto, ele mostra várias tendências ali. Uma tendência muito forte é do Eunício Teixeira. Defendia a ideia de uma educação pragmática ligada ao trabalho, à educação prática, etc.. Então o “Manifesto dos Pioneiros” junta um pouco essas ideias. Ele é uma expressão da necessidade de uma educação pública, uma educação basicamente laica, muito diferente da concepção tradicional da Igreja. A igreja tinha uma ideia muito tradicional. Tinha que ensinar filosofia, religião, latim. Então, digamos, há um conflito aí muito grande. O Anísio já é percebido como uma coisa terrível, porque ele era pragmático, ele era americano. Isso era muito contra o pensamento católico.” Simon Schwartzman “Essa Escola Nova se desviou muito do conhecimento do que é uma criança humana completa. É um movimento meio sentimental de educar. O aprendizado tem que ser lúdico, a criança tem que aprender brincando. Enfim, é uma visão sentimental da educação que gera crianças muito fracas e se perde a busca do conhecimento e do estudo. A Escola Nova é mais uma forma disfarçada de manipulação popular através dos sentimentos. É isso a educação da Escola Nova. Como é que você pode apoiar um movimento desse, em que você percebe que, justamente através desses movimentos, houve um decréscimo cada vez maior das escolas e do aprendizado e dos resultados que estão aí para nos dizer o resultado dessa Escola Nova? Mas eu pergunto: e a matemática, e a história, e a geografia, e o português? ‘Ah, isso aí não é tão importante mais, agora o importante é o método, não tanto o conteúdo’. E quando o método começa a privilegiar o conteúdo, acaba a escola. Isso foi o que aconteceu com a Escola Nova.” João Malheiro “Então, nós vamos ter essas três linhas: a linha católica, a linha comunista e a linha da Escola Nova. Estas três linhas protagonizarão, pouco a pouco, com uma ou outra mudança dentro de suas linhas, digamos, norteadoras, incipientes, as suas premissas intelectuais, todos os debates e discussões sobre o papel do Estado dentro da educação brasileira. Mas note: todas elas defendiam o papel do Estado.” Thomas Giulliano “Eu acho que um contexto importante da criação do Ministério da Educação é um acordo que o governo Vargas faz com a Igreja Católica no sentido de que a Igreja Católica ia assumir o controle da educação. E, em troca, ela ia dar o apoio para o governo”. Simon Schwartzman “O Getúlio Vargas precisava fazer uma concessão aos católicos. Os católicos eram a imensa maioria do Brasil e eles poderiam por o governo abaixo, e o que ele mais entendia era de se manter no poder. Era o forte dele. Então, ele convida um católico, de um movimento intelectual católico, que foi Gustavo Capanema, para fazer parte do Ministério da Educação.” Rafael Nogueira “Capanema é, até hoje, o ministro da Educação mais longevo da nossa história e não há como falar sobre o Ministério da Educação sem falar de Gustavo Capanema. Capanema, quando assume, encontrou algumas demandas que eram necessárias.A primeira era de como inserir intelectuais que estavam em oposição ao período Vargas, dentro da política. Então, Capanema, que vai ter uma amizade de longa data com Drummond, irá chamar Drummond para trabalhar dentro do então novo Ministério da Educação. Convidará também Graciliano Ramos para trabalhar, convidará Portinari para trabalhar. Enfim, comunistas clássicos do Brasil com os seus diferentes trabalhos artísticos. Eles irão conseguir atender essas demandas desses grupos bem heterogêneos. Por exemplo, o ensino religioso de fato irá voltar. Nós vamos ter, por exemplo, uma liberdade de ensino que atendia a muitas das demandas dos comunistas. Vamos ter uma presença de um ensino técnico como, por exemplo, atendia uma das demandas de Anísio Teixeira da Escola Nova. Ele conseguia ter esse tipo de desenvolvimento. Ele se mantém no Ministério da Educação até a saída de Getúlio Vargas, nessa primeira transição, até assumir Dutra. Quando o governo JK e, mais na sequência, o governo Jango se consolidam dentro do aparelho estatal, mudarão apenas os atores, mas o teatro de fato estará ali devidamente armado. Por exemplo, sairá Pedro Calmon e entrará, posteriori, Darcy Ribeiro. Entrará, posteriori, Paulo de Tarso, mas o aparelho estatal de fato ali está. E é interessante citar, por exemplo, Paulo de Tarso, porque Paulo de Tarso desfrutando de um aparelho estatal que o antecede, foi o ministro da Educação que deu a Paulo Freire a magnitude da experiência de Angicos.” Thomas Giulliano Ministro da EducaçãoPresidente “Em primeiro lugar, eu sou Paulo Freire. Eu nasci no Recife, há muito tempo atrás. Nasci numa família de classe média bem comportada, me sentia muito bem, muito feliz dentro da família, na relação com meu pai, na relação com minha mãe, com meus irmãos, com meus parentes, afinal. Nasci numa casa com quintal longo, largo, cheio de frutas, e de fruteiras e de pássaros cantando. Do período de, ou, melhor, no fim dos anos 20, eu nasci exatamente em 21, a minha família sofre o impacto, como outras, o impacto da grande depressão econômica de 29 e 30. Essa coisa afetou, mais ou menos, a vida normal da família nossa”. Paulo Freire “Um pouco mais à frente, o pai de Paulo Freire irá morrer e a vida, a alfabetização de Paulo Freire será marcada por esse luto e por essa dificuldade financeira. Paulo Freire tem méritos. Por exemplo, a maneira como ele conseguiu alfabetizar-se. Em vários segmentos, ele serve como um exemplo de esforço, de esforço humano. A maneira como ele entrou na faculdade, a maneira como conseguiu graduar-se na faculdade de Direito. E, dentro deste itinerário, ele será convidado para ser professor de português. E, a partir desse convite, ele irá descobrir como exercer a pedagogia, de como lecionar. Mas como Paulo Freire parou em Angicos? Como, de fato, este homem, que nasceu pobre, um dia foi descoberto por um presidente da República e vai ter lançado uma iniciativa com tamanho prestígio já ao seu tempo? Paulo Freire, dentro do SESI, começará a lançar essas teses, essas experiências sobre desenvolvimento pedagógico. Ele vai chamar a atenção de um deputado federal no Rio Grande do Norte e ele será convidado a desenvolver uma política de alfabetização de adultos. E, a partir desse desenvolvimento, ele vai para Angicos.” Thomas Giulliano “Em Angicos, uma pequena cidade no sertão do Rio Grande do Norte, à beira da antiga estrada de ferro, começaram uma revolução. É uma revolução de verdade, séria, bem organizada. Sua primeira fase durou apenas 40 horas. O alvorecer de autêntica reforma de base que está repercutindo em todo Brasil e que, possivelmente, logo envolverá o país inteiro. Angicos é uma cidade típica do Rio Grande do Norte onde mais de 75% dos adultos vivem e morrem na pobreza e no analfabetismo. E, entre os restantes, grande parte só sabe ferrar o nome na hora de votar, incapaz de ler o que escreveu. A revolução de Angicos foi iniciada para acabar com o analfabetismo, o problema básico do estado. Para tirar do escuro aquela gente, voluntários sacrificaram as férias e o conforto de Natal para começar o processo revolucionário da educação. Vieram ao sertão para ajudar a salvar o Brasil, com honestidade. Colocaram os alunos e explicam que é possível ler e escrever com apenas 40 horas de aula e sem cartilha. Integravam-se no grupo, ouviram seus problemas, recolheram o vocabulário básico da região, instalaram as salas de aula nas casas maiores, trouxeram cadernos, lápis, lampiões e querosene e também ânimo e a verdadeira esperança.” Reportagem de televisão Thomas Giulliano “E dentro dessa situação, Paulo Freire vai ter alcançado um nível de expressão pública, em 1963 e 1964, que já o tornara, de fato, um protagonista da política brasileira. Porque, note, o que é interessante é que, na abertura de Angicos, o governador do Rio Grande do Norte lá estará e, no encerramento da experiência de Angicos, nós vamos ter todos os governadores do nordeste, mais a presença de João Goulart e também a presença de Castelo Branco. Castelo Branco, general, próximo presidente do Brasil, ele, de fato, estará também na experiência de Angicos. Nós temos ali o aparelho estatal já constituído e, início de 1964, em janeiro, a consolidação do chamado plano de alfabetização, embasado nas teses de Paulo Freire. Castelo branco viu isso e já atento não só à política nacional de educação do governo Jango, desenvolvido em janeiro de 64, mas ele já percebeu: aqui nós temos um problema.” “E eu sou, então, afastado da minha atividade da universidade e sou preso. Afinal de contas, consigo, consigo não, me aposentam quando eu não tinha nem tempo de serviço, nem doença, nem queria me aposentar e eu fui aposentado sem consulta nenhuma. A ditadura considerou, a ditadura militar de 64, e não só considerou, mas disse por escrito, publicou, que eu era um perigoso subversivo internacional, um inimigo do povo brasileiro e um inimigo de Deus. Quer dizer, ainda arranjaram essa carga para mim, de ser inimigo de Deus.” Paulo Freire “Há um Paulo Freire que eu tendo a respeitar, tendo a entender melhor. É o Paulo Freire do começo de sua trajetória. Eu imagino que alguém com o perfil dele, vivendo onde viveu, convivendo com as lideranças políticas, conviveu num ambiente político e social e econômico do nordeste brasileiro, com a presença de líderes de esquerda que foram significativos no seu tempo. Então, eu não me surpreendo que alguém com a formação dele se deixasse seduzir pelo ambiente político na época para tomar um rumo à esquerda.” Percival Puggina Durante o exílio de Paulo Freire, acontecimentos do outro lado do globo tiveram forte influência sob a sua pedagogia. Por milhares de anos, a China viveu um sistema de divisão de castas. Até o ano de 1905, todos que quisessem ingressar na casta superior deveriam ser aprovados na prova imperial, que permitia acesso aos cargos públicos. Foi a partir dessa herança que Mao Tsé-Tung ressignificou a dialética hegeliana, materializada por Marx e reinterpretada à luz de Lênin. Na sua obra “A Contradição”, Mao afirma que: Mao observou que a natureza da revolução é a aceleração da história, que devia ser feita através da manipulação dos contrários, não apenas do conflito entre burgueses e operários, mas entre todas as contradições presentes na sociedade. Em posse dessas ideias, Mao Tsé-Tung liderou a revolução comunista da China, estatizando as fazendas do país e promovendo o trabalho forçado no programa chamado “Grande Salto para Frente”. A estratégia foi abandonada pelo fracasso que resultou na maior crise já alastrada pelo país. Matando milhões de pessoas de fome, expandindo o hábito de comer insetos e cachorros para poder sobreviver e enfraquecendo o apoio ao Partido Comunista. Foi quando Mao deu início à Revolução Cultural Chinesa, alegando precisar limpar os hábitos que perpetuam a velha cultura da China e não permitem que a revolução prospere. “A revolução culturalchinesa consistia justamente na troca de todo um sistema educativo por outro. E os agentes iniciais de transformação foram os próprios estudantes. Eles foram incentivados a contestar os próprios professores, a ridicularizar os professores e fazer com que houvesse essa pressão interna para transformação do sistema educativo. A ideia era que, daquele sistema tradicional, o sistema chinês adotasse um sistema moderno, europeu, de caráter marxista.” Fausto Zamboni A ideia era manter o fervor popular, perseguindo professores, intelectuais e dissidências do partido. As escolas e os professores foram acusados de fazer forte apologia à cultura tradicional e ocidental. Todos os ambientes da sociedade precisavam ser transformados em um campo de reeducação para que a ideologia pudesse entrar na alma de todos os chineses e ninguém ficasse de fora do programa do Partido Comunista. “Mao intensificou o terror da sociedade. Escolheu como seu primeiro instrumento de terror jovens das escolas e universidades. Em 18 de junho 1969, muitos professores e funcionários da universidade de Pequim foram arrastados diante da multidão e maltratados; seus rostos foram pintados de preto e puseram chapéus de burro em suas cabeças. Forçaram-os a ajoelhar, alguns foram espancados e, as mulheres, sexualmente molestadas. Episódios semelhantes se repetiram em toda a China provocando uma cascata de suicídios." Jon Halliday em Mao a história desconhecida Cia das Letras pg Esses eventos tiveram uma grande influência mundial. O Partido Comunista Francês chegou a declarar apoio à Revolução Cultural da China. A ideia de uma revolução cultural já vinha sendo gestada no movimento comunista desde o final da década de 20, quando pensadores começaram a observar os rumos da ditadura stalinista na União Soviética e repensar o marxismo. Grupos de intelectuais discutiam a diminuição dos argumentos econômicos e a adesão pela reforma daquilo que entendiam como verdadeiro motor da história: a cultura. Com a disseminação da revolução cultural chinesa, essas ideias ganharam exemplos práticos e entusiasmaram parte da intelectualidade europeia. A França vivia a década do pós-guerra e seu presidente sofria duro enfrentamento da oposição socialista. Foi em 1968 que a história da educação marxista sofreu seu ponto de inflexão. Por volta das nove e meia da noite, mais de vinte mil alunos se reúnem nas ruas de Paris. O clima de revolta insufla os ânimos. Barricadas estão erguidas. A polícia ronda os estudantes. Às 2h15, o conflito começa. Gás lacrimogêneo, coquetéis molotov e pedras voando transformaram a noite das barricadas em um marco histórico. Estudantes denunciavam o capitalismo e reivindicavam reformas nas universidades. Em pouco tempo, as pautas cresciam e motivavam protestos cada vez maiores. Estudantes começam a exigir a renúncia do presidente e a convocação de eleições gerais. Acalorados debates de intelectuais e militantes começavam a dividir ideologicamente os protestos. Em poucos dias, Paris transformou-se em um palco de confronto entre policiais e manifestantes, paralisando milhões de trabalhadores numa greve sem precedentes. Um dos símbolos do protesto foi “O Livro Vermelho” de Mao Tsé-Tung. Estudantes inspiravam-se na revolução cultural chinesa, onde o governo usou massas de jovens como tropa de choque contra os adversários do regime. “Eu era professor em Nanterre em 1968. Eu era professor do Cohn-Bendit, que hoje é deputado pelos verdes na Alemanha. Ele foi o símbolo, ele e outros lá, daquele negócio. Aquilo me chamou muito a atenção, porque, de alguma maneira, ali você via uma sociedade que queria mudar e não era em função do que nós tínhamos aprendido a vida inteira, só da luta de classes como motor da história. Ali, era uma crise e, ao mesmo tempo, havia também, havia luta sindical e tal, mas era, ao mesmo tempo, uma crise cultural, existencial. Eu estava vindo do Chile naquela época, onde a Era Guevara que predominava, guerrilha, anti-imperialismo, a luta de classes. Em Nanterre não era nada disso. É proibido proibir. O amor é livre. Eram temas existenciais. E, nos desfiles pelas ruas de Paris, andavam com a bandeira negra. A bandeira negra era a bandeira anarquista, que nem sabiam o que era. E a internacional socialista, comunista, dizia assim: ‘de pé, os famintos da terra’. Eles cantavam isso. Nanterre ficava situada na zona rica da França, perto de seizième, que é um quartier rico de Paris. Então não tinha nada a ver. Mesmo os trabalhadores que fizeram greve também, na França, não eram os trabalhadores esquálidos da América Latina, eram gordinhos e, cantavam, de pé, os famélicos da terra. Havia uma certa desconexão.” Os acontecimentos tornaram-se um marco histórico, amplificando a ideia de que a verdadeira infraestrutura da sociedade não era os modos de produção, mas a cultura, que seria a nova linha de frente do movimento socialista. Fernando Henrique Cardoso Desta época não restou apenas a história, mas toda uma nova era das ciências sociais. Até hoje, os pensadores envolvidos direta ou indiretamente com o Maio de 68 são autores prestigiados na Academia, que lideram a produção intelectual das universidades brasileiras e inauguram uma bibliografia absorvida pelas nossas instituições de ensino. “O sinal de sucesso de 68 é invisível, nem o percebemos como 68, é simplesmente parte dos nossos costumes. A outra coisa é que 68 foi a última grande tentativa de questionar os fundamentos do nosso modo de vida: seria o sistema capitalista o último horizonte? 68 foi o último momento em que as pessoas, não apenas alguns dinossauros marxistas sobreviventes, estavam fazendo essa pergunta.” Slavoj i ek “O 68 foi um movimento anárquico de destruição da autoridade, das hierarquias, em nome de um ideal que parecia muito generoso, que era a igualdade. Tudo deveria ser respeitado, devia desaparecer qualquer forma de hierarquia que estabelecesse uma superação, uma discriminação, uma qualificação das culturas ou dos saberes. Mas esse ideal generoso, em que foi traduzido? Foi traduzido em uma confusão em que é muito difícil você fazer qualquer tipo de classificação ou avaliação da obra artística, mas também dos sistemas de pensamento e, inclusive, dos valores, dos valores morais, dos valores cívicos, e isto nos levou à extrema confusão que caracteriza nossa época.” Mario Vargas Llosa “Para começar, o que mais me impressionou sobre esses estudantes nas ruas, foi o sentimentalismo de sua raiva, era tudo sobre eles mesmos, não era nada objetivo. Ali estavam baby boomers mimados de classe média que nunca tiveram que lidar com nenhuma dificuldade real, gritando desesperadamente nas ruas, queimando carros pertencentes a proletários comuns de quem pretendiam defender de alguma estrutura opressiva imaginária erguida pela burguesia. A coisa toda era uma ficção completa baseada em ideias antiquadas de Karl Marx; ideias que já eram excessivas em meados do século XIX. Eles estavam encenando um drama que eles mesmos escreveram, onde o personagem central eram eles mesmos.” Roger Scruton “O sinal de sucesso de 68 é invisível, nem o percebemos como 68, é simplesmente parte dos nossos costumes. A outra coisa é que 68 foi a última grande tentativa de questionar os fundamentos do nosso modo de vida: seria o sistema capitalista o último horizonte? 68 foi o último momento em que as pessoas, não apenas alguns dinossauros marxistas sobreviventes, estavam fazendo essa pergunta.” Slavoj i ek “O 68 foi um movimento anárquico de destruição da autoridade, das hierarquias, em nome de um ideal que parecia muito generoso, que era a igualdade. Tudo deveria ser respeitado, devia desaparecer qualquer forma de hierarquia que estabelecesse uma superação, uma discriminação, uma qualificação das culturas ou dos saberes. Mas esse ideal generoso, em que foi traduzido? Foi traduzido em uma confusão em que é muito difícil vocêfazer qualquer tipo de classificação ou avaliação da obra artística, mas também dos sistemas de pensamento e, inclusive, dos valores, dos valores morais, dos valores cívicos, e isto nos levou à extrema confusão que caracteriza nossa época.” Mario Vargas Llosa “Para começar, o que mais me impressionou sobre esses estudantes nas ruas, foi o sentimentalismo de sua raiva, era tudo sobre eles mesmos, não era nada objetivo. Ali estavam baby boomers mimados de classe média que nunca tiveram que lidar com nenhuma dificuldade real, gritando desesperadamente nas ruas, queimando carros pertencentes a proletários comuns de quem pretendiam defender de alguma estrutura opressiva imaginária erguida pela burguesia. A coisa toda era uma ficção completa baseada em ideias antiquadas de Karl Marx; ideias que já eram excessivas em meados do século XIX. Eles estavam encenando um drama que eles mesmos escreveram, onde o personagem central eram eles mesmos.” Roger Scruton “Na verdade, a primeira vez que eu li Paulo Freire foi num intercâmbio que eu fiz no Japão. E era uma professora americana, que dava uma matéria de educação, e ela recomendou que a gente lesse o “Pedagogy of the oppressed” (A pedagogia do oprimido). E era o livro principal da matéria dela sobre educação. Mais recentemente, pelo meu interesse em educação, eu voltei um pouco a ler Paulo Freire e o que me chocou dessa vez é que o Paulo Freire é completamente honesto, aberto e explícito acerca da politização da sala de aula. As pessoas não tem noção do que é, verdadeiramente, a obra de Paulo Freire. O Paulo Freire é um desses símbolos, um desses intelectuais que acabou virando uma bandeira e as pessoas olham para o Paulo Freire e imaginam o que elas querem imaginar.” Gustavo Maultasch “Como ele sempre disse, ele nunca teve a pretensão de ser original. Então, ele consolidava experiências pedagógicas de diferentes tempos, de diferentes pedagogos. O método Laubach. Nós vamos ter a presença de Anísio Teixeira dentro de seus ensinamentos. Nós vamos ter uma leitura de Sartre, desses movimentos e desses intelectuais que conseguiram alcançar alguma espécie de prestígio em nível mundial. E Paulo Freire será um leitor voraz desses homens e aplicará, ao seu modo, uma leitura de um marxismo um tanto quanto vulgar. Ele vai substituir o oprimido do processo do trabalho e irá entender o aluno como aquele que está oprimido dentro do processo de alfabetização.” Thomas Giulliano “As pessoas tendem a achar que Paulo Freire é simplesmente uma pessoa generosa, que se importa com os alunos, que se importa com a autonomia do pensar, que se importa com a conscientização. E tomadas assim, soltas, ninguém é contra isso. Ninguém é contra a conscientização, ninguém é contra a autonomia do aluno. Mas quando você vai analisar a obra do Paulo Freire, você vê que ele não fala de uma conscientização qualquer. Ele não quer realmente uma conscientização do aluno para que o aluno, com autonomia, possa formar sozinho a sua própria visão de mundo. Ele não quer isso. Para Paulo Freire, a conscientização, a autonomia do pensar é baseada no que ele chama de pensar certo, que é, fundamentalmente, uma filosofia anticapitalista, antiliberal e a favor da consciência revolucionária, como ele mesmo chama. Paulo Freire diz assim na página 58: ‘como poderiam os oprimidos dar início à violência, se eles são o resultado de uma violência?’. Se você descreve a ordem capitalista como uma ordem de opressão e de violência, você está, não é nem indiretamente, diretamente, você está dizendo que a violência contra essa ordem é uma legítima defesa. E na página 233 que, para mim, é uma das frases mais macabras de Paulo Freire, ele diz assim: ‘a revolução é biófila, é criadora de vida, ainda que, para criá-la, seja obrigada a deter vidas que proíbem a vida.’. Então, a revolução ama a vida, mas, de vez em quando, você precisa tirar umas vidas. Mas não é qualquer vida, só que proíba a vida. E quem vai dizer? A revolução.” Gustavo Maultasch “Por isso que eu chamo “A pedagogia do oprimido” como minimanual do guerrilheiro educador. É porque é Marighella falando. Marighella, se fosse escrever sobre educação, não escreveria diferente.” Percival Puggina “E aí, ele começa a falar do Che Guevara. Che Guevara teve de lidar com isso, com pessoas que saíram, desertaram a guerrilha e foram denunciadas. Ele diz assim, na página 231: ‘algumas vezes, no seu relato, ao reconhecer a necessidade da punição ao que desertou para manter a coesão e a disciplina do grupo, reconhece também certas razões explicativas da deserção. Uma delas, diremos nós, talvez a mais importante, é a ambiguidade do ser do desertor.’ Essa coisa do cara que quer lutar, mas, na verdade, tem a sombra do opressor dentro de si próprio e aí o cara, na verdade, não sabe o que quer de verdade. Então ele precisa do Paulo Freire, ele precisa dos educadores, ele precisa da liderança revolucionária que vai dizer o que ele precisa e para dar o contexto desse episódio aqui, que Paulo Freire se refere a Che, é um episódio da época da guerrilha, em que havia um soldado do grupo de Che Guevara que fugiu, que desertou, e aí, duas pessoas, dois soldados foram mandados para tentar recuperar, resgatar ou encontrar esta pessoa. Uma dessas duas pessoas quis desertar também e comentou com a outra. Essa outra pessoa assassinou essa pessoa que quis desertar, e aí o Che reúne a tropa para explicar a necessidade de você punir com a morte as pessoas que desertassem a guerrilha.” Gustavo Maultasch “Quando Che Guevara discursou na ONU, ele deixou bem claro que fuzilava e que continuaria fuzilando.” Thomas Giulliano “Para Paulo Freire, todavia, Che Guevara foi definido como sinônimo de amor. Isso é muito interessante, por quê? Ele, com uma formação católica, sabia muito bem, porque não era ignorante nesse aspecto, que Deus se definiu como amor. Nós vamos encontrar em uma das cartas a João que Deus se define como amor. Se Che Guevara é sinônimo de amor, logo Che Guevara é sinônimo de Deus para Paulo Freire. E uma vez que ele era um não marxista à brasileira, um marxista vulgar, nós vamos entender que, para Paulo Freire, a assimilação do marxismo era justamente nesse tipo de característica. Ou seja, uma característica messiânica, em que aqueles que atuam na práxis atuam dotados de poderes que os fazem transcender.” Thomas Giulliano “Imagina, a pessoa que, de fato, muito machucada pela vida, que trabalhou na construção civil, que trabalhou numa fazenda, ela chega para uma escola e ele vai usar justamente os termos ligados a profissão da pessoa para ensinar as palavras. É uma técnica para, depois, ele ficar dizendo o seguinte: ‘você tem um chefe, você tem alguém interessado, além que está te explorando’ e ele vai ensinando o marxismo de baixo nível. Eu não sei nem se Paulo Freire leu muito Marx, não.” Rafael Nogueira “O que são as palavras geradoras? Exemplo: eu pego a palavra ‘tijolo’ e eu coloco em um quadro: Ti-jo-lo’. E eu começo um processo de apagar sílabas e letras e vou estimulando que os alunos acessem o que está faltando, acessem os sons, enfim, é uma maneira particular de trabalhar a escrita com a leitura e com a memória fotográfica dessas experiências. Só que o método de Paulo Freire não para necessariamente na apresentação da palavra geradora. A palavra geradora é essencialmente aquilo que parte da realidade do próprio aluno, mas o método de Paulo Freire deve partir da palavra geradora e acessar a conscientização, ou seja: ‘tijolo’. Aí você pergunta, enquanto professor: ‘o que você faz com o tijolo?’. Ai o seu aluno, por exemplo, é pedreiro. E você começa a conversar e, daqui a pouco, você está falando sobre salário, o quanto ele é explorado. Então, as palavras geradoras servem para atingir um nível de consciência social.” Thomas Giulliano “Toda sua ideia é uma tomada de consciência do mundo, por isso que ele fala em pedagogia do oprimido, quer dizer, você precisa ter aquela klassenbewusstsein, a consciência de classe de que fala o Marx. Se você éum proletário, você não está fazendo a revolução porque você tem a ideologia capitalista. Assim que você conscientizar todo proletário, vai todo mundo pegar a foice e sair degolando o patrão. A revolução será inevitável.” Flávio Morgenstern “Então dessa maneira, o Paulo Freire constrói essa conexão entre uma atividade que seria meramente pedagógica, até o exercício político em sala de aula. E eu acho que é inclusive daí, é dessa ponte que ele constrói, que vem a grande fama e a grande aceitação do Paulo Freire. O Paulo Freire constrói essa estrada para dar legitimidade à politicagem que o educador progressista já queria fazer antes. Ele cria um álibi, ele cria um pretexto para você poder falar de política dentro da sala de aula.” Gustavo Maultasch “Esta dialética partia de um ponto fundamental: alienação. Este aluno alienado é o aluno que carrega um hospedeiro, hospedeiro burguês, e cabe ao professor retirar este hospedeiro, dar a consciência para aquele aluno, independentemente da classe social desse aluno.” Thomas Giulliano “O Paulo Freire introduz o conceito de consciência crítica e essa palavra “crítica” vira uma moda. A partir daí, você vai vendo as pessoas sendo reputadas por inteligentes, gritando, reclamando de problemas políticos. O Adler diz claramente: ‘a crítica é uma terceira etapa’. A primeira etapa, você tem uma visão panorâmica, você entende o quadro. A segunda etapa, você analisa, você entende partes constituintes, detalhe por detalhe. Só numa terceira etapa, você vai criticar. O Paulo Freire vende a ilusão de que basta você entender que alguém te explora e começar a vociferar isso em público, que você é inteligente. E aí você vê muita gente ficando critica sem ter entendido.” Rafael Nogueira “O que acontece é que Paulo Freire vai ter uma leitura muito particular de Rousseau e, dentro dessa confusão do “Emílio” de Rousseau, em Paulo Freire, nós teremos, com um pouco mais de Emmanuel Mounier, com esse neomarxismo vulgar, uma visão que o professor deve ser um facilitador não para uma aprendizagem do que há de mais alto, mas para obtenção de uma consciência social. Se existe alienação e a escola deve exercer um papel sine qua non para transformar este alienado em agente da práxis, logo este aluno deverá agir, na sociedade, seja esta sua família ou ambiente civil, o ambiente público, o ambiente comum.” Thomas Giulliano “‘A revolução cultural toma a sociedade em reconstrução em sua totalidade, nos múltiplos quefazeres dos homens, como campo de sua ação formadora.’. Você vê, a revolução cultural para reconstruir a sociedade em sua totalidade. Este é o típico pensamento totalitário.” Gustavo Maultasch “Paulo Freire vai ter citado Mao Tsé-Tung na ‘Pedagogia do Oprimido’, quando ele vai ter, ali, manifestado certo entusiasmo com práticas da revolução cultural chinesa. A conhecida frase de Paulo Freire de que não há saberes que sejam definidos como errados, é uma frase que, dentro do conjunto intelectual de Paulo Freire, apresenta uma incoerência. Paulo Freire não respeitava os saberes que ele entendia como burgueses. Comportamentos, envolvimentos com certos tipos de artistas… Para Paulo Freire, e ele cita nominalmente Beethoven, Beethoven representa um comportamento burguês. Então, para Paulo Freire, na verdade, há saberes sim que merecem destaque e outros que merecem correção. Esta é a frase correta. Mas pensemos: como é que um pedagogo apresenta que tudo vale? Se todo saber é válido, qual o sentido de um professor? Qual o sentido de você exercer uma pedagogia?” Thomas Giulliano “A primeira vez que eu li a carta de despedida de Machado de Assis a Nabuco, eu estava em um trem lotado, lotado, lotado, lotado e eu comecei a chorar, com o transporte brasileiro, com todos os seus problemas. A beleza da literatura é essa: faz com que você transcenda. Você não está necessariamente naquele lugar, você está, naquele momento, no leito de Machado de Assis. Para Paulo Freire, você não deve encarar a literatura dessa maneira. Você deve encontrar, na literatura, explicações sobre a sua realidade, ou seja, há um realismo que empobrece a linguagem, a literatura, o imaginário. Então, se você já nasceu pobre, você já nasce, dependendo do contexto, sem saneamento básico e você tem um pedagogo que determina que a sua vida deve ser restrita àquilo. Então você nasce com cheiro de esgoto e você vai para escola e vai refletir sobre o cheiro de esgoto. Você vai ter passado anos sobre o cheiro de esgoto e a sua vida vai ser pautada apenas sobre o cheiro de esgoto. E veja, eu não defendo uma pedagogia que aliene o aluno, muito pelo contrário.” “A educação paulofreiriana não aceita que você diga, por exemplo, que o rapaz que fala ‘framengo’ está errado. Você não pode, porque você está impondo a sua cultura classista. Isso é a pedagogia do oprimido. O oprimido é o aluno. Ora, se há um oprimido, tem um opressor. Quem é o opressor? O professor.” Ricardo da Costa “Então você não tem meios de você se desaculturar. Você fica preso. Apareceu aquele cretino do Marcos Bagno dizendo ‘não, você ter uma gramática igual para todos é antidemocrático’. Ah, boa é uma gramática para cada classe social? Você aprende aquela gramática da sua classe social e fica preso ali o resto da sua vida, você não consegue falar com o cara da outra classe social. Você cria uma estratificação social hierárquica invencível e você acha que isso é democrático? Para mim, isso é o contrário da democracia. O Paulo Freire cria uma estratificação social invencível. Se você nasceu filho de pedreiro, é para você ficar pedreiro o resto da sua vida. Você se inscreve no partido comunista e continua pedreiro." Olavo de Carvalho Thomas Giulliano A obra de Paulo Freire foi a inscrição pedagógica que o Brasil teve em um movimento global chamado pedagogia crítica. Os autores desta linha pedagógica são, até hoje, majoritariamente presentes nas bibliografias dos cursos universitários. As intenções da Revolução Cultural Chinesa estavam expressas na pedagogia de Paulo Freire, que buscava transformar as escolas em um ambiente de consciência revolucionária. “Vou aqui apresentar dois empregos que Paulo Freire teve durante seu momento de exílio, que são seus grandes empregos. Um deles para o Conselho Mundial de Igrejas e o outro, que ele vai ter trabalhado para a Unesco. No Conselho Mundial de Igrejas, Paulo Freire teve a oportunidade de percorrer diferentes países. Ele fez mais de cem viagens disseminando seu pensamento, tendo obras traduzidas, tendo a oportunidade de utilizar países africanos para aplicar o seu método. Mas note: aqui, nós temos já um ponto que explica, em alguma medida, o próprio prestígio internacional de Paulo Freire. Porque note, Paulo Freire não foi um intelectual que foi conhecido por alguém da Academia norte- americana, por exemplo, e a partir dessa experiência que literária, textual, intelectual, este começou a propagá-lo. Paulo Freire não teve esse itinerário um pouco mais, digamos, tradicional. Paulo Freire, de uma maneira um tanto quanto arbitrária pelo próprio Conselho Mundial de Igrejas, começou a viajar vários países com as suas obras traduzidas, com auditórios preenchidos, com espaços em salas de aula, com uma entrada pela porta da frente em várias universidades, enfim, Paulo Freire foi alguém que chegou pronto nesses espaços. Não foi alguém que foi descoberto. Uma vez que Paulo Freire, nesse final de década de 60, década de 70, está se popularizando dessa maneira, o brasileiro médio recebia tudo isso, todos esses louros, esses títulos, de uma maneira muito eufórica. Afinal, é um brasileiro sendo reconhecido no mundo. Esse vira-latismo que nos acompanha já há muito tempo, em diferentes figuras. E como o próprio Nelson Rodrigues mesmo colocou, o brasileiro buscaria um prêmio Nobel até a nado, porque brasileiro gosta de canudo, gosta de título." “Todos os professores deveriam pensar sobre isso. Olha, quer sejam freireanos ou não, mas ele tinha um convite pra ir pra Europa e ele tinha um convitepara ir aos EUA. Ele foi aos EUA, em Harvard e dessa experiência de um ano numa das duas melhores universidades norte-americanas, ele se refere dizendo que esteve na toca do bicho. Como pode ser educador uma pessoa que visita uma universidade como Harvard e diz que esteve na toca do bicho? Como que uma pessoa com esta incapacidade de ver a realidade, de reconhecer aquilo que é bom, aquilo que produz bom resultado, aquilo que agrega conhecimento e continua vendo a educação com os mesmos olhos e chama de toca do bicho, como se ali estivesse um fator de destruição do que, Paulo Freire, do quê?” Percival Puggina Thomas Giulliano Thomas Giulliano "Enquanto Paulo Freire esteve no exílio, os militares acenturaram o papel do Ministério da Educação que nasceu em um espaço ditatorial, em uma ditadura muito mais severa que a que o Brasil experienciou com os militares no poder. Então aquilo que outrora existiu no aparelho estatal de Getúlio Vargas, com a sucessão do Estado Novo, com a presidência de Dutra e com todos aqueles que vieram na sequência, até chegarmos, por exemplo, em Figueiredo, nós vamos ter um Brasil ainda mais tentacular, inclusive na pasta de educação.” Com a promessa de espantar as ameaças comunistas do país, os militares seguraram o governo do Brasil em suas mãos durante vinte e um anos. Com o total desgaste das Forças Armadas, a esquerda universitária assumiu um protagonismo que até então não conhecia. “Ao longo do período militar, ao longo do regime, lentamente, as estruturas educacionais foram sendo aparelhadas. Não havia concurso público, os professores eram convidados nas universidades e tal. Quando eu ingressei na universidade, em 81, ainda no que foi chamado de distensão lenta e gradual, eu já tive professores da Santa Úrsula que faziam uma doutrinação bibliográfica. Por exemplo, eu fui doutrinado na Universidade a não ler, de modo algum, Gilberto Freyre, porque ele havia defendido a ditadura. O professor, em sala de aula, ainda no regime militar: ‘não, vocês não o leiam ‘Casa-Grande & Senzala’.” Ricardo da Costa “Evidentemente, você tem a repressão. Quer dizer, o decreto 477, que chamava o decreto-lei que criava muita perseguição em cima de estudantes que podiam ser demitidos dos cursos das universidades, professores, você tem muitas cassações de professores que são postos para fora da universidade por atos do governo”. Simon Schwartzman “Eu acho que o domínio da esquerda nas universidades se caracterizou de forma mais evidente a partir da guerra fria que, aqui no Brasil, significou ditadura, que foi a guerra fria no Brasil. Agora, se você for para trás, se você for para a Europa, por exemplo, e você pensar, antes da Segunda Guerra Mundial, no período entre as duas guerras, em que você já tem, grosso modo, as ciências humanas já era parceira do projeto soviético. Inclusive, teve gente como Sartre, Simone de Beauvoir, ficou defendendo a violência soviética anos e anos, porque, quando veio a guerra fria na Europa, a maior parte dos intelectuais estava do lado da União Soviética. Então, assim, não foi propriamente a ditadura que inventou o intelectual de esquerda”. Luiz Felipe Pondé “Não tiveram a percepção que o ovo da serpente se encontra na educação. O Brasil tem uma longa tradição de esquerda, desde o início do século com os anarquistas, desde a década de 30 com a expansão do comunismo, da União Soviética. A história registra espiões enviados ao Brasil para participar da revolução. Houve a intentona comunista. Mas a coisa se intensificou, de fato, no início da década de 60. A grande revolução cultural, o ‘é proibido proibir’ de Paris e tal, e, aqui no Brasil, foi decidido, pelas esquerdas, esse ataque à educação, à cultura.” Ricardo da Costa “Enquanto Paulo Freire esteve fora do Brasil, seus textos aqui circularam, ele foi alçado a um protagonismo ainda maior pelo Conselho Mundial de Igrejas no exterior. Então, censurado no papel, sim. Todavia, na prática, na realidade, não era o que acontecia. E ficaram tanto tempo no poder com a justificativa de limpar o brasil em aspas do comunismo e deixaram tudo preparado para os comunistas.” Thomas Giulliano "É absolutamente falso dizer que as nossas Forças Armadas libertaram o Brasil do comunismo. Absolutamente falso.” Olavo de Carvalho “E foi exatamente o período de infiltração, onde efetivamente começou a tomada do espaço acadêmico brasileiro, especialmente nas universidades federais, por intelectuais de esquerda. Muitos que saíram daqui, por motivos políticos, foram fazer seus cursos na Europa, se especializaram, voltaram e passaram a ocupar cátedras aqui.” Percival Puggina “Ele vai ser popularizado de uma maneira bastante expressiva, como raríssimos intelectuais no Brasil conseguiram, de fato, ser assim. Ele era intelectual público de muito prestígio, com uma comunicação com os jovens muito acentuada. Ele tinha uma relação direta/indireta com muitos constitucionalistas da Constituição de 88. Enfim, Paulo Freire tinha uma leitura política muito bem acabada, que ele desenvolveu em parceria com homens como José Dirceu, Lula, Frei Betto, Dom Paulo Evaristo Arns. Quando Paulo Freire volta ao Brasil, Fernando Henrique Cardoso disse: ‘Alguém precisa contratá-lo, alguém precisa’. Paulo Freire foi contratado pela Unicamp, foi contratado pela PUC, a PUC, quem o contratou? Dom Paulo Evaristo Arns, que é um dos maiores disseminadores da teologia da libertação no Brasil. E Paulo Freire não vai mais interpretar a pedagogia brasileira, ele vai envolver-se. E esse envolvimento se acentua com a fundação do próprio Partido dos Trabalhadores.” Thomas Giulliano “Pela primeira vez, eu me senti à vontade dentro de um partido cujo sonho coincide com os sonhos antigos meus. E eu costumo sempre dizer que eu esperei um largo tempo de minha vida pelo PT". Paulo Freire “Narra a viúva de Paulo Freire que o Lula sempre reconheceu que Paulo Freire é um dos fundadores mais importantes da história do PT. O que nós vamos ter? 85, processo de redemocratização, o PT já é um partido de fato consolidado. E com as eleições de 88, nesse limiar 89, Erundina vence em SP e ela convida Paulo Freire para ser secretário de educação. Thomas Giulliano “Paulo Freire foi secretário de educação da Luiza Erundina. Seu grande e maior legado é coisa de que a esquerda tem mais vergonha em todo Brasil: a aprovação automática. Quer dizer, mesmo que você não tenha aprendido nada, você sai da primeira série para a segunda; você sai da segunda e vai pra terceira; assim você chega na oitava com conhecimento de primeira série e está sendo aprovado, e sendo aprovado, e assim por diante.” Flávio Morgenstern “E dentro dos alunos mais celebrados de Paulo Freire na execução da secretaria de educação, nós vamos ter ele alçando Mário Sérgio Cortella, Marta Suplicy, e outros. Marta Suplicy também foi prefeita de São Paulo.” Thomas Giulliano “Bem, Paulo Freire morre em 1997 e, muito importante que se diga que, diferentemente de outros intelectuais brasileiros, Paulo Freire não se retratou. As posições que tinha politicamente, basicamente as manteve por inteiro. Nós vamos encontrar em ecos laterais algumas críticas ao stalinismo. Todavia, Paulo Freire morreu entendendo Che Guevara, por exemplo, como sinônimo de amor. Ele morreu entendendo que a revolução cultural chinesa foi uma boa tentativa de aplicação pedagógica. E por que eu digo isso? Principalmente no exemplo de Cuba, porque Paulo Freire tinha uma viagem marcada em 97 para revisitar Cuba e a impressão que Paulo Freire tinha em 97, segundo seus próprios biógrafos de maior prestígio, por exemplo, o próprio Sérgio Haddad, Paulo Freire, em 97, entendia Cuba como um país sem desigualdade, como um país com excelentes índices em educação, enfim” Thomas Giulliano “É claro que as experiências feitas pelos países comunistas simultaneamente desmentiam o discurso. O que eu não entendo é que, passado tanto tempo, esse discurso e essa personagem continue a mobilizar, a inspirar e se tenha transformado em ummito dentro da educação brasileira, um ser quase uma divindade, quase intocável. Escrever contra Paulo Freire suscita iras cósmicas.” Percival Puggina "Ainda neste tema de que o professor deve trabalhar a conscientização e deve ser o exemplo também dessa conscientização, Paulo Freire diz o seguinte: ‘Que podem pensar alunos sérios de um professor que, há dois semestres, falava com quase ardor sobre a necessidade da luta pela autonomia das classes populares e hoje, dizendo que não mudou, faz o discurso pragmático contra os sonhos e pratica a transferência de saber do professor para o aluno?!’". “A última obra escrita por Paulo Freire ainda em vida foi ‘Pedagogia da autonomia’, que, em um intervalo de menos de 10 anos, já ultrapassava quase 700 mil cópias vendidas.” Thomas Giulliano “Ele diz assim: ‘não posso proibir que os oprimidos com quem trabalho numa favela votem em candidatos reacionários, mas tenho o dever de adverti-los do erro que cometem, da contradição em que se emaranham. Votar no político reacionário é ajudar a preservação do status quo. (...) Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais. Sou professor contra a ordem capitalista vigente que inventou esta aberração: a miséria na fartura.’ Gustavo Maultasch Gustavo Maultasch "Vamos analisar. Primeiro, ele fala assim: ‘que que os alunos podem pensar de um professor que falava com ardor sobre a necessidade da luta pela autonomia das classes populares?’. Vamos parar aqui. O que o professor está fazendo em sala de aula, falando sobre a necessidade de luta das classes populares? Esse é o primeiro ponto. E o segundo ponto é o seguinte: é esse professor dizendo que ‘nada mudou, agora faz o discurso pragmático contra os sonhos, e pratica a transferência de saber’. Quer dizer, e agora tá ensinando? Olha a inversão completa. Quer dizer, ele está criticando o professor que resolveu parar de falar de política e ensinar." Gustavo Maultasch Se você for ler Paulo Freire com atenção, esses pontos dele de conscientização contra a ordem capitalista e promoção de consciência revolucionária, esses pontos são tão explícitos, são tão abertos que você fica pensando assim: ‘por que que isso foi dito dessa maneira tão aberta?’. Eu não tenho certeza sobre isso, mas tenho algumas hipóteses e uma delas é que, até recentemente, no Brasil, você praticamente só tinha um consenso de esquerda no meio político e cultural. Então, com isso, muito do que o Paulo Freire fala, eu tenho a impressão de que ele não se via como um ideólogo fanático como ele realmente é. Ele não se via assim. Ele se via, simplesmente, como o bom senso. Existe a esquerda, que é o bom senso e existe o resto, que é a ‘malvadez neoliberal’, como ele chama, que são os capitalistas, que são os exploradores. ‘Capitalismo mata as pessoas, o capitalismo é exploração, o capitalismo provoca a miséria na fartura’, como ele diz. Então, acho que essa é uma hipótese para explicar por que essa, vamos dizer, ideologia tão explícita, misturada com o que deveria ser uma proposta pedagógica.” “Ele, em nenhum momento, escondeu o que pensava. Ele não foi algo subjetivo, em que você tinha que acessar camadas de sua personalidade para entender o que ele de fato pensa sobre as coisas. Não, ele foi explícito. E note: Fernando Gabeira, Ferreira Gullar e outros arrependeram-se daquilo que defenderam nas décadas, por exemplo, do período militar, em vários aspectos, e afirmavam que, no período militar, vários revolucionários de esquerda queriam o que? A ditadura do proletariado. Paulo Freire, diferentemente desses homens e de outros, em nenhum momento se retratou. Cabe a pergunta: como a “Pedagogia do oprimido” é lida com tamanha apologia a criminosos, e as pessoas passam por esses textos de uma maneira tão indiferente? Note, você pode até ter uma visão de que o Estado deve participar da educação, que o MEC é fundamental, você pode ter uma visão à esquerda, você pode ter uma visão seja o que for. Agora, você passa impune a um homem que justificava a revolução, que chamava Che Guevara de sinônimo de amor, que justificou a revolução cultural chinesa, você passa impune por isso? Impune? Coloque-se no lugar de um desse homens que, de fato, ao longo das décadas, sofreram com esse tipo de tirania. Com essas tiranias. A própria ideia de discutirmos Paulo Freire, já é em si um problema, porque note, ele defendeu genocidas e morreu defendendo genocidas. Ele tem uma escultura ao lado da escultura de Mao Tsé-Tung. Qual o mérito nisso? Você tem uma escultura ao lado de Mao Tsé-Tung! E essa escultura é celebrada por muitos freireanos. Eu teria vergonha do meu maior intelectual, do meu símbolo pedagógico, ter uma escultura ao lado de Mao Tsé-Tung, o maior genocida da história da humanidade. O maior genocida da história da humanidade. Isso é bom de ser dito sempre. E é celebrado como se fosse o maior gênio da pedagogia que o Brasil foi capaz de produzir e ainda é capaz de produzir, porque ele é tratado de um modo quase insuperável. Ouse questioná-lo. Que intelectual é esse que você não pode questionar? Que trabalho intelectual é este que você não pode questionar? Paulo Freire questionava Beethoven, questionava Platão, mas o seu pensamento não pode ser questionado? Se fossemos um país saudável, reitero isso: Paulo Freire não seria debatido. Debateríamos o que? Entendimento sobre sistemas pedagógicos, sobre o papel do Estado na educação, enfim, debates elevados, sobre temas elevados. Ele é debatido porque somos um país socialmente doente.” Gustavo Maultasch Thomas Giulliano A ditadura cubana, liderada por Fidel Castro e Che Guevara, foi responsável pela morte de mais de 300 mil pessoas. Em último lugar em quase todos os índices econômicos e sociais da América, até hoje os cubanos tem dificuldade de sair do país sem autorização do partido. Suspeita-se que a revolução comunista da China, liderada por Mao Tsé-Tung, seja o maior genocídio da história da humanidade. Ainda não conhecemos os números exatos, que variam de 40 a 80 milhões de mortos. Campos de trabalho forçado ainda são uma realidade para os chineses. Admirador confesso dessas duas experiências, Paulo Freire foi declarado patrono da educação brasileira em 2012. Continua...