Buscar

POMMIER, Gérard - O amor ao avesso

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 480 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 480 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 480 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

G é r a r d P o m m i e r 
° A M O R 
E n s a i o sobre a 
s f e r ê n c i a 
I em psicanálise 
e d i t o r a 
I m p õ e so a q u i u m a r e f l e x ã o c r í -
t i c a , p o i s s u s t e n t a r q u e a d u r a ç ã o 
d a s s e s s õ e s se r e l a c i o n a c o m a 
p r o p o r ç ã o d a t r a n s f e r ê n c i a p a r e -
c e d a r u m a i m p o r t â n c i a 
e x o r b i t a n t e a o l i v r e a r b í t r i o d o 
a n a l i s t a . U m a t a l l i b e r d a d e n ã o 
a m e a ç a f a z e r d e s t e ú l t i m o u m 
m e s t r e d a d u r a ç ã o , q u e e l e p o d e -
ria d e l i m i t a r s e g u n d o s e u c a p r i -
c h o ? D e m a n e i r a m a i s r e a l i s t a , 
u m o b s e r v a d o r i m p a r c i a l p o d e -
ria t a m b é m e s t i m a r q u e e s t a d u -
r a ç ã o v a r i a s e g u n d o o q u e es te 
p r a t i c a n t e é c a p a z d e s u p o r t a r . 
E s t e o b s e r v a d o r p e n s a r á q u e a 
s e s s ã o c o n t i n u a a t é o l i m i t e d o s u -
p o r t á v e l , c r i t é r i o c e r t a m e n t e i m -
p r e c i s o , m a s q u e n ã o d e i x a d e t e r 
u m a c e r t a p e r t i n ê n c i a , p o s t o q u e 
o q u e es te a n a l i s t a n ã o s u p o r t a r á 
m a i s n u m d e t e r m i n a d o m o m e n -
t o s e r á o risco d e d e s a p a r e c e r , d e 
ser a n i q u i l a d o n o m a r d a t r a n s f e -
r ê n c i a . A s s i m e l e t e r á a t i n g i d o 
e s t e p o n t o m a t e m á t i c o o n d e a 
a b e r t u r a d o c o r t e t e r á e x e r c i d o 
s e u e f e i t o d e r e t o r n o 
d e s n a r c i s a n t e , e n c r u z i l h a d a q u e 
é m e l h o r , d e f a t o , n ã o u l t r a p a s -
sar . S e o t e m p o n ã o é d i n h e i r o 
( n a á r e a c a t ó l i c a e r o m a n a a o m e -
n o s ) , e n t ã o a d u r a ç ã o d a s e s s ã o 
s e r á a d a c u l p a b i l i d a d e t r a n s f e -
r e n c i a i d o a n a l i s a n t e . Se o a n a -
l i s t a se d e i x a a r r e b a t a r a l é m d e s -
t a b o r d a , t e r á p o u c a c h a n c e d e 
p o d e r r e m o n t a r a c o r r e n t e d o s 
a c o n t e c i m e n t o s d a p a l a v r a . E i s t o 
t a n t o m a i s q u e , p a s s a d o e s t e 
c u m e . s e u a n a l i s a n t e c o m e ç a r á a 
se a n g u s t i a r , a p o n t o d e p r e f e r i r 
l i m i t a r - s e e s p o n t a n e a m e n t e a f a -
l a s s e m i m p o r t â n c i a . T a l v e z e l e 
t e n h a m e s m o a b o a i d é i a d e d o r -
m i r , o q u e , e m t a i s c i r c u n s t â n c i -
as , c o n s t i t u i r á a m e l h o r p r o t e ç ã o 
d o n a r c i s i s m o . Q u e p o s s u a e n t ã o 
u m b o m d e s p e r t a d o r ! 
O A M O R 
A O 
A V E S S O 
Ensaio sobre a transferência em psicanálise 
G É R A R D P O M M I E R 
0 A M O R 
A O 
A V E S S O 
Ensaio sobre a transferência em psicanálise 
T r a d u ç ã o 
Sandra Regina Felgueiras 
;t,a> 
de, Ft&COct 
e d i t o r a 
TÍTULO ORIGINAL: 
L'AMOR A L/ENVERS 
ESSAI SUR LE TRANSPERT EN PSYCHANALYSE 
O Direitos de edição em língua portuguesa by Editora COMPANHIA DE FREUD 
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA 
FA - Editoração Eletrônica 
TRADUÇÃO E REVISÃO 
Sandra Regina FeJgueiras 
ILUSTRAÇÃO DE CAPA 
Detalhe: Augiist Rodin 
The DcvicTs Hand- 1902 - Muscc Rodin 
IMPRESSÃO 
Markgraph 
FICHA CATALOGRÁF1CA 
P787a 
Pommier, Gérard. 
O amor ao avesso: ensaio sobre a transfe-
rência em psicanálise / Gérard Pommier; tra-
dução: Sandra Regina Felgueiras - Rio de 
Janeiro : Companhia de Freud, 1998. 
480 p . ; 23 cm. 
ISBN 85-85717-14-9 
Tradução de: L'amor a 1'envers. 
1. Transferência (Psicologia). 2. Psicaná-
lise. I . Título. 
CDD-154-24 
de- f-tL&COcC 
e d i t o r a 
ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA 
Rua Visconde de Pirajá, 547 - Sala 702 
Cep 22415-900 - Ipanema - Rio de Janeiro 
TeL (021) 540-7954 - Telefàx; (021) 239-9492 
emaíl: tereza@ism.com.br 
mailto:tereza@ism.com.br
A 
- / J . psicanálise foi inventada por um médico na preocupação de tratar. Sabemos, por 
este fazer Freud elabora rapidamente uma técnica apoiada na transferência, "sentimento 
dirigido àpessoa do analista " Uma definição tão sucinta signifíca que o sintoma — que 
um primeiro amor traumatizante nodulou — poderia ser desnodulado pelo amor de 
transferência ? 
Para responder a esta questão, seria preciso desmontar os diferentes empuxos do 
dispositivo analítico. São empuxos complexos, e os textos dos autores clássicos os estu-
dam geralmente de forma dispersa. Assim com a identificação e a pulsão, o signiôcante 
e a letra, o sintoma e a angústia. Que articulações existem entre estes diferentes termos 
e como se ordenam eles na transferência?É a este esforço de claiif cação que se prende 
este ensaio, que toma seu ponto de partida na palavra analisante e no saber inconsciente 
que ela encobre. Ele estuda cada vez mais de perto seus efeitos, ou seja, a identificação 
transferenciai e o objeto pulsional que ela põe em jogo, que bordejam o teiritório onde 
o sintoma se encarcera. O avanço da cura procede disso, assim como os limites com que 
ela se confronta. 
Esta exposição não é somente uma obrigação didática, segundo a qual seria pre-
ciso progredir do mais fácil para o mais difícil. Éa própria temporalidade da análise que 
ela busca descrever, de seu início a seus fins. Ao cobrir um circuito tão complexo, este 
ensaio não pretende resolver todas as questões, mas gostaria de pelo menos colocá-las, 
mostrando suas conexões. 
D o MESMO A U T O R : 
D'unelogiquc deIapsychosc, 1983, Point Hors Ligne, Franco 
Angeli (Milão), Paradiso (Barcelona) e Catálogos (Buenos 
Aires). 
L 'excepúon femimne, 1985, Point Hors Ligne, Alianza Edito-
rial (Buenos Aires) e Zahar (Rio de Janeiro). 
Ledénouementduneanalyse, 1987, Point Hors Ligne, Nueva 
Vision (Buenos Aires) e Zahar (Rio de Janeiro). 
Li névroseiníàntile de JapsychanaJyse, 1989, Point Hors Ligne. 
L 'ordre sexuel, 1989, Aubier. 
Libido Ulimited—Freud apolidque?, 1990, Point Hors Ligne, 
Artes Médicas (Porto Alegre). 
Naissance et renaissance de 1'écriture, 1992, PUF. 
Du bon usagc éroúque de la colete, 1994, Aubier. 
í n d i c e 
O J O G O D A A S S O C I A Ç Ã O L I V R E 9 
Generalidade da t ransferência 11 
T r a n s f e r ê n c i a positiva, negativa, neutra 41 
O efeito sujeito 67 
O que se trata de fazer operar durante a cura: o saber inconsciente, b inár io 83 
O MURO DA TRANSFERÊNCIA 117 
O que quer o analisante? 119 
O obs tácu lo e a deriva, o e s p a ç o - t e m p o da t ransferência 141 
As iden t i f i cações na t ransferência 165 
Iden t i f i cação do analista na t ransferência 197 
A quadratura da t ransferência 213 
PRIMEIROS RESULTADOS 
L I M I T E S D A C I R A N D A 223 
D e c i f r a ç ã o e r e fe renc iação 225 
É isso! 239 
Travessia do plano da ident i f icação 255 
O PONTO DE APOIO VELADO DA CURA: A PULSÃO 273 
O psicanalista é verdadeiramente a lguém, ou, melhor ainda, alguma coisa? 275 
É v o c ê o u eu, o narcisismo é un i lá te ro 299 
R e l a ç ã o entre a pulsão e a ident i f icação 307 
O corte 329 
U m a nota sobre a d u r a ç ã o da sessão 349 
Os diferentes destinos da pulsão e seu recalque, problema principal na cura 359 
Imagens fixas 377 
A suspensão do recalque pulsional na t ransferência 385 
O Q U E SE C O N C L U I E M A N Á L I S E 395 
O b s e r v a ç õ e s sobre os limites do efeito t e r a p ê u t i c o da t rans fe rênc ia 397 
Saber fazer c o m seu sintoma 415 
U m a obse rvação sobre o desejo do analista 431 
A QUESTÃO DA TRANSFERÊNCIA NAS PERVERSÕES 
E N A S PSICOSES 439 
Suspensão do recalque e pe rve r são 441 
O b s e r v a ç ã o sobre a t ransferênc ia na psicose 455 
R e c a p i t u l a ç a o das modalidades da t ransferência segundo os tipos c l ín icos 
O J O G O 
D A 
A S S O C I A Ç Ã O L I V R E 
G e n e r a l i d a d e d a t r a n s f e r ê n c i a 
Transferência originária, transferências secundáriasI 
Quaisquer que sejam as capelas do império freudiano, concorda-se em 
v e r na t r a n s f e r ê n c i a a mo la -mes t r a da cura ana l í t i ca . E n t r e t a n t o , seu c a m p o de 
a p l i c a ç ã o é f r e q ü e n t e m e n t e o b j e t o de r e s t r i ç õ e s . Q u a n d o a e x i s t ê n c i a da trans-
f e r ê n c i a é r e c o n h e c i d a na psicose e na p e r v e r s ã o , é para subl inhar que seu p r o -
cesso bate n u m escolho, o do a m ó d i o * se se pode chamar assim, depois de 
L a c a n , a e s p é c i e de ó d i o engendrada pe lo amor . . . " V i o l ê n c i a , p e r s e c u ç ã o , 
e r o t o m a n i a , e x c l a m a r á tal psicanalista: c o n c o r d e m c o m i g o , u m a t r a n s f e r ê n c i a 
q u e n ã o se p o d e analisar ainda merece este nome? E se u m perverso v e m ve r 
v o c ê , caro colega, sua i n i c i a t i v a t e m o u t r o o b j e t i v o que o de gozar de v o c ê ? E le 
b u s c a r á e m v o c ê u m a figura talvez a t í p i c a , n o entanto m o d e r n a e exci tante da 
l e i pa t r ia rca l ! C o m o , nestas c o n d i ç õ e s , falar ainda de ps i caná l i s e? D i v e r t e - o ser 
o masoquis ta de u m s á d i c o , o u v o c ê g o z a r á as c o n t o r ç õ e s de u m exibic ionis ta?" . . . 
D e f o r m a que , u m a vez fe i t a a lista das impossibi l idades, o d i spos i t ivo f r e u d i a n o 
s e r á r e d u z i d o à p o r ç ã o c ô n g r u a da neurose, se n ã o é t a m b é m d i m i n u í d o e m 
f u n ç ã o da idade , da gravidade de certos sintomas, o u de u m n í v e l c u l t u r a l m u i t o 
r u d e . P o r l i m i t a ç õ e s e r e s t r i ç õ e s , a t r a n s f e r ê n c i a t e r á sido assim reduz ida a u m 
m o d e s t o i n s t r u m e n t o cujas i n d i c a ç õ e s s e r ã o discutidas antes de e m p u n h a r sua 
ca ixa de fe r ramentas . 
* E m f r a n c ê s , Hainamoration. ( N T ) 
12 O AMOR \0 AVESSO 
T o d a v i a , mais que d i s t i n g u i r c o m sutileza a f o r m a , o t i p o , o g ê n e r o se-
g u n d o os quais ela seria ef icaz, o b s t á c u l o o u r e s i s t ê n c i a , p o r que n à o e x a m i n a r a 
c o n s t â n c i a deste i m p u l s o secreto que leva cada u m a falar? C o m c o n f i a n ç a , o u 
c o m d e s c o n f i a n ç a , mas, e m todos os casos, os seres h u m a n o s t o m a m u m o u 
mais semelhan tes c o m o i n t e r l o c u t o r e s i n e v i t á v e i s . N e n h u m p e n s a m e n t o , 
v i l i p e n d i o s o o u e logioso , que n ã o se enderece ao p r ó x i m o ! A a b s t r a ç ã o m e t a f í s i c a 
d o mais s o l i t á r i o filósofo espera encon t r a r u m eco. O poeta trabalha pela m u d a 
beleza de u m m u n d o que ele p r o c u r a fazer c o n c o r d a r c o m a sonor idade das 
palavras e, t ã o r e t i r ado q u a n t o seja de qua lque r o u t r a t roca , n ã o m e n o s escreve-
rá para u m de seus i r m ã o s . N u n c a o m í s t i c o su rdo a toda o u t r a v o z que a de 
D e u s f a r á sua e x p e r i ê n c i a f o r a de u m l i a m e re l ig ioso j á r e c o n h e c i d o . C o n s i d e -
r e - o c o m o a n ô n i m o o u o p e r s o n i f i q u e , o pensamen to sempre c o n s t r ó i seu 
luga r de e n d e r e ç a m e n t o , f r e n t e ao qua l a palavra desenvolve suas d e m o n s t r a -
ç õ e s , suas provas , seus efei tos . G r a ç a s a ele, o r a c i o c í n i o ressoa e a r e f l e x ã o se 
r e f l e t e . P o r que n u n c a dispensamos este i r m ã o que nos e m b a r a ç a de t an to que 
nos ajuda? N ã o é ele q u e m , sem a r g ú c i a sup lementar , nos d e m o n s t r a a genera-
l idade da t r a n s f e r ê n c i a ? 
P s i c ó t i c o s o u perversos f r e q ü e n t e m e n t e v ê m v e r psicanalistas: j á que o 
f a z e m , é p o r q u e sempre existe para eles u m lugar de e n d e r e ç a m e n t o , p o r t a n t o , 
u m a t r a n s f e r ê n c i a p o t e n c i a l . D e c e r t o , u m c o n t r a d i t o r p o d e r i a d i ze r que e n c o n -
trar-se c o m u m analista n ã o é su f i c i en t e para d e f i n i r u m a a n á l i s e . E n t r e t a n t o , 
m e s m o se a inda n ã o se trata de a n á l i s e , estes encon t ros s ó se p o d e m desenrolar 
c o m u m analista. É a mesma coisa, a l iás , nas neuroses, du ran t e as entrevistas 
p r ehmina re s . É n e c e s s á r i o i n i c i a l m e n t e e n c o n t r a r este semelhante para o q u a l 
u m t r e c h o de fala é a t i rado ao acaso. S ã o estas palavras atiradas c o m o perdidas , 
vol tadas para o n ã o - c o n h e c i d o , v o c á b u l o s mais o u m e n o s f i r m e m e n t e atados 
que se es tendem, se d o b a m na meada, se desenredam, f a z e m n o v e l o , n ó , e n r e -
dam-se n o v a m e n t e , q u e f a r ã o a pa r t i cu la r idade da t r a n s f e r ê n c i a . 
A p a r t i r deste assu je i tamento de t o d o ser h u m a n o à palavra , de f ine - se 
u m a t r a n s f e r ê n c i a de t oda f o r m a o b r i g a t ó r i a , p o r q u e n i n g u é m pensa sem pa la -
vras que se jam j á par t i lhadas, transferidas. U m a vez a d m i t i d a esta gene ra l idade , 
é u m o u t r o p r o b l e m a e x a m i n a r o que se t o r n a esta t r a n s f e r ê n c i a 1 na psicose, na 
1 Freud ut i l iza pela pr imeira vez o te rmo T r a n s f e r ê n c i a e m francês, e m 1888, no d i c i o -
n á r i o m é d i c o Vi l lare t : ele designa nesta é p o c a , po r " t r an s f e r ênc i a " , a m u d a n ç a de lado 
do corpo do sintonia h i s t é r i co . É nos Études sur 1'hystérie [Estudos sobre a histeriaj 
(1895) que a t r ans fe rênc ia (Übeitragung), comparada a uma falsa n o d u l a ç â o , toma a 
a c e p ç ã o que ainda t e m hoje . 
O JOGO DA ASSOCIAÇÃO LIVRE 13 
neurose o u na p e r v e r s ã o . O a m o r de t r a n s f e r ê n c i a p e r m i t e ques t ionar e o rdenar 
a c l í n i c a , n ã o o c o n t r á r i o . 
I I 
U m c r í t i c o pode r i a e n t ã o pe rgun ta r se u m a t ã o ampla d e f i n i ç ã o da t rans-
f e r ê n c i a conce rne ainda ao d i spos i t ivo da p s i c a n á l i s e . Este só seria o caso se o 
i n c o n s c i e n t e atuasse e m u m a t r a n s f e r ê n c i a t ã o amplamen te de l imi tada . T o d a 
t e o r i a da t r a n s f e r ê n c i a — i n d e p e n d e n t e m e n t e de suas a p l i c a ç õ e s p a r t i c u l a r e s — 
deve e n t ã o estar f u n d a d a e m r e l a ç ã o à p r ó p r i a f o r m a ç ã o do inconsc ien te , quer 
d ize r , a t í t u l o de u m a c o n s e q ü ê n c i a do recalque. C o m o d e f i n i - l a s implesmente , 
s em en t ra r e m c o n s i d e r a ç õ e s m u i t o complexas? 
Seria su f i c i en te dizer , n is to seguindo as pr imeiras c o n t r i b u i ç õ e s de F reud , 
que o reca lque e, c o n s e q ü e n t e m e n t e , o inconsc ien te , resulta de u m p r i m e i r o 
a m o r c u j o t r a u m a f a l t o u esquecer. Imens idade da resposta que f a l t o u dar à de -
m a n d a da m ã e , o a m o r p r i m e i r o t raumat iza , p o r q u e é i m p o s s í v e l lhe dar o que 
l h e fa l ta . Se o p r ó p r i o c o r p o devesse responder a esta demanda, ele e q ü i v a l e r i a 
a esta fa l ta , segundo o e n c o n t r o p r i m e i r o que o a m o r dá à p u l s ã o de m o r t e . Falta 
de f a l o da m ã e de u m lado , i d e n t i f i c a ç ã o i m p o s s í v e l a este fa lo de o u t r o , disso 
resul ta que a s i g n i f i c a ç ã o f á l i ca do c o r p o é i n i c i a l m e n t e recalcada. Esquecemos 
que somos este c o r p o , n ó s o temos s implesmente sem c o m p r e e n d e r o que ele 
representa, a n ã o ser que se trata de u m m i s t é r i o , o de u m a m o r que i g n o r a o 
que o t r a u m a t i z a 2 U m a i d e n t i f i c a ç ã o i m p o s s í v e l ao fa lo ocasiona u m p r i m e i r o 
reca lque , que cor responde ao desconhec imen to da c a s t r a ç ã o materna . D e u m 
l a d o , é preciso recalcarque a m ã e n ã o t e m fa lo , j á que, de u m o u t r o l ado , 
d e v e r í a m o s d á - l o a ela. Nosso c o r p o se erige nesta f i c ç ã o , ele per tence, i n i c i a l e 
a l u c i n a t o r i a m e n t e , ao sonho . 
Este recalque do va lo r f á l i c o do c o r p o p rograma imed ia t amen te u m se-
g u n d o . D e f a t o , c o m o a c r i a n ç a poder i a d e s e m b a r a ç a r - s e desta a l u c i n a ç ã o de ser 
2 Disso resulta que a s ignif icação do E u [Moi] será u m enigma: " O que concluir disso, 
no ponto em que estamos, a não ser que o que revelamos como impossibilidade de 
figuração para o ego n ã o é exatamente da mesma ordem que o interdito que cai sobre 
uma r ep re sen t ação que n ã o teria objeto mundano e que, ao se obscurecer neste inter-
di to (com todo o seu inevi tável pano de fundo religioso), nota-se o que tem a ver c o m 
a impossibilidade: Ego é u m nome de Furo; acrescentemos agora: relativamente às 
" i d é i a s " isto é, às figuras tomadas no j o g o representativo." (Guy Le Gauffey, 
Vincomplétude du symbolíque, de René Descartes àjacques Lacan, EPEL, 1991). 
O AMOR AO AVESSO 
o f a lo a n à o ser c o n f e r i n d o a p o t ê n c i a a seu pa i , que se rá a m a d o c o m o p r e ç o 
desta l i b e r t a ç ã o ? N o en tan to , e p o r sua vez, este segundo a m o r f a r á t r auma , de 
u m lado , p o r q u e a p o t ê n c i a assim conced ida ao pai é ainda mais castradora ( n à o 
sou eu q u e m o sou, é ele q u e m o t e m ) , de o u t r o lado , p o r q u e esta p o t ê n c i a faz 
deste pai u m sedutor , u m v i o l a d o r p o t e n c i a l . C o n s t i t u i n d o p r o p r i a m e n t e o 
inconsc i en te e d i p i a n o d o recalque s e c u n d á r i o , o t r auma que p rocede da sedu-
ç ã o pe lo pa i s e rá t an to mais v i o l e n t o q u a n t o u m a u x í l i o era esperado dele e m 
r e l a ç ã o ao que a demanda mate rna c o m p o r t a de i n f i n i t o . C o n t e m p o r â n e a deste 
a c o n t e c i m e n t o , desencadeia-se a a n g ú s t i a de c a s t r a ç ã o d o s u j e i t o , que deve r e -
n u n c i a r a u m a parte de seu g o z o e m p r o v e i t o do pai . Esta a n g ú s t i a de c a s t r a ç ã o 
m o t i v a o recalque: c o n v é m , p o r u m lado , preservar o a m o r de u m pa i salvador 
e é prec iso , c o m o c o n s e q ü ê n c i a , p o r o u t r o l ado , recalcar o t r a u m a p r o v o c a d o 
p o r sua f u n ç ã o (a c a s t r a ç ã o ) . O recalque se d e f i n e assim c o m o o que este s u j e i t o 
n ã o quis saber para c o n t i n u a r a amar ( p o r t a n t o , a v i v e r ) , apesar d o t r auma : 
c o l o c a d o d ian te d o d i l e m a de u m a s e d u ç ã o t r aumat izan te que a c o m p a n h a o 
a m o r , o s u j e i t o recalca a p r i m e i r a para preservar o segundo . O recalque p r i m o r -
d i a l se a r t i cu la i n t i m a m e n t e , pois , c o m o reca lque s e c u n d á r i o . O p r i m e i r o 
conce rne à s i g n i f i c a ç ã o fa l ica d o c o r p o (a c a s t r a ç ã o mate rna) e o segundo ao 
t r a u m a que resulta da d e l e g a ç ã o desta p o t ê n c i a fa l ica ao pa i (a c a s t r a ç ã o p e l o 
pa i ) . 
Esta c o n c e p ç ã o d o recalque p o d e r i a fazer crer que este t r a u m a sexual 
p recoce , v e r i f i c á v e l e m toda a c l í n i c a , f o i s o f r i d o p o r u m a i n o c e n t e c r i a n ç a . O 
p o b r e b e b ê ter ia s o f r i d o rudezas, t endo assim amado a p o n t o de recalcar! D e i -
x e m n o en t an to seus l e n ç o s e m seus bolsos, pois o p r ó p r i o b e b ê responde ao 
q u e se espera dele? N ã o , ele se p ro tege b e m ! N ã o é p o r q u e se recusa a r e s p o n -
der à d e m a n d a ma te rna que i n v o c a a p o t ê n c i a paterna? C o m o p o d e r i a , a l iás , 
esperar igualar-se à imens idade d o que l h e era demandado? E quase l o g o ao 
n a s c i m e n t o que ele aprende a d ize r n ã o , m e n o s p o r c a p r i c h o q u e para resist ir a 
sua a l i e n a ç ã o . 
A s s i m , desde que v i v e , r e s p o n s á v e l p o r seu a m o r , p o r t a n t o , p o r u m 
reca lque s i g n i f i c a d o p e l o " n ã o " dando o m e l h o r de si para se d i s t i n g u i r d o q u e 
se espera dele e, l o n g e de nos arrancar l á g r i m a s , o b e b ê é c u l p a d o * p o r t o d a a 
d u r a ç ã o de sua i n s o n d á v e l e x i s t ê n c i a . Para sua m ã e , n ã o soube dar o q u e e m 
s i l ê n c i o ela l h e demandava , e seu p r i m e i r o a m o r e n g e n d r a r á u m a i n e x t i n g u í v e l 
* E m f r a n c ê s , en ãute, que significa estar " e m falta" ou seja, ser culpado. ( N T ) 
O JOGO DA ASSOCIAÇÃO LI V IV E 15 
d e m a n d a de p e r d ã o 3 Se o t r a u m a t i s m o sexual é t ã o d i f í c i l de r econhece r e mais 
a inda de enunc ia r , c o m o se tivesse sido s o f r i d o c o m o u m a justa p u n i ç ã o , é na 
m e d i d a e m que esta fal ta ficou inscr i ta n o regis t ro das contas. A s s i m t a m b é m o 
s o f r i m e n t o d o s i n t o m a pu rga esta cu lpab i l idade de exis t i r e va i m o t i v a r t a m b é m 
a d e m a n d a de a n á l i s e . 
C r e s c i d o , o b e b ê t e r á l i m p a d o sua culpabi l idade? Mas n ã o ! J u n t o a q u e m 
o o u v e , c o n t i n u a a se desculpar p o r m i l detalhes pelos quais n i n g u é m sonharia 
e m r e p r o v á - l o , estes f r e n t e a q u e m o grande b e b ê t e m ataques de gentilezas 
estando, o mais f r e q ü e n t e m e n t e , ocupados e m fazer o mesmo . A c o n f i s s ã o r e -
pe t i da de u m a fa l ta de c o n t e ú d o m a l c i r cunsc r i to se prende c o m o p o d e à m u l -
t i d ã o dos a c o n t e c i m e n t o s que j u s t i f i c a m que se manifeste a l g u m o lhar a seu 
v i z i n h o . E is to t ã o cons tan temente que parece que as r a c i o c i n a ç o e s d o pensa-
m e n t o , o p r ó p r i o r a c i o c í n i o , e m sua mais obscura p ro fundeza , buscam i n d e f i n i -
d a m e n t e a j u s t i f i c a t i v a da e x i s t ê n c i a , aplicando-se e m descobri r u m a causa de 
estar a í , que n u n c a é b e m a r g ü i d a p o r q u e ela permanece i n e x p l i c a v e l m e n t e 
fal tosa, a mais n u m m u n d o h ian te , culpada do a m o r do pecador 4 
3 N ã o é u m b o m índ ice da generalidade da culpabilidade, e portanto da t ransferência , 
constatar que todas as religiões fizeram da falta e do sacrifício expia tór io o p r inc íp io 
necessár io à exis tência da comunidade? N ã o são elas construídas como se, no in íc io 
dos tempos, u m pr imeiro sacrifício humano tivesse sido necessário, como se fosse 
preciso que u m corpo ao menos fosse cortado para que os outros ficassem juntos? N ã o 
é in t roduz indo conceitos novos que a psicanálise dá provas de originalidade. O novo 
só é trazido por ela quando reduz o acontecimento de uma culpabilidade, consubstanciai 
à exis tência , ao recalque or ig inár io , à perda da significação fálica de u m corpo nunca 
à altura da demanda de falo materna. Neste terreno, o m o n o t e í s m o , que faz do pecado 
or iginal uma perda da i nocênc i a primeira, mostrou o liame do amor e da falta. Sob o 
reinado do deus de A b r a ã o , subsistindo numa re lação de i m p l i c a ç ã o m ú t u a , a 
pecabilidade e o amor perseveram em sua via comum, de modo que aquele que 
confessa que ama, como lhe é prescrito, reconhece t a m b é m que pecou. 
4 U m cr í t ico da psicanálise poderia perguntar se a montagem técnica da cura n ã o é, em 
nossa época , o dispositivo que corresponde ao desejo da histérica. Para ele, a ps icaná-
lise n ã o seria uma ciência , mas uma rel igião, que só apresenta uma nova versão , se n ã o 
a moderna perversão de u m amor divino que ignora a si mesmo. " V o c ê s poderiam 
garantir" dirá ele, "que a ação de Freud f o i mui to diferente daquela dos secretários ou 
dos diretores de consc iênc ia , c o m osquais as mulheres místicas dos séculos passados se 
confessavam? Acredi to que vocês nos convidam medicamente a colaborar c o m a mes-
ma m á q u i n a de gozo que aquela que, como era o caso outrora, permitia di r ig i r suas 
preces a u m pai impotente ainda que divino! O efeito t e rapêu t i co n ã o é i m p r o v á v e l . 
Mas, por favor, o que h á aí de novo? N u m a certa medida, de fato, o dispositivo 
O AMOR AO AVESSO 
C o m o o e q u í v o c o d o francês p e r m i t e , é p o r q u e h á esta falta que é p r e c i -
so* O q u ê ? N a d a a l é m disso: somente é preciso . Expl ica r - se c o m Sollen, c o m 
u m deve r t i o vaz io q u a n t o m c o e r c í v e l . N à o é esta i n t e r m i n á v e l t en ta t iva de 
e x p l i c a ç ã o que r eme te à o r i g e m da t r a n s f e r ê n c i a ? A e x p l i c a ç ã o e à r e d e n ç ã o 
i m p o s s í v e l somen te o a m o r pode atenuar. O que se mos t ra , pois , m u i t o r ap ida -
m e n t e , é q u e o que , e m m u i t o poucas palavras, merece ser q u a l i f i c a d o de 
i n a n a l i s á v e l comanda , p o r p r i n c í p i o , a demanda de a n á l i s e . A a n á l i s e se desen-
v o l v e g r a ç a s a u m i n a n a l i s á v e l — a demanda de a m o r — que ela n ã o cura . Ela s ó 
se interessa p o r suas c o n s e q ü ê n c i a s s i n t o m á t i c a s . 
A q u e l e que f o r m u l o u esta demanda confessa i m p l i c i t a m e n t e seu a m o r e, 
c o m ele, sua cu lpab i l idade . C e r t a m e n t e a p s i c a n á l i s e n ã o arranca tais c o n f i s s õ e s . 
E l a passa t an to m e l h o r sem elas q u a n t o seu p r o c e d i m e n t o as atua: na t r a n s f e r ê n -
cia , é su f i c i en t e que o analisante pague para confessar que , sem saber, ele ama, 
c o m este a m o r v o l t a d o para seu t r auma de o r i g e m g r a ç a s ao q u a l o reca lque se 
descobre . D e m o d o que o pagamen to s e r á u m equ iva len te da c o n f i s s ã o , a to 
su f i c i en t e para que a t r a n s f e r ê n c i a assegure seu i m p é r i o . N ã o seria o p a g a m e n t o 
t an to mais ef icaz q u a n t o mais ele p a r e ç a p o u c o j u s t i f i c a d o ? A q u e l e que paga 
sem f u n d a m e n t o aparente deve ter, p o r isso, a lguma obscura r a z ã o e, se ele p o d e 
constatar seus m o t i v o s , n ã o se rá l o g o na con ta de sua cu lpab i l i dade que a soma 
se rá endossada? Pagando " g r a t u i t a m e n t e " , segundo as a p a r ê n c i a s , ele t e r á r e c o -
n h e c i d o sua pecaminosa e x i s t ê n c i a . C o m o exp l i ca r a necessidade de pagar a 
a l g u é m q u e , c o m o u m psicanalista, se v e m v e r somen te para l h e falar? E is to 
mais a inda q u a n d o n ã o se sabe exa tamente de q u e se dever ia falar , o u p i o r , 
q u a n d o se pensa ter u m a i d é i a disso, mas é i m p o s s í v e l f o r m u l á - l a c o n v e n i e n t e -
ps icanal í t ico corresponde ao desejo da histérica, certo(a) de obter graças a ele u m gozo 
a partir do momen to em que recusa a satisfação do desejo. Segundo uma montagem 
das mais católicas possíveis, a busca míst ica de u m pai espiritual reclama, a té mesmo 
para o ser moderno , a assistência de u m diretor de consc iênc ia . A i n v e n ç ã o freudiana 
afasta-se deste modelo experimentado? O eterno direcionamento para o pai, a inc r íve l 
père-version v ê - s e posta e m cena e m nossa é p o c a , segundo o remake m o d e r n o da 
ps i caná l i s e , e ele se mostra t ã o adequado à s u s p e n s ã o do s in toma quan to seus 
p r i m o g ê n i t o s dos tempos e v a n g é l i c o s " Veremos que uma semelhante cr í t ica desmo-
rona a partir do m o m e n t o e m que a f i cção religiosa é remetida ao fato p o l í t i c o que a 
engendra, descartando toda t r anscendênc i a . 
* E m f r a n c ê s , c'estparce qu'ilya cetteãute qu'ilâut, que t a m b é m pode ser t raduzido 
por: " é porque h á esta falta que se deve" no sentido do dever em seus m ú l t i p l o s 
significados. ( N T ) 
O JOGO DA ASSOCIAÇÃO LIVRE 17 
m e n t e du ran t e a se s são . E rea lmente acontece de o t e m p o da sessão servir para 
tagarelar sobre t u d o , salvo sobre o que seria preciso. V a i pe rmanecer somen te 
u m a cu lpab i l i dade i n d e t e r m i n a d a que é i m p o r t a n t e situar, se se quer c o m p r e e n -
der o que v a i o r i en t a r a cura. 
III 
Se se tratasse somente, para o analisante, de tagarelar, pensamentos 
desordenados d e v e r i a m apresentar-se. E nos pe rgun tamos e n t ã o segundo que 
eixos de f o r ç a o f o r m i g a m e n t o das falas se lastra n o d i spos i t ivo . Q u e e s p é c i e de 
f i o de p r u m o d á m u i t o r ap idamen te a u m a cura sua o r i e n t a ç ã o r e l a t ivamente 
u n í v o c a , q u a n d o n ã o se mostra u m a e s p é c i e de i n é r c i a cega que leva os analisantes 
às mesmas o b s e s s õ e s , e isto às vezes n ã o sem peso. 
A p s i c a n á l i s e t e m a r e p u t a ç ã o de ser r edu to ra . A p o n t o de que, e m certos 
p a í s e s c o m o os U S A , os praticantes do inconsc ien te sejam f a m i l i a r m e n t e desig-
nados c o m o t e r m o " redu tores de c a b e ç a " c o m o l e m b r a n ç a das t r ibos a m a z ô -
nicas que p r a t i c a v a m esta arte. N o en tan to , c o m o os analistas p r o c e d e r i a m a 
estas r e d u ç õ e s , j á que p e r m a n e c e m silenciosos a m a i o r parte do t empo? N ã o é 
antes o analisante que, desde que se o de ixe explicar-se, r e to rna ao tapete dos 
temas fami l ia res e f a n t a s m á t i c o s , que p o u c o a p o u c o ele va i r eduz i r a sua es t ru-
tu ra , esta ú l t i m a c o m a n d a n d o o c o m u m de sua e x i s t ê n c i a ? 
D e f a t o , esta r e d u ç ã o se p r o d u z sempre n o m e s m o sent ido, de m o d o que 
invar ian tes i d ê n t i c o s r e t o r n a m ao tapete: o sexo, a i n f â n c i a , a f a m í l i a . A i n d a que 
nada o i m p e ç a , quase n u n c a acontece que u m analisante desenvolva duran te 
m u i t o t e m p o u m t ema f i l o s ó f i c o , re l ig ioso o u p o l í t i c o e, neste sent ido , a e x p e -
r i ê n c i a dos analistas é c o n c o r d a n t e . O m e n o r s o n h o , o m e n o r f an t a sma 
r e c o l o c a r ã o l o g o e m cena a q u e s t ã o da sexualidade e t u d o que a ela se associa. 
P o r que u m a ta l r e d u ç ã o se i m p õ e t ã o constantemente? I m a g i n e m o s o 
esquema mais geral : q u a n d o u m analisante faz o relato de seus pensamentos sem 
o m i t i r os mais í n t i m o s , e m e s m o q u a n d o sua e x i s t ê n c i a é regida p o r u m idea l 
a l t amente m o r a l , c h e g a r á u m m o m e n t o e m que f a rá u m a a s s o c i a ç ã o que n ã o se 
e n c a i x a r á nesta austeridade declarada. M a i s cedo o u mais tarde, f a l a rá de seus 
desejos insat isfei tos, a t é m e s m o de a lguma torpeza secretamente realizada p o r 
ele. E x p r i m i r á c o m d i f i c u l d a d e , se n ã o m e s m o se desculpando, estes fatos e estes 
pensamentos , m i s t u r a n d o a eles as a s s o c i a ç õ e s de que p o d e r á d izer que n ã o 
dever i a f a z ê - l a s . Mas , tarde demais! J á f o i atuado! E le e v o c a r á , co rando , u m 
lapso i n f e l i z e, se p o d e r á narrar seus sonhos e m u m t o m mais l i v r e , g r a ç a s à 
O AMOR. AO AVESSO 
censura que usualmente os traveste, p e r d e r á seu asseguramento quando seu sent ido 
e scond ido se desenhar. M u i t o f r e q ü e n t e m e n t e , a d e n e g a ç à o e n t à o se t o m a r á 
seu m o d o de e l o c u ç à o mais c o m u m , mas a f ranqueza p o d e r á t a m b é m ser u m a 
mane i ra de antecipar u m a a b s o l v i ç ã o i m p l i c i t a m e n t e ped ida . D e q u a l q u e r f o r -
ma , d i z e n d o t u d o , sua pecabi l idade fará valer seus d i re i tos , n à o somen te a que se 
reconhece c o m o tal , mas sob re tudo aque permanece la tente — c o m u m e n t e 
purgada que é pe lo s in toma , sem que se ev idenc ie . N o m e s m o m o v i m e n t o , 
aquele a q u e m a falta f o i confessada r e p r e s e n t a r á m u i t o r ap idamen te , ao m e n o s 
c o n f u s a m e n t e , u m a e s p é c i e de j u i z e de r e d e n t o r p o t e n c i a l . E a q u e m se p e d i r i a 
p e r d ã o s e n ã o a u m a p o t ê n c i a tute lar , que merece , e n f i m , ser qua l i f i cada de 
parental? 
Sobre a base desta cu lpab i l idade abstrata, i ne ren te à e x i s t ê n c i a de t o d o ser 
fa lante , a falta se ancorar ia a pa r t i r de u m detalhe preciso , de u m a c a r a c t e r í s t i c a 
t an to mais pa r t i cu la r q u a n t o ela f o i desmascarada g r a ç a s a u m a f o r m a ç ã o d o 
inconsc i en t e . U m a vez l a n ç a d a esta â n c o r a , as se s sões s e g u i r ã o ta teando as m a -
lhas de sua cadeia, c e r n i n d o p o u c o a p o u c o o m a l de u m s i n t o m a des t inado a 
pu rga r u m a d í v i d a e m f a v o r da qua l a cu lpab i l idade se rá a p r i m e i r a t e s t emunha . 
Nas tagarelices c o m u n s , acontece f r e q ü e n t e m e n t e que i n t e r f i r a m de m a -
nei ra i n o p i n a d a f o r m a ç õ e s d o inconsc ien te : lapsos, chistes, etc. N o e n t a n t o , 
aqueles que as escutam raramente e s t ã o inves t idos de u m a p o s i ç ã o tu te la r , o u , 
mais exa tamente , p o d e ser que estejam, mas p o r q u e t a m b é m f a l a m a t r a n s f e r ê n -
cia a sua pessoa p e r m a n e c e r á i nope ran t e . N a m e d i d a e m que eles mesmos t rans-
f e r e m , segundo o m a l - e n t e n d i d o c o m u m da i n t e r l o c u ç ã o , e spon taneamente 
a n u l a r ã o , à m e d i d a que se m a n t é m a tagarel ice, a par te de s o n h o de q u e p o d e -
riam ter s ido inves t idos . 
N o d i spos i t i vo f r e u d i a n o , e m t roca , o analista pe rmanece p o u c o l o q u a z e 
a t r a n s f e r ê n c i a se o r i en t a n u m s ó sen t ido . D e mane i r a q u e a c o n f i s s ã o de u m 
p e c a d i l h o , a inda que o n í r i c o , v e t o r i a l i z a r á r á p i d a e p o t e n t e m e n t e a t r a n s f e r ê n -
cia. V ê - s e casualmente c o m o a t r a n s f e r ê n c i a se lastra, c o m a n d a d a q u e é pela 
cu lp ab i l i d ade . É n e c e s s á r i o a inda precisar agora e m que consiste esta ú l t i m a , e m 
r e l a ç ã o às etapas d o recalque p r e c e d e n t e m e n t e lembradas . C o n s i d e r e m o s i n i c i -
a l m e n t e a cu lpab i l i dade que p rocede d o recalque p r i m o r d i a l . " R e c a l q u e p r i -
m o r d i a l " q u e r d i ze r que a p r i m e i r a s i g n i f i c a ç ã o dada à a p a r ê n c i a d o c o r p o f o i a 
d o f a l o q u e fa l ta à m ã e . C o n s e q ü e n t e m e n t e , a fa l ta c o n v o c a d a p e l o a m o r é 
i n i c i a l m e n t e u m sem f o r m a e sem n o m e . P o r t a n t o , é a p a r t i r de u m a i m p o s s i b i -
l i d a d e de representar , o u , a l iás , de n o m e a r q u e se engendra u m a m o r q u e n ã o 
c o n c e r n e i n i c i a l m e n t e a n i n g u é m e m par t i cu la r , o u ainda a n i n g u é m q u e p e r -
O JOGO D A ASSOCIAÇÃO LIVRE 19 
m i t a dar-se u m a f o r m a , r e f l e t i r - se 5 . A q u i l o a que é preciso assemelhar-se, n ã o 
sabemos o que é, a n ã o ser que o a m o r o ordena. N ã o p o d e r í a m o s satisfazer o 
i n s o n d á v e l que assim nos requer e, ex i s t indo sob o que o a m o r reclama, ao 
m e s m o t e m p o v ê m o s e n t i m e n t o da falta e o pensamento que, i n d e f i n i d a m e n t e , 
gostaria de j u s t i f i c á - l a 6 . 
O r i g i n á r i a é a t r a n s f e r ê n c i a que tes temunha u m a perda do que t e r í a m o s 
s ido , n u m t e m p o e d ê n i c o . F o i p e r d i d o p o r nossa p r ó p r i a e x i s t ê n c i a , e para 
aceder à h u m a n i d a d e , o s ign i f ican te f á l i c o de que nosso c o r p o f o i i nves t ido pela 
d e m a n d a ma te rna . O f a to de que i g n o r e m o s o n o m e desta s i g n i f i c a ç ã o d iz res-
p e i t o à d i f i c u l d a d e de encon t ra r i dé i a s que e x p r i m a m ao m e s m o t e m p o este 
N a d a — p o r q u e a m ã e n ã o t e m o fa lo — e este T u d o — j á que se c o n v o c a aqu i 
5 A ausência de forma de origem, a falha da representação, engendra o amor, contrari-
amente a uma doxa lacaniana que quereria que o amor, uma vez nascido, seria sempre 
falhado. Por impa lpáve l que seja, a falha precede o amor e o impulsiona para adiante. 
O amor, é verdade, porta em si o absoluto deste nada, de que ele porta o selo que 
deixará cada u m de seus objetos sucessivos n u m "mui to pouco" relativo. Mas este 
" m u i t o pouco" permanece pleno do absoluto que ele reclama. Toda forma particular 
que percebo, na medida em que sua beleza n ã o me afeta mais, não será menos habitada 
pela perda da minha. D e maneira que esta forma que vejo me protege, me previne de 
descobrir, no momento mesmo em que o pressinto, o vazio que me habita. Lacan 
def in iu a beleza como a ú l t ima barreira que mascara u m horror ú l t i m o . Este pensa-
mento n ã o concerne ao hor ror do recalque or ig inár io , que nos espera no que vemos, 
quando n ã o preferimos nos desviar dele? N o entanto, de onde vem, de fato, o pres-
sentimento do recalque or ig inár io se n ã o do visível? Neste sentido, a angústia da 
castração materna concerne a u m real sensível que sem dúvida não compreendemos, 
mas que todavia percebemos perfeitamente, a ponto de que de seu agenciamento 
dependa o sentimento da beleza, se c o n v é m qualificar assim a coisa que mascara o que 
ela mostra. 
6 T a m b é m n ã o existe em seu fundo de Razão pura, j á que p e r m a n e c e r á justif icativa da 
falta [faute] de existir, inteiramente voltada que é para o outro da t ransferência . " E u 
penso" graças à t ransferência e este pensamento busca justificar-me. O pensamento 
racional, aquele que cogita u m Real a n t r o p o m ó r f i c o que percebemos na falta de nossa 
p r ó p r i a visibilidade, é assim encadeado pela culpabilidade. Nosso pensamento n ã o 
pára de se ampliar porque, tão longe quanto existamos, é preciso jus t i f icá- lo , e este 
es fo rço de pensamento parece h o m o g ê n e o à racional ização do real, ou ainda à Razão 
prática, porque o sensível nos fala desta falta [faute], lembra-nos de que somos ine lu -
tavelmente escória da harmonia universal. Tentando justificar sem fim a ordem do 
m u n d o , ordenando-a segundo minhas h ipóteses , meus planos e meus cálculos, a 
racionalidade do Real que pude construir me concede de volta u m p e r d ã o inteira-
mente p rov i só r io (se nos podemos permit i r esta paráfrase aproximativa: "Eu penso, 
logo , eu l i m p o " minha culpabilidade). 
O AMOR AO A V I $ S O 
a i n f i n i d a d e d o que ela demanda . Sob o i m p é r i o desta c o n t r a d i ç ã o se sustenta o 
m i s t é r i o d o f a lo . Bedeutungàe que o o lha r de o u t r e m , o espelho, o a m o r s ã o 
tantas outras e n i g m á t i c a s testemunhas. Q u e s ign i f ica esta a p a r ê n c i a que nos é 
remet ida? A c a s t r a ç ã o materna t e m o pode r dc nos r e c h a ç a r da s i g n i f i c a ç ã o 
fal ica e é dela, pois , que nada queremos saber, i g n o r â n c i a que d á seu sen t ido 
mais obscuro e mais po ten te à e x i s t ê n c i a . O Urvcrdrangimç; é assim enroscado 
n u m f u r o , pe lo que o o u t r o da t r a n s f e r ê n c i a é de i m e d i a t o e i r r e m e d i a v e l m e n t e 
o r e s p o n s á v e l . A s i g n i f i c a ç ã o que teve nosso c o r p o , n ó s a pe rdemos n o t e m p o 
d o recalque, ú n i c o ve rdade i ro selo de o r i g e m , e é p o r isso que buscamos depois 
esta s i g n i f i c a ç ã o g r a ç a s à t r a n s f e r ê n c i a 7 
R e c a l q u e o r i g i n á r i o , t r a n s f e r ê nc i a da o r i g e m , aquele c u j a p r e s e n ç a d á 
c o n s i s t ê n c i a a u m c o r p o que a pe rdeu torna-se o lugar de u m e n d e r e ç a m e n t o 
d o pensamento . A n ô n i m a sem ser impessoal , a q u e s t ã o que se e n d e r e ç a a ele 
busca recuperar esta perda. Ela se e n c a r n i ç a e m recuperar sua s i g n i f i c a ç ã o g r a ç a s 
ao o u t r o que vemos nos ver . E la busca recobra r n o vaz io de seu o l h a r seu 
p r ó p r i o vaz io o r i g i n á r i o . Esperamos d o o u t r o da t r a n s f e r ê n c i a que nos e n c a m i -
n h e para a l iberdade de u m c o r p o en t regue a sua p l e n i t u d e . T r a n s f i r o , pois , para 
o u t r e m — para esta a p a r ê n c i a que d e t é m o m i s t é r i o da m i n h a — u m saber que 
m e escapa e que conce rne a m e u c o r p o , e os pensamentos m e v ê m neste a b r i g o . 
IV 
É difícil dar um exemplo do que é o recalque originário, ainda que se o 
e x p e r i m e n t e cons tan temen te e m suas c o n s e q ü ê n c i a s . Pode-se t e r u m a i n t u i ç ã o 
dele g r a ç a s à l i t e ra tu ra : a escrita n ã o t e m esta v a n t a g e m sobre a palavra , a de 
preservar o a n o n i m a t o n o lugar de e n d e r e ç a m e n t o , a inda que apresente, ao 
m e s m o t e m p o , o i n c o n v e n i e n t e de apagar a p r e s e n ç a ? O s l i v r o s , assim, t ê m o 
p o d e r de o fe rece r a i n t u i ç ã o de u m a p r e s e n ç a desencarnada, ú t i l para s i tuar u m a 
o r i g e m sub je t iva a q u é m de t u d o . E p o r q u e a escrita imper sona l i za mais f a c i l -
7 Evocada nos primeiros parágrafos , a generalidade da t ransferênc ia pode agora ser pre-
cisada. Se ela é proporcional ao recalque pr imord ia l , e n t ã o esta t r ans fe rênc ia a tua rá 
tanto na psicose quanto na pe rve r são e na neurose. Esta generalidade da t r ans fe rênc i a 
n à o quer t a m b é m dizer, é verdade, que e m todos os casos será anal isável . U m a coisa é 
a t ransfe rênc ia , outra coisa é sua ut i l ização para fins anal í t icos . E po r isso que, mesmo 
quando os mais brilhantes de seus discípulos t inham uma prá t ica ampliada, Freud 
deixa entender, n ã o sem p r u d ê n c i a , que a análise dizia respeito especificamente às 
neuroses. 
O JOGO DA ASSOCIAÇÃO LIVRE 21 
m e n t e u m luga r de e n d e r e ç a m e n t o que pode ser " q u a l q u e r u m " que, às vezes, 
ela t e s t e m u n h a u m lugar de o r i g e m cu ja e x p e r i ê n c i a se perde n o c a m i n h o c o -
m u m n o m o m e n t o e m que se encont ra : assim, p o r e x e m p l o , aquele que quer 
fa lar de seu p r o f u n d o desamparo f r e q ü e n t e m e n t e nunca p o d e r á f a z ê - l o , pois , a 
p a r t i r d o m o m e n t o e m que e n c o n t r o u o a m i g o p r o n t o a escutar este desampa-
r o , se v e r á mais distante dele g raças ao calor dessa amizade. M a i s u m a vez, ele 
nada d i r á sobre isso, r e m e t e n d o para a m a n h ã a c o n f i s s ã o de seu e x í l i o . 
A l g u n s escritores, p ro teg idos que f o r a m e m sua s o l i d ã o pela t ã o f r á g i l 
m u r a l h a d o pape l b r a n c o , n ã o t e s t e m u n h a r ã o c o m mais v a n t a g e m a o r i g i n a l i d a -
de da t r a n s f e r ê n c i a — sua neut ra l idade a n ô n i m a — que as falas m ú l t i p l a s , a 
imens idade das tagarelices que a renega* a pa r t i r do m o m e n t o e m que ela se 
enuncia? A palavra renega i n f i n d a v e l m e n t e o que a leva adiante, sempre i n o -
cente de seus esquecimentos , cu jos t r a ç o s , e m t roca, a escrita p e r m i t e examinar . 
S e m d ú v i d a n ã o é u m dos menores m o t i v o s da p a i x ã o da l e i t u r a p o d e r r e e n c o n -
t rar pela p r i m e i r a vez sua p r ó p r i a a u s ê n c i a , o esquec imento de u m E u [Moi] 
t r az ido pela f i c ç ã o . 
R a r o s s ã o os escritores que c h e g a m a evocar a p r ó p r i a coisa c o m o suple-
m e n t o de seus resultados, que eles a tua l izam. A s s i m n o p r i m e i r o c a p í t u l o de La 
passion selon G. H. [ A p a i x ã o segundo G . H . ] * * , de Cla r ice Lispec tor , que d á 
ao l e i t o r a i m p r e s s ã o de a p r o x i m a r este p o n t o de o r i g e m , que toda p r e s e n ç a 
esconderia . Se se aceita andar u m p o u c o e m c o m p a n h i a da escri tora, ela lhe 
f a l a r á dele c o m o é c o n h e c i d o sem ser r e c o n h e c i d o , c o m o permanece sempre 
n ã o nasc ido, a v i r . O l e i t o r t a m b é m p o d e r á ter pensado que exist ia antes de 
amar, que nada f o i mais v i o l e n t o que o que p recedeu a a t u a l i z a ç ã o do a m o r , 
q u a n d o ele era ainda a n ô n i m o , e talvez tivesse p o d i d o escrever, da mesma f o r -
m a que ela, que seria preciso fazer dura r este m o m e n t o suspenso: " E que eu 
t enha a grande c o r a g e m de resistir à t e n t a ç ã o de evi tar u m a f o r m a . Esse e s f o r ç o 
que f a r e i agora p o r de ixar subi r à t ona u m sent ido , qua lquer que seja, esse 
e s f o r ç o seria f ac i l i t ado se eu fingisse escrever para a l g u é m . " 
O l e i t o r é assim chamado a reconhecer a pa r t i r de que c o n j u n t o i m p r e -
ciso, de que m a g m a sem f o r m a ele se t o rna a l g u é m . N ã o é o a n o n i m a t o de seu 
p r ó p r i o c o r p o que ele descobre n u m a t r a n s f e r ê n c i a p r i m e i r a , a c o n s t r u ç ã o de 
sua i n f i n i d a d e sempre re tomada , c o n v o c a n d o a cada vez o a m o r de u m a n o v a 
* Traduzimos sistematicamente déniei-por "renegar", deixando ao leitor a consideração 
da a d e q u a ç ã o de seu uso. ( N T ) 
* * As ci tações de Clarice Lispector fo ram retiradas do l iv ro A paixão segundo G. H., 
Livraria Francisco Alves, R i o de Janeiro, 1991, 15 a ed ição . ( N T ) 
O AMOR AO AVI S s O 
manei ra que lhe p e r m i t a encon t ra r seu l imi t e? É isto o que ele t e r á r e c o n h e c i d o 
e m C la r i ce L i spec to r q u a n d o leu : " [ . . . ] j á que t e n h o que ter uma f o r m a p o r q u e 
n à o s in to f o r ç a de f icar desorganizada, já que fa ta lmente precisarei enquadra r a 
mons t ruosa carne i n f i n i t a e c o r t á - l a e m p e d a ç o s a s s i m i l á v e i s pe lo t a m a n h o de 
m i n h a boca e pe lo t a m a n h o da v i s à o de meus olhos [ . . . ] . " Ele poder i a te r a 
i n t u i ç ã o desta ve rdade , m e s m o que n à o soubesse nada da m e t a p s i c o l o g i a 
f r eud i ana . G r a ç a s a ela, ele leu nesta frase a d e s c r i ç ã o de u m d e s p e d a ç a m e n t o de 
u m c o r p o pelos o lhos e pelos dentes, c o r p o que n à o t e m ainda f o r m a q u a n d o 
c o m e ç a , i m e d i a t a m e n t e i n f i n i t o e m u i t o grande, so l i c i t ado sem repouso pela 
p u l s ã o para fo ra de si m e s m o , obsedado p o r u m a i m p o s s í v e l d e l i m i t a ç ã o d o 
nada: " T e r e i que ter a c o r a ge m [ . . . ] de i r f a lando para o nada [ . . . ] assim c o m o 
u m a c r i a n ç a pensa para o nada." Pensar para o nada n ã o é o ato que mais de 
p e r t o e x p e r i m e n t a o recalque o r i g i n á r i o ? O pensar para o nada a inda par te 
i n o c e n t e m e n t e e m busca d o o u t r o da t r a n s f e r ê n c i a , empres tando sua p r e s e n ç a 
ao sem f o r m a . 
C l a r i c e L i s pe c to r descreve nestes t e rmos a busca d o semelhante a q u e m 
va i ser preciso falar: "Escuta, v o u ter que falar p o r q u e n ã o sei o que fazer de ter 
v i v i d o . P i o r a inda, n ã o q u e r o o que v i . [ . . . ] . T o m a o que v i , l i v r a - m e de m i n h a 
i n ú t i l v i s ã o , e de m e u pecado i n ú t i l . E s tou t ã o assustada que s ó p o d e r e i aceitar 
que m e p e r d i se i m a g i n a r que a l g u é m m e es tá dando a m ã o . " M a s o que assim 
saiu d o nada, na fal ta , poder i a a lguma vez ter a l g u m sent ido? Éa q u e s t ã o c o l o -
cada pela escri tora q u a n d o ela c o n t i n u a : " N ã o c o m p r e e n d o o que v i . E n e m 
m e s m o sei se v i , j á que meus o lhos t e r m i n a r a m n ã o mais se d i f e r e n c i a n d o da 
coisa v i s ta . " C o m o , de f a to , colocar-se à d i s t â n c i a d o sem f o r m a , j á que , a p a r t i r 
d o m o m e n t o e m que ele se e n r a í z a n o o u t r o , este se mos t ra c o m o a o r i g e m de 
nosso p r ó p r i o n à o - c o n h e c i d o ? O u s implesmente c o m o c o m p r e e n d e r de m a -
ne i ra i n t e l i g í v e l este m o m e n t o sempre an t e r i o r e sempre j á passado, j á que , a 
cada vez que este n ã o - c o n h e c i d o é t rans fe r ido para a lguma coisa o u para a l -
g u é m , i m e d i a t a m e n t e perde a qua l idade que o caracterizava n o m o m e n t o an t e -
rior? O recalque o r i g i n á r i o , assim, pe rmanece para sempre i n c o m p r e e n s í v e l , de 
m o d o q u e é e x p e r i m e n t a d o q u a n d o de cada u m dos pensamentos , q u a n d o de 
cada u m a das s e n s a ç õ e s que , t o m a n d o sua f o r m a , o a n i q u i l a m . L e i a m o s mais 
u m a vez C l a r i c e L i spec to r : ' [ . . . ] S ó que agora, agora sei de u m segredo. Q u e j á 
es tou esquecendo, ah s in to q u e j á estou esquecendo. . . [ . . . ] S o u a vestal de u m 
segredo q u e n ã o sei mais qua l f o i . [ . . . ] Soube o que n ã o p u d e e n t e n d e r [ . . . ] . " 
O s e n t i m e n t o de u m vaz io que , i n f i n i t a m e n t e , precede t u d o e chama 
a l g u m a coisa p e r m i t e , t a l c o m o C l a r i c e L i spec t o r descreve, c o m p r e e n d e r a a r t i -
c u l a ç ã o d o reca lque p r i m o r d i a l c o m o recalque s e c u n d á r i o . U m A m o r a n t e r i o r 
O JOGO DA ASSOCIAÇÃO LIVRE 23 
a toda escolha de o b j e t o traz e m si a a s p i r a ç ã o vazia que precede o recalque da 
o r i g e m , antes de abrigar-se e m a lguma coisa o u e m a l g u é m . C o m o este p r i m e i -
r o a m o r f i c a p r ó x i m o do h o r r o r de u m vazio o r i g i n á r i o é o que mos t ra C la r i c e 
L i s p e c t o r q u a n d o escreve: " [ . . . ] o h o r r o r sou eu diante das coisas", o u ainda 
" L o g o que eu p u d e r dispensar tua m ã o t ã o quente , i r e i sozinha e c o m h o r r o r . " 
C o m o se a fa l ta de c o n s i s t ê n c i a , de v i s ib i l idade de cada u m q u a n d o es tá sem 
a m o r o reduzisse n o v a m e n t e ao sem f o r m a : " [ . . . ] T e r á sido o a m o r o que vi? 
[ . . . ] aquele h o r r o r , isso era o amor? a m o r t ã o n e u t r o que — " A m o r t ã o n e u t r o , 
t ã o o r i g i n á r i o que C la r i ce L i spec to r f i ca na imposs ib i l idade de t e r m i n a r sua 
frase, que ela c o n c l u i c o m u m t r a v e s s ã o , c o m o se n ã o pudesse d izer a que esta 
neu t r a l idade se igualar ia . 
U m a t r a n s f e r ê n c i a o r i g i n á r i a — absolu tamente neu t r a — tenta assim j u s -
t i f i c a r o Ser, desalojar sua causa. Esta t r a n s f e r ê n c i a , p r o p o r c i o n a l ao recalque 
o r i g i n á r i o e t ã o i n e x t i n g u í v e l quan to ele, parece bastante d i f e ren te das t ransfe-
r ê n c i a s plurais que c o r r e s p o n d e m às f o r m a ç õ e s do inconsc ien te . Se existe u m a 
t r a n s f e r ê n c i a " o r i g i n á r i a " , a t í t u l o de u m a c o n s e q ü ê n c i a do recalque de m e s m o 
n o m e , seria t ã o p r o b l e m á t i c o d izer o que ela é, o u sobre o que ela recai , q u a n t o 
o seria n o que conce rne a este recalque, pois sempre, desde que ela t o m a f o r m a , 
s e r ã o as t r a n s f e r ê n c i a s s e c u n d á r i a s , as das f o r m a ç õ e s do inconsc ien te , que apare-
c e r ã o e i m p e d i r ã o destacar sua especif ic idade. T u d o o que se escreve n o que se 
o u v e , o a t rope lo dos lapsos, as letras* do sonho à espera de serem lidas, o u ainda 
os s in tomas c o m u m e n t e i n t r o d u z i d o s n o c o r p o , os fantasmas c u j o p r i n c i p a l 
interesse pe rmanece calado, toda esta l i te ra l idade se a p ó i a na t r a n s f e r ê n c i a o r i g i -
n á r i a . 
V 
Uma multiplicidade de transferências foi o que Freud inicialmente des-
c o b r i u e m sua p r i m e i r a mane i ra de ver , e nada é mais d i v e r t i d o de descascar, 
nada é mais es t imulan te para o i n t e l e c t o 8 D e p o i s que ele d i s t i n g u i u seu j o g o , 
coisa i n t e i r a m e n t e o u t r a f o i perceber a s ingular idade m u i t o mais desprazerosa 
* E m f rancês , lettres, palavra que pode ser traduzida por "letras" ou "cartas" basicamen-
te. ( N T ) 
8 Quando Freud, a p r o p ó s i t o do sonho, fala de " t r ans fe rênc ia" de "pensamentos de 
t r ans f e r ênc i a " designa com isso u m modo de desdobramento em que o desejo i n -
consciente se exprime e se disfarça através do material fornecido pelos restos p r é -
conscientes da vigília. (Sigmund Freud, 1900, cf. G W , I I - I I I , 568; SE, V . 562; Fr., 461). 
O U I O » AO ^VISMl 
de u m a t r a n s f e r ê n c i a c u j o m e n o r i n c ô m o d o é s ign i f ica r u m a m o r cons t r ange-
d o r , a l ienante , i gnoran te de sua p r ó p r i a e x i s t ê n c i a , somente c o m p a r á v e l às f o -
lhas de h e r b á r i o delicadas de seus diversos i r m à o s : sen t imentos t e m o s , i n v e j a . 
e n a m o r a m e n t o . p a i x à o . Nada disto lhe concerne verdadei ramente . O s analis.mtes 
i g n o r a m duran te m u i t o t e m p o estes falsos i r m à o s . e n q u a n t o que , n o e n t a n t o , 
s à o eles que o m a n t ê m na cura , e nada os e s p a n t a r á mais que apreender a ex i s -
t ê n c i a deste a m o r p r i m e i r o , cu ja i n s i s t ê n c i a os arrebata de f o r m a i n t e i r a m e n t e 
d i f e r e n t e que segundo a p lura l idade n u a n ç a d a dos sen t imen tos segundos h á 
p o u c o evocados. 
A t e n s ã o que va i da t r a n s f e r ê n c i a s ingular às t r a n s f e r ê n c i a s p lura is é , p o r -
t an to , h o m o g ê n e a à q u e l a que ar t icu la o recalque p r i m o r d i a l ao recalque secun-
d á r i o 9 E n t r e t a n t o , se assim o c o r r e , p o r que as t r a n s f e r ê n c i a s de segunda o r d e m 
d e v e r i a m ser m ú l t i p l a s ? É p o r q u e , se o recalque o r i g i n á r i o c o n c e r n e u n i c a m e n -
te à s i g n i f i c a ç ã o falica d o c o r p o , e m t roca o recalque s e c u n d á r i o c o n c e r n e a u m 
encadeamento , o da c o n j u n ç ã o d i s j u n t i v a dos d i fe rentes t e rmos d o c o m p l e x o 
de É d i p o . Este recalque segundo n ã o conce rne a u m dos t e rmos deste c o m p l e -
x o e m par t i cu la r . Podemos , p o r e x e m p l o , saber que t i v e m o s apego a nossa m ã e , 
mas sem m e d i r exa tamente a v i o l ê n c i a c o m as mu lhe re s que esta a l i e n a ç ã o 
e n g e n d r o u . E t a m b é m n ã o i g n o r a m o s que p u d e m o s n u t r i r e m r e l a ç ã o a nosso 
pai pensamentos ambivalentes , a t é hostis, f azendo sempre de n ó s assassinos p o -
tenciais daqueles que a d m i r a m o s . Cada t e r m o d o c o m p l e x o de É d i p o c o m p o r -
ta, assim, u m a a m b i v a l ê n c i a e m p o t ê n c i a , que se ex t e r io r i za segundo atos s i n t o -
m á t i c o s . Desconhecemos as c o n s e q ü ê n c i a s destes sen t imen tos e m nossa v i d a 
a tual p o r q u e é ü ó g i c o , i n c o m p r e e n s í v e l , associar en t re si dois c o n t r á r i o s c o m o 
o ó d i o e o a m o r . A c o n t e c e que desconhecemos estes sen t imen tos e n o d ia e m 
que aval iarmos cada u m deles separadamente p o d e r e m o s pensar que s o u b e m o s 
desde sempre , e te remos r a z ã o . O que p e r m a n e c e r á i nconsc i en t e , e m t roca , se 
refere ao encadeamento que m a n t êm en t re si as duas ordens de f a t o c o n j u n t a s , 
pois s ó d i f i c i l m e n t e pode remos r econhece r — salvo m u i t o abs t ra tamente — 
q u e o a m o r possa engendrar o ó d i o . E depois nos s e r á a inda mais d i f í c i l p e r c e -
be r que , c o n s e q ü e n t e m e n t e , qu isemos matar nosso pa i para de i ta r c o m nossa 
m à e . O q u e i n e v i t a v e l m e n t e e s c a p a r á à c o n s c i ê n c i a d i z respei to à a s s o c i a ç ã o de 
t e r m o s c o n t r á r i o s . D e mane i ra que o recalque s e c u n d á r i o interessa este p r ó p r i o 
9 A escrita por materna tendo freqüentemente um efeito de claríficação, podem-se es-
crever as t ransferências plurais graças à letra T 2 , que apresenta a vantagem de mostrar 
sua equ iva lênc ia c o m o recalque s e c u n d á r i o S 2 segundo a escrita de Lacan. A escrita 
que vai de S, a S, corresponde ao que separa T , de T 2 . 
O JOGO DA ASSOCIAÇÃO LIVRE 25 
encadeamen to . É um saber que é inconsc ien te , posto que u m s ign i f i can te s e r á 
recalcado somen te e m sua a s s o c i a ç ã o c o m u m de seus amigos . I g n o r a m o s a 
c o n j u n ç ã o d i s j u n t i v a que u m s ign i f ican te m a n t é m c o m u m o u t r o , recalque c u j a 
m a n i f e s t a ç ã o i n c o m p r e e n s í v e l p rec ip i t a o s i n t o m a 1 0 E este o caso, p o r e x e m -
p l o , q u a n d o u m fantasma de v i o l a ç ã o se j u n t a a u m desejo de s e d u ç ã o , m i s t u r a 
d e t o n a n t e que p r o v o c a a crise h i s t é r i c a , tal c o m o F r e u d a desc reveu 1 1 
P o r q u e p õ e m e m j o g o vá r i a s c o n t r a d i ç õ e s , as t r a n s f e r ê n c i a s plurais esca-
p a m à c o n s c i ê n c i a . Elas d i z e m respeito à cadeia dos de te rmin ismos que o analisante 
busca c o m p r e e n d e r 1 2 E n t r e t a n t o , buscar c o m p r e e n d e r n ã o p o d e a j u d á - l o , po is 
é o u t r a a d i f i c u l d a d e que existe e m e luc idar l o g i c a m e n t e c o n t r a d i ç õ e s , a c o m -
p r e e n s ã o o e l i m i n a r i a c o m o su j e i t o . D e f a to , se encontrasse para cada a c o n t e c i -
m e n t o a causa exp l i ca t i va e x t e r i o r que o desculparia, ele m e s m o se r e d u z i r i a a 
ser somen te o j o g u e t e de u m c o n j u n t o de d e t e r m i n i s m o s , c a i b a m - l h e eles p o r 
seu passado f a m i l i a r , p o r sua cu l t u r a o u p o r in fe l ic idades da H i s t ó r i a . P r i v a n d o -
se assim de seu l i v r e a r b í t r i o , o n d e e n c o n t r a r á , pois , o que p r o p r i a m e n t e l h e 
per tence e m t u d o o que m a q u i n o u ? Se sua e x i s t ê n c i a t e m a l g u m sent ido , o n d e 
se e n c o n t r a r á a n ã o ser prec isamente na n e g a ç ã o d o que o d e t e r m i n o u ? A s s i m 
o c o r r e c o m o s i n t o m a , c u j a causalidade n ã o se reduz aos d e t e r m i n i s m o s , mas 
exa tamente a sua n e g a ç ã o . N a m e d i d a e m que o su je i to é " c o n s c i e n t e " ele 
1 0 U m a c o n c e p ç ã o inteiramente outra do inconsciente levaria a cons ide rá - lo como uma 
m e m ó r i a enterrada, implicando uma técnica catártica. 
1 1 Pelo fato da impossibilidade lógica de u m encadeamento que poderia ser admit ido 
pela consc iênc ia , o incesto edipiano de nenhuma forma se mostra segundo as repre-
sen tações habituais da re lação sexual, ele se realiza inconscientemente por outras vias. 
U m a re lação sexual c o m a m ã e seria, por exemplo, atuada na evocação da alimenta-
ç ã o , o u na ocasião de qualquer atividade pulsional. Da mesma forma, o "assassinato do 
pa i " n ã o se assemelha a uma e x e c u ç ã o , mas pode-se realizar inocentemente no m o -
mento de u m j o g o in fan t i l em que se trata de imitar u m h o m e m potente, etc. A maior 
parte dos seres humanos teria, pois, razão para protestar se se quiser fazê- los admit ir o 
c e n á r i o do complexo de É d i p o , pois o incesto materno e o fantasma assassino d i fe rem 
da s igni f icação ord inár ia , da qual o mi to tebano só dá uma in tu i ção . 
1 2 O encadeamento tem, assim, u m efeito que lhe é p r ó p r i o : "[...J a r ep resen tação i n -
consciente é inteiramente incapaz, enquanto tal, de penetrar no p r é - c o n s c i e n t e , e ela 
só pode nele exercer u m efeito pondo-se em c o n e x ã o com uma represen tação a n ó d i n a 
que já pertence ao p r é - c o n s c i e n t e , transferindo-lhe sua intensidade e fazendo-se co-
br i r por ela. Está aí o fato da t ransferência que fornece a expl icação de tantos f e n ô m e -
nos espantosos da vida mental dos n e u r ó t i c o s . " (Sigmund Freud, Die Traumdeutung, 
1900, G W . I I - I I I , 568; SE, V 562; Fr., 461). 
O AMOR * O AVtSSO 
permanece inconsc ien te d o que o de t e rmina . Neste sen t ido , o e s f o r ç o i n t e l e c -
tua l arrisca-se r e c o n d u z i r à f o r m a ç ã o d o s in toma . 
A " c o m p r e e n s ã o " é u m p r o b l e m a s e c u n d á r i o à d e s n o d u l a ç à o d o s i n t o -
ma, o p e r a ç ã o que veremos s ó ser p o s s í v e l p o r q u e as t r a n s f e r ê n c i a s p lura is se 
a p o i a m na t r a n s f e r ê n c i a o r i g i n á r i a . A p o s i ç ã o con fe r ida ao analista depende des-
te d u p l o g a t i l h o : de u m lado , ele deve cons tan temente entregar-se a esta e s p é c i e 
de strip-tease-x que o obr iga o desfile das f o r m a ç õ e s d o inconsc ien te d o analisante. 
Mas , de o u t r o lado, estas t r a n s f o r m a ç õ e s camaleonescas n ã o se p o d e r i a m efe tuar 
se n ã o existisse u m a a r m a ç ã o ú n i c a , a p r e s e n ç a de u m a nudez p r i m e i r a q u e 
supor ta as d i ferentes escolhas de o b j e t o . O analista " c o m p l e t o " endossa as d i f e -
rentes peles das i d e n t i f i c a ç õ e s transferenciais. Tra te-se d o fan tasma* d o pa i , d o 
da m ã e , dos ob je tos de d e s i s t ê n c i a que da í p r o c e d e m , i r m ã o , i r m ã , o u ainda de 
seus avatares e x o g â m i c o s : h o m e m , m u l h e r 1 3 . E l e p o d e r á deixar-se f r e q ü e n t a r 
p o r eles e, assim hab i t ado , d e v e r á a cada vez realizar esta mesma o p e r a ç ã o se-
g u n d o a qua l , u m a i d e n t i f i c a ç ã o al ienante sendo percebida , o s i n t o m a que dela 
p rocede vai-se l iberar . Esta tarefa de destacamento n ã o se a c a b a r á j amais , p o r -
que a t r a n s f e r ê n c i a o r i g i n á r i a , a general idade de u m a m o r que precede toda 
escolha de o b j e t o , p e r m i t e m a n t e r u m m e s m o fio à m e d i d a que se apresentam 
as d i fe rentes ident idades . 
VI 
Com o exemplo clínico seguinte, quis mostrar como a complexidade das 
t r a n s f e r ê n c i a s plurais t o m a apo io n u m a t r a n s f e r ê n c i a o r i g i n á r i a . O senhor L . 
t i n h a u m a longa c o n v i v ê n c i a c o m a p s i c a n á l i s e e sem d ú v i d a ela se t o r n o u seu 
s i n t o m a menos custoso. D e p o i s que a t ing i ra a idade adul ta , diversas vezes t i n h a 
e x p e r i m e n t a d o o d i v â e todas as vezes ele o havia a l i v i ado . A o fim de alguns 
anos, a m a i o r par te dos analisantes esquece a q u i l o p o r que v e i o , c o m o se u m a 
o u t r a pessoa tivesse f e i t o este c a m i n h o . Eles esquecem a p o n t o de n ã o mais 
saber que a q u ü o lhes f o i ú t i l e, c o m m a i o r o u m e n o r desenvo l tu ra , d e s p e d e m 
aquele que f o i seu s i lencioso c o m p a n h e i r o . A f i n a l , eles n ã o l h e d e v e m nada. 
* E m f rancês , fantôme. ( N T ) 
1 3 " O que são as t ransferências? São re impressões , cópias das m o ç õ e s e dos fantasmas que 
devem ser revelados e tomados conscientes à medida do progresso da anál ise; o que é 
caracter ís t ico de sua espécie é a subs t i tu ição de uma pessoa anteriormente conhecida 
pela pessoa do m é d i c o . " (Sigmund Freud,Bruschstück einen Hystcnc AnnJyse, 1905, 
G W V , 279; SE, V I I , 116; Fr.. 86-7) . 
O JOGO DA ASSOCIAÇÃO LIVRE 27 
N u m e r o s o s s ã o aqueles cujos sintomas n ã o os d e i x a m t ã o f a c i l m e n t e . Eles se 
i m p a c i e n t a m c o m a d e m o r a da cura e p e d e m contas, d e s c o n f i a m dos r igores da 
t é c n i c a e de u m s i l ê n c i o que lhes parece i m o t i v a d o , ao cabo de a l g u m t e m p o . 
A s vezes f a z e m a lista do que cons ide ram c o m o erros o u i n t e r p r e t a ç õ e s erradas, 
se apegam a d i f icu ldades atuais para e x i g i r u m resul tado, enervam-se a t é pe rde r 
seu s a n g u e - f r i o . D e m o d o que, algumas vezes, a l i onde u m extenso e m i n u c i o -
so t r aba lho n ã o ob teve sucesso, u m a e x p l o s ã o os a l iv ia . Esta c ó l e r a sã os faz 
abandonar aquele que cons ide ram c o m o u m incapaz, e e i - los m i r a c u l o s a m e n t e 
afastados in extreniis, e ao menos p o r a l g u m t e m p o , das i n q u i e t a ç õ e s s i n t o m á -
ticas que d i f i c u l t a v a m suas e x i s t ê n c i a s . 
N a i n d i f e r e n ç a , o u m e l h o r , e m p é s s i m a s r e l a ç õ e s , o analisante f r e q ü e n t e -
m e n t e de ixa seu analista, sem aliás saber j u s t a m e n t e o que lhe acon teceu na 
cura , apressando-se e m esquecer o p o u c o que r ea l i zou a l i , m e s m o q u a n d o sua 
e x i s t ê n c i a se v i u t ransformada . A s s i m é o resgate do e fe i to t e r a p ê u t i c o : u m a 
e s p é c i e de a m n é s i a apodera-se d o t raba lho e fe tuado . 
O senhor L . n ã o seguiu n e n h u m destes diferentes caminhos . E l e r e c o -
nhec i a os b e n e f í c i o s e as i n s u f i c i ê n c i a s de suas duas aná l i ses anter iores . Se p a r o u 
duas vezes f o i c i r cuns tanc ia l e t a m b é m pela i d é i a de que o que c o m e ç o u devia 
t a m b é m t e r m i n a r . E c o m o seus dois analistas precedentes pa rec i am par t i lha r a 
mesma o p i n i ã o , a a n á l i s e p á r a , p o r fal ta de analisante levado mais adiante e m sua 
tarefa. N o en t an to , s intomas i d ê n t i c o s à q u e l e s que j á conhec ia reaparecem e ele 
se dec ide a r e t o m a r o c a m i n h o do d i v ã , j á que esta p r á t i c a o a l iv iava. P o r t a n t o , 
é nessas c i r c u n s t â n c i a s que r e t o m a u m a a n á l i s e , preso à l i b e r t a ç ã o que lhe trazia 
o e n c a d e a m e n t o de sua p r ó p r i a fala, l i b e r ado a cada dia p o r esta a l i e n a ç ã o 
consen t ida . 
V o l t a n d o de algumas semanas de f é r i a s , passadas n o en tan to c o m o havia 
sonhado e e m a g r a d á v e l c o m p a n h i a , ele m e diz que sua a n á l i s e lhe t i n h a f e i t o 
fa l t a c r u e l m e n t e . F o i u m s e n t i m e n t o d e s a g r a d á v e l e b i za r ro de e x t e n s ã o d o 
t e m p o que o p e r t u r b o u ; menos seu a longamen to , menos o t é d i o que sua brusca 
s u s p e n s ã o . M e n o s a i n f i n i d a d e da d u r a ç ã o que sua a tempora l idade , a incons i s -
t ê n c i a de u m t e m p o sem e s c a n s ã o . H á m u i t o s anos n ã o conhec ia mais este 
s e n t i m e n t o , t an to mais angustiante quan to , quando o t e m p o p o r acaso se i n t e r -
r o m p i a , era sob u m a l u z i r r ea l que a paisagem e os obje tos lhe apareciam. 
E v o c a n d o estes m o m e n t o s d e s a g r a d á v e i s , e c o m o se seu inconsc ien te 
devesse a u t e n t i f i c á - l o s , sua frase t r o p e ç a n u m lapso. Q u e r e n d o dizer: " T e n h o a 
i m p r e s s ã o de ter p e r d i d o m e u t e m p o " , ele p r o n u n c i a : " T e n h o a i m p r e s s ã o de 
te r p e r d i d o m e u tu" assinalando imed ia t amen te o e q u í v o c o desta palavra faltosa, 
que se p o d e en tender r ap idamen te da mesma f o r m a c o m o a i n s t â n c i a d i a l ó g i c a 
o « « o » m A v i * \ o 
a que se o p õ e o " e u " [mot] e c o m o o t e t o * da casa, ab r igo i g u a l m e n t e , a sua 
mane i ra , deste " e u " Este e q u í v o c o era interessante p o r q u e este lapso f o i p r o -
d u z i d o q u a n d o da e v o c a ç ã o de u m a falha ev iden te d o ni t ransferencia i . O d u p l o 
sen t ido t a m b é m indicava que o teco da casa f o r m a v a o p r ó p r i o ab r igo que ele 
f o r j a v a para si, o que é , para ele m e s m o , sob este t e to , a p e l í c u l a que cie apresen-
ta f o r a ' 4 T u d o teria sido d i t o neste en t re -do i s t(u/eto), c o m o se na s u s p e n s ã o da 
t r a n s f e r ê n c i a se tivesse a rvorado u m a i n s t â n c i a ideal , aquela que , p o r q u e di ta 
agora o que o E u deve ser n o f u t u r o , d i r i ge o t e m p o para o presente. T a m b é m 
a d u r a ç ã o subje t iva é achatada e m suas a t u a l i z a ç õ e s , d e i x a n d o o presente vaz io 
de dever f u t u r o , u l t r apequeno . 
C o m o é quase sempre o caso q u a n d o u m analista exp l i ca o f u n c i o n a -
m e n t o de u m s in ton ia — aqu i o acha tamento da d u r a ç ã o sub je t iva — , ele p o d e 
p e r m i t i r - s e f a z ê - l o apenas s ó - d e p o i s , q u a n d o a s e q ü ê n c i a das a s s o c i a ç õ e s do 
analisante lhe d á os e lementos n e c e s s á r i o s para sua c o m p r e e n s ã o . E u m a das 
r a z õ e s que o f azem p r e f e r i r o s i l ê n c i o . Nes te sen t ido , ele es tá sempre atrasado 
e m r e l a ç ã o a seu analisante. D e u m o u t r o p o n t o de vista, n o en t an to , ele o 
precede, p o r q u e , n o m o m e n t o e m que os esclarecimentos s ã o dados pela se-
q ü ê n c i a d o pensamento , o paciente quase que sempre esqueceu o que f o i o 
p o n t o de par t ida de suas a s s o c i a ç õ e s . O analista pode r i a l e m b r a r - l h e , mas is to 
gera lmente n à o é ú t i l , p o r q u e esta t r a n s l a ç â o cega é su f i c i en te para absorver o 
s i n t o m a , segundo u m a e q u i v a l ê n c i a que se pode constatar (mas que seria c o n -
ven ien te exp l i ca r ) . É p o r isso que mais u m a vez ele se cala. 
M a l o Senhor L . fez aquelas o b s e r v a ç õ e s mencionadas sobre seu lapso de 
r e t o r n o — t ã o exempla r d o recalque o r i g i n á r i o — , n o v a m e n t e c o m os p é s n o 
c h ã o e m seu t e m p o sub j e t i vo , ele se perguntava " o que se esconde a t r á s d o 
i n t e r l o c u t o r " e p o r que era i n f i n d a v e l m e n t e a n i m a d o p o r u m " p e r p é t u o anseio 
de a u t o j u s t i f i c a ç ã o ( . . . ] m u i t o mais que ter pensamentos que lhe se r iam p r ó p r i -
os" A p e r t a v a c o m perguntas, e n t ã o , n u m á p i c e , a i n s t â n c i a ideal e m r e l a ç ã o à 
qua l ele se devia i n f i n i t a m e n t e j u s t i f i c a r — sursis que abria a c o n t a g e m de seu 
t e m p o . D e que servir ia e n t ã o da r - lhe u m a " e x p l i c a ç ã o " tardia sobre o q u e 
acabava de acontecer , pois acabava de realizar e f e t i v a m e n t e a o p e r a ç ã o q u e o 
• J o g o entre as palavras toi, " t u " ou " t i " e ro/r, " te to" h o m ó f o n a s em f rancês . ( N T ) 
1 4 D e fato, o " E u " n à o é somente o que somos para ou t rem, mas t a m b é m o personagem 
que imaginamos que somos, independentemente de ou t rem, em nossos devaneios 
fora da t ransfe rênc ia ao tu . Trata-se desta instância nosso ideal, assim c o m o dc sua 
pessoa, que nos figuramos pelo que "eu" \jc\ sou idealmente para " m i m " [mot] desde 
sempre. 
O JOGO DA ASSOCIAÇÃO LIVRE 29 
t i n h a a l iv iado? N ã o se trata tan to de que u m a tal t e o r i z a ç ã o ter ia s ido i n ú t i l (o 
que era o caso), mas m u i t o mais de que seria f r ancamen te n o c i v a , p o r q u e o 
analista que se ter ia mos t r ado assim t ã o in t e l i gen te , t ã o i n t u i t i v o , t ã o sabedor das 
e l u c u b r a ç õ e s aparen temente desordenadas de seu analisante,n ã o de ixar ia de 
most ra r -se r ap idamen te c o m o u m mestre, u m personagem que, p o r ser c o m -
preens ivo e pa te rno , n ã o deixar ia menos de, m e d i n d o sua estupefaciente i n t e l i -
g ê n c i a , f a z ê - l o pe rde r c o m o favas contadas o f i o secreto do t(u/eto). (Sai d a í , 
que aí m e m e t o , que m i m e t i z o * e m t e u lugar , r o u b a n d o - t e t e u idea l c o m t o d o 
o peso de m e u idea l " a n a l í t i c o " ) . 
O t e m p o s u b j e t i v o se abre e m f u n ç ã o de u m recalque c u j o agente é u m 
pa i . M a s n ã o h á n e n h u m a necessidade do pa te rna l i smo d o analista para p ô r e m 
cena C r o n o s , o pa i t e r r í v e l que escande a c r o n o l o g i a do t e m p o . A l i á s , é s em 
outras s o l i c i t a ç õ e s e c o m o se a t empora l idade encont rada a tivesse i n v o c a d o que 
a f i g u r a pa terna aparece nos pensamentos do Senhor L . , i m e d i a t a m e n t e depois 
que ele e v o c o u a a u t o j u s t i f i c a ç ã o . E l e se pe rgun ta : "se n ã o estava se f azendo 
pe rdoar pelos cr imes con t r a o p a i . " D e o n d e lhe v e i o u m a ta l a s s o c i a ç ã o ? M u i t o 
pouca coisa parecia p r e p a r á - l a n o n í v e l dos pensamentos mani fes tos . T u d o se 
hav ia passado c o m o se a a p a r i ç ã o tivesse r e s p o n d i d o a u m c á l c u l o l ó g i c o q u e 
p rog ramava u m a entrada e m cena i n e v i t á v e l , u m a vez dec l inada a que perda de 
idea l cor respondia a derrocada do t e m p o . O que assim se mos t rava , na suc in ta 
a m b i g ü i d a d e do t(u/eto), a n ã o ser a a u s ê n c i a de t e m p o d o reca lque o r ig ina l? 
N ã o h á h i s to r i c idade sem C r o n o s , o d e v o r a d o r de c r i a n ç a ! E era esta p r e s e n ç a 
paterna t razida e m algumas frases do Senhor L . que marcava a b o r d a de seu 
t e m p o . 
A que t i n h a eu serv ido a t é e n t ã o , duran te os segundos e m que estas 
a s s o c i a ç õ e s se sucederam, o n d e n ã o f u i tu n e m teto, n e m o semelhante d i a l ó g i c o , 
n e m u m abr igo seguro? A nada mais que a dar lastro à frase, estendida de t u a 
t e t o , nesta passagem i m p e r c e p t í v e l de u m t e m p o vazio a u m t e m p o p l e n o . O 
S e n h o r L . , t o m a n d o p é , m e r g u l h a v a neste i n t e r s t í c i o do t e m p o . E l e se calava 
sem pensar, sem mais se p reocupar c o m m i n h a p r e s e n ç a . . . V e i o - l h e e n t ã o à 
c a b e ç a u m a frase que f r e q ü e n t e m e n t e lhe ve io nestas f é r i a s . Este r i t o r n e l o o 
t i n h a obsedado p o r p e r í o d o s , ve rdade i ramente a qua lque r m o m e n t o , e todas as 
vezes estas t r ê s pequenas palavras, facas na noite, lhe pareceram m u i t o e n i g m á -
ticas. 
* E m f rancês , j o g o de palavras, por homofonia , entre m'yniette, "me ponho a í " "me 
meto a í " e mimète, " m i m e t i z o " " i m i t o " ( N T ) 
O «MOR AO AVI s $ O 
Sem d ú v i d a esta frase inqu ie tan te lhe viera pela p r i m e i r a vez e m u m 
c o n t e x t o preciso, mas ele era incapaz de se l embrar . E , desde esse m o m e n t o , 
este ritomelo o havia obsedado quase que todos os dias. v i o l e n t o e p o é t i c o 
talvez, mas c o m o se fosse a chave de seu t e m p o suspenso, c o m o se presentificasse 
o e n i g m a de sua s u p r e s s ã o para fo ra do m u n d o . Seria preciso crer q u e estes 
v o c á b u l o s d e v i a m estar associados à i d é i a de seu pa i , pois v o l t a r a m depois de t ê -
l o evocado?. . . Era a q u e s t ã o que ele se colocava, q u a n d o pensou de repen te q u e 
esta frase se i m p ô s a ele pela p r i m e i r a vez q u a n d o tentava fazer u m a ses são 
s o z i n h o , fo ra de m i n h a p r e s e n ç a física. E , c o m o se fosse este desejo de fazer u m a 
a u t o - a n á l i s e (e, c o n s e q ü e n t e m e n t e , de e l i m i n a r este analista) que tivesse m e r -
g u l h a d o o c o n t e x t o n o esquec imen to , l embrava agora f a c i l m e n t e que pensa-
men tos o p e r t u r b a v a m q u a n d o a i d é i a das facas na noite lhe v ie ra pela p r i m e i r a 
vez. Estava sonhando , ainda que acordado, c o m u m a de suas p r ime i r a s l i g a ç õ e s 
amorosas. C o n h e c e r a u m a j o v e m m u l h e r p o r q u e m n ã o sentia u m a a f e i ç ã o 
m u i t o p r o f u n d a , mas persistira neste flerte, sem d ú v i d a p o r cur ios idade sexual , 
talvez t a m b é m para se adequar aos usos que q u e r e m que u m h o m e m j o v e m 
perca sua v i r g i n d a d e o mais r á p i d o p o s s í v e l . M a s estes sen t imen tos m i t i g a d o s 
t i v e r a m o e fe i to pe lo qua l se dever ia esperar, e f o i nestas c i r c u n s t â n c i a s que a 
bela, m u i t o m a l amada, d e i x o u - o e ele ficou arrasado. N ã o est imava m u i t o esta 
m o c i n h a , c u j o p r ó p r i o n o m e lhe escapava h o j e , e n o en t an to se l e m b r a v a de 
que , q u a n d o nada sentia, andando na rua v o l t a n d o de u m e n c o n t r o f a l h a d o , 
t ive ra u m a i m p r e s s ã o de i r rea l idade i d ê n t i c a à q u e l a que havia evocado n o i n í c i o 
da s e s são . N o s dois casos, isto t i n h a s ido c o m o se, de u m s ó go lpe , o m u n d o se 
tornasse chato e branco. Nes te c o n t e x t o " a u t o - a n a l í t i c o " a frase facas na noite 
destacou-se c la ramente pela p r i m e i r a vez. E t ê - l a n o v a m e n t e l oca l i zado a t o m a -
va menos e n i g m á t i c a . 
E le n à o ignorava , p o r j á se ter p e r g u n t a d o , a que l e m b r a n ç a de i n f â n c i a 
os qua l i f i ca t ivos chato e branco se l i g a v a m . Eles e v o c a v a m o p r i m e i r o s e n t i -
m e n t o de i r rea l idade que havia e x p e r i m e n t a d o , q u a n d o , n u m a c l í n i c a o n d e 
acabavam de lhe t i ra r as a m í g d a l a s , a c o r d o u e u m a e n f e r m e i r a lhe m o s t r o u c o m 
c e r i m ô n i a as duas bolas brancas n u m prato branco* N a v é s p e r a , antes da o p e -
r a ç ã o , i m p l o r a r a que sua m ã e dormisse ao lado dele na c l í n i c a , mas nesta m a n h ã , 
cons ide rando f r i a m e n t e o que lhe havia s ido r e t i r ado , s ó p ô d e sen t i r que , c o m o 
* E m francês, pht bhnc. A palavra pht f o i anteriormente traduzida por "chato"; em 
p o r t u g u ê s , et imologicamente, "chato" e "pra to" v ê m da mesma palavra plattus, em 
la t im. ( N T ) 
O JOGO DA ASSOCIAÇÃO LIVRE 31 
se descobrisse u m sexto sent ido, expe r imen tava a i r real idade de u m m u n d o 
cha to e b r a n c o , m a n t i d o e m segredo a t rás daquele de todos os dias. 
U m a n o v a q u e s t ã o lhe aparecia h o j e : durante a e x p e r i ê n c i a c i r ú r g i c a de 
sua i n f â n c i a , ele se p ô d e apoiar, tan to quan to desejava, na t e rnura de sua m ã e , e 
n ã o c o m p r e e n d i a mais p o r que t i n h a expe r imen tado u m a s e n s a ç ã o de i r real idade 
equ iva l en te à q u e l a que , m u i t o t e m p o depois, devia e x p e r i m e n t a r n o m o m e n t o 
e m que u m a m u l h e r o abandonava. Se n ã o t i n h a afeto p o r aquela m u l h e r , p o r 
que o m u n d o t i n h a desabado? 
Pa receu -me e n t ã o que esta n o v a q u e s t ã o poder i a fazer perder o fio de 
navalha* e m p r o v e i t o de u m a i n e s g o t á v e l c o m p a r a ç ã o entre o a m o r m a t e r n o e 
o a m o r f e m i n i n o . O c o n t e ú d o da sessão t i n h a sido substancial: o s i n toma de 
a t empora l idade de suas fé r i a s f o r a r e t o m a d o n o t e m p o da t r a n s f e r ê n c i a e, a l é m 
disso, acabava de ser associado a u m e l emen to da mesma s é r i e . Cons ta t ando esta 
c o i n c i d ê n c i a , ac red i te i j u d i c i o s a m e n t e suspender a sessão . T a l v e z eu tivesse p e n -
sado que as facas na noite p

Continue navegando