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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ MARIA EDUARDA MOCELLIN MÃES DO CÁRCERE: OS DIREITOS DAS MULHERES E A CONVIVÊNCIA FAMILIAR EM SITUAÇÕES DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE CURITIBA 2015 MARIA EDUARDA MOCELLIN MÃES DO CÁRCERE: OS DIREITOS DAS MULHERES E A CONVIVÊNCIA FAMILIAR EM SITUAÇÕES DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientadora: Professora Helena de Souza Rocha CURITIBA 2015 TERMO DE APROVAÇÃO MARIA EDUARDA MOCELLIN FILHOS DO CÁRCERE: O DIREITO DA FAMÍLIA EM SITUAÇÕES DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná Curitiba ______ de ______________________ de 2015 __________________________________ Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite Coordenação do Núcleo de Monografia Universidade Tuiuti do Paraná Orientador: ___________________________________________ Professora Helena de Souza Rocha Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito Supervisor: ___________________________________________ Professor Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito Supervisor: ___________________________________________ Professor Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito Agradecimentos Agradeço e dedico primeiramente a minha mãe Carla, por ser essencial em minha vida, pela ajuda financeira, força e coragem, durante toda esta longa jornada. Também agradeço a minha querida filha Luana, que embora não tivesse conhecimento disto, mas iluminou de maneira especial meu TCC, foi compreensiva nos momentos que precisei estar ausente. Quando preciso assistiu pacientemente as minhas aulas durante estes cinco anos de faculdade. A todos os professores e professoras que me acompanharam durante a graduação, em especial à minha orientadora e professora Helena de Souza Rocha pela paciência na orientação e incentivo, pela compreensão e pelos ensinamentos. Agradeço a todos aqueles que de alguma forma estiveram e estão próximos de mim, em especial a minha irmã Carolina, meu cunhado César e meu afilhado Gabriel, que sempre torceram por mim para concretização deste meu sonho. Aos professores formadores da banca examinadora pela presença. “Uma nação não pode ser julgada pela maneira como trata seus cidadãos mais ilustres e sim pelo tratamento dado aos mais marginalizados: seus presos” Nelson Mandela RESUMO O presente trabalho tem por objetivo estudar a situação das mulheres privadas de liberdade em companhia com filhos nas penitenciárias do Brasil sob a luz dos direitos humanos. Atualmente, o retrato do sistema prisional feminino brasileiro é composto de imagens que revelam o desrespeito aos direitos humanos, pois às mulheres é destinado o que sobra do sistema prisional masculino: presídios que não servem mais para abrigar os homens infratores são destinados às mulheres, os recursos destinados para o sistema prisional são carreados prioritariamente para os presídios masculinos e, além disso, os presos masculinos contam sempre com o apoio externo, ao tempo que as mulheres presas são abandonadas pelos seus familiares, companheiros e maridos. Restando-lhes, apenas, a solidão e a preocupação com os filhos que, como sempre, ficam sob sua responsabilidade. No Brasil, o déficit carcerário feminino cresce à medida que a quantidade de mulheres que ingressam nos estabelecimentos prisionais aumenta, pois além da conjuntura socioeconômica, falta, também, uma política efetiva para a construção permanente de vagas. Para poder entender melhor a situação é necessário fazer um resgate histórico sobre a criminalidade feminina e a caracterização da prisão. A metodologia abordada foi a análise documental, artigos, instrumentos legais e normativos. Palavras-chave: Prisão. Direitos Humanos. Mulheres Grávidas. Filhos. ABSTRACT This work aims to study the situation of women deprived of liberty in company with children in prisons in Brazil in the light of human rights. Currently, the portrait of Brazilian women's prison system is composed of images that show disrespect for human rights, for women is for what remains of the male prison system: prisons that no longer serve to house offenders men are aimed at women, resources allocated to the prison system are mainly carted for male prisons and in addition, male prisoners always rely on external support, the time that women prisoners are abandoned by their families, partners and husbands. Leaving them only, loneliness and concern for the children, as always, are responsible. In Brazil, the female prison deficit grows as the number of women who enter the prisons increases, because beyond the socio- economic situation, lack also an effective policy for the permanent building slots. In order to better understand the situation is necessary to make a historical review on female crime and the characterization of the prison. The methodology was discussed document reviews, articles, legal and regulatory instruments. Keywords: Prison. Human rights. Pregnant women. Children. LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ASBRAD - Associação Brasileira de Defesa da Mulher, da Infância e da Juventude CEJIL - Centro Pela Justiça e pelo Direito Internacional Depen - Departamento Penitenciário Nacional DSTs - Doenças Sexualmente Transmissíveis ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente IDDD - Instituto de Defesa do Direito de Defesa INFOPEN – Sistema de Informações Penitenciárias do Departamento Penitenciário Nacional LEP – Lei de Execução Penal MJ – Ministério da Justiça MP – Ministério Público MS – Ministério da Saúde OMS – Organização Mundial de Saúde ONG – Organização Não Governamental ONU – Organização das Nações Unidas PNSSP - Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário SDH – Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República UNESCO – Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura 12 2. A SITUAÇÃO DO SISTEMA CARCERÁRIO FEMININO NO BRASIL 2.1. ORIGENS DAS PRISÕES FEMININAS NO BRASIL Historicamente, a relação entre mulheres e prisão no Brasil originou da comissão de crimes relacionados com a bruxaria e com a prostituição, comportamentos que ameaçavam os papéis socialmente estabelecidos para a mulher. A resolução dos conflitos sociais pautada por uma dimensão valorativa reiterou, no decorrer da história, um tratamento disciplinar às mulheres, criando-se estereótipos em torno dos crimes cometidos, cujas condutas passaram a ser explicadas pela diferenciação de delitos associados ao feminino Zaffaroni (2000) O Direito Penitenciário surgiu com o desenvolvimento da instituição prisional. Segundo Mirabete (2000): Antes do século XVII, a prisão era apenas um estabelecimento de custódia, em que ficavam detidas pessoas acusadas de crime, à espera da sentença, bem como doentes mentais e pessoas privadas do convívio social por condutas consideradas desviantes (prostitutas, mendigos, etc) ou questões políticas. No final do referido século, a pena privativa de liberdade institucionalizou-se como principal sanção penal e a prisão passou a ser, fundamentalmente, o local da execução das penas (MIRABETE, 2000, p. 19). A criação do Código Penal, que entrou em vigor em 1940, e representou um importante momento para o Direito Penal nacional. Em seu art. 29, parágrafo 2º Art. 29. A pena de reclusão e a de detenção devem ser cumpridas em penitenciárias, ou, na falta, em secção especial de prisão comum. § 2º As mulherescumprem pena em estabelecimento especial, ou, à sua falta, em seção adequada de penitenciária ou prisão comum, sujeitas a trabalho interno, admitido o benefício do trabalho externo. (Planalto) O Código Penal de 1940 previu, pela primeira vez, o cumprimento de pena em estabelecimento específico para abrigar mulheres ou, quando este não fosse possível, um espaço reservado nos estabelecimentos prisionais masculinos. (Ibidem, p. 66) A separação entre homens e mulheres na visão de Soares e Ilgenfritz (2002, p. 57), teria que acontecer para “garantir a paz e a tranquilidade desejada nas prisões masculinas, do que propriamente a dar mais dignidade às acomodações carcerárias, até então compartilhadas por homens e mulheres”. 13 Em 1924, Lemos de Brito (As mulheres criminosas e seu tratamento penitenciário, p. 38), o principal ideólogo das prisões femininas no Brasil, após percorrer o país visitando todas as prisões, elaborou um projeto de reforma penitenciária e ofereceu um plano geral, no qual aconselhou a União a construir um reformatório especial, que não se pautasse nos moldes tradicionais da época, ou seja, nos moldes das prisões masculinas. As primeiras penitenciárias no Brasil, vieram somente em 1937, com o Instituto Feminino de Readaptação Social no Rio Grande do Sul. Em 1941, o Presídio de Mulheres de São Paulo e, em 1942, a Penitenciária Feminina do Distrito Federal, em Bangu, sendo que destas três somente a última fora criada especialmente para as mulheres encarceradas, sendo as outras readaptações de estruturas já existentes. (IBIDEM, p. 22) Construída especialmente para tal fim, a primeira penitenciária feminina do antigo Distrito Federal, em Bangu, estava localizada bem longe dos presídios para homens. A administração interna e pedagógica do presídio ficou a cargo das Irmãs do Bom Pastor. As religiosas ficaram responsáveis por cuidar “da moral e dos bons costumes, além de exercer um trabalho de domesticação das presas e vigilância constante da sua sexualidade”. Pelo regulamento interno da prisão, formulado e aplicado pelas religiosas, chamado Guia das Internas, as presas só tinham dois caminhos para remirem suas culpas: ou se tornariam aptas para retornar ao convívio social e familiar, ou, caso fossem solteiras, idosas ou sem vocação para o casamento, seriam preparadas para a vida religiosa. Entretanto, este projeto de “purificação” não atendeu às expectativas do Estado e, em 1955, a Penitenciária de Mulheres volta a ser diretamente administrada pela direção da Penitenciária Central, sob a alegação de que as Irmãs do Bom Pastor não conseguiram controlar a indisciplina violenta e não dispunham de conhecimentos das questões penitenciárias e administrativas necessárias para controlar as 2.200 mulheres que estavam presas em um estabelecimento planejado para abrigar 60 mulheres. (SOARES E ILGENFRITZ, 2002). Em 13 de maio de 1970 foi inaugurada a primeira Penitenciária Feminina (unidade penal de segurança máxima destinada às presas provisórias e condenadas) do estado do Paraná. A instituição foi instalada no município de Piraquara e fazia parte do Complexo Penal Paranaense, atualmente Penitenciária Central do Estado (PCE). É um estabelecimento penal destinado a presas 14 condenadas pela justiça, com 3.200 m², com capacidade de 364 internas. “A unidade possui também uma creche (em 1983, a capela foi transformada para abrigar os filhos das internas. Sete anos mais tarde, foi construído um local específico para as crianças, com “área de lazer, brinquedos, jardim e playground”) para dar atendimento aos filhos das internas, uma vez que as crianças ficavam junto com as mães nas celas, local totalmente impróprio para elas” (DEPEN, 2010). “Regimento Interno do DEPEN, no artigo 21, a Penitenciaria Feminina do Paraná é um estabelecimento penal de regime fechado e de segurança máxima a qual compete: I. A segurança e a custódia das pessoas que se encontram recolhidas no estabelecimento por decisão judicial, em cumprimento de pena, em regime fechado; II. A segurança e a custódia daquelas que estão sujeitas à efetivação de sentença de pena e medidas de segurança detentivas; III. Promover a reintegração social das presas e o zelo pelo seu bem-estar, através da profissionalização, educação, prestação de assistência jurídica, psicológica, social, médica, odontológica, religiosa e material; IV. Prestar a assistência à gestante, parturiente e aos menores de até seis anos, filhos das presas desamparadas, de acordo com o artigo 89 da Lei nº 7210/84, e conforme o disposto no artigo 1º, parágrafo único da Lei Estadual nº 9304 de 19.06.90; V. Prestar assistência social aos familiares das presas; VI. Outras atividades correlatas.” O Estado do Paraná possui duas penitenciárias femininas, a de Piraquara, e a Penitenciária Feminina de Regime semiaberto, localizada em Curitiba. O Paraná é o estado que registrou a maior redução do número de mulheres presas no país entre 2007 e junho de 2014. Os dados fazem parte do levantamento do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, divulgados dia 05/11/2015. O Paraná ocupa o 9º lugar no ranking dos estados com a maior população carcerária feminina do país, 898 de um total de 37.380. No restante do país, houve um significativo aumento no período, com destaque para Alagoas, com 444%, Rio de Janeiro, 271%, e Sergipe, com 184%. 2.2 CARACTERÍSTICAS DAS PRISÕES FEMININAS Segundo Espinoza (2003) a utilização da pena de prisão deveria servir para a reprodução dos papéis femininos socialmente construídos. A intenção era que a prisão feminina fosse voltada à domesticação das mulheres criminosas e à vigilância da sua sexualidade. 15 Com essa medida buscava-se que a educação penitenciária restaurasse o sentido de legalidade e de trabalho nos homens presos, enquanto, no tocante às mulheres, era prioritário reinstalar o sentimento de pudor. (ESPINOZA, 2003, p. 39) Atualmente existem 53 penitenciárias femininas no Brasil, mas muitas mulheres são mantidas em delegacias de polícia e carceragens superlotadas e com estrutura inadequada. (Depen) As precariedades das penitenciárias brasileiras destaca-se o fato de as mulheres terem um tratamento similar ao dos homens, sem acesso à saúde e cuidados com higiene. O poder público parece ignorar que está lidando com mulheres e oferece um ‘pacote padrão’ bastante similar ao masculino, nos quais são ignoradas a menstruação, a maternidade, os cuidados específicos de saúde, entre outras especificidades femininas (QUEIROZ, Nana, Entrevista Terra “Prisões femininas: presas usam miolo de pão como absorvente”). Segundo Mendes, a prisão por tráfico de entorpecentes tem crescido de maneira alarmante, nos últimos 12 anos o aumento foi de 256% sendo esse delito um dos principais fatores por detrás do encarceramento em massa do Brasil.. Do total de mulheres presas atualmente, 57% delas responderam (ou ainda responderão, no caso das presas provisórias) pelo crime de tráfico de drogas. (MENDES, Soraia da Rosa 2014) Para José Eduardo Cardozo Ministro da Justiça e Eleonora Menicucci de Oliveira Ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres A justificativa para a falta de um olhar diferenciado com práticas humanizadoras no que diz respeito à diversidade de gênero, no âmbito das prisões de mulheres, reproduzem visões simplistas unicamente focadas na questão numérica, tendo em vista que do total de 548.0031 da população carcerária, 35.039 são mulheres, o que equivale a um percentual de cerca de 7%. No Brasil, o déficit carcerário feminino cresce à medida que a quantidade de mulheres que ingressam nos estabelecimentos prisionais aumenta, pois além da conjuntura socioeconômica, falta, também, uma política efetiva para a construção permanente de vagas. O déficit carceráriofeminino atual é de aproximadamente 13 mil vagas. (Política Nacional de Atenção às Mulheres. pg 7) Junto de suas mães, são aprisionadas crianças: mães e filhas/os divididas entre a paradoxal escolha de ficar dentro do sistema prisional, mas acompanhadas da figura materna, ou aguardarem longe de suas mães, sendo criadas e educadas pelas famílias (quando essas existem) fora do cárcere. Nas Penitenciárias femininas do Paraná, em Piraquara, moram, com suas mães, cerca de 37 crianças, que brincam, em vez de pega-pega e esconde-esconde, de "agente e presa", além de andarem com as mãozinhas para trás em imitação evidente às mães que se 16 deslocam nessa posição. Além disso, as mulheres grávidas, nos meses finais de sua gestação, são enviadas ao Complexo Médico Penal, local onde em teoria teriam maior assistência. Lá o ambiente não é menos inóspito que uma penitenciária: carrega as mazelas de um "hospital psiquiátrico" e a falta de assistência particularizada às gestantes. A estrutura é péssima e as grávidas dormem no chão, tomam banhos gelados, não tem atendimento médico, fazem as necessidades fisiológicas em um buraco no chão, diante do qual tem que ficar de cócoras mesmo com uma barriga de 7, 8 ou 9 meses. (Mulheres pelas Mulheres "Infância Aprisionada: Gravidez e Maternidade no Cárcere") Na Penitenciária Feminina Madre Pelletier, em Porto Alegre, a jornalista Nana Queiroz (2014) ouviu histórias que faziam seu estômago revirar: falta de produtos de higiene pessoal, violência de agentes penitenciários, superlotação, comida estragada no refeitório, a dificuldade de conseguir uma visita íntima. Nem as grávidas escapam, algumas são espancadas por carcereiros, e muitas precisam dormir com seus bebês recém-nascidos no chão, por falta de colchonetes, e, com os pontos da cesariana ainda abertos, pegam infecções. Esse foi o caso de Gardênia, relatado no livro, que precisava ir ao hospital mais próximo diariamente, durante 20 dias, para tomar injeções de anti-inflamatório. Por falta de paciência ou estrutura, os guardas só a levaram à clínica dois dias. Teve que sarar com duas doses mesmo. A lei brasileira determina que as presidiárias devem permanecer com seus filhos durante seis meses para amamentação. Achei que violência policial seria menos severa com elas, mas os relatos de tortura são tão graves quanto os das prisões masculinas. Uma delas, tomou uma paulada na barriga, e ouviu do policial que a agrediu: “Pra que colocar mais um vagabundo no mundo? Espero que morra antes de nascer” — recorda. Nana conta que detentas usam miolo de pão como absorvente íntimo, já que recebem apenas um ou dois pacotinhos por mês, quantidade insuficiente para mulheres com fluxo menstrual mais intenso. (Queiroz Nana, Presos que Menstruam) A luta diária dessas mulheres é por higiene e dignidade. As prisões femininas do Brasil são escuras, encardidas, superlotadas. Camas estendidas em fileiras, como as de Chapman, são um sonho. Em muitas delas, as mulheres dormem no chão, revezando-se para poder esticar as pernas. Os vasos sanitários, além de não terem portas, têm descargas falhas e canos estourados que deixam vazar os cheiros da digestão humana. Itens como xampu, condicionador, sabonete e papel são 17 moeda de troca das mais valiosas e servem de salário para as detentas mais pobres, que trabalham para outras presas como faxineiras ou cabeleireiras. (Queiroz Nana, Presos que Menstruam) O tratamento prisional para a encarcerada é pior que o dispensado aos homens, que também têm precárias condições no cárcere, porém, a desigualdade de tratamento é patente e decorrente de questões culturais vinculadas à visão da mulher como presa e com direitos ao tratamento condizente com as suas peculiaridades e necessidades, próprias da aplicação do princípio constitucional de individualização da pena, da qual decorre a regra constitucional de Direito Penal explicitada no artigo 5º., inciso XLVIII, segundo o qual “...a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado...” (BORGES, 2005) A maioria dos presídios brasileiros possui problemas referentes à superlotação e péssimas condições estruturais e de salubridade, predispondo a proliferação ou agravamento de diversas doenças infectocontagiosas, traumas, doenças crônico-degenerativas, além de transtornos mentais. Em algumas instituições as celas são improvisadas como enfermarias, dispondo de poucos equipamentos e profissionais qualificados. A carência de escolta policial dificulta que as presidiárias sejam levadas para tratamentos de saúde nos hospitais de referência. Há falta contínua de medicamentos e os tratamentos para diversas doenças acabam se reduzindo à prescrição de analgésicos para alívio dos sintomas. Praticamente inexiste o pré-natal e os programas voltados à prevenção dos cânceres de colo de útero e de mamas. (Gustin EC. Mulher e saúde na prisão: a realidade nacional) Essas situações, que afetam quase todas as mulheres em sistema prisional, ficam ainda mais graves quando elas se encontram grávidas, tendo em vista a maior fragilidade física e emocional própria deste período. (Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional, Associação Juízes para a Democracia, Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, Pastoral Carcerária Nacional/CNBB, Instituto de Defesa do Direito de Defesa, Centro Dandara de Promotoras Legais Popular, et al. Relatório sobre as mulheres encarceradas no Brasil) 18 2.3. CUMPRIMENTO DA PENA E PARTICULARIDADES FEMININAS Segundo a autora Santa Rita (2007) o termo presídio já tem embutido a ideia de que é espaço dos homens, contribuindo de forma negativa para a criação e instalação de unidades penais, e de políticas públicas específicas para as mulheres presas. A organização prisional e a legislação penal não se atentaram ainda para as reais necessidades das detentas. [...] a mulher quando inserida no contexto de privação de liberdade apresenta uma série de particularidades que se relacionam às suas próprias condições biogenéticas: o “ser mãe”; o período de gestação; a fase de lactação, a separação dos filhos que nasceram em ambiente intramuros e extra-muros, para citar algumas (SANTA RITA, 2007, Mães e crianças atrás das grades, p.75). O que se tem, geralmente, é uma improvisação do espaço prisional (criado para homens) para receber o contingente feminino. Raros são os edifícios construídos com esse objetivo próprio, geralmente são prédios improvisados, antigos conventos, escolas e hospitais. Quando são criadas unidades penais femininas, a construção ocorre nos moldes masculinos, não atendendo as especificidades femininas que são bem diferentes das masculinas. Entende-se que uma pessoa presa só perde o direito à liberdade. Todos os outros, como o direito à saúde, defesa, assistência social e trabalho, deveriam ser garantidos pelo Estado. Não é o que acontece nos presídios femininos, as detentas são privadas de tudo. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, Jun/2013) À preparação para a soltura das mulheres apresentam peculiaridades e diferenças significativas. Este fato se dá em vista da gama diversificada de dificuldades como a reinserção em suas comunidades de origem ou mesmo em outras, obtenção de trabalho devido à qualificação profissional deficiente, estigma de ‘ex-presidiária’, a aceitação dos próprios familiares que muitas vezes preferem ignorar a existência de um integrante do núcleo que já esteve internado em uma unidade prisional, sendo de suma importância seu acesso à capacitação para o trabalho em alguma área produtiva, o que facilitará a ela o autossustento. (COYLE, 2002) Mesmo frente ao conhecimento de que as mulheres encarceradas necessitam de um atendimento à sua saúde diferenciado daquele prestado aos homens, uma 19 estrutura médica específica não foi identificadana maioria dos estabelecimentos pesquisados pelo Ministério da Justiça no ano de 2008. Tendo sido informado por todos os estabelecimentos que o acompanhamento pré-natal para as presas gestantes ocorria através do Sistema Único de Saúde (SUS), assim como os exames preventivos do câncer de colo uterino e de mamas (BRASIL, 2008b) 20 3. O PERFIL DAS MULHERES PRIVADAS DE LIBERDADE NO BRASIL Os dados mais recentes do Ministério da Justiça, de 2013, mostram que o perfil da maioria das presas é de baixo nível de escolaridade (67% não completaram o ensino médio), jovem (18 a 34 é a faixa etária mais comum), afrodescendente (54% identificam-se como negras ou pardas), solteira, família para cuidar, gestação em condições precárias, a maioria têm filho, são as responsáveis pela provisão do sustento familiar, são oriundas de extratos sociais desfavorecidos economicamente e exerciam atividades de trabalho informal em período anterior ao aprisionamento O Infopen (2014) constata que a grande maioria 63%, está encarcerada por crimes relacionados ao tráfico de entorpecentes. Na prática, o rico é enquadrado como usuário e o pobre como traficante. Apesar da lei não prever a prisão do usuário, essa diferenciação não depende da quantidade de droga encontrada com o acusado no momento do flagrante, e sim da presunção dos agentes de segurança pública ( policiais, delegados, promotores e juízes). Segundo o juiz José Henrique Rodrigues Torres, “Todo o nosso sistema criminal é seletivo e acarreta uma exclusão social” e acrescenta “É um formato de controle social que acaba penalizando e criminalizando a pobreza”. (O Projeto Tecer Justiça) Nada obstante a vultosa estimativa de mulheres encarceradas, sobretudo no Brasil, tem-se como pressuposto que dentre as principais razões para seu recolhimento intramuros, em boa parte dos casos concretos, reside no fato de que o público feminino tende a perpetuar a traficância já exercida por seus maridos, companheiros ou filhos; por vezes assumindo seus “lugares” na mercancia de tóxicos quando estes são presos. Também, o auxílio das mulheres a tais familiares por vezes consiste em assumir, por eles, a responsabilidade pela prática criminal (RODRIGUES et al, 2012). 3.1. POR QUE TRANSGRIDEM? O crime é um fato inevitável, em todos os lugares, em todas as épocas, os homens fogem ao padrão de conduta permitido, estabelecido pelas leis vigentes. Assim, um criminoso, tanto pode ser um homem como uma mulher, um sábio ou um analfabeto, um pobre ou um rico. 21 Ante esta realidade estudiosos já buscaram todas as formas de compreender as causas dos crimes. Já se imputou, como motivação da criminalidade, a hereditariedade, ambiente, estigmas, taras psíquicas, animismo, fatores sociais. Assim criaram-se escolas apontando causas biológicas, econômicas, sociais, culturais, familiares, raciais, todas com o firme propósito de entender os fatores determinantes da delinquência. Para Freud, o crime feminino representaria uma rebelião contra o natural papel biológico da mulher, representando um complexo de masculinidade (LEMGRUBER, 1983 pg. 12) Os ciclos produtivos da mulher, influem, de certo, em seu envolvimento em práticas delituosas. O período menstrual provoca, com certa freqüência, alterações de humor, e, portanto, anomalia de conduta. O estado puerperal, também, altera o comportamento feminino, levando-a até mesmo ao infanticídio, quando a mãe, logo após o parto, sob ação de um possível estado de perturbação mental, mata a criança que acabara de gerar. Ainda, a menopausa é capaz de alterar o comportamento feminino levando-a à delinqüência. (BARATA, 2002) Segundo Maruza Bastos de Oliveira (1997) é inegável a existência de delitos predominantemente femininos, mas não é possível caracterizar uma delinquência exclusivamente feminina, como defendem vários autores, uma vez que até mesmo o infanticídio e o aborto, crimes considerados tipicamente femininos, podem ser praticados por homens. As condições de vida de mulheres encarceradas no Brasil indicou a prevalência de condenações diretas ou indiretas devido ao tráfico de drogas, sendo que o envolvimento com este universo implicou na participação de várias mulheres em delitos graves, podendo ser citados como exemplos: formação de quadrilha, homicídio, infanticídio, lesão corporal, roubo, latrocínio, sequestro, extorsão, dentre outros (MAKKI; SANTOS, 2009). Nos delitos femininos não se pode ignorar o elemento masculino, mais ou menos aparente, como fator determinante da prática delituosa. Zéia Pinho de Rezende (1976) em seu estudo sobre a situação da mulher detenta, conclui que esta quando comete um crime de maior gravidade, quase sempre, o comete induzida pelo homem. Assim pode-se dizer que o ciúme, o amor e a vingança são fatores determinantes da delinquência feminina. (REZENDE, 1976) 22 3.2. O DIREITO À SAÚDE SEXUAL E REPRODUTIVA DAS MULHERES E A MATERNIDADE A visita íntima foi regulamentada às mulheres pela primeira vez em 1999. No Estado de São Paulo, o direito à livre disposição da própria sexualidade da mulher encarcerada só foi reconhecido em dezembro de 2001. Ignora-se que a atividade sexual é elementar e instintiva. Sendo assim, é impossível seu controle por meio da reclusão. É contraditório buscar a ressocialização da encarcerada, ao mesmo tempo em que se ignora a questão sexual, acreditando que esta não merece atenção especial. Ao ser reprimido o instinto sexual, não se contraria apenas as leis da natureza, mas também a vontade do indivíduo (BITENCOURT, 2004, p. 202-203). A abstinência sexual imposta pode gerar problemas psicológicos, favorecendo condutas inadequadas, deformando a auto-imagem do recluso, destruindo sua vida conjugal e induzindo a desvio de comportamento, segundo a orientação sexual original, forçadamente, e muitas vezes com graves seqüelas psicológicas. Neste sentido, é a liça de Bitencourt: A imposição da abstinência sexual contraria a finalidade ressocializadora da pena privativa de liberdade, já que é impossível pretender a readaptação social da pessoa e, ao mesmo tempo, reprimir uma de suas expressões mais valiosas. Por outro lado, viola-se um princípio fundamental do direito penal: a personalidade da pena, visto que, quando se priva o recluso de suas relações sexuais normais, castiga-se também o cônjuge inocente (BITENCOURT, 2004, p. 220). No exercício da cidadania, a saúde é relevante para a sociedade porque diz respeito à qualidade de vida de todo cidadão. Como valor a ser protegido pelo ordenamento jurídico brasileiro, o direito à saúde se insere dentro de uma complexa realidade social, sendo classificado como individual-social, subjetivo, fundamental, transindividual e de segunda, terceira e quarta gerações. Laframboise (1873) define que a concreção da saúde passa pelos seguintes fatores: ambiente, biologia humana, estilo de vida e organização de atenção à saúde. Conceitualmente, saúde não implica ausência de doença, mas ao completo bem-estar físico, mental e social. (HUMENHUK, Hewerstton. “O Direito à Saúde no Brasil e a Teoria dos Direitos Fundamentais.) A Lei nº. 8.080/90, conhecida com Lei Orgânica da Saúde, ratificou a concepção de saúde disposta na Declaração dos Direitos do Homem ao dispor: Art. 3o Os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do País, tendo a saúde como determinantes e condicionantes, entre outros, a 23 alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais. Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social. (PLANALTO) Sob o olhar feminino, as mulheres,casadas ou solteiras, com filhos ou sem, grávidas ou não, têm o seu direito aos cuidados médicos, a fim de prevenir, detectar precocemente, tratar e/ou reabilitar de qualquer problema de saúde aos quais estejam expostas ou que com eles possam concorrer de modo direto ou indireto. No contexto da saúde das mulheres, a Lei n º. 9.263, de 12 de janeiro de 1996, estatui sobre o planejamento familiar, no que diz respeito ao direito da família escolher ter ou não ter filhos, o número desejado, quando tê-los, o direito à assistência para a concepção e contracepção, através de métodos e técnicas cientificamente aceitas, as quais não colocam em risco a vida e a saúde das pessoas, como o uso de pílulas, preservativos masculinos e femininos, cirurgia de ligadura de trompas e vasectomia. A lei proíbe a indução à esterilização em massa ou que se façam campanhas direcionadas à esterilização de determinadas raças ou etnias. (Comissão da Mulher Advogada e Caixa dos Advogados de Mato Grosso, Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de Mato Grosso. Cartilha da Saúde da Mulher. Mato Grosso, 2009.) Sobre a disparidade do direito sexual para homens e mulheres presas, Buglione: No caso das mulheres presas percebe-se um protecionismo discriminatório quando se trata da sexualidade feminina, refletindo a expectativa social do devido comportamento da mulher. A mulher presa é desestimulada em sua vida sexual face a burocratização para o acesso à visita conjugal. A importância e atenção dirigida à reprodução, e por consequência à sexualidade e à moral feminina, são resultados de todo um processo histórico que tem na família, não apenas a raiz social, mas o meio naturalmente legal de transmissão da propriedade e dos bens (BUGLIONE, Samantha. A mulher enquanto metáfora do Direito Penal.) A privação sexual tem sido imposta às mulheres presas de maneira mais contundente e inflexível que para os homens presos. Na realidade, poucas unidades prisionais admitem a visita íntima, talvez para evitar gravidez das mulheres, o que representa encargos adicionais ao trabalho dos servidores penitenciários e necessidade de adequações estruturais e administrativas junto a esses estabelecimentos. 24 Segundo relata Nana Queiroz, no sistema feminino, a relação da mulher com o sexo é tabu. As mulheres que sentem essa necessidade são, silenciosamente, consideradas menos dignas. Há também o problema prático da gravidez. Os diretores de penitenciárias não querem arcar com os gastos extras representados por uma gestação. As visitas íntimas às detentas eram permitidas somente as que tomassem injeções anticoncepcionais. Porém, essa não é uma decisão que caiba ao poder público e sim à mulher, que é dona de seu corpo mesmo enquanto cumpre pena. As poucas penitenciárias que permitem os encontros íntimos das detentas com seus cônjuges (e é importante dizer que o Estado só entende como cônjuge um homem, logo lésbicas perdem esse direito completamente) enfrentam ainda o problema do abandono. As dificuldades impostas ao relacionamento são tantas que, quando as portas são abertas, são poucos os homens que resistiram e permaneceram fiéis à suas parceiras encarceradas. (QUEIROZ, Nana Presos que Menstruam) Na atualidade, considera-se que a privação de relações sexuais corresponde a um tratamento cruel dentro das prisões, representando uma punição excessiva e sem justificação legal (BITENCOURT, 2004, p. 219). Todavia, quando a maioria dos autores tratam da visita íntima, simplesmente fecham os olhos para a mulher em condição de encarceramento. Ainda há grande dificuldade para reconhecer o direito da mulher sobre o próprio corpo, seus direitos sexuais e reprodutivos na sociedade em geral. A dificuldade é ainda mais grave para as presas (LIMA, 2006, p. 15). Permitir a visita íntima significaria conceder liberdade feminina numa sociedade ainda patriarcal e sexista, na qual, embora seja garantida constitucionalmente a igualdade entre os sexos, ainda se constata a discriminação das mulheres no quotidiano. (SANTOS et.al., on-line). É evidente o protecionismo discriminatório existente ao tratar da sexualidade feminina. A mulher encarcerada é desestimulada em sua vida sexual pela burocratização do acesso à visita íntima, havendo ainda que se considerar que o sistema punitivo brasileiro não possui uma coerência na execução da pena, fazendo com que os presidiários tenham de se adaptar às ideologias dos novos diretores, (BUGLIONE, 2000) 25 ...muitas vezes, a discriminação vem das próprias encarceradas, pois a mulher se sente humilhada por manifestar o desejo de ter ‘desejo’, quando vai para a visita íntima. Neste caso, o delito é o desejo. E, sendo assim, ela é julgada e condenada. Nesse tribunal, as participantes são as próprias mulheres, sejam as que se encontram nas mesmas condições, isto é, presas, sejam as ‘outras’, isto é, mulheres trabalhadoras da instituição (LIMA, 2006, p. 79). O discurso proclamado pelas autoridades e funcionários das instituições penitenciárias para justificar a desigualdade entre homens e mulheres, no tocante à visita íntima, tem como base argumentos de que a mulher engravida, tem necessidades sexuais diferentes das masculinas e, portanto, não necessitaria de relações sexuais (LIMA, 2006, p.11-12). Ao comparar as visitas íntimas nos presídios femininos e masculinos torna-se evidente a discrepância no que diz respeito à autorização de visita para os que não são casados legalmente. Lima (2006, p.57), em pesquisa realizada na Penitenciária Feminina da Capital de São Paulo, ressalta a ausência de equidade em relação aos presos, uma vez que para que elas inscrevam seus companheiros para realização da visita íntima é necessário ter comprovada a vida conjugal. Tal critério acaba por discriminar a maioria delas. ...a interpretação da opção ou não pela visita íntima passa, num primeiro momento, pela desigualdade de gênero, que se reproduz intra-gênero, tornando as mulheres não somente diferentes dos homens, mas desiguais em relação a eles e às outras mulheres, pelo valor social atribuído à instituição do casamento ou laços de conjugalidade. Assim, são submetidas, na condição de mulheres presas, a uma norma que vincula sua sexualidade ao casamento ou laços comprovados de conjugalidade com o parceiro, o que pode excluir as mulheres que, mesmo possuindo companheiros e/ou namorados, não podem usufruir desse direito (LIMA, 2006, p. 57). Foi observado por Buglione (2000), nos presídios de Porto Alegre, que, na prisão masculina, basta que a companheira declare por escrito sua condição para que o recluso receba visitas intimas até oito vezes ao mês. Mas, para que a apenada tenha direito à visita do parceiro, este deve comparecer a todas as visitas familiares semanais, sem possibilidade de relação sexual, durante quatro meses seguidos e ininterruptos. Feito isso, a concessão à visita íntima ainda dependerá do aval do diretor do presídio para que aconteça, no máximo, duas vezes ao mês. Durante a permanência nas prisões, devido a dependência e solidão afetiva, muitas mulheres tornam-se homossexuais circunstanciais. Há um rompimento com 26 seu instinto sexual, segundo Buglione (2000). Como muitas mulheres não podem se relacionar com seus namorados ou parceiros, acabam se relacionando com quem está acessível, a exemplo do que também ocorre em outras instituições totais. Por outro lado, existe uma parcela de presidiárias homossexuais que têm companheiras extramuros, mas não podem receber a visita íntima, pois esta não é permitida para parceiras do mesmo sexo, representando outra discriminação pautada pela orientação sexual, o que, em síntese, representa outra forma de homofobia. 3.3. ENCARCERAMENTO E MATERNIDADE A frequência de mulheres grávidas no Brasil apresentou-se regular no universo prisional, sendo exemplo o períodocompreendido entre os meses de fevereiro e março de 2008, no qual havia 1,24% de mulheres encarceradas grávidas, sendo que neste mesmo lapso de tempo existia 0,91% de mulheres presas amamentando seus filhos e 1,04% do total desta população possuía filhos em sua companhia, com tempo de permanência deste contato, variando entre quatro meses e sete anos de idade. As mães podiam ficar durante o período integral com seus filhos, em 81,25% dos casos, sendo que em 12,50% deles, elas permaneciam no local durante o dia e retornavam para as celas no período noturno junto com seus filhos; e 6,25% delas permanecia no local durante o dia, com retorno à noite para as celas, sem a companhia de seus filhos (BRASIL, 2008b). A defesa de garantia de direitos à mulher e para seus filhos em período de amamentação fundamenta-se na premissa de que existem fatores relacionados à saúde de ambos neste contexto, cabendo ao Estado, no desempenho da custódia da mulher encarcerada fundamentar suas ações no “[...] princípio de proteção integral, pelo qual [...] deve assegurar, com absoluta prioridade: o direito à vida, à saúde e à dignidade” (BRASIL, 2008a, p. 84) Não existe uma regulamentação federal sobre a permanência de crianças no interior das creches. Percebe-se que, em aproximadamente 80% das unidades brasileiras, tal dispositivo se encontra apenas na alçada da própria Secretaria Estadual que tem gestão no sistema penitenciário, ausência de um corpo de 27 profissionais com capacitação especializada para acompanhamento de crianças na primeira infância. Analisando as representações sociais no universo prisional feminino, Frinhani e Souza (2005) informaram sobre diversas referências de internas acerca de mudanças drásticas nas relações familiares, causadas pela inserção nestes ambientes, com consequências materiais, como o roubo dos objetos de suas casas e a dependência de filhos menores em relação a familiares, com significativa incidência do aumento de responsabilidade dos filhos mais velhos, no que dizia respeito aos cuidados com os irmãos mais novos. Além disso, ao mesmo tempo em que estas mulheres procuravam pelo estabelecimento de relação próxima junto aos seus familiares, mencionavam as dificuldades que percebiam para que conseguissem reatar este relacionamento após o cumprimento da pena. Poucas possibilidades das estruturas físicas e humanas induzirem a um ambiente que contribua para o desenvolvimento harmonioso da criança em idade da primeira infância. A fase da primeira infância que corresponde ao período de 0 a 6 anos é a mais importante na formação da personalidade do ser humano. Sendo assim, o ambiente deverá apresentar um planejamento ordenado que proporcione o desenvolvimento das capacidades sociais, físicas, cognitivas, psicológicas, entre outras que influenciam diretamente na construção do ser humano como um todo. (PIAGET, 1971) Devido às condições nocivas das penitenciárias e delegacias, algumas mães não conseguem ficar com o bebê durante os seis meses para o aleitamento materno. Sem opção as mães quando há a possibilidade entregam a familiares/parentes da presa ou mandam para instituições. As crianças nascidas nas prisões são o mais forte argumento dos defensores dos direitos das detentas, principalmente tocante para aqueles que crêem que criminosas não merecem condições mínimas de direitos humanos. Isso porque há inocentes que também pagam essa pena (o mais inocentes que uma pessoa pode ser): os recém-nascidos. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010) Os artigos 317 e 318 do Código de Processo Penal sofreram modificações significativas com o advento da Lei de Medidas Cautelares (LEI Nº 12.403, DE 4 DE MAIO DE 2011), permitindo o juiz caso entenda necessário, poderá substituir prisão preventiva pela domiciliar, em alguns casos como a gravidez de alto risco ou a partir do sétimo mês, as gestantes permaneçam em prisão domiciliar; o mesmo se aplica a 28 mulheres que sejam imprescindíveis no cuidado de crianças com menos de seis anos, ou que estejam em gravidez de alto risco, ou ainda que sejam acometidas de doença grave. Art. 317. A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial. Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: (...) III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; IV - gestante a partir do 7o (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco. Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo. (PLANALTO) Conforme Nucci (2011, p. 76), tais artigos introduziram uma novidade no âmbito do processo penal, a prisão domiciliar cautelar: O substituto introduz uma novidade em matéria processual penal, consistente na prisão domiciliar, para fins cautelares. Essa modalidade de prisão somente era conhecida, em nosso sistema, em duas situações: a) não havendo local adequado para o cumprimento de prisão especial, nas hipóteses previstas pelo art. 295 do CPP, segue-se o disposto na Lei 5.256/67, instalando-se o detido em prisão domiciliar; b) em caso de condenação em regime aberto, conforme a condição pessoal do sentenciado, pode cumprir em prisão domiciliar, nos termos do art. 117 da Lei de Execução Penal. (NUCCI, 2011) A lei no entanto é pouco aplicada segundo Sônia Drigo (2012): “Vá à penitenciária e veja quantas gestantes de mais de sete meses estão lá; e, quando você conversa com elas, descobre que muitas têm filhos bem pequenos — ou seja, a lei não é respeitada.” (TECER JUSTIÇA, 2012) 29 4. TRATAMENTO DAS MULHERES ENCARCERADAS SOB A PERSPECTIVA DE GÊNERO E DIREITOS HUMANOS Atualmente esta em vigência no Brasil a Constituição de 1988 que é a norma suprema do ordenamento jurídico dentro de nosso país, o qual resguarda os direitos fundamentais de cada indivíduo, sendo tais direitos o núcleo da proteção da dignidade da pessoa humana. (MENDES, 2009) Considerada a proteção da dignidade humana como um dos pilares do Estado Democrático de Direito e do ordenamento jurídico, uma vez que inerente a todo e qualquer ser humano, embora possua um conceito em constante mudança, Sarlet (2011, p. 73) propõe o seguinte conceito: Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para umavida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e coresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida. (SARLET, 2011, pg. 73) O Estado tem a responsabilidade de prestar várias formas de assistências uma delas esta prevista no art. 6º da Constituição Federal”Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (PLANALTO) à pessoa presa, pode exercer os direitos fundamentais que são inerentes à pessoa humana. Sendo assim, a gestão penitenciária não pode confundir a privação da liberdade com a exclusão de outros direitos e garantias a que faz jus o ser humano. A discussão acerca do gênero teve como fonte teorias feminista que se desenvolveram no campo das ciências sociais. Essas teorias buscavam desmistificar a ideia de que as diferenças biológicas determinavam ospapeis desenvolvidos por homens e mulheres. Acreditava-se, até então, que os comportamentos, valores e tarefas dos sujeitos em sociedade eram pré-determinados e inerentes ao seu sexo biológico. (MIYAMOTO, 2012) 30 No Brasil, várias entidades estão envolvidas com as questões relacionadas às mulheres encarceradas. As violações contra os direitos das mulheres custodiadas pelo Estado brasileiro indica o desrespeito, aos tratados e às convenções internacionais pertinentes aos Direitos Humanos, à Constituição Federal e à Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210 de 1984). Poucas nações possuem uma legislação como a Lei de Execução Penal (LEP), que dispõe sobre os direitos de pessoas privadas de liberdade, tais como saúde, educação, assistência social, exercício do trabalho e de atividades intelectuais. No caso de mulheres em gestação, reclusão em estabelecimento compatível e direito à amamentação, dentre outros, ao mesmo tempo em que dispõe sobre a obrigação do Estado em propiciar as condições materiais necessárias para a execução desses direitos. (ASBRAD) Segundo Nana Queiroz em 2012, durante a Revisão Periódica Universal do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, o Brasil foi repreendido por desrespeitar os direitos humanos em seu sistema carcerário, especialmente por ignorar questões de gênero. É internacionalmente reconhecido que o sistema penitenciário feminino brasileiro é inadequado. É até mesmo difícil dizer exatamente quantos locais abrigam detentas no Brasil hoje, já que muitas delas são mantidas em delegacias de polícia e carceragens superlotadas e com estrutura inadequada Brasil afora. Em dezembro de 2012, porém, um levantamento do Ministério da Justiça apontou que existiam 53 penitenciárias, 4 colônias agrícolas, 7 casas de albergados, 9 cadeias públicas e 5 hospitais de custódia (para presas com problemas mentais) no país. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA) Os mais importantes instrumentos internacionais e regionais comprometendo o Brasil claramente afirmam que os direitos humanos se estendem às pessoas que estão encarceradas. O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, todos ratificados pelo Brasil, proíbem a tortura, tratamentos ou punições cruéis, desumanos ou degradantes, sem exceção ou derrogação. Tanto o Pacto Internacional sobre Diretos Civis e Políticos quanto a Convenção Americana requerem que "a reforma e readaptação social dos condenados" é a "finalidade essencial" do encarceramento Eles também determinam que "toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com respeito devido à dignidade inerente ao ser humano". 31 4.1. TRATADOS INTERNACIONAIS SOBRE DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO: CEDAW, BELÉM DO PARÁ Na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, realizada no ano de 1994, na cidade brasileira de Belém do Pará, foi reconhecida a condição específica de vulnerabilidade a que estão submetidas as mulheres privadas de liberdade, tendo sido determinado aos Estados, a atenção e a consideração necessárias à melhoria dessa situação. No entanto, estudos realizados acerca dessa realidade nos presídios do País, indicaram que o Estado brasileiro estava negligenciando estas recomendações (RELATÓRIO..., 2007). A legislação nacional possibilita o aproveitamento de pessoas encarceradas que tenham alcançado o Ensino Médio e Superior para o auxílio na capacitação educacional de outros indivíduos também privados de liberdade. Experiência relatada por Carreira e Carneiro (2009) a partir de pesquisa em unidade prisional feminina evidenciou as dificuldades pertinentes a implantação de estratégias desta natureza. O Brasil concentra a quinta maior população carcerária feminina do mundo, com 37.380, atrás dos Estados Unidos (205.400), China (103.766), Rússia (53.304) e Tailândia (44.751). De 2000 a 2014 o aumento do número de presas no país foi de 567,4%, enquanto a média de crescimento masculino, no mesmo período, foi de 220,2%. No total, são 579.781 presos em unidades prisionais brasileiras. 4.2. OBSERVAÇÕES DE ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS A Constituição de 1988 contém garantias explícitas para proteção da população encarcerada, entre essas o inciso onde "é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral. Os princípios e normas inerentes à dignidade humana têm sido integrados ao sistema de gestão prisional, através da adesão e ratificação de instrumentos internacionais, cujas características principais podem ser assim descritas, segundo o Ministério da Justiça (2009). As Regras Mínimas para o Tratamento dos Presos da ONU, da qual o Brasil é 32 signatário, prevêem que o tratamento das pessoas sujeitas a uma pena privativa de liberdade deve ter por objeto a promoção do seu desenvolvimento, do respeito próprio e do sentido de responsabilidade. A Regra 23-1 menciona que “nos estabelecimentos para as mulheres deve existir instalações especiais para o tratamento das presas grávidas, das que tenham acabado de dar a luz (...)”. No art. 11 das Regras Mínimas para o tratamento do Preso no Brasil fica explícito que aos menores de 0 a 6 anos, filhos de presos, será garantido o atendimento em creche e pré-escola. Segundo Leal (2001), dentro de uma perspectiva crítica da pena de prisão, menciona que embora haja diversos tratados internacionais de humanização do cárcere, um dos grandes desafios do penitenciarismo atual é a compatibilização da prática penitenciária com as leis ou os regulamentos disciplinadores da execução penal, as constituições e os documentos internacionais, em que se elencam os direitos do preso. O exame das conclusões dos diferentes congressos internacionais sobre temas penitenciários, realizados a partir de 1846, bem como das Regras Mínimas da ONU, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e da Convenção sobre a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, evidencia a preocupação de oferecer ao recluso, seja condenado ou provisório, um tratamento assentado no máximo respeito à sua integridade física e moral, com a preservação daqueles direitos não atingidos pela sentença ou outra decisão judicial e tendo entre suas metas, reduzir os efeitos da prisonização (ou prisionalização) e prepará-lo para o retorno útil ao convívio social (LEAL, 2001, p. 53). As Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil, que data de 1994, este é um documento, ainda mais obviamente, de aspirações.Consistindo-se de sessenta e cinco artigos, as regras abrangem tópicos tais como classificação, alimentação, assistência médica, disciplina, contato dos presos com o mundo exterior, educação, trabalho e direito ao voto. As regras basearam-se amplamente no modelo nas Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros das Nações Unidas e foram oficialmente descritas como um "guia essencial para aqueles que militam na administração de prisões" Pela característica fronteiriça, o Paraná se destaca por abrigar o segundo maior número de presas estrangeiras no país. Conforme o relatório do Depen, eram 61 no período - a maioria abrigadas em Foz do Iguaçu, atrás apenas de São Paulo, com outras 419 detentas. A localização repete o quadro no Mato Grosso do Sul, com 33 mais 51 presas, terceiro estado com o maior número de estrangeiras. Em todo o país, a maioria é boliviana e paraguaia, quase todas presas por tráfico internacional de drogas (Depen) Este fenômeno que faz com que o tráfico de drogas atinja de forma mais robusta as mulheres em termos de aprisionamento, no entanto, parece que não se restringir ao Brasil. A guerra e o combate às drogas em outros países reproduziu, igualmente, a situação verificadaem nosso país: Argentina, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Uruguai são exemplos de nações em que grande número de mulheres, assim como estrangeiros, são presos por crimes relacionados às drogas. (MONTENEGRO, 2011). A Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, institui a Lei de Execução Penal, que detalha os direitos e os deveres de internos de instituições de segurança pública brasileira (BRASIL, 1984). No art. 1º, estabelece que a execução penal deverá proporcionar uma “harmônica integração social do condenado e do internado”. O Estado, nesse ordenamento jurídico, tem a responsabilidade de prestar várias formas de assistência ao detento, uma vez que, sob a tutela estatal, o apenado não consegue exercer os outros direitos fundamentais que são inerentes à pessoa humana. De acordo com o Capez (2011) A Lei de Execução Penal reforça a garantia de respeito a todos os direitos do detento que não lhes foram retirados pela pena ou pela lei. a) Art. 12: concernente à assistência material, garante ao preso e ao internado o fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas. Enquanto o subsequente afirma que o estabelecimento disporá de instalações e serviços que atendam aos presos nas suas necessidades pessoais, além de locais destinados à venda de produtos e objetos permitidos e não fornecidos pela administração prisional; b) Artigos 17, 18, 19, 20 e 21: garantem instrução escolar e formação profissional à pessoa cumprindo pena privativa de liberdade, sendo o Ensino Fundamental obrigatório, integrado ao sistema escolar da Unidade Federativa; 18 c) Art. 19: refere-se ao ensino profissional nos níveis de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico, contendo parágrafo único referente à mulher condenada, que terá ensino profissional adequado à sua condição, sendo que o artigo subsequente estabelece que as atividades educacionais têm possibilidade de se tornarem objeto de convênio com entidades públicas ou particulares, que instalem escolas ou ofereçam cursos especializados; d) Art. 21: refere-se às condições locais das unidades, as quais deverão possuir uma biblioteca, para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos; e) Artigos 22 e 23: referem-se à assistência social, cujas funções, dentre outras atividades, relacionam-se com relatos ao Administrador prisional 34 sobre problemas enfrentados pelo assistido e o acompanhamento do resultado das permissões de saídas permanentes e temporárias; assim como, orientações pessoais ao assistido, principalmente na fase final do cumprimento da pena, visando o seu retorno à liberdade. No terceiro capítulo da Lei de Execução Penal encontra-se estabelecido o direito de trabalho para o detento, enquanto dever social e condição de dignidade humana, sendo que a atividade prescindirá de finalidade educativa e produtiva. Embora no Art. 28 esteja estabelecido que o trabalho do indivíduo sob a custódia do Estado não se encontre sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), alguns direitos são garantidos a esse grupo, como remuneração, mediante tabela prévia, não inferior a três quartos do salário mínimo (BRASIL, 1984). O Art. 32 da Lei nº 7.210 estabelece, sobre o trabalho interno, que esta atribuição deverá levar em conta a habilitação, a condição pessoal e as necessidades futuras do preso, bem como as oportunidades oferecidas pelo mercado, enquanto o seguinte relaciona-se com a jornada normal de trabalho, a qual prescindirá ultrapassar ou totalizar seis horas, não ultrapassando oito horas e possibilitando repouso nos domingos e feriados (CAPEZ, 2011). O preso pode reclamar sobre violação aos direitos e pedir proteção. Todos os direitos do preso podem ser reclamados para o próprio diretor do Presídio, pois todo preso tem direito a audiência, ou seja, de conversar com o diretor para expor seus problemas. Segundo a Lei de Execução Penal, o trabalho consiste no principal fator de reintegração social porque possui finalidade educativa e produtiva, representando um dever social e qualidade da dignidade humana. Este contexto, por sua vez, estabelece a ocorrência da reintegração social a partir da premissa de que o trabalho representa um processo terapêutico e necessário à preparação do indivíduo para a liberdade (OLIVEIRA; PAULA, 2013). Sendo, assim, a gestão penitenciária não pode confundir a privação da liberdade com a exclusão de outros direitos e garantias a que faz jus ao ser humano. No que se refere à prestação de atividades intramuros, o art. 83 da Lei de Execução Penal, ao citar as dependências destinadas à assistência educacional, laborativa, esportiva e de lazer nos estabelecimentos penais, especifica que aqueles destinados às mulheres serão dotados de estrutura de berçário, a fim de que as condenadas possam amamentar seus filhos. Tal menção legal foi produto da Lei 9.046 de 18 de maio de 1995, onze anos após a promulgação da Lei de Execução Penal, fazendo cumprir o art. 5 L da CF o qual estabelece que “às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação”. 35 4.3. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E LEI DE DIRETRIZES BÁSICAS DA EDUCAÇÃO Em 10 de outubro de 1979, foi instituído o Novo Código de Menores que, ainda desprovido de caráter universal, trouxe a doutrina da situação irregular, a qual era definida na lei como daquele menor privado de condições de subsistência, vitima de maus-tratos, em perigo moral, privado de representação ou assistência legal, com desvio de conduta ou autor de infração penal. É induvidoso certo avanço no tocante às medidas de proteção e assistência, embora se tenha mantido a política assentada em enfoques correcionais e assistencialistas. O ECA, norteado pelos artigos 204 e 227 da Carta Magna, foi produto de um amplo processo organizativo da sociedade para a superação da visão tradicional alicerçada no abandono, na carência e na delinqüência. A situação da criança “encarcerada” é complexa já que, se por um lado ela precisa ficar perto do amparo materno por outro lado essa criança pode muitas vezes ficar exposta a ambientes inadequados e insalubres. A permanência do menor “encarceirado” deveria ficar o mínimo tempo possível junto ao sistema prisional, afim de garantir os direitos da criança. As consequências do encarceramento infantil são a falta de assistência medica (pediatras), contato com as drogas, agressões constantes, falta de uma estrutura familiar e ambiente seguro. Muitas mulheres grávidas são primárias (e com penas baixas), sendo assim poderiam ficar com seus filhos amamentando até o final da sentença ou poderiam ter a pena substituída para uma pena restritiva de direitos ou prisão domiciliar, para amamentar em casa. Analisando o estatuto da criança e do adolescente (ECA) lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, discorre sobre a Lei nº 12.403/11 que prevê a prisão preventiva que pode ser substituída por prisão albergue domiciliar para gestantes a partir do 7o mês ou sendo esta de alto risco e também para pessoa “imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência”, bem como analisar os direitos de forma global. Os presos têm direito à proteção de seus direitos humanos. As pessoas presas não deixam de ser seres humanos, independentemente da gravidade do crime pelo qual foram acusadas ou condenadas. O tribunal ou outro órgão judicial que tratou do caso decretou que elas devem ser privadas de sua liberdade, não que devem perder sua humanidade (COYLE, 2002, p. 41). 36 Para permanência da criança no sistema prisional é essencial uma avaliação interdisciplinar de cada caso, levando-se em conta as condições individuais de cada mãe. Portanto, é primordial que a visão da justiça seja integrada com a visão da saúde mental da criança. Destaforma, não se prejudicará tão intensamente a vida da criança. A legislação brasileira não reserva um amparo específico para a reclusa grávida. Não se verifica sequer um capítulo na Lei de Execução Penal abordando regras mínimas necessárias ao lidar com uma mulher presa na penitenciária. O Período de permanência da mãe presa com o filho em ambiente prisional feminino. A Constituição Estadual aborda um período de permanência da mãe presa com o filho no cárcere, por seis anos, diferente da Constituição Federal que assegura o direito da apenada permanecer com o filho na cadeia apenas durante o período de amamentação. (Constituição Estadual do Rio Grande do Sul, de 03 de outubro de 1989, em seu artigo 139) De modo geral, assegura-se legalmente à presidiária gestante somente o direito de permanecer o filho durante o período de amamentação. Na prática, cada instituição penal tem o seu regulamento interno, e, por isso, sua estrutura para permitir e cumprir o que a lei determina, ou seja, dependendo do Estado, as mães após conceberem seus filhos têm direito de permanecerem em sua companhia de quatro a seis meses, o que corresponde ao período de amamentação. Sendo assim as ações da infância inseridas no contexto penitenciário não podem ser desassociadas das políticas públicas brasileiras de atenção a população infantil, tendo em vista que as eliminações de possibilidades de risco pessoais e sociais às crianças são diretrizes consagradas no Estatuto da Criança e do Adolescente. 37 CONCLUSÃO O foco deste trabalho foi refletir sobre a situação das mulheres encarceradas e da permanência ou não das crianças no interior das unidades prisionais femininas brasileiras. Poucos estudos e pesquisas relacionados aos direitos das mulheres e a convivência familiar em situações de privação de liberdade são realizados. Deu para perceber que existe uma visível disparidade entre as determinações oficialmente declaradas e o que este realmente ocorre no sistema. Essas mulheres tem um perfil muito parecido, a maioria é negra, pobre e com baixa escolaridade, rés primárias, presas principalmente por tráfico de entorpecentes, com filhos e responsáveis pelo sustento familiar produzindo consequências para toda a família. As mulheres que chegam gravidas ou as que engravidam no cárcere têm que conviver com a incerteza de quanto tempo irão permanecer com os seus filhos. A penitenciaria não deveria e não pode impedir a garantia constitucional que mães presidiárias e crianças possuem quanto à convivência familiar, mas linha é muito tênue na hora de decidir a permanência das crianças. A realidade é muito cruel, a maioria das penitencias não oferece condições mínimas de habitabilidade como um local adequado para dormir, alimentação com o mínimo de higiene, saneamento básico e educação. Deveriam ser colocados em prática os artigos 317 e 318 do Código de Processo Penal, permitindo o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar, a fim, de preservar uma relação tão importante mãe e filho, garantindo a convivência familiar, tendo em vista que muitas vezes ocorre à impossibilidade de ter seus filhos cuidados por outros membros da família o vínculo materno-infantil é rompido de uma maneira abrupta na primeira etapa do desenvolvimento da criança. 38 REFERÊNCIAS BARATA, Germana e LIMA, Juliana Schober G. “Violência extrema pode ter causas biológicas”. Revista Eletrônica de Jornalismo Científico (on line). Brasil, 2002. Disponível: http://www.comciencia.br/reportagens/violencia/vio08.htm Disponível em: Acesso em 28 out. 2015. BORILLI, S. P. Análise das circunstâncias econômicas da prática criminosa no Estado do Paraná: estudo de caso nas Penitenciárias Estadual, Central e Feminina de Piraquara. 2005. 211 f. 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