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1 200 2 200 SUMÁRIO Sumário ................................................................................................................... 1 1 - Princípios Administrativos .................................................................................. 6 1.1. Qual a importância dos princípios? ............................................................................... 6 2. DUPLA FUNCIONALIDADE DOS PRINCÍPIOS ...................................................................... 7 3. TEORIA DE ROBERT ALEXY E OS PRINCÍPIOS COMO MANDAMENTOS DE OTIMIZAÇÃO .. 9 4. REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO .............................................................................. 10 5. SUPRAPRINCÍPIOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO .......................................................... 10 5.1. Supremacia do interesse público sobre o privado .................................................................................... 11 5.1.1. A “desconstrução” da supremacia do interesse público. Crítica da crítica ............................................ 14 5.2. Supraprincípio da indisponibilidade do interesse público ......................................................................... 16 6. PRINCÍPIOS EXPRESSOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO ................................................. 18 7. DEVIDO PROCESSO LEGAL FORMAL E DEVIDO PROCESSO LEGAL MATERIAL (ART. 5º, LIV, DA CF) .................................................................................................................................. 21 7.1. Devido processo legal como garantia finalística ....................................................................................... 23 7.2. Devido processo legal e verdade sabida.................................................................................................... 23 7.3. Verdade sabida nos concursos: um tema campeão de incidência ............................................................ 24 7.4. Verdade sabida na jurisprudência do STF ................................................................................................. 25 8. PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO (ART. 5º, LV, DA CF) ..................................................... 26 9. PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA (ART. 5º, LV, DA CF) ........................................................ 26 10. PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU .......................................................................................... 27 11. PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO (ART. 37, § 3º, DA CF) .................................................... 30 12. PRINCÍPIO DA CELERIDADE PROCESSUAL (ART. 5º, LXXVIII, DA CF) .............................. 31 13. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ........................................................................................... 32 13.1. Conceito ................................................................................................................................................... 32 13.2. Legalidade em sentido negativo e legalidade em sentido positivo ......................................................... 32 13.3. Bloco da legalidade e princípio da juridicidade ....................................................................................... 33 13.4. Tríplice fundamento constitucional da legalidade .................................................................................. 34 13.5. Legalidade privada e legalidade pública .................................................................................................. 35 13.6. Exceções à legalidade .............................................................................................................................. 36 13.7. Teoria da supremacia especial ................................................................................................................ 36 14. PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE ................................................................................... 38 14.1. Subprincípio da vedação da promoção pessoal ...................................................................................... 39 3 200 15. PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA ............................................................ 41 15.1. Conteúdo jurídico da moralidade administrativa .................................................................................... 44 15.2. Conceito ................................................................................................................................................... 45 15.3. Boa-fé subjetiva e boa-fé objetiva ........................................................................................................... 46 15.4. O debate sobre a “moral paralela” .......................................................................................................... 46 15.5. O Combate ao Nepotismo. Súmula Vinculante 13 do STF ....................................................................... 47 15.6. Instrumentos para tutela da moralidade administrativa ........................................................................ 49 15.7. Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8429/92) ................................................................................... 50 16. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE OU TRANSPARÊNCIA ADMINISTRATIVA .......................... 51 16.1. Subprincípios da transparência e da divulgação oficial ........................................................................... 52 16.2. Razões de existir da publicidade.............................................................................................................. 52 16.3. Formas de publicidade ............................................................................................................................ 53 16.4. Taxonomia da publicação dos atos gerais ............................................................................................... 53 16.5. Exceções à publicidade ............................................................................................................................ 54 16.6. Atos secretos e improbidade administrativa ........................................................................................... 55 16.7. Transparência na Lei de Acesso à Informação (Lei n. 12.527/2011) ....................................................... 55 17. PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA .............................................................................................. 58 17.1. Eficiência, eficácia e efetividade .............................................................................................................. 60 17.2. Institutos afins ......................................................................................................................................... 60 18. PRINCÍPIOS INFRACONSTITUCIONAIS ............................................................................ 60 19. PRINCÍPIO DA AUTOTUTELA .......................................................................................... 61 20. PRINCÍPIO DA OBRIGATÓRIA MOTIVAÇÃO ................................................................... 64 20.1. Motivação, motivo, causa, móvel e intenção real ................................................................................... 65 20.2. Obrigatória cronologia entre motivo, ato e motivação ........................................................................... 65 20.3. Extensão do dever de motivar ................................................................................................................. 66 20.4. Motivação desnecessária ........................................................................................................................ 67 20.5. Momento da motivação .......................................................................................................................... 68 20.6. Atributos da motivação ...........................................................................................................................68 20.7. Lugar da motivação e motivação “aliunde” ............................................................................................. 68 20.8. Teoria dos motivos determinantes .......................................................................................................... 68 20.9. Novas Exigências sobre Motivação na LINDB .......................................................................................... 69 21. PRINCÍPIO DA FINALIDADE ............................................................................................ 72 22. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE ..................................................................................... 73 23. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE ............................................................................ 74 23.1. Proporcionalidade na lei e proporcionalidade perante a lei ................................................................... 76 4 200 23.2. Os subprincípios da proporcionalidade e a teoria dos três testes .......................................................... 76 23.3. Novos elementos integrantes da proporcionalidade .............................................................................. 77 24. PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE ............................................................................... 78 25. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA ............................................................................ 80 25.1. Segurança jurídica prevista na Constituição Federal? ............................................................................. 81 25.2. Boa-fé vs Segurança Jurídica vs Proteção à Confiança Legítima ............................................................. 81 25.3. Segurança jurídica em sentido objetivo (rechtssicherheit) ..................................................................... 82 25.4. Proteção à confiança legítima (vertrauensschutz) .................................................................................. 83 25.4.1 Justificativas para estabilização de atos ilegais ..................................................................................... 83 25.4.2 O caso da viúva de Berlim...................................................................................................................... 84 25.4.3 A segurança jurídica tutela a confiança ilegítima? ................................................................................ 85 25.4.4 Aplicações práticas da proteção à confiança ......................................................................................... 85 25.4.5 Requisitos para aplicação da proteção à confiança............................................................................... 86 25.4.6 Excludentes da proteção à confiança .................................................................................................... 86 25.5. Teoria da Autovinculação da Administração ........................................................................................... 86 25.6. Teoria dos atos próprios ou vedação do “venire contra factum proprium”. Requisitos para aplicação 87 25.7. Diferenças entre a teoria dos atos próprios e o princípio da proteção à confiança legítima ................. 88 25.8. Prazo quinquenal para anulação de atos ilegais. Estabilização de benefícios ilegais.............................. 88 25.8.1 Anulação de atos praticados antes da Lei n. 9.784/99 .......................................................................... 89 25.9. Teoria do “prospective overruling” ......................................................................................................... 89 26. PRINCÍPIO DA BOA ADMINISTRAÇÃO ......................................................................... 90 27. PRINCÍPIO DA SINDICABILIDADE ................................................................................... 91 28. PRINCÍPIOS DA CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO E DA OBRIGATORIEDADE DA FUNÇÃO ADMINISTRATIVA .................................................................................................. 91 29. PRINCÍPIO DA DESCENTRALIZAÇÃO OU ESPECIALIDADE .............................................. 95 30. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE .............................................................. 96 31. PRINCÍPIO DA ISONOMIA .............................................................................................. 97 32. PRINCÍPIO DA HIERARQUIA ......................................................................................... 101 33. OUTROS PRINCÍPIOS .................................................................................................... 101 34. PRINCÍPIOS-MEIO E PRINCÍPIOS-FIM ........................................................................... 102 35. QUADRO DE CORRESPONDÊNCIA ENTRE OS INCISOS DO PARÁGRAFO ÚNICO, DO ART. 2º, DA LEI N. 9.784/1999 E OS PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS ........................................ 103 36. JURISPRUDÊNCIA ......................................................................................................... 104 37. ESQUEMATIZANDO ...................................................................................................... 138 5 200 38. LISTA DE QUESTÕES ..................................................................................................... 145 39. GABARITOS .................................................................................................................. 164 40. QUESTÕES COMENTADAS ........................................................................................... 165 6 200 1 - PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS 1.1. QUAL A IMPORTÂNCIA DOS PRINCÍPIOS? Muito bem, vamos estudar agora os princípios administrativos, o tema central do Direito Administrativo Brasileiro e muito cobrado em concursos. Você sabe por qual razão esse tema é tão importante? Porque o conhecimento dos princípios que regem a Administração Pública é fundamental para a compreensão de todos os institutos que compõem o nosso ramo. Antes de qualquer coisa preciso fazer um alerta terminológico: no seu edital o tema dos princípios pode aparecer sob outro rótulo: REGIME JURÍDICO- ADMINISTRATIVO! É porque tanto faz falar em princípios do Direito Administrativo ou Regime Jurídico-Administrativo. Você lembra que não existe no Brasil um “Código de Direito Administrativo”, tal como ocorre com outros ramos do Direito, a exemplo do Código Civil ou do Código de Processo Civil. Por isso, o nosso Direito Administrativo positivo pode parecer um complexo e caótico conjunto de leis esparsas dispondo sobre a matéria administrativa, editadas por todos os entes integrantes da Federação, cada qual no âmbito de suas respectivas competências legislativas atribuídas pela Constituição Federal. No entanto, não se impressione e nem desanime! Não será difícil notar que o Direito Administrativo, assim como os ramos codificados, compreende um conjunto de regras e princípios organizados com unidade e sistematização. A importância de conhecer os princípios administrativos, sejam eles expressos na CF/88 ou reconhecidos pela doutrina, se justifica em razão de os princípios exercerem a função de sistematizar o Direito Administrativo pátrio como uma disciplina jurídica autônoma, dando- lhe coerência e identidade. Os princípios administrativos desempenham a tarefa de conferir unidade e sistematização ao ramo, o que, nas outras disciplinas jurídicas, é realizado pelas codificações. Assim, a falta de codificação aumenta a importância sistêmica dos princípios no Direito Administrativo brasileiro. Princípios são normas jurídicas marcadas por uma elevada carga valorativa, carregando consigo os valores fundamentais de um sistema. Acompanhe a precisa lição de Celso Antônio Bandeira de Mello sobre os princípios jurídicos: “princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear deum sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para exata compreensão e inteligência delas, exatamente 7 200 porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhes a tônica que lhe dá sentido harmônico”. Daí porque Bandeira de Mello chama a atenção no sentido de que “violar um princípio é muito mais grave do que violar uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais”1 (destaques nossos). Interessante notar que os princípios cumprem o duplo papel de informar e enformar2 o sistema normativo. Informam o sistema normativo porque fixam o núcleo valorativo essencial do ordenamento jurídico. Enformam na medida em que dão forma, vale dizer, delimitam os contornos de determinado ramo. Feita essa primeira aproximação, vamos conhecer a funcionalidade prática dos princípios do Direito Administrativo, para que possamos, na sequência, estudar o regime jurídico da Administração Pública. 2. DUPLA FUNCIONALIDADE DOS PRINCÍPIOS Quando estudamos o Direito Administrativo como um dos ramos do Direito Público, podemos constatar que os princípios do Direito Administrativo desempenham duas funções: a função hermenêutica e a função integrativa. Imaginemos que o operador do Direito se depare com uma dúvida sobre o significado de uma norma jurídica. Nessa hipótese, ele poderá recorrer aos princípios do Direito Administrativo para auxiliá-lo na interpretação daquela norma jurídica. Pense num exemplo: o aplicador do direito poderá se deparar com uma dúvida sobre a legitimidade de uma norma jurídica que estabeleça um tratamento diferenciado aos portadores de deficiência física na realização de uma prova de concurso público. Mas, analisada a questão à luz do princípio da igualdade tal dúvida deixará de existir. Essa é a função hermenêutica ou interpretativa desempenhada pelos princípios. Hermenêutica jurídica é a parte da Filosofia do Direito que estuda o processo técnico de extrair o conteúdo e o alcance das normas jurídicas. Hermenêutica é a ciência da interpretação. O mais importante estudioso brasileiro na matéria é Carlos Maximiliano, autor do clássico “Hermenêutica e Aplicação do Direito”. 1 Criação de Secretarias Municipais, RDP, 1971, v. 15, p. 284-286, citação transcrita no Curso de direito administrativo, p. 53. 2 No direito português, vários autores falam em função “enformadora” dos princípios jurídicos. Entre nós, a expressão é utilizada por Newton de Lucca. 8 200 Carlos Maximiliano Pereira dos Santos (São Jerônimo/RS, 24 de abril de 1873 – Rio de Janeiro, 2 de janeiro de 1960). O gaúcho Carlos Maximiliano foi deputado federal pelo Rio Grande do Sul, Ministro da Justiça e Negócios Interiores no governo Venceslau Brás e também Ministro da Agricultura. Desempenhou diversos outros cargos públicos relevantes como Consultor Geral da República, Procurador Geral da República e Ministro do STF. Como autor, consagrou-se pela obra clássica “Hermenêutica e Aplicação do Direito”, da qual os operadores do direito extraíram o trecho incansavelmente citado em milhares de petições: “a hermenêutica tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito”. Elaborado há mais de 100 anos, o referido conceito hoje mostra-se cientificamente ultrapassado diante dos avanços alcançados pela Linguística e Semiótica. Atualmente, é insustentável defender a existência de um único sentido resultante da interpretação normativa, basta lembrar, por exemplo, que institutos como a “interpretação conforme à constituição” e “inconstitucionalidade sem redução de texto”, já incorporados ao Direito brasileiro, pressupõem a multiplicidade de interpretações possíveis para um mesmo dispositivo. Ainda assim, citar Carlos Maximiliano em matéria de hermenêutica jurídica é quase uma obrigação. Lembro, por fim, que comumente o nome de Carlos Maximiliano é incluído no rol dos maiores juspublicistas brasileiros de todos os tempos, ao lado de Rui Barbosa, Pontes de Miranda, Pedro Lessa, Vitor Nunes Leal e Seabra Fagundes. Além de auxiliar na interpretação, o princípio atua também no processo de preenchimento de lacunas normativas ante a ausência de regra expressa para disciplinar determinada situação. Nessa hipótese, poderá o aplicador do Direito recorrer ao princípio como forma de superar a ausência normativa. Trata-se da função integrativa desempenhada pelos princípios. Integração é o processo técnico-jurídico de colmatação (preenchimento) de lacunas. Diante da ausência de norma, a autoridade não pode recusar-se a decidir, daí a necessidade de integração desse “buraco” na lei utilizando instrumentos que o próprio ordenamento disponibiliza. Nesse sentido, prescreve o art. 4o da Lei de Introdução de Normas às Normas do Direito Brasileiro: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito” 9 200 Dupla Função Dos Princípios Integrativa É a função que surge para superar ausências normativas, ou seja, permite que os princípios atuem no processo de preenchimento de lacunas normativas ante a ausência de regra expressa para disciplinar determinada situação. Hermenêutica Também conhecida como função interpretativa, permite que o operador do Direito possa recorrer aos princípios do Direito Administrativo sempre que vier a se deparar com uma dúvida sobre o significado de determinada norma jurídica. 3. TEORIA DE ROBERT ALEXY E OS PRINCÍPIOS COMO MANDAMENTOS DE OTIMIZAÇÃO Antes de estudarmos a fundo o regime jurídico-administrativo, quero destacar uma importante concepção dos princípios jurídicos desenvolvida pelo jurista alemão Robert Alexy, para quem os princípios são “mandamentos de otimização”. De acordo com Alexy, os princípios são regras que exigem que algo seja realizado “na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”. Note que, sob tal ótica, os mandamentos de otimização “caracterizam-se por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas”3. Os princípios, como mandamentos de otimização, podem incidir de forma integral ou parcial, a depender das condições fáticas e jurídicas indispensáveis. Pelo contrário, as normas específicas não admitem essa aplicação parcial. Em outras palavras, a norma específica incide, caso haja subsunção do fato à norma, ou não incide, na hipótese de o fato não se ajustar à norma. Cabe aqui um alerta importante! Embora a teoria de Alexy sobre os princípios como mandamentos de otimização seja interessante, não se compatibiliza com o sentido que a doutrina e a legislação brasileiras dão ao termo “princípio”. É a mesma palavra com dois significados diferentes4. Por isso, não recomendo seu uso em concursos. Pode ser citada em provas escritas ou exames orais, para mostrar domínio amplo da matéria, mas não utilizada como única referência 3 Teoria dos direitos fundamentais, p. 90. 4 Sobre a polêmica que envolve o uso acrítico da teoria de Alexy no Brasil, vide: Luis Virgílio Afonso da Silva, A constitucionalização do direito, p. 35-37; e Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, p. 53, nota 34. 10 200 conceitual em provas de Direito Administrativo. Deve-se dar preferência ao sentido clássicoutilizado por nossos administrativistas (sentido clássico: princípio é toda norma geral que veicula valores fundamentais alicerçando o regime jurídico-administrativo). 4. REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO Finalmente, vamos iniciar o estudo do regime jurídico-administrativo propriamente dito. A expressão “regime jurídico-administrativo” é utilizada para designar o conjunto formado por todos os princípios e regras pertencentes ao Direito Administrativo. Cuidado! Não confunda a expressão “regime jurídico-administrativo” com a expressão “regime jurídico da Administração Pública”. Esta última é mais ampla, na medida em que abrange tanto o regime de direito público como o regime de direito privado aplicáveis à Administração. 5. SUPRAPRINCÍPIOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO Celso Antônio Bandeira de Mello5 sustenta a existência de dois supraprincípios, ou superprincípios, dos quais derivam todos os demais princípios e regras do Direito Administrativo: a) supremacia do interesse público sobre o privado; e b) indisponibilidade do interesse público. Sob tal perspectiva, pode-se dizer que o exercício da função administrativa é marcado, de um lado, pelos poderes da Administração Pública (supremacia do interesse público) e, de outro lado, pelos direitos dos administrados (indisponibilidade do interesse público), cabendo lembrar que ambos são princípios relativos, na medida em que não existe supremacia absoluta do interesse público sobre o privado, nem indisponibilidade absoluta dos interesses públicos. Agora preciso saber: você tem familiaridade com esses dois conceitos, supremacia e indisponibilidade do interesse público? Não se preocupe. Vou mostrar no tópico seguinte tudo o que você precisa saber sobre isso para não errar nenhuma pergunta na prova... vamos lá? 5 Curso de direito administrativo, p. 69. 11 200 5.1. Supremacia do interesse público sobre o privado Bem, acabamos de ver que o princípio a supremacia do interesse público sobre o privado tem natureza jurídica de supraprincípio, ou superprincípio, na medida em que é uma base de sustentação para os demais princípios e regras que integram o regime jurídico- administrativo. Você vai concordar comigo que, para viabilizar a vida de qualquer grupo social, é indispensável a prevalência do interesse de todo o grupo sobre o interesse de cada indivíduo. Embora não exista, como vimos, uma supremacia absoluta do interesse público sobre o privado. Há um exemplo bem ilustrativo dessa relatividade da supremacia. Você deve lembrar que a CF/88 assegura o direito à propriedade (art. 5º, XXII: “é garantido o direito de propriedade”), mas ao mesmo tempo prevê o instituto da desapropriação (art. 5º, XXIV: “a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição”). Pois bem, embora eu possa ser proprietário de um terreno, minha propriedade poderá vir a ser objeto de um procedimento expropriatório para, por exemplo, corrigir o traçado de uma via pública. Note: o art. 5º, XXIV, da CF atribui a competência para desapropriar, mas condiciona seu exercício ao devido processo legal (“a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação...”) e ao pagamento de indenização prévia, justa e em dinheiro, tudo isso para proteger o direito privado à propriedade. Se a supremacia do interesse público fosse absoluta o poder de desapropriar não encontraria limites e poderia ser exercido sem rito prévio (sem devido processo legal) e sem qualquer indenização. Veja que belo exemplo (modesto eu, né? Rs) Bom, vamos seguir... A supremacia do interesse público implica na outorga de poderes especiais à Administração Pública, como defensora dos interesses públicos, conferindo uma posição jurídica de superioridade (verticalidade) em face do administrado ou, se você preferir, uma desigualdade jurídica entre ambos. Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a supremacia do interesse público está presente tanto no momento de elaboração da lei, como na aplicação da lei pela Administração Pública.6 Pense no caso, por exemplo, da Lei nº 8.666/93, que estabelece normas gerais de licitação e contratos administrativos. No momento da elaboração da lei, o legislador estabeleceu no art. 58 as denominadas cláusulas exorbitantes nos contratos administrativos, que consagram poderes contratuais especiais conferidos à Administração, mas não ao contratado, revelando a supremacia do interesse público expressa na lei. Por sua vez, diante 6 Direito administrativo, p. 64. 12 200 de um caso concreto, a Administração Pública poderá invocar uma cláusula exorbitante, como a rescisão unilateral do contrato por motivo de interesse público (art. 78, XII, da Lei 8666/93), fazendo valer a supremacia do interesse público no momento de aplicação da lei. Em síntese, pode-se falar em supremacia do interesse público sobre o privado manifestada na lei (momento de criação) ou perante a lei (momento de aplicação). A posição de verticalidade ocupada pela Administração em razão da supremacia do interesse público sobre o privado não existe quando o Estado atua na defesa do seu interesse patrimonial. A partir da já mencionada distinção feita pelo italiano Renato Alessi, quando o Estado atua defendendo o verdadeiro interesse da coletividade fala-se em interesse público primário. Defender o interesse público primário significa, no Estado de Direito, agir aplicando adequadamente as normas do ordenamento jurídico. Por outro, diz Alessi, quando o Estado age exclusivamente para proteger seu patrimônio, tem-se o chamado interesse público secundário, hipótese em que terá poderes jurídicos iguais aos do particular (posição de horizontalidade). Defender o interesse público secundário exige necessariamente a aplicação inadequada de normas do sistema. São exemplos de defesa do interesse público secundário: atraso no pagamento de precatório; criação e cobrança de tributo claramente inconstitucional; interposição protelatória de recursos processuais pela Fazenda Pública somente para adiar a condenação do Estado. Por tudo isso, só existe supremacia do interesse público primário sobre o interesse privado. O interesse público secundário não tem supremacia. Agora vou organizar todas as essas ideias pra você... Interesse Público Primário Interesse Público Secundário Interesse da coletividade Interesse patrimonial do estado Verdadeiro interesse público Falso interesse público Aplicação adequada do Direito Aplicação inadequada Supremacia sobre interesse privado Igualdade com interesse privado Sua defesa é legítima por si mesma Defesa só é legítima se compatível com o interesse primário Vamos seguir. Vou listar agora outros casos, além da desapropriação e das cláusulas exorbitantes dos contratos administrativos, de institutos que revelam poderes especiais outorgadas à Administração Pública em decorrência da supremacia do interesse público: 13 200 a) requisição de propriedade privada: o art. 5º, inciso XXV, da CF/88 estabelece que “no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano”. O dispositivo autoriza o uso forçado de propriedade particular pelo Estado em situação emergencial. Exemplos: requisição de mangueira para combater incêndio; veículo particular, requisitado pela polícia para perseguir criminoso; b) ocupação temporária de imóveis privados como apoio a obras e serviços públicos (art. 36 do DL 3365/41); c) competência para exercício do poder de polícia, limitando a liberdade e a propriedade dos particulares em favor do interesse público (art. 78 do CTN); d) impenhorabilidade dos bens públicos;e) imprescritibilidade dos bens públicos, impossibilitando a perda de bens públicos por usucapião; f) poder de convocação de particulares para a execução compulsória de atividades públicas (requisição de serviço). Exemplos: convocação de mesários para eleição; jurados no Tribunal do Júri; conscritos no serviço militar obrigatório; g) dever de o particular dar passagem no trânsito para viaturas sinalizando situação de emergência; h) prazos processuais em dobro para contestar, recorrer e responder recurso: nos termos do art. 183 do CPC: “A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal”. Cabe lembrar que o benefício do prazo em dobro não se aplica quando a lei estabelecer, de forma expressa, prazo próprio para a Fazenda (art. 183, § 2º, do CPC); i) intimação pessoal do procurador da Fazenda Pública para atos processuais; j) isenção de taxas e emolumentos na propositura de ação judicial; k) presunção de legitimidade do ato administrativo: até prova em contrário o ato administrativo é considerado válido e seu motivo, verdadeiro. Trata-se de presunção relativa (“juris tantum”); l) imperatividade dos atos administrativos: consiste na capacidade da Administração impor unilateralmente obrigações ao particular mesmo sem anuência do destinatário; m) autoexecutoriedade do ato administrativo: autoriza o Poder Público a, sem necessidade de ordem judicial, executar materialmente o conteúdo de suas decisões (coerção direta) utilizando a força física, se necessário for. Exemplos: guinchamento de carro parado em local proibido; remoção de famílias em área de risco; fechamento de restaurante pela vigilância sanitária; n) autotutela de seus atos: a Administração Pública pode anular ou revogar seus próprios atos, sem necessidade de autorização judicial. 14 200 É fácil notar que a supremacia do interesse público sobre o privado manifesta-se diretamente quando a Administração pratica os chamados atos de império, valendo-se do “ius imperii” (poder de autoridade), decisões impositivas típicas de uma relação de verticalidade. Todavia, no caso dos denominados atos de gestão, praticados pela Administração, mas regidos pelo direito privado, que são próprios de uma relação isonômica de horizontalidade entre a Administração e o particular, aplica-se a supremacia do interesse público de forma indireta, reflexa ou mitigada. São exemplos de atos de gestão: contratos de locação, contratos bancários e de seguro celebrados pela Administração. Mesmo os atos de gestão revestem-se da presunção de legitimidade, uma manifestação indireta, reflexa ou mitigada da supremacia do interesse público. 5.1.1. A “desconstrução” da supremacia do interesse público. Crítica da crítica A noção de supremacia do interesse público sobre o privado foi difundida no Brasil por Celso Antônio Bandeira de Mello e logo aceita também por Maria Sylvia Zanella di Pietro, Hely Lopes Meirelles e José dos Santos Carvalho Filho. A existência do supraprincípio é não só aceita, como defendida pelos quatro administrativistas que são referência para as bancas de concursos públicos. Entretanto, a supremacia do interesse público sobre o privado deixou de ser uma unanimidade entre os estudiosos, isso porque alguns autores passaram a questionar a existência do supraprincípio em nosso direito. Essa orientação crítica é adotada por Marçal Justen Filho, Carlos Ari Sundfeld, Gustavo Binenbojn, Humberto Ávila, Daniel Sarmento, Diogo Figueiredo de Moreira Neto e Luís Roberto Barroso, entre outros7. Deixando de lado diferenças na visão de cada um dos citados autores, é possível sintetizar as críticas à supremacia do interesse público sobre o privado nos seguintes argumentos: a) a fluidez conceitual da noção de “interesse público” favorece arbitrariedades ofensivas à democracia e aos valores fundamentais (Marçal Justen Filho); b) a ideia de supremacia do interesse público desconsidera a relevância atribuída pela Constituição a todo o conjunto de direitos fundamentais (Gustavo Binenbojm); c) trata-se de um princípio sem estrutura normativa de princípio pois não admite ponderação com outros valores constitucionais (idem); d) interesse público e interesse privado não são antagônicos, mas pressupõem-se mutuamente (idem); 7 Ver Bruno Fischgold, “O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado no Direito Administrativo brasileiro”. Site migalhas.com.br, edição de 20/06/2019. 15 200 e) há casos em que o ordenamento, com base nos direitos fundamentais, privilegia o interesse privado em detrimento do interesse público, invertendo a lógica tradicional de compreensão da supremacia. Exemplo: dever do Estado, como defesa da propriedade privada, pagar indenização prévia, justa e em dinheiro na desapropriação; Sintetizando o contexto de surgimento dessa nova corrente, Carlos Ari Sundfeld chega a dizer que, embora o livro de referência no Direito Administrativo brasileiro ainda seja o de Celso Antônio Bandeira de Mello, por volta da metade da década de 1990 a obra teria perdido a capacidade de representar a visão dos administrativistas, além do que, segue Sundfeld, teóricos mais jovens lançaram, com ampla aceitação, uma forte contestação ao princípio da supremacia do interesse público sobre o privado que, há muitos anos, Bandeira de Mello defende como fundamental ao Direito Administrativo. Como bem observado por José Vicente Santos de Mendonça8, a noção de supremacia do interesse público sobre o privado tem raiz francesa, enquanto que os fundamentos usados para sua negação baseiam-se em doutrina alemã. Em defesa da concepção clássica de supremacia do interesse público, José dos Santos Carvalho Filho faz “a crítica da crítica” ao considerar a nova corrente como “pretensamente modernista”, e que, na verdade, não seria possível negar a existência do princípio em nosso sistema porque9: a) trata-se de corolário do regime democrático, calcado na preponderância das maiorias; b) se é evidente que em determinados casos o sistema jurídico assegura aos particulares garantias contra o Estado em certos tipos de relação jurídica, é mais evidente ainda que, como regra, deva respeitar-se o interesse coletivo em confronto com o interesse particular; c) a existência de direitos fundamentais não exclui a densidade do princípio da supremacia do interesse público; d) a “desconstrução” do princípio espelha uma visão distorcida e coloca em risco a própria democracia; e) a supremacia do interesse público suscita, não uma desconstrução, uma “reconstrução” por meio da necessária adaptação dos interesses individuais à dinâmica social. E conclui José dos Santos Carvalho Filho observando que a existência do princípio é inevitável em qualquer grupo de pessoas, impondo-se que o interesse do grupo tenha primazia sobre o interesse dos indivíduos que o integram. Nas palavras mais sofisticadas do 8 “A Verdadeira Mudança de Paradigmas do Direito Administrativo Brasileiro: do Estilo Tradicional do Novo Estilo”. Revista de Direito Administrativo (RDA), ano 2014, n. 265. 9 “Manual de Direito Administrativo”, p. 34 16 200 autor: “Elidir o princípio se revela inviável, eis que se cuida de axioma inarredável em todo tipo de relação entre corporação e indivíduo. A solução, destarte, está em ajustá-lo para que os interesses se harmonizem e os confrontos sejam evitados ou superados”. Você deve estar perguntando: mas, Mazza, afinal o que eu defendo no meu concurso, que a supremacia existe ou não existe? Resposta: Calma, vou te ajudar. Essa polêmica nunca será cobrada em prova de múltipla escolha exigindo que você siga uma ou outra orientação(veja o exemplo abaixo de questão FCC). Nas provas escritas e exames orais, caindo o tema, exponha os argumentos das duas correntes e, por ser mais seguro, defenda a existência do princípio da supremacia do interesse público, na mesma linha defendida por nossos quatro grandes administrativistas (Bandeira de Mello, Maria Sylvia, Hely Lopes e Carvalho Filho). Você estará em excelente companhia (rs) (2018/FCC/PGE-TO) Acerca das modernas correntes doutrinárias que buscam repensar o Direito Administrativo no Brasil, Carlos Ari Sundfeld observa: “Embora o livro de referência de Bandeira de Mello continue saindo em edições atualizadas, por volta da metade da década de 1990 começou a perder aos poucos a capacidade de representar as visões do meio – e de influir [...] Ao lado disso, teóricos mais jovens lançaram, com ampla aceitação, uma forte contestação a um dos princípios científicos que, há muitos anos, o autor defendia como fundamental ao direito administrativo [...]” (Adaptado de: Direito administrativo para céticos, 2a ed., p. 53) O princípio mencionado pelo autor e que esteve sob forte debate acadêmico nos últimos anos é o princípio da A) presunção de legitimidade dos atos administrativos. B) processualidade do direito administrativo. C) supremacia do interesse público. D) moralidade administrativa. E) eficiência. GABARITO C 5.2. Supraprincípio da indisponibilidade do interesse público Muito bem, depois de estudarmos toda a polêmica em torno da supremacia do interesse público, chegou a vez do supraprincípio da indisponibilidade do interesse público. Guarde assim: todas as prerrogativas conferidas por lei à Administração Pública decorrem do supraprincípio da supremacia do interesse público sobre o privado. Ao passo que as limitações ao exercício da função administrativa, especialmente 17 200 os princípios do Direito Administrativo, são derivações da indisponibilidade do interesse público A ideia central do princípio parte da constatação de que os agentes públicos não são donos do interesse público, mas meros gestores, administradores. Você deve lembrar que os agentes exercem “função”, ou seja, atuam em nome próprio na defesa de interesse que não lhes pertence. Por isso, o interesse público não pode ser objeto de disponibilização, transação, negociação ou renúncia por parte dos agentes públicos. Perceba que o agente público deve atuar, não de acordo com a sua vontade, mas conforme a determinação legal, não se admitindo sequer a renúncia de poderes a ele outorgados pela lei para o desempenho de suas funções. Imagine, por exemplo, um agente público que atua na vigilância sanitária renunciando a sua competência de fiscalizar e lavrar auto de infração. Se fosse possível tal opção, haveria prejuízo não apenas para o exercício da função pública, mas também para o interesse de toda a coletividade (interesse público). Outra observação importante: no Estado de Direito, a lei é a manifestação fundamental da vontade popular. Lembre-se que os parlamentares são eleitos como representantes do povo (art. 1o, § único, da CF/88: “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos...”). Como o interesse público é titularizado pela sociedade (o povo) somente a lei pode definir as hipóteses e os meios pelos quais o agente público pode dispor do interesse público. É o dono do interesse definindo os limites para a gestão de seu interesse. Não por outra razão, só a lei pode flexibilizar a indisponibilidade do interesse público CUIDADO: recentemente, o supraprincípio da indisponibilidade do interesse público tem sofrido uma flexibilização imposta pelo legislador. No rito dos Juizados Especiais Federais, por exemplo, os procuradores da Fazenda Pública estão autorizados a conciliar e transigir sobre os interesses discutidos na demanda (art. 10, parágrafo único, da Lei n. 10.259/2001). Da mesma forma, as leis que regem os contratos de concessão de serviço público e as parcerias público-privadas (PPPs) passaram a admitir a utilização de mecanismos privados para resolução de disputas, inclusive a arbitragem (arts. 23-A da Lei n. 8.987/95 e 11, III, da Lei n. 11.079/2004, respectivamente). E agora a própria lei de arbitragem foi alterada para incluir dispositivo geral que autoriza o uso de arbitragem em qualquer contrato administrativo envolvendo direitos patrimoniais disponíveis (art. 1o, § 1o, da Lei 9307/96: “a administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis”) Assim, importante notar que, tal como o a supremacia do interesse público, o supraprincípio da indisponibilidade do interesse público também é relativo. Porém, a resolução de conflito por meio da arbitragem não significa uma livre disposição do interesse 18 200 público pelo agente, mas uma nova forma de solução de conflito, que poderá conferir mais celeridade na defesa do interesse público. Olha só, agora que você já tem plena compreensão dos pilares que sustentam o regime jurídico-administrativo, vamos avançar para a análise detalhada dos princípios constitucionais do Direito Administrativo. Vamos juntos! 6. PRINCÍPIOS EXPRESSOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO Os princípios do Direito Administrativo podem ser expressos ou reconhecidos. Princípios expressos ou explícitos são aqueles com previsão direta na CF/88. Atualmente, existem dez princípios expressos: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, devido processo legal, contraditório, ampla defesa e participação. Já os princípios reconhecidos ou doutrinários não têm previsão no Texto Constitucional. Tome MUITO CUIDADO: os nomes “expresso” e “reconhecido”, que a doutrina usa para qualificar os princípios de Direito Administrativo, são péssimos e comumente induzem a erro. Como visto, denominam-se “expressos” ou “explícitos” os dez princípios previstos diretamente na CF/88 (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, devido processo legal, contraditório, ampla defesa e participação). O problema é que existem outros princípios claramente “expressos” na legislação brasileira, mas fora do Texto Constitucional. É o caso dos mencionados expressamente no artigo 2º da Lei 9784/99 (“A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência”). Seria muito melhor falar em princípios constitucionais e princípios infraconstitucionais, não acha? Mas não é assim que cai no seu concurso! Então, use sempre os nomes tradicionais (e ruins): expressos ou explícitos, para os previstos diretamente na CF/88; reconhecidos ou doutrinários, para os que não estão na CF/88. Vamos iniciar pelos princípios expressos ou explícitos. É fácil notar que a CF/88 revela uma grande preocupação com a disciplina normativa da administração pública. Entre inúmeros temas administrativos constitucionalmente previstos, em especial nos arts. de 37 a 41, constam dez princípios de Direito Administrativo. Os cinco princípios explícitos mais conhecidos constam do art. 37, “caput”. Os outros cinco estão espalhados ao longo do Texto Constitucional. São eles: 19 200 1) Legalidade (art. 37, “caput”); 2) Impessoalidade (art. 37, “caput”); 3) Moralidade (art. 37, “caput”); 4) Publicidade (art. 37, “caput”); 5) Eficiência (art. 37, “caput”); 6) Devido processo legal formal e material (art. 5º, LIV); 7) Contraditório (art. 5º, LV); 8) Ampla defesa (art. 5º, LV); 9) Celeridade processual ou duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII); 10) Participação (art. 37, § 3º). Princípios Expressos ou Explícitos Princípios Reconhecidos, Implícitos ou Doutrinários Legalidade Autotutela Impessoalidade Obrigatória Motivação Moralidade Finalidade PublicidadeRazoabilidade Eficiência Proporcionalidade Devido Processo Legal Responsabilidade Contraditório Segurança Jurídica Ampla Defesa Boa Administração Celeridade Processual Sindicabilidade Participação Continuidade Supremacia do Interesse Público Indisponibilidade Descentralização Presunção de Legitimidade Isonomia Hierarquia 20 200 Republicano Democrático Dignidade da Pessoa Humana Realidade Responsividade Sancionabilidade Ponderação Subsidiariedade Consensualidade Monocrático Colegiado Coerência O estudo dos princípios explícitos começa com o famoso art. 37, “caput”: “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. Mas lembre-se que a regra do “LIMPE” não resolve totalmente o problema porque ainda existem outros cinco princípios expressos: 1) Devido processo legal formal e material (art. 5º, LIV, da CF); 2) Contraditório (art. 5º, lV, da CF); 3) Ampla defesa (art. 5º, lV, da CF); 4) Participação (art. 37, § 3º, da CF); 5) Celeridade processual (art. 5º, LXXVIII, da CF). •L egalidade •I mpessoalidade •M oralidade •P ublicidade •E ficiência Podemos gravar esses princípios usando a palavra “LIMPE”: 21 200 Por terem um conteúdo menor, é mais fácil começar pelos cinco princípios que não estão no art. 37, “caput”. Vamos lá. 7. DEVIDO PROCESSO LEGAL FORMAL E DEVIDO PROCESSO LEGAL MATERIAL (ART. 5º, LIV, DA CF) O princípio do devido processo legal está previsto no art. 5º, LIV, da CF: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. A origem do princípio é o direito anglo-saxão, mais especificamente Estados Unidos e Inglaterra, sendo comum identificar as raízes do “due process of law” já na Magna Carta, do Rei João Sem Terra, em 1215. A cláusula 39 da Magna Carta prescrevia: “nenhum homem livre será capturado, ou levado prisioneiro, ou privado dos bens, ou exilado, ou de qualquer modo destruído, e nunca usaremos da força contra ele, e nunca mandaremos que outros o façam, salvo em processo legal por seus pares ou de acordo com o devido processo legal”. A tradução do trecho final desse preceito, do latim para o inglês, consagrou o nome “due process of law”. Em termos gerais, o devido processo legal no Direito Administrativo brasileiro determina que todas as decisões da Administração Pública devem ser precedidas de um rito estabelecido pela legislação. Desse modo, impõe uma processualização do exercício da função administrativa, impedindo que atos administrativos sejam expedidos repentinamente, do nada. Pode-se dizer que, no Brasil, o Poder Executivo foi o último dos Poderes estatais a submeter-se à processualização das decisões. Parlamentares e magistrados nunca puderam, do nada, criar leis ou prolatar sentenças. Sempre houve o dever de observância do processo legislativo e do processo jurisdicional antes do Legislativo e o Judiciário atuarem. Quanto à função administrativa, o devido processo legal impôs-se claramente apenas com a CF/88. Em regra, o processo deve ser instaurado antes da expedição do ato administrativo, sob pena de nulidade. Contudo, em casos excepcionais devidamente justificados de risco iminente ao interesse público, admite-se que primeiro seja expedido o ato administrativo e depois instaurado o processo. É o chamado devido processo legal diferido no tempo ou “a posteriori”. O devido processo legal diferido no tempo pode ser adotado nas seguintes situações: a) risco de irreversível lesão ao patrimônio público; b) situação de emergência. Nesse sentido, o art. 45 da Lei 9784/99 admite excepcionalmente a adoção de providências acauteladoras pela autoridade administrativa antes mesmo da abertura do processo: “em caso de risco iminente, a Administração Pública 22 200 poderá motivadamente adotar providências acauteladoras sem a prévia manifestação do interessado”. Cuidado! O devido processo legal vem sendo estudado em duas perspectivas, a saber, o devido processo legal formal e o devido processo legal material (ou substantivo), ambos aplicáveis ao Direito Administrativo brasileiro. O devido processo legal formal ou procedimental exige o cumprimento de um rito predefinido na lei como condição de validade da decisão. Com isso, a Administração e os agentes públicos ficam proibidos de escolher o caminho a ser seguido para a defesa do interesse público. Ainda que ultrapassado ou ineficaz, somente o rito decisório estabelecido pelo legislador é válido. Imagine, por exemplo, um fiscal de rendas que constata o não recolhimento de ICMS por determinado estabelecimento comercial. Pela sua experiência, ele sabe que o devido processo legal para cobrança do tributo, previsto na Lei 6830/90 (Lei de Execuções Fiscais), é lento e ineficiente. Ao contrário, se fossem apreendidas mercadorias do devedor ou se fosse possível fechar o estabelecimento até quitação da dívida, seria muito mais provável que o contribuinte daria um jeito de pagar. Não importa! Como a legislação não prevê as medidas que o fiscal desejaria adotar (apreensão e fechamento), o princípio do devido processo legal exige o cumprimento, ainda que menos eficaz, do rito previsto na Lei de Execuções Fiscais (rito da Lei 6830/80 = lavratura do Auto de Infração > inscrição na dívida ativa > expedição da certidão da dívida ativa > execução fiscal). Por outro lado, o devido processo legal material ou substantivo exige, além da observância ao rito, que a decisão final seja justa, adequada e proporcional, tendo, portanto, o mesmo conteúdo do princípio da proporcionalidade. Nos processos administrativos, busca-se a verdade real dos fatos, e não simplesmente a verdade formal baseada apenas na prova produzida nos autos. Isso ocorre porque os processos administrativos envolvem interesses públicos indisponíveis. Observe que o princípio do devido processo legal combina três elementos relevantes: o caráter “legal”, o “processual” e o “devido”. O caráter legal aponta para a fonte normativa do rito, sendo indispensável que o rito decisório esteja fixado previamente e acima da vontade da autoridade administrativa, isto é, na lei. É uma garantia imposta pelo Estado de Direito e pela Tripartição de Poderes, segundo a qual não cabe ao administrador público definir o caminho a ser adotado no processo administrativo, mas seguir o trilho já determinado pela lei. Já o caráter processual exige uma ritualística decisória, proibindo a Administração Pública de praticar atos repentinamente, do nada, de súbito. É a chamada “legitimação pelo procedimento”, uma das marcas do Estado de Direito segundo Niklas Luhmann. 23 200 Por fim, o caráter devido impede o administrador de seguir um rito normativo qualquer, devendo, pelo contrário, observar o procedimento legal adequado para o caso concreto segundo a lei específica que rege a matéria. Por exemplo, seria inconstitucional aplicar uma pena prevista na Lei 8429/92 (Improbidade Administrativa) no âmbito de processo administrativo disciplinar. Isso porque as penas da Lei de Improbidade só podem ser aplicadas observado o rito judicial prescrito na própria Lei 8429/92. Note que nesse exemplo a comissão disciplinar pode ter instaurado um “processo legal” administrativo previsto em alguma lei, mas não foi o “devido” processo legal. 7.1. Devido processo legal como garantia finalística O devido processo legal não é uma garantia que se esgota em si mesma. Na verdade, a instauração prévia de um processo serve para oportunizar contraditório e ampla defesa aos interessados, além de favorecer a publicidade, participação e impessoalidade na tomada de decisões. Violada a garantia do devido processo legal, necessariamente restarão desatendidas também as exigências de contraditório,ampla defesa, publicidade, participação e impessoalidade. Dessa forma, o devido processo legal serve à realização de cinco outros princípios fundamentais do Direito Administrativo: a) transparência (ou publicidade); b) impessoalidade (isonomia ou finalidade); c) participação; d) contraditório; e) ampla defesa. 7.2. Devido processo legal e verdade sabida Verdade sabida é um fato notório. Antes da CF/88 era comum alguns estatutos de servidores públicos autorizarem a aplicação imediata de punição pela autoridade superior se a ocorrência da infração funcional fosse comprovada e incontestável. Atualmente, por força do que dispõe o art. 5o, LIV, da CF, é inadmissível em qualquer hipótese a aplicação, sem o devido processo legal, de sanção administrativa com fundamento na verdade sabida. Imagine, por exemplo, que o servidor tenha sido filmado recebendo propina. O vídeo foi amplamente exibido na televisão e viralizou na internet. Ainda assim, a aplicação de qualquer punição exige instauração de um devido processo legal, nos termos do estatuto aplicável ao servidor, assegurando contraditório e ampla defesa. 24 200 Não confunda imediata aplicação de pena ao servidor (é inconstitucional) com a possibilidade de afastamento cautelar preventivo. O afastamento cautelar faz parte do devido processo legal disciplinar e não tem caráter punitivo, mas visa impedir que o servidor venha influir na apuração da falta funcional. Por isso, para ser válido o afastamento cautelar deve estar previsto expressamente na lei disciplinadora do rito e sempre será determinado sem prejuízo da remuneração, ou seja, o investigado fica sem trabalhar, mas continua recebendo integralmente seus vencimentos. Qualquer afastamento cautelar com prejuízo da remuneração, ainda que previsto em lei, viola o devido processo legal e a presunção de inocência. Sobre o tema, prescreve o art. 147 da Lei 8112/90 (Estatuto dos Servidores Federais): “Como medida cautelar e a fim de que o servidor não venha a influir na apuração da irregularidade, a autoridade instauradora do processo disciplinar poderá determinar o seu afastamento do exercício do cargo, pelo prazo de até 60 (sessenta) dias, sem prejuízo da remuneração. Parágrafo único. O afastamento poderá ser prorrogado por igual prazo, findo o qual cessarão os seus efeitos, ainda que não concluído o processo”. Embora o tema não envolva grande dificuldade, a quantidade de referências a ele nos concursos públicos e na jurisprudência é incomum. Presta atenção nos dois tópicos seguintes. 7.3. Verdade sabida nos concursos: um tema campeão de incidência O tema da verdade sabida está entre os 3 temas de Direito Administrativo mais perguntados em concurso, especialmente nas provas da Magistratura. Veja exemplos em provas recentes: (VUNESP – MAGISTRATURA - SP) “A”, servidor público de determinada serventia judicial, foi surpreendido pelo magistrado titular da Vara onde trabalha, cometendo falta disciplinar grave. Utilizando-se do instituto da verdade sabida, o referido magistrado aplicou ao servidor “A”, de imediato, a penalidade de suspensão de suas funções. Assinale, em face do enunciado, a opção correta. ALTERNATIVA CORRETA: O procedimento foi incorreto, pois o instituto da verdade sabida não foi recepcionado pelo ordenamento jurídico vigente, impondo-se a observância do contraditório e da ampla defesa. (VUNESP – MAGISTRATURA - AM) O instituto da verdade sabida é vedado, salvo se se tratar de sindicância acusatória. GABARITO: ERRADO (FCC – MAGISTRATURA - PE) O art. 72 da Lei nº 9.605/98 elenca o rol de sanções administrativas cabíveis no caso de infração administrativa ao meio ambiente e 25 200 prevê como a primeira delas (inc. I) a pena de advertência, sobre a qual é correto afirmar que se trata de sanção que pode ser aplicada de plano, sem necessidade de contraditório, face ao princípio da verdade sabida. GABARITO: ERRADO (TJ/PR – MAGISTRATURA - PR) Em relação ao Processo Administrativo e à lei n. 9784/99, a verdade sabida é admitida em processos administrativos sumários, especialmente quando já está estabelecida a autoria e a materialidade do ilícito administrativo. GABARITO: ERRADO (CESPE – MAGISTRATURA FEDERAL – TRF1) No âmbito da legislação federal, os meios de apuração de ilícitos administrativos são o PAD e os meios sumários, que compreendem a sindicância e a verdade sabida, que ensejam, inclusive, a aplicação de pena se forem consideradas de forma isolada. GABARITO: ERRADO (FUMARC – DPE - MG) A autoridade pública competente promoveu, indevidamente, determinado servidor, praticando, assim, um ato nulo. A Administração Pública, neste caso, pode adotar o princípio da verdade sabida. GABARITO: ERRADO (FCC – PGE - SE) Uma autoridade administrativa presenciou a prática de ato de subordinado seu, a configurar ilícito administrativo. Considerando-se que tal autoridade tem competência para aplicar ao subordinado a respectiva penalidade disciplinar, poderá aplicá-la de imediato, invocando o princípio da verdade sabida. GABARITO: ERRADO (CESPE – PGE – PI) O procedimento disciplinar denominado verdade sabida tem por objetivo conferir celeridade à punição dos servidores faltosos, estando em total harmonia com a CF. GABARITO: ERRADO (CESPE – PROCURADOR MUNICIPAL DE ARACAJU) A verdade sabida é instituto admitido nas sindicâncias administrativas para aplicação de penalidade de advertência a servidores públicos. GABARITO: ERRADO (IESES – CARTÓRIO - PB) Dentre os princípios da Administração Pública expressamente elencados no artigo 2º da Lei Federal n. 9.784/99, NÃO se encontra o da verdade sabida GABARITO: CERTO 7.4. Verdade sabida na jurisprudência do STF É pacífica a orientação do Supremo Tribunal Federal sobre a inconstitucionalidade de punição com base na verdade sabida: “Não se nega que os fatos públicos e notórios, comprovados documentalmente, confessados pelo funcionário infrator, portanto, enquadrados dentro daquilo que se conhece por verdade sabida, ensejam a punição imediata. Contudo, há disposições legais aplicáveis a todas as matérias disciplinares que se circunscrevem no âmbito do Direito Administrativo que precisam ser observadas e cumpridas pelo administrador, mesmo que a infração seja de pequena monta e a punição, também por isso, seja branda (...) Mesmo se considerando que o administrador deve ser sujeito interessado na satisfação do interesse público, 26 200 onde o interesse da Administração é prevalente em relação ao interesse privado do funcionário público, ainda assim não há como transigir no que se refere à obediência a princípio hoje constitucionalmente consagrado que assegura o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, LV, da CF-88), argumentos do apelado deduzidos no transcorrer do feito, procedentes in totum (RE 444.518/RS, 15/3/2010, Rel. Min. Dias Toffoli) 8. PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO (ART. 5º, LV, DA CF) O princípio do contraditório garante ao litigante, em processo administrativo ou judicial, o direito de manifestar-se antes da decisão ser tomada pela autoridade administrativa competente. E, claro, para que isso seja possível deve haver um devido processo legal instaurado. Sem processo é impossível exercer a garantia do contraditório. Nesse sentido, preceitua o art. 5o, LV, da CF/88: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Importante destacar que o contraditório não se resume a notificar o interessado para manifestar-se antes da decisão. É mais do que isso. Consiste no direito de influir no conteúdo da decisão final, agregando elementos que permitam à autoridade decidir melhor do que se o fizesse unilateralmente. Assim, cabe à autoridade levar em consideração todas provas e argumentos trazidos, ainda que a decisão final seja desfavorável ao litigante. Pela mesmarazão, se o órgão julgador faculta a um litigante o direito de manifestação sobre um laudo pericial que possa influenciar a decisão administrativa, deverá ouvir também dos demais interessados, sob pena de afronta ao princípio do contraditório. 9. PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA (ART. 5º, LV, DA CF) O terceiro princípio processual aplicável ao Direito Administrativo é o da ampla defesa. Diretamente relacionado aos dois princípios anteriores, o exercício da ampla defesa pressupõe tanto um devido processo legal instaurado, quanto a oportunidade de contraditório aberta do litigante. Por isso, uma vez violado o princípio do devido processo legal restarão igualmente frustradas as garantias do contraditório e da ampla defesa. Essa é a razão, aliás, para o mesmo dispositivo constitucional contemplar dois princípios (Art. 5o, LV, da CF/88: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”). 27 200 No Direito Administrativo, o princípio da ampla defesa assegura aos litigantes, tanto na esfera judicial como na administrativa, o uso de todos os meios de prova e recursos necessários para defesa de seus interesses perante a Administração. Você sabia que o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante 3 para tratar de contraditório e ampla defesa nos processos perante o Tribunal de Contas da União? Eis o seu teor: “Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão”. A exceção inserida no final do enunciado “excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão” justifica-se porque, para o STF, a concessão de aposentadoria, reforma e pensão é ato administrativo complexo cujo ciclo de formação só se completa após a apreciação do TCU. Assim, como ainda não existe juridicamente a decisão administrativa, o STF não vê razão para abrir contraditório e ampla defesa antes do ato concessivo estar aperfeiçoado. Perceba, por fim, que o art. 5º, LV, da CF, ao assegurar o direito à ampla defesa “com os meios e recursos a ela inerentes”, incluiu, no bojo da garantia, o princípio do duplo grau. Vamos entender isso melhor. 10. PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU O princípio do duplo grau foi expressamente mencionado na parte final no art. 5º, LV, da CF/88: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Nos processos administrativos não se deve falar em duplo grau “de jurisdição” porque a Administração não exerce jurisdição. Use apenas “princípio do duplo grau”. O dispositivo constitucional faz referência à recorribilidade das decisões administrativas como garantia inerente à ampla defesa, assegurando a possibilidade de requerer reexame, na própria esfera administrativa, de qualquer decisão desfavorável ao administrado. A norma constitucional é suficiente para assegurar o direito à interposição de recurso administrativo hierárquico, a ser analisado pela autoridade imediatamente superior ao recorrido, independentemente de previsão legal. Nesse sentido, o art. 56 da Lei n. 9.784/99 determina que: “Das decisões administrativas cabe recurso em face de razões de legalidade e de mérito. § 1º O recurso será dirigido à 28 200 autoridade que proferiu a decisão, a qual, se não a reconsiderar no prazo de cinco dias, o encaminhará à autoridade superior”. A legislação brasileira limita os recursos administrativos ao máximo de três instâncias, salvo disposição legal diversa (art. 57 da Lei 9784/99). Cabe ao interessado, sentindo-se prejudicado por alguma decisão da Administração, escolher entre o recurso administrativo ou ação judicial (art. 5o, XXXV, da CF: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”). Isso porque não existe no Brasil a necessidade esgotamento da via administrativa como condição para recorrer ao Judiciário. Embora a via administrativa seja pouquíssimo utilizada em nosso país, existem inúmeras vantagens do recurso administrativo sobre a via judicial. Vou esquematizar essas vantagens aqui abaixo: Podemos enumerar as seguintes vantagens do processo administrativo (e de recurso administrativo) em comparação com a via judicial: 1) gratuidade: não existe, como regra, recolhimento de custas em processo e recurso administrativo (art. 2o, § único, XI, da Lei 9784/99: “os processos administrativos observarão...: XI – proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei”); 2) não precisa de advogado: a Súmula Vinculante 5 do STF dispensa a defesa técnica em processo disciplinar, o que se estende também para processos administrativos em geral; 3) ausência de precatório: em processo administrativo de reparação de dano, se a Administração admitir sua responsabilidade o pagamento é realizado sem necessidade de observar a ordem dos precatórios (art. 100 da CF/88), podendo inclusive ocorrer o pagamento no mesmo exercício financeiro da decisão se houver margem orçamentária para tanto; 4) limitação a três instâncias: para evitar o adiamento da decisão motivado pela interposição de recursos protelatórios, tão comum na via judicial, a legislação administrativa restringe a no máximo três as instâncias recursais (art. 57 da Lei 9784/99: “o recurso administrativo tramitará no máximo por três instâncias administrativas, salvo disposição legal diversa”); 5) o deferimento do recurso em qualquer instância administrativa torna imutável a decisão: de acordo com o sistema recursal no processo administrativo brasileiro, se o litigante tiver deferido seu recurso em qualquer uma das três instâncias a decisão se torna imutável para a Administração, operando o que parte da doutrina denomina “coisa julgada administrativa”. Nesse caso, a Administração fica proibida de ir ao Judiciário revisar a decisão ou de modificá-la administrativamente; 6) a derrota nas três instâncias administrativas não torna imutável a decisão: se o administrado tiver seu recurso indeferido (for derrotado) nas três instâncias administrativas, ainda assim poderá recorrer ao Judiciário visando reverter a 29 200 decisão administrativa. Ou seja, a derrota do Poder Público na via administrativa torna a decisão imutável, mas a derrota do particular não gera imutabilidade (admite questionamento judicial); 7) na pendência de recurso administrativo não corre o prazo prescricional para acionar o Judiciário: outro detalhe muito importante é saber que se o administrado opta por questionar a decisão primeiro na via administrativa, não corre o risco de perder o direito de acionar o Judiciário. Isso porque enquanto o processo administrativo não for decidido ficam suspensos os prazos prescricionais para ingressar com ação judicial discutindo o tema. Diante de tantas vantagens da via administrativa você deve estar se perguntando... mas, Mazza, por que então a via administrativa é tão pouco utilizada no Brasil? Responder isso não é fácil. Mas considero que há três razões principais: a) desconhecimento por parte dos operadores do Direito dessa possibilidade de resolver demandas sem recorrer ao Judiciário; b) desconfiança pelo fato de que no processo administrativo não existe um juiz imparcial. Lembra disso? A Administração atua no processo administrativo, ao mesmo tempo, como parte e juíza; c) falta de legislação específica sobre processos administrativos em espécie (processo indenizatório, repetição de indébito, compensação tributária etc.), trazendo incerteza quanto às normas aplicáveis. Não se esqueça, por fim, que o processoadministrativo tem uma desvantagem importante frente o processo judicial: o julgamento de recurso administrativo pode agravar a situação do recorrente. Lembra disso? Não existe vedação da “reformatio in pejus” no processo administrativo (art. 64 da Lei 9784/99: “O órgão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de sua competência. Parágrafo único. Se da aplicação do disposto neste artigo puder decorrer gravame à situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que formule suas alegações antes da decisão”). O único requisito que a legislação estabelece para a “reformatio in pejus” é que haja prévia cientificação do recorrente para formular alegações. Outra informação importante: não pode haver concomitância entre os processos administrativo e judicial acerca da mesma demanda. A propositura de ação judicial implica renúncia ou desistência do processo administrativo. Veja, por exemplo, o que diz o artigo 38 da Lei 6830/80 (Lei das Execuções Fiscais): 30 200 “Art. 38. A discussão judicial da dívida ativa da Fazenda Pública só é admissível em execução, na forma desta lei, salvo as hipóteses de mandado de segurança, ação de repetição do indébito ou ação anulatória do ato declarativo da dívida, esta precedida do depósito preparatório do valor do débito, monetariamente corrigido e acrescido dos juros e multa de mora e demais encargos. Parágrafo único. A propositura, pelo contribuinte, da ação prevista neste artigo importa em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso acaso interposto” Considera-se que há concomitâncias nas duas instâncias se: a) o administrado for parte nos dois processos; b) houver equivalência de pedidos; c) for a mesma causa de pedir. Se houver identidade somente quanto a parte da lide, a Administração é obrigada a examinar na esfera administrativa os temas e fundamentos jurídicos não coincidentes nos dois processos10. 11. PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO (ART. 37, § 3º, DA CF) Atualmente fala-se muito na necessidade da participação do cidadão nas decisões administrativas. Você já deve ter ouvido falar em “Administração Participativa”, “Administração Colaborativa” ou mesmo no “Estado em Rede”. A ideia é trazer o cidadão para colaborar no processo decisório como um verdadeiro sujeito formador da vontade da Administração. Trata-se de um avanço porque tradicionalmente os particulares sempre foram “objeto” da função administrativa, meros destinatários, daí o nome tradicional (e péssimo!) de “administrado”: o Estado administra e o particular é “administrado” em total passividade. Felizmente isso tem mudado e em vez de administrado agora fala-se mais em “cidadão”, um sujeito de direito que participa e influencia no processo decisório do Poder Público. Podemos citar como exemplos dessa atuação participativa as audiências públicas, plebiscitos, ouvidorias, orçamento participativo etc. Assim, com a inclusão do §3º ao artigo 37 da CF/88, promovida pela Emenda 19/98, o constituinte desejou estimular os mecanismos de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: 10 Mario Luiz Oliveira da Costa, “Questões Controvertidas no Processo Administrativo Fiscal”. Acesso: https://www.dsa.com.br/artigos/mario-luiz-oliveira-da-costa-carf-questoes-controvertidas-no-processo-administrativo- fiscal/ https://www.dsa.com.br/artigos/mario-luiz-oliveira-da-costa-carf-questoes-controvertidas-no-processo-administrativo-fiscal/ https://www.dsa.com.br/artigos/mario-luiz-oliveira-da-costa-carf-questoes-controvertidas-no-processo-administrativo-fiscal/ 31 200 a) reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral; b) o acesso dos usuários a registros administrativos e informações sobre atos de governo; c) a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo do cargo, emprego ou função na administração pública. 12. PRINCÍPIO DA CELERIDADE PROCESSUAL (ART. 5º, LXXVIII, DA CF) Previsto no art. 5o, LXXVIII, da CF/88, com redação dada pela Emenda 45/04, o princípio da celeridade processual tem por objetivo assegurar a todos, nos âmbitos judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam celeridade na sua tramitação. O processo administrativo consiste em uma sequência encadeada de atos tendentes à decisão final. Por isso, em face do citado princípio, o que se pretende é inibir medidas que prolongam “ad infinitum” o procedimento, tais como: a) etapas desnecessárias; b) atos protelatórios; c) prazos excessivamente dilatados; d) intimação para o administrado se manifestar sobre acontecimentos processuais irrelevantes; e) o silêncio administrativo injustificado. Mas não é fácil dar conteúdo concreto à celeridade processual principalmente porque a CF/88 não oferece parâmetros capazes de precisar o que se considera “duração razoável”. Ainda assim é possível extrair uma eficácia mínima do art. 5o, LXXVIII, da CF/88, fixando, com auxílio da Lei 9.784/99, diretrizes aplicáveis aos processos administrativos federais quanto a tal matéria, tais como: a) a Administração é obrigada a decidir nos processos administrativos e sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua competência (art. 48 da Lei nº 9.784/99); b) concluída a instrução processual, corre o prazo de até 30 dias para a Administração expedir a decisão, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada (art. 49 da Lei nº 9.784/99); c) o recurso administrativo deverá ser decidido no prazo máximo de 30 dias, salvo disposição legal fixando prazo diverso (art. 59, § 1º, da Lei nº 9.784/99); d) limite máximo de três instâncias para tramitação do recurso administrativo, salvo disposição legal diversa (art. 57 da Lei nº 9.784/99). 32 200 Embora existissem antes da EC 45/04, não há dúvida de que o conteúdo dessas quatro regras previstas na Lei 9784/99 é coerente com a busca pela duração razoável do processo. Muito bem. Encerrado o estudo dos princípios constitucionais espalhados pelo Texto de 88, vamos analisar agora os cinco expressamente previstos no art. 37, “caput”, da CF: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (lembra da regra do LIMPE, né?). 13. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE 13.1. Conceito O princípio da legalidade é uma decorrência direta ao Estado de Direito, significando, em última análise, que os agentes públicos estão subordinados ao cumprimento da lei, considerada expressão da vontade popular. A função administrativa, assim como as demais atividades estatais, deve ser exercida em conformidade com os mandamentos legais, e não de acordo com a vontade da Administração ou dos agentes públicos. Sob tal perspectiva, é exata a lição de Hely Lopes Meirelles: “As leis administrativas são, normalmente, de ordem pública e seus preceitos não podem ser descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários, uma vez que contêm verdadeiros poderes-deveres, irrelegáveis pelos agentes públicos”11. Por conduzir toda a ação da Administração Pública, o princípio da legalidade é considerado o mais importante princípio do Direito Administrativo, dele derivando outros princípios mais específicos, como, por exemplo, finalidade, razoabilidade, isonomia e proporcionalidade. 13.2. Legalidade em sentido negativo e legalidade em sentido positivo O princípio da legalidade, de acordo com a doutrina europeia, desdobra-se nos princípios da primazia da lei e da reserva legal12. O princípio da primazia da lei ou legalidade em sentido negativo determina que os atos administrativos não podem contrariar a lei. Trata-se de uma vedação ao agir “contra legem”. Porém, essa perspectiva de não contraste com os dispositivos legais não esgota o
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