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74 Unidade II Unidade II 5 CULTURA Para entender o que é cultura, é interessante começar pela sua definição. A palavra cultura adentra a língua inglesa derivada do latim cultura, culturae, cujo significado é “ação de tratar”, “cultivar”, ou seja, significa cultivar a mente e os conhecimentos. A palavra culturae teve origem a partir do termo latino colere, que significa “cultivar as plantas” ou, ainda, o “ato de plantar e desenvolver atividades agrícolas”. Hoje, pode ser entendida como sendo o desenvolvimento das capacidades intelectuais e educacionais das pessoas, pois o conceito foi estendido às faculdades mentais e espirituais, metaforicamente. Permaneceu até o século XVIII designando uma atividade, juntando‑se a essa definição a palavra civilização, que indica progresso intelectual e espiritual para pessoas e para a sociedade. Posteriormente, foi utilizada em contraposição à palavra civilização, abordando a cultura das nações e do folclore e mais tarde o domínio dos valores humanos. No decorrer do século XIX, a palavra cultura adquire conotação imperialista e posteriormente ganhou o sentido de desenvolvimento humano. Por volta de 1950, começa a ganhar o sentido como sendo posse de um pequeno grupo, mudando atualmente para parte da fala antropológica, como modo de vida, com a necessidade de englobar, no conceito de cultura, a conexão entre fenômenos culturais e socioeconômicos. Entretanto, é preciso pensar num conceito capaz de trabalhar as atuais complexidades da vida cultural (CEVASCO, 2016). Mas o que é cultura? Vamos responder: não é só o ser humano que vive em sociedade, pois existem outros animais sociais, como lobos, abelhas, formigas e macacos. Os grandes símios também têm alguma habilidade cultural, entretanto, os seres humanos elaboram a cultura, por meio de suas tradições e costumes que são passados pela aprendizagem e linguagem, isto é, pela herança cultural. Historicamente, o termo cultura foi sendo construído no final do século XVIII e início do século XIX, derivado do termo germânico Kultur, que simbolizava os aspectos espirituais de uma cultura, e do termo civilization, relativo às realizações materiais de um povo. Tais ideias foram sintetizadas no livro Primitive culture, por Edward Tylor (1832‑1917), como culture, o que inclui conhecimento, crenças, arte, moral, leis, costumes, enfim, capacidades ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade (LARAIA, 2005). Observação A maior contribuição de Tylor foi definir o termo cultura como sendo aprendida, isto é, como sendo adquirida pelo processo de endoculturação. São características adquiridas não por herança genética, mas por herança cultural. Nesse sentido, sua contribuição vai contra a forma como se pensava as questões culturais até sua época, que viam a cultura como sendo hereditária. 75 ANTROPOLOGIA BRASILEIRA Dessa forma, o conceito de cultura ainda utilizado teve sua definição feita por Tylor, que refutou a ideia de que a cultura é algo inato, introduzindo o fato de ser aprendida, pelo processo de endoculturação, como pode ser constatado na seguinte definição: “A cultura [...] é o todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, artes, regras morais, leis, costumes e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade” (TYLOR, 1871 apud KOTTAK, 2013, p. 1). Observação Endoculturação é o processo permanente de aprendizagem, dentro de uma determinada cultura, pelos indivíduos que a compõem, desde o nascimento até a morte, em cujo processo vai assimilando os valores e as experiências de seu grupo. Durante o seu desenvolvimento histórico, o homem foi propondo explicações sobre as relações que o ser humano estabelece na vida em sociedade. O conceito de cultura foi sendo historicamente construído, mesmo antes da criação do termo cultura, proposto por Tylor. Para melhor compreensão, apresentamos a seguir definições que antecederam historicamente o conceito de cultura, segundo Laraia (2005): Quadro 4 Autor Temática John Locke (1632‑1704) Publicou em 1689 o Ensaio acerca do entendimento humano, procurando demonstrar que a mente humana seria uma caixa vazia, quando do nascimento, porém com a capacidade ilimitada de obter conhecimento, pelo processo de endoculturação. Foi contra a ideia corrente na época de que as verdades são inatas e hereditárias. Também forneceu as primeiras ideias sobre o relativismo cultural, afirmando que os homens têm princípios opostos. Jacques Turgot (1727‑1781) Produziu a obra Plano para dois discursos sobre história universal, na qual afirma que “Possuidor de um tesouro de signos que tem a faculdade de multiplicar infinitamente, o homem é capaz de assegurar a retenção de suas ideias eruditas, comunicá‑las para outros homens e transmiti‑las para os seus descendentes como uma herança sempre crescente”. Tirando a palavra erudita, segundo Laraia (2005), o conceito de cultura é aceitável. Jean‑Jacques Rousseau (1712‑1778) Como Locke e Turgot, atribuiu um grande papel à educação, inclusive vendo‑a como responsável pela transição entre os grandes macacos e o homem, o que pode ser verificado em sua obra Discurso sobre a origem e o estabelecimento da desigualdade entre os homens, de 1775. Edward Tylor (1832‑1917) Definiu cultura como sendo todo comportamento que foi aprendido ou que não depende da transmissão genética. Alfred Louis Kroeber (1876‑1960) Considerado um dos maiores representantes da orientação culturalista na antropologia norte‑americana, principalmente por ter publicado em 1917 o artigo O superorgânico, no qual demonstrou a cultura como um sistema que não é dependente da natureza. Apesar das críticas que recebeu, trouxe para debate essas ideias que já estavam implícitas em trabalhos da época. Estudou os sistemas de classificação de parentesco, categorias linguísticas, estilos de arte, mudança cultural, entre outros temas. Produziu ensaios importantes que reuniu em seu livro Natureza da cultura. 76 Unidade II Vamos, agora, verificar algumas teorias modernas sobre cultura, segundo Roger Keesinf (apud LARAIA, 2005): Quadro 5 Autor Temática Leslie White (1900‑1975) Neoevolucionista. Procurou elaborar uma teoria moderna sobre cultura. Elaborou um esquema de autores que procuram dar uma definição moderna e precisão conceitual ao termo cultura. Classifica‑se em: – Cultura como sistema adaptativo – Teorias idealistas de cultura Sahlins, Harris, Carneiro, Rappaport e Vayda, conforme Laraia (2005), entre outros. Cultura como sistema adaptativo: – Culturas são sistemas que contribuem para a adaptação das comunidades aos seus embasamentos biológicos – Mudança cultural como processo de adaptação é equivalente à seleção natural – O domínio mais adaptativo da cultura está presente na tecnologia, economia de subsistência e fatores da organização social vinculados à produção – O controle de populações, subsistência e manutenção do ecossistema, entre outros fatores de componentes ideológicos, podem ser resultados da adaptação W. Goodenought Teorias idealistas sobre cultura: Cultura como sistema cognitivo refere‑se à análise dos modelos feitos pela própria comunidade acerca de si mesma. Cultura é um sistema de conhecimento Claude Lévi‑Strauss Cultura como sistema estrutural, na linha de Lévi‑Strauss, definindo cultura como sistema simbólico cumulativo na mente humana. Procura descobrir a estruturação do mito, arte, parentesco e linguagem, que são gerados pelo princípio da mente Clifford Geertz Cultura como sistemas simbólicos: Geertz refuta a ideia de homem criada no iluminismo, ao demonstrar que a cultura deve ser entendida como programas de comportamentos que a governam, sendo que todos os indivíduos estão aptos a recebê‑lo, conforme sua cultura. O estudo dos símbolos e seus significados é o estudo da própria cultura. Recebeu críticas de que os símbolos e significados são partilhados pelos atores entre eles mesmos, porém não estão dentrodas cabeças das pessoas David Schneider Já Schneider define cultura como sendo um sistema de símbolos e significados que engloba as regras inclusas nas relações e no comportamento. Os fatos culturais não são somente os observáveis, mas também os não observáveis, pois pessoas mortas também podem ser consideradas como categorias sociais Essas formas de entender o que é cultura, pelos antropólogos, apresentam‑se divergentes, demonstrando que há muito ainda o que se estudar nessa ciência. Entretanto, em função do crescimento de definição do conceito de cultura, Geertz (1973) propôs a diminuição da amplitude do conceito de cultura e a melhoria de sua vertente teórica. Era preciso incluir o conceito de cultura dentro da perspectiva da antropologia, sendo esta uma tarefa da antropologia moderna, isso porque o conceito de cultura foi agregando teorias representativas da época em que foi sendo pensado, o que de certa forma contribuiu para a atual definição, como veremos. É importante pontuar que os outros animais também aprendem a viver e se proteger no mundo a partir das experiências que dele extraem, assim como outros animais sociais aprendem com os demais membros de sua sociedade, porém nossa capacidade de aprender está no fato de o humano ter desenvolvido a simbolização, por meio da qual apreende o mundo. Assim, pela aprendizagem, os 77 ANTROPOLOGIA BRASILEIRA humanos vão aprendendo e absorvendo suas tradições culturais e criando formas de se relacionar com seus pares e com o mundo, pois descobriram, a partir dos símbolos, como dar significado e sentido, interiorizar simbolicamente esse mundo e partilhar coletivamente esses significados. Contribuindo para a reflexão, Geertz (1973) exemplificou a cultura humana como sendo elaborada pelo homem, sendo este um animal que está amarrado nas próprias teias por ele tecidas, que sente, percebe, raciocina, julga e age sob a direção desses símbolos, pois a experiência humana é feita de uma sensação significativa que é aprendida e interpreta. Como vimos, de acordo com esse autor, culturas são ideias baseadas na aprendizagem e nos símbolos culturais. Ele explica a cultura como sendo um conjunto de “mecanismos de controle – planos, receitas, regras, instruções, aquilo que os engenheiros de informática chamam de programas para comandar o comportamento” (GEERTZ, 1973, p. 44). Assim, para ele, o processo de endoculturação é responsável pela assimilação dos sistemas de símbolos e seus sentidos, e por meio deles o homem percebe e atua no mundo. É um processo que se dá ao nível do consciente e do inconsciente, agindo como o esperado, isto é, como o que é considerado certo ou errado. Muitos comportamentos são aprendidos, inclusive, pela observação. Após essas reflexões sobre o que é cultura, vamos verificar o papel dos símbolos no conceito de cultura. 5.1 Os símbolos Corrêa (2010) utiliza a mesma definição de símbolo para signos, afirmando que as várias culturas compreendem uma variedade de símbolos ou de signos que as compõem. No âmbito da ideia de ser uma teia de significados, a cultura é constituída no entrelaçamento dos símbolos que são interpenetráveis e que se relacionam mutuamente como partes de um mesmo todo. Dessa forma, o signo é uma representação contida no objeto, mas não é o objeto em si mesmo – um exemplo é a bandeira do Brasil, representada em suas cores, formatos e estrelas, sendo que estas simbolizam os estados brasileiros. Como expressão mais acabada da cultura, o símbolo é a própria representação de algo por meio de um objeto. Por exemplo, o iglu representa a cultura dos esquimós; os palácios japoneses, a cultura japonesa; a oca, a moradia dos indígenas; e a palafita, a casa de ribeirinhos, no Amazonas. Os símbolos, por evocarem, representarem ou substituírem algo que é abstrato ou está ausente, podem contribuir para relembrar os fatos passados. Por isso, também representam uma determinada parte da história humana e seu comportamento, como ocorre com a arquitetura de um determinado período; assim, por meio da arquitetura é possível contrastar os diferentes períodos históricos, sejam modernos ou contemporâneos, e também comparar a forma como se davam as relações sociais em cada época. Para Corrêa (2010, p. 22‑23), “sem dúvida, são os símbolos que mais expressam as particularidades e as diferenças existentes entre os povos, em todos os sentidos, especialmente a língua, com sua simbologia mais marcante por meio de como ela é grafada ou falada”, pois “catedrais, bandeiras, flores, modos de 78 Unidade II vestir, comidas, palácios, igrejas e suas arquiteturas são formas simbólicas de representações culturais de países, cidades, enfim, de povos”. Dessa forma, podemos afirmar que os símbolos são as marcas que a humanidade deixa no tempo como resultados da sua atuação histórica no mundo. Essas marcas detém um valor simbólico de cultura, portanto, não são homogêneas e retratam o comportamento de um determinado grupo cultural. Sua simbologia é resultado das possibilidades e necessidades de cada grupo cultural. Diferenças podem distanciar, subjugar e discriminar, por isso é importante entender a cultura dentro dela mesma, pois ela não é consenso. Por exemplo, a bandeira do Brasil foi criada por políticos e não pelo povo de forma democrática; entretanto, para o brasileiro, é seu símbolo maior de nacionalismo. Tal fato demonstra que a cultura também pode ter alguns valores consensuais. Uma das maneiras mais democráticas de expressar a cultura em termos simbólicos está nas comidas, que também carregam a distinção social na escolha, na compra, na elaboração e no modo de comer os alimentos e de se portar à mesa, evidenciando que as trocas simbólicas possuem valores e tradição próprios de certos grupos sociais, mesmo que seja dentro da mesma sociedade. O modo de se vestir, como moda, é também carregado de valores culturais, mas ganhou certa uniformidade com a globalização, embora também carregue a distinção de classe, demonstrando assim a cultura como fenômeno também universal, sendo no sentido global também democrática (CORRÊA, 2010). A tradição cultural pode ser abordada como práticas comportamentais que existiram na história e permanecem até hoje. Ela aparece nos rituais de casamento, nos quais as noivas devem se vestir de roupa branca, como sinal de pureza e castidade, imprescindíveis na Igreja Católica, assim como nas formaturas da graduação, em que cada curso tem uma cor na faixa que compõe o paramento. Esses fatos demonstram que a tradição não é apenas folclore, podendo ser inventada e criada para existir por muito tempo, mesmo nos casos em que não se sabe o seu tempo de origem. Exemplos como esses demonstram que a cultura tanto pode ser específica quanto geral, demarcando os diferentes grupos sociais, suas práticas e realizações. A tradição também pode ser encontrada nas expressões orais na linguagem cotidiana – por exemplo, nas superstições –, demonstrando que os mitos e as superstições são as manifestações mais populares. Podem proporcionar sorte, como ao entrar com o pé direito em algum lugar, ou azar, ao se quebrar um espelho (CORRÊA, 2010). Os rituais também têm visibilidade como manifestação da cultura e são reveladores da tradição de manifestações específicas dos acontecimentos, cujas ações são carregadas de significados e sentidos datados. Um exemplo, como já mencionamos, é a cerimônia de colação de grau, que é uma tradição e um rito, pois significa a conclusão de uma etapa de passagem para a vida profissional, sendo emocionante como o ritual do casamento. Nesse aspecto, podemos pontuar que os ritos simbolizam conquistas e realizações às vezes não tão fáceis de serem conseguidas, podendo gerar emoções. Outro exemplo são os rituais de passagem, como a festa dos 15 anos e seu baile de debutantes. É importante verificar que os rituais são determinados social e hierarquicamente, com funções e papéis diferentes, como as cerimônias de casamento, que podem ser realizadaspor pastores ou sacerdotes, que dão legitimidade ao ritual (CORRÊA, 2010). 79 ANTROPOLOGIA BRASILEIRA Foi trabalhado até aqui o conceito de cultura, procurando demonstrar as formas como ela ganha visibilidade ao se tornar concreta e expressar as possibilidades de tradução das realizações humanas na sociedade. A seguir, vamos verificar os diferentes sentidos de cultura. 5.2 Os diferentes conceitos de cultura Kroeber, durante a década de 1950, conseguiu listar mais de 250 variações na definição de cultura. Porém, hoje possivelmente podemos encontrar milhares de definições, mesmo porque não se trata de um conceito de interesse só de antropólogos e filósofos, já que existem também definições dadas pelo senso comum que, segundo Gomes (2011), podem ser alinhadas em algumas categorias, como segue: • Cultura como sinônimo de erudição, própria da pessoa culta, observada em seus conhecimentos e refinamento social expresso nos modos de comportamento, etiqueta social, enfim, atributos das classes mais favorecidas, como pode ser constatado nas áreas de literatura, filosofia, história, entre outras. Nesses casos, a palavra cultura é utilizada no sentido de cultivar, numa valorização do humanismo, da retórica e do comportamento refinado, denotando simbolicamente status social. Trata‑se de cultura como fazendo parte da formação intelectual individual e coletiva e contendo refinamento. Um povo tem cultura do ponto de vista da tradição respeitada e cultuada e ao mesmo tempo renovada e refinada. Pode‑se dizer que uma pessoa ou um povo com cultura é aquele que respeita as leis, os códigos e o uso de tecnologia e tem comportamento comedido. A antropologia tem certa reserva em relação a essa definição, pois ela pode implicar em o brasileiro considerar a cultura europeia melhor que a brasileira. • Cultura como manifestação da arte, que considera que teatro e música clássica são cultura, assim como, no popular, as danças folclóricas, músicas caipiras e carrancas que trafegam no rio São Francisco. São manifestações e produções artísticas, entendidas, pela antropologia, como tradição, folclore, ritos ou cultura material. • Cultura como hábito e costumes que identificam um povo, pelas suas especificidades e manifestações, como comer rapadura com farinha ou dormir em rede no Nordeste, ir à praia aos domingos no Rio de Janeiro, a elasticidade do mineiro. Nesses aspectos, cultura refere‑se ao todo comportamental, que inclui também as questões emocionais e intelectuais de uma determinada cultura ou grupo cultural. • Cultura como identidade de um povo ou de um grupo social que compartilha elementos simbólicos independentemente de classe social, região ou religião, entre outras possibilidades, e que permite um contraste frente a outras identidades culturais – por exemplo, identificação do Brasil com o futebol e o carnaval. Nesse caso, considera‑se que a cultura é aquilo que fundamenta nos costumes e atitudes de um povo, cujo conceito ao intelectualizar‑se torna‑se abstrato, isto é, forma‑se no inconsciente das pessoas, indicando como devem se comportar, pensar e se posicionar no mundo. É uma concepção muito trabalhada na antropologia, no sentido de padrão modelo, estrutura, blueprint, entre outras. 80 Unidade II • Cultura como dimensão da vida social, dando sentido aos atos e aos fatos de uma determinada sociedade, como no pensamento, valores e comportamento das pessoas em geral, relações sociais, atos políticos, fatos econômicos, produção artística, religiosidade etc. • Cultura como sendo tudo que o homem vivencia, adquire, realiza, transmite por meio da linguagem. Vem da primeira definição de cultura, formulada por Edward Tylor em 1871. Tylor considerava cultura como um todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, artes, moral, leis, costumes, enfim, tudo que é adquirido pelo homem por meio do aprendizado, como membro de uma determinada sociedade. • Cultura, segundo Gomes (2011, p. 16), é o modo próprio de ser do homem em coletividade, que se realiza em parte consciente, em parte inconscientemente, constituindo um sistema mais ou menos coerente de pensar, agir, fazer, relacionar‑se, posicionar‑se perante o absoluto e, enfim, reproduzir‑se. Essa forma de definição pensa a cultura além da biologia e do homem animal. Nessa definição de cultura, a língua é pensada como um sistema de símbolos que são convencionados, cujos significados são partilhados inconscientemente por uma determinada coletividade, embora esses significados também possam se entrecruzar e formar novos significados. Então, pensar é um ato que acontece, pela língua, cujos significados são compartilhados coletivamente e ao mesmo tempo pelo indivíduo, que quando em contato com outras possibilidades pode propiciar nova criação. Para Gomes (2011), o principal fator de criatividade do homem está no pensamento, inclusive a produção da ciência e da tecnologia. Resumindo, para Gomes (2011, p. 37), “pensar representa o sistema ideológico da cultura, o conjunto de ideias, a lógica e a filosofia que são inerentes na cultura”. Como podemos ver, são muitos os conceitos sobre cultura, mas também é preciso entender que as culturas se relacionam umas com as outras. Isso pode exemplificar o fato de que a cultura brasileira se relaciona com a norte‑americana, com a indígena, nos relacionamentos dos indivíduos uns com os outros, trocando bens e produtos e transmitindo, junto com essas trocas, valores, pensamentos, ideias e comportamentos emprestados que podem ser propositalmente ou inconscientemente incorporados pela coletividade. Um exemplo disso é o costume de tomar banho por higiene ou por refrigério mental, empréstimo da cultura indígena que aconteceu pelo processo de aculturação. Observação Aculturação é um conceito antropológico e sociológico que indica um processo de modificação cultural de indivíduo, grupo ou povo que se adapta a outra cultura ou dela retira traços significativos. A aculturação pode levar à integração ou assimilação de itens culturais e, assim, ao pertencimento. Entretanto, é um processo reversível, pois alguns povos podem voltar a ser o que eram antes dos contatos. O processo de aculturação pode se dar pela dominação de uma nação sobre outra, cuja resistência acaba levando à aceitação e ao acomodamento frente ao novo, principalmente pela força ideológica da cultura dominante. 81 ANTROPOLOGIA BRASILEIRA Entretanto, é necessário frisar que não há cultura superior e inferior. Foi assim classificada numa escala evolutiva, pois toda cultura tem sua singularidade e seu valor, mas é comum definir culturas superiores como sendo aquelas mais bem equipadas para um combate ou com maior poder econômico, conceitos esses que não são científicos. Há aquelas culturas que não se enquadram nessas possibilidades, tendo predominado sobre outras culturas dominantes, por exemplo, a cultura grega clássica absorvida pela cultura romana. Atualmente, há uma convivência aceitável entre as diferentes culturas, possibilitada por instituições mundiais como a Organização das Nações Unidas e também pelo pensamento científico, apesar de os empréstimos culturais se realizarem mais por meio das influências econômicas que por questões culturais, por influência geral dos Estados Unidos e pela globalização homogeneizadora, que cria identificação cultural, mas também competitividade negativa entre algumas nações, embora isso não seja incompatibilidade cultural. Em relação aos termos cultura e sociedade, estes normalmente são utilizados como equivalentes, por terem muitos sentidos em comum e operarem de forma semelhante. O termo sociedade comporta um conjunto de indivíduos agrupados pelo que têm em comum, para os sociólogos, como partes de um todo, como trabalho, educação, lazer etc., sendo que os indivíduos participam de acordo com sua categoria social, cuja influência coletiva se manifesta no indivíduo. O termo cultura diz respeito a atitudes e visões de mundo. A sociedade se rege pela cultura,isto é, pela forma de ser coletiva e partilhada pelos membros que a contêm, dentro de sua categoria social. Cada categoria social tem seu comportamento e modos de ser partilhados coletivamente dentro do todo cultural. Embora existam sociedades mais igualitárias, nas quais os indivíduos participam nos bens materiais e simbólicos de maneira mais ou menos equitativa, a maioria das sociedades no mundo hoje é desigualitária, pois as participações das diferentes categorias se dão de forma desigual, assim como entre indivíduos, famílias e diferentes categorias sociais. Em síntese, o termo sociedade refere‑se a um todo de indivíduos que estão agrupados em diferentes categorias sociais que são constituídas por diferenciação, e a cultura pode ser considerada o modo de ser dessa sociedade. Relativamente às classes sociais, cada sociedade produz sua forma de existência, culturas e subculturas, e seus membros são identificados dentro delas. No interior do todo social podem ser contrastivas as diferentes classes sociais. As variações culturais, dentro desse todo, podem ser identificadas como subculturas, ou parte da cultura total. Como exemplo, podemos citar que a elite brasileira tem uma determinada forma ou modo de se relacionar com as demais classes sociais: a subcultura, que é a parte do todo que dá sentido a esse todo e permite a comunicação mútua. Sobre tradição e folclore, é preciso fazer uma distinção. A palavra tradição é em geral utilizada como sinônimo de cultura ou ainda como um componente da cultura em relação aos fatos do passado, carregando aquela identidade para o presente e mantendo uma relação de lealdade com esse passado. Pode ser confundida com folclore, isto é, com o conhecimento popular, mas este se refere aos ritos, mitos, crenças, festas etc. que no passado tiveram bastante importância, mas que hoje são manifestações de coletividades menores de fatos que podem não voltar a acontecer e ter a mesma importância que já tiveram, embora tenham sido muito importantes para a formulação de políticas voltadas a valorização da cultura popular. 82 Unidade II Atualmente, os museus oferecem possibilidades de permanência leal com a cultura do passado. Saiba mais Podemos citar Câmara Cascudo como um grande folclorista brasileiro, conforme pode ser verificado na obra a seguir: CÂMARA CASCUDO, L. Dicionário do folclore brasileiro. 12. ed. São Paulo: Global, 2012. Em relação aos termos ethos (ética) e etos (moral), ethos tem grande importância no estudo da cultura para as explicações de como sentir o mundo e de se comportar conforme seus valores, isto é, como viver o sentido de ser no mundo e de como a vivência nele expressa seus valores e normas, as questões subjetivas de vivência da cultura. Observação Ethos, palavra de procedência grega, pode ser definida em relação aos hábitos adquiridos por uma comunidade. É o que distingue um grupo social e cultural dos outros, sendo assim uma identidade social. Para apreendermos de forma mais ampla, devemos entender a definição da palavra de origem latina mören, que tem o mesmo significado de ethos e que deu origem à palavra moral. Moral e ética são sinônimos. Podemos compreender a ética quanto à “ciência da conduta”, porque ela faz um exame dos modos como as pessoas se comportam em determinada comunidade, tendo como menção valores e padrões sobre o que é ruim e bom para determinada comunidade como um todo e para o entrosamento dos indivíduos que a compõem (SIGNIFICADO..., s.d.). Portanto, ethos refere‑se à subjetividade presente no interior da cultura, trata‑se dos valores e normas presentes no comportamento e formas de ver o mundo, como utilizar a palavra ethos referindo‑se à cultura europeia. Em relação ao significado de cultura e civilização, esses termos não são considerados sinônimos pelos antropólogos. A cultura é a forma como um povo se organiza e vive. Civilização significa parte de uma cultura, num determinado tempo (por exemplo, a cultura maia), como um modo de ser e de agir de um povo. Pode ser definida como modo de ser e de agir politicamente e ser utilizada, ainda, como civilização, sendo um estágio superior de evolução das culturas que têm como características desigualdade social, tecnologia avançada e tendência expansionista. Civilização pode se referir mais às questões materiais, como as territoriais e políticas; já cultura, às questões temporais e espirituais (GOMES, 2011). 83 ANTROPOLOGIA BRASILEIRA Até aqui, pudemos depreender que cultura tem muitos significados e várias formas de utilização e de aplicação, assim como é relacional a diversos conceitos. Entretanto, apesar dessa diversidade conceitual, tem imenso valor explicativo ao revelar o ser humano vivendo em coletividade e como estudá‑lo. Vamos aplicar alguns dos significados apresentando alguns níveis da cultura: • Cultura nacional: refere‑se a crenças e padrões de comportamento que são carregados de valores aprendidos e partilhados entre os cidadãos de um determinado país. • Cultura internacional: entendida como estendida para fora do país ganhando o mundo por empréstimo ou difusão, por meio de migração, colonialismo e, atualmente, pela globalização. Por exemplo, católicos de vários países que compartilham toda a carga cultural transmitida pela Igreja Católica. Mesmo compartilhando uma determinada tradição cultural nacional, dentro do próprio país existe uma diversidade cultural verificada no indivíduo ou na coletividade, no interior das classes sociais, famílias, comunidades, regiões e demais grupos sociais que vivem dentro do país. As subculturas aqui não são referidas como inferiores a alguma cultura dominante, e sim como existindo dentro do país em diversos grupos culturais. Referem‑se a tradições e padrões simbólicos de diferentes grupos que também são partilhados para os demais grupos culturais dentro do país, como o forró, uma tradição nordestina que ganhou o Brasil. Como forma de operar a cultura, reiteramos os conceitos de etnocentrismo, relativismo cultural e direitos humanos, conforme Kottak (2013), como segue: • Etnocentrismo: refere‑se a uma determinada visão de mundo de coletividades que se consideram socialmente mais importantes que as demais. Individualmente ou coletivamente, consideram a etnia à qual pertencem como sendo um eixo central a partir do qual avaliam comparativamente as diferentes culturas humanas. Contribui, no sentido de reforçar a solidariedade social, numa mesma experiência cultural, mas, se extremado, pode ser prejudicial, ao estranhar os comportamentos diferentes de outras culturas, podendo gerar preconceitos e estigmas, por exemplo, não aceitando o fato de uma cultura se alimentar de determinado animal, como os chineses em relação a terem como comida a carne de cachorro. • Relativismo cultural: faz oposição ao etnocentrismo por considerar que não deve haver julgamento de uma cultura sobre outra como sendo melhor ou pior, pois cada uma tem seus próprios valores, que não devem ser comparados com os de outras. O relativismo cultural, se extremado, pode causar problemas, ao considerar correto o comportamento cultural da Alemanha na época do nazismo. Por esses motivos, o relativismo cultural está sendo questionado em relação aos direitos humanos sobre os países do Oriente Médio que têm o hábito tradicional de remover o clitóris das meninas para que não sintam prazer. Esse hábito viola o direito que elas têm sobre seu próprio corpo e sexualidade. Tais questionamentos seriam resolvidos por meio do entendimento que existe diferença entre relativismo metodológico e moral. A antropologia considera o relativismo cultural não como sendo uma questão moral e sim metodológica. É 84 Unidade II necessário perceber como os indivíduos de uma determinada cultura veem as coisas, o que de fato não impede de se ter algum estranhamento. • Direitos humanos: trabalha as questões de moral e justiça internacionalmente, como a liberdade de expressar o que se pensa sem serperseguido, com direitos que não são alienados e não podem ser extintos por algum país. Tais direitos estão contidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos da Organização das Nações Unidas, reconhecidos internacionalmente. • Direitos culturais: surgiram na esteira dos direitos humanos e referem‑se aos direitos que os grupos étnicos, religiosos e indígenas têm de preservar sua cultura com seus comportamentos, língua e economia. • Direitos de propriedade intelectual: também se referem ao direito que a população indígena tem de conservar sua base cultural – por exemplo, a etnomedicina, plantas, folclore, artes, artesanatos, músicas, danças, trajes e rituais. Assim, é possível que nessa noção de direito, um grupo com o conhecimento dos índios possa usar e distribuir seus produtos e recompensá‑los. A noção de direitos culturais está próxima da noção de relativismo cultural, porém isso não indica que um antropólogo tem que aprovar, por exemplo, o canibalismo. Cada antropólogo pode escolher com qual cultura quer trabalhar, mesmo respeitando a diversidade humana, e não ignorar os padrões internacionais de justiça e moralidade. Como pode ser observado, estamos a todo momento trabalhando com identidades culturais, por isso é preciso sabermos um pouco mais sobre esse conceito. Para tanto, é preciso entender que a identidade cultural está vinculada a grupos sociais e culturais, cujas características estão ligadas as suas condições históricas e, portanto, num primeiro momento, seus membros não a escolhem, pois nascem num ambiente que já tem suas regras dadas. Entretanto, num determinado momento de suas vidas, podem romper as limitações de sua cultura e agregar ou retirar valores, pois cotidianamente novas experiências levam‑nos a fazer escolhas. Por esses motivos, a antropologia procura estudar os diálogos ininterruptos que existem entre os símbolos de diferentes sujeitos, levando à existência de várias identidades sociais – por exemplo, de idosos ou jovens, homens e mulheres, ricos e pobres –, cujos fatores vão construindo a identidade. Seus membros são reconhecidos por essa identidade, que pode ser nacional, profissional, grupal, de gênero, de classe social, demonstrando como cada um participa de sua cultura e por ela é rotulado. Segundo Kemp (2012), existem diferentes vertentes abordando a questão da identidade. Podemos falar de identidade biológica, que enfatiza a herança genética, constituindo o conceito de raças humanas. Esse conceito, por ser pejorativo, foi substituído por etnia, uma vez que esse conceito biológico de raça, utilizado para classificar os seres humanos, contribuiu para a promoção da dominação de uns sobre os outros, da inferiorização de traços culturais alheios e da exterminação de populações inteiras. Nesse aspecto, a antropologia física fez grave distorção ao explicar os fatos culturais por meio do evolucionismo ou darwinismo social. Junto com a arqueologia, procurou explicar como se deu esse processo evolucionista e hierárquico, no qual os mais hábeis e capazes sobrevivem, justificando a ideia da superioridade de umas culturas sobre outras. Esse fato está na origem do movimento nazista, na 85 ANTROPOLOGIA BRASILEIRA Alemanha, resultando no holocausto, durante a Segunda Guerra Mundial. Atualmente, na antropologia, entende‑se que a identidade cultural não deve ser pensada biologicamente. O estudo da identidade, do ponto de vista antropológico, necessita de referenciais para acontecer. A diversidade cultural demonstra que os comportamentos não são naturais, e sim construídos por cada cultura, e só no contato com o diferente podemos construir uma identidade, pois só é possível saber o que sou a partir do que não sou. Nesse caso, temos a identidade contrastiva, que surge em oposição ao outro e afirma o que somos frente a esse outro diferente de nós. Entretanto, hoje há uma multiplicidade de identidades culturais numa mesma localidade e tempo caracterizando várias tribos urbanas, como tribos de rock, de funk, de uma determinada vertente religiosa etc. Nas diferentes sociedades há construções de identidade individuais pautadas por modelos culturais de comportamento determinando papéis e funções a serem cumpridos. Nesse caso, enquadram‑se a identidade nacional e a identidade de gênero. A identidade nacional também constrói modelo cultural de comportamento, que faz parte da construção histórica da ideia de nação. É uma das formas de representação de nossa identidade, mesmo porque a totalidade de nossa cultura vai além de seus traços nacionais, pois os grupos reproduzem ou abandonam determinados valores, por conta da interação social que delimita a fronteira entre “nós” e o “outro”. A identidade de gênero, também como recorte cultural, está presente no sexo biológico definido e se refere à diferença, mas não ao papel e ao comportamento que o indivíduo pode desenvolver. Cada cultura tem seu modelo de comportamento vinculado à questão de gênero, com seus atributos que não estão ligados somente à reprodução, mas também aos papéis que cada gênero vai desempenhar no seu grupo, e isso faz parte do processo de socialização, ou seja, é fruto desse processo. Pode convergir ou divergir do que é considerado padrão de comportamento de gênero, uma vez que este é uma construção psicossocial que carrega papéis específicos em sua cultura. A seguir, conforme Kemp (2012), vamos compreender os conceitos de grupos, tribos, gangues e minorias. Atualmente, a tradição cultural de um grupo já não tem muita importância para os indivíduos que são livres e têm capacidade de efetuar escolhas subjetivas, cujos lugares são a somatória de vários elementos identitários, como profissão, gênero, lazer, consumo, crenças, orientação política, entre outros. Além de identidade contrastiva, pelo fato de a forma de agrupamento referir‑se à afirmação da diferença, a identidade pode ser relacional por ser complementar ou combinada, sendo expressa nos papéis que desempenhamos em diferentes contextos: por exemplo, somos pai, filho, professor etc. Em função da multiplicidade de categorias sociais é possível realizar agrupamentos sociais variados, como a universalização da educação, os meios de comunicação de massa, que divulgam modo de vida e hábitos, a cultura do consumo, entre outras, demonstrando que podemos nos associar a grupos com os quais nos identificamos. Nem todos os grupos podem ser classificados como tribos; para tanto, é preciso ter traços identitários específicos que sejam reconhecidos pelos outros, como o corpo, as vestimentas, 86 Unidade II a língua, o dialeto, a gíria, a religião, entre outros, conforme ocorre com as tribos de roqueiros, por exemplo, fato conhecido como neotribalismo. As práticas comuns nas sociedades tradicionais obedeciam a regras e tradições de seu povo, mas nessa nova denominação os componentes do neotribalismo querem quebrar as regras sociais, procurando a possibilidade de serem diferentes do padrão instituído para serem iguais aos membros de sua tribo. O fato de ser igual aos demais membros da tribo leva ao conceito de minorias sociais. Minorias sociais referem‑se a grupos cujos membros têm identidade divergente do padrão imposto. Houve grandes manifestações em prol de mais direitos para as minorias manifestas, a partir de 1960. Buscou‑se o direito à diferença, iniciada por negros, feministas e homossexuais, que lutavam pelo direito do cidadão independentemente de seu pertencimento étnico, político, religioso ou sexual. Atualmente, esse conceito de minoria refere‑se a qualquer grupo social que desenvolve estratégias de publicização de afirmação identitária. Isso posto, é possível afirmar que o jogo simbólico constitui o processo de identificação. Em alguns momentos pode‑se respeitar uma determinada identidade; em outro momento, não, resultando em preconceito. Trata‑se de um processode identificação que é referencial, relacional e combinada e permite uma contínua construção identitária, demonstrando, conforme Hall (1998), uma identidade pós‑moderna aberta, contraditória, inacabada, fragmentada, capaz de expressar as contradições existentes na sociedade e escolher mesmo mantendo as outras opções. Saiba mais O filme Baraka é um documentário não narrativo que inclui filmagens de várias paisagens da natureza e das culturas humanas, como igrejas, ruínas, cerimônias religiosas e cidades. BARAKA. Direção: Ron Fricke. EUA: Magidson Films, 1992. 96 min. 6 A CULTURA BRASILEIRA Conforme Geertz (1973), a cultura comporta uma teia de significados culturais, o que nos ajuda a entender que a cultura brasileira é composta por uma variedade de culturas, perfazendo uma multicultura que se entrelaça e compõe essa teia. A multicultura caracteriza‑se pela forma como sujeitos assimilam e se apropriam das manifestações culturais diferentes das suas tradicionais. Corrêa (2010) exemplifica com a pizza trazida para o Brasil no processo de imigração, típica da culinária italiana, que em Belém do Pará é recheada com jambu, planta comestível apreciada na região, camarão e mozarela. Aí temos o entrecruzamento presente na composição, estética, sabor e odor, num processo de interculturalidade que tem em comum um determinado alimento. Ao ser produzido e consumido, está unindo diferentes sujeitos, com diferentes costumes, e ao se apropriar do costume de outro país, agrega aquilo que tem como seu costume alimentar. 87 ANTROPOLOGIA BRASILEIRA Em relação à língua, esta é considerada um forte referencial da identidade e de pertencimento da pessoa, à medida que está sempre associada a um determinado país e carrega seus significados, produzindo sentido. Podemos afirmar que a língua carrega uma identidade cultural. Para Cuche (1999, p. 176‑177): A questão da identidade cultural remete, em um primeiro momento, a questão mais abrangente da identidade social, da qual é um dos componentes. Para a psicologia social, a identidade é um instrumento que permite pensar a articulação do psicólogo e do social em um indivíduo. E exprime o resultante das diversas interações entre o indivíduo e seu ambiente social, próximo ou distante. A identidade social de um indivíduo se caracteriza pelo conjunto de suas vinculações em um sistema social: vinculação a uma classe sexual, a uma classe de idade, a uma classe social, a uma nação etc. A identidade permite que o indivíduo se localize em um sistema social e seja localizado socialmente. Como um dos componentes da identidade social, a identidade cultural inclui a língua, que permite o sentimento de pertencimento a uma dada cultura – em nosso caso, à cultura brasileira, cuja língua é a portuguesa –, com certas peculiaridades que a diferem da língua portuguesa falada em outros países, por exemplo, na pronúncia e em termos marcadamente brasileiros. A identidade cultural não é uma construção que diz respeito somente ao indivíduo e sim ao grupo social ao qual pertence. A língua, por ser social, é uma questão grupal. Carrega idiossincrasias regionais no Brasil e, embora use a língua portuguesa, produz uma linguagem com suas variações linguísticas. Um exemplo visto em Corrêa (2010) é o uso de uma determinada palavra para definir o mesmo objeto, como a palavra fio no norte do país e barbante no sul e sudeste. A língua pode ser considerada o elemento‑chave de qualquer povo. Esse fato pode ser observado num processo migratório, pela dificuldade que as pessoas podem ter em aprender nova língua e consequentemente a pertencer a essa outra cultura. Esse sentimento de pertencimento é um processo, e para se efetuar não basta apenas saber falar a língua ou conhecer alguns dos seus significados culturais. É preciso de muito tempo de imersão na cultura para poder compreendê‑la e refleti‑la. A linguagem implícita no uso da língua incorpora suas múltiplas manifestações. As diferentes linguagens se manifestam igualmente por meio dos símbolos que contém, como pátrios, moda, culinária, músicas etc. Observação Língua: é definida como sendo um conjunto de elementos constituintes da linguagem falada própria de uma coletividade. Significa também idioma – por exemplo, a língua portuguesa. Linguagem: refere‑se a qualquer sistema de signos simbólicos utilizados para efetuar a intercomunicação social, visando expressar e comunicar ideias e sentimento, ou seja, conteúdos à consciência. 88 Unidade II É preciso entender, também, que língua e linguagem são parte de uma cultura e são perpassadas pelo viés de classe, tendo, portanto, aspectos que são próprios da classe dominante, como a linguagem culta, que traduz a norma padrão da língua e apresenta as desigualdades existentes entre as classes sociais brasileiras, sendo usada em espaços e lugares que lhe são específicos, expressando as hierarquias existentes, como nas escolas. A língua e a linguagem se diferenciam pelo ponto de vista econômico, mas também da escolarização, que pretende desenvolver o uso correto da língua que é padrão. Entretanto, atualmente a linguagem virtual vem trazendo novos símbolos de comunicação e permitido acesso à comunicação democraticamente às diversas classes sociais. Assim, a língua portuguesa, embora expresse diferenciação social, é responsável também pela unificação cultural do brasileiro (CORRÊA, 2010). As diferenciações culturais, entre outros aspectos, estão presentes na música, na culinária, na moda, nos artefatos e na arquitetura: • Música: a música sertaneja é mais presente nos estados de São Paulo e Goiás. Frevo e forró, no Nordeste. Brega, no Norte. Entretanto, todos esses tipos de música são ouvidos por todas as camadas sociais. • Culinária: pode ser regional e ao mesmo tempo nacional. São exemplos a feijoada, que contém a mistura do feijão com a carne‑seca, carnes de porco salgadas, linguiças, entre outros alimentos que provêm de diferentes regiões; a macaxeira, assim chamada no Norte e no Nordeste, mais conhecida como aipim no Rio de Janeiro e como mandioca em São Paulo; a maniçoba, o tacacá e o tucupi, pratos típicos da região Norte, cujo gosto foi desenvolvido a partir da tradição indígena, que a colonização portuguesa não conseguiu abarcar; o buriti, no Maranhão; o pequi, no Cerrado; e o açaí, do Pará para o mundo, por combater os radicais livres, o que permitiu um caráter internacional a nossa cultura, no mundo globalizado, que tem tendência homogeneizante, mas que tem também a necessidade de que os produtos se adequem à cultura alimentar de diferentes países. • Moda: segue padrões comuns, porém assentados na moda jovem, que podem interferir nos modos de se vestir de diferentes culturas, embora haja algumas resistências, como o uso do quimono, no Japão; da bombacha gaúcha, no sul do Brasil; e da roupa caipira, representada nas festas juninas. Para Soares (2001, p. 166): Então é interessante pensar a moda dentro desse aspecto, como um fenômeno que pertence ao âmbito da cultura e é uma expressão dela, como uma lógica que em algum momento foi mais associada ao vestuário, mas que na atualidade está presente em vários setores da cultura se não em todos eles. Simultaneamente, é importante pensar a moda como um produto cultural, como eu disse anteriormente, produto cultural esse que faz com que o produtor necessite de uma análise crítica, o que é fundamental. Acredito na possibilidade da realização de uma análise crítica daquilo que se está fazendo. Isso é um grande caminho, um caminho de investimento, que é o caminho da investigação, da curiosidade, do pensamento. Dessa forma, a moda pode também ser analisada como um marcador de identidade, algo que oferece um elemento diferenciador mesmo que paradoxalmente, já que somos globalizados. 89 ANTROPOLOGIA BRASILEIRA • Artefatos: o artesanato dá grande visibilidade à cultura nacional local e a propaga pelo Brasil, sendo adquirido por diferentes seguimentos sociais. São exemploso artesanato nordestino, com suas rendas cearenses e pernambucanas, e a rede, costume que veio dos índios e que faz parte de diferentes segmentos sociais, sendo utilizada também com fins de lazer. O artesanato popular, como a rede, tem origem indígena, assim como a cerâmica marajoara imitando urnas indígenas; o cuiú para tomar tacacá e o feito para o chimarrão; o tambor, que tem origem africana etc. A posse de artefato tem valor histórico e educacional, pois a tradição tem valores fundamentais. • Arquitetura: aquela que com seus traços apresenta a tradição da colonização, a qual pode ser vista principalmente nos templos católicos, nas capelas e nas igrejas grandiosas edificadas no Brasil e também nas fortificações cujas arquiteturas indicam defesa territorial. Na contemporaneidade, as obras de Oscar Niemeyer, em Brasília e outras capitais do Brasil, são marcadas por um estilo que expressa a cultura brasileira e que é conhecido mundialmente. São também exemplos as palafitas amazônicas, de Manaus e Belém, que mostram uma cultura local que simboliza a moradia de segmentos sociais menos favorecidos economicamente, e as moradias de barro e pau a pique, às margens das rodovias no Nordeste e Norte ou em terras de pequenos agricultores. Além disso, destaca‑se também a simbologia implícita nas construções de Brasília: política, nos prédios dos Três Poderes, e religiosa, no caso da catedral de Brasília, todos representando a arquitetura moderna (CORRÊA, 2010). Conforme Corrêa (2010), relativamente a etnias e culturas no Brasil, nossa sociedade é caracterizada pela multiplicidade de cultura que a compõe, capaz de realizar infinitas possibilidades de trocas culturais, como as decorrentes da colonização e as dos processos migratórios, conforme veremos na sequência. 6.1 A contribuição cultural do índio No processo de colonização, nas relações entre os índios e os portugueses, houve a imposição da cultura portuguesa sobre a cultura indígena, como a tupi‑guarani, em grande parte suprimida por ser considerada selvagem em um primeiro momento. Considerava‑se que os índios tinham maus costumes e precisavam deixar essas condições, pelo processo de catequização e conversão à fé católica. Isso era responsabilidade dos jesuítas à época, em especial do padre Manoel da Nóbrega, que escreveu, conforme Daher (2001, p. 50): Contai‑me o mal de hum destes [índios] e ho mal de um philosopho romano. Hum destes, muito bestial, sua bem‑aventurança hé matare ter nomes, e esta hé sua gloria por que mais fazem. Ha lei natural nam a guardão porque se comem; sam muito luxuriosos, muito mentirosos, nenhuma cousa aborresem por má, e nenhuma louva(m) por boa; tem credito em seus feiticeiros. Verifica‑se no texto uma crítica à forma de ser dos índios na antropofagia, nas guerras entre tribos, na vivência natural e na religiosidade, costumes esses enraizados nos índios pela língua tupi‑guarani, a qual foi apropriada pelos jesuítas para que pudessem fazer a catequização. Ainda conforme Daher (2001, p. 51), a forma como subjugaram a cultura indígena pode ser muito bem verificada no seguinte texto do padre Manoel da Nóbrega: 90 Unidade II Primeiramente o gentio se deve sujeitar fazê‑lo viver como criaturas racionais, fazendo‑lhes guardar a lei natural [...] A lei, que lhes hão de dar, é defender‑lhes comer carne humana e guerrear sem licença do Governador; fazer‑lhes ter uma só mulher, vestirem‑se pois têm muito algodão, ao menos depois de cristãos, tirar‑lhes os feiticeiros, mantê‑los em justiça entre si e para com os cristãos, fazê‑los viver quietos sem se mudarem para outra parte, se não for para entre cristãos, tendo terras repartidas que lhes bastem, e com estes Padres da Companhia para os doutrinarem. O extermínio da cultura indígena por meio do processo de reeducação foi demorado por não se tratar de algo simples de ser feito. Para tanto, como pode ser verificado no relato que acabamos de apresentar, fez‑se necessária a supressão dos costumes indígenas, muitas vezes de forma conflituosa, para a vida natural assim concebida pelos colonizados e pela Igreja, que era a da fé e da cultura portuguesas. Com tudo isso, a cultura indígena no Brasil não foi suprimida por completo, pois ainda temos nações indígenas que vivem em sua naturalidade e as que absorveram as demais culturas do país. Conforme a Fundação Nacional do Índio (FUNAI, s.d.b): Desde 1500 até a década de 1970 a população indígena brasileira decresceu acentuadamente e muitos povos foram extintos. O desaparecimento dos povos indígenas passou a ser visto como uma contingência histórica, algo a ser lamentado, porém inevitável. No entanto, este quadro começou a dar sinais de mudança nas últimas décadas do século passado. A partir de 1991, o IBGE incluiu os indígenas no censo demográfico nacional. O contingente de brasileiros que se considerava indígena cresceu 150% na década de 90. O ritmo de crescimento foi quase seis vezes maior que o da população em geral. O percentual de indígenas em relação à população total brasileira saltou de 0,2% em 1991, para 0,4% em 2000, totalizando 734 mil pessoas. Houve um aumento anual de 10,8% da população, a maior taxa de crescimento entre todas as categorias, quando a média total de crescimento foi de 1,6%. Um dado importante foi o aumento da proporção de indígenas urbanizados. A atual população indígena brasileira, segundo resultados preliminares do Censo Demográfico realizado pelo IBGE, em 2010, é de 817.963 indígenas, dos quais 502.783 vivem na zona rural e 315.180 habitam as zonas urbanas brasileiras. Este Censo revelou que em todos os Estados da Federação, inclusive do Distrito Federal, há populações indígenas. A Funai também registra 69 referências de índios ainda não contatados, além de existirem grupos que estão requerendo o reconhecimento de sua condição indígena junto ao órgão federal indigenista. 91 ANTROPOLOGIA BRASILEIRA É importante entender que parte desse crescimento se refere àqueles que assumiram a identidade indígena. No Censo Demográfico feito pelo IBGE em 2010, a Funai identificou a existência de 274 línguas indígenas no Brasil. Entre elas, 17,5% da população indígena não falam a língua portuguesa. Segundo essa pesquisa, a população brasileira era composta por 190.755.799 habitantes, sendo 817.963 indígenas, de 305 diferentes etnias, distribuídas conforme o gráfico a seguir: Norte 305,873 Nordeste 208,691 Sudeste 97,960 Sul 74,945 Centro-Oeste 130,494 Figura 4 – Distribuição da população indígena ‑ IBGE ‑ 2010 Encontramos povos indígenas vivendo nas cinco regiões brasileiras, mas concentrados na região Norte, com 305.873 índios, perfazendo aproximadamente 37,4% do total. Veja o gráfico: Norte Nordeste Centro‑Oeste Sudeste Sul Figura 5 – População indígena no Brasil Na região Norte, o estado que mais concentra população indígena é o Amazonas, conforme o gráfico a seguir: 92 Unidade II Amazonas Roraima Pará Acre Tocantins Rondônia Amapá Figura 6 – Concentração indígena nos estados da região Norte É bom destacar, conforme a Funai, que a população indígena vive tanto nas áreas rurais como nas urbanas. Cerca de 61% dos indígenas estão concentrados na área rural, estabelecidos em maior número na região Nordeste, com 106.150 indígenas, conforme o gráfico: 0 No rde ste Su de ste No rte Ce ntr o‑ Oe ste Su l 50.000 100.000 150.000 200.000 250.000 300.000 Urbana Rural Figura 7 – Concentração de índios nas zonas rurais e urbanas das regiões brasileiras Em 2010, a região Nordeste possuía 25,5% da população, sendo o estado da Bahia o que mais concentrava indígenas, conforme o gráfico a seguir: 93 ANTROPOLOGIA BRASILEIRA Bahia Pernambuco Maranhão Ceará Paraíba Alagoas Sergipe Piauí Rio Grande do Norte Figura 8 – Concentração indígena nos estados da região Nordeste Ainda segundo a Funai, as regiões que menos têm populações indígenas são a Sudeste e a Sul, nessa ordem, sendo São Paulo no Sudestee o Rio Grande do Sul no Sul os estados com maior número de indígenas em suas regiões, conforme o gráfico: São Paulo Minas Gerais Rio de Janeiro Espírito Santo Rio Grande do Sul Paraná Santa Catarina Figura 9 – Concentração indígena nos estados das regiões Sul e Sudeste A figura a seguir mostra a beleza de nossos índios: Figura 10 – Índios brasileiros 94 Unidade II De acordo com a Funai, o povo Tikuna, residente no Amazonas, foi o que apresentou maior quantidade de falantes em números absolutos e, consequentemente, a maior população. Em segundo lugar, em número de indígenas, ficou o povo Guarani Kaiowá, do Mato Grosso do Sul, e em terceiro lugar, os Kaingang, da região Sul do Brasil. Saiba mais Em relação à língua indígena falada no Brasil, a partir dos dados do Censo de 2010, a Funai publicou uma tabela contendo todas as línguas encontradas e suas variações, o que pode ser verificado no link a seguir: FUNAI. O Brasil indígena. Brasília: Funai, 2010. Disponível em: http://www. funai.gov.br/arquivos/conteudo/ascom/2013/img/12‑Dez/pdf‑brasil‑ind. pdf. Acesso em: 25 set. 2019. Esses dados demonstram que apesar de todas as ocorrências registradas na história contra a cultura indígena, o Brasil ainda possui uma riqueza imensa na sua diversidade representada nas culturas indígenas da contemporaneidade. Lembrete Segundo a Funai (2010), os resultados do Censo de 2010 apontam para 274 línguas indígenas faladas por indivíduos pertencentes a 305 etnias diferentes. Em relação ao etnodesenvolvimento, a Funai se preocupa com as particularidades regionais do país, desenvolvendo estratégias que visam melhorar a condição de vida da população indígena em função da diversidade sociocultural dos diferentes grupos étnicos. Para tanto, considera fatores que compõem processos de desenvolvimento em questão, tais como: • Elaborar estratégias voltadas para as necessidades básicas, ou seja, destinadas a satisfazer as necessidades fundamentais de um grande número de pessoas, mais do que crescimento econômico por si mesmo. Isso significa que o país deve concentrar seus recursos e esforços no sentido de produzir os bens essenciais. • Fortalecer visão interna, ou endógena, e não uma visão externa e orientada para as exportações e importações. • Usar e aproveitar as tradições culturais existentes e não rejeitá‑las a priori como obstáculos ao desenvolvimento, e, ainda, basear as ações de desenvolvimento no uso dos recursos locais, quer sejam naturais, técnicos ou humanos. http://www.funai.gov.br/arquivos/conteudo/ascom/2013/img/12-Dez/pdf-brasil-ind.pdf http://www.funai.gov.br/arquivos/conteudo/ascom/2013/img/12-Dez/pdf-brasil-ind.pdf http://www.funai.gov.br/arquivos/conteudo/ascom/2013/img/12-Dez/pdf-brasil-ind.pdf 95 ANTROPOLOGIA BRASILEIRA • Respeitar, e não destruir, o meio ambiente, ou seja, é válida do ponto de vista ecológico, orientando‑se para a autossustentação nos níveis local, nacional e regional. • Ser mais participativa do que tecnocrática (FUNAI, s.d.a). Essas linhas de ação da Funai centram esforços na promoção da biodiversidade, valorizando a diversidade biológica presente nos sistemas agrícolas que são tradicionais, bem como o uso e manejo desses recursos com o conhecimento e a cultura das populações tradicionais e de agricultores familiares, visando ao estímulo da transmissão dos conhecimentos tradicionais, além do intercâmbio entre as diversas etnias, bem como implantar processos, projetos e atividades sustentáveis que gerem renda, por meio de plano de atuação criado pelas Coordenações Regionais da Funai, em conjunto com as comunidades indígenas e Coordenações Técnicas Locais (CTLs). Trabalham, também, para a colocação da produção indígena no mercado de consumo, principalmente para o consumidor que considera importantes as boas práticas ambientais, justiça social e diversidade cultural. Temos a seguir algumas ações importantes para a geração de renda: • Selo indígena: indica que o produto foi cultivado ou coletado numa terra indígena, por um indígena participante do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. Figura 11 • Apoio à certificação participativa da conformidade orgânica: a Lei de Agricultura Orgânica prevê duas modalidades de certificação: a certificação por auditoria e os Sistemas Participativos de Garantia (SPG). A Funai apoia organizações indígenas que buscam o credenciamento do SPG no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). 96 Unidade II • Alguns produtos indígenas comercializados: artefatos de cestos, colares de sementes, artesanato de barro, mandioca e seus derivados, como a farinha. Entretanto, a música e a dança indígena não tiveram a mesma aceitação como as músicas e as danças africanas. • Visitação para fins turísticos em terras indígenas: a visitação com finalidade turística em terras indígenas, no âmbito dos segmentos de etnoturismo e ecoturismo, é uma opção de geração de renda, desde que realizada com base comunitária e sustentável, respeitando‑se a privacidade e a intimidade dos indígenas, nos termos estabelecidos por eles (FUNAI, s.d.a). Anuência da comunidade Recebimento e análise da CGETNO Solicitar ajuste do plano de visitação A CR deve solicitar os ajustes junto ao proponente Encaminhar para coordenação geral devida Solicitar ajuste do plano de visitação Emissão da carta anuência Recebimento e análise da coordenação regional Recebimento e análise da presidência Não Não Não Não Sim Sim Sim Sim Fim Fim Elaboração do plano de visitação (Proponente) D em on st ra ti vo d as e ta pa s de a nu ên ci a do p la no d e vi si ta çã o Figura 12 – Demonstrativo das etapas de anuência do plano de visitação às terras indígenas É preciso ressaltar que a Funai monitora as terras indígenas por meio da fiscalização, prevenção e planos de proteção, cujas ações são feitas a partir das informações que são obtidas a partir de diagnóstico no local ou por sensoriamento remoto. Combate principalmente a invasão de terras indígenas, a extração ilegal de minérios e de madeira e a pesca predatória, articulando intersetorialmente e interinstitucionalmente parcerias com o governo e com a sociedade civil. Porém é preciso implementar ações de monitoramento articuladas com políticas de sustentabilidade para os povos indígenas e para os municípios próximos às terras indígenas. É importante registrar que Getúlio Vargas instituiu o dia do índio em 19 de abril, pelo Decreto‑Lei n. 5.540, de 2 de junho de 1943, e também que os territórios e culturas indígenas são considerados patrimônio cultural pelos Programas Nacionais de Direitos Humanos (PNDH), visando à defesa e à preservação da cultura indígena, bem como dos direitos que conquistaram. Exemplo de aplicação Em relação aos mapas sobre populações indígenas que acabamos de apresentar, procure verificar as regiões com maior e com menor quantidade populacional indígena, analisando quais os fatores econômicos e socioculturais que podem influir na determinação dessas diferenças populacionais existentes. 97 ANTROPOLOGIA BRASILEIRA 6.2 A contribuição cultural do negro O negro também foi introduzido na nova cultura, nos mesmos moldes do índio, isto é, dominado e subjugado, mais perversamente ainda, porque era considerado uma mercadoria. A contribuição da cultura negra para o Brasil é muito grande, tendo sido fundamental para o desenvolvimento econômico do país. Foram considerados “as mãos e os pés dos senhores de engenho porque sem eles no Brasil não é possível fazer, conservar e aumentar fazenda, nem ter engenho corrente” (ANTONIL, 1982, p. 89). Mesmo presos nos engenhos, continuaram a manter suas culturas e se misturar com outras culturas locais, o que propiciou desenvolverem novas formas culturais. O impacto da vinda do negro para o Brasil foi marcante nesse período tanto do ponto de vista cultural, expresso nos rituais e na religião, quanto econômico. A buscapor ouro, pelos portugueses, era o que os motivava para a exploração da África. Nessas investidas houve até casamento entre portugueses e mulheres africanas, porém há registros de que o tráfico de escravos passou a ser a motivação dos portugueses e a ser o maior produto de comércio, por volta de 1470. Durante o século XV, Portugal e algumas regiões da Europa tornaram‑se os destinos mais importantes das mãos de obra escrava. Posteriormente, por conta da colonização do novo mundo, o tráfico negreiro mudou seus destinos para o novo mundo, ampliando imensamente o número de escravos cativos da África (GASPARETTO JR., s.d.). Não há precisão sobre a chegada do negro ao Brasil, mas há relatos de que em 1538, Jorge Lopes Bixorda, comerciante do pau‑brasil, teria traficado para a Bahia, pela primeira vez, escravos africanos. Entretanto, foi implantada, a partir do século XVII, a escravidão do negro, que se ampliou entre 1700 e 1822. Esses escravos eram capturados na África e transportados, por navio, em condições precárias que provocavam a morte de muitos pelo caminho. Aqueles que aqui chegavam eram agrupados por grupo linguístico e misturados com tribos estranhas para não se comunicarem. Duas grandes nações africanas tiveram sua população capturada e trazida para o Brasil: os bantos, que viviam em Angola, Congo e Moçambique, e os sudaneses. 6.2.1 Os bantos Os bantos que vieram do Congo eram conhecidos como congo, muxicongo, loango, cabina e monjolo, e os que vieram de Angola eram conhecidos como massangana, cassange, loanda, rebolo, cabundá, quissamã, embaca e benguela (VAINFAS, 2001, p. 67). Conforme Kavinafé (2009, p. 3): Os bantos, depois de um período de autonomia religiosa, que se conhece através de documentos históricos, assistiram à transformação de seus cultos. Por um lado, esses deram lugar à macumba; por outro, amoldaram‑se às regras dos candomblés nagôs, não se distinguindo deles senão por uma maior tolerância. Os cultos bantos em gradativo declínio acolheram os espíritos 98 Unidade II dos índios, o que iria levar ao surgimento de um “candomblé de caboclos”, e adoraram cantos em língua portuguesa, ao passo que os candomblés nagôs só usavam cantos em língua africana. Conforme Melo (s.d.), a etnia banto ou bantu correspondeu a 75% dos escravos trazidos da região – hoje, Angola e Congo –, fixando‑se na Bahia, principalmente, durante o século XVII. Para catequizar os bantos foi feito um livro da gramática da língua banto, pelo padre Pedro Dias, em 1687, em Lisboa, Portugal. O mesmo se deu na região do Palmares. A língua dos bantos, ao misturar‑se com a língua portuguesa, deixou topônimos como ganga zumba, zumbi, dandara, oseng e andalaquituxe. As palavras senzala, mucam e quilombo vinculam‑se à escravidão e passaram a fazer parte do sistema linguístico do português. Deram origem a várias palavras, entre elas esmolambado, dengoso, sambista, xingamento, mangação, molequeira e caçulinha. Algumas palavras da língua banto são usadas com o mesmo sentido em português, como corcunda por giba, moringa por bilha, xingar por insultar, cochilar por dormitar, caçula por benjamim, bunda por nádegas, marimbondo por vespa, carimbo por sinete e cachaça por aguardente. Em relação à religião, temos as palavras candomblé, macumba e catimbó. São marcas lexicais portadoras de elementos culturais compartilhados por toda a sociedade brasileira e que comprovam a participação histórica do falante banto na construção do português brasileiro e a força da sua influência sobre a identidade brasileira, uma vez que a língua natural de um povo substancia o espaço da identidade como instrumento de circulação de ideias e de informação. Papel importante teve a mulher banto, ao participar da vida quotidiana da casa grande como mucama e babá. Por apropriar‑se da língua portuguesa, fazia a ponte entre casa‑grande e senzala. 6.2.2 Os sudaneses Trazidos da África Ocidental, especificamente do Sudão e da costa da Guiné, contribuíram muito com a religião, em especial com o candomblé. Ambos os grupos foram bastante importantes para a configuração do povo brasileiro em seus aspectos biológicos e culturais, culminando na construção da identidade cultural brasileira, ou da cultura afro‑brasileira. Segundo Santana (2008), devemos considerar o legado africano como sendo um conjunto de saberes vindos em situações de diáspora por grupos das culturas afro‑brasileiras. A mistura de etnias, cada uma com suas tradições, foi provocando ajustamentos, adaptações e sobreposição de práticas culturais. Estas foram apropriadas pela sociedade colonial, que criou hierarquia de valores e pessoas, marcando diferenças socioculturais num mundo cada vez mais miscigenado. A cultura africana foi ganhando visibilidade na sociedade colonial através da culinária, da religião e das danças, entre outras manifestações. Conforme Freyre (2001, p. 343‑346): 99 ANTROPOLOGIA BRASILEIRA Quantas “mães‑pretas”, amas de leite, negras cozinheiras e quitandeiras influenciaram crianças e adultos brancos (negros e mestiços também), no campo e nas áreas urbanas, com suas histórias, com suas memórias, com suas práticas religiosas, seus hábitos e seus conhecimentos técnicos? Medos, verdades, cuidados, forma de organização social e sentimentos, senso do que é certo ou errado, valores culturais, escolhas gastronômicas, indumentárias e linguagem, tudo isso se conformou no contato cotidiano desenvolvido entre brancos, negros, indígenas e mestiços na Colônia. [...] A nossa herança cultural africana é visível no jeito de andar e no falar do brasileiro. Os sudaneses compunham três subgrupos, formados pelos iorubas, gegês e fanti‑ashantis. Esse grupo era originário da Nigéria, de Daomei e da Costa do Ouro, cujo destino geralmente era a Bahia. Os guineanos‑sudaneses muçulmanos dividiam‑se em quatro subgrupos: fula, mandinga, haussas e tapas. Esses grupos tinham a mesma origem e destino dos sudaneses, a diferença estava no fato de serem convertidos ao islamismo (GASPARETTO JR., s.d.). Desde os primeiros registros de compras de escravos feitos em terras brasileiras até a extinção do tráfico negreiro, em 1850, calcula‑se que tenham entrado no Brasil algo em torno de quatro milhões de escravos africanos. Mas como o comércio no Atlântico não se restringia ao Brasil, a estimativa é que o comércio de escravos por essa via tenha movimentado cerca de 11,5 milhões de indivíduos vendidos como mercadorias. Ao se adaptarem aos costumes brasileiros e alterarem alguns de seus costumes, conseguiram manter a essência de suas origens, conforme Freyre (2001, p. 348): Na ternura, na mímica excessiva, no catolicismo em que se deliciam nossos sentidos, na música, no andar, na fala, no canto de ninar menino pequeno, em tudo que é expressão sincera de vida, trazemos quase todos a marca da influência negra. Da escrava ou sinhama que nos embalou. Que nos deu de mamar. Que nos deu de comer, ela própria amolegando na mão o botão de comida. Da negra velha que nos contou as primeiras histórias de bicho e de mal‑assombrado. Da mulata que nos tirou o primeiro bicho‑de‑pé de uma coceira tão boa. De que nos iniciou no amor físico e nos transmitiu, ao ranger da cama‑de‑vento, a primeira sensação completa de homem. Do moleque que foi o nosso primeiro companheiro de brinquedo. Assim, a cultura brasileira foi se construindo e, com a contribuição do negro, formou a cultura afro‑brasileira, que é o efeito do processo da cultura africana no Brasil, visível em diferentes expressões, como na música, na religião e na culinária. Conforme Corrêa (2010, p. 73), do ponto de vista vigente durante a escravidão, “o trabalho e a cultura brasileira têm na história as marcas das relações escravocratas”, o que transparece nas relações escravas atuais, como no trabalho infantil, trabalho em condições desumanas e demais explorações trabalhistas. 100 Unidade II Historicamente, os escravos foram desenvolvendo formas de sobrevivência das situações terríveisque enfrentavam, principalmente nas lavouras do café. Segundo Costa (1998, p. 15): O negro foi, em algumas regiões, a mão de obra exclusiva desde os primórdios da colônia. Durante todo esse período a história do trabalho é, sobretudo, a história do escravo. Primeiro nos canaviais, mais tarde nas minas de ouro, nas cidades ou nas fazendas, era ele o grande instrumento de trabalho. Derrubando matas, roçando plantações, nas catas de ouro, nos engenhos, na estiva, carregando sacos de mercadorias ou passageiros, o escravo foi figura familiar na paisagem colonial. Foi mais do que mão de obra, foi sinal de abastança. Época houve em que a importância do cidadão era avaliada pelo séquito de escravos que o acompanhava à rua. A legislação e os costumes consagravam esse significado. Concediam‑se datas e sesmarias a quem tivesse certo número de pretos. A posse de escravos conferia distinção social: ele representava o capital investido, a possibilidade de produzir. As resistências aconteciam por meio da dança, do canto, da comida, da religião, como na festa de Iemanjá, orixá mais conhecido pelos brasileiros, cujos rituais de bênçãos e oferendas de flores são realizados juntos com as comemorações da chegada do ano novo, nas praias. Iemanjá, no catolicismo, é representada na região Norte por Nossa Senhora da Conceição e na Sul por Nossa Senhora dos Navegantes. Também são populares os orixás Oxalá, que se refere ao Divino Espírito Santo e Nosso Senhor do Bonfim, e Iansã, Santa Bárbara. Essa ligação da religião africana com a católica se deu principalmente pela necessidade que os negros tinham de esconder suas práticas religiosas e podem ser entendidas como formas de resistência (CORRÊA, 2010). Conforme Santana (2008), a contribuição cultural africana evidencia‑se também nos ebós, nas encruzilhadas, na fonte de águas sagradas, nos mitos, como o de Iemanjá, nas pipocas em festas de São Lázaro e São Roque e na distribuição de doces em comemoração ao dia de São Cosme e São Damião, assim como na abertura de escolas de educação por irmandades religiosas como a de São Benedito, em Campinas – SP. Seguindo Corrêa (2010), o maracatu nasceu na Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e São Benedito. Foi conhecido primeiramente como nação, tendo na sua performance o cortejo real, que é semelhante às homenagens feitas ao Rei do Congo. Realizam‑se principalmente em Olinda e Recife, no Pernambuco, nas proximidades de suas igrejas católicas. O samba e o frevo são legados da cultura africana, assim como a capoeira, a luta e a dança ao mesmo tempo, representante de uma maneira de dispersão nos encontros dos negros, pois era proibida. No âmbito da saúde, as simpatias contra mau olhado, para sucesso no amor e nos negócios ou para atrair bons fluídos, assim como as rezas, benzedeiras e remédios caseiros, são legados da cultura negra (CORRÊA, 2010). Com todas essas contribuições, o afro‑brasileiro ainda é considerado minoria, portanto, passível de políticas humanitárias e de cidadania visando sua inclusão, tais como a Lei n. 12.711/2012, sancionada em agosto desse ano, a qual garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas 59 universidades 101 ANTROPOLOGIA BRASILEIRA federais e 38 institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos oriundos integralmente do Ensino Médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos. 6.2.3 Os quilombolas Conforme o art. 2º do Decreto n. 4.887, de 20 de novembro de 2003: Consideram‑se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico‑raciais, segundo critérios de auto‑atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida (BRASIL, 2003). O termo quilombo é originário de Angola e passou a se referir àqueles que promoviam o socorro aos escravos fugitivos que se refugiavam nos quilombos, que eram pequenas aldeias, também conhecidas por mocambos, que ficavam no interior das matas de difícil acesso, normalmente em grutas ou nos altos das montanhas. Tanto os mocambos quanto os quilombos existiram durante todo o período da escravidão e alguns existem até hoje, como o Quilombo dos Palmares, o mais famoso quilombo brasileiro, que abrigava o grande líder Zumbi, localizado, na então capitania de Pernambuco, região onde fica atualmente o estado de Alagoas. Já o termo mucambo foi primeiramente empregado por populações que eram nômades, ou ainda por pequenos acampamentos de comerciantes, e foi incorporado pelos escravos para designar os lugares para onde fugiam. Os quilombolas de Palmares lutaram por mais de cem anos contra os ataques da polícia colonial, mesmo sem terem armamentos e pessoas suficientes para o combate, e só foram vencidos após ataque das tropas militares do governo colonial. Nos quilombos, os escravos fugitivos tinham liberdade e reproduziam seus costumes trazidos da terra natal, mas viviam também com a insegurança de poderem ser descobertos. Desenvolviam a capoeira como instrumento de luta, visando à própria sobrevivência. Atualmente, os quilombolas têm melhor qualidade de vida, embora ainda sustentem baixos indicadores sociais. A comunidade nas aldeias é composta por grupos de identidade ética diferenciada e definida pela Associação Brasileira de Antropologia como identidade étnica que os distingue do restante da sociedade. Nessas comunidades é característico o uso coletivo das suas terras, assentado em regras elaboradas com a participação de todos. A Associação Brasileira de Antropologia define os quilombolas como grupos que desenvolveram formas de resistência para garantir sua existência e modos de vida próprios. Mesmo assim, ainda existem barreiras para a garantia de seus direitos, porém com algum avanço a partir da Constituição de 1988, que contou com o aumento da sociedade civil nas decisões implementadas no país, como as do movimento negro urbano, com sua discussão no âmbito das políticas públicas, a respeito da realidade da população negra, no Brasil, e promoveu a realização do I Encontro Nacional de Comunidades Negras Rurais Quilombolas, nos dias 17, 18 e 19 de novembro de 1995, em Brasília. Esse evento teve como tema “Terra, Produção e Cidadania para Quilombolas”, que resultou em documento contendo as reivindicações 102 Unidade II que foram aprovadas nesse encontro, encaminhado à Presidência da República. Já em 20 de novembro de 1995 houve a Marcha Zumbi dos Palmares em comemoração aos trezentos anos de Zumbi. Tais fatos introduziram as questões quilombolas no cenário nacional, bem como a legalização de seus direitos específicos, como o título de reconhecimento de domínio. Houve o estabelecimento de quatro eixos de ações junto à comunidade quilombola (SANTOS, 2015): • Regularização fundiária: por meio de resolução de problemas existentes em relação à emissão de título de posse da terra. • Infraestrutura e serviços: visando à atuação na infraestrutura e na construção de equipamentos sociais. • Desenvolvimento econômico e social: no modelo sustentável, fundado nas características dos territórios e na identidade coletiva. • Controle e participação social: estimulando a participação dos representantes dos quilombolas nos fóruns locais e nacionais, relativos às políticas públicas, para que tenham acesso e acompanhamento das ações aprovadas pelo governo. O mapa a seguir, editado pela Comissão Pró‑Índio de São Paulo, demonstra como está o processo de titulação das terras quilombolas na atualidade: Terras quilombolas tituladas e parcialmente tituladas Terras quilombolas em processo no Incra Figura 13 – Terras quilombolas tituladas, parcialmente tituladas e em processo no Incra 103 ANTROPOLOGIA BRASILEIRA A somatória indica que há 1.691 terras quilombolas em processo, sendo que 85% não têm relatório de identificação, e 129 terras quilombolas tituladas, sendo 52 terras
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