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CASO GOMES LUND E OUTROS

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CASO GOMES LUND E OUTROS (“GUERRILHA DO ARAGUAIA”) VS. BRASIL
1 – RESUMO DO CASO
O Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo desaparecimento forçado de integrantes da Guerrilha do Araguaia durante as operações militares ocorridas na década de 1970. A Guerrilha do Araguaia foi um movimento formado por militantes contrários à ditadura militar, que se instalaram no sul do Pará, às margens do Rio Araguaia, local onde não havia assistência do poder público, a fim de conscientizar os camponeses daquele lugar, transmitindo-lhes doutrinas de conscientização política e oferecendo treinamento e ações de resistência armada ao regime. Este grupo se embasava na Revolução Chinesa e Cubana, enquanto que seu paradigma era a Guerra do Vietnã.
Durante a preparação da Guerrilha (luta armada), com plena vigência da ditadura militar, o grupo, composto por militares e camponeses, foi alvo de cerca de seis operações militares realizadas pelo Exército, Marinha e Aeronáutica do Brasil, com o objetivo de reprimir esse movimento através de “operações” no local. Até o final de 1974, todos os integrantes da Guerrilha, que sequer foi posta em ação, foram dizimados pelos órgãos de repressão, e o governo militar impôs silêncio absoluto sobre os acontecimentos na região. Houve uma ordem expressa do então presidente, general Médici, para que “ninguém saísse vivo de lá”. Dessa forma, metade dos guerrilheiros foi executada quando estavam sob a tutela do poder público (quando estavam sob custódia dos militares). Em 19 de fevereiro de 1982, vinte e dois familiares, representando vinte e cinco desaparecidos da Guerrilha do Araguaia, ingressaram com uma ação perante a Justiça Federal requerendo o esclarecimento, por parte do Estado brasileiro, das mortes dos militantes. Como exceção de outros casos referentes à ditadura militar, que tiveram seu esgotamento pelas vias internas, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos admitiu a sua análise e apreciação, considerando que não houve resposta do Estado Brasileiro, quanto ao pedido dos familiares dos desaparecidos na “Guerrilha do Araguaia”, sendo certo que houve a demora no trâmite deste processo. Não obstante, em 7 de agosto de 1995, e conscientes das dificuldades enfrentadas na concretização de suas demandas, o Grupo Tortura Nunca Mais/RJ, a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo, o CEJIL (Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional) e a Humana Rights Watch/Américas, apresentaram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos uma petição alegando a violação, por parte do Brasil, de inúmeros dispositivos da Convenção Americana de Direitos Humanos, face essa situação.
Foram realizadas audiências em Washington através das quais representantes e familiares das vítimas puderam subsidiar a Comissão com documentos, e, em 2001, a Comissão expediu o Relatório de Admissibilidade, mas só em 2008 aprovou o relatório de mérito, com advertências ao Estado Brasileiro. A Comissão submeteu o caso à corte em 26 de março de 2009, visto que representaria uma oportunidade de consolidar a jurisprudência Interamericana sobre as leis de anistia com relação aos desaparecimentos forçados e processar e punir graves violações aos direitos humanos.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos alegou a responsabilidade do Estado brasileiro pela detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de 70 pessoas, entre membros do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e camponeses, como resultado das ações conduzidas pelo Exército na região entre 1972 e 1975. Ao lado disso, solicitou a responsabilização do Brasil por não ter investigado tais violações, com a finalidade de julgar e punir os respectivos responsáveis, com respaldo na Lei nº 6.683 de 28 de agosto de 1979, a chamada Lei de Anistia.
A CIDH chegou à conclusão de que foram violados sete direitos fundamentais: direito ao reconhecimento da personalidade jurídica, direito à vida, direito à integridade pessoal, direito à liberdade pessoal, direito às garantias judiciais, direito à liberdade pessoa, direito às garantias judiciais, direito à liberdade de pensamento e expressão e direito à proteção judicial (artigos 3º, 4º, 5º, 7º, 8º, 13 e 25 da CADH). Em 21 de junho de 2010, a Comissão, os representantes e o Estado enviaram suas alegações finais escritas. Tais escritos foram disponibilizados às partes para que fizessem as observações que julgassem necessárias. As partes manifestaram-se sobre esses documentos e remeteram documentos adicionais. Finalmente, em 24 de novembro do mesmo ano, foi proferida sentença, que afastou os preliminares argüidas pelo Estado brasileiro, enfrentou o mérito da causa e, ao final, concluiu pela parcial procedência dos pedidos formulados pela Comissão e pelos representantes das vítimas. No contexto apresentado, conclui-se que todas as fases procedimentais foram cumpridas.
O Estado brasileiro foi condenado à: (a) conduzir a investigação penal dos fatos do presente caso a fim de esclarecê-los, determinar os responsáveis e aplicar as sanções cabíveis; (b) realizar todos os esforços com o objetivo de determinar o paradeiro das vítimas desaparecidas e, se for o caso, identificar e entregar os restos mortais a suas famílias; (c) oferecer tratamento médico e psicológico ou psiquiátrico que as vítimas requeiram; (d) publicar a sentença no Diário Oficial, o resumo da sentença em jornal de circulação nacional, assim como a íntegra da sentença em meio eletrônico e a publicação da mesma em forma de livro; (e) realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional sobre os fatos do presente caso; (f) continuar com as ações desenvolvidas em matéria de capacitação e implementar, em um prazo razoável, um programa ou curso permanente e obrigatório sobre direitos humanos, dirigido a todos os níveis hierárquicos das Forças Armadas; (g) tipificar o delito de desaparecimento forçado de pessoas, em conformidade com os parâmetros interamericanos. Enquanto cumpre com esta medida, o Estado deve adotar todas as ações que garantam o efetivo julgamento e, se for o caso, a punição em relação aos fatos constitutivos de desaparecimento forçado por meio dos instrumentos existentes no direito interno; (h) prosseguir desenvolvendo as iniciativas de busca, sistematização e publicação de toda a informação sobre a Guerrilha do Araguaia, bem como da informação relativa a violações de direitos humanos ocorridos durante o regime militar e; (i) pagar indenização por danos morais e materiais às vítimas.
No dia 14 de dezembro de 2011, o Estado brasileiro enviou a corte um relatório de cumprimento da sentença, porem em 5 de abril de 2012 os representantes dos familiares informaram que o Brasil não cumpriu sua obrigação de conduzir uma investigação penal, de forma a processar e a sancionar os responsáveis pelas graves violações de direitos humanos, sendo que a única tentativa de início de uma ação penal no âmbito interno foi rejeitada judicialmente, com base na Lei de Anistia brasileira e no instituto da prescrição, violando, assim, frontalmente, a sentença da Corte neste caso. Os representantes também alegaram que o Estado não ofereceu tratamento médico, psicológico e psiquiátrico às vítimas que solicitaram. Por último, os representantes consideram que o Estado cumpriu parcialmente sua obrigação de pagar indenizações a título de danos morais e materiais aos familiares das vítimas, dado que o Estado ainda não efetuou todos os pagamentos devidos. Concluindo que a postura do Estado brasileiro no inicio foi de cumprimento da sentença prolatada pela corte, mas depois, denunciado pelos representantes das famílias, viu-se que não foi cumprido na integralidade à sentença, porem houve, de fato, o cumprimento parcial da sentença no tocante à responsabilidade civil.
2- JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO
A Justiça de Transição pode ser apreendida a partir das medidas adotadas em momentos de transição de regimes a fim de que não se criem sentimentos constantes de revanchismo, de modo a trazer segurança jurídica e legitimidadeao novo regime estabelecido. Remígio nos diz que a Justiça de Transição “é um modelo de justiça que pretende reconciliar a nação com o seu passado, manifestando-se por meio de medidas eficazes de superação dos traumas advindos de um momento de repressão e violência” (REMIGIO apud SOUSA, 2010, p.68).
“Segundo Juan Méndez, o objetivo final da Justiça de Transição deve ser a reconciliação das forças antagônicas que levaram ao conflito cujo resultado foi à violação dos direitos dos perseguidos políticos. O escopo deste instrumento é a formação de um caminho de paz entre os pólos conflitantes de determinado momento histórico, e não a simples reconciliação do torturador com suas vítimas.” (MEZAROBBA apud MACHADO, 2011, p. 126).
Ao falar em Justiça de Transição no Brasil nos referimos necessariamente à transição entre o regime da Ditadura Militar, que governou o país de 1964 a 1985, e o regime democrático. A transição brasileira se deu em grande medida com a Lei 6883 de 1979, que concedeu anistia a todos que no período entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979 cometeram crimes políticos ou conexos, bem como crimes eleitorais. Além disso, a anistia foi concedida a todos que tiveram seus direitos políticos suspensos, proporcionando a todos os brasileiros que direta ou indiretamente haviam participado do movimento subversivo e da luta armada, aos banidos e aos que se exilaram voluntariamente, fugindo do País, o direito de retorno ao Brasil, além da extinção dos processos a que estavam respondendo. É composta por quatro postulados: a reforma das instituições, a reparação econômica das vítimas e familiares, o Direito à Memória e à Verdade (dos fatos históricos), e, ainda, o chamado Direito à Justiça, consubstanciado na obrigação que o Estado tem de investigar e processar os seus abusos. Notadamente, a adoção de um modelo de responsabilização instauraria, pelo menos em tese, um conflito direto com a interpretação bilateral conferida à Lei de Anistia pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da ADPF nº 153, em que se entendeu serem também beneficiários da anistia os agentes estatais a serviço da repressão política.
3 – DIREITO A VERDADE E Á MEMÓRIA
A busca pela verdade pode se dar por meio da abertura de arquivos tornados secretos pelo governo autoritário, pela construção de monumentos e memoriais públicos referentes ao período não democrático, pelo reconhecimento das violações e crimes perpetrados, pela possibilidade de se dar voz às vítimas, pela instituição de Comissões de Verdade. Desse modo revela-se o histórico de crimes não somente das instituições governamentais como também da sociedade civil, e é possível impedir que os acontecimentos que marcaram a sociedade sejam anulados da memória nacional. Assim, a busca pela verdade também pode ser dita uma efetivação do Direito à Memória ou Direito à Verdade. A preocupação com a memória decorre da sua capacidade de dar e manter a coesão de um grupo social. Nossa memória é social, é fruto da relação humana, é coletiva. Além disso, a memória é seletiva. Na dinâmica social, parte da memória é esquecida e parte é lembrada. Lembrar e esquecer são, portanto, aspectos importantes e necessários para a construção da memória. Na medida em que a memória é construída, pode-se falar que a memória é menos história; é menos o passado do que o que se faz desse passado. A memória é escolha e identidade, e quando selecionamos aquilo que queremos que permaneça na memória acabamos por escolher o tipo de sociedade e de pessoa que se quer ser.
A memória do Direito está em se “reconstruir” o passado a partir das interpretações. Ao olhar para o passado para interpretá-lo lembramos e esquecemos, selecionamos hoje um passado tendo em vista o futuro. É por isso que François Ost fala em quatro categorias de tempos normativos e temporais a partir dos quais seria possível falar em uma retemporalização: memória, perdão, promessa e questionamento.
“Igualmente, é sobre uma medida em quatro tempos que se toca esta partitura. Lado do passado, a memória e o perdão; lado do futuro: a promessa e a retomada da discussão. A memória que liga o passado, garantindo-lhe um registro, uma fundação e uma transmissão. O perdão, que desliga o passado, imprimindo-lhe um sentido novo, portador de futuro (…). A promessa, que liga o futuro através dos comprometimentos normativos, desde a convenção individual até a Constituição, que é a promessa que a nação fez a si própria. O questionamento, que em tempo útil desliga o futuro, visando operar as revisões que se impõem, para que sobrevivam as promessas na hora de mudança.” (OST, 2005, p. 17)
Pelo ato de memória algo que foi importante no passado continua o sendo, garantindo identidade e estabilidade à sociedade. Frente à mudança da transição, a sociedade vai relembrar os acontecimentos relevantes e compreendê-los da maneira que ocorreram. A instituição do perdão indica a necessidade de inovação: pela atividade jurisdicional tem-se a resolução do conflito e aplicação de um castigo ou do perdão social, tendo por base uma apreciação mais justa do direito. O perdão tem um papel libertador para a sociedade, permitindo a construção de um futuro que respeitará os direitos da coletividade.
Assim a partir do direito a verdade e a memória em casos como este e possível construir leis que irão impedir que ocorra novamente acontecimentos deste tipo.
4 – DIREITO A REPARAÇÃO DAS VITIMAS
Ao longo dos anos, os Estados aplicaram uma grande variedade de diferentes reparações — em resposta a tribunais nacionais ou a outras entidades, incluindo tribunais e instituições regionais e internacionais, bem como órgãos da ONU — e cobriram violações em todo o espectro de questões envolvendo direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais.
Alguns remédios são de caráter compensatório; alguns são restaurativos — projetados para colocar a vítima de volta à situação em que estava antes do ato ilícito ser cometido; e outros são projetados para evitar a repetição da violação em questão. Além do dinheiro, os remédios podem incluir medidas como libertação antecipada da prisão, mudança legislativa, concessão de autorização de residência, reintegração no emprego em serviço público, assistência para encontrar emprego ou moradia.
Quando a vítima está morta, o remédio pode envolver um assunto tão simples quanto a solicitação de um atestado de óbito que permita que sua família herde propriedades ou o reconhecimento oficial de um túmulo. Pode envolver a construção de um monumento ou a nomeação de uma praça em homenagem à vítima. Ou pode tomar a forma de um pedido de desculpas público oral e por escrito pelo erro cometido, como o pedido de desculpas nacional feito em 2008 pelo governo australiano às “gerações roubadas” — os descendentes de aborígines australianos e os moradores das ilhas do Estreito de Torres, que foram removidos à força pelas autoridades australianas por um período de 60 anos até 1970.
No caso estudado por a maioria ter sido executada , cabia ao Estado brasileiro fornecer apoio as famílias como tratamento médico, psicológico e psiquiátrico às vítimas, sendo que o mesmo não forneceu , pagou de forma parcial os títulos de dano morais e materiais , mas temos que entender que a reparação e essencial pois faz com que o Estado entenda que existe punições no seus atos e as vitimas merecem o amparo reparando a dignidade humana.
5 –REFORMA E REDEMOCRATIZAÇÃO DAS INSTITUIÇOES
A sentença do caso Gomes Lund e Outros, reconheceu a responsabilidade do Brasil pelas violações praticadas pelos agentes do Estado, e constituiu uma reparação às vítimas da guerrilha. De tal modo, a “sentença se tornou importante por estabelecer 11 pontos de condenação [...], medidas reparatórias que o Brasil tem o dever de implementar para cumprir as determinações da CIDH, e se consolidar o Estado Democrático de Direito”. (TORELLY, 2012, p.358). A condenação abordou todos os pontos que o Brasil deixou a desejar durante o período autoritário e buscou a reparação das transgressões praticadas. Destacando-sea promoção do direito à verdade, trazendo à luz, transgressões praticadas e encobertadas pelo Estado, de modo a impedir seu esquecimento e a sua repetição. (TORELLY, 2012, p.85). Já que após a Ditadura houve uma reforma o Estado brasileiro se tornou democrático , criou – se a constituição que defende os direitos essências, reformando totalmente a sociedade brasileira, se tornando um Estado justo, igualitário e que promove a igualdade e respeito. Com o fim do regime militar e a transição democrática, o Brasil se inseriu no processo de consolidação dos direitos de liberdade de expressão, opinião e associação a partir do fim da censura prévia e aparelhamento estatal dos meios de comunicação, Com a democratização foram criados instrumentos legais e políticas públicas de combate à prática de tortura. Como por exemplo, a tipificação legal do crime de tortura. No entanto, ainda existem diversas lacunas para a aplicação concreta dos mecanismos de garantia para investigação, processamento dos crimes de tortura. Tendo em vista que o crime que vitimou Vladimir Herzog segue impune até os dias de hoje, da mesma forma que os crimes de tortura da atualidade enfrentam obstáculos para denúncia e produção de prova para persecução de justiça, conclui-se pela necessidade desta Honorável Corte determinar medidas que possam contribuir para a redução da impunidade nos crimes de tortura, dentre elas: i. Fortalecer medidas de proteção para que aqueles que estão sob tutela do Estado possam denunciar e que seja garantida sua integridade física em casos de denúncia; ii. Garantir a efetiva implementação do mecanismo nacional de prevenção à tortura, garantir a transparência e a independência do Comitê Nacional de prevenção e combate à tortura do mecanismo nacional de prevenção; O que atrapalhou muito foi a política de veto que e é a manifestação de discordância do Chefe do Poder Executivo com o projeto de lei submetido à sua apreciação. Fala-se em veto político quando o projeto de lei é repelido pelo Chefe do Executivo. Mas com o tempo foi mudando se tornando o que e hoje.
6 – PRESCRIÇÃO
A imprescritibilidade dos crimes de lesa-humanidade: a imprescritibilidade desses crimes, portanto, decorre tanto do ius cogens (instrumentos da ONU, de 1946), como do caráter permanente de alguns crimes (como é o caso do desaparecimento forçado). Essa é a jurisprudência dos tribunais internacionais assim como da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Imprescritibilidade na Corte Interamericana: postula-se internamente no Brasil (ADPF proposta pela OAB junto ao STF) o reconhecimento dessa imprescritibilidade. Caso o STF não a admita, basta levar o caso para a Corte Interamericana de Direitos Humanos (e já se sabe o resultado: ela dirá que tais crimes são imprescritíveis).
Crimes contra a humanidade e a imprescritibilidade prevista na CF brasileira: A CF, como já foi sublinhado, prevê (expressamente) duas hipóteses de imprescritibilidade: o racismo (CF art. 5º inc. XLII) e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático (CF, art. 5º, inc. LIV). A imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade, no Brasil, para além de ter fundamento no ius cogens, nos tratados internacionais e na jurisprudência internacional, ainda encontraria assento (expresso) na própria CF brasileira.
Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes Contra a Humanidade: essa Convenção foi adotada pela resolução 2391 da Assembléia Geral da ONU, em 26 de novembro de 1968. Entrou em vigor em 11 de novembro de 1970, mas ainda não foi ratificada pelo Brasil (pelo que nos foi dado concluir). Não encontramos nenhum ato de ratificação dessa Convenção pelo Brasil. De qualquer modo, diante de todos os argumentos que foram expendidos acima, apesar da não ratificação dessa Convenção, não há como negar o caráter imprescritível dos crimes contra a humanidade.
7 – Lei de Anistia e ADPF 153
A Lei da Anistia, no Brasil, é a denominação popular dada à lei n° 6.683, sancionada pelo presidente João Batista Figueiredo em 28 de agosto de 1979, após uma ampla mobilização social, ainda durante a ditadura militar.
Em sua redação original dada pelo Projeto de lei n° 14 de 1979-CN, dizia-se o seguinte:
	“
	Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares e outros diplomas legais
	”
Enquanto, por um lado, os juristas, a Advocacia Geral da União e, em abril de 2009, o próprio Supremo Tribunal Federal afirmam que a Lei de Anistia brasileira beneficia também os torturadores e demais agentes da ditadura (anistia "de dupla mão"), por outro lado, outros juristas e setores da sociedade discordam dessa interpretação.
Em parecer anexado ao processo aberto na Justiça de São Paulo, a pedido do Ministério Público , contra dois ex-comandantes do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) - os coronéis reformados do Exército , acusados de violações aos direitos humanos, tais como prisão ilegal, tortura, homicídio e desaparecimento forçado de pessoas durante o regime militar -, a Advocacia-Geral da União (AGU) defende que crimes políticos ou conexos praticados na ditadura, incluindo a tortura, foram todos perdoados pela Lei da Anistia, de 1979.
Por outro lado, várias entidades de defesa dos direitos dos seres humanos, familiares de perseguidos políticos e a OAB apoiam a tese de que a Lei de Anistia não beneficiou os "agentes do Estado" que tenham praticado torturas e assassinatos na ditadura militar, afirmando que o texto da lei não diz isso, nem poderia dizer, já que o Brasil é signatário de diversos documentos da Organização das Nações Unidas, segundo os quais a tortura é um crime comum, e imprescritível.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil por abster-se de investigar e condenar os culpados pelos crimes de desaparecimento forçado, mortes, tortura e prisões arbitrárias dos guerrilheiros do PcdoB, na famosa Guerrilha do Araguaia
Já a ADPF 153 é uma ação declaratória de preceito fundamental protocolada pela OAB, perante o STF, com o intuito de questionar a validade do art. 1º da Lei de Anistia (6.683/79) perante os representantes dos Estados (especialmente, policiais e militares) que praticaram atos de tortura durante o regime militar. A ação ora em análise teve origem com o caso da Guerrilha do Araguaia, que até hoje provoca uma inquietação não só nos descendentes dos que sofreram com as atrocidades praticadas pelos agentes do Estado brasileiro (homicídios, lesões corporais, estupros, desaparecimentos forçados, dentre tantos outros), como também a toda a sociedade brasileira, e não se exagera em dizer que até mesmo à comunidade internacional.
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF é uma das formas de controle de constitucionalidade que tem o condão de evitar que atos do poder público causem lesões a qualquer preceito que fundamente o ordenamento jurídico pátrio. Não existe um rol predeterminado de preceitos fundamentais, o que existe são garantias consensuais oriundas da própria Constituição que uma vez violadas podem ser objetos de arguição por descumprimento de seus comandos, dada a fundamentalidade destas garantias. Os exemplos mais comuns são os princípios fundamentais, os direitos e garantias fundamentais, cláusulas pétreas e os princípios sensíveis. (TERESA MELO, 2012).
A ADPF é subsidiária a outros meios de impugnação, conforme leciona o artigo 4º, § 1º da lei 9.882/99. Logo, se houver outro meio próprio de impugnar o ato jurídico questionável não cabe ADPF.  A mesma lei tambémprevê a possibilidade de efeito ex-nunc no mérito, ainda que a norma seja o efeito ex-tunc e erga-omnes. A ADPF 153 é uma ação declaratória de preceito fundamental protocolada pela OAB, perante o STF,  com o intuito de questionar a validade da Lei de Anistia (6.683/79) perante os representantes dos Estados (especialmente, policiais e militares), que praticaram atos de tortura , durante o regime militar.
8 – TEORIA DO DUPLO CONTROLE
Diante dos conflitos (aparentes) entre decisões de tribunais nacionais e tribunais internacionais, RAMOS indaga como resolvê-los. O próprio autor  responde que, para resolver esses conflitos aparentes, há dois instrumentos. O primeiro deles “é preventivo e consiste no apelo ao ‘Diálogo das Cortes’ e à fertilização cruzada entre os tribunais”.
Se isto não for possível, o autor sugere a adoção da teoria do duplo controle de direitos humanos, que, no Brasil, confere aos direitos humanos uma dupla garantia: o controle de constitucionalidade nacional e o controle de convencionalidade internacional.
Qualquer ato ou norma deve ser aprovado pelos dois controles, para que sejam respeitados os direitos no Brasil. Esse duplo controle parte da constatação de uma verdadeira separação de atuações, na qual inexistiria conflito real entre as decisões porque cada Tribunal age em esferas distintas e com fundamentos diversos.
O STF realizará o controle de constitucionalidade, conforme a Constituição.
Por exemplo, na ADPF 153 (controle abstrato de constitucionalidade), a maioria dos votos decidiu que a anistia aos agentes da ditadura militar é a interpretação adequada da Lei da Anistia e esse formato amplo de anistia é que foi recepcionado pela nova ordem constitucional.
Por outro lado, a Corte Interamericana, como guardiã da Convenção Americana de Direitos Humanos e dos tratados de direitos humanos conexos, realizará o controle de convencionalidade.
Para a Corte Interamericana, a Lei da Anistia não é passível de ser invocada pelos agentes da ditadura. Mais: sequer as alegações de prescrição, bis in idem e irretroatividade da lei penal gravior merecem acolhida. Com base nessa separação, vê-se que é possível dirimir o conflito aparente entre uma decisão do STF e da Corte de San José. Assim, ao mesmo tempo em que se respeita o crivo de constitucionalidade do STF, deve ser incorporado o crivo de convencionalidade da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Todo ato interno (não importa a natureza ou origem) deve obediência aos dois crivos. Caso não supere um deles (por violar direitos humanos), deve o Estado envidar todos os esforços para cessar a conduta ilícita e reparar os danos causados.

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