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Questões Foucault Socio IV

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Questões	-	História da Sexualidade I
Vítor Nader Almeida	Sociologia IV - 2019	Vespertino	Nº USP: 10763592
Por que Foucault descarta a hipótese repressiva?
O que é o dispositivo da sexualidade?
O que é o bio-poder? Qual sua relação com o poder disciplinar?
Em suas reflexões elaboradas em História da Sexualidade, Foucault descarta a hipótese repressiva pois, da maneira como é colocada, se torna um consenso que o sexo seja pura e simplesmente reprimido. Sem negar que a repressão exista, o autor busca mostrar que a hipótese repressiva não se sustenta, ao colocá-la em meio aos outros discursos vigentes que influenciam-na. A repressão não é, ao menos nesse momento, um fim em si, mas parte de um amplo campo de ação, onde diversas influências entram em jogo para controlar e dominar a sexualidade. No caso da hipótese repressiva, a repressão funciona como uma “condenação ao desaparecimento”, acreditando-se que seu objetivo é calar os discursos que tratem do sexo e torna-lo inexistente. 
No que é chamado de um “regime vitoriano” (onde estaria Foucault vivendo à época), a sexualidade seria “contida, hipócrita e muda”. Há, em torno do sexo , certas formalidades de discurso que devem ser seguidas, para abordar o assunto segundo a ordem. Agir de outra maneira é desafiar abertamente a ordem dominante. E é aqui que está, em parte, a questão para Foucault: por que dizemos que somos reprimidos? O deslocamento da análise se dá para os discursos acerca da repressão, sem focar em como a repressão se deu exatamente. Esse movimento levanta três questões acerca da hipótese repressiva: Há evidência histórica? O poder é exercido em nossas sociedades de maneira repressiva? Houve uma ruptura histórica entre um tempo de repressão e uma análise crítica da repressão (em seu tempo)? (História da Sexualidade, 2014, p. 15)
Como ponto de partida de sua análise sobre a sexualidade, e formulação de sua hipótese própria, o foco de Foucault é pensar não onde há silêncio, mas onde se fala sobre sexo. Quais são esses locais? O que se fala? Quais seus pontos de vista? Qual a intenção por traz da veiculação desses discursos, que são aceitos e tomado como verdade? O ponto importante é, afinal, os discursos que são de fato produzidos. O autor diversas vezes reitera que sua intenção não é negar a existência da repressão. Longe disso, seu trabalho nega que é essa repressão o elemento principal a ser analisado na história dos discursos acerca do sexo. Em sua visão, esses “elementos negativos” são meras peças em um jogo mais complexo, onde o objetivo final é administrar a relação da sociedade com o sexo (e a sexualidade). 
É verdade histórica que, nas sociedades burguesas, se iniciou no século XVII uma época de repressão aos ditos acerca do sexo, ao que diz respeito a população geral. Mas, ao considerar as sociedade como um todo, houve nesse intervalo de tempo uma grande “explosão discursiva”. Multiplicam-se os discursos sobre o sexo dentre aqueles que detém o poder, sendo constituída uma “aparelhagem para produzir discursos sobre o sexo” (História da Sexualidade, 2014, p. 26). E, nos três séculos que antecederam o livro, houve larga dispersão e diversificação dos aparelhos empregados. A relação da sociedade com o sexo não deveria ser extinguida (tarefa que se provaria tanto impossível como altamente indesejável), mas sim direcionada. “O sexo não se julga apenas, administra-se. (...) Polícia do sexo: isto é, necessidade de regular o sexo por meio de discursos úteis e públicos e não pelo rigor de uma proibição.” (História da Sexualidade, 2014, pp. 27-28) 
Esse interesse do Estado em pensar sobre o sexo, e na maneira como as pessoas deveriam fazê-lo, vem graças ao surgimento do conceito “população”, com especificidades próprias, diferentes de uma massa do povo. E o sexo, como mecanismo de reprodução, se torna gradativamente objeto de preocupação do Estado. Mas há, então, intenção por traz dos discursos veiculados pelo Estado. Não há interesse em reprimir, mas sim em conduzir o diálogo. Enquanto no passado falar sobre sexo era algo leviano, o assunto ganhou importância gradual, e passou-se a falar dele de maneira diferente: por exemplo, em relação aos jovens. “Toda um literatura de preceitos, pareceres, observações, advertências médicas, casos clínicos, esquemas de reforma e planos de instituições ideias, prolifera em torno do colegial e de seu sexo.” (História da Sexualidade, 2014, p. 32). Segundo Foucault entende, há nessa relação, formada entre o Estado e a sociedade, a organização de um dispositivo da sexualidade. 	
Em suma, a rejeição de Foucault à hipótese repressiva não se da porque o autor não acredita que haja repressão ao sexo. Como se prova historicamente, esse repressão existe, e é explicitada em algumas passagens. Porém o autor discorda da importância que dão à repressão quando se trata do discursos acerca da sexualidade. Em seu livro, o foco é voltado aos discursos que de fato se veiculam, e no por que deles existirem. Nessa linha, sua conclusão é que a repressão é uma faceta do discurso que o Estado pretende veicular sobre o sexo, e não seu objetivo final. 
No livro “Microfísica do Poder”, uma coletânea de textos e entrevistas de Foucault, há uma entrevista intitulada “História da Sexualidade”. Ao longo das primeiras páginas, vemos o autor buscar definir o que seria um dispositivo, em especial o dispositivo da sexualidade. Em primeiro lugar, o dispositivo se configura como um “conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, (...).” (Microfísica do Poder , 2014, p. 364) O dispositivo é, nesse caso, a relação que une todos esses componentes distintos frente a um mesmo objetivo: o controle da sexualidade na sociedade. 
As distintas partes do dispositivo acionam, desse modo, diferentes saberes para exercer sua influência social. E, na obra de Foucault, há sempre a associação entre saber-poder. O poder é, aqui, entendido como um feixe de relações., exercido pelas diversas facetas do dispositivo. Da maneira colocada, o dispositivo tanto se articula como é uma expressão do poder. E de modo geral, o exercício do poder não se dá em uma via única, mas sim em constante vai e vem. É através desse dispositivo, um conjunto de “forças”, que se constituiu (e se constitui) a ideia de sexualidade. Da maneira colocada pelo autor, há uma real produção da sexualidade, onde antes não havia de modo algum essas grandes estratégias do saber-poder em jogo. Logo, um dos pontos iniciais e cruciais à sua definição é que há uma “função estratégica dominante” em curso, ou seja, o dispositivo tem um propósito definido. “O dispositivo da sexualidade tem, como razão de ser, não o reproduzir, mas o proliferar, inovar, anexar, inventar, penetrar nos corpos de maneira cada vez mais detalhada e controlar as populações de maneira cada vez mais global.” (História da Sexualidade, 2014, p. 116)
O dispositivo da sexualidade não surgiu ao acaso. De maneira mais ou menos consciente, ainda que errática e não linear, as sociedades moderna inventaram e instalaram o dispositivo da sexualidade sobre as bases de outro dispositivo, anterior à ele e presente nas mesmas sociedades: o dispositivo da aliança. Ambos articulam os parceiros sexuais, mas de maneiras completamente distintas. O último se estrutura em torno de um sistema de regras, buscando reproduzir as relações já existentes e mantendo os vínculos. O primeiro, fruto da sociedade burguesa, à partir do século XVII, se estrutura em torno de técnicas mutáveis, que buscam uma expansão do controle e modificação os modos de vida e discurso da sociedade. Aqui se criava a ideia de sexualidade, nascendo de uma técnica de poder. 
Quanto ao bio-poder, Foucault trata desse conceito no último capítulo do livro, “Direito de morte e poder sobre a vida.”. Sua exposição parte do direito à vida e à morte, desde tempos longínquos considerado um dos privilégios reservados aos detentores de poder. O poder sempre foi, como extensão dessadefinição, exercido como direito à posse das coisas, inclusive à vida de quem estivesse sujeito a ele. Mas desde a antiguidade, esse poder se transforma. Onde antes havia apenas controle da morte, passa a haver a necessidade de gerir a vida. Com o advento do conceito de população, em meio a melhorias nas condições de vida e complexificação do mecanismos de controle do poder e do povo, o poder se vê cada vez mais amarrado ao gerenciamento das vidas de seus súditos. 
Dessa forma, não é mais sobre a morte que se sustenta a força do poder, mas sobre a vida. E como consequência, é sobre a vida que se exerce o poder, não mais a morte. Ao invés de se ameaçar com a morte, ameaça-se com uma vida de indesejada. Para tanto, é preciso que se exerça poder sobre os corpos físicos. O poder sobre a vida se desenvolve a partir de dois polos: a disciplina do corpo (instituições como o exército ou a escola; as reflexões sobre a tática, a aprendizagem, a educação e sobre a ordem das sociedades.) e a regulação da população (a estimativa da relação entre recursos e habitantes, a tabulação de riquezas e de sua circulação, das vidas com sua duração provável.) (História da Sexualidade, 2014, p. 151). Surgem técnicas numerosas para se obter a sujeição dos corpos e o controle das populações. O bio-poder é exercido, no dispositivo da sexualidade, sobre o sexo, e o torna foco de disputa política.

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