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Cadernos MAGIS - Civil 1 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS Sumário DIREITO DAS COISAS .................................................................................... 3 1. Introdução .................................................................................................................... 4 1.1. Direito das coisas X Direitos reais ........................................................................... 4 1.2. Diferenças entre direitos reais e direitos pessoais ............................................... 6 2. Posse (Art. 1.196 a 1.224, CC) ...................................................................................... 8 2.1. Noções gerais sobre a posse .................................................................................. 8 2.2. Objeto da posse .................................................................................................... 17 2.3. Mera detenção ..................................................................................................... 18 2.4. Composse ............................................................................................................ 19 2.5. Classificação da posse e seus efeitos ................................................................... 20 2.6. Efeitos jurídicos da posse ..................................................................................... 31 2.7. Aquisição, transmissão e perda da posse ........................................................... 37 3. Propriedade ................................................................................................................ 40 3.1. Noções gerais ...................................................................................................... 40 3.2. Função social e socioambiental da propriedade (art. 5º, XXIII, CF; art. 186, CF; art. 170, CF; art. 225, CF; art. 1228, § 1º, CC). ........................................................................ 44 3.3. Extensão do direito de propriedade ................................................................... 49 3.4. A descoberta ........................................................................................................ 50 3.5. Tutela jurídica da propriedade ............................................................................ 51 3.6. Propriedade resolúvel ......................................................................................... 52 3.7. Propriedade aparente.......................................................................................... 55 3.8. Modos aquisitivos da propriedade...................................................................... 56 4. Condomínio................................................................................................................ 74 4.1. Noções gerais ...................................................................................................... 74 4.2. Espécies ............................................................................................................... 76 Cadernos MAGIS - Civil 2 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS 5. Estudos breves sobre a multipropriedade imobiliária .............................................. 95 6. Direitos reais na coisa alheia ..................................................................................... 97 6.1. Teoria geral dos direitos reais na coisa alheia .................................................... 97 6.2. Classificação dos direitos reais na coisa alheia................................................... 99 6.3. Direito real na coisa alheia de aquisição: promessa irretratável de compra e venda 104 6.4. Direito real na coisa alheia de garantia ............................................................ 109 6.5. Direitos reais na coisa alheia de gozo ou fruição .............................................. 136 Cadernos MAGIS - Civil 3 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS Mensagem Cadernos Magis: Olá Concurseiro, fico feliz que você tenha chegado a esse material, ou que esse material tenha chegado até você! Ele é o meu material de uso pessoal para o estudo e confio nele para minha preparação para o concurso da Magistratura Estadual (embora acredite que pode ajudar bastante para MPE e Defensoria Pública). A elaboração dos cadernos passa por uma mistura de várias fontes, principalmente as aulas que assisti. Entretanto, utilizei muitos outros materiais para compor a versão final desse caderno, de modo a compilar ideias importantes que por ventura foram cobradas em provas ou não exauridas em aula, sendo possível que faltem algumas referências a todas as obras ou materiais. Dito isso, e no intuito de fazer justiça à fonte correta, se por qualquer motivo alguém queira reivindicar qualquer crédito nesse material peço a gentileza de enviar uma mensagem no “direct” do instagram @cadernosmagis e terei prazer de incluir a referência no local indicado ou se for o caso retirar a parte relativa do material disponibilizado. Lembro sempre que o intuito de disponibilizar esse material é favorecer a comunidade de Concurseiros que arduamente se dedicam para obter a almejada aprovação, de modo que não busco qualquer lucro ou reconhecimento pessoal e muito menos prejudicar de qualquer forma outros produtores de conteúdo. Peço ainda a gentileza de me alertar, também pelo “direct” ou email, caso haja alguma informação desatualizada para que eu possa corrigir em futuras edições. Espero que o material seja útil e possa ajudar nessa dura caminhada! Espalhem a palavra! Abraços e bons estudos! Cadernos MAGIS - Civil 4 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS DIREITO DAS COISAS 1. Introdução 1.1. Direito das coisas X Direitos reais A utilização dos termos Direito das Coisas e Direitos Reais sempre gerou dúvidas entre os estudantes e aplicadores do Direito, nesse sentido, é necessária uma diferenciação. Assim, na lição de Flávio Tartuce Direito das Coisas é o ramo do Direito Civil que tem por objeto o estudo e a regulamentação das relações de domínio que uma pessoa exerce sobre uma coisa. Como coisas, pode-se entender tudo aquilo que não é humano. A referida relação de domínio (fático – posse / jurídico – propriedade) é exercida pela pessoa (sujeito ativo) sobre a coisa, de outro lado, nota-se que não há sujeito passivo determinado, sendo esse toda a coletividade. Obs.: Prevalece o entendimento segundo o qual não existe posse ou propriedade sobre bens incorpóreos ou imateriais. Portanto, para os civilistas não é correta a expressão “propriedade intelectual”, empregando-se “direitos intelectuais” ou “direitos de autor” (José de Oliveira Ascensão e Silmara Chinellato)1 De outro lado, o termo “Direitos Reais” significa um conjunto de categorias ou institutos relacionados à propriedade - previstos no art. 1.225 do Código Civil -, seja a propriedade plena ou limitada. Art. 1.225. São direitos reais: I - a propriedade; II - a superfície; III - as servidões; IV - o usufruto; V - o uso; VI - a habitação; VII - o direito do promitente comprador do imóvel; 1 De se notar que se houvesse propriedade ou posse sobre esses direitos, os mesmo poderiam ser usucapidos, entretanto, essa não é a posição da jurisprudência, a teor da Súmula 228 do STJ: “É inadmissível o interdito proibitório para a proteção do direito autoral” Cadernos MAGIS - Civil 5 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS VIII - o penhor; IX - a hipoteca; X - a anticrese. XI - a concessão de uso especial para fins de moradia; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)2 XII -a concessão de direito real de uso; e (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017) XIII - os direitos oriundos da imissão provisória na posse, quando concedida à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios ou às suas entidadesdelegadas e respectiva cessão e promessa de cessão. (Incluído pela Medida Provisória nº 700, de 2015) Vigência encerrada XIII - a laje. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017) Nesse sentido, é possível afirmar que os direitos reais gravitam o conceito de propriedade, e, como tal, apresentam caracteres próprios que os distinguem dos direitos pessoais de cunho patrimonial. Segundo a lição de Flávio Tartuce podem ser apontadas as seguintes características dos direitos reais: i. Oponibilidade erga omnes, ou seja, contra todos os membros da coletividade. ii. Existência de um direito de sequela, que segue a coisa. iii. Previsão de um direito de preferência a favor do titular de um direito real. iv. Possibilidade de abandono dos direitos reais, de renúncia a tais direitos. v. Viabilidade de incorporação da coisa por meio da posse. vi. Previsão da usucapião como um dos meios de sua aquisição. vii. Suposta obediência a um rol taxativo (numerus clausus) de institutos, previstos em lei, o que consagra o princípio da tipicidade dos direitos reais. viii. Regência pelo princípio da publicidade dos atos, o que se dá pela entrega da coisa ou tradição (no caso de bens móveis) e pelo registro (no caso de bens imóveis). Obs.: Sobre a taxatividade Flávio Tartuce aponta uma divergência na doutrina sendo que: 2 Incisos XI e XII foram incluídos pela Lei n. 11.481/07. São concessões especiais do Poder Público. São direitos reais de gozo ou fruição. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/L11481.htm#art10 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/L11481.htm#art10 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13465.htm#art55 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13465.htm#art55 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Mpv/mpv700.htm#art3 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Mpv/mpv700.htm#art3 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Congresso/adc-023-mpv700.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13465.htm#art55 Cadernos MAGIS - Civil 6 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS a) Visão clássica (1ª corrente) (majoritária, inclusive para provas de 1ª fase): rol taxativo (princípio da taxatividade) (Caio Mário, Orlando Gomes, Maria Helena Diniz e Álvaro Villaça). b) Visão contemporânea (2ª corrente) (minoritária, por enquanto): rol exemplificativo. Subcorrentes: b.1) Não há taxatividade, mas há tipicidade, ou seja, necessidade de previsão em lei (Gustavo Tepedino), exemplo é a alienação fiduciária em garantia, tratada pelo Decreto- lei 911/1969 – em se tratando de bens móveis – e pela Lei 9.514/1997 – para os imóveis. b.2)Não há taxatividade, nem tipicidade. A autonomia privada pode criar direitos reais (Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald). Exemplo: “Time-sharing”3 ou multipropriedade imobiliária ( o instituto foi positivado pela Lei 13.777/2018 introduziu ou artigos 1.358-B a 1.358-U no Código Civil)”. 1.2. Diferenças entre direitos reais e direitos pessoais Segundo Carlos Roberto Gonçalves, o direito das coisas, como visto, trata das relações jurídicas concernentes aos bens corpóreos suscetíveis de apropriação pelo homem. Incluem-se no seu âmbito somente os direitos reais. Nesse sentido, é necessário estabelecer a distinção entre direitos reais e pessoais. Inicialmente, Flávio Tartuce apresenta um quadro-resumo trazendo as principais diferenças entre as espécies, segundo a doutrina majoritária: Direitos reais (ex. propriedade) Direitos pessoais patrimoniais (ex. contrato) Relação entre um sujeito ativo e uma coisa. O sujeito passivo é universal. Relação pessoal entre um sujeito ativo (credor) e um sujeito passivo (devedor). Princípio da publicidade (tradição ou registro). Princípio da autonomia privada. Rol taxativo. Rol exemplificativo. Efeitos “erga omnes” (absolutos) Efeitos “inter partes” (relativos). A coisa responde. O patrimônio do devedor responde. Caráter permanente. Caráter transitório, em regra, o que vem sendo mitigado pelos contratos relacionais ou cativos de 3 O sistema time-sharing ou multipropriedade imobiliária, conforme ensina Gustavo Tepedino, é uma espécie de condomínio relativo a locais de lazer no qual se divide o aproveitamento econômico de em imóvel (casa, chalé, apartamento) entre os cotitulares em unidades fixas de tempo, assegurando-se a cada um o uso exclusivo e perpétuo durante certo período do ano. Cadernos MAGIS - Civil 7 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS longa duração. Em que pese as diferenças ainda existam, atualmente, há uma tendência de aproximação entre os direitos reais e os direitos pessoais patrimoniais, de modo a “contratualizar” o Direito das Coisas, nesse sentido, Flávio Tartuce apresenta ainda alguns aspectos dessa aproximação: 1º aspecto: como visto, há uma tendência em se afirmar que o rol do art. 1.225 do Código Civil é exemplificativo. 2º aspecto: em muitos casos, com previsão na lei, o direito real origina-se da autonomia privada. 3º aspecto: há tendência doutrinária de aplicação da boa-fé objetiva aos direitos reais. 4º aspecto: nem sempre o direito real terá efeitos “erga omnes”. E nem sempre o direito pessoal terá efeitos “inter partes”.4 5º aspecto: nem sempre o direito real terá caráter permanente - exemplos: alienação fiduciária e condomínio comum. E nem sempre o contrato será transitório – exemplo: contratos cativos de longa duração (Cláudia Lima Marques) (“casamentos contratuais”). Finalmente, além dos aspéctos de aproximação citados acima, é importane atenção aos conceitos mistos: i. Posse: trata-se de um direito de natureza especial, que não se enquadra como direito real ou pessoal, como se verá adiante. ii. Obrigações propter rem ou próprias da coisa: situam-se em uma zona intermediária entre os direitos reais e os direitos patrimoniais, sendo ainda denominadas obrigações híbridas ou ambulatórias, pois perseguem a coisa onde quer que ela esteja. iii. Abuso de direito no exercício de propriedade ou ato emulativo: retirado dos arts. 187 e 1.228, § 2.º,do CC. Trata-se de um instituto híbrido uma vez que o exercício de um direito real repercute no direito das obrigações, gerando o dever de indenizar. iv. Ônus reais: são obrigações que limitam o uso e gozo da propriedade, constituindo gravames ou direitos oponíveis erga omnes, por exemplo, a renda constituída sobre imóvel. Aderem e acompanham a coisa. 4 Exemplos: Súmula 308 do STJ: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”. e Enunciado n. 21, I JDC: “A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito”. Cadernos MAGIS - Civil 8 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS v. Obrigações com eficácia real: são as que, sem perder seu caráter de direito a uma prestação, transmitem-se e são oponíveis a terceiro que adquira direito sobre determinado bem (v. arts. 576, 1.417 e 1.418 do CC). 2. Posse (Art. 1.196 a 1.224, CC) 2.1. Noções gerais sobre a posse 2.1.1. Conceito e teorias justificadoras da posse Historicamente, o conceito de posse esteve submetido ao de propriedade. A posse era vista como mero apêndice desta. Em outras palavras, a posse estava submetida à propriedade. Esse panorama de submissão se manteve até a edição da histórica obra de Savigny, chamada “Teoria da Posse”. A importante colaboração dada pelo autor foi que, pela primeira vez, a posse se desatrelou da propriedade.Portanto, a relevância histórica dessa teoria foi que ela libertou a posse da submissão à propriedade. Ao apontar os requisitos da posse, Savigny estabeleceu que para havê-la seria necessária a conjugação de dois requisitos: i) corpus: a apreensão, o contato físico; e ii) animus rem sibi habendi (também chamado de animus domini): a intenção de ter a coisa como sua. Esta teoria era estabelecida com viés subjetivista, por conta da presença da vontade (o animus). Por isso, ela foi chamada de teoria subjetiva da posse. Ocorre que é possível que alguém tenha a posse de algo sem ter a intenção de ser dono. Basta pensar no locatário, no comodatário ou no usufrutuário. Nesses casos, a pessoa tem o corpus, mas não tem a intenção de ter a coisa como sua. Daí dá para perceber o equívoco em que incorreu a teoria de Savigny. Essa teoria, todavia, traz o mérito indiscutível de ser a primeira teoria acerca da autonomia da posse. Ainda que não esteja imune a críticas, ela tem uma importância histórica fundamental. O maior discípulo da Savigny, R. Von Ihering contestou a teoria subjetiva da posse, no livro “Teoria Simplificada da Posse”. Para Ihering, havia na teoria anterior uma superafetação de requisitos. Para simplificá-la, precisou retirar o animus, passando a sustentar que a posse era apenas o corpus, o contato físico, a apreensão. A teoria de Ihering ficou conhecida com o justo nome de teoria objetiva da posse. Perceba que a teoria objetiva explica com mais facilidade as situações do locatário, do comodatário e do usufrutuário. O art. 1.196 do Código Civil acolheu a teoria objetiva: Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, Cadernos MAGIS - Civil 9 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade. Todavia, não se pode esquecer que o Código faz concessões, em determinados momentos, à teoria subjetiva. Ex.: ao tratar da usucapião, o Código exige posse com animus domini, claramente inclinando-se pela teoria subjetiva, malgrado a regra geral do sistema seja a objetiva. Portanto, diante da teoria objetiva do art. 1.196, já se pode afirmar que possuidor é aquele que exerce um dos poderes da propriedade sobre a coisa, mais especificamente o uso ou o gozo (fruição, retirada de utilidades). Isso porque quem tem o uso ou o gozo tem contato físico com a coisa. A propriedade é formada pelos poderes de usar, gozar e fruir, livre dispor e reivindicar a coisa. Quem tem os quatro poderes inerentes à propriedade, mais título (registro), tem propriedade. Todavia, pode ocorrer de o titular ter os poderes, mas não o título (ex.: aquele que usucapiu mas não ajuizou a ação). Quem tem os quatro poderes, mas não tem o título, tem o chamado domínio. A propriedade é exercida perante a coletividade, por conta dos efeitos erga omnes decorrentes do registro; o domínio é exercido sobre a coisa, sem oponibilidade a terceiros. Perceba a diferença: propriedade é a soma dos poderes com o título; domínio é meramente a soma dos poderes, sem o título. Quem tem propriedade, portanto, tem domínio; mas nem todo aquele que tem domínio tem propriedade. A forma de defesa da propriedade é a ação reivindicatória; o mecanismo de defesa do domínio é a ação publiciana. São coisas diferentes. Até o advento do CC/02, as expressões domínio e propriedade eram tidas como sinônimas, de modo que o domínio é a propriedade eram defendidos pela reivindicatória. Com o esclarecimento de que não são a mesma coisa, há que se falar em ação publiciana. Quem tem o uso ou o gozo do bem tem posse, e para a defesa da posse devem ser ajuizadas as ações possessórias. A compreensão do Código deixa claro que propriedade, domínio e posse são coisas diversas, mas que eventualmente podem estar juntas. É possível que haja a posse com ou sem domínio. E também posse com ou sem propriedade. Todavia, se um proprietário perder os poderes de sua propriedade (o contato com a coisa), a ação a ele recomendada é a possessória. A posse, por ser submetida a um requisito objetivo, traz consigo a ideia de imediatidade. Isso faz com que as possessórias sejam mais céleres, pois elas objetivam reaver o contato físico com a coisa. Cadernos MAGIS - Civil 10 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS A diferença entre posse, domínio e propriedade deixa clara a adoção da teoria objetiva pelo Código Civil. Posse e propriedade são institutos jurídicos próprios, com tutelas jurídicas próprias. A posse não é mais um apêndice da propriedade. Ela ganhou autonomia. Posse é contato físico. Hoje, a doutrina mais contemporânea (inclusive Flávio Tartuce) vem entendendo que este histórico debate (teoria objetiva versus subjetiva) cedeu espaço a uma nova teoria, construída na Espanha, por Hernández Gil, trazida ao Brasil por Luiz Edson Fachim, do Paraná, chamada de “Teoria Sociológica da Posse”. Para Hernandez Gil, o debate está envelhecido, pois é insuficiente para explicar os problemas possessórios do mundo contemporâneo, como os grandes conflitos fundiários. O que se deve ter em mente, diz o autor, é a teoria sociológica, que significa: “para que serve a posse?” Ou seja, o que interessa não é mais saber qual a teoria correta, mas dar à posse uma função social. O CC/02 adota implicitamente a teoria da função social da posse. Carlos Roberto Gonçalves apresenta em resumo as três teorias tratadas acima: i. Subjetiva (de Savigny): a posse caracteriza-se pela conjugação do corpus (elemento objetivo que consiste na detenção física da coisa) e do animus (elemento subjetivo, que se encontra na intenção de exercer sobre a coisa um poder no interesse próprio — animus rem sibi habendi). P (posse) = C (corpus) +AD (animus dommini). Essa teoria não foi adotada (nem pelo CC 16, nem pelo CC 2002), somente é relevante para fins de usucapião (posse “ad usucapionem”). ii. Objetiva ou simplificada (de Ihering): considera o animus já incluído no corpus, que significa conduta de dono. Esse animus não é de ser proprietário, mas de explorar economicamente a coisa. A posse assim pode ser analisada objetivamente, sem a necessidade de pesquisar-se a intenção do agente. A posse, então, é a exteriorização do domínio. O CC brasileiro adotou tal teoria (art. 1.196). P (posse) = C (corpus). iii. Sociológica (de Perozzi, Saleilles e Hernandez Gil): dá ênfase ao caráter econômico e à função social da posse. P = C + FS (função social). Pela teoria, a função sociel é componente da posse e é atendida quando é dada à posse uma destinação positiva, ex. morar no imóvel, lavorar na terra (posse-trabalho para Miguel Reale) Em resumo, na lição de Flávio Tartuce, a posse pode ser conceituada como o domínio fático que uma pessoa exerce sobre uma coisa. Cadernos MAGIS - Civil 11 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS Nesse sentido, a posse estará presente quando a pessoa tiver pelo menos um dos atributos relativos à propriedade – GRUD, ou seja, Gozar/fruir, Reaver/buscar, Usar/utilizar, Dispor/alienar. É de se observar que basta o exercício de um dos atributos do domínio para que a pessoa seja considerada possuidora, podendo-se afirmar que todo proprietário é possuidor (direto ou indireto), mas nem todo possuidor é proprietário. 2.1.2. Natureza jurídica Segundo Carlos Roberto Gonçalves, atento à lição de Moreira Alves, a posse tem natureza dupla, ou seja, é fato e direito. Considerada em si mesma, é um fato, mas, pelos efeitos que gera, entra na esfera do direito. Segundo Beviláqua, a posse não é direito real, nem pessoal, mas um direito especial Flávio Tartuce assevera que a posse é um direito de natureza especial ou “sui generis”. Portanto, não é direito real nem pessoal. 2.1.3.Função social da posse 2.1.3.1. Noções gerais A CR, em seu art. 5º, XXII e XXIII, reconheceu como garantia fundamental o direito de propriedade, desde que cumprida a sua função social:Art. 5º (...) XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; Perceba que a função social é uma condicionante do direito de propriedade. Ou seja, para que o proprietário tenha proteção, ele precisa cumprir sua função social (a proteção de propriedade decorre do cumprimento dessa condicionante). Da função social da propriedade decorre a função social da posse. É que pode ocorrer de o proprietário eventualmente não cumprir a função social e alguém (um terceiro) cumpri-la em seu lugar. Se um terceiro cumpriu a função social no lugar do proprietário, está-se diante da função social da posse (e não da função social da propriedade). Logicamente, somente se enxergará a função social da posse quando o proprietário não cumpre tal função social (estar-se-ia, aí, falando da função social da propriedade). O CC/02, segundo a Exposição de Motivos do Professor Miguel Reale, acolhe a teoria da função social da posse implicitamente. Para ele, a função social da posse pode ser chamada de Cadernos MAGIS - Civil 12 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS posse-trabalho (ou seja, se alguém estiver trabalhando, desempenhando a função social da propriedade no lugar do proprietário, haverá função social da posse). Em concurso, ao falar da função social, deve-se citar Norberto Bobbio. Função social significa “para que serve?” Portanto, o direito protege a posse para que ela exerça sua função de pacificação social. A função social da posse confirma, de uma vez por todas, a autonomia conceitual da posse. A partir da função social da posse, percebe-se que o juiz não julga, agora, necessariamente, em favor do proprietário, mas de quem cumpre a função social. A propriedade não subjuga mais a posse, que é autônoma e deve ser tratada autonomamente. 2.1.3.2. Exemplos de função social da posse 2.1.3.2.1. Art. 1.238, parágrafo único, e art. 1.242, parágrafo único, do CC/02 Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. [usucapião extraordinário] Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos. [usucapião ordinário] Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico. Esses dois dispositivos estabelecem a possibilidade de redução do prazo de usucapião (o prazo do extraordinário é de quinze anos; o do ordinário, dez) em cinco anos, quando o Cadernos MAGIS - Civil 13 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS usucapiente estiver morando ou tiver tornado a terra produtiva (ou seja, quando estiver cumprindo a sua função social). Detalhe: trata-se de hipótese de função social da posse, não da propriedade, na medida em que o usucapiente é possuidor. 2.1.3.2.2. Súmula 239 do STJ Súmula 239 - O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis. A súmula estabelece uma regra sobre promessa de compra e venda. A aquisição de imóveis ocorre em várias parcelas, em geral. No caso, o promitente comprador celebra o contrato, recebe a posse e passa a pagar. Em geral, ele não registra a promessa para não ter de pagar os emolumentos do registro (pois terá de pagar de novo na transmissão da propriedade). A Súmula estabelece que o direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro. Se é assim, o promitente comprador tem posse e, como está morando, está cumprindo a função social da posse. É um exemplo de prestígio à função social da posse. 2.1.3.2.3. Súmula 364 do STJ Súmula 364 - O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas. Trata-se da impenhorabilidade do bem de família da pessoa sozinha (chamada pelo STJ de single, conceito que não se confunde com o de solteiro). O single tem a proteção do bem de família, mas não é família. Família tem “s”, ou seja, tem pluralidade. Se toda família é plural, a pessoa sozinha não é família de si mesma, não sendo protegida pelo bem de família. Todavia, a Súmula determina que o “conceito” de impenhorabilidade também se aplica a ela, porque tem posse. 2.1.3.2.4. Desapropriação judicial indireta (art. 1.228, §§ 4º e 5º, do CC/02) Art. 1.228 (...) § 4º O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. § 5º No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao Cadernos MAGIS - Civil 14 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores. 2.1.3.2.4.1. Conceito A desapropriação judicial indireta é o melhor exemplo de função social da posse. Não se deve chamá-la de “desapropriação indireta”, que tem um sentido próprio, específico e diverso. A desapropriação judicial indireta ocorre quando o proprietário perde a propriedade para um grupo indeterminado de pessoas. 2.1.3.2.4.2. Requisitos da desapropriação judicial indireta São requisitos da desapropriação judicial indireta: i) extensa área, rural ou urbana: O conceito de área extensa é aberto, variando de um lugar para o outro. ii) posse coletiva, por cinco anos; iii) grupo indeterminado de pessoas: Veja que, até aqui, todos os requisitos são bem abertos. iv) boa-fé: Exige-se que os possuidores estejam de boa-fé. O conceito de boa-fé não é o conceito clássico (boa-fé subjetiva). A doutrina entende que a boa-fé não está no conhecimento da titularidade, mas no conhecimento (nos efeitos) da posse. Caso contrário, o instituto nunca seria utilizado. v) realização de obras e serviços relevantes; vi) pagamento de indenização fixada pelo juiz: Se há indenização, não se trata de usucapião. Quem tem indenização é a desapropriação. Curiosamente, esta desapropriação não é decretada pelo Executivo, mas concedida pelo Poder Judiciário. Alguns autores sustentavam que a indenização deveria ser paga pelo Poder Público. Outros diziam que pelos possuidores. Na Jornada de Direito Civil, chegou-se ao entendimento de quem paga essa indenização são os próprios possuidores, exceto quando se tratar de população de baixa renda, hipótese em que o Poder Público é quem pagará, por se tratar de questão relacionada ao direito real de moradia. Enunciado 84 - Art. 1.228: A defesa fundada no direito de aquisição com base no interesse social (art. 1.228, §§ 4º e 5º, do novo Código Civil) deve ser argüida pelos Cadernos MAGIS - Civil 15 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS réus da ação reivindicatória, eles próprios responsáveis pelo pagamento da indenização. Enunciado 308 - Art. 1.228: A justa indenização devida ao proprietário em caso de desapropriação judicial (art. 1.228, § 5º) somente deverá ser suportada pela Administração Pública no contexto das políticas públicas de reforma urbana ou agrária, em se tratando de possuidores de baixa renda e desde quetenha havido intervenção daquela nos termos da lei processual. Não sendo os possuidores de baixa renda, aplica-se a orientação do Enunciado 84 da I Jornada de Direito Civil. Importante destacar que, quando se tratar de população de baixa renda, o Poder Público terá de ser convocado (citado) para o processo, pois terá de custear a indenização (a União, se a área for rural e o Município, se a área for urbana). Curiosamente, nesse caso haverá um deslocamento de competência (Justiça Federal ou Vara da Fazenda Pública, conforme o caso). vii) (requisito processual) a desapropriação judicial indireta tem de ser alegada por meio de ação autônoma ou como exceção substancial em uma ação já em trâmite: Os possuidores podem ajuizar uma ação autônoma de desapropriação judicial indireta. Pode ocorrer de o proprietário ajuizar uma ação reivindicatória contra eles, antes. No momento em que citados, eles podem alegar, em exceção substancial, desapropriação judicial indireta. Discutiu-se se o MP teria legitimidade para tal alegação. Chegou-se ao entendimento de que sim, quando envolver direito coletivo de moradia. Detalhe: mesmo quando a ação for promovida pelo MP, o título somente pode ser registrado após o pagamento da indenização ao proprietário. Numa favela, por exemplo, há uma ótima hipótese de desapropriação judicial indireta. A Defensoria Pública está absolutamente legitimada para tal alegação. O art. 1.228, § 4º, do CC, portanto, é o melhor exemplo de função social da posse. 2.1.3.2.4.3. Desapropriação judicial indireta e usucapião especial urbano coletivo Importante não confundir desapropriação judicial indireta com usucapião especial urbana coletiva, prevista nos arts. 10 a 12 do Estatuto da Cidade: Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, Cadernos MAGIS - Civil 16 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural. (...) Os institutos têm alguns pontos de aproximação, mas não se confundem. É possível, por exemplo, a desapropriação judicial indireta de bem público. Já a usucapião especial urbana coletiva é uma manifestação do direito civil dos pobres. São requisitos da usucapião especial urbana coletiva: i) área urbana superior a 250 metros quadrados: Caso a área do imóvel seja inferior a 250 metros quadrados, a usucapião será individual. ii) posse coletiva por cinco anos: Veja que este requisito é igual ao da desapropriação judicial indireta. iii) população de baixa renda; iv) boa ou má-fé: Perceba que a boa-fé não é requisito da usucapião especial coletiva urbana, mas deve estar presente na desapropriação judicial indireta. v) fixação de moradia; vi) inexistência de contraprestação: Diferentemente da desapropriação, na usucapião não haverá contraprestação. vii) alegação por meio de exceção substancial ou de ação autônoma: O Estatuto da Cidade diz que a alegação de usucapião especial urbana coletiva pode ser formulada por cada um dos possuidores, individualmente, por alguns ou todos, coletivamente, ou pela associação de moradores, na qualidade de substituto processual (art. 12): Art. 12. São partes legítimas para a propositura da ação de usucapião especial urbana: I – o possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio originário ou superveniente; II – os possuidores, em estado de composse; III – como substituto processual, a associação de moradores da comunidade, regularmente constituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamente autorizada pelos representados. (...) Cadernos MAGIS - Civil 17 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS Curiosamente, o MP não tem legitimidade para ser autor do pedido. Ele atuará apenas como fiscal da lei. Não será parte. Se o interessado puder, ele enquadrará o pedido como usucapião. Somente buscará a desapropriação judicial indireta quando seu caso não se for hipótese de usucapião, pois a desapropriação envolve o pagamento de indenização. Veja, mais uma vez, que se trata dos dois mais eloquentes exemplos de função social da posse: Desapropriação Judicial Indireta Usucapião Especial Coletiva Urbana Extensa área, rural ou urbana. Área urbana superior a 250 metros quadrados. Posse coletiva, por cinco anos. Posse coletiva, por cinco anos. Grupo indeterminado de pessoas. População de baixa renda. Boa-fé. Boa ou má-fé. Realização de obras e serviços relevantes. Fixação de moradia. Pagamento de indenização fixada pelo juiz. Inexistência de contraprestação. Alegação por meio de ação autônoma ou como exceção substancial em uma ação já em trâmite. Alegação por meio de ação autônoma ou como exceção substancial em uma ação já em trâmite. 2.2. Objeto da posse Partindo da teoria objetiva, posse é apreensão. Na medida em que o objeto da posse depende do contato físico, conclui-se que ele obrigatoriamente será um bem corpóreo. Os bens incorpóreos são insuscetíveis de apreensão. Consequentemente, insuscetíveis de posse. Fixada essa premissa, anotam-se dois efeitos: i) inadmissibilidade de uso dos interditos possessórios para a defesa de bens incorpóreos: Os bens incorpóreos não podem ser defendidos por meio das ações possessórias. Exemplos de bens incorpóreos: direito autoral e direito intelectual. Nesse exato sentido é a Súmula 228 do STJ: Súmula 228 - É inadmissível o interdito proibitório para a proteção do direito autoral. A defesa dos bens incorpóreos deve ser feita por meio de ação indenizatória ou de tutela específica, a depender da escolha do titular, que é quem deliberará o tipo de tutela que entende mais adequada. Cadernos MAGIS - Civil 18 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS ii) impossibilidade de usucapião de bens incorpóreos: Um dos requisitos da usucapião é justamente a posse. Se insuscetíveis de posse, os bens incorpóreos não são idôneos à usucapião. Há, todavia, uma única exceção, prevista na Súmula 193 do STJ (que, na verdade, não ocorrerá nunca mais): linha telefônica. Isso somente servia para a época em que as linhas telefônicas tinham algum valor: Súmula 193 - O direito de uso de linha telefônica pode ser adquirido por usucapião. 2.3. Mera detenção 2.3.1.Noções gerais Como visto, o CC/02 adota, em linhas gerais, a teoria objetiva (art. 1.196): Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade. A partir do dispositivo, chega-se à conclusão de que o conceito de posse se relaciona ao contato físico, à apreensão. Porém, o CC entende que algumas pessoas, apesar de terem o contato físico (a apreensão), não podem ser qualificadas como possuidoras. Ou seja, o Código estabelece uma desqualificação de alguns sujeitos, para evitar que eles sejam tratados como possuidores, não querendo que determinadas situações sejam tratadas como posse, para evitar a produção de determinados efeitos jurídicos. Se a regra geral é de que posse é contato físico, todos os casos de desqualificação dependem de previsão legal. Ou seja, somente haverá desqualificação do possuidor nos casos previstos em lei. A eles, se dá o nome de mera detenção. São, portanto, meros detentores, e não possuidores, apesar de terem contato físico. Segundo Flávio Tartuce o detentor pode se converter em possuidor (CC, art. 1.198, parágrafo único). Isso é possível por força de contrato, nos casos em que a pessoa passa a se comportar como possuidora, na linha do Enunciado 301, IV Jornada de Direito Civil5. Por fim, a posse e a detenção não se confundem com a tença, sendo a última “uma mera situação material de apreensão física do bem, sem qualquer consequênciajurídica protetiva”. 5 Enunciado 301, IV JDC: “É possível a conversão da detenção em posse, desde que rompida a subordinação, na hipótese de exercício em nome próprio dos atos possessórios.”. Cadernos MAGIS - Civil 19 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS 2.3.2. Hipóteses de mera detenção São hipóteses de mera detenção: i) fâmulo (ou gestor) da posse (art. 1.198 do CC): Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas. (...) Trata-se daquele que apreende a coisa em nome de outrem por força de uma relação subordinativa, de dependência jurídica. Ex.: o caseiro, o adestrador, o capataz da fazenda, o veterinário etc. ii) atos de mera tolerância (art. 1.208 do CC): Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância. Ex.: abuso de confiança. iii) permissão de uso de bem público: Quando a administração autoriza o uso de bem público, especialmente em relação à ocupação irregular de terras públicas: a posição do STJ sempre foi no sentido de detenção (REsp n. 556.721/DF). Em 2016 (REsp n. 1.484.304/DF – Inf. 579), entendeu-se que há posse, a qual não possibilita usucapião, mas possibilita ação possessória contra quem invade a área. Em 2018, voltou-se à tese da detenção, com edição da Súmula 619, STJ: Súmula 619, STJ: “A ocupação indevida de bem público configura mera detenção, de natureza precária, insuscetível de retenção ou indenização por acessões e benfeitorias.”. 2.4. Composse A composse também pode ser chamada de “coposse” ou “compossessão”. Trata-se do exercício simultâneo da posse por duas ou mais pessoas, é uma espécie de “condimínio da posse”. Nas palavras de Flávio Tartuce, em relação ao seu estado, a composse admite a seguinte classificação: i. Composse pro indiviso ou indivisível – os compossuidores têm fração ideal da posse, pois não é possível determinar, no plano fático e corpóreo, qual a parte de cada um. Cadernos MAGIS - Civil 20 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS Exemplo: dois irmãos têm a posse de uma fazenda e ambos a exercem sobre todo o imóvel, retirando dele produção de hortaliças. ii. Composse pro diviso ou divisível – cada compossuidor sabe qual a sua parte, que é determinável no plano fático e corpóreo, havendo uma fração real da posse. Exemplo: dois irmãos têm a composse de uma fazenda, que é dividida ao meio por uma cerca. Em metade dela um irmão tem uma plantação de rabanetes; na outra metade, o outro irmão cultiva beterrabas. Exige-se, para a caracterização da composse, pluralidade de sujeitos e indivisibilidade do objeto. Caracterizada a composse, decorrerão dois efeitos: i) cada copossuidor exercerá seus direitos sobre o todo e poderá defender o todo, independentemente de sua fração ideal. Até porque, como visto, a coisa tem de ser indivisível. ii) se cada copossuidor exerce seu direito sobre o todo, a regra geral é a inadmissibilidade de usucapião por um copossuidor sobre os outros. Portanto, não pode, como regra, alegar usucapião um copossuidor, porque todos exercem a posse sobre o todo. Há, todavia, uma exceção: o STJ admite a usucapião de bem condominial (ou em composse) quando o usucapiente estabelecer posse com exclusividade, alijando (afastando) os demais. A composse tem também um efeito processual. A ação possessória não é ação real, porque posse não é um direito real. A consequência natural disso é a inexigibilidade de citação dos cônjuges (o CPC exige a citação dos cônjuges quando se tratar de ações reais imobiliárias, como a reivindicatória e a usucapião): Assim, por não se tratar de uma ação real imobiliária, promovida uma possessória contra um réu casado, o cônjuge dele não precisaria ser citado. 2.5. Classificação da posse e seus efeitos Cadernos MAGIS - Civil 21 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS 2.5.1. Quanto à relação pessoa coisa, ao desdobramento ou ao paralelismo (Posse direta e indireta – Art. 1.197, CC) A possibilidade de desdobramento da posse produz como consequência a classificação da posse em direta ou indireta. O desdobramento de posse decorre sempre de um negócio jurídico, pelo qual o legítimo possuidor entrega o contato físico da coisa a um terceiro, mas não perde a qualidade de possuidor. Os dois melhores exemplos são locação e comodato. Em ambos os casos, o legítimo possuidor (proprietário), por conta de um negócio jurídico, concede o contato físico da coisa a um terceiro, que passa a ser o possuidor direto, permanecendo o proprietário como possuidor indireto. Desdobra-se a posse em direta e indireta para permitir que aquele que conferiu o contato físico a um terceiro continue sendo tratado como possuidor e, consequentemente, continue dispondo da defesa da posse. Ex.: vigente uma locação, o locatário viaja para o exterior e, quando retorna, o imóvel foi invadido pelo locador. O locatário ingressa com ação de reintegração de posse contra o locador. O locador, em defesa, alega apenas ser proprietário do imóvel (“exceptio proprietates”). Essa ação deve ser julgada procedente, pois nas ações possessórias não cabe a alegação de propriedade ou de outro direito real sobre a coisa (art. 1.210, §2º, CC). Portanto, tanto o possuidor direto quanto o indireto podem se valer de defesa possessória contra terceiros. A dúvida é: um pode se valer da proteção contra o outro? O Enunciado 76 da Jornada de Direito Civil responde afirmativamente: Enunciado 76 - Art. 1.197: O possuidor direto tem direito de defender a sua posse contra o indireto, e este, contra aquele (art. 1.197, in fine, do novo Código Civil). Não podem usucapir a coisa nem o possuidor direto, nem o indireto. O indireto não vai usucapir porque já é proprietário. O direto também não, pois um dos requisitos da usucapião é a posse com animus domini. Posses direta e indireta dependem da existência de um negócio jurídico: havendo negócio jurídico, não haverá animus domini. Destrói-se um dos requisitos da usucapião. A única hipótese em que o possuidor direto pode usucapir ocorre quando o possuidor direto rompe a relação jurídica base. Mais uma vez: o desdobramento da posse envolve a existência de um negócio jurídico. Rompido o negócio jurídico, caracteriza-se o esbulho, que não envolve necessariamente violência, podendo decorrer do inadimplemento de um contrato. Cadernos MAGIS - Civil 22 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS Se o possuidor direto rompe a relação jurídica base, ele poderá usucapir, pois cessa imediatamente o desdobramento. Ex.: como visto por ocasião do estudo do comodato, o comodatário não pode usucapir a coisa, por ser possuidor direto, a menos que, notificado, não devolva a coisa, caracterizando o esbulho e cessando o desdobramento da posse. O proprietário é possuidor pleno. Somente haverá possuidor direto quando houver indireto. E vice-versa. Assim, em resumo tem-se: a) Posse direta ou imediata: é a daquele que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de contrato (a posse do locatário, p. ex., que a exerce por concessão do locador — CC, art. 1.197). b) Posse indireta ou mediata: é a daquele que cede o uso do bem (a do locador, p. ex.). Dá-se o desdobramento da posse. Uma não anula a outra. Nessa classificação não se propõe o problema da qualificação da posse, porque ambas são posses jurídicas (jus possidendi) e têm o mesmo valor. 2.5.2. Quanto à presença de título (Posse com e sem título): a) Posse com título – situação em que há uma causa representativa da transmissão da posse, caso de um documento escrito, como ocorre na vigênciade um contrato de locação ou de comodato, por exemplo. b) Posse sem título – situação em que não há uma causa representativa, pelo menos aparente, da transmissão do domínio fático. Exemplo: alguém acha um tesouro, depósito de coisas preciosas, sem a intenção de fazê-lo. Nesse caso, a posse é qualificada como um ato-fato jurídico, pois não há uma vontade juridicamente relevante para que exista um ato jurídico. Obs.: Três regras quanto ao achado do tesouro (arts.1.264 e 1.265, CC): i. Achei no meu terreno: é meu. ii. Achei no do outro, de boa-fé: meio a meio. iii. Achei no de outro, de má-fé: é do outro (dono do terreno). 2.5.3. Quanto ao tempo (Posse nova e velha): a) Posse nova – é a que conta com menos de um ano e um dia, ou seja, é aquela com até um ano. b) Posse velha – é a que conta com pelo menos um ano e um dia, ou seja, com um ano e um dia ou mais. Cadernos MAGIS - Civil 23 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS Segue-se, nessa classificação, a doutrina de Maria Helena Diniz e Carlos Roberto Gonçalves, entretanto, há quem entenda que a posse velha é aquela com mais de um ano e um dia (Caio Mário). Obs.: A classificação da posse quanto ao tempo é fundamental para a questão processual relativa às ações possessórias, sendo preciso verificar a data da ameaça, da turbação ou do esbulho. Se forem: i. Novos (menos de 1 ano e 1 dia): caberá a ação de força nova. A ação segue o rito especial e cabe liminar. ii. Velhos (pelo menos 1 ano e 1 dia): caberá a ação de força velha. A ação não tem rito especial, seguindo o procedimento comum. Não cabe liminar, mas eventualmente, caberá tutela provisória (art. 300 a 311, CPC). 2.5.4. Quanto à boa-fé subjetiva ou intencional (Posse de boa e de má-fé - art. 1.201 do CC): Seguindo a dicção de Flávio Tartuce temos: a) Posse de boa-fé – presente quando o possuidor ignora os vícios ou os obstáculos que lhe impedem a aquisição da coisa ou quando tem um justo título que fundamente a sua posse. Orlando Gomes a divide em posse de boa-fé real quando “a convicção do possuidor se apoia em elementos objetivos tão evidentes que nenhuma dúvida pode ser suscitada quanto à legitimidade de sua aquisição” e posse de boa-fé presumida “quando o possuidor tem o justo título”, que traz uma presunção relativa ou iuris tantum da boa-fé (presunção que admite prova em contrário)6. Segundo Caio Mário da Silva Pereira, justo título é uma causa representativa que tenha fundamento no ordenamento jurídico, que pode ser documentado ou não. Exemplo: um contrato válido e eficaz é justo título (locação, comodato, depósito e compromisso de compra e venda, registrado ou não na matrícula - CRI). Obs.: Enunciado 302, IV Jornada de Direito Civil7 6 Enunciado 303, IV Jornada de Direito Civil – O justo título pode estar materializado em instrumento público ou particular. 7 Enunciado 302, IV Jornada de Direito Civil – é justo título, o ato capaz de transmitir a posse “ad usucapionem”, observado o disposto no art. 113, CC, o qual trata da boa-fé objetiva. Cadernos MAGIS - Civil 24 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS b) Posse de má-fé – situação em que alguém sabe do vício que acomete a coisa, mas mesmo assim pretende exercer o domínio fático sobre esta. Neste caso, o possuidor nunca possui um justo título, pois sabe que não pode ser o dono da propriedade. De qualquer modo, ainda que de má-fé, esse possuidor não perde o direito de ajuizar a ação possessória competente para proteger-se de um ataque de terceiro. Diferentemente do que ocorre na teoria geral dos contratos, a boa ou má-fé de que trata a classificação da posse é a subjetiva. Ou seja, a classificação da posse em de boa ou de má-fé depende do conhecimento do vício que pesa sobre ela: se o possuidor sabe dele, está de má-fé; se não sabe, está de boa-fé. Para fins de usucapião, a boa-fé é irrelevante. Mesmo o possuidor de má-fé pode usucapir. Mas, para fins de responsabilidade civil, frutos e benfeitorias, haverá diferença de tratamento entre os possuidores de boa e de má-fé. Esta classificação não se confunde com vista a seguir, pois, naquela, os vícios são objetivos (justa ou injusta); aqui os vícios são subjetivos (boa e má-fé). Ademais, essa classificação gera efeitos para os frutos, as benfeitorias e responsabilidades por perda e deterioração da coisa. Art. 1.214 a 1.220 CC Frutos Benfeitorias Responsabilidade s Posse de boa-fé (ex: locatário) Sim, com exceção dos frutos pendentes. Sim, tem direito às benfeitorias necessárias e às úteis (direito à indenização e retenção). Além disso, pode levantar as voluptuárias (as de mero luxo). 8 Somente responde por dolo ou culpa (responsabilidade subjetiva). Posse de má-fé (ex: invasor) Não tem direito aos frutos e responde pelos que colheu e pelos Sim, tem direito apenas às benfeitorias necessárias Responde pela coisa até por fato acidental (caso fortuito ou força 8 Possuidor de boa-fé e benfeitorias: segundo a doutrina e jurisprudência, aplica-se a mesma regra para as acessões (construções e plantações). Nesse sentido: Enunciado 81, I Jornada de Direito Civil6 e REsp 1.316.895/SP. Cadernos MAGIS - Civil 25 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS que deixou de colher. (somente direito à indenização). maior). Obs.: O locatário é possuidor de boa-fé, sendo comum, por força do contrato, a renúncia ao direito de indenização por benfeitorias necessárias e úteis (Art. 35 da Lei 8.245/1991). Confirmando tal possibilidade, há a Súmula 335, STJ, a qual prevê que é válida a cláusula que versa sobre a renúncia ao direito de indenização por benfeitorias, sem qualquer ressalva para os contratos de adesão. Entretanto, o Enunciado 433, V Jornada de Direito Civil, prevê que é nula a cláusula de renúncia à indenização e de retenção por benfeitorias necessárias, quando inseridas em contrato de adesão. Esse enunciado tem grande prestígio doutrinário, mas não tem sido aplicado pela jurisprudência. 2.5.5. Quanto aos vícios objetivos (Posse justa e injusta - Art. 1.200, CC) Segundo Flávio Tartuce: i. Posse justa – é a que não apresenta os vícios da violência, da clandestinidade ou da precariedade, sendo uma posse limpa. ii. Posse injusta – apresenta os referidos vícios, pois foi adquirida por meio de ato de violência, ato clandestino ou de precariedade, nos seguintes termos: a) Posse violenta – é a obtida por meio de esbulho, for força física ou violência moral (vis). A doutrina tem o costume de associá-la ao crime de roubo. Exemplo: movimento popular invade violentamente, removendo e destruindo obstáculos, uma propriedade rural produtiva, que está sendo utilizada pelo proprietário, cumprindo a sua função social. b) Posse clandestina – é a obtida às escondidas, de forma oculta, à surdina, na calada da noite (clam). É assemelhada ao crime de furto. Exemplo: movimento popular invade, à noite e sem violência, uma propriedade rural que está sendo utilizada pelo proprietário, cumprindo a sua função social. c) Posse precária – é a obtida com abuso de confiança ou de direito (precario). Tem forma assemelhada ao crime de estelionato ou à apropriação indébita, sendo também denominada esbulho pacífico. Exemplo: locatário de um bem móvel que não devolve o veículo ao final do contrato. Cadernos MAGIS - Civil 26 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS Diferentemente do que se pode imaginar, a posse injusta produz efeitos jurídicos. Posse é contato físico, de modo que haverá posse mesmo quando ela for injusta. Há possibilidade de convalescimento da posse, também chamada de “intervessão da posse”. Convalescer é curar, sanar o vício. A posse injusta convalesce em dois casos: i) quando cessada a causa que lheoriginou, independentemente de prazo; ii) quando passado o prazo de ano e dia. Em ambos os casos, a posse injusta torna-se justa. Entretanto, segundo a posição majoritária, a posse precária não pode ser convalidada, pois não está mencionada no art. 1.208 do Código Civil, segundo o qual o ato de mera tolerância não induz posse, qualificando-se como mera detenção: Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade. Perceba que a res furtiva pode ser objeto de usucapião, na medida em que o furto gera posse clandestina (a qual, como visto, convalesce). A despeito do quanto dito acima, existe um caso em que a posse precária convalesce: quando houver mutação da natureza da posse. No comodato, há posse precária. Se, na data da restituição, o comodatário não devolver o bem, a partir de então ele passa a ter posse violenta, e não precária. Claro que isso é uma excepcionalidade. Ademais, é de se notar que segundo a corrente majoritária (Maria Helena Diniz, Carlos R. Gonçalves, casal Nery), o critério para a convalidação da posse é temporal, ou sejam passados 1 ano e 1 dia, a posse passa a ser justa (art. 558, CPC9). Em sentido contrário, Marco Aurélio Bezerra de Meloe Flávio Tartuce defendem que o critério deveria ser a função social da posse. Finalmente, Flávio Tartuce assevera que em relação aos seus efeitos, os vícios da violência, da clandestinidade ou da precariedade não influenciam na questão dos frutos, das benfeitorias e das responsabilidades. Para tais questões, leva-se em conta se a posse é de boa-fé ou má-fé, ou seja, critérios subjetivos, analisados acima. Ainda, aquele que tem posse injusta não tem a posse usucapível (ad usucapionem), ou seja, não pode adquirir a coisa por usucapião. O possuidor justo 9 CPC, art. 558, caput: “Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas da Seção II deste Capítulo quando a ação for proposta dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho afirmado na petição inicial.” Cadernos MAGIS - Civil 27 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS tem ainda ação possessória contra o injusto; mas este não tem contra aquele, entretanto o possuidor injusto tem ação possessória contra terceiro. 2.5.6. Quanto aos efeitos (Posse ad interdicta e ad usucapionem – Art. 1.210, CC): a) Posse ad usucapionem – exceção à regra, é a que se prolonga por determinado lapso de tempo previsto na lei, admitindo-se a aquisição da propriedade pela usucapião, desde que obedecidos os parâmetros legais. ] Em outras palavras, é aquela posse com olhos à usucapião (posse usucapível), pela presença dos seus elementos. A posse ad usucapionem deve ser mansa, pacífica, duradoura por lapso temporal previsto em lei, ininterrupta e com intenção de dono (animus domini – conceito de Savigny). Além disso, em regra, deve ter os requisitos do justo título e da boa-fé. b) Posse ad interdicta – constituindo regra geral, é a posse que pode ser defendida pelas ações possessórias diretas ou interditos possessórios. Exemplificando, tanto o locador quanto o locatário podem defender a posse de uma turbação ou esbulho praticado por um terceiro. Essa posse não conduz à usucapião. Existem três situações determinadas, que geram três ações, havendo fungibilidade total entre elas: i. Na ameaça, a ação cabível é o interdito proibitório. ii. Na turbação (atentado momentâneo), a ação cabível é a manutenção da posse. iii. No esbulho (atentado definitivo, que pode contempla total ou parcialmente o imóvel), a ação cabível é a reintegração da posse. O esbulho pode ser invasão total ou parcial. Flávio Tartuce assevera que além dessas ações judiciais, existem mecanismos de autotutela civil como a legítima defesa da posse, cabível em casos de ameaça ou turbação bem como o desforço imediato cabível nos casos de esbulho10. Nos casos de legítima defesa, esta deve ser proporcional, razoável e imediata (incontinenti). É possível o uso de prepostos pelo possuidor. Além disso, o detentor pode, no interesse do possuidor, fazer uso dos mecanismos de autotutela ou autodefesa da posse. Ou seja, aquele que exerce detenção também pode usar esses 10 Enunciado n. 495 do CJF/STJ - “no desforço possessório, a expressão ‘contanto que o faça logo’ deve ser entendida restritivamente, apenas como a reação imediata ao fato do esbulho ou da turbação, cabendo ao possuidor recorrer à via jurisdicional nas demais hipóteses” Cadernos MAGIS - Civil 28 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS mecanismos de autotutela (Enunciado 493, V Jornada de Direito Civil11). Exemplo: o caseiro de uma fazenda pode fazer uso desses mecanismos. 2.5.6.1. Espécies de ações possessórias Como visto, a proteção civil da posse é também chamada “tutela jurisdicional da posse”. São as ações possessórias (ou interditos possessórios). São três as ações possessórias, cada uma com uma finalidade específica: i) reintegração de posse: A ação de reintegração de posse serve para a hipótese de esbulho. Esbulho é a perda, a privação da coisa. Como visto, embora a maioria dos casos de esbulho esteja ligada à violência, ele não se prende necessariamente à ideia de violência (mas de privação da coisa). O esbulho pode decorrer, por exemplo, do inadimplemento contratual. ii) manutenção de posse: A ação de manutenção de posse serve para a hipótese de turbação. Turbação é o embaraço, a perturbação da posse. iii) interdito proibitório: O interdito proibitório serve para a hipótese de mera ameaça. Ameaça é temor, receio. Vale aqui destacar um problema de ordem processual. Autores como Maria Helena Diniz e Washington de Barros Monteiro afirmam que essas três não seriam as únicas ações possessórias do direito brasileiro. Dizem eles que existiriam outras, a exemplo de: i) imissão na posse; ii) dano infecto; iii) nunciação de obra nova; e iv) embargos de terceiro. Para os autores, todas essas seriam também ações para a proteção da posse. O equívoco, todavia, salta aos olhos. No direito brasileiro somente são encontradas três ações possessórias (reintegração, manutenção e interdito proibitório). Nenhuma outra. Essas outras não são possessórias. Ação possessória é a proteção civil da posse (serve apenas para proteger a posse). As quatro ações acima, malgrado possam até estar baseadas na posse, não são possessórias, pois a finalidade delas não é proteger a posse. A imissão na posse não pode ser ação possessória porque nela falta justamente o pressuposto básico de uma ação possessória, que é a posse. A ação de imissão na posse tem procedimento 11 Enunciado 493, V JDC: “O detentor (art. 1.198 do Código Civil) pode, no interesse do possuidor, exercer a autodefesa /do bem sob seu poder.” Cadernos MAGIS - Civil 29 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS comum ordinário e serve para que aquele que não tem a posse busque obtê-la. Todavia, se o contrato, por meio de cláusula constituti, transfere a posse, a questão muda, pois aí poderá haver a possessória. A ação de dano infecto não é possessória, mas cominatória. Através dela, o autor pretende a fixação de uma multa para que o réu tome cuidado com obra ou construção que está realizando, evitando a ocorrência de um dano no vizinho. Trata-se de um ótimo exemplo de tutela inibitória. Se o dano precavido se concretizar, o autor da ação terá direito à multa, sem prejuízo da indenização por perdas e danos. A ação de dano infecto pode ser ajuizada tanto pelo possuidor quanto pelo proprietário. Se é assim, ela não é possessória, ainda que possa estar baseada na posse. A nunciação de obra nova é o procedimento especial de jurisdiçãocontenciosa que tem como finalidade proteger direitos de vizinhança, de condôminos ou os regulamentos administrativos sobre construção do Poder Público. Assim, a legitimidade para promover essa ação será do proprietário, do possuidor, do condomínio e do Poder Público. Exemplos: i) alguém começa a construir uma casa sem autorização e a Prefeitura embarga a obra. O proprietário continua, sem alvará a construir a casa. A ação cabível é a nunciação de obra nova; ii) o vizinho está abrindo uma janela ou construindo uma varanda ou terraço a menos de um metro na zona urbana, ou três metros, em zona rural. Caberá igualmente a nunciação. Veja que a nunciação até pode ser ajuizada pelo possuidor, mas não é ação possessória, pois defende direitos de vizinhança, do condômino ou do Poder Público. Segundo a jurisprudência, a nunciação de obra nova somente cabe se a obra não estiver acabada. O critério é a fase de decoração. Se a obra estiver acabada, a ação cabível é a demolitória. A jurisprudência, todavia, tem admitido a fungibilidade entre essas ações. A nunciação de obra nova pode ocorrer de mãos próprias. É o segundo exemplo de autotutela. A doutrina apelidou essa hipótese de jato de pedra (o direito romano admitia que fossem jogadas pedras). O interessado realiza notificação pessoal do construtor para a cessação, com AR ou duas testemunhas, e posteriormente requer a homologação judicial. Por fim, a ação de embargos de terceiro, igualmente, não é ação possessória. É um procedimento de jurisdição contenciosa tendente a atacar uma indevida constrição judicial (penhora) sobre bem de pessoa que não é legitimada para figurar no processo de execução. Ex.: caso um dos cônjuges responda a uma ação indenizatória e o juiz determine a penhora do bem do casal, o outro cônjuge prejudicado ajuizará embargos de terceiro, para a defesa de sua quota- parte. Cadernos MAGIS - Civil 30 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS O próprio CPC diz que os embargos de terceiro podem ser manejados tanto pelo proprietário quanto pelo possuidor. Portanto, não há dúvidas de que eles até podem estar baseados na posse, mas jamais se confundem com as ações possessórias. 2.5.6.2. Princípio da fungibilidade É conveniente lembrar que a sistemática processual determina a aplicação do princípio da fungibilidade entre as ações possessórias, do qual decorrem dois efeitos: i) a possibilidade de propositura errônea da ação: Ajuizada a ação errada, o juiz pode aproveitar a propositura para conceder a proteção possessória apropriada. ii) a fungibilidade aproveitará a mutação da causa de pedir durante o procedimento: Ex.: na propositura, estava havendo turbação. Durante a ação, ocorre o esbulho. Aproveita- se o procedimento. Evidentemente, não se aplica a fungibilidade se, no lugar de uma possessória, for ajuizada outra ação não possessória (ex.: imissão na posse, dano infecto etc.) 2.5.7. Posse natural e posse civil A posse civil é também chamada de “contratual”, “constituto possessório” ou “cláusula constituti” (art. 1.205 do CC): Art. 1.205. A posse pode ser adquirida: I - pela própria pessoa que a pretende ou por seu representante; II - por terceiro sem mandato, dependendo de ratificação. A regra geral é de que toda posse é obtida naturalmente, pelo contato físico (posse é contato físico). Todavia, a legislação permite a aquisição de posse por força de uma relação contratual. Ou seja, a posse pode ser adquirida independentemente de contato físico, através de um contrato, um negócio jurídico. A isso se dá o nome de constituto possessório. A cláusula constituti, portanto, é a aquisição da posse por força de um negócio jurídico. Existe porque alguém que nunca teve o contato quer ser tratado como possuidor para ter direito aos efeitos protetivos da posse. Isso porque, dentre ações reivindicatória, publiciana e possessória, a que mais tem imediatidade é a possessória. Um ótimo exemplo é o contrato de leasing. O banco compra um automóvel para ele, mas quem tem a posse do bem é o contratante. Se o contratante para de pagar as rendas mensais, o Cadernos MAGIS - Civil 31 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS banco ajuizará reintegração de posse. No contrato de leasing, o contratante transfere ao banco a posse indireta e fica com a direta. Parando de pagar, o banco ajuíza a reintegração de posse. 2.6. Efeitos jurídicos da posse 2.6.1. Possibilidade de aquisição de propriedade por usucapião A possibilidade de aquisição de propriedade por usucapião é o primeiro efeito jurídico da posse. Veja que nem toda posse poderá gerar usucapião. Ou seja, nem toda posse será ad usucapionem. Posse direta e indireta, como visto, não dão ensejo à usucapião. Já a posse de má-fé e a posse injusta poderão gerar usucapião. Importante observar que o usucapiente tem mais do que posse. Ele tem domínio. Por isso, a doutrina brasileira como um todo tem cometido uma injustiça com a natureza da usucapião. Ela não é apenas declaratória de domínio, mas constitutiva da propriedade. Pontes de Miranda, no Tratado das Ações, sustenta que não existem sentença puras. Toda sentença traz consigo mais de uma carga eficacial. Assim, nada impede que essa sentença da usucapião seja, ao mesmo tempo, declaratória de domínio e constitutiva da propriedade. E mais: se não fosse constitutiva da propriedade, não geraria o efeito esperado, que é a oponibilidade erga omnes. 2.6.2. Responsabilidade civil do possuidor pela perda ou deterioração da coisa A segunda consequência da posse é a responsabilização do possuidor pela perda ou deterioração da coisa. Neste ponto, o Código Civil realizou distinção entre a posse de boa e a de má-fé. Não há dúvidas de que o possuidor, no exercício da posse, poderá presenciar o perecimento ou a deterioração da coisa. Se o possuidor é de boa-fé, a responsabilidade civil dele pela deterioração da coisa será subjetiva, dependendo da prova de sua culpa, com ônus de prova pela vítima (ela é que tem de provar que o possuidor atuou culposamente). Se o possuidor é de má-fé, diferentemente, a sua responsabilidade será objetiva, com risco integral (portanto, ele responde mesmo que o dano seja proveniente de caso fortuito ou de força maior). Vale observar que, a rigor, o direito brasileiro não traz nenhuma hipótese de responsabilidade objetiva com risco integral. Sempre haverá uma excludente. Mesmo no caso dano nuclear. Ex.: a família do terrorista que explode uma usina nuclear (hipótese mais Cadernos MAGIS - Civil 32 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS contundente de risco integral) não poderá demandar a União pela morte dele na explosão. Nesse caso, haverá culpa exclusiva da vítima. Assim, o possuidor de má-fé responderá mesmo nos casos de caso fortuito ou força maior, salvo se provar que a coisa teria se perdido ou deteriorado mesmo sem a sua posse. 2.6.3. Direito à percepção de frutos Se o possuidor é de boa-fé, ele tem o direito à percepção de todos os frutos produzidos pela coisa, exceto os que estiverem pendentes na data de restituição da coisa. Estando pendentes, eles não podem ser retirados, pois não estão ainda no tempo de serem colhidos. Retirados antecipadamente os frutos pendentes, haverá responsabilidade civil. Para evitar enriquecimento sem causa, apesar de não poder colher os frutos pendentes, o possuidor de boa-fé será ressarcido das despesas. Se o possuidor é de má-fé, ele não faz jus a nenhum fruto. E, se colher qualquer um deles, terá de indenizar. Evidentemente, se o possuidor de má-fé teve despesas com a conservação dos frutos, será indenizado, para evitar enriquecimento sem causa. Neste caso, muito provavelmente haverá uma compensação, pois naturalmente ele também terá de indenizar. 2.6.4. Direito à indenização por benfeitorias O direito à indenização por benfeitorias é o quarto e último efeito da posse de direito material. A regra geralé de que o possuidor de boa-fé tem direito de indenização pelas benfeitorias úteis e necessárias e de retenção (direito de se manter com a coisa até que o valor seja pago). Quanto às voluptuárias, ele tem direito de levantá-las, se for possível retirá-las. Não sendo possível, ele simplesmente as perde. O conceito de benfeitorias é finalístico. Isso significa que não há uma classificação antecipada das benfeitorias (não há uma classificação apriorística). Elas são classificadas levando em conta a finalidade, e não a natureza delas. Portanto, uma mesma coisa pode se enquadrar em diferentes tipos de benfeitorias, a partir do critério finalístico. Exemplo da piscina: uma piscina na academia de natação é benfeitoria necessária. Numa academia de ginástica, útil. Numa casa em Campos de Jordão, Petrópolis ou Gramado, do lado de fora, sem aquecimento e em pleno inverno, ela será desnecessária, inútil e voluptuária. Cadernos MAGIS - Civil 33 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS Segundo o que determina o CPC, o direito de retenção deve ser exercido no processo de execução, por meio de embargos de retenção. Com a nova sistemática do cumprimento de sentença, Chaves vem entendendo que o direito de retenção deve ser alegado pelo autor na petição inicial e pelo réu na contestação. Isso porque, em ambos os casos, o juiz, ao proferir a sentença, já determinará efetivamente o cumprimento da retenção, ao estabelecer as regras do cumprimento da sentença. Se a parte interessada, autor ou réu, não alegar a retenção no processo de conhecimento, terá de alegá-la no processo de execução. Segundo esse entendimento, os embargos de retenção assumiriam um caráter residual. Há três exceções à regra geral de indenização por benfeitorias. Ou seja, existem três possuidores de boa-fé que se afastam da regra da indenização das benfeitorias úteis e necessárias e da possibilidade de retirada das voluptuárias: i) locação de imóveis urbanos (art. 35 da Lei 8.245/1991): O art. 35 da Lei 8.345/1991 (Lei de Locações) estabelece que o locatário (possuidor de boa- fé) só terá direito de indenização e retenção pelas benfeitorias úteis se houver prévia autorização do locador: Art. 35. Salvo expressa disposição contratual em contrário, as benfeitorias necessárias introduzidas pelo locatário, ainda que não autorizadas pelo locador, bem como as úteis, desde que autorizadas, serão indenizáveis e permitem o exercício do direito de retenção. Chaves entende que essa regra não pode ser aplicada às benfeitorias necessárias, sob pena de enriquecimento sem causa. Caso fosse, era melhor que o locatário deixasse a casa cair. Começou-se a discutir se a cláusula prevendo renúncia antecipada ao direito de indenização e retenção nos contratos de locação seria válida (ex.: “o locatário renuncia antecipadamente a todo e qualquer direito de indenização e de retenção”). Veja que a maioria (99,99%) dos contratos de locação é de adesão. À luz da boa-fé objetiva, a cláusula é nula (essa é a lógica). O problema é o disposto na Súmula 335 do STJ, que a entende válida: Súmula 335 - Nos contratos de locação, é válida a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção. A Chaves, parece que essa súmula está em rota de colisão com a boa-fé objetiva. Mas, para fins de concurso, ela deve ser sustentada. Cadernos MAGIS - Civil 34 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS ii) contrato de comodato (art. 584 do CC): Art. 584. O comodatário não poderá jamais recobrar do comodante as despesas feitas com o uso e gozo da coisa emprestada. Comodato é empréstimo gratuito de coisa infungível. Veja, o sujeito empresta gratuitamente uma coisa infungível e o comodatário realiza benfeitorias úteis (aquelas que melhoram a utilidade, e não as que garantem a integridade física da coisa, como as necessárias). A benfeitoria útil gera vantagem ao comodatário, especificamente no uso da coisa. Seria um absurdo que o comodante ainda tivesse de pagar por elas. Por isso, no contrato de comodato, somente serão indenizáveis as benfeitorias necessárias. Evidentemente, com direito de retenção. As benfeitorias úteis não geram indenização nem retenção. As voluptuárias nunca gerarão retenção e indenização. iii) art. 26 do DL 3.365/1941 (Lei de Desapropriações): Art. 26. No valor da indenização, que será contemporâneo da avaliação, não se incluirão os direitos de terceiros contra o expropriado. (Redação dada pela Lei nº 2.786, de 1956) § 1º Serão atendidas as benfeitorias necessárias feitas após a desapropriação; as úteis, quando feitas com autorização do expropriante. (Renumerado do Parágrafo Único pela Lei nº 4.686, de 1965) (...) O art. 26 da Lei de Desapropriações estabelece que as benfeitorias realizadas nos imóveis desapropriados devem ser computadas no preço (todas elas, até a publicação do decreto expropriatório). Contudo, a indenização das benfeitorias realizadas no lapso temporal compreendido entre a publicação do decreto expropriatório e a imissão na posse do Poder Público expropriante tem regra própria: as voluptuárias não serão indenizáveis; as necessárias serão sempre indenizáveis (impede enriquecimento sem causa); e as benfeitorias úteis somente serão indenizáveis com prévia autorização do Poder Público expropriante. Vale aqui realizar uma observação, que não tem fundamento legal. A doutrina e a jurisprudência começaram a atentar para a seguinte situação hipotética: o possuidor de boa-fé é notificado para restituir a coisa, dentro de determinado prazo (ex.: num comodato sem prazo, o comodatário é notificado para devolver a coisa). Durante esse prazo, ele é evidentemente um possuidor de boa-fé (será de má-fé somente se não restituir a coisa depois do prazo). Pois bem. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L2786.htm#art3 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L2786.htm#art3 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L4686.htm#art1 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L4686.htm#art1 Cadernos MAGIS - Civil 35 Espalhe a palavra, siga CadernosMAGIS Caso realize inúmeras benfeitorias úteis no prazo, ele terá de ser indenizado, sob pena de direito de retenção. Com base nesse direito, ele poderia, hipoteticamente, ficar muito mais tempo no bem. E, como ele estaria de boa-fé, poderia continuar realizando benfeitorias úteis, para prorrogar a posse indefinidamente. Por conta dessa situação, a doutrina e a jurisprudência passaram a entender que as benfeitorias úteis realizadas após a notificação do possuidor de boa-fé para a restituição da coisa continuam gerando direito de indenização, mas não geram direito de retenção. Evidentemente, essa regra não se aplica às benfeitorias necessárias. Também é bom lembrar que ela não se aplica às benfeitorias úteis realizadas antes da notificação. O possuidor de má-fé, ordinariamente, não tem direito à indenização por benfeitorias. Isso tem lógica, pois, afinal de contas, ele está de má-fé. Ao contrário, será obrigado a indenizar o prejuízo que eventualmente causar. Todavia, com base na proibição de enriquecimento sem causa (arts. 884 e 885), é reconhecido ao possuidor de má-fé o direito de indenização pelas benfeitorias necessárias: Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido. Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir. Isso também tem sentido, pois ao realizar as benfeitorias, o possuidor de má-fé garantiu a idoneidade da coisa. Do ponto de vista prático, provavelmente será caso de compensação,
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