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ConheCimento da natureza, do homem e da SoCiedade ConheCimento da natureza, do homem e da SoCiedade Co n h eC im en to d a n at u re za , d o h o m em e d a So Ci ed ad e odilon roble Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-3057-6 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Conhecimento da Natureza, do Homem e da Sociedade Odilon Roble IESDE Brasil S.A. Curitiba 2012 Edição revisada Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br © 2009 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais. CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ __________________________________________________________________________________ R557c Roble, Odilon Conhecimento da natureza, do homem e da sociedade / Odilon Roble. - 1.ed., rev. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2012. 66p. : 28 cm Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-3057-6 1. Relações humanas e cultura. 2. Interação social. 3. Cultura. I. Título. 12-6246. CDD: 306 CDU: 316.7 30.08.12 10.09.12 038623 __________________________________________________________________________________ Capa: IESDE Brasil S.A. Imagem da capa: Shutterstock IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Todos os direitos reservados. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Sumário A natureza e o fenômeno humano ........................................................................................7 O significado ontológico da natureza ......................................................................................................7 A natureza como ordem reguladora .........................................................................................................8 O homem como elemento do todo natural ...............................................................................................9 Ecologia e vida no panorama da existência humana ...............................................................................11 Natureza X Cultura ..............................................................................................................17 A cultura como fenômeno humano ..........................................................................................................17 A noção de significado cultural ................................................................................................................18 A natureza em relação à cultura ...............................................................................................................19 Os reducionismos naturalistas e culturalistas ..........................................................................................20 Bases para um entendimento pluralizado ................................................................................................21 O homem e suas bases existenciais ......................................................................................27 O homem na natureza ..............................................................................................................................27 A existência biológica do ser humano .....................................................................................................28 A vida em conjunto e a formação comunitária ........................................................................................29 Elementos de uma antropologia ...............................................................................................................31 O homem como centro da questão para o próprio homem ......................................................................32 O homem e seu desenvolvimento ........................................................................................37 O homem como um animal racional ........................................................................................................37 A razão como atitude orientadora da existência ......................................................................................38 O desenvolvimento ético do homem em sociedade .................................................................................39 A estética como forma do sentir humano ................................................................................................41 A sociedade humana ............................................................................................................47 O meio social ...........................................................................................................................................47 A vida coletiva .........................................................................................................................................47 A comunidade e as tribos .......................................................................................................................49 O poder do estar-junto .............................................................................................................................50 O homem contemporâneo ....................................................................................................55 Modernidade e Pós-Modernidade ............................................................................................................55 A liquidez dos tempos atuais ...................................................................................................................58 O papel do homem na sociedade da informação .....................................................................................59 Razão e sensibilidade nos tempos atuais .................................................................................................60 Referências ...........................................................................................................................65 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Apresentação Q uando olhamos ao nosso redor, percebemos que existe algo imenso e que abriga todas as formas de vida que conhecemos. Sabemos que, de algum modo, somos participantes dessa realidade e que, talvez, tenhamos até um papel fundamental nesse contexto. Não há nada mais abrangente do que o conceito de natureza. Ao mesmo tempo que nos impres- sionamos com a enorme quantidade de fenômenos que fazem parte desse conceito, notamos que sua ação é independente e até mesmo simples. Simples no sentido de que, na natureza, tudo parece seguir de acordo com uma ordem reguladora, com uma certa organização eficaz, que acaba por propiciar, sempre mais e mais, a criação e a perpetuação da vida. No entanto, a vida é complexa e existe nessa natureza um ser que é o mais complexo de todos: o homem. Esse ser com seu desenvolvimento trouxe, para o panorama natural, novos contornos e novas necessidades. Nós, os seres humanos, proliferamos-nos e nos espalhamos por quase todos os espaços da natureza. Mas como é que devemos nos relacionar com ela a partir das novas necessidades de vida que temos? Como é possível aliar progresso aformas de desenvolvimento que preservem a natureza? Como seres racionais, criamos uma espécie de segunda natureza, uma ordem reguladora pró- pria que, para os seres humanos, orienta todos os aspectos mais importantes de sua vida. Essa segun- da natureza recebe o nome de “cultura”. A cultura oferece aos homens o conjunto de significados, de hábitos, condutas e valores dos quais nos valemos para uma vida em comum. Por um lado, somos influenciados pelos valores da cultura, por outro, somos nós mesmos que criamos tais valores. Viver em conjunto, partilhando de tais valores, sob a mesma influência cultural, implica dividir tarefas, criar expectativas comuns, dividir sonhos e desejos. É exatamente isso que caracteriza uma sociedade humana. A vida coletiva é também uma forma de natureza para nós. Somos seres naturais e culturais, somos racionais e emocionais. Por isso o homem é tão complexo, por isso a natureza hu- mana é a mais difícil de se compreender. No entanto, reside nessa complexidade toda a beleza do ser humano. Essa complexidade nos revela as marcas de nossa tarefa fundamental na natureza, que é a de assumirmos nossa posição racional como um elemento diferenciador e protagonista da realidade em que vivemos. Conhecer a natureza, o homem e a sociedade é, portanto, nossa tarefa neste estudo. Tarefa que se baseia nos conhecimentos da Ecologia, da Sociologia e, especialmente, da Filosofia. Esforços que são insuficientes para nos dar uma dimensão completa do que são esses fenômenos tão amplos, tais como a natureza, o homem e a sociedade, mas que, certamente, podem lançar luz sobre esses saberes que, em última análise, nada mais são do que a própria realidade em que vivemos. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A natureza e o fenômeno humano Odilon Roble* O significado ontológico da natureza Quando algo nos parece bastante óbvio costumamos dizer: “isso é natural”, ou, ainda, isso é “naturalmente” tal coisa, e assim por diante. O que queremos dizer com a palavra “natural”, nesses casos, é a representação de algo espontâ- neo, certo, evidente. Dessa forma, podemos concluir que a natureza é um dado evidente? De certa forma sim, ou seja, podemos construir um pensamento sobre a natureza. Portanto, existem ciências que se dedicam a estudá-la, mas é fato que ela faz parte de nossa vida desde que nascemos e que, mesmo que não saibamos minúcias sobre ela, somos parte integrante desse todo chamado natureza. A vida é uma expressão da natureza; não só a nossa vida, mas todo o conjunto de seres e de fenômenos que dividem conosco o espaço. A natureza é, portanto, um aglo- merado de vidas, um sistema que, ao mesmo tempo que gera, mantém e recicla as formas de vida existentes. Na Grécia Antiga, os primeiros filósofos, chamados de pré-socráticos, ou seja, aqueles que produziram filosofia antes das ideias de Sócrates, criaram uma forma de pensamento que conferia especial atenção à natureza, ou à physis, como se denominava. Por physis, o grego compreendia não apenas a natureza visível, mas também os princípios explicativos que de algum modo movimentavam e da- vam razão a toda a vida. É assim que o fogo, a água ou mesmo o infinito foram considerados como o princípio explicativo de tudo para alguns desses filósofos. Isso significava considerar que há uma razão ordenadora na natureza, uma base criadora que dá sentido a tudo. A natureza, nesse sentido, é ela própria dotada de razão e a forma mais clara de inteligência para o homem seria entender essa razão natural e tentar adaptar-se a ela. A partir de Sócrates, o pensamento huma- no alçou voos mais altos, pois, com a ampliação do poder da razão preconizado por Sócrates, nossa inteligência livrou-se da ideia de um princípio ordenador de tudo e, por extensão, de nossa dependência da natureza. A razão humana, com sua capacidade de imaginação e de pensamento abstrato, pode ir além do que é materialmente determinado, ou seja, não somos dependentes da natureza, mas, ao contrário, podemos mesmo transformá-la a nosso favor, podemos fazer uso dela e traçar objetivos fundados na nossa razão e não apenas na nossa condição natural. No entanto, os pré-socráticos nos ensinaram algo de muito valor: a natureza é uma forma de princípio, uma ordem que projeta sobre nós uma certa razão, uma orientação para a vida. Mesmo que acreditemos no poder criador e transformador de nossa razão, não devemos nos esquecer das forças da natureza, de seu sentido importante e indispensável para a existência da realidade na qual vivemos. * Doutor e Mestre em Educa- ção pela Faculdade de Educa- ção da Unicamp. Bacharel em Filosofia pela Pontifícia Uni- versidade Católica. É membro pesquisador do Violar – grupo de estudos sobre o imaginário, práticas culturais, violência e educação da Unicamp. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A natureza e o fenômeno humano 8 A ontologia, que é o estudo do ser, quando aplicada à natureza, encontra uma forma de força primordial, ou seja, o ser da natureza, com sua razão e sentido, caracteriza-se pela produção e manutenção da vida. Como uma espécie de sistema dotado de uma orientação, a natureza parece agir para que a vida prolifere. E assim notamos que onde há nutrientes e água suficientes sempre alguma forma de vida se desenvolve. Mesmo quando uma ação natural nos incomoda, como a chuva ou o calor, podemos notar que alguma forma de vida beneficiou-se com tais fatores, tal como se cada ato natural fizesse parte de uma lógica ampla da existência. Partamos de uma noção de natureza que respeite esse sentido e essa lógica. Por tal noção, teremos condições para entender o homem e sua sociedade, sem desprezarmos as razões profundas1 que fazem parte do conhecimento da natureza. A natureza como ordem reguladora De acordo com Aristóteles, em uma famosa passagem de sua filosofia, o que caracteriza o homem é que ele é um “animal racional”. O termo “animal”, nesse caso, refere-se ao que ele chamou de “gênero comum” e “racional”, diz respeito à “diferença específica”. Gênero comum significa aquilo que nos assemelha aos demais seres vivos, ou seja, no universo dos seres vivos, certamente somos classi- ficados como animais. Temos muitas características comuns com os demais ani- mais, tal como aspectos de nossa fisiologia e das necessidades dela decorrentes, como o alimento, a água, a necessidade de calor, e assim por diante. No entanto, nesse amplo grupo de animais no qual estamos alocados, certamente há uma dife- rença do homem em relação aos demais. Essa diferença, por ser especificamente encontrada nos seres humanos, chama-se diferença específica. Trata-se da racio- nalidade. Notemos, então, que essa caracterização aristotélica nos é bastante útil para percebermos o papel do homem frente à natureza. Por um lado, somos seme- lhantes a muitas espécies, por outro, temos uma singularidade que nos oferece um papel único entre os seres vivos. A racionalidade nos permitiu dominar a terra e fazer da maior parte do território nosso habitat. Se tivermos inúmeras desvantagens físicas em relação a outros animais, tais como nossa pequena tolerância ao frio ou a necessidade constante de alimento e água, por outro lado somos capazes, por meio de nossa racionalidade, de construir abrigos e vestimentas, de produzir e estocar alimentos e líquidos. De certo modo, a racionalidade é uma arma para dominarmos todos os espaços com que temos contato e para elevar ao máximo nossa capacidade de adaptação e sobrevivência. No entanto, é claro que, se a racionalidade fosse tomada como uma forma de força ilimitada, sem nenhum tipo de barreira ou orientação,o que veríamos não seria uma harmonia com o meio em que vivemos, mas, ao contrário, uma espécie de atividade predadora. O predador é, justamente, aquele que se alimenta ou se sustenta da energia vital do outro e, para isso, precisa matá-lo. Só que, em tal atividade, não há um equilíbrio entre a reprodução e a atividade predadora, de tal modo que, na maior parte das vezes, o predador consome a presa até que ela se esgote e, assim, possa até mesmo causar a morte também do predador. Quando 1 Fenômenos naturais que ocorrem em nossa reali- dade. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A natureza e o fenômeno humano 9 o homem exacerba sua atividade racional, levando em conta apenas aspectos li- gados ao progresso, aos interesses financeiros ou a qualquer outro fator de ordem unicamente racionalizada, pode agir tal qual um predador, exterminando a na- tureza que o cerca. Por essa razão é que a natureza pode e deve agir como uma forma reguladora de nossas ações racionais. Um dos limites de nossa racionalidade deve ser, justamente, o respeito às leis naturais. Muitas vezes, a natureza impõe essa ordem reguladora sem a inter- ferência da racionalidade. Trata-se de certos limites que ainda não fomos capazes de romper; por exemplo, podemos monitorar, estudar e até mesmo antever ter- remotos, mas, quando eles ocorrem, nada podemos fazer para evitá-los. Dessa forma, nossa racionalidade está direcionada para como devemos agir na ocorrên- cia desse fenômeno. A natureza estabeleceu, nesse caso, algumas regras que não temos como evitar, mesmo com toda a tecnologia da qual dispomos. A medicina, embora tenha evoluído muito nas últimas décadas, também encontra limites fren- te a certas doenças que não possuem curas conhecidas ou que, em determinado estágio, não mais retrocedem. A atitude inteligente humana, frente a essas cons- tatações, deve ocupar-se, essencialmente, de saber entender a ordem reguladora da natureza, mais do que supor que somos nós que determinamos tal ordem, pois nosso desenvolvimento não culminou nisso e, provavelmente, tampouco seria in- teressante um mundo absolutamente construído pela atividade racional. O acaso, a incerteza e as muitas variáveis que a ordem natural pode apresentar, por mais que nos sejam desfavoráveis em muitos momentos da vida, são parte constituinte e fundamental da nossa existência e, assim, a racionalidade continua sendo nosso maior atributo, não apenas para controlar e determinar, mas também para com- preender e aceitar. O homem como elemento do todo natural Em uma relação de conhecimento, convencionou-se chamar aquele que bus- ca o conhecimento de sujeito cognoscente e aquilo que se quer conhecer de objeto cognoscível. Quando se trata do homem em relação à natureza, por exemplo, esta- mos diante de um sujeito que é o próprio ser humano e um objeto que corresponde à toda natureza. No entanto, nesse caso, o objeto a ser conhecido não é, como em muitos outros casos, exterior ao homem, ou seja, a natureza, como objeto cognos- cível, é também a geradora do próprio sujeito cognoscente. Essa especificidade, como veremos mais adiante, não é apenas um detalhe epistemológico. Isso por- que, quando buscamos compreender algo que é exterior a nós, podemos agir com maior distanciamento, mas, como no caso da natureza, é preciso que percebamos nossa inevitável ligação com ela. Vejamos essa característica a partir das diferentes visões entre céticos e dogmáticos e como elas se comportam quando o objeto do conhecimento é a própria natureza. Chamamos de céticos aqueles que não acreditam em qualquer verdade a priori, sendo que sua razão lhe diz para aceitar apenas o que estiver absolutamente evidente para si mesmo. Ora, nesse caso, as duas coisas mais evi- Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A natureza e o fenômeno humano 10 dentes que lhe podem ser pensadas são, justamente, a existência de si mesmo e da natureza que o cerca. O ar, a água e todos os fenômenos naturais são dados concretos e imediatos para todos nós e, assim, correspondem exatamente àquilo que o cético precisa para se convencer de algo. Por outro lado, encontramos o dogmático, que é o oposto do cético, uma vez que acredita em verdades universais a priori, tal com as religiosas, e não precisa de comprovações para que continue exercendo sua crença. Entretanto, embora ambos sejam opostos em suas visões de mundo, também encontraremos no dogmático a certeza da necessária rela- ção entre homem e natureza, pois os modelos dogmáticos, por serem verdades, como dissemos, “universais”, são modelos totalizantes, e não separadores. Dessa forma, notamos que, nas mais diversas visões de mundo, uma forma básica de compreensão do homem em relação à natureza é constituída a partir da necessária união entre esses dois elementos, ainda que, no desenrolar das teorias diversas, serão estabelecidos papéis diferentes para um e para outro. Pensar o homem isolado da natureza, ou vice-versa é, então, contrariar o caminho mais evidente do conhecimento, deixando de lado a totalidade mais evi- dente que nossa razão pode constituir a princípio. De fato, por mais que elevemos nosso pensamento às mais abstratas atividades da consciência, estamos necessa- riamente atados a uma existência material. Isso significa, de modo simples, mas fundamental, que temos que nos lembrar que somos seres biológicos. Atendemos a leis físicas e químicas impostas pela natureza e, por mais que nosso pensamento abstrato possa nos conduzir a terrenos imateriais, somos dependentes de nossa materialidade corpórea, em suma, de nossa natureza. Um modo talvez mais inteligente para conduzirmos a nossa razão, que de fato tem o potencial abstrato e não se trata de evitar essa capacidade humana por excelência, é entendermos que o homem faz parte de um todo natural, de modo que sua ação tanto é fruto dessa natureza como também é agente transformador. Somos produtos da natureza que nos cerca ao mesmo tempo em que, pela nossa racionalidade e pelas nossas ações, transformamos esse todo natural. Assim, de todos os seres vivos, o homem é o que mais tem condições de interferir nessa to- talidade e interferir, inclusive, de modo consciente. No entanto, não devemos, com isso, supor que a razão humana esteja acima dessa totalidade ou que a natureza seja um subproduto da razão humana. Há de se perceber e mesmo se respeitar a possibilidade de um equilíbrio entre as forças racionais e naturais nessa totalida- de. Essa visão de mundo, que busca tal equilíbrio e harmonia entre homem e na- tureza, ficou conhecida por “holismo”. Tal palavra diz respeito, justamente, a uma totalidade harmônica. Nela, não há pontos de partida ou hierarquias nas ações. Uma visão holística é aquela, portanto, que vê o homem integrado ao todo natural e que evita separações tais como corpo X mente, razão X emoção. Notemos que, de fato, se somos parte integrante do todo natural, não faz sentido pensar que nosso corpo, que é naturalmente biológico, físico etc., seja algo separado de nossa mente pensante, ou que para usar o raciocínio eu tenha que deixar de lado minhas reações mais espontâneas, agindo de modo frio e artificial. Nesse momento podemos ver como a visão de homem integrado à nature- za como totalidade traz muitas consequências para nossa forma de pensar e de Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A natureza e o fenômeno humano 11 agir. Não se trata apenas de tecer elogios à natureza ou preservá-la, por meio de atitudes “civilizadas”. O homem, entendido como um elemento do todo natural, leva-nos a uma postura mais ampla de compreensões, nas quais temos que incor- porar em nossa razão as verdades que a naturezaexpressa, até mesmo aquelas que contrariam nossa vontade racional. Ecologia e vida no panorama da existência humana Ecologia é um conceito que possui aplicações diversas, dependendo do complemento que se agrega a ele ou mesmo ao contexto em que é empregado. De modo geral, compreendemos Ecologia como sendo a ciência que estuda a relação entre os seres vivos e seus ambientes. Eco é uma palavra derivada de oîkos, que, em grego, significa casa. Assim, Ecologia significa “o saber sobre a casa” uma vez que logia vem da palavra grega logos, que significa saber, conhecimento ou estudo. Isso indica que a Ecologia é uma forma de conhecer os seres vivos e o lugar em que eles vivem, ou, em termos específicos, conhecer os biótipos e a biosfera. Os biótipos são todos os seres vivos e, mesmo que encontremos enormes diferenças entre eles, sabemos que todos vivem juntos na mesma “casa”, ou seja, na mesma natureza. Assim, parece ser possível perceber, inclusive, que, para o funcionamento dessa casa, é necessário certo equilíbrio no qual cada um desses seres colabora, a seu modo, para a manutenção dessa totalidade. Um primeiro cuidado que precisamos ter, a partir dessa conceituação, é o de separar Ecologia de ecologismo. Este se refere ao uso dos princípios ecológi- cos como forma de ideologia, de bandeira para a tomada de posições e formas de pensar. A Ecologia não defende a natureza como o senso comum, e sim estuda a natureza e a relação entre os seres vivos. Esse estudo aponta, evidentemente, para a necessidade de respeito ao equilíbrio que se encontra na biosfera e, assim, desa- conselha práticas destrutivas e alerta para seus perigos. No entanto, o ecologismo vai além, assumindo uma visão de mundo que condena o progresso e almeja uma vida idealizada de homem. Sabemos, por exemplo, que a defesa da natureza, via ecologismo, já se tornou uma estratégia para interesses políticos ou mesmo para a comercialização de produtos. Hoje, tudo que se diz “protetor da natureza” ganha um rótulo de credibilidade e se autointitula ecológico, sendo que esse termo cor- responde a outras preocupações. Por fim, é necessário que notemos também a diferença de aplicação do conhecimento produzido pela Ecologia no panorama da existência humana. Hoje, é possível distinguir dois termos diferentes de acordo com a relação estabelecida rente à humanidade. Se a Ecologia está a serviço do homem, entendemo-na como “Ecologia humanista”, caso contrário, o homem é que deve estar à serviço da eco- logia, tratando-se da “Ecologia radical”. Na Ecologia humanista, ao se eleger o homem como razão fundamental, colocamos os saberes sobre os seres vivos e sobre o ambiente como colaboradores Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A natureza e o fenômeno humano 12 do projeto de desenvolvimento humano. Nessa via, por exemplo, não se trata de condenar uma forma de poluição caso seja ela a resultante de um processo de de- senvolvimento necessário ao homem. A Ecologia, nesse caso, trataria de estudar e propor as formas de diminuir ao máximo os impactos ambientais, mas sem, contudo, supor a não realização de tal processo. Hoje, a máxima expressa por essa forma de aplicação da Ecologia é conhecida por “desenvolvimento com sustenta- bilidade”, pela qual se entende que o objetivo é o desenvolvimento, porém deseja- se realizá-lo de modo a sustentar o quanto mais possível o equilíbrio natural. Sem dúvida vê-se que essa forma de Ecologia é humanista no sentido que, mes- mo considerando o homem como ser vivo participante da biosfera, elege-o como protagonista da natureza. Na Ecologia radical, a natureza é que é levada ao papel de protagonista. O homem continua sendo um ser vivo participante da biosfera, mas perde seu pos- to hierárquico no qual suas ações devem ser tomadas como fundamentais. Assim, o desenvolvimento humano está em um segundo plano. Embora aparentemente mais correta, tal atitude é um tanto ingênua quando levamos em consideração que o desenvolvimento humano, a partir até mesmo de seu aumento populacional, im- prime, necessariamente, certos impactos sobre a natureza. É evidente que temos que nos preocupar com o impacto de nossas ações sobre a natureza, mas também devemos reconhecer a necessidade do progresso humano, e para tal progresso ocorrer é preciso nos apropriarmos da natureza. Por tudo que vimos neste texto, desde a natureza como ordem reguladora até o papel do homem como participante do todo natural, podemos concluir que, de fato, temos que assumir nosso papel de espécie diferenciada entre os seres vivos. Mas isso, ao mesmo tempo em que aponta para a nossa necessidade de progresso e desenvolvimento, apresenta-nos também a carga de nossa responsa- bilidade frente ao planeta. Afinal, se o que nos diferencia é a nossa racionalidade, ela deve ser capaz não só de nos permitir conquistar novos terrenos, mas também de compreender e preservar tudo aquilo que, embora não seja obra humana, está indissociavelmente ligado ao que somos, ou seja, a natureza. Nave sem rumo: voamos às cegas em uma nave que a qualquer momento pode se chocar com outra (CONY, 2008) Como sabeis, discute-se em todo o mundo a salvação do planeta, onde reside, desde o Dia da Criação, o próprio mundo. O tema é pretexto para festas, eventos, seminários, simpósios, passea- tas e camisas estampadas lembrando que devemos salvar as baleias. Para falar com honestidade, Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A natureza e o fenômeno humano 13 não me emociono pela discussão ecológica em si. Meu furo está mais em cima. A demarcação das terras indígenas e a camada de ozônio não fazem o meu gênero. Simpatizo cordialmente com tudo o que pretende melhorar a nossa vida ou a vida dos outros. O que me preocupa é a certeza de que habitamos uma nave sobre a qual não temos qualquer do- mínio. Não chego a perder o sono quando penso nisso, mas sinto certo desconforto sabendo que nada posso fazer por mim e muito menos pelos outros. Vamos à comparação inevitável. Vivemos num imenso avião solto no espaço. Ao contrário dos aviões de carreira, nem sempre sólidos mas razoavelmente confiáveis, não temos pilotos nem tripulação, nem engenheiros de voo nem mecânicos de bordo, não somos rastreados em terra pelas torres de controle e pelos radares, nem dispomos de cartas de navegação. Nada, absolutamente. Nem sequer sabemos se temos combustível suficiente para mais um dia ou mais uma hora. Não temos campos de pouso alternativos, nem rádio para enviarmos nosso grito de socorro. Tampouco sabemos nossa exata posição no espaço. Voamos às cegas numa nave que, a qualquer momento, pode se chocar com outra, ou dar um tranco em sua rotação. Imaginemos esse tranco, essa freada de acomodação que os motoristas costumam dar para melhor arrumar os passageiros amontoados. Uma freada pequena, de um segundo, levantaria a água dos oceanos, despejaria no espaço os animais, os peixes, os homens, os carros, tudo o que não estivesse solidamente amarrado na terra. A nave não dispõe de cinto de segurança para os momentos de turbulência, nem máscaras de oxigênio para o caso de uma despressurização. Seria uma zorra federal esse tranco mínimo na velocidade de nosso planeta. Espero nunca ter de passar pela eventualidade. Bem, diante desta hipótese, tudo o mais me parece insignificante. Certo, devemos preservar o meio ambiente, do mesmo modo que, num avião, mesmo em perigo, devemos obedecer àquilo que nos manda fazer a tripulação. Os pilotos estão fazendo tudo o que é possível para manter o aparelho no ar, um deles está rezando contritamente a última ave-maria de sua vida. Mas vamos com calma: sempre ouvi dizer que um elefante precisa de um quilômetro quadra- do para viver e sobreviver em paze com dignidade. Um bilhão de elefantes tornaria a Terra insu- ficiente para a preservação da espécie e teríamos de dizimar todos os demais animais, inclusive os homens. Há que preservar não apenas a vida mas a dignidade dos elefantes. O grande furo da ecologia é sua parenta mais próxima, do ponto de vista etimológico: a economia. As espécies economicamente improdutivas tendem a desaparecer, não por maldade ou burrice da humanidade, mas por necessidade da estrutura econômica que, queiramos ou não, determina nossas relações com a natureza. Ninguém precisa lutar pela preservação de bois e cavalos, galinhas e perus. São espécies produtivas, substituídas sistematicamente à medida que se abatem. A solução seria encontrar um jeito de fazer pinguins, micos dourados e focas renderem alguma coisa. Neste particular, descubro uma grande injustiça contra os ratos. Ninguém, nenhum desses movimentos ecológicos, defende a preservação dos ratos. A im- pressão que se tem é que um raticídio em grande escala seria bem aceito pelos amantes da natu- reza. Mas os ratos são necessários aos laboratórios, às pesquisas científicas. Pertencem, assim, à categoria útil dos bois, vacas, galinhas, perus e peixes de variadas espécies que prestam serviço ao homem, mantendo-o vivo e prazeroso. E predatório, como sempre o foi, no uso e abuso de sua prerrogativa de Rei da Criação. Mas o reino do homem é como aquele outro reino do qual falavam Jesus Cristo e o Paulo Francis: não é deste mundo. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A natureza e o fenômeno humano 14 Livros: ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Edipro, 2005. Trata-se de um livro clássico sobre o homem, a natureza e o conhecimento. Embora haja o receio de uma leitura muito complexa, a verdade é que o pensamento expresso pela metafísica de Aristóteles é a base da maior parte das ideias ocidentais sobre a relação en- tre o homem e a natureza, o que, por si só, já valida sua leitura. No mais, existem muitos comentadores que nos ajudam a entender o conteúdo da metafísica aristotélica. ARANHA, M. L. A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando. São Paulo: Moderna, 2003. O capítulo 1 dessa obra, intitulado “Natureza e Cultura”, oferece excelente introdução ao tema, de modo simples e didático. Além de ajudar o estudante de nível superior a ingressar na temática, pode, inclusive, ser usado como texto-base para discussão em uma sala de Ensino Médio, por exemplo. Links: Revista Brasileira de Biologia. Disponível em: <www.bjb.com.br/>. A Revista Brasileira de Biologia, ligada ao Instituto Internacional de Ecologia, disponi- biliza online artigos científicos sobre a natureza, a sociedade e a Ecologia em variadas abordagens, em especial sobre Ecologia brasileira, com grande qualidade científica. Essa referência destina-se, evidentemente, àqueles que buscam estudos ligados mais às ciên- cias biológicas do que às ciências humanas. 1. Com base no texto da aula liste, em forma de tópicos, as principais formas de relação entre o homem e a natureza. 2. Discuta quais são as diferenças fundamentais entre uma Ecologia humanista e uma Ecologia radical. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A natureza e o fenômeno humano 15 1. Espera-se aqui que o aluno seja capaz de argumentar sobre os principais tópicos da aula, ele- gendo alguns aspectos que lhe pareceram especialmente marcantes na relação entre o homem e a natureza. 2. O aluno deve observar nessa atividade que a Ecologia humanista preconiza o desenvolvimento humano, ao mesmo tempo em que tenta minimizar o impacto ambiental de tal desenvolvimen- to; ao passo que a Ecologia radical supõe que o homem deve adaptar-se às leis naturais, mesmo que isso lhe custe frear seu desenvolvimento. Sua discussão deve se situar nesse referencial, apontando as consequências dessas diferentes visões. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A natureza e o fenômeno humano 16 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Natureza X Cultura A cultura como fenômeno humano Desde que o ser humano se impôs à mais evidente questão antropológica, ou seja, “o que é o ho- mem”, ele tem se dedicado a compor um panorama explicativo que leve em conta fatores de diferentes fontes. Assim, deve ser pensada a condição humana a partir de sua realidade biológica, física, social e até mesmo religiosa ou transcendental. No entanto, o papel do homem em meio às demais espécies do planeta apresenta uma grande singularidade. Ainda que possamos identificar a presença e mesmo a importância do instinto, das reações naturais e de todo um conjunto de fenômenos que fazem parte, indissociavelmente, de nosso arcabouço biológico, temos que perceber que tais fenômenos não ope- ram isoladamente ou, ao menos, não são suficientes para dar conta de esclarecer, de modo definitivo, o que é o homem. Para que possamos responder de modo mais completo e satisfatório o que é o homem, mais do que examinar sua constituição natural, precisamos também refletir sobre o que ele faz. Para isso, comecemos por perceber uma das chaves mais claras de compreensão de nossas diferenças em rela- ção aos demais seres vivos que encontramos, ou seja, foquemos nossa atenção na questão da cultura. Animais vivem juntos, formam grupos e até mesmo dividem papéis como, por exemplo, relacionados à hierarquia entre seus membros. No entanto, não podemos afirmar que eles constituem uma cultura. Isso por serem suas ações fundamentalmente guiadas pelo instinto. Nós, seres humanos, também temos instintos, alguns parecidos com os dos outros animais, no entanto, o que realmente determina nossas ações é o conjunto de valores, símbolos, hábitos, costumes, educação, enfim, tudo aquilo que caracteriza a vida coletiva do homem no âmbito do conceito que chamamos de cultura. A cultura é uma forma humana de existência, iniciando junto com a vida da criança. A forma como o bebê será cuidado pelos pais e demais adultos, desde detalhes simples tais como a forma de segurá-lo até a impressão de condutas relacionadas ao sexo da criança, tudo isso faz parte de um conjunto de hábitos aprendidos e considerados, coletivamente, como os mais adequados. O desenvol- vimento infantil, dessa forma, tem os referenciais da cultura a partir das suas mais remotas relações com o mundo, de tal forma que a cultura não se caracteriza na vida de uma pessoa como algo externo, mas como o próprio meio de vida. Tudo aquilo que pensamos, sentimos, o que fazemos e o que espe- ramos tem um diálogo com a cultura, com as formas de representação caracterizadas pela sociedade em que vivemos. É evidente, dessa forma, que, dependendo do espaço e local em que se situam as pessoas, constitui-se uma cultura singular. Assim, países diferentes, localidades e tribos diversas formam seus próprios valores, de tal modo que saber viver coletivamente, em grande medida, é saber adequar-se à cultura na qual estamos inseridos. É evidente que isso não implica na ideia de que não somos passivos frente à cultura, ou seja, os valores que fazem parte da cultura, ao mesmo tempo que são aprendidos e transmitidos de geração em geração, também estão em constante transformação de acordo com o interesse dos próprios participantes da cultura. Dessa forma, a cultura deve ser conside- rada um elemento vivo, do qual fazemos parte, tanto de forma a absorvermos os valores vigentes como, ao mesmo tempo, e de modo inevitável, contribuirmos para a transformação desses mesmos valores. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Natureza X Cultura 18 A noção de significado cultural A partirdesse princípio, de que somos elementos participantes de uma cul- tura que orienta nossa educação, nossos hábitos e condutas, podemos pensar qual seria a forma de relação fundamental que conduz todo esse processo de viver a cultura. Existe algo que nos projeta em relação à cultura, que é a chave de enten- dimento da nossa vida coletiva. Essa espécie de unidade estrutural é chamada de significado cultural. O significado cultural é um conjunto de valores, de represen- tações e de hábitos que constituem um saber sobre os elementos presentes em nos- so cotidiano. Ao pensarmos semelhantemente sobre quais são esses significados em nossa cultura, construímos uma forma mais homogênea e produtiva de relação entre os componentes desse meio social. De modo simples, trata-se da constata- ção de que aqueles que vivem próximos pensam próximo. Muitas vezes estamos inclinados a pensar que cada indivíduo tem uma forma de pensar, absolutamente original e espontânea. Na vida coletiva isso não é bem verdade. Claro que cada pessoa tem sua singularidade e que não há, de fato, duas pessoas idênticas. No en- tanto, essa espontaneidade existe não como fruto de um processo individualizado, e sim como a resultante de uma expressão cultural. Comecemos por entender essa dinâmica a partir da nossa necessidade de validação pública. Todos nós executamos nossas ações, desde as mais simples até aquelas que nos são muito importantes, em um âmbito público. É evidente que temos ações que se desenrolam em um ambiente privado mas, mesmo essas, em grande parte, são frutos de um aprendizado e de uma influência que é coletiva. Ao convivermos com outras pessoas semelhantes, dividindo espaços e tarefas, esta- belecemos, de modo direto ou indireto, quais são as formas mais adequadas para cada conduta. Isso é de tal modo marcante que levou um dos grandes pensadores da Sociologia, Marcel Mauss (2005), a afirmar que, muitas vezes, nossos atos estão muito mais ligados a uma eficácia simbólica do que a uma mera eficiência funcional1. A eficiência funcional seria a forma mais econômica de se realizar alguma tarefa. Funções simples e procedimentos automáticos quase sempre são realizados buscando-se tal eficiência. No entanto, toda cultura tem um conjunto de ações que, pela importância que possuem no relacionamento social, não são satisfeitas por meio de atos meramente funcionais, precisam de certa eficácia, que trazem consigo uma validação pública. Seria como dizer que algo não basta ser feito, mas que deve ser feito de um modo que tenha uma validação simbólica. Podemos lembrar o exemplo de uma das mais famosas frases do ditador romano Caio Júlio César2 para o qual “a mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”. Por esse “parecer” entendemos toda a validação pública que se faz necessária em um caso tão popular como o da própria esposa do César. Se reduzirmos o espectro do exemplo à vida cotidiana, veremos que também muitas das ações corriqueiras que executamos são dotadas de uma eficácia que tem a in- fluência simbólica do meio em que vivemos. Como devemos nos portar em locais públicos, qual a altura que falamos em cada ambiente específico, quais as roupas que escolhemos para cada ocasião, tudo isso, mais do que simplesmente cumprir o papel funcional a que se destina, tem uma estreita relação com a imagem, o costume e o significado cultural de cada sociedade. 1 MAUSS, Marcel, Socio-logia e Antropologia, São Paulo: Cosac Naif, 2005. 2 Caio Júlio César, 100 a.C. – 44 a.C., ditador romano. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Natureza X Cultura 19 Se, em vez de pensarmos na amplitude do todo social, focarmos nossa aten- ção nos pequenos grupos ou tribos, encontraremos também a presença do sig- nificado cultural. Muitas vezes, esses pequenos grupos, por serem mais coesos, apresentam, inclusive, um conjunto mais marcante de significados culturais, que formam espécies de “marcas” identificatórias da tipologia de tal grupo. Assim, skatistas, por exemplo, pensam parecidos entre si e com grandes diferenças se comparados a grupos de jovens de mesma idade, mas participantes de outra tribo. Isso nos mostra que, mais do que um desenvolvimento psicológico determinado pela faixa etária, temos, na forma de pensar do jovem, a expressão dos significa- dos culturais que transitam entre seus pares, uma marca social de seu grupo. Para compreendermos o homem social de hoje e a sua vida coletiva, temos que levar em consideração esses significados culturais e a importância do simbólico na cultura. Como nos indica Geertz (1989), o homem está amarrado às teias de signi- ficados que ele próprio teceu3. Não há como analisar o homem de fora de tais teias, como se fosse possível isolar o homem da cultura e, assim, encontrarmos um “homem natural”. A cultura faz parte do nosso ser indissociavelmente. Esse processo se dá de forma natural e contínua, de tal modo que muitos hábitos e costumes, embora frutos de uma significação complexa de origem social, já não fazem mais parte de uma ação centrada na consciência. Em outros termos, são atos inconscientes, tidos como “natu- rais”, espontâneos ou singulares, mas que devem sua origem e razão à nossa forma de viver, que é, rematadamente, um eterno jogo com a teia de significados culturais que nos orienta, ao mesmo tempo em que colaboramos para também tecê-la. A natureza em relação à cultura Pelo que acabamos de tratar sobre a importância da cultura na vida humana, podemos incorrer na ideia de que a natureza, nesses termos, ficaria anulada, pois nada mais caberia ao domínio do natural. Uma pessoa poderia ser criada total- mente alheia à cultura e, ainda assim, ser humana no sentido estrito do termo? O caso do menino Kaspar Hauser é um exemplo marcante dessa questão. Leiamos um pequeno relato sobre sua história: Kaspar Hauser apareceu para a sociedade em 1828, numa praça do centro de Nuremberg. Tinha cerca de 16 anos de idade e falava de modo confuso; suas palavras eram pouco inteligíveis. Sua vida passada era um mistério, porém, tudo indica que ele vivera preso em um celeiro desde seu nascimento. Teve pouco contato (ou talvez nenhum) com outros homens. Kaspar foi educado por seu tutor e aprendeu a ler e escrever, pelo menos num certo nível em que era possível a comunicação com outras pessoas. Seu raciocínio, contudo, não foi muito adiante. Continuava a ser a mesma criança do dia em que fora encontrado. Sua vi- são não enxergava em perspectiva e também não conseguia apreender conceitos abstratos, como Deus e religião, apesar dos esforços de padres e educadores. Morreu 5 anos depois, assassinado, e seu passado misterioso nunca foi desvelado4. Essa pequena história ajuda-nos a concluir que, para possuirmos uma conduta considerada “humana”, não basta que sejamos homens, no sentido físico e biológico do termo. A convivência em sociedade nos ensinando a linguagem, as normas de conduta os e costumes, é o que acaba por tornar o homem efetivamente humano. 3 GEERTZ, Clifford, A Interpretação das Cul- turas. Rio de Janeiro: Gua- nabara Koogan, 1989, p.15. 4 Disponível em: <www.geocities.com/jaimex54/ Natureza.html>. Acesso em: 10 maio 2008. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Natureza X Cultura 20 Note que, mesmo algumas características biológicas, como a visão de Kaspar, não era igual à de um indivíduo considerado “normal” ou “totalmente humano”. O que podemos inferir é que o ser humano se completa na sociedade. A cultura é corresponsável pela nossa natureza. Isso não significa dizer que os fatores bio- lógicos são irrelevantes. Sabemos que a genética, por exemplo, tem grande influ- ência sobre o indivíduo, mas temos que somar a esses dados biológicos também a presença dos fatoresculturais. Hipoteticamente, homens sem cultura não seriam bons selvagens, mas seres com enormes diferenças e com adaptação social extre- mamente difícil, senão impossível. Estamos acostumados a supor dois fenômenos distintos e independentes, um chamado natureza e o outro cultura. A verdade é que, para a vida humana, a independência não ocorre, embora certa distinção possa ocorrer no âmbito concei- tual. É por isso que devemos entender os limites e alcances desses dois conceitos, evitando-se que um possa reduzir o outro a nada, como no caso do extremismo naturalista ou culturalista. Os reducionismos naturalistas e culturalistas Ao defenderem a importância de conceitos, como o de natureza ou de cul- tura, muitas vezes incorre-se no erro do reducionismo. O reducionismo é uma forma de pensar que reduz um fenômeno complexo sempre ao mesmo conceito tido como fundamental. Assim, para os naturalistas, tudo o que se observa é de algum modo relacionado aos desígnios da natureza. Mesmo o comportamento hu- mano é explicado por razões naturais, a partir de reações e comportamentos que se julgam inatas. Nesse sentido, a cultura nada mais seria do que um reflexo dos propósitos naturais. Ao homem e à sua razão não caberia muito mais a acrescentar na ordem criadora do mundo. Para os naturalistas extremados, a razão, de fato, é apenas a capacidade de julgamento que o homem possui sobre aquilo que lhe é dado a partir da natureza. Em um outro extremo temos o culturalismo. Desde que as pesquisas em campo social se avolumaram, mais especificamente a partir da segunda metade do século XX, certa forma de pensamento social viu na atividade humana regrada pela cultura uma fonte exclusiva de influência para a conduta. Que tal influência é inegável não resta dúvida, mas que seja a única, isso já aponta para outra forma de reducionismo. Nessa via, nenhum fator herdado ou natural seria capaz de influen- ciar, de fato, a conduta humana. Tudo aquilo que constitui o homem seria fruto de sua condição social, de seu aprendizado dos significados de uma cultura e de seu modo de agir publicamente. Tanto em um caso como no outro, esses reducionismos apresentam uma po- sição extremada, que pouco colabora para entendermos o fenômeno complexo que é o ser humano. Sabemos que temos uma parte de nós que responde a partir de nossa condição natural, assim como é inevitável perceber o quanto nossa cultura é Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Natureza X Cultura 21 responsável pela edificação de nossa personalidade. O antagonismo dessas duas po- sições extremadas levou a embates ferrenhos entre defensores de ciências naturais de um lado e estudiosos das ciências humanas de outro. Muitas formas de pensamento sectário se construíram a partir dessas desavenças. Mas a complexidade do fenôme- no humano mostra-se cada vez mais presente em nossa vida cotidiana e no sentido do progresso que estamos indicando. Desse modo, parece emergir, há algum tempo, uma forma de pensar mais complexa, que tenta mais somar, unir, agregar, tanto a sabedoria da natureza quanto a da cultura, do que posicioná-las em polos opostos. Bases para um entendimento pluralizado Quando vamos pensar sobre o domínio da natureza, o conjunto das coisas que fazem parte de tudo aquilo que reconhecemos como um dado natural ou mes- mo sobre os princípios orientadores que podemos classificar como naturais, temos um arcabouço do que podemos identificar como o conceito de natureza. Por outro lado, se nossa reflexão está centrada em todo o conjunto de ações humanas que se desenvolvem a partir da vida coletiva e de nossa condição existencial, estamos nos referindo ao conceito de cultura. Dessa forma, podemos perceber que, no âmbito do pensamento, podemos separar os conceitos de natureza e cultura. Podemos até construir todo um raciocínio que esteja fundamentado apenas em um desses con- ceitos quando temos uma finalidade específica para isso. No entanto, nada disso nos leva a supor que qualquer um desses dois fenômenos possa ser suficiente para explicar nossa realidade e nossa existência. Menos ainda podemos entender que se trate de conceitos antagônicos apenas por focarem o mesmo objeto a partir de pontos de vista não idênticos. Os avanços em várias áreas, inclusive na tecnologia, têm apontado para vá- rias interfaces entre elementos naturais e culturais. Mais do que apenas confluências entre esses elementos, o que essas inovações demonstram é que a forma de pensar do homem já tem, em muitos campos, diluído as fronteiras entre o natural e o cultural. Se o foco de nossa reflexão é o homem, e não há como isolar o natural e o cultural no âmbito da vida cotidiana, não faz sentido insistirmos na separação desses conceitos. De certa maneira, o que estamos experimentando então é uma forma de co- nhecimento profundamente humana. Sempre que se pensou em produzir um co- nhecimento sobre o homem, mas para isso isolando tal homem em seus determi- nantes naturais ou culturais, o que se encontrou foi algo incompleto e não sinônimo daquele homem encarnado do dia a dia. Um modelo teórico do homem não é o homem em si mesmo. Com isso, não se condena o pensamento abstrato sobre o homem, que, como sabemos, é importante para nosso desenvolvimento e para a nossa reflexão sobre a condição humana. No entanto, o advento de um pensamen- to abrangente, complexo, não excludente, também pode nos permitir a reflexão sobre o homem, mas, dessa vez, provavelmente, muitos dos fatores que escaparam ao pensamento reducionista podem ser reavaliados, uma vez que um pensamento pluralizado tem a chance de revelar uma totalidade sobre o homem que nenhuma redução ou isolamento é capaz de contemplar. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Natureza X Cultura 22 Os problemas do fim de século (MORIN, 1993) A consciência ecológica A ecologia é uma disciplina científica cuja criação se deve ao biólogo alemão Haeckel, em fins do século XIX; no ano de 1935, o botânico inglês Tansley concebeu a noção central que distin- guiu o tipo de objeto desta ciência dos das outras disciplinas científicas: o ecossistema. Em 1969 operou-se na Califórnia uma junção entre a ecologia científica e a tomada de consciência de degra- dações do meio natural, não só locais Lagos, rios, cidades) mas agora também globais (oceanos, planeta), que afetam os alimentos, os recursos, a saúde, o psiquismo dos próprios seres humanos. Houve assim uma passagem da ciência ecológica à consciência ecológica. Além disso, fez-se a junção entre a consciência ecológica e uma versão moderna do senti- mento romântico da natureza que se desenvolvera, principalmente no seio da juventude, ao longo dos anos de 1960. Este sentimento romântico encontrou na mensagem ecológica a sua justificação racional. Até então, qualquer “regresso à natureza” fora encarado na história ocidental moderna como irracional, utópico, em contradição com as evoluções progressivas. No fundo, a aspiração à natureza não exprime somente o mito de um passado natural perdido; ela também exprime as necessidades, hic et nunc, dos seres que se sentem molestados, sufocados, oprimidos num mundo artificial e abstrato. A reivindicação da natureza é uma das reivindicações mais pessoais e mais profundas, que nasce e se desenvolve nos meios urbanos cada vez mais industrializados, tecnici- zados, burocratizados, cronometrados. Nos anos 1969-1972, a consciência ecológica suscita uma profecia com tons de apocalipse. Ela anuncia que o crescimento industrial conduz a um desastre irreversível não só para o conjunto do meio natural, mas também para a humanidade. Devemos considerar histórico o ano de 1972, o do relatório Meadows encomendado pelo Clube de Roma e que situa o problema na sua dimensãoplanetária. É verdade que os seus métodos de cálculo eram simplistas, mas o intento do relatório Meadows constituía um primeiro esforço para apreciar o conjunto dos devires humano e biológico à escala planetária. De igual modo, os primeiros mapas geográficos estabelecidos na Idade Média pelos governadores árabes apresentavam enormes erros na situação e dimensão dos continentes, mas constituíam o primeiro esforço para conceber o mundo. A profecia ecologista dos anos de 1970 autodestruiu-se parcialmente: a difusão bastante rá- pida da consciência das poluições, degradações locais ou provinciais desencadeou a aplicação de dispositivos jurídicos e técnicos que de certo modo atenuaram e abrandaram o processo cataclís- mico. Mas, justamente, uma boa profecia suscita as reações e lutas que evitam a catástrofe que ela prediz. Contudo, quinze anos depois, diversos acidentes espectaculares, entre os quais Seveso e Chernobyl, vieram confirmá-la e o grande alerta sobre a biosfera é hoje geral. A partir de agora, com o recuo, podemos ver melhor o que havia de secundário e de essencial na tomada de consciência ecológica. O que era secundário, e que alguns tomaram pelo principal, era Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Natureza X Cultura 23 o alerta energético. Muitos dos espíritos da primeira vaga ecológica julgaram que se iam dilapidar muito rapidamente os recursos energéticos do globo. Na realidade, as potencialidades ilimitadas de energia nuclear e de energia solar indicam que a ameaça fundamental não é a penúria energética. O segundo erro era o de julgar que a natureza exigia uma espécie de equilíbrio ideal estático que se devia respeitar ou restabelecer. Ignorava-se que os ecossistemas e a biosfera têm uma história, feita de rupturas de equilíbrios e de reequilibrações, de desorganizações e de reorganizações. Mas então, o que havia de importante na consciência ecológica? Era – como vamos ver – 1) a rein- tegração do nosso meio ambiente na nossa consciência antropológica e social, 2) a ressurreição ecossis- temica da ideia de Natureza, 3) a achega decisiva da biosfera para a nossa consciência planetária. Voltemos à noção de ecossistema. O ecossistema significa que, num dado meio, as instâncias geológicas, geográficas, físicas, climatológicas (biótopo) e os seres vivos de todas as espécies, uni- celulares, bactérias, vegetais, animais (biocenose), inter-retroagem uns com os outros para gerar e regenerar incessantemente um sistema organizador ou ecossistema produzido por estas mesmas inter-retroações. Por outras palavras, as interações entre os seres vivos são não só de devoração, de conflito, de competição, de concorrência, de degradação e de depredação, mas também de interde- pendências, solidariedades, complementar idades. O ecossistema autoproduz-se, autorregula-se e auto-organiza-se de modo tanto mais notável quanto não tem nenhum centro de controle, nenhuma cabeça reguladora, nenhum programa genético. O seu processo de autorregulação integra a morte na vida, a vida na morte. É o famoso ciclo trófico no qual efetivamente a morte e a decomposição dos grandes predadores alimentam não só animais comedores de cadáveres, não só uma multidão de insetos necrófagos, mas também bactérias; estas vão fertilizar os solos; os sais minerais prove- nientes das decomposições vão alimentar as plantas pelas raízes; estas mesmas plantas vão alimentar animais vegetarianos, os quais vão alimentar animais carnívoros etc. Assim, a vida e a morte susten- tam-se uma à outra segundo a fórmula de Heraclito: “Viver de morte, morrer de vida”. Há motivos para nos maravilharmos com esta espantosa organização espontânea, mas convém igualmente não a idealizar, pois é a morte que regula todos os excessos de nascimentos e todas as insuficiências de comida. A Mãe Natureza é ao mesmo tempo uma Madrasta. […] Ainda não há muito, todas as ciências recortavam arbitrariamente o seu objeto no tecido com- plexo dos fenômenos. A ecologia é a primeira que trata do sistema global formado por constituintes físicos, botânicos, sociológicos, microbianos, os quais se inscrevem cada qual numa disciplina es- pecializada. O conhecimento ecológico requer uma policompetência nestes diferentes domínios e sobretudo uma apreensão das interações e da sua natureza sistêmica. Os êxitos da ciência ecológica mostram-nos que, contrariamente ao dogma da hiperespecialização, há um conhecimento organiza- cional global que é o único capaz de articular as competências especializadas para compreender as realidades complexas. Além disso, o diagnóstico de um mal ecológico exige não uma ação destrui- dora sobre um alvo, mas uma ação reguladora sobre uma interação; assim, intervém-se ecologica- mente contra um patogênico, não pelo emprego maciço de pesticidas que, para destruir uma espécie, julgada nefasta, vão destruir a maioria das outras espécies, mas pela introdução no meio de uma espécie antagônica à espécie perigosa, o que vai permitir regular o ecossistema ameaçado. Estamos então na presença de uma ciência de tipo novo que incide sobre um sistema com- plexo, recorre simultaneamente às interações particulares e ao conjunto global, mas, além disso, ressuscita o diálogo e o confronto entre os homens e a natureza, e permite as intervenções mutu- amente proveitosas a uns e à outra. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Natureza X Cultura 24 Livros: GEERTZ, C. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1989. Nesse livro encontra-se uma definição bastante abrangente e clara sobre a noção de signi- ficado cultural tal qual abordada nessa aula. Além disso, o autor explica, detalhadamente, a etnografia, que é um método de pesquisa que vem sendo bastante utilizado ultimamente e que pode contribuir para uma alternativa, inclusive, para trabalhos de conclusão de curso. O último capítulo, que trata das brigas de galo em Bali, é um ótimo exemplo desse tipo de abordagem etnográfica. LARAIA, R. de B. Cultura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. Trata-se de uma abordagem introdutória sobre o conceito de cultura, em especial a partir de um referencial antropológico. Justamente por isso, o autor percorre caminhos como o da diferenciação entre natureza e cultura e o papel do homem na realidade, temas que dispensaram atenção por parte dessa aula. 1. Com base no texto complementar, de Edgar Morin, argumente qual seriam hoje as bases de uma “consciência ecológica”. 2. Discutam quais são as semelhanças e as diferenças fundamentais entre uma abordagem natura- lista e uma abordagem culturalista. Dê um exemplo para cada uma delas. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Natureza X Cultura 25 1. Espera-se aqui que o aluno tenha compreendido os elementos principais do texto de Edgar Morin, em especial, a necessidade de um pensamento complexo, que pressuponha o papel do homem na realidade como articulador de natureza e cultura, como protagonista das muitas in- tersecções que a vida atual exige. 2. O aluno deve observar que tanto uma quanto outra são reducionismos, mas que o naturalismo reduz tudo ao papel da natureza, ao passo que o culturalismo reduz tudo ao papel da cultura. Os exemplos podem ser muitos, mas exigirão que o aluno tenha que pensar na realidade que o cerca articulando-a com os conceitos trabalhados na aula. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Natureza X Cultura 26 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O homem e suas bases existenciais O homem na natureza A natureza, como totalidade ordenadora, é um fenômeno que compreende todosos aspectos físicos, químicos e biológicos. Nós, como seres vivos, somos portadores de uma condição biológica intrínseca. Ainda que nossa consciência tenha alcançado um nível superior a de todas as outras for- mas de vida conhecidas, não estamos livres de termos que atender às nossas necessidades biológicas mais elementares. Somos parte de um equilíbrio natural e dependemos desse equilíbrio para a manu- tenção de nossa vida. No entanto, nosso papel nesse equilíbrio é maior do que meramente o resultado de ações instin- tivas. Não somos seres passivos nesse processo de relação com o mundo, pelo contrário, somos, sem dúvida, o ser que possui as mais amplas possibilidades de atuação nesse equilíbrio. Essa condição, ao mesmo tempo que situa a importância do papel do homem na natureza, indica para a necessidade de que pensamos quais são os fundamentos desse papel, ou seja, como é que se dá, efetivamente, a presença do homem na natureza. Para começarmos a compreender essa presença, temos que observar quais são as nossas ne- cessidades básicas, pois é na busca de tais necessidades que a maior parte das ações humanas vai se direcionar. Temos algumas necessidades básicas, tal como alimento, comida e abrigo. Essas três, vistas isoladamente, mostram que somos semelhantes em nossas necessidades à maioria dos demais animais, em especial aos animais da classe a que pertencemos – dos mamíferos. No entanto, para compreendermos o verdadeiro papel do homem na natureza, temos que ir além dessa semelhança que, de fato, é apenas o ponto de partida. Isso porque tais semelhanças, quando observadas no exercício da vida diária, apresentam uma grande diferença, geradora de inúmeros distanciamentos entre a vida animal e humana. Essa diferença básica é a de que os animais, também dependentes de alimento, água e abri- go, proliferam a sua espécie de acordo com tais condições, ao passo que o homem prolifera-se independentemente da disponibilidade natural desses fatores, o que lhe obriga a criar as condições favoráveis à vida. Em termos práticos, isso equivale a dizer que os animais são passivos frente à natureza, pois sua vida depende da oferta das condições naturais. Já o homem é ativo em relação à natureza, pois sua forma de existir transforma as condições naturais de modo a permitir sua existência. Dessa forma, o homem cria técnicas que lhe permitem morar em locais muito frios, por exemplo, uma vez que dispõe de moradia e de roupas que lhe protegem de tal frio. Em relação ao alimento e à água, dá-se o mesmo papel ativo: se o local não oferece as condições necessárias para suprir as necessidades alimentares e de água de seus moradores, cria-se uma logística por meio da qual há a possibilidade de transporte e estoque dos insumos desejados. A rede de água e esgoto é um exemplo simples e bastante comum de como o homem transforma a oferta de matéria natural de acordo com os seus interesses e necessidades. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O homem e suas bases existenciais 28 Claro que essa configuração de coisas traz também alguns problemas e, no nosso atual estágio de desenvolvimento, em especial das grandes cidades, tais problemas já mostram sinais alarmantes. Basicamente, podemos identificar dois grandes conjuntos de problemas resultantes desse papel transformador do homem frente à natureza. O primeiro diz respeito a um suposto equilíbrio natural que pode ser afetado por essa ação do homem. Trata-se de acreditar que o mundo, como um sistema fechado, tem um equilíbrio próprio e que alterações significativas em suas condições naturais acarretariam uma onda de desequilíbrios. É evidente que esse problema pode estar acompanhado de uma defesa fundamentalista do meio ambiente, o que não é uma posição razoável do ponto de vista da necessidade do progresso humano, no entanto, também não podemos ignorar que a natureza tem um equilíbrio que precisa ser respeitado e é por isso que, atualmente, são fun- damentais os estudos de impacto ambiental. O outro conjunto de problemas que podemos relacionar a esse papel do homem na natureza é de grande amplitude e, de certa forma, abarca até mesmo o primeiro conjunto: trata-se das consequências da “teoria de Malthus”1. De acordo com tal teoria, o equilíbrio natural está frente a uma grande ameaça, protagonizada, justamente, pelo homem. De acordo com os estudos de Malthus, a população humana cresce em progressão geométrica, ao passo que as ofertas de alimento crescem em proporção aritmética. É evidente que tal quadro aponta para uma saturação da oferta das condições naturais de existên- cia. Ainda que o progresso humano tenha sido capaz de reverter em grande parte essa expectativa de Malthus, com implementos técnicos que potencializam a pro- dutividade, esse é um problema que não pode ser descartado e que, na atualidade, aponta, especialmente, para o aproveitamento da água. De um modo geral, o que devemos observar é que o papel do homem na natureza, como ser que se reproduz velozmente, traz consigo a necessária preocu- pação com a sustentabilidade do planeta. Sua condição ativa permite-lhe por um lado, transformar as condições naturais, por outro, obriga-lhe a uma alta carga de responsabilidade sobre o próprio planeta. A existência biológica do ser humano Como seres que temos na nossa consciência nosso maior diferencial, somos inclinados a nos esquecermos da nossa condição fisiológica. O filósofo Michel Onfray, na introdução de sua obra A Arte de Ter Prazer2, conta como, por muitos anos, esteve entretido quase que exclusivamente com suas atividades intelectuais, de modo a acreditar que sua existência se limitava, basicamente, à sua atividade mental. Até certo dia no qual um infarto lhe acometeu, quase tirando-lhe a vida em uma idade ainda bastante precoce. A partir de tal evento, o filósofo passou a conferir grande valor ao corpo e à nossa realidade material. Por tal realidade material compreende-se tudo aquilo que faz parte da nossa existência física e biológica. O homem é um ser vivo, uma realidade biológica, e a nossa condição existencial está fundamentada nessa realidade corporal, por mais que uma tradi- 1 Thomas Robert Malthus, 1766-1834, economista britânico. Suas obras exer- ceram influência em vários campos do pensamento, como nas teorias evolucionistas de Darwin e Wallace. 2 ONFRAY, Michel. A Arte de Ter Prazer, São Paulo: Martins Fontes, 1999. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O homem e suas bases existenciais 29 ção dualista nos iluda do contrário. Essa tradição dualista refere-se, fundamental- mente, ao pensamento Cartesiano3. Para Descartes, a condição de nossa existência está fundamentada no fato de que pensamos (“penso, logo existo”). Isso traz ao corpo uma condição secundária. Por isso, essa teoria é dita dualista; de um lado tem-se o corpo, do outro, a mente. Acredita-se que o ser seja dividido entre essas duas esferas, a corporal e a intelectual, sendo que Descartes conferiu à dimensão intelectual toda a condição humana por excelência. Qual é o impacto sobre o conceito de homem e natureza em uma visão desse tipo? O que, basicamente, teremos a partir dessa forma de entendimento do homem é um distanciamento entre os fenômenos humanos e os fenômenos naturais. Aqui- lo que diz respeito ao homem refere-se ao seu intelecto e nunca à sua biologia ou ao seu corpo. Mesmo quando somos obrigados a pensar sobre o corpo, como nas necessárias abordagens da medicina, por muitas vezes seguiu-se, também, a orien- tação de Descartes, que era a de considerar o corpo como uma espécie de máquina. Para Descartes, o modelo de uma máquina hidráulica explicava muito bem o que se passa com o nosso corpo. Uma vez que aquilo que somos está fundamentado, uni-camente, em nosso intelecto, o corpo aparece como um arcabouço e a nossa biologia como uma forma de manutenção dessa máquina, nada além disso. Essa orientação, que influenciou toda a ciência moderna e, em grande medi- da, ainda faz parte do imaginário atual, opera um desligamento do homem em rela- ção à natureza. A condição biológica do ser humano não é, nessa forma de pensar, um fator que oriente ações ou movimente preocupações. Não somos participantes da natureza, a não ser de forma indireta e inevitável. Ou seja, para o sonho de uma racionalidade pura, os fatores biológicos do homem são apenas empecilhos. Nos dias de hoje, a Filosofia e muitas outras instâncias do pensamento hu- mano têm se esforçado para construir um saber orgânico, ou seja, uma forma de pensar que leve em consideração que o homem é, ao mesmo tempo, um ser racional e um ser biológico. Trata-se não de um ser dividido entre corpo e mente, mas de uma unidade biológica, psicológica e social. Somos participantes do todo natural, como seres vivos que somos, mas temos também nossa particularidade, que é a nossa capacidade racional e as nossas formas de sociabilidade, constituin- tes daquilo que chamamos de cultura. A vida em conjunto e a formação comunitária Se observarmos o homem em relação aos demais animais e lembrarmos que, nos primórdios, sua vida selvagem o colocava no mesmo ambiente em dis- puta direta com os outros animais, perceberemos que há uma desvantagem nítida do homem em relação à sua força física, sua velocidade e sua resistência. Como animal caçador e nômade, o homem é fraco e leva desvantagem na competição 3 René Descartes, 1596- 1650, filósofo francês, autor de Meditações Metafí- sicas e Discurso do Método, entre outras. É considerado um dos pais da filosofia mo- derna. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O homem e suas bases existenciais 30 natural. No entanto, sua capacidade racional fez com que ele desenvolvesse uma forma de aumentar enormemente sua capacidade de luta e de segurança, e, assim desenvolveu a vida comunitária. Mais do que simplesmente viver junto a outros, o homem estabeleceu comunidades nas quais a divisão de trabalho entre seus integrantes garantiam uma maior e melhor otimização do tempo e das condições naturais. Dessa forma, o homem foi capaz de superar suas próprias limitações e incrementar suas potencialidades na competição natural. Vivendo em conjunto, mesmo nas sociedades primitivas, o homem era capaz de se revezar nas atividades de vigilância, de constituir grupos diferentes de caça abrangendo um território maior, de cuidar melhor de seus filhos, pois alguns dos membros dedicavam-se exclusivamente a isso. Todas essas e muitas outras formas de divisão do trabalho foram aumentando a capacidade humana de sobrevivência, de modo que o homem passou a viver mais e, claro, reproduzir-se mais. O resultado dessa maior preservação e reprodução da espécie humana foi a proliferação da raça pelos territórios da terra, de modo que o homem povoou o mundo com suas comunidades e cidades. Viver em comunidade, portanto, consis- te, essencialmente, em dividir tarefas e melhor aproveitar o espaço. Com o tempo, essa forma de vida comunitária foi se complexando. O homem instituiu formas de transmitir suas técnicas e saberes, como a educação, modos de aumentar sua produtividade, como a tecnologia e modos de melhorar seu entendimento, como a comunicação. Educação, tecnologia e comunicação são, até hoje, formas es- senciais para a circulação do saber humano, o que faz com que possamos tirar o máximo de proveito de nossa existência comunitária. Podemos afirmar que a natureza do homem é a de viver coletivamente. No entanto, como sabemos, nem tudo é paz e harmonia quando o homem decide vi- ver coletivamente. Se, por um lado, a vida coletiva colabora para que possamos nos defender das adversidades naturais, por outro lado, o homem passa a ser uma ameaça ao próprio homem. Thomas Hobbes, filósofo inglês do século XVII, con- cluiu que o estado natural dos indivíduos não é o de paz, mas, sim, o de guerra. Entregues puramente aos nossos interesses individuais e agindo de acordo com nossos impulsos, o que veríamos seria uma “guerra de todos contra todos”4. Para que esse estado natural de guerra e o consequente caos social sejam evitados, os indivíduos estabelecem um contrato, segundo o qual se comprometem a agir de acordo com a lei que será discutida e aprovada pelos homens, os quais também são responsáveis por aplicá-la ao seu dia a dia. A partir do pensamento de Thomas Hobbes, a sociedade é uma necessidade. O homem não vive sozinho. Se entregue a sua sorte individual, esse homem só encontrará dificuldades e a morte. Mas se optar pela vida coletiva, haverá a neces- sidade de ter leis, um contrato social e a normalização dos costumes. É evidente que a aplicação dessas normas e leis deverá ser policiada, de modo que se faça 4 HOBBES, Thomas. Le- viatã, São Paulo: Martins Fontes, 2003. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O homem e suas bases existenciais 31 valer o direito de julgar e de punir aqueles que não se comportam de acordo com as leis preestabelecidas. Essa tarefa será de responsabilidade das autoridades, ou melhor, das pessoas encarregadas em policiar e julgar as condutas, para que elas se encaixem de modo “justo” nos comportamentos desejados. A “justeza” desse encaixe dá origem à palavra justiça, que se refere à obrigação do indivíduo de se comportar de acordo com o contrato social, com as leis e sob o respeito das auto- ridades que governam. Percebemos, assim, que a vida do homem passa a ser, necessariamente, li- gada ao viver coletivo, o que o obriga a criar e obedecer orientações para a socie- dade. As necessidades naturais levaram o homem a viver junto a outros e, agora, suas necessidades humanas o obrigam a repensar sua existência. O maior proble- ma para o homem é o próprio homem, por isso é preciso que estabeleçamos um saber sobre ele, uma antropologia. Elementos de uma antropologia A palavra Antropologia vem do grego antrophós (homem) e logia (logus, conhecimento). Dessa forma, a Antropologia é a sabedoria sobre o homem. Não que outras formas de conhecimento não se destinem, de modo direto ou indireto, ao homem. Mas cabe à Antropologia a função de colocar o homem, sua existência e natureza, no centro das questões. Existem várias “Antropologias” no universo de conhecimentos humanos. A Antropologia Física destina-se a estudar a evolução e o desenvolvimento do homem. A Antropologia Cultural centra-se nas questões dos significados, dos símbolos e dos valores que trafegam em uma cultura e que orientam, assim, as condutas e as expectativas dos membros dessa cultura. Por fim, a Antropologia Filosófica é aquela que elabora uma reflexão existencial sobre o homem, pensando em seu papel no conjunto da vida. Ainda que cada uma dessas antropologias tenha seu recorte próprio e que, atualmente, estabeleçam-se como áreas de intervenção distintas, o ponto de partida de todas é o mesmo, ou seja, o homem. Talvez, para entendermos o homem, tenhamos mesmo que cumprir a pesada tarefa de compreender os elementos dessas três formas de Antropologia, pois, como sabemos, em sua complexidade, o homem não apresenta tais fatores isoladamente. Ao mesmo tempo em que somos fruto de uma evolução física, somos também pessoas imbuídas de hábitos e condutas culturalmente determinadas, ao mesmo tempo que somos os únicos seres capazes de refletir, de modo consciente e profundo, sobre a própria existência. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O homem e suas bases existenciais 32 Estabelecer uma reflexão
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