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Vozes da Literatura Brasileira Um Diálogo Essencial Material Teórico Contemporaneidade - Intérpretes do Brasil II Responsável pelo Conteúdo: Profa. Dra. Vivian Steinberg Revisão Técnica: Profa. Dra. Geovana Gentili Revisão Textual: Profa. Ms. Silvia Augusta Barros Albert 5 • Contemporaneidade - Intérpretes do Brasil • Considerações Finais O aluno deverá adquirir conhecimentos prático-teóricos relativos: · à literatura brasileira; · à produção em prosa da literatura brasileira, identificando as estruturas que subjazem à construção das obras e analisando literariamente a relação entre forma e conteúdo. Nesta unidade, vamos estudar a crônica de Milton Hatoum, “Um médico-leitor nos confins”, além de discutir questões próprias ao gênero crônica. É importante também ler o material jornalístico apresentado nessa unidade. Para obter um bom desempenho, você deve começar pela leitura do Material Teórico. Nele, você encontrará o conteúdo principal de estudos na forma de texto escrito. Depois, assista à Videoaula questões importantes. Consulte as indicações sugeridas e leia os textos na íntegra. Na sequência, realize as atividades propostas: • Atividade de Sistematização (AS): são exercícios de múltipla escolha, de autocorreção, que lhe dão oportunidade de praticar o que aprendeu na unidade e de identificar os pontos em que precisa ficar mais atento, ou pedir esclarecimentos a seu tutor. Lembre-se de que esses exercícios são pontuados. Assim, é muito importante que sejam realizados dentro do prazo estabelecido no cronograma da disciplina. Lembramos a você da importância de realizar todas as leituras e as atividades propostas dentro do prazo estabelecido para cada unidade, no cronograma da disciplina. Para isso, organize uma rotina de trabalho e evite acumular conteúdos e realizar atividades no último minuto. Em caso de dúvidas, utilize a ferramenta “Mensagens” ou “Fórum de dúvidas” para entrar em contato com o tutor. É muito importante que você exerça a sua autonomia de estudante para construir novos conhecimentos. Contemporaneidade - Intérpretes do Brasil 6 Unidade: Contemporaneidade - Intérpretes do Brasil II Contextualização A crônica “Um médico-leitor nos confins”, de Milton Hatoum, foi escrita em 2015. Nas entrelinhas dessa crônica, há o tema do Programa Mais Médicos. Importante para ampliar a compreensão da crônica é a leitura do material jornalístico sobre esse assunto. Outra questão levantada nessa unidade é em relação ao gênero crônica, uma narrativa “do simples rés-do-chão” como chamou Antonio Candido. É importante ler na íntegra esse texto, disponível em: https://goo.gl/KRBOs6 Por ser uma literatura colada ao cotidiano, é interessante ler outros autores que se dedicaram a escrever também crônicas, como Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, ou se preferirem imaginar um mundo mais distante no tempo, as crônicas de Machado de Assis serão bem vindas e estão disponíveis on-line, em: https://goo.gl/KEqUKQ Esses autores são escritores que também escrevem crônicas, mas há escritores apenas de crônicas como, por exemplo, Rubem Braga, quase cronista puro como escreveu Antonio Candido no texto comentado, ou Luís Fernando Veríssimo. Enfim, a partir da leitura do texto “A vida ao rés-do-chão”, você terá uma visão ampla sobre esse gênero tão importante e acessível, pois presente em jornais em revistas, além de em coletâneas publicadas em livros. Não deixe de ler as indicações que fazemos nessa contextualização! 7 Contemporaneidade - Intérpretes do Brasil Nesta unidade, vamos percorrer um texto, uma crônica de Milton Hatoum, “Um médico- leitor nos confins”, escrita para o Estado de S. Paulo, no dia 10 de abril de 2015. Como vimos, a crônica é um gênero literário que tem como característica circular em jornal diário e em revista semanal ou mensal. Os primeiros cronistas que escreveram em língua portuguesa surgiram nos séculos XV e XVI. Podemos citar Fernão Lopes, nomeado guarda-mor da Torre do Tombo, em 1418, que iniciou o período conhecido como Humanismo. E Pero Vaz de Caminha, que escreveu a carta de “achamento” das terras brasileiras, em 1500. Tanto um como o outro inovaram na escrita assim dita histórica. Fernão Lopes é considerado cronista-historiador, pois estava comprometido em relatar a verdade dos acontecimentos históricos. Como cronista, ele estava munido de autoridade, ao mesmo tempo que pretendia uma isenção, tentando controlar a subjetividade dos discursos e, assim, chegar à “verdade nua”. Pero Vaz Caminha foi o escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral, as naus que encontraram as terras brasileiras. Foi o primeiro a colocar em letras as primeiras impressões do que viu das terras e dos habitantes daqui. O autor relacionou objetividade com subjetividade. Essa carta endereçada ao rei D. Manuel, mostrou detalhes das impressões que os portugueses tiveram e, em particular, a impressão de Pero Vaz de Caminha, de terras estranhas, que possuíam uma natureza exuberante e eram habitadas por pessoas com costumes e hábitos tão diferentes dos deles. A partir desse documento, percebemos quais as intenções dos portugueses, para além do “descobrimento” ou do conhecimento das novas terras, por ter ficado registrado. A crônica, como gênero literário, tem como principal característica a despretensão, não tem a pretensão de durar, já que é veiculada em jornal ou revista. Atualmente, a crônica também é veiculada pela internet. Podemos até dizer que os blogues são descendentes diretos das crônicas. É possível ler a Carta, de Pero Vaz de Caminha, na íntegra, em: https://goo.gl/KUZrkQ ou em: https://goo.gl/p2SRER O gênero crônica é um misto de história factual com ficção, em que podemos depreender a impressão do autor sobre determinado assunto. Há uma maior liberdade em relação ao texto histórico ou jornalístico, porque enquanto estes têm um vínculo com as informações, na crônica, o olhar do narrador/ autor é fundamental. Assim, na crônica, a ênfase será dada sobre a própria escrita ou sobre os acontecimentos cotidianos/políticos que de alguma forma afetam o escritor. Ler crônicas de determinada época nos faz imaginar o mundo naquele momento histórico. Quase todos os escritores brasileiros dedicaram-se a crônicas. Antonio Candido escreveu sobre a crônica, em “A vida do rés-do-chão”: 8 Unidade: Contemporaneidade - Intérpretes do Brasil II (...) a sua perspectiva não é a dos que escrevem do alto da montanha, mas do simples rés-do-chão. Por isso mesmo, consegue quase sem querer transformar a literatura em algo íntimo com relação à vida de cada um; e, quando passa do jornal ao livro, nós verificamos meio espantados que a sua durabilidade pode ser maior do que ela própria pensava. (CANDIDO, 1992, p.14) Muitas vezes, os cronistas fazem uma seleção de suas melhores crônicas e as publicam em livro. Isso faz com que suas crônicas mudem a relação com o tempo, pois elas passam a ter maior durabilidade. Sendo assim, leitores de outras épocas terão acesso a elas e o texto se tornará inflacionado de subjetividades e de outras informações. Chamaremos a atenção para um aspecto peculiar da crônica: ela é escrita para o leitor contemporâneo ao autor, num primeiro momento, mas se for dada à crônica uma nova edição em livro, por exemplo, os leitores serão de um momento futuro ao autor. Esse leitor, por sua vez, acrescentará a sua própria experiência e conhecimentos à leitura, portanto, a cada nova leitura, a textualidade engrandecerá em significados. Atualmente, é comum os historiadores se apropriarem de crônicas para vislumbrarem melhor a época que descrevem. Por exemplo, em Brasil: uma biografia, livro lançado em 2015, de Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling, logo na introdução, há um trecho de uma crônica de Lima Barreto, que provavelmente nem foi publicada. Com isso, podemos concluir que, de certa forma, os historiadores trabalham com as entrelinhas, com trechos que sugerem subjetividades.Candido também afirma: A crônica está sempre ajudando a estabelecer ou restabelecer a dimensão das coisas e das pessoas. Em lugar de oferecer um cenário excelso, numa revoada de adjetivos e períodos candentes, pega o miúdo e mostra nele uma grandeza, uma beleza ou uma singularidade insuspeitadas. Ela é amiga da verdade e da poesia nas suas formas mais diretas e também nas suas formas mais fantásticas, sobretudo porque quase sempre utiliza o humor. (CANDIDO, 1992, p.14) Em relação à transposição da crônica vinculada à imprensa periódica e depois eventualmente para o livro, Carlos Drummond de Andrade esclarece algumas questões. De acordo com suas palavras: Eu devo reconhecer que muitas das crô nicas escritas por mim nã o podem perdurar porque, em primeiro lugar, eu nã o as achei adequadas a formarem um livro, e depois porque o jornal, que é tã o vivo no dia, é uma sepultura no dia seguinte. Entã o, essas coisas escritas ao sabor do tempo perdem completamente nã o só a atualidade como o sabor, o sentido, a significaç ã o (...). Entã o a crô nica que aborda um fato ou circunstância de vida de determinada pessoa perdeu completamente o sentido, porque essa pró pria pessoa perdeu o sentido. Entã o, nã o é propriamente a crô nica, é o acontecimento que ela reflete que perdeu a significaç ã o (DRUMMOND 1999, p. 13). ANDRADE, Carlos Drummond de. “Uma prosa (iné dita) com Carlos Drummond de Andrade”. Caros Amigos. Sã o Paulo. n. 29, p. 12-15, ago. 1999. 9 Antonio Candido corrobora esta fala do poeta sobre a crônica, ao prefaciar o volume 5, da coletânea Para gostar de ler: (...) Isto acontece porque nã o tem pretensõ es de durar, uma vez que é filha do jornal e da era da má quina, onde tudo acaba tã o depressa. Ela nã o foi feita originalmente para o livro, mas para essa publicaç ã o efê mera que se compra num dia e no dia seguinte é usada para embrulhar sapatos ou forrar o chã o da cozinha. Por se abrigar neste veí culo transitó rio, o seu intuito nã o é o dos escritores que pensam em ‘ficar’, isto é , permanecer na lembranç a e na admiraç ã o da posteridade; (...). Considera-se, entã o, a importâ ncia de tal processo em sua relaç ã o com a questã o da leitura desse gê nero literá rio. Ao lado disso, a crô nica continua sendo veiculada em jornais e revistas, motivando novas formas de leitura. Trata-se do fato de que o advento de novas tecnologias facilita a interaç ã o com o leitor, que passa a integrar o processo de enunciaç ã o, dialogando diretamente com o autor e com os outros leitores. CANDIDO, Antonio. Para gostar de ler. Sã o Paulo: Á tica 1982. Prefá cio, p. 6. Para Drummond, assim como para Candido, a crônica difere de uma matéria jornalística e merece ter uma vida mais longa porque ela não estende a análise apenas aos fatos, mas à reflexão sobre eles. Para saber mais sobre Crônicas: Ler na íntegra, o texto de Antonio Candido: “A vida ao rês- do-chão” disponível em: https://goo.gl/KRBOs6 Para comprovar as análises desses escritores, vamos ler trechos de crônicas de autores brasileiros de diferentes épocas, para depois nos determos na leitura da crônica de Milton Hatoum, que é contemporânea. Vamos ler alguns trechos de uma crônica de Manuel Bandeira, publicada em 1929: Miss Brasil talvez não se sinta bem em Galveston (publicado em A Província, 26 de maio de 1929) A avenida Rio Branco encheu-se de ponta a ponta por ocasião da passagem do cortejo que levava para bordo mlle. Olga Bergamini - a miss Brasil. O concurso de Galveston, coisa comercial americana, inflamou a idealidade nacional, provocando um movimento de opinião com todos os matadores, inclusive o sermão de protesto de um sacerdote indignado. Falou-se em funerais do pudor e nas bacanais do paganismo. No entanto o embarque de miss Brasil foi uma festinha brasileira. Não havia nele sombra de Grécia antiga. Nunca a houve de resto, porque todas as misses estaduais eram meninas comme il faut1, mais admiradas e mais admiráveis pela distinção e graça ingênua das maneiras do que pela plástica, de que nenhuma tirou 1 Em francês, como convém. 10 Unidade: Contemporaneidade - Intérpretes do Brasil II partido nem fez exibição pública em maillot. A esse respeito os comentários de certos pretensos moralistas é que cheiravam a libidinagem recalcada. Podia-se falar contra o entusiasmo com que se levou demasiado a sério esse concurso de jornal e de praia de banho, mas nunca nos termos ridículos em que o fizeram certos católicos. (...) Bandeira, Manuel. Crônicas Inéditas I. São Paulo: Cosac Naify, 2008. p. 203. Disponível em: http://entretenimento.uol.com.br/ultnot/livros/trechos/2008/04/04/ult5747u5.jhtm Galveston é uma cidade localizada nos estado do Texas, nos EUA. Lá acontecia o Concurso Internacional de Beleza, criado em 1926, que contava com a participação de vários países. Em 1931, foi o último realizado nos EUA. Esse desfile foi o antecessor do evento “Miss Universo”. Em 1929, como lemos no trecho da crônica, a mídia brasileira se mostrou empolgada com esse concurso e a miss Brasil era requisitada. Para qualquer evento em que participaria, sua presença gerava um aglomerado de multidões. Embora o assunto seja “datado”, isto é, o assunto relaciona-se a um concurso que hoje não tem a mesma repercussão do que em 1929, algumas palavras não são mais usadas, embora tragam um “ar de época”, como por exemplo, “cortejo”: uma comitiva pomposa, ou um séquito. Os leitores contemporâneos acrescentarão leituras a esses significados. Em cortejo, há implícita nessa palavra a ideia de pompa, de alguém que está sendo celebrizado; diferente se o poeta escrevesse: “da passagem de uma multidão”. O significado transpassa a ideia, permanece um sabor do momento vivido. Em relação ao conteúdo da crônica, o escritor trata de um tema contemporâneo a ele: o concurso em Galveston, que animou a mídia da época. Ele diz tratar-se de “uma coisa comercial americana”, e afirma que todos deram suas opiniões, inclusive um “sacerdote indignado” e outros conservadores que colocaram um olhar moralista, olhar esse, aliás, criticado pelo autor. A opinião do autor é outra. Para ele, se fora para criticar, então que se criticasse o fato de se levar a sério, demais, aquele concurso que ele considerava no mínimo leviano, no sentido de superficialidade. Não era o caso, portanto, de se afirmar que ele ia contra a moral e os bons costumes. Os leitores contemporâneos podem aproveitar essa leitura que o autor fez daquele momento histórico e perceber que algumas opiniões públicas se assemelham às que temos hoje: há a visão mais moralista, a qual vê em tudo maldade, mesmo num concurso em que as meninas são tão ingênuas; há a atitude da multidão, que quer ver a “celebridade”; e há a opinião do autor, que acha superficial a importância dada pela mídia a um acontecimento tão banal. Não é isso o que vemos até hoje na mídia? Poderíamos lembrar de inúmeros casos como esse. Você se lembra de algum? Voltando à crônica, embora esse gênero seja escrito sem a pretensão de durar, ele contribui para compreendermos o mundo que herdamos, para sentirmos os cheiros e as cores de outras paisagens. Ou como escreveu Candido, por não ter pretensão de durar, a crônica “consegue quase sem querer transformar a literatura em algo íntimo com relação à vida de cada um”. Vamos ler trechos de crônicas mais antiga, de Machado de Assis: 11 15 DE SETEMBRO DE 1862. Tirei hoje do fundo da gaveta, onde jazia, a minha pena de cronista. A coitadinha estava com um ar triste, e pareceu-me vê -la articular por entre os bicos, uma tí mida exprobraç ã o. Em roda do pescoç o enrolavam-se uns fios tenuí ssimos, obra dessas Pené lopes que andam pelos tetos das casas e desvã os inferiores dos mó veis. Limpei-a, acariciei-a, e, como o Abencerragem2 ao seu cavalo, disse-lhe algumas palavras de animaç ã o para a viagem que tí nhamos de fazer. Ela, como pena obediente, voltou-se na direç ã o do aparelho de escrita,ou, como diria o tolo de Bergerac, do receptá culo dos instrumentos da imoralidade. Compreendi o gesto mudo da coitadinha, e passei a cortar as tiras de papel, fazendo ao mesmo tempo as seguintes reflexõ es, que ela parecia escutar com religiosa atenç ã o: — Vamos lá ; que tens aprendido desde que te encafuei entre os meus esboç os de prosa e de verso? Necessito mais que nunca de ti; vê se me dispensas as tuas melhores idé ias e as tuas mais bonitas palavras; vais escrever nas pá ginas do Futuro. Olha para que te guardei! Antes de começ armos o nosso trabalho, ouve amiga minha, alguns conselhos de quem te preza e nã o te quer ver enxovalhada . . . Nã o te envolvas em polê micas de nenhum gê nero, nem polí ticas, nem literá rias, nem quaisquer outras; de outro modo verá s que passas de honrada a desonesta, de modesta a pretensiosa, e em um abrir e fechar de olhos perdes o que tinhas e o que eu te fiz ganhar. O pugilato das idé ias é muito pior que o das ruas; tu é s franzina, retrai-te e fecha-te no cí rculo dos teus deveres, quando couber a tua vez de escrever crô nicas. Seja entusiasta para o gê nio, cordial para o talento, desdenhosa para a nulidade, justiceira sempre, tudo isso com aquelas meias-tintas tã o necessá rias aos melhores efeitos da pintura. Comenta os fatos com reserva, louva ou censura, como te ditar a consciê ncia, sem cair na exageraç ã o dos extremos. E assim viverá s honrada e feliz. Texto-fonte: Obra Completa, Machado de Assis, Rio de Janeiro: Ediç õ es W. M. Jackson, 1938. Publicado originalmente em O Futuro, Rio de Janeiro, de 15/09/1862 a 01/07/1863. Para ler o texto na íntegra acessar: https://goo.gl/M87TYi A crônica de Machado de Assis se mostra moderna porque ele estabelece um diálogo com sua pena, o próprio instrumento com que escreve. A esse processo chamamos de metalinguagem, ou seja, o assunto sobre o qual o autor escreve é a própria escrita. Nesse diálogo, o autor dá conselhos de como a pena deve se comportar, ou melhor, procura ensinar-lhe como se deve escrever uma boa crônica sem se meter em confusões. O narrador enfatiza a pena de cronista. Vai buscar referências na herança cultural, apela à Penélope, esposa de Ulisses, que tecia enquanto esperava pelo marido, durante dez anos, enquanto ele estava na guerra. Ulisses é o herói das aventuras de Ilíada e de Odisseia. Na crônica, a relação de Penélope é com as aranhas, as tecelãs da natureza. Em outras palavras, fazia muito tempo que o autor não usava a pena. No texto, ele continua a relação e a preparação para a escrita, enquanto deveras escreve. 2 Abencerragem: cavaleiro galante. 12 Unidade: Contemporaneidade - Intérpretes do Brasil II No segundo parágrafo, o narrador dá conselhos à pena, para não se meter em confusões porque ele sabe que as brigas, ou “o pugilato das ideias é muito pior do que o da rua”. E termina o parágrafo com ironia: “assim viverás honrada e feliz”. A partir do terceiro parágrafo, passa a contar os fatos que o levaram a escrever, e é a pena que lhe dita os assuntos da crônica. Machado de Assis dá uma aula de escrita, ao continuar nesse tema por alguns parágrafos. Em seguida, vai escrever sobre questões daquele momento político e social, com atenção maior às artes. É assim que o autor fala de livros, do teatro e de música, terminando por ralhar com a sua pena: “Dito isto, ponho ponto final a esta crô nica, e passo a ralhar com a minha pena, que tã o esperanç osa me surgiu da gaveta e tã o desalinhada e sensaborona se houve nestas pá ginas”. Com essa inteligente crônica de Machado de Assis encerramos essa primeira parte, em que retomamos as características desse gênero literário e apresentamos importantes exemplos que percorreram a história do Brasil e de sua literatura. Agora, passaremos à atualidade, e vamos ler a crônica de Milton Hatoum intitulada “Um médico-leitor nos confins”. Ela foi publicada no jornal O Estado de S.Paulo, no dia 10 de abril de 2015. Um médico-leitor nos confins Milton Hatoum 10 Abril 2015 | 02h 05 Pescamos aracus e oranas, e devolvemos às águas do Negro os filhotes de matrinxã e piranha-caju. Se fossem piranhas crescidas, dariam uma deliciosa caldeirada com pirão apimentado. As crianças, impressionadas com as piranhas, perguntaram se eram perigosas. “Assim miudinhas, não”, disse Absalão. “Quer dizer, se tiver sangue na água, aí até essas miúdas atacam.” Já escurecia quando guardamos os caniços; depois Absalão foi limpar os peixes. Nosso barco estava atracado numa ilha do Negro, uma das centenas de ilhas que surgem no verão e sobrevivem até março ou abril, quando são cobertas pela enchente e o rio torna-se um mundo de águas escuras e nem sempre espelhadas. Só às oito da noite vi na popa do barco um rastro de sangue que sumia na escadinha que conduz ao porão das máquinas. Desci para saber o que tinha acontecido. “Tava amolando as facas e vacilei”, lamentou Absalão. Vi na mão esquerda do pescador o corte em cruz, profundo, que sangrava muito. O posto de saúde mais próximo da ilha ficava numa vila que visitei há mais de 20 anos, e à qual não havia retornado. Absalão, teimoso, quase intratável, só decidiu viajar até o posto da Vila porque o sangue não estancava na mão enfaixada. Entramos no bote de alumínio, motor pequeno, e navegamos em direção da Vila. O pescador me indicava a rota, pois eu estava totalmente 13 perdido na escuridão do rio, que se confundia com a noite densa. No meio da viagem, a luz do luar revelou o estirão branco da Praia Grande, e numa elevação próxima à margem surgiram as cruzes de um pequeno cemitério. Luzes esparsas piscavam na floresta como se fossem vaga-lumes; mais de uma hora depois, atracamos na Vila, onde os moradores se reuniam nos bares para comemorar o ano novo. O som de uma música tecnobrega vinha de um galpão distante, e na varandinha de uma casa de madeira, dois curumins manuseavam um aparelho com jogos eletrônicos. O posto de saúde estava fechado. Absalão sugeriu que fôssemos à casa do médico. “Tem um médico na Vila?”, perguntei, surpreso. Um homem silencioso e discreto destrancou a porta do posto, limpou a mão ferida do pescador, deu 15 pontos no corte em cruz e fez o curativo. Depois, preencheu uma ficha e falou pela primeira vez: “Absalão? É esse mesmo o seu nome? É o título de um livro fabuloso”. Pelo sotaque notei que o único médico daquela região do rio Negro era estrangeiro. “Cubano”, ele disse. “De Camaguey, bem no centro da ilha.” Não conversamos sobre medicina nem política, mas sobre literatura, pois o cubano era um excelente leitor. Ele disse, com a modéstia de um ser insular, que na literatura cubana havia alguns narradores e poetas legíveis. Mas o nome do pescador nos levou ao romance de Faulkner, cuja obra o médico conhecia e admirava. Conversamos sobre Absalão, Absalão! e a tragédia da família Sutpen, que, de algum modo, é a tragédia do Sul dos Estados Unidos. O médico se lembrava de vários personagens, das cenas mais escabrosas e delirantes, de frases que expressam estranha e poderosa poesia desse grande romance norte-americano. O outro Absalão, pescador, nos ouvia com interesse e, de vez em quando, examinava o curativo que cobria sua mão. Enquanto o médico comentava a ficção de Faulkner, eu pensava no poder da literatura, capaz de desarmar os mais ferozes gladiadores da arena política. Diante de um médico-leitor culto, percebi que a medicina social e a literatura eram suas grandes paixões. E não pude deixar de citar dois grandes médicos-escritores brasileiros, Pedro Nava e Guimarães Rosa, ambos cultíssimos, sendo que o primeiro exerceu sua profissão até pouco antes de morrer. Pensei: o estudante de medicina que ler Baú de Ossos será mais do que um médico... Às dez e meia, eu e o pescador saímos da Vila e regressamos à ilha no rio Negro; o vento e o pequeno motor retardaram nossa viagem de volta. Nos arredores da Praia Grande, um barco tosco e iluminado passou perto do nosso bote,emitindo uma algaravia alegre, que rompeu o silêncio e a solidão noturnos. E quando deu meia-noite, vimos as luzes do nosso barco, atracado na ilha ainda distante. Ouvi a voz de Absalão: “Vocês conversaram sobre um romance ou sobre a bíblia?”. 14 Unidade: Contemporaneidade - Intérpretes do Brasil II “Sobre um romance mais ou menos inspirado numa personagem bíblica”, eu disse. “Histórias inventadas, Absalão. Tu sabes a origem do teu nome?” “Mais ou menos”, ele disse. “História e nome é tudo doido...” Não pude ver a expressão do rosto do pescador, que virou o rosto de lado e ergueu a mão costurada na noite que ventava. https://goo.gl/wxDtuH (último acesso em 9/6/2015) A crônica é situada em algum lugar no Amazonas, em ilhotas do rio Negro. As personagens são: o narrador, Absalão, o pescador, o único que é nomeado, e as crianças. Sabe-se que houve uma pescaria. Os nomes dos peixes são ditos, peixes amazônicos, incluindo a temida piranha. Sabe-se que os peixes-filhotes são devolvidos às águas. Acontece um acidente quando Absalão limpava os peixes, ele se cortou. Assim a crônica apresenta um problema: estavam num lugar perdido nas águas do rio Negro, era noite, noite de ano novo e Absalão tinha feito um corte profundo na mão, portanto, precisava fazer um curativo, precisavam de um médico. Encontram o vilarejo mais próximo, e, por incrível que pareça, lá tinha um médico, que fez o curativo e ainda conversou sobre literatura, fazendo com que o narrador refletisse sobre o poder da literatura que é “capaz de desarmar os mais ferozes gladiadores da arena política”. Absalão é um nome do Antigo Testamento, por isso William Faulkner se apropriou dessa personagem para criar o romance Absalão, Absalão! O narrador da crônica confirma essa relação ao responder ao pescador: “Sobre um romance mais ou menos inspirado numa personagem bíblica, eu disse. “Histórias inventadas, Absalão.” Ao afirmar: “histórias inventadas, Absalão”, logo em seguida do que tinha dito antes, ele coloca a literatura como tema. Trata-se de uma metalinguagem, material caro à modernidade ou à pós-modernidade artística. A crônica é permeada por questionamentos sobre o literário, capaz até de “desarmar os mais ferozes gladiadores da arena política”. O encontro com o médico cubano num lugar longínquo leva aos questionamentos suscitados no Brasil pelo Programa Mais Médicos, um programa do Governo Federal que propõe levar médicos às regiões mais distantes do Brasil de forma rápida, aprovado pelo Congresso em outubro de 2013. A palavra do autor, na crônica, diz mais do que qualquer discussão política. Finalizamos, pois, com as palavras do narrador: Enquanto o médico comentava a ficção de Faulkner, eu pensava no poder da literatura, capaz de desarmar os mais ferozes gladiadores da arena política. Diante de um médico-leitor culto, percebi que a medicina social e a literatura eram suas grandes paixões. Para entender melhor a qual briga o narrador se refere em sua crônica, além de outras que se seguiram, é importante ler as notícias sobre o programa do governo que trouxe médicos cubanos para exercerem a profissão no Brasil. A seguir, dispomos alguns textos jornalísticos que tratam do Programa Mais Médicos. Após lê-los, recomendamos que você releia a crônica e fique atento(a) se algo mudou em sua leitura. Vamos lá? 15 Para relembrar alguns aspectos históricos políticos envolvidos no momento histórico da escrita/ publicação da crônica, vamos ler trechos de jornal. A principal notícia é sobre um programa do governo federal brasileiro que implantou o Mais Médico. O texto a seguir é do site oficial: portal da saúde. “O Programa Mais Médicos faz parte de um amplo pacto de melhoria do atendimento aos usuários do Sistema Único de Saúde, que prevê mais investimentos em infraestrutura dos hospitais e unidades de saúde, além de levar mais médicos para regiões onde há escassez e ausência de profissionais. Com a convocação de médicos para atuar na atenção básica de municípios com maior vulnerabilidade social e Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), o Governo Federal garantirá mais médicos para o Brasil e mais saúde para você. A iniciativa prevê também a expansão do número de vagas de medicina e de residência médica, além do aprimoramento da formação médica no Brasil.” Para ler na íntegra, acesse: https://goo.gl/LuFhPU O problema da má distribuição e a chegada de médicos estrangeiros no Brasil Tainá Madeiras, para drauziovarella.com.br “As pessoas não têm mais a quem pedir ajuda a não ser a mim. Se tiver mais de três casos urgentes para atender imediatamente, como eu faço?” Em tom de desabafo, o cardiologista Sérgio Perini conta que desde abril de 2012 é o único médico em atividade na cidade de Santa Maria das Barreiras, no interior do Pará. O único para atender uma população carente de 18 mil habitantes. Essa situação não é exclusividade de Santa Maria das Barreiras. A cidade divide o problema com milhares de municípios que, como ela, são pequenos e afastados de grandes centros urbanos. Segundo o último levantamento do CFM (Conselho Federal de Medicina), feito em 2012, o Brasil abriga 388.015 médicos, cerca de 1,8 por mil habitantes. A Argentina tem 3,2, Espanha e Portugal têm 4 e Inglaterra, 2,7. Ainda assim, a quantidade de médicos brasileiros é considerada razoável, mas não resolve o problema de saúde do país porque apenas 8% dos profissionais estão em municípios de até 50 mil pessoas. E municípios desse porte representam quase 90% das cidades. O restante dos profissionais está aglomerado em grandes regiões. Distrito Federal e os estados de Rio de Janeiro e São Paulo têm respectivamente taxas de 4,09, 3,62 e 2,64 médicos por mil habitantes, enquanto outros estados não somam nem um profissional por mil habitante, como é o caso do Amapá (0,95), Pará (0,84) e Maranhão (0,71). Ainda assim, a taxa maior em um estado não significa que cidades pequenas daquela região ofereçam atendimento adequado. 16 Unidade: Contemporaneidade - Intérpretes do Brasil II Para ler na íntegra, acesse: https://goo.gl/sRAr8G Veja linha do tempo do programa Mais Médicos O ESTADO DE S. PAULO, 14 Maio 2015 | 19h 53 Programa federal foi lançado em julho de 2013; neste ano, vagas foram totalmente preenchidas por brasileiros. 6 de maio de 2013 O ex-ministro das Relações Exteriores Antonio Patriota anunciou que o governo negociava a vinda de 6 mil médicos cubanos. Dois dias depois, o governo anunciou ter “desistido” e disse que ia priorizar Portugal e Espanha. 8 de julho de 2013 Foi lançado o Mais Médicos, que previa aumentar em 11,5 mil o número de vagas nos cursos de Medicina e mudar a formação do médico, acrescentando 2 anos de serviço obrigatório no Sistema Único de Saúde (SUS). No dia 31 de julho, o governo recuou e passou a dizer que os 2 anos poderiam servir como residência. 21 de agosto de 2013 Alegando que a quantidade de médicos habilitados na primeira chamada do Mais Médicos atenderia a apenas 6% dos profissionais pedidos pelos municípios, o governo voltou a mudar planos. No dia 21 de agosto, anunciou-se convênio com a Organização Pan- Americana de Saúde (Opas) para a contratação de 4 mil médicos cubanos. Setembro de 2013 Recursos nos CRMs e problemas como atrasos nos pedidos de registro provisório, falta de tempo para a realização da prova e até falhas na seleção de tutores fazem o trabalho dos formados no exterior, que deveria começar dia 16, ser postergado. Apenas 80 (11,7%) dos 682 registros provisórios necessários foram concedidos pelos Conselhos Regionais de Medicina. Estrangeiros, sobretudo cubanos, são recebidos com vaias por alguns colegas brasileiros e com festa por pacientes de áreas isoladas. Justiça começa a obrigar CRMs a darem registros. Outubro de 2013 O Congresso aprova o Mais Médicos. O projeto transfere para o Ministério da Saúde a atribuição de conceder registro provisório para médicos formados no exterior. Atéaquele momento, 1.061 profissionais haviam começado a atuar, diante das 16 mil vagas solicitadas pelas prefeituras que ingressaram no programa. São Paulo recebe 276 profissionais, na segunda fase do programa. 17 Novembro de 2013 Três mil profissionais cubanos chegam ao País para atuar no programa. Eles recebem a metade da bolsa dos demais estrangeiros - o restante é pago para o governo de Cuba por meio de um convênio com a Organização Pan-americana de Saúde (Opas). O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) questionam a legalidade da contratação dos cubanos. Janeiro de 2014 O Ministério da Saúde anuncia que trará ao País mais 2 mil cubanos para preencher vagas não ocupadas do programa Mais Médicos. Fevereiro de 2014 A cubana Ramona Matos Rodríguez abandonou o projeto, refugiou-se na Câmara em Brasília e quer pedir asilo ao País. Posteriormente, ela pediu asilo nos Estados Unidos. Agosto de 2014 Ao completar um ano, o Mais Médicos está presente em 3.785 municípios, enquanto os 14 mil profissionais do programa - dos quais mais de 11 mil cubanos - enfrentam desafios para trabalhar. Reportagem do Estado mostra que os médicos se deparam com infraestrutura precária dos postos, falta de medicamento, déficit de colegas, recusa de encaminhamento para especialistas e violência urbana. Apesar das insuficiências, pacientes comemoram a chegada dos doutores. Janeiro de 2015 No primeiro ano de atendimento do programa Mais Médicos, 174 profissionais desistiram de atuar no projeto, segundo dados do Ministério da Saúde. A maior parte é brasileira. Do total de desistentes, 144 são formados no Brasil, 11 são intercambistas (brasileiros ou estrangeiros formados em instituições de ensino no exterior) e 19 são cubanos trazidos ao País por meio do acordo de cooperação com o governo da ilha, intermediado pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), órgão vinculado às Nações Unidas. As desistências, porém, representam apenas 1,2% do total de profissionais do programa. Segundo dados do ministério, são 14.462 médicos atuando em 3.785 cidades brasileiras, além de 34 distritos sanitários indígenas. Fevereiro de 2015 A nova edição do Mais Médicos tem recorde de inscrições. O Ministério da Saúde registrou 15.747 pessoas interessadas em participar do programa. O maior interesse de profissionais com diploma brasileiro é resultado da fusão com o Provab, iniciativa do governo para tentar aumentar o provimento de profissionais em áreas prioritárias. Com a mudança, todo profissional, depois de um ano, tem direito a um bônus de 10% nos exames de residência. A maior parte dos profissionais que se candidataram a uma vaga do Mais Médicos - 11.736 - optou por receber o bônus. https://goo.gl/JrUHMA 18 Unidade: Contemporaneidade - Intérpretes do Brasil II O Programa Mais Médicos criou polêmicas: em setembro de 2013, conforme a linha de tempo publicada no Estado de S. Paulo, os médicos estrangeiros, sobretudo os cubanos, foram recebidos com vaias por alguns colegas e com festa por pacientes de áreas isoladas. Torna-se compreensível o porquê dessa situação: por um lado, diante da carência de médicos, principalmente em áreas isoladas do país, o governo propôs esse programa; por outro, Cuba forma médicos habilitados em trabalhos humanistas, em áreas de risco, ou sem recursos materiais. Por isso, muitos candidatos eram cubanos porque sabem enfrentar situações adversas, a formação deles é voltada para critérios humanitários. A partir desse acontecimento, e de outros que seguiram criticando esse programa, Milton Hatoum, na crônica, “Um médico leitor nos confins”, criou uma narrativa em que os valores humanos prevalecem acima de qualquer vaidade. Além da questão de se encontrarem, o narrador e o pescador Absalão, nos confins, um lugar de difícil acesso, um vilarejo às margens do rio Negro, eles encontram um médico, fato improvável em outras épocas, um estrangeiro, no caso cubano, e que gostava de literatura; justamente a arte que “serve” para ministrar lições de humanismo. Assim, a partir de um assunto cotidiano, ou rés do chão, como denominou Antonio Candido, Milton Hatoum discutiu inclusive questões literárias, como fator de engrandecimento humano, com sensibilidade e com imaginário peculiar, o que, aliás, faz parte de suas experiências. Ou seja, o ambiente que ele compartilha é do Amazonas, do rio Negro e suas ilhotas. Vale lembrar que o autor nasceu em Manaus, por isso tem memória e conhecimento do lugar. Pode-se questionar o quanto essa situação aconteceu, foi real ou não, mas a literatura vai além de saber se o fato aconteceu ou se foi criação do poeta. Podemos até inferir que, provavelmente, se deu os dois. Como disse outro poeta, Fernando Pessoa: Autopsicografia O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. E os que lêem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm. E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama coração. (27/11/1930) Fernando Pessoa Com isso, pode-se concluir que essa crônica e a literatura vão além das discussões políticas, mas estão profundamente imbricadas. Ao lançar mão de gênero crônica, o autor sensibiliza seus leitores para um determinado tema por meio de uma história em que prevalecem valores profundamente humanistas. 19 Considerações Finais Nessa unidade, lemos a crônica “Um médico leitor nos confins”, de Milton Hatoum. Recuperamos questões sobre crônica e passamos pela história desse gênero, intermediário entre a escrita literária e a jornalística, principalmente nos primórdios. A partir da crônica lida, percorremos a notícia e as questões suscitadas pelo programa Mais Médicos que estavam nas entrelinhas da narrativa, além de tratar de questões sobre o universo literário tanto o da leitura quanto o da criação. E fechamos a unidade com o poema-reflexão sobre o fazer poético do poeta maior Fernando Pessoa. Além disso, a crônica de Milton Hatoum ainda deixa uma vontade de ler o romance Absalão, Absalão!, de William Faulkner, grande obra literária fundamental e fundadora de uma literatura moderna norte-americana. A cada nova narrativa irrompemos em um universo inesperado, a escrita passa a ser a principal protagonista de cada obra. Boas leituras! 20 Unidade: Contemporaneidade - Intérpretes do Brasil II Material Complementar Para complementar seu conhecimento sobre o assunto, além da leitura atenciosa do conteúdo teórico, com especial atenção para a crônica “Um médico-leitor nos confins”, ressaltamos a importância de conhecer o material disponibilizado sobre o autor no seu site. Está prevista a estreia de filmes baseados em obras de Milton Hatoum e de uma série que será transmitida pela TV Globo do livro Dois irmãos. No site do autor, há inúmeras sugestões, entrevistas e teses sobre obras dele. Vídeo: Recomendamos uma entrevista que ele deu para o Sesc Vila Mariana para o programa “Sempre um papo”. Disponível em: https://youtu.be/TnOZuLZbntI Site: site do Milton Hatoum: https://goo.gl/nJ1k6T Livro: Além disso, recomendamos a leitura do romance Absalão, Absalão!, de William Faulkner, que será de grande deleite. 21 Referências ANDRADE, Carlos Drummond de. “Uma prosa (inédita) com Carlos Drummond de Andrade”. Caros Amigos. São Paulo. n. 29, p. 12-15, ago. 1999. ASSIS, Machado de. Obra Completa. Rio de Janeiro: Ediç õ es W. M. Jackson, 1938. Publicado originalmente em O Futuro, Rio de Janeiro, de 15/09/1862 a 01/07/1863. Disponível em: http://machado.mec.gov.br/images/stories/pdf/cronica/macr03.pdf BANDEIRA, Manuel. Crônicas Inéditas I. São Paulo: Cosac Naify, 2008. p. 203. BRAIT, B. Literatura e outras linguagens. São Paulo: Contexto, 2010. (E-book). CANDIDO, Antonio. “A vida ao rês-do-chão”. In: A crônica: o gênero, sua fixação e suas transformações. Rio de Janeiro: Fundação Casa Rui Barbosa, 1992.Disponível em: https:// avidaaoresdochao.wordpress.com/versao-integral/ CANDIDO, Antonio. Para gostar de ler. Sã o Paulo: Á tica 1982. (Prefá cio) GOTLIB, N. B. Teoria do conto. 11. ed. São Paulo: Ática, 2006. (Coleção princípios). (E-book) HATOUM, Miltom. “ Um médico-leitor nos confins”. In: O Estado de S.Paulo, 10/ abril/ 2015. Disponível em: http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,um-medico-leitor-nos- confins-imp-,1667138 (consultado em 9/6/2015). Referências Bibliográficas (disponível para consulta) Sobre Milton Hatoum: http://www.miltonhatoum.com.br/categoria/sobre-autor/noticias-entrevistas/page/3 Site da revista Cult - http://revistacult.uol.com.br/home/2013/07/milton-hatoum-um-cronista-a-espreita/ Site da revista de História - http://www.revistadehistoria.com.br/secao/entrevista/milton-hatoum Site do Itaú Cultural – http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa7721/milton-hatoum Sobre crônica: o texto de Antonio Candido: “A vida ao rês-do-chão” disponível em: https://avidaaoresdochao.wordpress.com/versao-integral/ 22 Unidade: Contemporaneidade - Intérpretes do Brasil II Anotações
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