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pelo cu politicas anais

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PELO CU
PELO CU
POLÍTICAS ANAIS 
JAVIER SÁEZ 
SEJO CARRASCOSA 
Copyright © 2016 by Letramento
Editor: 
Gustavo Abreu
Tradução:
Rafael Leopoldo
Revisão da tradução:
Leo Gonçalves
Revisão do português:
Tadeu Sarmento
Diagramação 
LiteraturaBr Editorial
Capa: 
Luis Otávio | Dus Designer
Todos os direitos reservados. 
Não é permitida a reprodução desta obra sem aprovação do Grupo Editorial Letramento.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Bibliotecária Juliana Farias Motta CRB7/5880
Belo Horizonte – MG
Rua Cláudio Manoel, 713
Funcionários
CEP 30140-100
Fone 31 3327-5771
contato@editoraletramento.com.br
www.editoraletramento.com.br
SUmáriO
Por uma ética da passividade 9
Introdução 19
A Injúria do Cu 25
O Caso de Luis Aragonés 33
Extermínio Gay no Iraque 36
Os direitos civis e o cu: O caso da cadeia interesodomia tv 39
OS ANAIS DA HISTÓRIA. HISTÓRIA DOS ANAIS 43
De Tebas à Índia: esfinge e tantras 45
Gregos e romanos 49
Sodomia: dos judeus à inquisição 55
Cu, sexo e gênero: políticas anais. 65
Ativo, passivo, hetero, homo, versátil... 89
A conversão em bicha pelo cu. 89
Um experimento sociológico: A estatística do BEARWWW 97
Somos um Donut: topologia, corpo e analidade 101
Anus is an open scar: a performance de Warbear 103
Prazeres anais: fist, dildos, pênis, cárceres. 111
Genealogia do Dildo 114
Leathers, urso e masculinidade 119
De cárceres e cus 126
 Psicanálise : o urso freud muda de ambiente. 135
O cu e a aids 145
Homofobia, o corpo da bicha e “seu” cu 145
Para uma prevenção no sentido anal 154
O caso de Esta cartilha vai de bunda 162
O fenômeno do bareback 166
Conclusão 179
Epílogo 183
Por Favor, Meu Amo 183
Bibliografia 187
Dedicamos este livro à memória de Paco Vidarte 
9 | Pelo CU
POr Uma étiCa da PaSSividadE
A tradução e publicação do livro Pelo cu: políticas anais no 
Brasil é, antes de mais nada, uma ação política. Em primeiro 
lugar, coloca-se à disposição um livro vinculado ao que hoje 
se acostumou denominar de estudos ou Teoria Queer, cujas 
obras principais ainda carecem de traduções para a língua 
portuguesa. Apesar disso, a produção brasileira de livros e ar-
tigos nos estudos queer é significativa e em franca ascensão. 
Em segundo lugar, este livro faz uma crítica feroz – profun-
da e sem perder o humor – a um sistema heterocentrado le-
vando em conta a questão da passividade. O terceiro aspecto 
consiste no momento desta tradução e publicação. O Brasil 
é o país latino-americano que mais assassina pessoas LGBT, 
em especial travestis. Além disso e também por isso, a política 
brasileira parece, a cada momento, se esquecer das potencia-
lidades de Junho de 2013 e se apresenta com o pior da direita, 
desde a pompa de uns pondés, aos ruídos de reinaldos azeve-
10 | Pelo CU
dos, a política do ódio dos bolsonaros, até as imposturas dos 
olavos de carvalho. 
Mas a escrita e tradução deste livro, que começa com um 
insulto, o famoso “vai tomar no cu”, além de política, cola-
bora com uma significativa produção de conhecimento que 
impacta e enfrenta determinados saberes e se filia a outros. 
Por exemplo: o que esse insulto significa para quem tem o 
ânus como um órgão sexual? Quem tem o poder de deter-
minar quais partes de nossos corpos devem ser considerados 
como órgãos sexuais? O que pode sair de um cu além de ex-
crementos? Como é possível pensar a partir do cu ou pelo 
cu? Perguntas como essas perpassam a leitura do livro e nos 
levam para produção de uma ética da passividade. Para fazer 
isso, o livro retira a analidade do campo privado e a coloca no 
campo social e político e assim gera não somente uma analé-
tica, mas toda uma gama de possíveis políticas anais que são 
extremamente necessárias. Se há tanto preconceito, se há um 
dispositivo que decide sobre a vida e a morte de determina-
das pessoas, se há tanto pânico em relação a qualquer possi-
bilidade existencial que fuja do ideal estanque de uma femini-
lidade e de uma masculinidade de mármore, são necessárias 
políticas anais que possam esquizofrenizar o que alguns têm 
o orgulho de chamar de identidade. Esfarelar essa identidade, 
seja apontando-a como sem nenhum fundamento biológico, 
ou ainda, mostrando-a como uma ficção social, poderia nos 
tornar menos segregativos, menos fincados a uma ilusão de 
um essencialismo heterocentrado e suas identidades molares. 
Pelo cu: políticas anais é o livro mais recente de Javier Sáez 
com coautoria de Sejo Carrascosa. Sáez é tradutor de diver-
11 | Pelo CU
sos livros, autor de Teoria queer e psicanálise e um dos or-
ganizadores de Teoria queer: políticas lesbianas, bichas, trans, 
mestiças. Já Carrascosa se identifica como um autodidata. 
Em comum, ambos possuem uma longa amizade e trajetó-
ria do ativismo queer espanhol. É no trânsito dos saberes da 
Sociologia, da Filosofia, da Teoria Queer e da Psicanálise que 
surgem algumas indagações de uma ética da passividade, ou 
ainda, como preferem os autores, uma analética.
Na busca de uma origem a respeito da temática da anali-
dade é sempre possível tentar buscar um ponto primário mais 
distante. No nosso caso, talvez fosse possível encontrá-lo na 
poesia, no romance, na pintura, de forma mais contemporânea 
na fotografia ou ainda no cinema. Todavia, já nas primeiras pá-
ginas de Pelo cu localizamos uma aliança teórica vital, já que o 
livro é dedicado a Paco Vidarte, autor da obra Ética bicha, um 
belo e radical livro de filosofia e a grande influência dos au-
tores. Encontramo-nos, então, essencialmente, diante de uma 
abordagem filosófica da analidade e se expormos algumas re-
ferências anteriores a obra de Sáez e Carrascosa não nos espan-
taremos com a valorização do ânus como objeto teórico e/ou 
político. Iremos citar aqui apenas três dessas referências: a obra 
de Deleuze-Guattari, Guy Hocquenghem e Paul B. Preciado. 
 A princípio o tema do cu pode parecer esdrúxulo e espan-
toso, pois poderíamos vê-lo sem nenhuma dignidade filosófi-
ca, já que se costuma ponderar filosoficamente de forma mais 
contundente sobre a alma, sobre o etéreo, sobre o espírito1 
etc., e deixa-se de lado toda a complexidade da corporeidade 
1 Talvez por isso Deleuze e Guattari, de forma irônica e contra-intuitiva, escre-
vem que somente o espírito é capaz de cagar. Claro que os autores neste momen-
to fazem uma referência a sublimação da analidade, os prazeres anais deveriam 
12 | Pelo CU
e seus elementos, do prazer com o corpo até a estranheza e 
desconforto com ele. Além disso, em regra, quando pensa-
mos o corpo damos privilégio epistemológico para algumas 
partes e não para outras, sempre um maior valor para a cabe-
ça e uma desvalorização do baixo-ventre. Dessa forma, com-
preendemos que há toda uma arquitetura política do corpo, 
as partes dignas e as partes indignas, as partes desejáveis e as 
indesejáveis. O que há de novo na obra de Javier Sáez e Sejo 
Carrascosa é, exatamente, uma densa e importante produção 
teórica tendo como temática exclusiva o ânus. Daí podemos 
apontar a primeira referência filosófica, de Gilles Deleuze e 
Félix Guattari, principalmente o primeiro tomo da sua obra 
O anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia. 
No livro O anti-Édipo, de Deleuze e Guattari, há um co-
mentário que gera ecos importantes no tema da analidade e 
que vai afetar uma gama de autores como, por exemplo, Guy 
Hocquenghem e Paul B. Preciado. Trata-se aqui de afirmar 
que o primeiro órgão a ser privatizado, colocado fora do cam-
po social, foi o ânus. Essa afirmação aparece no terceiro capí-
tulo d’O anti-Édipo, intitulado “Selvagens, bárbaros, civiliza-
dos”2, parte da obra deleuzo-guattariana que faz uma conexão 
com o saber antropológico e, também, produz uma crítica à 
Antropologia. O contexto da citação éa argumentação de 
que o problema do socius não é a troca – como proposto pela 
ser sublimados em uma sociedade heterocentrada e, por isso, o espírito é anal, o 
espírito é aquele que defeca. 
2 A respeito de grande parte da antropologia deleuzo-guattariana ver, ademais, 
LEOPOLDO, Rafael. Deleuze & Guattari: critica a psicanálise freudiana. Disser-
tação de Mestrado – Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universida-
de Federal de Juiz de Fora, 2015.
13 | Pelo CU
antropologia de Marcel Mauss –, mas marcar os corpos, co-
dificar os fluxos – como proposto pela filosofia de Friedrich 
Nietzsche. Deleuze e Guattari trocam Mauss por Nietzsche, a 
Antropologia pela Filosofia3 para afirmar que a máquina ter-
ritorial primitiva funciona por meio de codificação de fluxos 
que investe nos órgãos e na marcação dos corpos. 
Para Deleuze e Guattari, o ânus serve como modelo para 
a privatização. Trata-se do primeiro órgão a ser privatizado, a 
ser colocado fora do campo social e, assim, tem-se um desin-
vestimento do órgão e há a constituição de pessoas privadas, 
centros individuais, ou seja, pessoas globais, eus específicos 
e discerníveis. O ânus já não é mais investido coletivamente, 
mas desinvestido e privado. Muda-se do intensivo com seus 
objetos parciais para o extensivo com a formação de um eu. 
Sobre essa criação político-arquitetônica do corpo podemos 
citar um agudo comentário de Paul B. Preciado: “foi neces-
sário fechar o ânus para sublimar o desejo pansexual trans-
formando-o em vínculo social, como foi necessário fechar as 
terras comuns para assinalar a propriedade privada”4. Hoc-
quenghem, de outra forma, diz que 
ao descobrir o trabalho como fundamento de valor, a economia 
política burguesa o fecha imediatamente na forma de proprie-
dade privada dos meios de produção. Freud descobre a libido 
3 Claro que Deleuze e Guattari também fazem alianças com a Antropologia, mas 
chamam para o seu ambiente teórico o mais filosófico dos antropólogos: Pierre 
Clastres. 
4 Preciado, Beatriz. Manifesto contrassexual. Tradução de Maria Paula Gurgel Ri-
beiro. São Paulo: Edições n-1, 2014. p. 136.
14 | Pelo CU
como fundamento da vida efetiva, e o fecha imediatamente na 
forma de privatização edipiana familiar5. 
Guy Hocquenghem lê O anti-Édipo e, por meio dessa lei-
tura, produz a sua obra O desejo homossexual, escrito nos anos 
70 e no seio da Frente Homossexual de Ação Revolucionária 
(FHAR), um espaço que se distanciava do discurso ameno 
dos gays de uma classe média branca e das feministas liberais. 
Juntamente com o FHAR estão as bichas, as travestis e uma 
gama de outros que não se identificavam com o bom femi-
nismo da época. É necessário lembrar que essas fissuras nos 
movimentos é que vai gerar, nos anos 80/90, a Teoria queer. 
Hocquenghem, n’O desejo homossexual, está em diálogo 
com a efervescência política da época, com a psicanálise freu-
diana e lacaniana, mas, também, como já salientado, recebe 
uma forte influência deleuzo-guattariana. Hocquenghem faz 
uma análise acurada da homossexualidade e de como ela foi 
relacionada a categorias religiosas – crime contra natura –, 
categorias jurídicas – relação da criminalidade e da homosse-
xualidade –, categorias médicas – a homossexualidade como 
enfermidade, perversão etc. Mas, além disso, como ela está 
conexa com o capitalismo e o surgimento da família burguesa. 
N’O anti-Édipo já havia toda uma crítica ao familismo. Não 
obstante, o que nos parece interessante em Hocquenghem é 
que o desejo homossexual (não necessariamente o desejo do 
homossexual) poderia desestruturar uma sociedade falocra-
ta. E esse é um dos motivos da paranoia anti-homossexual, 
5 Hocquenghem, Guy. El deseo homossexual. Tradução de Geoffroy Huard de la 
Marre. Espanha: Melusina, 2000. p. 50
15 | Pelo CU
do pânico anti-homossexual que, muitas vezes, transmuta-se 
em agressão, em terrorismo machista – a atmosfera sombria 
do medo – e, de forma mais obscena, no assassinato, na eli-
minação física do outro. Na obra Pelo cu são apresentados 
exemplos dramáticos desse terror anal e os autores colocam 
o ânus, ademais, como um dispositivo que decide sobre a hu-
manidade das pessoas. 
Para Paul B. Preciado, o dildo, as práticas S/M e a erotização 
do ânus são capazes de produzir uma reapropriação de deter-
minadas tecnologias de repressão que são reelaboradas de uma 
forma não heteronormativa. Na filosofia de Preciado, o ânus 
tem um lugar especial e à maneira militante – e produtora de 
utopias – de um manifesto encontramos a seguinte afirmação: 
“os trabalhadores do ânus são os novos proletários de uma pos-
sível revolução contrassexual”6. Para Preciado, o ânus teria três 
características que o empodera contrassexualmente:
Um: o ânus é o centro erógeno universal situado além dos limi-
tes anatômicos impostos pela diferença sexual, onde os papéis e 
os registros aparecem como universalmente reversíveis (quem 
não tem um ânus?). Dois: o ânus é uma zona primordial de pas-
sividade, um centro produtor de excitação e de prazer que não 
figura na lista de pontos prescritos como orgásticos. Três: o ânus 
constitui um espaço de trabalho tecnológico; é uma fábrica de 
reelaboração do corpo contrassexual pós-humano. O trabalho 
do ânus não é destinado à reprodução nem está baseado numa 
relação romântica. Ele gera benefícios que não podem ser me-
6 Preciado, Beatriz. Manifesto contrassexual. Tradução de Maria Paula Gurgel Ri-
beiro. São Paulo: Edições n-1, 2014. p. 32.
16 | Pelo CU
didos dentro de uma economia heterocentrada. Pelo ânus, o 
sistema tradicional da representação sexo/gênero vai à merda.7 
Esses três elementos podem ser questionados e o são por 
Javier Sáez e Sejo Carrascosa. No entanto, a potencialidade 
da analidade foi apontada de forma incisiva para gerar uma 
compreensão da necessidade de uma epistemologia que per-
passe a superfície da pele mas, também, por toda as entranhas 
e que tenha como mote o final do reto, pois é desse lugar ain-
da obscuro que surgem as políticas anais e, para os autores de 
Pelo cu uma analética.
Uma ética anal ou uma ética da passividade consiste na 
própria valorização da posição passiva. E ao lermos Pelo cu 
sabemos que isso não é pouco. A temática central do livro 
de Sáez e Carrascosa parece ser o ânus, mas talvez seja a pas-
sividade e o ânus se configure apenas como uma forma de 
passividade, mesmo que ele possa ser, às vezes, muito ativo. 
Os autores afirmam que em mais de oito países do mundo 
o sexo anal pode acarretar a morte e em mais de oitenta a 
prisão perpetua. Ou seja, estamos diante de um dispositivo 
que decide sobre a vida e a morte das pessoas, diante de um 
pânico à passividade e a tudo que ela foi vinculada histori-
camente. Daí que é necessário o orgulho passivo de que nos 
falam Sáez e Carrascosa, essa analética já apontada por Paco 
Vidarte em sua Ética bicha, uma ética não mais cerebral (sa-
bemos as mazelas da razão), mas uma ética anal que vai negar 
o poder, uma política do buraco que cansou da troca desigual 
dos discursos marcados. 
7 Idem, ibidem.
17 | Pelo CU
Agora trata-se de absorver tudo, apoderar-se de tudo, 
chupar tudo e não dar nada em troca. A passividade é acom-
panhada de uma grande recusa a determinadas negociações. 
Daí o giro histórico da analidade passiva para a analidade ati-
va e esse, quem sabe, seja o terreno em que se produza uma 
real valorização da passividade; um orgulho passivo surgido 
desse lugar inesperado que agora está novamente no campo 
social e político. 
Rafael Leopoldo8 
Leandro Colling9
8 Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e Pós-
-graduado pela Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais (FLACSO). 
Graduado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 
(PUC-MG). É autor do livro Temporadasde abandono e Introdução ao O an-
ti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia (no prelo). Contribuiu para a coletânea 
de textos sobre cinema brasileiro no livro Directory of World Cinema: Brazil. 
Correio eletrônico: ralasfer@gmail.com.
9 Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Fede-
ral da Bahia. Professor do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências (IHAC), 
Milton Santos, e professor permanente do Programa Multidisciplinar de Pós-
-graduação em Cultura e Sociedade, ambos da Universidade Federal da Bahia. 
Criador e coordenador do grupo de pesquisa Cultura e Sexualidade (CUS) e um 
dos criadores e editores da revista acadêmica Periódicus, primeira e única in-
teiramente dedicada aos estudos queer no Brasil. É autor do livro Que os outros 
sejam o normal: tensões entre movimento LGBT e ativismo queer e organizador 
dos livros Stonewall 40 + o que no Brasil? e Estudos e políticas do CUS, todos 
publicados pela Editora da Universidade Federal da Bahia. Correio eletrônico: 
leandro.colling@gmail.com
19 | Pelo CU
intrOdUçãO
Esfíncter
Eu acho que se meu bom e velho cu durar ainda uns
60 anos já está bom
Embora numa operação de fissura na Bolívia
tenha sobrevivido ao hospital altiplano –
algum sangue, nenhum pólipo, uma
hemorroidazinha às vezes
ativo, ávido, receptivo a falos, garrafa de coca,
vela, cenoura, banana e dedos –
Hoje em dia a AIDS o deixa um pouco tímido,
mas continua ávido para servir –
afora com a merda, dentro o orgásmico 
amigo encapado –
ainda com a musculatura elástica largo e aberto
ao gozo sem a menor vergonha
Pelo menos mais uns 20 anos quem sabe,
gente velha tem problemas em toda parte –
pescoços, próstata, estômagos, juntas –
espero que o velho buraco continue jovem
até morrer, relaxado
15 de março de 1986, 01h00min pm
Allen Ginsberg1
1 O poema em português foi traduzido por Leo Gonçalves e publicado original-
mente na Revista de Autofagia, número 3 – março – 2009.
21 | Pelo CU
Este é um livro sobre o cu, um livro ao redor do cu, um 
livro escrito de dentro do cu. Mas não é um livro que procu-
ra nenhuma verdade sobre o prazer anal, nem é um manual 
de autoajuda anal, nem uma aproximação antropológica ou 
científica sobre sexo anal que ofereça um saber para o consu-
mo de olhares curiosos sobre o “outro”. Não vamos descobrir 
uma nova tribo para os antropólogos de hoje em dia, nem 
vamos criar novas taxonomias a serviço de uma sexologia 
moderna, progressista e até queer. Não é um livro que tem 
esperança em uma suposta “liberação” sexual pelo cu, ou que 
exalte o sexo anal como o natural ou o sadio, ou como a pana-
ceia de prazer e da felicidade entre os seres. Não vamos pedir 
a ninguém que comprometa conosco votos de amor em uma 
espécie de chakra Muladhara anal que nos levará à ilumina-
ção e à paz. Tampouco é um livro de confissões ou narrativas 
pessoais sobre os nossos cus ou sobre quem esteve ou desejou 
estar lá.
22 | Pelo CU
Pelo contrário, trata-se de ver o que o cu coloca em jogo. 
Ver por que o sexo anal provoca tanto desprezo, tanto medo, 
tanta fascinação, tanta hipocrisia, tanto desejo, tanto ódio. E 
especialmente revelar que esta vigilância de nossos traseiros 
não é uniforme: depende se o cu penetrado é branco ou ne-
gro, se é o de uma mulher ou de um homem ou é um/uma 
trans; se neste ato se é ativo ou passivo; se é um cu penetrado 
por um dildo, um pênis ou um punho; se o sujeito penetra-
do se sente orgulhoso ou envergonhado; se é penetrado com 
uma camisinha ou sem ela; se é um cu rico ou pobre; católico 
ou mulçumano. São nestas variáveis que vamos ver desdobrar 
a polícia do cu; é nessa rede onde o poder se exerce, e onde se 
constrói o ódio, o machismo, a homofobia e o racismo.
O cu parece muito democrático, todo o mundo tem um. 
Mas veremos que nem todo mundo pode fazer o que quer 
com o seu cu.
Queremos explorar um órgão ou um lugar que desafia a 
definição atual do que é o sexo e o genital. Não partimos de 
uma hipótese repressiva. Seguindo a análise de Foucault na 
História da Sexualidade, não acreditamos que exista um po-
der que reprima o prazer ou o sexo, nem sequer, neste caso, 
no prazer do sexo anal. A penetração anal faz parte do dispo-
sitivo da sexualidade há muito tempo; hoje em dia se mostra 
frequentemente o sexo anal, está em quase todos os filmes 
pornôs (hetero e gays), nos romances eróticos, nas lojas de 
jogos sexuais, no pós-pornô, nas consultas sexológicas da te-
levisão e na imprensa; está na arte, na fotografia, na pintu-
ra... existem numerosos guias didáticos e vídeos sobre o sexo 
anal2.
2 Para consultar diversos guias e manuais sobre o sexo anal, ver bibliografia.
23 | Pelo CU
Não, o sexo não se reprime ou ao menos não de maneira 
uniforme. Não existe unidade no dispositivo repressivo. Pre-
cisamente, o que veremos aqui são as incoerências que exis-
tem em torno do cu, em que medida essas contradições ques-
tionam o regime heterocentrado e machista em que vivemos, 
e até que ponto subverte o dispositivo atual da sexualidade. 
Para começar, colocamos um simples exercício a quem lê 
este livro: abra o seu cu e abrirá sua mente. 
25 | Pelo CU
a injúria dO CU
“Vão me dar um buquê de flores, mas no meu cu não passa nem um bigode 
de camarão”.
(Frase pronunciada pelo ex-técnico de futebol Luis Aragonés, dia 8 de 
junho de 2006, enquanto rechaçava umas flores que lhe ofereciam na 
Alemanha, para deixar claro que ele não era bicha).
Que te den por el culo. Tomar por detrás. Apretar las cacas. 
Meterle los pelos del culo para dentro. A tomar pol culo. Le han 
dao por detrás. Que te follen. Vete a tomar por el culo. Le han 
dao por el culo. Cagar para adentro. Que te den por el saco. 
Vete a tomar viento. Cinco, por el culo te la hinco. Se la han me-
tido doblada. Me han jodido. Mírale el jodíopolculo. Le pusie-
ron mirando a la Meca. Que te den por el orto. Que te den por 
ahí. Que te den. Le pusieron a cuatro patas y le dejaron el sieso 
como un bebedero de patos. Se lo han follado. Le pusieron el 
culo en pompa. Pega el culo contra la pared que ese es maricón. 
Ojete (no México, uma má pessoa). Pinche culero. Pinche ojete. 
Lameculos. Esto me da por el culo. Cuidado con tu culo en las 
duchas, no te agaches por el jabón (estereótipo nas prisões). Le 
rompieron el culo. Sodomita. Bujarrón. Pecado nefando. Acto 
contra natura. Bujarra. Bufarrón. Lameculos. Bésame el culo. 
Daopolculo. Enculado. Le hice un calvo. Ese pierde aceite por el 
culo. Eso te lo puedes meter por el culo. Quebrar el culo. Que te 
den por el serete. Eres un sieso. Ya estás otra vez dando pol culo. 
Eso está a tomar pol culo.
26 | Pelo CU
Vés a prendre pel cul. Que et donguin pel cul. Fota-t’ho al 
cul. Enculat.
Kiss my ass. Asshole. Arsehole. Bugger. Buggery. Fuck you. 
Fuck your ass. Take it in the ass. Fucking asshole. Butthole. 
Take it up the ass. Go shove up it your ass. Pog mo thoin.
Enculé. Va te faire enculer. Enculé de merde. Sale enculé. 
Enculé de ta mère. Enculé de ta race. Bougre. Va te faire foutre. 
Sodomiser. Anglaiser. Avoir une histoire de cul. Un film de cul. 
Faux cul. Avoir le feu au cul. J’ai le cigare au bout des lèvres. 
Trou du cul. Trou d’uc. Va te faire enculer chez les grecs. Espèce 
d’enculé. Trou à bites. Vide couilles. Va te faire ramoner la boite 
à merde. C’est pas un cul que t’as, c’est une pompe à foutre.
Atzelaria. Popatik hartzera. Atzetik eman. Ipurditik hartu.
Va fan culo. Busone. Faccia da culo. Bel culo. Andate a fare 
in culo da un’altra parte. Ricchione. Recchione. Bucaiolo. Fare 
il culo a qualcuno. Rompere il culo. Rotto nel culo / rottinculo. 
Vai a dar via il culo. Ma va’ a vendere il culo. Ma fatti dare 
nel culo. Vattelo a pigliare nel culo. Che ti possano inculare. 
Inculato. 
Røvhul, røvkedeligt, røvsygt, røvpule, røvpuller, røvpullet,være på røven, rend mig i røven. 
Diatithemenos. Impudicus. Abi pedicatu!
27 | Pelo CU
O cu é o grande lugar da injúria, do insulto. Como ve-
mos em todas essas expressões cotidianas, a penetração anal 
como sujeito passivo está no centro da linguagem, do discur-
so social, como o abjeto, o horrível, o mal, o pior. Todas essas 
expressões traduzem um valor primordial, unânime, gene-
ralizador: ser penetrado é algo indesejável, um castigo, uma 
tortura, um ato odioso, uma humilhação, algo doloroso; é a 
perda da honra, algo onde jamais se poderia encontrar pra-
zer. É algo que transforma sua identidade, que te transforma 
de maneira essencial. A partir desse ato, você “é” um fodido 
pelo cu, um enrabado, uma bicha.
Uma das primeiras coisas que aprende um menino ou 
uma menina3 é que “tomar no cu” é algo terrível. Ainda que o 
pequeno sujeito não saiba o que é exatamente esse “tomar”, o 
tom insultante cria uma aprendizagem, uma prevenção. O in-
teressante do insulto é que cria uma realidade sem referência, 
somente um valor flutuante, sem conteúdo. Bicha! Sapatão! 
Vai tomar no cu! Quando um menino ou uma menina escuta 
isso, nas primeiras vezes não significa nada de concreto – é o 
valor do negativo que se transmite e percebe-se, não um saber 
sobre o que é ser gay, lésbica, ou o que é, concretamente, a 
penetração anal. Não se trata de um doutrinamento preciso e 
deliberado contra os/as menores.
3 Neste livro, frequentemente usamos expressões como homem e mulher ou ambos 
os sexos, ou o sexo oposto, o que pode parecer que se assume a crença social de 
que só há dois sexos e de que, além disso, são “opostos”. Na realidade, não com-
partilhamos dessa crença no binarismo sexual. Para mais informações sobre as 
pessoas trans e intersexuadas, a diversidade dos sexos, um questionamento da 
existência de somente dois sexos e as implicações sociais e políticas da noção 
de “sexo”, ver o rigoroso e fascinante livro de Anne Fausto-Sterling Cuerpos Se-
xuados, e os trabalhos pioneiros de Donna Haraway Ciencia, cyborgs y mujeres: 
la reinvención de la naturaleza, Suzanne Kessler Lessons from the intersexed e 
Leslei Feinberg Transgender warriors, Trans liberation: beyong pink or blue. Ver 
Bibliografia. 
28 | Pelo CU
Quando falamos de um regime de poder ou de um regime 
cultural heterocentrado (por exemplo, o machismo), não se 
trata de um poder vertical e hierárquico que planeja o ódio às 
mulheres, ou o ódio aos gays, ou o ódio ao fato de ser penetrado. 
É um regime de discurso e práticas que simplesmente funciona, 
exerce-se, repete-se continuamente em expressões cotidianas de 
múltiplos lugares e momentos, criando realidade (e ferindo) a 
partir dessa mera repetição. Aprende-se esse valor negativo 
que cria o objeto – e não o contrário.
O sexo anal aparece inicialmente no imaginário coletivo 
como o pior, o abjeto, o que não deve passar. Esse é o seu sig-
nificado original, seu sentido. Nesse estado inicial de enun-
ciação, não aparece o ato de penetração, não existe o cu nem o 
pênis, nem o ânus, nem o dildo; o que se produz aqui é a proi-
bição, a ameaça, a negatividade, uma advertência fantasmal, 
perigosa, sem referente. Como diria Judith Butler, quando 
fala do insulto homofóbico (Bicha! Sapatão!), esse enunciado, 
essa frase, “vai dar o cu”, cria realidade, produz realidade4.
Quando dizemos habitualmente essas expressões (que se 
foda, vai dar o cu, fodido...), não temos consciência da reali-
dade que estamos criando ou dos valores que estamos trans-
mitindo. Mas estão aqui e, para quem o recebe, o insulto é o 
medo de ganhar uma marca, uma marca que cria uma iden-
tidade: ser assinalado como “o que faz isso” – agrada-te que 
te metam, o foderam – e seu corolário habitual: é uma bicha. 
Vamos ver mais à frente essa cadeia imaginária que leva a 
identificar a penetração anal com a homossexualidade, um 
gesto que, de passagem, faz desaparecer a penetração anal do 
mundo da heterossexualidade, limpa o espaço hetero dessa 
enfermidade. Mas toda limpeza deixa sempre espaços sujos; é 
4 Butler, J., Lenguaje, Poder e Identidad.
29 | Pelo CU
impossível apagar por completo o que fazem os hetero com o 
anal; ficam restos dessas práticas, ainda que incessantemente 
queiram apagá-las. É como o cu: você limpa-o, mas, sempre 
volta a se sujar. 
Veremos mais adiante que o ato do sexo anal é desigual; 
valora-se de forma completamente diferente quem adota o 
papel ativo (a pessoa que penetra) e quem assume o papel 
do chamado passivo (a pessoa penetrada). Todas essas ex-
pressões que citamos insultam a pessoa que recebe a pene-
tração: trata-se de um ódio ao lugar passivo e, sobretudo ao 
homem penetrado. Não se insultam dizendo vai meter num 
cu, meteu pelo cu, fodedor de cu, vai meter num cu, enrabador, 
metedor de cu. A masculinidade dos homens se constrói de 
uma forma estranha: por um lado, evitando a todo custo a 
penetração, mas, por outro lado, com uma curiosa permissão 
para penetrar o que quer que seja, incluindo o cu de outros 
homens. Com uma dupla moral bem chamativa, esse “ato 
tão asqueroso que fazem as bichas” (dar pelo cu), em muitas 
culturas, não ameaça a masculinidade; ao contrário, é per-
mitido – desde que feito com o papel ativo. Muitos homens 
hetero penetram analmente suas mulheres (de repente este 
ato já não é tão asqueroso, mas preferem não falar dele); mui-
tas mulheres penetram em seus maridos (disso se fala ainda 
menos); muitos homens penetram outros homens em praias, 
parques, banheiros, saunas, e pelo fato de serem ativos, não se 
consideram gays, nem bichas, nem sodomitas, nem homos-
sexuais: bichas são os penetrados. Muitas mulheres penetram 
em outras mulheres analmente, mas isso não existe para o 
imaginário machista e lesbofóbico, seu curto repertório bis-
sexual não dá para conceber isso. Muitas mulheres trans com 
pênis penetram analmente em homens, mulheres e outras 
30 | Pelo CU
trans, mas isso é castigado pelo regime médico que vigia as 
pessoas trans, isso não é ser “uma mulher de verdade” (“tome 
hormônios, deixe-se penetrar, ou melhor, opere-se”).
Nessas expressões vemos o enorme desequilíbrio que exis-
te na percepção da sexualidade anal: dar e tomar (no cu). Ser 
ativo ou passivo se associa historicamente a uma relação de 
poder binário: dominador-dominado, amo-escravo, ganha-
dor-perdedor, forte-fraco, poderoso-submisso, proprietá-
rio-propriedade, sujeito-objeto, penetrador-penetrado, isso 
tudo dentro de outro esquema subjacente de gênero: mas-
culino-feminino, homem-mulher. O macho se constrói as-
sumindo esses valores, o primeiro termo do par. “A mulher” 
no sentido de Wittig, de uma categoria criada pelo regime 
heterossexual, constrói-se associada ao segundo termo deste 
par binário5.
Esse modelo explica muito bem por que se percebe tam-
bém de forma diferente que um homem seja penetrado anal-
mente e que uma mulher seja penetrada. Por essa leitura do 
regime heterocentrado, a “mulher” é construída socialmente 
como um ser penetrável: deve procriar, satisfazer o homem, 
ser passiva, humilde, dócil, boa mãe, reduzir a sexualidade 
à sua vagina. A vagina, nesse regime, supõe-se que é um lu-
gar que espera ser penetrado. O macho “a possui”. Existe um 
passo muito pequeno dessa possessão corporal/sexual à pos-
sessão total da mulher que aparece no discurso do machista 
assassino: “matei-a porque era minha”. A associação dos valo-
res referentes ao amor e às relações sexuais (por meio da edu-
cação, da cultura, do cinema, da imprensa, da religião, dos 
jogos, da família, do matrimônio, do amor, da literatura, etc.) 
promove essa visão possuidor-possuído a respeito das mu-
5 Wittig, M., El pensamiento heterosexual.
31 | Pelo CU
lheres. Amar é possuir sexualmente (penetrando) e possuir 
como um objeto através da vida como casal. Quando se anali-
saa violência machista, que assassina mais de 80 mulheres na 
Espanha a cada ano, nunca se coloca em vista esse conjunto 
de valores prévios que conforma o que é ser um homem. En-
tão, o regime machista olha para o outro lado ou, o que é pior, 
olha para as mulheres: é que se libertaram, é que essa ideolo-
gia doentia do feminismo mudou as coisas, é que as mulheres 
não se comportam como antes. A vítima novamente como 
responsável em vez do carrasco.
Dentro dessa mesma lógica, o homem penetrado é equi-
parado a esse estatuto inferior “de mulher”. Como o único 
corpo penetrável nesse imaginário coletivo é o da mulher, 
um homem ser penetrado é a maior agressão possível à sua 
virilidade, ficando rebaixado ao feminino, perdendo sua 
honra, seu status superior. O passo seguinte do desprezo tem 
relação com o prazer: se o homem penetrado não desfruta 
dele (foi violado, por exemplo), o desprezo e o escárnio social 
são menores, mas, ainda assim terá entrado no território da 
vergonha irreversível, será sempre algo traumático e terrível. 
Porém, se o homem penetrado desfruta com isso, é alguém 
que o busca, deseja, valoriza... então o castigo e a desonra so-
cial são totais. Da Grécia clássica à atualidade, em numerosas 
culturas e épocas, o diatihemenos, o homem que desfruta em 
uma posição passiva (já veremos o discutível dessa palavra, 
passivo) foi desprezado e castigado. Para todas essas culturas 
é incompreensível esse desafio ao que se supõe que deve ser 
um homem. Ser um homem é ser impenetrável.
Esta impenetrabilidade pode conduzir à própria morte. A 
prevenção de câncer de próstata, ou seu diagnóstico precoce, 
em homens de mais de 45 anos, é fácil de realizar mediante um 
32 | Pelo CU
sensível toque retal que indica o tamanho da glândula prostáti-
ca. Um diagnóstico precoce pode servir para evitar o desenvol-
vimento cancerígeno desta glândula que pode chegar a afetar 
10, 15% da população masculina. Mas, a negação de se subme-
ter a esse exame leva muitos homens a serem diagnosticados 
quando a cirurgia ou a morte já são irreversíveis. Mais uma vez 
o cu é o escudo supremo da masculinidade, masculinidade que 
há de levar íntegra até a tumba.
Muitos testes médicos podem ser desagradáveis, descon-
fortáveis e inclusive dolorosos, mas não cremos que a sensa-
ção de um dedo indicador no reto massageando a glândula 
prostática (uma sensação prazerosa altamente recomendável) 
se encontre entre essas sensações. Devemos situar essa nega-
ção em outra ordem: a ordem patriarcal, que constrói a viri-
lidade e a impenetrabilidade do corpo, e está mais próxima 
de conceitos como a honra – em cujo nome se tem cometido 
e se cometem os crimes mais injustos e selvagens que conhe-
cemos. E é nesse paralelismo virilidade = impenetrabilidade 
= honra que essa ordem se sustenta na violência, na morte, 
ainda que seja a própria6.
Pouco parece servir as advertências que a saúde pública 
faz para que esse teste se generalize entre a população de risco 
(homens de mais de 45 anos); até mesmo se realizam estudos 
que indicam o grande rechaço que existe diante desse diag-
nóstico.
Frente à resistência de uma parte da população a esse tipo 
de análise, certo setor da ciência médica se dedica à investiga-
6 Carmen A. Peña Melo, Evelyn P. Ulloa O., Grisel García Felipe, Yudania Vásquez, 
Luis Quezada (Urólogo), Actitudes respecto al tacto rectal en pacientes masculi-
nos que acuden a la consulta externa del Hospital Juan Pablo Pina, en el período 
Abril-Junio 200. Revista Dominicana, Vol. 64 (3) e Vol.65 (1), setembro/dezem-
bro 2003, janeiro/abril 2004.
33 | Pelo CU
ção de outro tipo de testes diagnósticos7 que não “humilhem” 
a virilidade impenetrável dos seus pacientes. Novamente a 
ciência se alia à ideologia para salvaguardar o sagrado status 
do homem-cu-fechado: antes morto do que penetrado!8
O Caso de Luis Aragonés
Luis Aragonés ficou famoso a nível mundial em outubro 
de 2004, quando foi gravado indiscretamente em um treina-
mento propondo que – como astuta e sutil tática de jogo – 
o jogador José Antônio Reyes, durante a partida, chamasse 
de negro de merda o jogador de raça negra Thierry Henry. 
Apesar do escândalo que essas declarações produziram em 
diversos países, o senhor Aragonés manteve seu posto como 
técnico e hoje em dia continua desfrutando do respeito so-
cial. Assim é nossa Espanha e olé. Mas é menos conhecido 
seu comentário na Alemanha em 2006, quando o comitê de 
boas-vindas ficou de quatro ao oferecer-lhe algumas flores e 
ver que seu convidado as recusava declarando que “vão me 
dar um buquê de flores, mas no meu cu não passa nem um 
bigode de camarão”. Esta frase condensa toda a ideologia que 
subjaz o desprezo ao sexo anal e seus mitos: Aragonés passa 
de um inocente buquê de flores a uma estranha declaração 
pública de impenetrabilidade e camarões, por meio de uma 
enorme elipse que temos que desentranhar.
Os pobres alemães pensaram que se tratava de algum 
problema estomacal ou alimentício de Aragonés: “Que dis-
7 http://www.compumedicina.com/cirugia/cir_010405_htm
8 No primeiro episódio da quinta temporada de Family Guy, Stewie loves Lois, o 
Dr. Hartman realiza em Peter um toque retal para examinar sua próstata. Trau-
matizado por esse exame, Peter o processa por estupro e o médico é condenado. 
34 | Pelo CU
se? Que é vegetariano? Que pensava em consumir as flores 
e logo não poderia defecá-las? Que falou de uns camarões 
com bigodes? Que gostaria de enfiar as flores no cu, mas que 
não pode porque o dele é muito fechado e não cabem nem as 
coisas mais finas? Que tem alergia a flores e lhe dão sapinhos 
no traseiro? O que ele falou da flora intestinal”? Somente com 
uma bagagem cultural homofóbica como a da Espanha é que 
podemos chegar a interpretar corretamente a cadeia de asso-
ciações que passaram pela mente do nosso ex-técnico:
Neurônio 1: olha, que bonito, me presentearam com flores!;
Neurônio 2: Alarme, alarme, as flores são para as mulheres 
ou para as bichinhas. 
Neurônio 3: As bichas dão a bunda. 
Neurônio 4: Os homens de verdade não dão a bunda. 
Neurônio 5: Eu sou muito homem, eu não sou uma bicha, 
que pensaram esses alemães? 
Neurônio 6: Se sou um homem, então meu cu é impenetrá-
vel (Ou é ao contrário, como era isso?).
Neurônio 7: Não posso aceitar flores, não, não, minha bun-
da, são bichas, vão me foder, serei uma mulherzinha... tenho 
que explicar isso!
Neurônio 8: Preciso explicar que meu cu é impenetrável, ah, 
já sei, lhes direi que não cabe nada em absoluto, nem algo tão 
fino como o bigode de um camarão.
Neurônio 9: ufa, que alívio, já deixei claro para eles por que 
não posso aceitar as flores e que não sou bicha.
A aventura floral-anal de Aragonés é um exemplo muito ilus-
trativo dos pressupostos que subjazem a prática do sexo anal:
35 | Pelo CU
1. É algo próprio dos homossexuais masculinos e exclusi-
vo deles (contradição: “bom, eu sou um homem hetero 
e comi cus de outros homens, mas sou ativo, isso não 
faz de mim uma bicha”).
2. É algo antinatural, repugnante, o ânus não se usa para 
isso, somente para cagar (contradição: esses machos ra-
pidamente esquecem de que penetram as suas mulhe-
res, ou outros homens, se disponíveis).
3. Ser penetrado te assimila a uma mulher, te faz inferior, 
você perde sua hombridade, é um vexame, uma deson-
ra (contradição: se eu penetro a minha mulher sempre 
que posso, por que ela não poderia penetrar-me? Ou, 
por que lhe peço para que me penetre?).
4. O cu de um homem deve ser impenetrável salvo em 
situações extremas de ausência de mulheres: prisões, 
barcos, seminários de cura, naufrágio de homens em 
uma ilha deserta... (contradição: mas não era asqueroso 
e doloroso e o pior? Se todos são ativos nestas situações 
onde somente existem homens hetero... em quem pe-
netram?).
5. Ocu de uma mulher é penetrável, as mulheres são pe-
netráveis por natureza; e mais, os homens hetero ado-
ram penetrar analmente as suas mulheres (contradição: 
mas não havíamos dito que o ânus era somente para 
cagar e que o sexo anal era uma porcaria?).
6. Não é aceitável que um homem hetero goste de ser pe-
netrado ou de entrar com objetos no seu cu, ou que 
peça a sua mulher que lhe dê prazer pelo ânus (contra-
dição: então, por que eu, um homem casado e hetero, 
contrato mulheres transexuais com um grande pinto 
para que me comam?).
36 | Pelo CU
7. O teste definitivo da virilidade, o masculino e o hete-
rossexual, é que seu cu não seja penetrado jamais; o 
contrário supõe um deslizamento de gênero (homem 
para mulher) e de identidade em sua orientação sexual 
(hetero para homo) (contradição: mas se o ânus não 
tem gênero nem um dildo tampouco, por que está todo 
este assunto tão carregado de sexo e gênero?).
Extermínio Gay no Iraque
Mas há quem tenha levado ainda mais longe a fantasia 
hermética de nosso ex-técnico. Em agosto de 2009, a asso-
ciação Humans Right Watch publicou um assustador informe 
sobre o brutal extermínio de gays que está acontecendo no 
Iraque desde 2009. O informe se intitula: “Querem nos exter-
minar: morte, tortura, orientação sexual e gênero no Iraque”9. 
Segundo esse informe, diante da passividade das autoridades 
iraquianas que não fazem nada para deter a matança, milí-
cias iraquianas estão levando a cabo uma ampla campanha 
de tortura e assassinato contra homens suspeitos de condu-
ta homossexual, ou de não serem suficientemente “homens”. 
Humans Right Watch documenta uma campanha de grande 
alcance de execuções extrajudiciais, sequestros e torturas de 
homens gays, que começou no início de 2009. Os assassinatos 
começaram no grande bairro de Bagdadí da cidade de Sadr, 
um baluarte do exército de Moqtada al-Sadr Mahdi, e logo 
se estenderam a muitas cidades de todo o Iraque. Os porta-
-vozes do exército Mahdian promoveram temores acerca do 
9 http://www.hrw.org/en/reports/2009/08/17/they-want-us-exterminated-0
37 | Pelo CU
“terceiro sexo” e da “feminilização” dos homens iraquianos e 
sugeriram que a ação da milícia é o remédio. Algumas pes-
soas disseram à Human Right Watch que as forças de seguran-
ça iraquianas se uniram aos assassinos:
Parece que essa limpeza sexual (ao menos 500 gays foram 
assassinados em 2009, em uma das maiores e mais recentes 
campanhas de extermínio gay) não alarmou especialmente o 
governo dos Estados Unidos, nem os governantes ocidentais. 
A guerra preventiva contra a homofobia não está na agenda 
do Ocidente.
O periódico EL MUNDO (18 de agosto de 2009) publicava 
esta notícia com o título especialmente chamativo: “Cola con-
tra o ânus dos homossexuais no Iraque”.
Um proeminente ativista iraquiano dos direitos humanos disse 
que a milícia iraquiana utilizou uma forma de tortura contra 
homossexuais selando seu ânus, pregando-o com “cola irania-
na”... Yani Mohammad, ativista dos direitos humanos, contou 
a Alarabiya.net que as “milícias iraquianas empregaram um 
modelo de tortura sem precedentes contra os homossexuais, 
usando uma cola muito forte para fechar seu ânus”. De acordo 
com suas declarações, a nova substância, fabricada no Iran, é 
uma cola que, se aplicada na pele, gruda-a e somente pode ser 
descolada com cirurgia. Depois de prender o ânus dos homos-
sexuais, lhes dão uma bebida que produz diarreia. Posto que o 
ânus está selado, a diarreia lhes causa a morte. Distribuem-se 
vídeos dessa forma de tortura por alguns celulares iraquianos”. 
 
O mais chamativo dessa notícia é que a tortura se cen-
traliza especificamente no ânus, na necessidade de fechar o 
38 | Pelo CU
ânus dos homossexuais, como se com esta clausura corporal 
se acabasse com o desejo homossexual. Aqui a identificação 
entre “gay” e “sexo anal” é completa, mas, também, a tortura 
centra-se exclusivamente sobre o gay passivo (não ocorreu à 
milícia iraquiana castrar os gays ativos), ou simplesmente se 
identifica a todos os gays com o papel passivo na penetração.
Deixando de lado o curioso detalhe de que a cola venha 
do Irã (inimigo histórico do Iraque – a substância que entra 
em contato com o ânus gay vem também do “outro”, o ira-
niano), nesta forma de tortura se leva às vias de fato a fan-
tasia de Luis Aragonés e de tantos machinhos homofóbicos: 
que não passe nem o bigode de um camarão. No caso brutal 
do Iraque, o que era uma mera expressão se materializou no 
corpo real, em centenas de ânus selados realmente com cola, 
no assassinato de centenas de gays pela clausura definitiva de 
seus corpos, convertidos em impenetráveis por essa ideologia 
homofóbica que delira com o gozo anal que tem que reprimir 
a todo o custo.
Só existe uma expressão pejorativa onde aparece o papel 
ativo: já está outra vez enfiando no cu, estão sempre enfiando 
no cu. Aqui o que está “enfiando”, o ativo, é alguém que inco-
moda, que está causando problema, fazendo mal, irritando (o 
outro, que é penetrado por ele e que por isso supostamente 
sofre). Mas não é uma expressão muito insultante, o ato de 
estar enfiando no cu não te transforma em outra pessoa, em 
uma entidade, em uma essência ou uma identidade; é um ato 
passageiro (só pode ser usada no gerúndio, estar enfiando), 
algo que você faz aos demais pontualmente10.
10 Outras expressões negativas, mas não com um conteúdo sexual ou de penetração 
são: Piensas con el culo. Tontolculo. Vamos de culo. Salva tu culo. Estoy hasta el culo. 
39 | Pelo CU
Os direitos civis e o cu: 
O caso da cadeia interesodomia tv
Nos meses de maio e junho de 2010, um grande escândalo 
social surgiu por causa dos insultos machistas que o senhor 
Eduardo García Serrano (colaborador da emissora de ultradi-
reita Intereconomía TV) dirigiu à conselheira de saúde catalã 
Mariana Geli por ter promovido junto ao seu departamento 
a campanha “Sexe Joves”, uma campanha de educação afeti-
vo-sexual. O senhor García Serrano disse dela: “é uma porca, 
uma suja e uma puta repugnante”. 
Em outros comentários posteriores nessa mesma emisso-
ra, García Serrano acrescentou ao seu histórico de injúrias 
de ódio, comentários homofóbicos contra o escritor Antônio 
Gala e o ativista LGTB e conselheiro da prefeitura de Madri 
Pedro Zerolo. Sua orgia de declarações homofóbicas termina-
va com uma interessante reflexão:
Eu sempre me perguntei.... Não sei por que é que por alguém gos-
tar de sodomizar ou de ser sodomizado, isso tem que gerar direitos 
civis, não entendo o porquê. 
A pergunta feita por García Serrano abre um interessante 
debate sobre a origem dos direitos civis. Desde a Fundamen-
Culo de mal asiento. Ser un culo inquieto. Caraculo. Culo veo culo quiero. Perder el 
culo por algo/alguien. Quedar como el culo. Ir con el culo a rastras. Mover el culo. 
Dejarse el culo. Los has hecho como el culo. Quedarse con el culo al aire. Expressões 
positivas: me viene como polla al culo; me parto el culo de risa; porque me sale del 
culo; ponerse hasta el culo; ser polla y culo (n sentido una e carne). Para um glos-
sário exaustivo de termos sobre o cu em espanhol, ver o livro de Padilha Monge, 
José Manuel El culo. Glosario y compendio de los assuntos propios del trasero. 
Será que não existe alguma referência interessante sobre isso em português? Outra 
pergunta: não valeria a pena traduzir algumas dessas expressões?
40 | Pelo CU
tação da metafísica dos costumes de Kant, não tínhamos escu-
tado uma reflexão tão profunda e inovadora sobre a origem 
do direito. A ideia é original: o direito civil pode proceder do 
cu, dos usos do cu, da penetração anal consentida e prazerosa, 
tanto ativa como passiva. Ademais, a entrada dessa conversa 
é igualitária: valoriza igualmente sodomizar (ser ativo) e ser 
sodomizado (ser passivo). Claro que isso colocauma mu-
dança histórica: podemos inferir que, para García Serrano, 
alguém que goste de penetrar vaginalmente ou ser penetrado 
vaginalmente, este sim, é fonte natural dos direitos civis. Ele 
não se pergunta o porquê disso, para ele é algo natural. Ou 
seja, a heterossexualidade tem carta branca da natureza para 
o acesso aos direitos.
Outro aspecto interessante dessas declarações e da redu-
ção da pessoa a seu cu: a identificação entre direito e sexo. 
Nesse caso, o ataque se centrava na pessoa de Pedro Zerolo. 
Primeiro reduz a pessoa a corpo, e depois de corpo a cu. Para 
García Serrano, ser gay é somente uma prática sexual, é so-
mente um cu que é penetrado ou um pênis que penetra um 
cu. Isto nos remete ao velho debate sobre os direitos huma-
nos. Quem é humano? Quem decide o acesso a “ser” humano, 
e quem fica excluído do “humano”?
Como esse dispositivo de humanização/desumanização 
não é neutro, mas depende de relações de poder, então des-
confiamos do discurso humanista. Este é um bom exemplo 
do perigo desse dispositivo: “Não, os gays não são humanos, 
são somente um cu ou um pênis, um pedaço de corpo, as-
sim sendo... como vão ter direitos? Um cu não tem direitos, 
é somente uma coisa. Zerolo – e por extensão todos os gays 
– é apenas um objeto, somente um ato sexual equivocado, 
portanto não é humano”. O acesso ao humano vem por meio 
41 | Pelo CU
da penetração vaginal. Usando a lógica de García Serrano, ele 
sim acessa os direitos civis porque ele pratica (suponhamos) 
a penetração vaginal. Isto é o “não dito” do seu discurso, mas 
é importante. Curiosamente, essa lógica não é reversível. Este 
tertuliano não aceitaria ser reduzido a um objeto penetrável 
ou penetrante. Os heterossexuais são pessoas, com alma, com 
valores, são humanos. E por isso devem ter direitos civis. Seu 
acesso ao direito civil não vem do cu. Não sabemos de onde 
vem, mas desde logo não vem de lá. Ele não se pergunta. É 
uma velha história: os que ocupam uma posição de poder, de 
privilégio, de maioria, não se perguntam sobre a origem de 
seus direitos ou de sua posição. Os homens não se perguntam 
por que têm mais riquezas, acesso a postos de poder e respon-
sabilidade, e melhores salários e trabalhos que as mulheres. As 
políticas de igualdade são coisas de “mulheres”. Eles não têm 
que repropor nada. Os heterossexuais não são conscientes 
dos seus privilégios, nem questionam sua própria identidade. 
Nem a origem de “seus” direitos civis porque são deles. Só de-
les. Nós gays queremos ter acesso aos direitos civis por meio 
do cu, e isso não são modos. Um pouco de seriedade, por 
favor, pare de sodomizar. Também isso é algo muito antigo: 
identificar sodomia com a homossexualidade. Já veremos em 
outros capítulos a debilidade desse argumento. Basta pergun-
tar aos heterossexuais e ao pornô hetero.
Por direitos civis suponhamos que García Serrano se refira 
ao direito ao matrimônio. Ou seja, para ele, o matrimônio gay 
emana da sodomia. Este é o seu fundamento e sua essência. 
Resulta que tomar no cu ou que te metam pelo cu nos permi-
tiu ter acesso ao direito ao matrimônio. De algum modo isso 
legitima e naturaliza a sodomia. Segundo García Serrano, a 
lógica gay é a seguinte: “nós damos o cu, logo temos direito 
42 | Pelo CU
a nos casarmos como vocês, heterossexuais”. E isso ele não 
gosta. O matrimônio é uma coisa séria, é um direito que vem 
de outra parte. Mas, de onde?
Gostaríamos de levar a sério a reflexão de García Serrano. 
Pois sim, vamos colocar que nossos direitos emanam do fato 
de que gostamos de sodomizar e ser sodomizado. Queremos 
que o acesso às políticas sociais, de moradia, de emprego, de 
saúde, de cultura e educação provenham e se baseiem em 
gostarmos de dar o cu. Isso é que é um orgulho passivo como 
deus manda. Nada de direitos humanos, pessoas, almas, ética, 
cidadania, amor ou democracia. O anal como fonte do direito 
e do político. Crise da esquerda? Crise da política? Não que-
riam reinventar o social? Pois, aqui os tem. Tomar no cu.
43 | Pelo CU
OS anaiS da HiStÓria. HiStÓria dOS anaiS
O obturador e meu ânus se abrem com uma sincronia quase perfeita. 
 Penetram profundo até fazer-me explodir. 
Pierre Molinier 
Neste capítulo, vamos expor algumas referências históri-
cas da analidade, da sodomia e de seus diferentes tratamentos 
em função das épocas, culturas, religiões e contextos. Não se 
trata aqui de trazer um estudo exaustivo antropológico so-
bre esta questão, mas somente de acrescentar certas reflexões 
que nos permitam conhecer alguns antecedentes dos anais da 
história.
No princípio era o ânus. Ânus significa anel, do latim, 
anus, e este do protoindo-europeu (ânus: anel). 
É engraçado que se use o anel como símbolo do casal ca-
sado. Na realidade, ânus significa anel, de modo que, sem sa-
bê-lo, o casal consagra seu amor com o gesto de meter um 
dedo no cu, um anel no dedo anular (o anal). Ou o gesto de 
meter um ânus no dedo. Já sabemos que o matrimônio, e in-
clusive o amor, são rituais de possessão. Assim, esse primeiro 
gesto nos recorda o vínculo entre o cu e o poder. Vamos ver 
neste capítulo como os esfíncteres foram controlados no de-
correr da história. Veremos esfinges posicionadas na entrada 
44 | Pelo CU
das cidades, no alto das camas, nas praias e nos portos, vi-
giando a abertura e o fechamento dos esfíncteres de distintos 
povos e épocas, propondo enigmas que só poderão ser resol-
vidos com uma maior abertura mental ou anal. Dizem que 
os turcos quando brigam tendem a dar facadas no cu. É para 
não matar? É uma forma deslocada de penetração? É por-
que quem recebe tem que explicar por que deu as costas? Nas 
guerras, após as batalhas, os mortos que tinham feridas nas 
costas não eram enterrados com honras, já que as feridas nes-
ta parte queriam dizer que haviam fugido e que tinham sido 
mortos por trás. Existem numerosas tradições que condenam 
a possibilidade do acesso ao corpo “por trás”, inclusive para 
morrer. Metaforicamente, as costas é o cu, ainda que exista 
quem chame o cu de ali onde as costas perdem seu nome.
Seguindo tangencialmente com os turcos, Vlad o Empa-
lador, personagem em que se baseou Stoker para escrever 
Drácula, à parte outros passatempos sanguinários, costumava 
empalar seus “inimigos”. O empalamento, o bom, o fantás-
tico, consistia em meter uma estaca no cu e/ou na vagina, e 
retirá-la pelo pescoço, sem tocar os órgãos vitais para aumen-
tar a agonia… Também havia um instrumento de tortura da 
inquisição que era uma espécie de pirâmide que enfiavam no 
cu do suposto infiel ou herege.
O interessante do cu é que sempre é o “do outro”, do es-
trangeiro. Na tradição europeia, sobretudo na espanhola, isso 
do cu é coisa de mouros. Para os árabes, são os europeus que 
vão lá pedir para serem enrabados. Para muitos povos euro-
peus “um grego” é uma penetração anal. Para os invasores 
espanhóis da América, os índios americanos eram um bando 
de pecadores porque praticavam sexo anal de forma cotidia-
na. Sempre é o povo ao lado que pratica a sodomia, nunca é 
45 | Pelo CU
algo próprio da sua “nação” ou da sua cultura. Na Idade Mé-
dia, castigava-se a sodomia por ser algo próprio dos infiéis, 
dos povos mulçumanos. 
De Tebas à Índia: esfinge e tantras
A única tradição que conhecemos onde se valoriza a pos-
sibilidade do coito anal como algo positivo é a tradição tân-
trica da Índia. O Adhorata é um tipo de coito que equivale às 
práticas de yoga como Mulabandha (travamento do esfíncter 
anal) e Asvini Mudra (contração e relaxamento do ânus). Para 
compreender este tipo de relação, temos que recordar primei-
ro que, ainda para os ocidentais, o ânus não é precisamente 
um lugar limpo. Para os hindus, isto não representa um pro-
blema, pois sua higiene é sumamente rigorosa e sempre está 
relacionada com as práticas sexuais. Oshindus são especial-
mente cuidadosos em lavar com água em abundância mais de 
uma vez ao dia suas zonas erógenas, e a cada vez antes e de-
pois do coito, assim como depois de qualquer atividade intes-
tinal. O ânus é – segundo a tradição tântrica – uma das zonas 
mais sensíveis do corpo humano, sendo claramente uma zona 
erógena e de concentração de energia psíquica. Essa zona se 
encontra em contato com o chakra basal ou Muladhara, que 
é onde fica enrolado o poder primário do sistema nervoso, 
simbolizado pela Deusa serpente ou Kundalini.
Desta forma, o Tantra propõe que mediante a abertura dos 
esfíncteres anais de Shakti (a parte feminina do deus), quer 
dizer, da mulher, Shiva (a parte masculina do deus), resolve-
-se o enigma da Esfinge. Também para esta tradição, vemos 
que o anal é “o feminino”, que se abre para que o macho atue.
46 | Pelo CU
A busca específica deste tipo de relação sexual é o des-
pertar direto da Kundalini. O tantra considera que, aparente-
mente, entre a parede do reto e a ponta da última vértebra se 
encontra uma glândula a que chamam Glândula Kundalini. O 
yoga criou várias técnicas para estimular essa glândula, entre 
as quais mencionam a Mula Bandha. 
A dilatação dos esfíncteres anais é uma das formas mais 
rápidas e diretas para estimular e ativar essa glândula, o que 
tem um efeito reflexo sobre os dois ramos do sistema nervoso 
que terminam no reto e no ânus.
Segundo a crença tântrica, o coito anal provoca no reto 
a ejaculação, o que alimenta a glândula Kundalini, pelo que 
Shiva (o homem) sustenta sua Shakti com esse tipo de rela-
ção, ao mesmo tempo em que facilita o despertar de seu fogo 
interno. Em um tratado de sexo tântrico encontramos esta 
explicação, interessante, mas muito heterocentrada:
É importante recordar que este tipo de relação, como qualquer 
outra, deve incluir uma grande higiene, consentimento mútuo e 
grande sutileza, pois se se é violento ou rude pode-se machucar 
tanto a Shakti, a mulher, como o órgão sexual do homem ou lin-
gam. Além disso, deverá ter uma forte estimulação manual antes 
de proceder para que a mulher se encontre lubrificada, se necessá-
rio pode-se usar lubrificantes extra. Se ambos quiserem, esse tipo 
de relação pode ser extremamente prazeroso, podendo também 
guiar até o despertar do Kundalini e da separação da consciência, 
do ego para entrar na harmonia com todo o universo.
A tradição tântrica assume com bastante naturalidade algo 
que, em realidade, todo mundo sabe: que a zona anal é uma 
zona erógena. Mas, mesmo que esta tradição soe bastante boa 
em teoria, não parece ter tido muita influência na vida real co-
47 | Pelo CU
tidiana dos habitantes da Índia, onde hoje em dia o sexo anal 
continua sendo um tabu e onde a homossexualidade é muito 
mal vista. O ânus está rodeado de alguns músculos denomi-
nados esfíncteres; suas raízes etimológicas provêm da palavra 
grega sphinx, que compartilha sua origem com esfinge, criatura 
de origem mitológica que guarda mistérios e enigmas. Como 
nos explicava o genial poeta gay José Lezama Lima:
Esfinge e esfíncter têm a mesma raiz: contrair11.
Então vemos que se trata de apertar: a esfinge te coloca 
nos apertos, a esfinge como estrangulador que patrulha o de-
sejo, que fechava o caminho na entrada de Tebas. Esfíncter 
deriva de sphíngo: apertar, fechar, estrangular, contrair, eno-
dar. Galeno foi o primeiro a utilizar essa palavra em seu sen-
tido anatômico, mas vemos que já nesse primeiro momento 
o ânus é percebido mais como espaço para fechar que para 
abrir. Galeno podia ter descrito esse mesmo músculo com 
uma palavra de abertura, de relaxar, de afrouxar, de abrir, de 
desatar nós, como um espaço de passagem e de recepção. Es-
quecemos que a utilidade do ânus está em abrir-se, não em 
fechar-se. 
O semiólogo Charles Pierce dedicou um estudo à esfin-
ge e a seu significado (A Guess at the Riddle12) em textos de 
Emerson, Poe e Melville, que tratam dessa figura mitológica. 
Os fundamentos etimológicos e mitológicos do termo esfinge 
se encontram em plena sintonia com as investigações peir-
ceanas. Com efeito, como já colocamos, Esfinge deriva, em 
11 Lezama Lima, José, Diarios, Era, México, 1994, p.84.
12 Peirce Ch. S., The essential Peirce, Volume 1: Selected Philosophical Writings, 
(1867-1893), Indiana University Press, 1992.
48 | Pelo CU
grego, de estreitar, de ligar, enodar (daí o músculo anular, 
“esfíncter”), e encarna metaforicamente no monstro imagi-
nário que enoda a mulher e o leão. O tom enigmático da Es-
finge se origina, por sua vez, na magnificência estranha das 
representações egípcias, que na cultura grega dão lugar ao 
ente sobrenatural que guarda a entrada de um lugar secreto 
perto da antiga Tebas. As respostas apropriadas às adivinhas 
da Esfinge (“Riddles of the Sphinx”) abririam portas de segre-
dos bem guardados. Dentro deste quadro, a proximidade de 
Peirce com a Esfinge é imediata, uma vez que compreender e 
desembaraçar os nós do saber constituem, sem dúvida, duas 
das maiores tarefas do filósofo norte-americano. Todo o seu 
sistema teórico tende, na realidade, a armar uma taxonomia 
sofisticada de distinções correlativas entre conceitos “enoda-
dos”. Não obstante, as sisudas reflexões de Peirce não o leva-
ram a uma descrição das implicações anais da esfinge, outro 
exemplo de repressão curiosa que deixa de lado essa parte 
infame do nosso corpo, da qual ninguém quer saber nada. O 
enigma da Esfinge é a pergunta sobre qual o ser que caminha 
de quatro patas no início da vida; com duas, no meio; e com 
três, ao final. Édipo decifra o enigma: esse ser é o ser humano, 
na infância, na vida adulta e na velhice. Resolvido o enigma, 
a Esfinge se joga no fundo do abismo13.
13 Existe uma outra versão sobre a resposta que Édipo deu. Segundo esta versão, 
Édipo disse à esfinge: “o ser que caminha de quatro patas no início; com duas, 
no meio; e com três ao final é a bicha. Qualquer um que tenha ido a uma sauna 
ou a um quarto escuro em Tebas sabe que as primeiras experiências são com as 
quatro patas no chão para ser penetrado; depois te colocam de pé para que te 
chupem; e ao final finca no chão os dois joelhos, e apoia uma das mãos no chão, 
para mamar os outros mais comodamente.
49 | Pelo CU
Gregos e romanos
Retornando ao mencionado “grego”, quando se fala da 
Antiga Grécia, logo imaginamos que ali todo mundo anda-
va dando o cu alegremente em uma espécie de paraíso anal. 
Mas as coisas não eram tão simples. Embora seja verdade que 
o amor verdadeiro era o que se dava entre um adulto e um 
adolescente, a prática sexual do coito anal estava pautada em 
uma série de convenções e limitações bastante contraditórias.
Para começar, a passividade no adulto era muito mal vista. 
Como nos explica Foucault na sua obra História da Sexualidade:
 A relação entre dois homens feitos será mais facilmente objeto 
de crítica ou de ironia: é porque a suspeita de uma passividade, 
sempre mal vista, é particularmente mais grave quando se trata 
de adulto 14.
Mas, também, o jovem adolescente de que se espera uma 
posição passiva, tampouco deve mostrar prazer sem ser ob-
jeto de desejo, nem no ato sexual. Existe uma vigilância de 
gênero muito articulada ao redor do sexo, cheia de parado-
xos, controles e valores. Por exemplo, essa relação adulto-a-
dolescente é marcada por muitos rituais de cortejo, onde o 
adolescente não deve “se dar facilmente”, nem o adulto abusar 
de sua posição de poder ou de superioridade.
Além disso, o esquema da polaridade ativo/passivo está 
muito arraigado na estrutura do erotismo grego. Mas, ao 
contrário de certa crença comum que relaciona o adolescente 
14 Foucault Historia de la sexualidad, volumen II, El uso de los placeres, p. 179 [ed. 
bras.: Foucault. História da sexualidade, volume 2: o uso dos prazeres. Rio deJaneiro: Graal, 1998. p. 173].
50 | Pelo CU
com o feminino, na antiga Grécia despreza-se enormemente 
a possibilidade da moleza e da afeminação do efebo. Espera-
-se dele sinais de virilidade, não físicos, mas de atitude: vigor, 
resistência, ímpeto, uma promessa de virilidade por vir. Por 
isso se considera muito negativamente que o adolescente des-
frute abertamente do papel passivo:
 Por outro lado, o rapaz, posto que sua juventude deve levá-lo a 
ser homem, não pode aceitar assumir-se como objeto nessa re-
lação, que é sempre pensada sob a forma da dominação: ele não 
pode nem deve se identificar com esse papel. Ele não poderia 
ser de bom grado, a seus próprios olhos e para si próprio, esse 
objeto de prazer15.
Tampouco para o adulto as coisas são fáceis; em primei-
ro lugar, nessa passagem da etapa adolescente para a etapa 
adulta, ele tem que sofrer uma espécie de “amnésia”, pela qual 
abandona o papel passivo e passa a adotar um papel ativo. 
Mas é tão fácil esquecer o que se viveu na adolescência? Os 
argumentos dessa ética estão cheios de armadilhas: “não há 
nada para esquecer, porque não experimentavam prazer nes-
sa época, como passivos”. Se previamente se proibiu sentir 
prazer, parece mais fácil dar este passo rumo ao papel ativo. 
Parece que aqui ninguém tem que sentir prazer. O que se es-
pera do adulto é uma espécie de sublimação que transforma 
sua atração pelo efebo em uma relação de filia, de amizade 
profunda, que supera a mera relação carnal16.
15 Idem, p. 203. [Ed. Bras.: idem, p. 195].
16 Para uma análise detalhada das críticas que existiam na Antiga Grécia à posição 
passiva na penetração anal e na felação, ver o rigoroso estudo de Dover, K.J. 
Homosexualidad griega. 
51 | Pelo CU
É claro que esse jogo de regras e de valores não tem que re-
fletir a realidade social, o sexo real que praticavam os gregos, 
do mesmo modo que os atuais códigos da “boa sexualidade” 
que nos propõe COPE, o Vaticano ou o Partido Popular, não 
refletem em absoluto a realidade de suas práticas sociais. So-
bretudo as do Vaticano.
Parece que ocorria exatamente o contrário; parece que na 
Grécia existia uma grande preocupação em manter este siste-
ma binário ativo/passivo, adulto/jovem, subestimando o tem-
po todo o prazer sexual em si mesmo. Mas é bastante difícil 
crer que depois de ter passado vários anos de enrabamento na 
adolescência (por mais enfeitados de culturas e rituais que se-
jam), alguém esqueça alegremente essa atividade e se converta 
rapidamente em um super-ativo para o resto da vida. Também 
é difícil crer que, em todos esses atos de sexo anal, o jovem não 
experimentava algum prazer ou que, na realidade, o jovem não 
transava com o adulto quando dava vontade a ambos.
Certa tradição homófila de escritores e artistas do final do 
século XIX e do princípio do XX retomou a figura do efebo 
da cultura grega e a transformou em uma espécie de ideal 
absoluto, elogiando, também, a beleza do efebo em relação à 
sua ambiguidade sexual e seu atraente afeminamento. Como 
assinalamos, este modelo idealizado está muito distante dos 
próprios critérios dos Gregos, bastante plumofóbicos em ge-
ral (ao menos segundo o que refletem todos os textos). Mas 
existe outro aspecto que também se ocultou nessa tradição de 
valorização dos efebos: é que na antiga Grécia também ha-
via uma importante valorização dos corpos adultos, inclusive 
dos anciãos. Basta ver as esculturas gregas para compreender 
seu enorme interesse e admiração pelo corpo do adulto; e, 
como nos diz Foucault:
52 | Pelo CU
E no banquete de Xenofonte, evoca-se o fato de que havia o cui-
dado de escolher como talóforos de Atenas os mais belos an-
ciãos17.
Pois bem, um aspecto esquecido da antiga Grécia era que 
foram criados então os primeiros clubes de daddies.
Continuando com os códigos gregos, e sua herança na ci-
vilização romana, o historiador Paul Veyne nos explica que 
nessas épocas não se classificavam as condutas em função do 
sexo do amado (pouco importava se eram mulheres ou jo-
vens), mas em função da atividade e da passividade:
Ser ativo é ser um macho, seja qual for o sexo da pessoa chama-
da passiva. Obter prazer de forma viril, ou dar prazer de forma 
servil, tudo se baseia nisto [...]. Por isso, o adulto homem e livre 
que era homófilo passivo (chamado impudicus, ou diatiheme-
nos) sofria um desprezo enorme18.
Parece que o ódio à bicha desmunhecada era já muito es-
palhado na Grécia e em Roma, onde também se mantinha o 
mal-entendido comum de que a pessoa passiva é afemina-
da, ou de que a pessoa afeminada é necessariamente passiva. 
Nesse assunto, há exemplos bem divertidos: na época roma-
na circulavam muitos rumores sobre os estoicos, de quem 
se dizia que escondiam abaixo da sua exagerada virilidade 
uma feminilidade secreta (os ursos e os leather não são tão 
17 Foucault, op. Cit., p. 184. Os talóforos eram os velhos que carregavam os ramos 
de oliva nas festas de Ateneia, as grandes Panateneias [Ed. bras.: Foucault. His-
tória da sexualidade, volume 2: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 1998. 
p. 177].
18 Paul Veyne, L’homossexualité à Rome, p. 45, no livro Sexualités occidentales, vários autores. 
53 | Pelo CU
originais). Inclusive, o próprio Sêneca foi objeto desse tipo 
de chacota. Também em Roma inventaram o Don’t ask, don’t 
tell contra os passivos, pois existem testemunhos de que, em 
Roma, se expulsava do exército os homossexuais passivos. 
Mas é importante assinalar que o rechaço do passivo não se 
devia à sua homofilia, mas à passividade em si mesma, que 
era considerada como equivalente a um defeito moral muito 
grave: a delicadeza, o afeminamento19.
O indivíduo passivo não era afeminado por causa do seu des-
vio sexual, mas ao contrário: sua passividade era um dos efeitos 
da sua falta de virilidade e essa carência permanecia como um 
vício capital, inclusive se não se dava a homofilia [...] O estado 
romano proibiu muitas vezes os espetáculos de ópera porque 
eles afeminavam e eram pouco viris, diferente dos espetáculos 
dos gladiadores.20 
 
Parece que a divisão comum “ópera para veadinhos, fute-
bol para os machos” já estava presente na civilização romana! 
Em todo caso, em todas essas práticas de condenação con-
tra o passivo se faz sempre essa falsa identificação passivo = 
afeminado. Ou seja, sem dúvida, muitos homens “viris” da 
época grega e romana, adultos e de pelo no peito, desfruta-
vam sendo penetrados, mas toda a trama social e cultural 
ocultava esse fato: aparece como cabeça de turco “o afemi-
nado”, como o único ser passivo de toda sua civilização, ou 
deixando este papel para o adolescente, como única possibili-
19 Esta tradição perdura com surpreendente tenacidade: na edição atual do dicio-
nário da Real Academia Espanhola lemos a seguinte definição da palavra mari-
ca[bicha]: homem afeminado e de pouco ânimo e esforço. (Mas que demônio será 
isso de “pouco ânimo e esforço”!). 
20 Veyne, p. 45.
54 | Pelo CU
dade não ignominiosa. De algum modo esse personagem ab-
jeto, o afeminado-passivo, e essa identificação tão rígida tinha 
muitas vantagens: deixava livres do “pecado” todos aqueles 
que tiveram um aspecto “masculino”, e afastava a suspeita do 
seu possível prazer anal.
É interessante a lógica que se seguia na cultura romana: a 
passividade era uma consequência da falta de virilidade, não 
a causa. Esse detalhe é importante, dado que na nossa cultura 
atual a lógica é inversa: é o ato passivo, o fato de ser penetra-
do, que acarreta como consequência uma perda da virilidade. 
De fato, parece que o mero ato da penetração (como passivo) 
“amaricona” automaticamente a pessoa que o experimenta21. 
Como comentamos, em Roma ou na Grécia o critério que 
organizava as sexualidades não era se alguém gostava de mu-
lheres oude homens, mas o valor da masculinidade, a posi-
ção de poder, o ser ativo ou passivo, a classe social superior 
associada ao papel ativo.
O tabu moral acerca do sexo anal “passivo” na antiga Atenas 
é formulado principalmente como higiene do poder social. Ser 
penetrado é abdicar do poder22.
Neste sentido, existe outro exemplo ainda mais curioso na 
cultura romana, uma obsessão por um ato execrável de que 
hoje se fala pouco, mas que está muito bem documentado: a 
21 É interessante constatar que em muitos fóruns sexuais da Internet a consulta 
mais habitual que fazem os homens hetero que desfrutam do prazer anal (por 
exemplo, que pedem a suas mulheres que lhes penetrem com objetos ou com os 
dedos) é saber se por isso viraram homossexuais. A resposta dos sexólogos em 
geral é sempre a mesma: “não, tranquilo, pode ser penetrado analmente e não 
por isso é um homossexual”. 
22 Bersani, L. “Es el recto una tumba?”, em Llamas, R., Construyendo identidades, 
p. 101.
55 | Pelo CU
felação (irrumatio). Nessa cultura, a mamada era um ato ain-
da mais baixo que a penetração anal passiva. Para os roma-
nos, chupar (ou seja, despreza-se aquele que chupa o pênis, 
que lhe chamavam passivo, ainda que a nós nos pareça algo 
super-ativo) era o pior do pior, o ato mais baixo de submissão: 
obter prazer passivamente dando prazer ao outro e, por sua 
vez, oferecer uma parte do seu corpo, a boca, para a inteira 
disposição do outro. A coisa era tão mal vista que, segundo 
Marcial23, alguns homens que haviam sido surpreendidos 
fazendo boquete... tentaram passar por homófilos passivos! 
Dado que a injúria, neste caso, era menor, era preferível con-
fessar um ato de penetração passiva a confessar que gostavam 
de dar uma boa mamada.
Como vimos, esses critérios de sexo condenável também 
estão muito ligados à classe social. O grave não é o ato em si 
da penetração, mas se quem a recebe é uma pessoa de classe 
alta, um homem livre e, sobretudo, que desfrute com isso. O 
que escandaliza não é o sexo em si, mas o deslizamento de 
classe social que supõe, o adotar uma posição que só deve ter 
o escravo. É importante colocar este ponto para entender a 
cultura romana: o critério que está funcionando é mais uma 
vigilância de classe do que de sexualidade.
Sodomia: dos judeus à inquisição
O termo sodomia vem do nome da antiga cidade Sodo-
ma (SeDoM em hebraico, derivado da raiz SOD = secreto), a 
qual, segundo a Bíblia, foi destruída por Deus por seus mui-
tos pecados. Na fala atual se identifica com a prática do sexo 
23 Richlin, A. (1981). “The meaning of irrumare in Catullus and Martial.” Classical 
Philology 76: 40-46.
56 | Pelo CU
anal apesar de que Sodoma, na Bíblia, não foi castigada por 
esses atos.
Tradicionalmente, os pecados cometidos pela cidade de 
Sodoma ficaram conhecidos como a prática do sexo anal en-
tre homossexuais masculinos; de fato, no imaginário popular 
e clerical, a razão do castigo era a prática da homossexualida-
de (pelo menos masculina) por parte dos sodomitas, a qual 
passou a se chamar sodomia.
O trabalho erudito de John Boswell Cristianismo, Tolerân-
cia Social e Homossexualidade. Os Gays na Europa Ocidental 
desde o começo da Era Cristã até o Século XIV explica com 
muito rigor os mal-entendidos que existem na origem dessa 
interpretação do termo sodomia.
A ideia de que a conduta homossexual é condenada no Antigo 
Testamento provém de várias passagens. Provavelmente a mais 
conhecida, e sem dúvida a que mais influência exerceu, é o re-
lato de Sodoma, no Gênesis, 19. Na verdade, Sodoma deu seu 
nome às relações homossexuais na língua latina: no decorrer 
da Idade Média, tanto no latim quanto em qualquer uma das 
línguas vernáculas, a palavra mais próxima a homossexual foi 
sodomita. Contudo, a interpretação puramente homossexual 
daquele relato é relativamente recente. Nenhuma das muitas 
passagens do Antigo Testamento que se refere à depravação de 
Sodoma sugere delito do tipo homossexual, de modo que as as-
sociações homossexuais têm que ter sua origem em tendências 
sexuais numa literatura muito posterior. Não é provado que tais 
associações desempenharam um papel importante na determi-
nação das atividades dos primeiros cristãos. Sobre a única base 
do texto, parece possível extrair quatro conclusões sobre a des-
truição de Sodoma: 1) que os sodomitas foram destruídos pela 
depravação geral que, em primeiro lugar, incitou ao Senhor en-
viar anjos à cidade para que investigassem; 2) que a cidade foi 
57 | Pelo CU
destruída porque o povo de Sodoma tentou violar os anjos; 3) 
que a cidade foi destruída porque os homens de Sodoma tenta-
ram induzir os anjos a se envolverem em relações homossexuais 
com eles (observe-se que não é o mesmo que 2); na lei judia 
a violação e a relação sexual são delitos que se castigam inde-
pendentemente); 4) a cidade foi destruída por não tratar com 
hospitalidade aos visitantes que o Senhor enviara.
Embora seja a mais evidente das quatro, a segunda possibilidade 
foi largamente ignorada pelos estudiosos antigos e modernos da 
Bíblia, provavelmente devido às ambiguidades que rodeavam o 
estupro homossexual. Desde 1955, os estudiosos modernos se 
inclinam cada vez mais pela interpretação 4), enfatizando que 
as matizes sexuais do relato mesmo estando presentes, eram de 
caráter secundário, e que o impacto moral da passagem se re-
lacionava com a hospitalidade. Para dizê-lo brevemente, a tese 
desta linha de investigação sustenta que Lot violava o costume 
de Sodoma (onde não foi cidadão, sim meramente “residente”), 
ao receber à noite hóspedes desconhecidos no recinto fortifica-
do da cidade sem a permissão dos anciãos. Quando os homens 
de Sodoma se reuniram para pedir que se levasse os estrangeiros 
à sua presença, pois “eles queriam conhecê-los”, não queriam 
dizer outra coisa que “saber” quem eram e, em consequência, a 
cidade não foi destruída por imoralidade sexual, mas pelo peca-
do de falta de hospitalidade com os forasteiros.24 
A sodomia na Idade Média e na Idade Moderna incluía 
diversos “atos contra a natureza”, mas era empregada prin-
cipalmente no caso do sexo anal. Como vimos, a origem do 
termo está na Bíblia, na história de Sodoma e Gomorra. A 
identificação do “pecado de Sodoma” com o sexo anal e não 
com a falta de hospitalidade ou a luxúria em geral, docu-
menta-se pela primeira vez com Santo Agostinho. A palavra 
24 Boswell, p. 96.
58 | Pelo CU
“sodomia” aparece pela primeira vez no século XI, no Liber 
Gommorrhianus do Monge Benedito Petrus Damianus, para 
o que aquela palavra incluía todas as atividades sexuais que 
não serviam para a reprodução. As lésbicas eram ignoradas 
em grande parte, embora as mulheres que praticavam o sexo 
anal também caíssem sob o epíteto sodomita. Como veremos 
mais à frente, no parágrafo sobre Foucault e a aparição do 
“homossexual”, a sodomia não descrevia um “tipo de perso-
nalidade”, mas somente o ato sexual em si.
As primeiras perseguições aos homossexuais por causa do 
sexo anal são da metade do século VI, quando o imperador 
bizantino Justiniano e sua esposa Teodora proíbem, por mo-
tivos políticos, os “atos contra a natureza”, amparando-se em 
razões religiosas. A lei previa como castigo a castração e o 
passeio público pelas ruas. Não existem provas de que a Igreja 
Ortodoxa tenha apoiado o édito em nenhum momento.
Até o século XII, na maioria dos países europeus, a so-
domia não era castigada, não sendo mais que um entre tan-
tos pecados que apareciam nos textos eclesiásticos. A atitude 
mudou no percorrer das cruzadas, nas quais a propaganda 
anti-islâmica identificava os mulçumanos como sodomitas 
que violavam os bispos e as crianças cristãs (já vimos que o 
sodomita é sempre “o outro”). Pouco depois, identificava-se 
a sodomia com a heresia; entre 1250 e 1300, introduziam-se

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