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ANÁLISE HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO LIBERTÁRIA NO BRASIL NO

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ANÁLISE HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO LIBERTÁRIA NO BRASIL NO 
INÍCIO DO SÉCULO XX 
Angela Maria Souza Martins - UNIRIO 
 
 
Introdução 
 
 No período da Primeira República, começaram a ser disseminadas, no Brasil, diferentes 
propostas pedagógicas que redundavam em diferentes formas de pensar a instituição escolar, uma 
das propostas que questionou mais profundamente a forma tradicional de ensinar foi a proposta 
racional libertária, defendida pelos anarquistas. O registro dessa proposta está, em sua maioria, na 
imprensa de caráter socialista e anarquista, em livros e correspondência encontrada em acervos 
de defensores do anarquismo e do socialismo. Por isso, nosso trabalho apóia-se nos acervos 
Edgard Leuenroth (AEL), na UNICAMP e de Fábio Luz, do Arquivo Nacional. Fábio Luz foi um 
importante militante anarquista que viveu no período da Primeira República, no Rio de Janeiro. A 
partir dos acervos do AEL e de Fábio Luz e de fontes bibliográficas avançamos em nossa 
pesquisa, priorizando a discussão sobre os valores e pressupostos que embasaram a pedagogia 
racional libertária defendida pela educação anarquista, no Brasil. Essa modalidade de pedagogia 
esteve presente em todos os projetos educacionais anarquistas. Segundo os anarquistas, as escolas 
não podiam prescindir do método racional libertário, pois este método seria o único capaz de 
combater o ensino dogmático baseado em fundamentos religiosos professados nas escolas estatais 
e confessionais. Por isso, a educação anarquista no Brasil enfatizava a racionalidade, a liberdade 
e a espontaneidade. Estes princípios seriam a base para formar um novo homem, autônomo, livre 
pensador, que poderia vencer todo tipo de dogmatismo. Nesse sentido, era necessário criar uma 
escola com novos princípios pedagógicos, porque acreditavam que as crianças precisavam ser 
formadas de acordo com esses novos princípios, baseados na experiência e na demonstração 
racional. Os anarquistas preconizavam os métodos ativos, com a finalidade de preparar os 
estudantes para o trabalho e também incentivar a militância. Procuravam respeitar a liberdade da 
criança, sua espontaneidade, as características de sua personalidade, sua independência, seu juízo 
e espírito crítico. A partir desses pressupostos podemos fazer algumas reflexões sobre a educação 
libertária no Brasil, no início do século XX. Além disso, podemos repensar o papel dessa 
racionalidade libertária proposta pelos anarquistas. 
 
Valores e princípios da educação racional libertária 
 
 Há princípios que são comuns nas propostas libertárias: a luta contra a autoridade e a 
busca da transformação da sociedade. Esses princípios pretendem destruir a ordem estabelecida 
para buscar a renovação e a reconstrução da sociedade. Mas há um ingrediente a mais na 
educação libertária, a crença numa racionalidade que pode possibilitar a libertação do homem. A 
crença nas possibilidades iluminadoras e libertadoras da razão se consolida a partir do final do 
século XVIII, com o movimento Iluminista na Europa. No século XIX, as diferentes tendências 
socialistas e anarquistas abraçam a racionalidade como um instrumento imprescindível para 
libertação do homem frente as superstições e dogmas. Acreditavam que a razão humana poderia 
ser o veículo por meio do qual o homem se educaria para criar uma nova ordem no mundo social 
e natural. Desse modo, o homem não se submeteria mais ao crivo da autoridade ou da tradição, 
seu guia seria a sua racionalidade, por meio da qual o homem poderia conhecer mais 
profundamente a realidade. Acreditavam que a razão humana poderia conduzir o homem na 
direção de uma nova organização da realidade social, porque a razão libertava o homem dos 
dogmas, por isso um novo tipo de sociedade dependia da intervenção de ações racionais. O 
homem consciente guiado pela razão poderia fazer mudanças substanciais na sociedade. No 
periódico O Trabalho, publicado em São Paulo, em 1˚ de maio de 1931, um artigo ao analisar os 
fatores que conduzem a revolução social dizia: 
 
“Implacável e destruidor, intelligente e constructivo, tal é o movimento do homem 
consciente, que procura a reintegração da espécie no verdadeiro rythmo da vida livre e 
desembaraçada da Natureza”. (O Trabalho, 1˚ de maio de 1931, p.2) 
 
 
 Anarquistas e socialistas associavam a questão da racionalidade com a liberdade, assim a 
racionalidade não deve ser apenas um recurso epistemológico para chegar à verdade, mas um 
instrumento que possibilitaria a libertação dos limites impostos pelos dogmas e superstições 
vigentes na realidade. Propunham unir três princípios: a racionalidade, a liberdade e a 
espontaneidade na educação racionalista libertária. 
De acordo com os defensores da pedagogia libertária, a racionalidade e a liberdade são 
princípios importantes para promover mudanças básicas na estrutura da sociedade e substituir o 
estado autoritário por um modo de cooperação entre indivíduos livres. 
 É preciso assinalar que a formação de indivíduos livres é um princípio fundamental na 
proposta anarquista de educação, pois ao consultar os periódicos socialistas de tendência não 
anarquista constatamos que esta perspectiva não é enfatizada. Há entre os anarquistas uma 
preocupação com a soberania da escolha individual, o anarquista rejeita tanto a democracia 
quanto a autocracia. O anarquismo prega a soberania da pessoa. Uma quantidade expressiva de 
anarquistas propõe uma espécie de comunismo libertário, uma formação social sem hierarquia e 
autogestionária, sem a exploração do homem pelo homem. 
A luta pela soberania da pessoa e de uma sociedade onde todos trabalhariam com 
liberdade caracteriza a visão anarquista de mundo. Kropotkin ilustra bem essa visão, quando 
explica o que é comunidade, de acordo com ele, comunidade é uma associação voluntária que 
reúne os interesses sociais, representada por um grupo de indivíduos que produz uma rede de 
cooperação com outras comunas (Woodcock, 2002). 
Para os anarquistas os indivíduos são “unidades ativas, independentes, capazes de 
produzir e gerenciar em autogestão, sem as muletas políticas, religiosas, sem chefes: vai até onde 
a liberdade e a inteligência o possa levar” (Rodrigues, 1999, p.3). Por isso a formação 
educacional dessa pessoa livre deve ser realizada a partir de uma formação educacional específica 
e com uma proposta educacional que permita o desenvolvimento de todas as suas 
potencialidades. 
Os anarquistas concluíram que o Estado capitalista não possuía um tipo de pedagogia e 
instituições escolares que formassem o indivíduo livre, na verdade o capitalismo produzia escolas 
com uma pedagogia autoritária, que reproduzia a opressão, por isso era necessário construir suas 
próprias escolas com princípios de um novo tipo de pedagogia. 
 Segundo os anarquistas, a pedagogia autoritária era um meio para subjugar as pessoas 
com o intuito de fazê-las obedecer e pensar de acordo com os dogmas sociais. Esta postura 
impossibilitaria a construção do novo homem, autônomo e livre pensador. A busca pela 
formação do novo homem é uma constante nas propostas educacionais anarquistas. Esta busca 
sempre esteve associada a racionalidade e a liberdade. No jornal Tribuna do Povo, publicado em 
Recife, no dia 1˚ de março de 1919, encontramos a letra do Hino Libertário que expressa bem os 
ideais daqueles que defendiam este novo tipo de formação educacional: 
Hymno Libertário 
Gloria ao Bem, ao Amor e à Sciencia, 
A Verdade, a Belleza e a Perfeição, 
Glória à Patria Pacifica, à eminência 
Da Arte, ó divina, ó sideral visão. 
 
Paz a todas as almas bemfazejas 
Que pelejam contra a tyrannia 
Da tyrannia horrível das igrejas 
A opressão infernal das enxovias 
 
Maldição à miséria, ao servilismo 
Ao rico que não vê o pobretão 
E quer vivendo em reles egoísmo, 
Despedaçar o reino da Illusão 
 
Gloria ao irreverente, ao libertário 
Que investiu contra todas cadeias 
E em puro sangue e em cujas veiasResplandece um porvir embryonario 
 
Gloria a Guerra Junqueiro, alma em peleja 
A Bakunine, a Ferrer, a Tolstoy 
E a Nietzsche cujo espírito lampeja 
Tanto e cuja agonia tanto doi 
(Salomão Bombarda. Tribuna do Povo, 1˚/05/1919, p.2) 
 
 Neste hino estão alguns princípios comuns entre aqueles que defendiam as propostas 
libertárias: a luta contra a opressão e a miséria, a busca da paz e a crença na ciência, como 
também são citados diferentes teóricos que inspiraram a filosofia anarquista: Bakunin, Ferrer y 
Guardia e Tolstoi. 
Acreditam que a fusão entre a racionalidade e a liberdade pode embasar uma proposta 
pedagógica que promoverá mudanças básicas na estrutura da sociedade, de modo que possa 
substituir o estado autoritário por um modo de cooperação entre indivíduos livres. Esses 
princípios poderiam conduzir um novo tipo de educação integral, que tem como meta a 
capacitação dos oprimidos (Cf. Guardia, s/d). 
 Os anarquistas passam a sugerir um novo tipo de educação, que educassem as crianças 
com noções positivas e verdadeiras, baseadas na experiência e na demonstração racional, ela 
ficaria preparada para qualquer tipo de estudo (Cf. Guardia, s/d). Procuram implantar uma escola 
que não trabalhe com limitações e dogmatismo, buscando fundamentar o conteúdo curricular na 
ciência. Segundo Ferrer y Guardia (s/d), a ciência possibilita o verdadeiro conhecimento e 
confere realidade as coisas, pois faz com que não fiquemos imersos nas ilusões. A ciência deve 
ser ensinada à criança desde a mais tenra idade, pois se educamos a criança com ilusões e erros, 
essa criança será educada para ser um adulto que impedirá o progresso. 
 
 Os defensores da pedagogia racional libertária, entre eles Ferrer y Guardia, consideram a 
ciência um patrimônio de todos, porque ela permite dissipar erros e capacita os homens para que 
conheçam efetivamente os objetos. Por isso, a educação deve privilegiar o conhecimento 
racional, mesmo porque, de acordo com Ferrer y Guardia, geralmente a formação fornecida pela 
família e pela escola era cheia de preconceitos, de tradições e dogmatismos, o que fazia com que 
os indivíduos ingressassem na sociedade com uma visão deformada. Decide, assim, implantar a 
Escola Moderna, na Espanha, para que ela superasse as limitações e o dogmatismo, buscando 
fundamentar o conteúdo curricular na ciência. A Escola Moderna foi inaugurada em 8 de 
setembro de 1901, com trinta alunos, 12 meninas e 18 meninos, foi instalada em Barcelona, na 
Rua Bailén, uma escola que devia ser racional e científica. No Programa da escola revela que a 
meta é fazer com que meninos e meninas tornem-se pessoas instruídas, verdadeiras, justas e 
livres. 
Estimula as atitudes próprias de cada aluno, para que com seu valor individual, cada aluno 
seja um membro útil da sociedade. Busca preparar uma humanidade fraternal, sem distinção de 
sexos. A escola aceitava crianças a partir de cinco anos. No Programa da Escola Moderna, havia 
a proposta para abrir aos domingos, no intuito de oferecer aulas de história geral, ciências, artes e 
discutir as lutas pelo progresso. Essas aulas poderiam ser freqüentadas pelas famílias dos alunos. 
A escola estava instalada com boas condições de higiene e os alunos teriam inspeção médica ao 
ingressar na escola para evitar propagação de enfermidades contagiosas. 
 Para conduzir a escola foi constituída uma Junta Consultiva e o primeiro número do 
Boletim da Escola Moderna foi publicado em 30 de outubro de 1901, onde havia os termos gerais 
dos fundamentos da Escola Moderna. Ferrer y Guardia considerava a ciência é um patrimônio de 
todos. 
 
Outro aspecto fundamental de sua proposta educacional era a coeducação de meninos e 
meninas. Mas como a questão da coeducação não era acatada na Espanha, Ferrer y Guardia não 
alardeou seus propósitos na proposta de sua escola, quando uma pessoa vinha matricular um 
menino, ele perguntava se tinha uma menina em casa, incentivando a matriculá-la. Foi, assim, 
que na sua escola foi matriculada uma quantidade significativa de meninos e meninas. 
 
Ferrer y Guardia considerou importante a convivência de meninos e meninas, porque a 
natureza, a história e a filosofia ensinam que a mulher e o homem são seres humanos iguais. O 
ensino misto está presente em todos os povos cultos, por isso as crianças de ambos os sexos 
devem ter uma educação idêntica; uma educação que desenvolva a inteligência, purifique o 
coração e tempere suas vontades. Homens e mulheres se complementam. A mulher é a 
companheira do homem. Questiona a hipocrisia da igreja em relação ao papel do homem e da 
mulher. Considera que na cultura patriarcal a mulher não tem autonomia, está sob o domínio do 
homem. 
 Outro aspecto que destacamos como princípio da pedagogia racional libertária é a 
coeducação das classes sociais. Assim como pensa a coeducação dos sexos, Guardia concebe 
também a coeducação das classes sociais. Acreditava que uma escola somente para meninos 
pobres não é uma escola racional, porque nessa escola corre-se o risco de cultivar o ódio. Porque 
se não lhes ensinasse a submissão e a credulidade, deveríamos lhes ensinar a rebeldia, o que 
acirraria o ódio. Esse é um dilema, porque não há um meio termo para uma escola de deserdados. 
Este é um tema delicado. A Declaração revolucionária diz: “os homens nascem e permanecem 
livres e iguais em direitos”, assim não pode haver diferenças sociais, se elas existem, ou seja, uns 
dominam os outros, então é racional e natural a rebeldia. “Os explorados têm que ser rebeldes, 
porque têm que reclamar os seus direitos até atingir sua completa e perfeita participação no 
patrimônio universal” (Guardia, s/d, p.35). 
 De acordo com Ferrer y Guardia, uma escola para meninos ricos não seria racional, 
porque cultivaria o privilégio. “A coeducação de pobres e ricos, que põe em contato uns com os 
outros na inocente igualdade da infância, por meio da sistemática da igualdade da escola racional, 
essa é a escola, boa, necessária e reparadora” (Guardia, s/d, p.36). Assim, Ferrer y Guardia 
buscava instaurar um novo tipo de ambiente escolar que trabalhasse com a diferença e a 
heterogeneidade. 
Podemos perceber que os princípios racional e libertário no pensamento pedagógico 
anarquista buscam instaurar uma nova mentalidade no processo educacional, incorporando as 
discussões epistemológicas do século XIX, mas incorporando a luta contra a desigualdade e pela 
emancipação do homem, uma educação que dentro de seus limites buscava a transformação. 
Enfatizamos aqui as idéias de Ferrer y Guardia porque este pensador anarquista 
influenciou profundamente a pedagogia libertária no Brasil e inspirou a fundação das Escolas 
Modernas em nosso país. 
 
A educação libertária no Brasil 
 
 As primeiras escolas baseadas na pedagogia racional libertária surgiram no contexto educacional 
brasileiro, no início do século XX, quando se acentuou o debate sobre o papel social e político da 
escola. Além disso, nas primeiras décadas do século XX, houve um intenso fluxo migratório no 
Brasil, os imigrantes italianos e espanhóis trouxeram para o movimento sindical o ideário 
anarquista, para os anarco-sindicalistas a formação educacional via escola e imprensa era 
fundamental, porque precisavam instalar novos valores que possibilitassem enfrentar o processo 
de dominação das consciências, ou seja , a subordinação intelectual. 
As escolas que defendiam o ideal racional libertário, apesar das dificuldades, sobreviveram 
durante anos sem o auxílio do Estado. Acreditavam que a dependência do Estado era maléfica 
para a educação, pois este defendia os interesses burgueses e controlava a educação, por meio da 
nomeação dos professores, do controle sobre os conteúdos programáticos e da legislação 
educacional, assim o Estado criava a ambiência para a burguesia dominar, por meio da instrução, 
as massas populares. Para os anarquistas, a liberdade é um princípiofundamental para a 
educação. 
No Brasil, os anarquistas consideraram importante a abertura das Escolas Modernas, que 
seguiam os princípios libertários da pedagogia de Francisco Ferrer y Guardia e essas escolas não 
estavam sob a tutela do Estado burguês. De acordo com registros de livros e periódicos, 
detectamos a existência das seguintes Escolas Modernas ou que seguiam a proposta das Escolas 
Modernas no Brasil: 
• Escola Nova, fundada em 1909, situada na Av. Celso Garcia, 262, São Paulo. 
• Escola Moderna n°1, fundada em maio de1912, situada na Rua Saldanha Marinho, 66, 
São Paulo. 
• Escola Moderna do Ceará, fundada em 1911, situada na Rua Major Fecundo, 186, 
Fortaleza. 
• Escola Moderna n°2, fundada em 1913, situada na Rua Müller, 74, São Paulo. 
• Escola Moderna de Petrópolis, fundada em 1913. 
• Escola Moderna de Porto Alegre, funcionava em 1919 à Rua Ramiro Barcelos, 197 
• Escola Racional Francisco Ferrer, fundada em 1919, em Belém do Pará. 
• Nova Escola, fundada em 1920, no Rio de Janeiro. 
• Escola Livre, fundada em 1920 pelos Operários em Fábricas de Tecidos de Petrópolis. 
Outras escolas que empregaram métodos semelhantes aos da Escola Moderna, no Brasil: 
• Escola Eliseu Réclus, de Porto Alegre. 
• Escola da União Operária de Franca, fundada em 1912, por Teófilo Pereira. 
• Escola Noturna da Liga Operária de Sorocaba, fundada em 1912. 
• Escola Operária 1° de Maio, localizada em Vila Isabel e depois em Olaria, Rio de Janeiro. 
• Universidade Popular de Cultura Racional e Científica, fundada em 1915, anexa a Escola 
Nova de São Paulo, e que oferecia cursos preparatórios para professores. 
• Escola Joaquim Vicente, fundada em 1920, em São Paulo. 
• Escola Profissional, fundada em 1920 por iniciativa da União em Fábricas de Tecidos, no 
Rio de Janeiro. 
• Escolas para Operárias do Centro Feminino Jovens Idealistas (duas), fundadas em 1920, 
situadas na Rua Borges de Figueiredo, 37, e na Rua Joli, 125. 
• Escola da Liga da Construção Civil, fundada em 1920, em Niterói. 
• Grupo Escolar Carlos Dias, "órgão do Sindicato dos Pedreiros, Carpinteiros e Demais 
Classes dos Trabalhadores em Geral", em Salvador. 
Gostaríamos de ressaltar que estamos em busca de dados mais consistentes sobre essas 
escolas, pois recolhemos essas informações de modo esparso em notícias de periódicos ou de 
menção em textos de diferentes autores. A título de exemplo podemos citar a notícia de uma 
Universidade Popular, na Tribuna do Povo, publicada em Recife, em 21 de junho de 1919: 
“Folgamos em noticiar hoje que se cogita entre nós da fundação nesta cidade de 
uma Universidade Popular. Pugnando por esse valioso e mais do que nunca oportuno 
emprehendimento temos a registrar nomes feitos e acatados na sociedade e no 
movimento cultural de Pernambuco. A Universidade Popular vem incontestavelmente 
preencher uma lacuna no meio estreito e acanhado em que vivemos. O povo, na sua 
grande maioria, permanece inculto. Inculto e supersticioso. Convém, pois, instruir o 
povo nos moldes da educação racionalista. Especialmente para o operariado, que é de 
todas as classes a mais desprotegida, esse novo centro de cultura vem prestar relevantes 
serviços. Daremos no próximo número notícias mais detalhadas”. (Tribuna do Povo, 
21/06/1919, p.1) 
Como já mencionamos em outros trabalhos a primeira Escola Moderna brasileira foi 
criada em maio de 1912, em São Paulo, quem a dirigiu foi professor João Penteado, um 
anarquista, admirador de Ferrer y Guardia. A Escola Moderna nº 1, de São Paulo, tornou-se um 
paradigma da educação libertária no Brasil. Ela surgiu com o apoio de anarquistas e de pessoas 
que ansiavam mudanças educativas: socialistas, livres-pensadores, entre outros (Luizetto, 1986). 
Nas Escolas Modernas brasileiras, assim como as Escolas Modernas espanholas, cultivava-se 
a educação racional e a coeducação, porque se acreditava que meninos e meninas, homens e 
mulheres deveriam compartilhar o mesmo espaço educativo. Essas escolas fundamentavam seus 
métodos de ensino procurando respeitar a solidariedade, a liberdade, a individualidade e a 
criatividade da criança ou do jovem. Os anarquistas procuravam mostrar a importância das 
aptidões naturais dos educandos, de modo que estes desenvolvessem ao máximo suas 
potencialidades. 
 A educação anarquista preocupava-se também com ensino profissional para adultos e 
promovia várias atividades culturais, como palestras e conferências. Havia uma estreita relação 
entre as escolas e os jornais anarquistas, pois acreditavam que os jornais poderiam também 
exercer um papel educador. 
Para os anarquistas, a educação e as demais atividades culturais eram importantes para a 
transformação das relações sociais e econômicas, no sentido de instituir uma sociedade 
igualitária, justa e libertária. Assim, os jornais e as escolas eram instrumentos importantes e 
também uma estratégia de luta para desenvolver mentes livres e racionais que construiriam uma 
sociedade libertária. 
 È importante destacar como a imprensa tornou-se uma forte aliada no processo 
educacional, ou seja, um instrumento que possibilitaria o trabalho com a consciência dos 
trabalhadores em geral. No periódico União dos Operários, publicado em Santos, em 15 de 
setembro de 1905, por intermédio do artigo intitulado Imprensa, podemos registrar o papel 
relevante que esta assumia no movimento operário: 
“A Imprensa que é a propagadora da verdade, do direito, da justiça e da civilisação, é a 
que nos traz noticias dos acontecimentos contemporâneos, tornou-se indispensável à 
vida dos povos, como a luz que illumina tudo quanto aos nosso olhos se apresenta; a 
imprensa é a luz que nos guia para o aperfeiçoamento moral, e nos ensina tudo o que 
existe em volta de nós, e o caminho que devemos seguir para alcançar o bem estar geral 
da humanidade”. (União dos Operários, 15/09/1905, p. 1) 
 
 A educação através da imprensa era possível porque nos sindicatos, nos Centros Culturais 
e nas escolas, os anarquistas tinham o costume de fazer sessões de leitura de jornais, após a 
leitura era feito o debate sobre os temas lidos. A ação da pedagogia racional libertária tina como 
pressuposto uma ampla formação, a formação integral do ser humano, não importando se este ser 
era um criança, jovem ou adulto. Os anarquistas organizavam palestras e conferências nos 
chamados Centros de Cultura Social. Produziam jornais e outras atividades culturais, ações que 
visavam a transformação da sociedade na qual viviam os operários. Havia uma articulação entre a 
imprensa, os Centros de Cultura Social, as Ligas dos trabalhadores e as escolas libertárias. 
 Os diferentes espaços educativos que seguiam os preceitos da proposta racional libertária, 
procuravam pautar suas ações em princípios morais que valorizassem a solidariedade, a 
cooperação, o respeito ao outro e a liberdade para formar um novo homem que construísse um 
novo tipo de formação social. Lembramos que o estudo da ciência era sempre o fio condutor 
dessa proposta educativa, porque a meta era atingir uma educação moral orientada pelo 
racionalismo científico. Mas, de acordo com a proposta libertária, esse racionalismo deveria 
estar a serviço da libertação do homem e nunca podia permitir qualquer processo de alienação ou 
opressão. 
Assim as escolas tinham como objetivo ministrar uma educação livre de preconceitos. Os 
alunos deveriam utilizar educação científica para empreender a crítica a sociedade vigente. Os 
anarquistas preconizavam também os métodos baseados na ação, preparavam para o trabalho e 
para a militância. Por isso existia um forte vínculo entre a educação anarquista e a produção de 
periódicos, porque os anarquistas acreditavam que para efetivar uma mudança de mentalidade era 
preciso unir diferentes atividades culturais como: escolas, jornais, centros culturais e outras 
atividades, para conseguir transformar a sociedade. 
 Como já mencionamos anteriormente, nasatividades culturais e nas aulas, a leitura e 
discussão de artigos de jornais serviam como um método pedagógico para refletir sobre 
problemas do cotidiano e também para sistematizar as idéias e organizar o pensamento. Os 
anarquistas possuíam uma intensa produção de periódicos, porque estes eram instrumentos 
propagadores de seus princípios. 
 A produção de periódicos foi importante para o movimento anarquista e a pedagogia 
libertária, porque a imprensa permite a construção de uma rede de informações. Nas reuniões em 
diferentes espaços, como fábricas, escolas ou centros de cultura, a leitura em voz alta de notícias 
de jornais tornou-se uma eficaz ação pedagógica. Os anarquistas acreditavam que essas ações 
fortaleciam a luta pela transformação dos princípios que regiam a sociedade burguesa. 
 Devemos destacar que essas leituras e discussões não ficavam restritas aos 
operários que defendiam a causa anarquista, outros trabalhadores participavam dessas atividades, 
o que configura um trabalho político importante. As estratégias de caráter pedagógico foram 
fundamentais para a ação anarquista. Os anarquistas acreditavam que a educação poderia atuar de 
modo significativo na mudança profunda da realidade e seria uma estratégia importante para 
implantar um novo tipo de sociedade, sem hierarquia, uma sociedade ácrata, onde cada um seria 
responsável pela gestão, ou seja, a educação libertária precisava desenvolver uma consciência 
anárquica, que rejeitasse qualquer relação autoritária, formando uma nova forma de organização 
social – a autogestão. 
Entre os anarquistas, a educação foi a estratégia utilizada para instaurar a reflexão sobre as 
desigualdades sociais e econômicas. Acreditamos que esta estratégia devia ser pensada com 
maior profundidade, principalmente por aqueles que militam em instituições que pretendem 
pensar a transformação social, porque a principal preocupação desses militantes foi a mudança 
profunda e radical de seus valores e princípios. Consideramos que a reversão de valores e 
princípios é imprescindível caso queiramos instaurar um novo tipo de homem e sociedade. É 
preciso empreender uma revolução política e econômica, aliada a uma revolução de princípios 
e valores, o que necessariamente nos faz passar pelas mudanças profundas no campo da 
educação. 
Podemos discordar de alguns pressupostos da pedagogia racional libertária, mas no início 
do século XX, ela possibilitou uma discussão significativa sobre o modelo educacional que 
vigorava aquela época e foi uma estratégia de luta importante para os trabalhadores. 
Acreditamos que precisamos refletir no século XXI, algumas idéias que ficaram um 
pouco no limbo das discussões pedagógicas como as idéias de Ferrer y Guardia e Kropotkin, 
assim como precisamos rever os princípios defendidos pelos educadores da pedagogia racional 
libertária. 
 
Breves Reflexões sobre Kropotkin 
Sabemos que a educação foi considerada uma das peças fundamentais para a revolução social 
anarquista, pois acreditavam firmemente no poder transformador do processo educacional. 
Kropotkin, assim como Ferrer y Guardia foram os autores que mais influenciaram a proposta 
pedagógica racional libertária que vigorou nas Escolas Modernas brasileiras. Kropotkin sempres 
e preocupou em unir teoria a prática, por isso defendeu a relação estreita entre trabalho intelectual 
e trabalho manual, nos processos educativos. Segundo ele, os cientistas desprezavam o trabalho 
manual, o que fez com que as academias ignorassem a importância da articulação entre esses dois 
tipos de trabalho. 
Considerava também a educação científica imprescindível para o trabalhador porque todo 
ser humano precisa receber uma educação que articule os diferentes conhecimentos. A proposta 
educacional de Kropotkin enfatizava o papel central da razão no processo educativo, a 
racionalidade científica deveria ser trabalhada em todas as escolas, caso vislumbrássemos formar 
todos com a mesma qualidade, com a intenção de dar oportunidades iguais aos trabalhadores. 
Kropotkin também defendia a coeducação dos sexos e priorizava a educação integral, 
onde não se distinguiria o trabalho intelectual do manual. Criticou o caráter superficial da 
aprendizagem, pois acreditava que a escola deveria priorizar o domínio dos mecanismos do 
aprender, ou seja, o estudante deve sempre estar em busca dos conhecimentos. 
Kropotkin propôs uma espécie de socialização do conhecimento científico por intermédio 
da escola. Ele defendia a formação de um grande contingente de pessoas com capacidade crítica 
para formar uma espécie de comunidade crítica, com o intuito de ampliar a capacidade de 
produção científica. 
Ele considerava a educação como um processo que poderia fazer a reversão de valores e 
princípios, o que é imprescindível para instaurar um novo tipo de homem e sociedade. 
 
Considerações Finais 
 
Para finalizar gostaríamos de assinalar que a partir do material consultado, constatamos 
que a educação anarquista foi uma estratégia para instaurar a reflexão sobre as desigualdades 
sociais e econômicas. Essa nova força social somente seria construída a partir de um novo tipo 
de educação que permitiria não somente o acesso aos diferentes tipos de conhecimento, como 
também a uma ampla discussão sobre os destinos da sociedade. 
 Consideraram que para enfrentar o processo de dominação seria preciso criar instituições 
escolares que desenvolvessem uma proposta que possibilitasse a formação de uma nova 
mentalidade. Na verdade, era preciso instaurar uma visão de mundo baseada em valores tais 
como: solidariedade, cooperação, igualdade e liberdade. Com essa intenção criaram, no Brasil, 
suas escolas, que apesar de modestas, poderiam começar um processo de combate a visão 
subalterna de mundo e proporcionar uma visão de mundo racional e crítica para desenvolver uma 
sociedade libertária. 
Essas experiências demonstram como os educadores anarquistas brasileiros, travaram uma 
luta constante para construir uma sociedade mais justa, por meio dos caminhos pedagógicos. 
Buscavam, por meio da educação, um novo tipo de consenso social. 
A reflexão sobre os desdobramentos da pedagogia racional libertária nos leva a pensar em 
novas estratégias de luta e também num novo sentido para a formação educacional. 
Consideramos que não podemos ignorar e menosprezar a questão da transformação via educação, 
reconhecemos a mudança estrutural de uma formação social exige uma luta complexa que requer 
diferentes estratégias e ações. 
 No início do século XX, essa proposta educacional refletiu seriamente sobre novos 
caminhos que a educação brasileira poderia tomar, instaurando um processo de reversão dos 
valores vigentes. Os princípios de racionalidade e liberdade que nortearam essa proposta 
educacional, deu uma nova conotação ao conceito de racionalidade, uma racionalidade que leva o 
homem a um processo de desalienação. 
Para os anarquistas não podemos enfrentar o processo de dominação, sem a mudança de 
mentalidade, ou seja, de valores e princípios. O verdadeiro socialismo somente seria implantado a 
partir da educação de uma nova consciência. Pro isso, era necessário criar instituições escolares 
que desenvolvessem uma proposta que possibilitasse a formação de uma nova consciência, 
fundamentada numa visão de mundo pautada em valores tais como: solidariedade, cooperação, 
igualdade e liberdade. Com essa intenção criaram, no Brasil, escolas, que apesar de modestas, 
poderiam começar um processo de combate a visão subalterna de mundo e proporcionar uma 
visão de mundo racional e crítica para desenvolver uma sociedade libertária. 
Essa proposta pedagógica pode ser considerada desafiadora, até hoje, porque lida com as 
bases efetivas de um pensar crítico e libertário, ou seja, a meta a ser atingida é uma sociedade 
edificada sob os princípios da solidariedade e da liberdade. Consideramos significativa aretomada de um estudo histórico mais profundo dessa tendência pedagógica no Brasil, não para 
mitificá-la, mas para refletir sobre a possibilidade de mudança radical de valores e princípios na 
educação brasileira contemporânea. 
 
 
 
 
 
 
 
 
Referências Bibliográficas: 
 
 
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Fronteira, 1977. 
 
GALLO, Sílvio. Educação e Liberdade: a experiência da Escola Moderna de Barcelona, in: 
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GUARDIA, Franciso Ferrer y. La Escuela Moderna. Madrid, Ediciones Solidaried, s/d. 
 
KASSICK, Neiva Beron. & KASSICK, Clovis N. A Contribuição do Pensamento Pedagógico 
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LUIZETTO, Flávio Venâncio. O Movimento Anarquista em São Paulo: a experiência da Escola 
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WOODCOCK, George. História das idéias e movimentos anarquistas. Porto Alegre: L&PM 
Pocket, 2002. vol 1 – A Idéia 
 
 
ARQUIVOS: 
 
Arquivo Pessoal de Fábio Luz .Rio de Janeiro 1889/1933. Arquivo Nacional 
 
Arquivo Edgard Leuenroth (AEL). Campinas, UNICAMP.

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